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Universidade Lusiada de Lisboa Teoria da Infracao Penal 24-01-2016 A, sob 0 efeito de um ataque de sonambulismo, agredi 0 marido, G, atirando-Ihe com um cinzeiro a cabega. Para evitar que a situagao pudesse repetit-se, eventualmente com consequéncias mais graves, A consultou 0 seu médico, B, a quem contou 0 sucedido 6 pedi um medicamento que pudesse eliminar os riscos de uma repeticao, B, que amava A-em segredo, viu ali uma oportunidade de se livrar de C, Deu a A um medicamento perfeitamente indcuo, dizendo-he que, se o tomasse, no voltaria a ter problemas. Nessa mesma noite, A, novamente sob 0 efeito do sonambulismo, pegou numa pistola ~ que, no entanto, néo chegara a carregar — e apontou-a a C. Este, que acordou no preciso momento em que A Ihe estava a apontar a pistola, sé teve tempo de Ihe dar um violento empurrao que a projectou para tras e a fez bater com a cabega num dos méveis do quarto, A ficou paraplégica para o resto da vida. Alguns dias depois, contava C a um amigo, D, 0 sucedido, quando este, no melo da conversa, Ihe disse, “Esse tipo merece morrer. Se fosse comigo matava-o". Aquela frase, @ que na altura C nem deu muita importancia, nos dias seguintes surgiu-Ihe vezes sem conta na cabega. Até que, finalmente, decidiu: “Vou maté-fo” C sabia que, quando estava de servigo, B jantava num pequeno restaurante perto do hospital. Elaborou entéo © seguinte plano, que nessa mesma noite pés em pratica: ofereceu a um dos arrumadores que sempre estavam ali por perto € 50 para que fosse ao restaurante dizer a C que viesse depressa & rua porque Ihe estavam a rebocar 0 automdvel. O arrumador, E, que viu C com um pau na mao, desconfiou das intengSes deste, mas C "descansou-o” ‘com mais € 100 ¢ dizendo-the que era sé para dar a B um pequeno corrective. E, que acreditou em C, ainda pensou: “mesmo que venha a descobrir-se 0 que fiz nao posso ser punido. Afinal, é ele que the vai bater. Eu sé vou dizer uma pequena mentira e, que eu saiba, isso ainda néo é crime’. Quando B saiu do restaurante e se dirigiu apressadamente ao automével, C, que o esperava atras de uma drvore, deu-the uma violenta paulada na cabeca e desatou a fugir. E, que assistiu a tudo, reparou que B ainda estava vivo, mas decidiu nada fazer para o ajudar, pois pensou que se ele morresse tanto melhor, uma vez que seria mais dificil iga-lo a0 que acontecera. E, efectivamente, B acabou mesmo por falecer minutos depois. Determine a responsabilidade criminal dos intervenientes. Universidade Lusiada de Lisboa Faculdade de Direito Exame de Teoria da Infragao Penal Responsabilidade criminal do A A nao tem qualquer responsabilidade criminal uma vez que, estando sob 0 efeito do sonambulismo, néo hd sequer uma ago juridico-penalmente relevante, No segundo momento, no fora a falta de capacidade agéo, estariamos perante uma tentativa impossivel de homicidio do marido, que seria punivel por néo ser manifesta a inaptiddo do meio empregado pelo agente (artigo 23°, n° 3, do Cédigo Penal) Responsabilidade criminal de B B € autor mediato de uma tentativa de homicidio de C, uma vez que tem o dominio da vontade de A (através da indugéo em erro quanto & aptidao do “medicamento” que Ihe deu para eliminar 0 risco de repetigao do ataque de sonambulismo). Responsabilidade criminal de C No que se refere 4 primeira parte da hipétese, C estd em erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de exclusdo da ilicitude supralegal (0 estado de necessidade defensivo), previsto no artigo 16°, n° 2 que, por remissao para o n° 1 do mesmo preceito, conduz & excluséo do dolo. Ficaria, depois, ressalvada a possibilidade de punig&o por negligéncia (148°) nos termos gerais. Nao se poderia considerar que seria uma situagao de legitima defesa (ainda que putativa) porque o comportamento de A ndo € sequer acéo humana e, consequentemente, nunca poderia configurar uma agressao ilicita para efeitos do preceito da legitima defesa. No que se refere & segunda parte da hipétese C 6 autor material de um crime de homicidio doloso. A omissao de E, neste caso, no interrompe 0 processo causal e, consequentemente, ndo impede que a morte de B the possa ser objetivamente imputada. Responsabilidade criminal de D Pretendia-se que fosse discutida a possibilidade de qualificar D como instigador do homicidio praticado por C. No caso concreto importava, designadamente, discutir a questéo de saber se D teria atuado com o duplo dolo necessario & punigao do instigador. Responsabilidade criminal de E Num primeiro momento E seria apenas otimplice (¢ ndo coautor) de C, uma vez que o seu contributo nao era suficiente para que se pudesse considerar que tomou parte direta na execugéo do homicidio. Num segundo momento (0 da omisséo) deveria discutir-se a possibilidade de punir E como autor (paralelo) do homicidio por omissao, assente numa posigao de garante fundada na ingeréncia (uma vez que, antes, contribuiu para o perigo de forma ilicta), Ainda relativamente a E haveria que identificar uma situagao de erro (censuravel) sobre @ ilicitude (artigo 17°, n° 2), na parte em que se refere na hipotese que o mesmo estava convencido de que o que estava a afazer ndo seria crime.

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