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Temas em debate

diálogos e aprendizagens

Mariana Luzia Corrêa Thesing


Lucineide dos Santos Soares
Marina Gleika Felipe Soares
(Organizadoras)
Temas em debate:
diálogos e aprendizagens
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(Série Ciclos Educacionais vol. IV)

Temas em debate:
diálogos e aprendizagens

1ª Edição

Mariana Luzia Corrêa Thesing


Lucineide dos Santos Soares
Marina Gleika Felipe Soares
(Organizadoras)

Rio de Janeiro
Dictio Brasil
2017
Copyright © da editora, 2017.

Capa e Editoração
Mares Editores

Os textos são de inteira responsabilidade de seus autores e não representam


necessariamente a opinião da editora.

Dados Internacionais de Catalogação (CIP)

Temas em debate: diálogos e aprendizagens / Mariana


Luzia Corrêa Thesing; Lucineide Maria dos Santos
Soares; Marina Gleika Felipe Soares (Organizadoras). –
Rio de Janeiro: Dictio Brasil, 2017. (Série Ciclos
Educacionais vol. IV)
328 p.
ISBN 978-85-92921-26-2
1. Educação. 2. Ensino I. Título.

CDD 370
CDU 37

2017
Todos os direitos desta edição reservados à
Mares Editores e seus selos editoriais
Dictio Brasil é um selo editorial de Mares Editores
CNPJ 24. 101. 728/0001-78
Contato: mareseditores@gmail. com
Sumário

Apresentação ................................................................................ 9

Paulo Freire e os desafios atuais da Educação Brasileira ........... 19

Tecnologias acessíveis: meandros de acessibilidade ao


conhecimento escolar de educandos com baixa visão .............. 38

A laicidade na escola pública brasileira: breve panorama histórico


e análise de documentos ............................................................ 58

Aprendendo no e com o coletivo: a importância da brincadeira


para a aprendizagem das crianças Xakriabá ............................... 91

Concepções de professores sobre a aprendizagens e


comportamentos de estudantes dos primeiros anos do ensino
fundamental ............................................................................. 117

Autoridade docente e autonomia estudantil: publicações e


discursos em Revista ................................................................ 139

A educação popular e o movimento de ocupações das escolas do


Vale do Rio Pardo ..................................................................... 165

O corpo como desafio na Educação: abordagens alemãs ........ 192

Reformas e iniciativas que favoreceram a proliferação de


discursos disciplinares no Brasil ............................................... 226

Formações continuadas e Análise Linguística na sala de aula:


contribuições (ou não) para a prática docente ........................ 247
Trajetórias e experiências com projetos sociais em uma escola
pública de São Paulo ................................................................. 280

Mobilização dos Registros de representação semiótica nas


avaliações do SAEPE em Pernambuco: um indicador para a
formação docente. .................................................................. 296

Sobre os autores ....................................................................... 318


Apresentação

Com o objetivo de traçar, em certa medida, um panorama das


pesquisas desenvolvidas na grande área da Educação, apresentamos
aos interessados a proposta de se unirem para a composição desta
coletânea que agora publicamos: Temas em Debate: diálogos e
aprendizagens, em dois novos volumes que se juntam a outros dois
publicados recentemente pela Série Ciclos Educacionais.
As pesquisas que aqui se apresentam versam sobre os mais
diferentes temas, buscando contribuir tanto para a análise crítica das
necessidades que urgem no ensino nacional, como sobre a legislação
e também os diálogos que se fazem necessários e que se tem
estabelecido com outras áreas do conhecimento.
O capítulo de abertura desta coletânea é Paulo Freire e os
desafios atuais da Educação Brasileira, no qual as pesquisadoras
Lucineide Maria dos Santos Soares e Marina Gleika Felipe Soares
analisam a educação frente aos desafios contemporâneos, tendo
como viés as concepções de Paulo Freire. A abordagem da situação da
educação brasileira foi feita com referência aos direitos educacionais
mais prementes assegurados na Constituição Federal de 1988, seguido
por uma análise em estudos de Paulo Freire quanto à educação e sua
relação aos desafios na promoção da justiça social e cidadania.
Evidencia-se que as políticas públicas, embora não tendo sido
efetivadas como se previa no planejamento que teve ampla

-9-
participação social através da CONAE em que se aprovou mais um PNE,
ainda correm sérios riscos de retrocesso especialmente quanto aos
parcos recursos financeiros que tendem a se reduzir por um tempo
prolongado, retrocedendo assim, os direitos sociais e os educacionais
que já haviam sido assegurados na via legal.
Em seguida, no capítulo intitulado Tecnologias acessíveis:
meandros de acessibilidade ao conhecimento escolar de educandos
com baixa visão, a pesquisadora Dulcineide da Silva Gomes apresenta
alguns resultados de uma experiência com o uso das tecnologias
acessíveis LentePro e Braille Fácil como ferramenta facilitadora das
aprendizagens do aluno com deficiência visual (baixa-visão). As TICs
em evidência foram planejadas e experenciadas com um aluno
diagnosticado com baixa visão congênita. E a escolha por essas
Tecnologias teve sua gênese nas relevâncias e nas possibilidades de
introdução do aluno partícipe, antes de sua possível cegueira total, na
leitura, no uso da informática e de facilitar sua apropriação do sistema
Braille, com o objetivo de verificar as potencialidades do uso dessas
tecnologias no alcance da aprendizagem do educando conforme plano
de ação. Após o uso das tecnologias experenciadas, os resultados
apontaram como sendo produtivo o uso dessas tecnologias junto ao
aluno com deficiência visual, ao envolvimento deste nas atividades e
de suas apropriações de conhecimentos e acessibilidade a
informações e a cultura digital.

- 10 -
Os pesquisadores Gregory Luis Rolim Rosa e Kelly Letícia da
Silva Sakata juntam a esta coletânea o capítulo A laicidade na escola
pública brasileira: breve panorama histórico e análise de
documentos, que, a partir da análise histórica do contexto brasileiro e
sob o aporte teórico do materialismo-histórico e dialético, objetiva
problematizar a laicidade no contexto social e educacional brasileiro e
a sua influência, mesmo que indireta, nas políticas educacionais. Para
tanto, dissertou-se sobre a influência histórica da Igreja Católica na
constituição da sociedade, desde o sistema Feudal, perpassando a
sociedade burguesa até o estabelecimento do Estado capitalista
vigente. Ao final, considera-se que o ensino ligado à religião está
presente desde a colonização brasileira e evidenciado nos documentos
legais. A análise reconheceu aproximações e distanciamentos entre
estes dois segmentos indicando que esta relação tem influenciado e
determinado a elaboração de políticas que desconsideram a ampla
diversidade cultural e de credo.
Em Aprendendo no e com o coletivo: a importância da
brincadeira para a aprendizagem das crianças Xakriabá, as
pesquisadoras Daniele Cristina de Souza Silvestre Caroba, Ana Carolina
Machado Ferrari e Rebeca Cássia Andrade afirmam que a educação
indígena não se restringe apenas à escola, ela acontece em todos os
espaços da aldeia, seja observando um adulto ou até mesmo outra
criança. Uma educação pautada na construção da autonomia. Este
estudo teve o objetivo de compreender como as crianças indígenas

- 11 -
aprendem através das suas relações com os mais velhos e com outras
crianças indígenas. Dentre os autores pesquisados para a constituição
conceitual deste trabalho, destacaram-se Conh (2000), Alvares (2004),
Silva (2012), Santos; Silva (2016) e Tassinari (2007). A metodologia
utilizada foi a pesquisa exploratória, tendo como coleta de dados o
levantamento bibliográfico. O brincar na aldeia é muito importante,
pois brincando as crianças aprendem os ofícios que levarão para a vida
adulta, interagem com outras crianças e, acima de tudo, se divertem.
A educação indígena não visa apenas à transmissão de saberes
formais, mas também de sua cultura, que acompanhará o indivíduo
por toda sua vida.
O capítulo seguinte, escrito pelas pesquisadoras Luciane
Guisso, Marivete Gesser e Milena Carolina Fiorini e intitulado
Concepções de professores sobre a aprendizagens e
comportamentos de estudantes dos primeiros anos do ensino
fundamental, tem como objetivo compreender, junto com
professores, as concepções de comportamentos e de aprendizagens
de estudantes dos primeiros anos do ensino fundamental. Aspectos
relacionados à aprendizagem e às maneiras como os estudantes estão
se comportando no contexto escolar têm sido temas preocupantes
para os docentes. O estudo foi realizado em uma escola pública e
contou com a participação de 12 docentes. As informações foram
obtidas por meio das técnicas de observação participante e grupo
focal. A análise desse trabalho foi realizada com base na metodologia

- 12 -
de núcleos de significação proposta por Aguiar e Ozella (2006, 2013).
O estudo mostrou que ainda vigora no imaginário social dos
professores uma concepção de estudante ideal. Também que os
docentes têm a expectativa de que os estudantes aprendam conforme
um tempo determinado se comportem de forma homogênea.
A pesquisadora Mariana Luzia Corrêa Thesing reúne a esta
coletânea o capítulo Autoridade docente e autonomia estudantil:
publicações e discursos em Revista, que tem o objetivo de apresentar
algumas considerações sobre as publicações da Revista do Ensino/RS,
no período de 1961 a 1974, que tratam do tema autoridade docente e
autonomia estudantil, para compreender quais os discursos teóricos
que as fundamentam. A partir de uma pesquisa nas edições da Revista,
foi encontrada uma quantidade expressiva de artigos relacionados a
essa temática. A análise dos textos, escritos em sua maioria por
professoras, mostrou que os discursos pedagógicos fundamentavam a
defesa dos valores éticos e morais para a formação do “bom aluno”,
do “bom cidadão” e da “boa pessoa”. Os textos revelam os
pressupostos teóricos e suas tendências educacionais e revelam as
escolhas políticas e filosóficas que dão sustentação aos seus
postulados.
Em seguida, a pesquisadora Beliza Stasinski Lopes apresenta o
capítulo A educação popular e o movimento de ocupações das
escolas do Vale do Rio Pardo, que tem como objetivo problematizar o
conceito de educação popular e de educação formal a partir de uma

- 13 -
pesquisa qualitativa sobre o papel docente no movimento de
ocupações ocorrido em 2016 e que teve o protagonismo de
estudantes do ensino fundamental e médio de escolas públicas.
Reflete-se sobre o trabalho docente no mundo de tantas contradições
socioeconômicas relacionando a prática aos saberes necessários dos
professores e professoras à realização de sua atividade para a qual a
construção da autonomia seria uma condição para a liberdade. Como
metodologia foram realizados três relatos de experiências de docentes
que se referenciam na pedagogia freiriana. Os/As professores/as que
participaram do movimento de ocupações apontam que a prática
docente não deve estar deslocada da realidade, tem se dialogar com a
realidade dos estudantes.
O capítulo intitulado O corpo como desafio na Educação:
abordagens alemãs, escrito pelas pesquisadoras Karina Limonta Vieira
e Gustavo Morais de Queiroz, tem como objetivo discutir e refletir
sobre o desafio do corpo na educação, tendo como suporte as
abordagens alemãs. Três questões são importantes: O que as
abordagens antropológica e sociológica alemãs contribuem para o
estudo do corpo? O que o paradigma do embodiment e a
complexidade de fenômenos contribuem para o estudo do corpo?
Quais os desafios de pesquisar o corpo na educação? Para responder
a esses questionamentos apresentamos o corpo a partir das
perspectivas sociológica e antropológica, o corpo enquanto
embodiment, o corpo enquanto complexidade de fenômenos e o

- 14 -
desafio do corpo na educação. Os desafios de pesquisar o corpo na
educação estão relacionados às limitações das abordagens teóricas
em considerar a complexidade do corpo.
No capítulo seguinte, Reformas e iniciativas que favoreceram
a proliferação de discursos disciplinares no Brasil, de autoria das
pesquisadoras Fernanda Monteiro Rigue e Tascieli Feltrin, visa-se
compreender o movimento que colocou uma rede de escolas
nacionais no centro das atividades educativas no Brasil em sua
historicidade. Assim, busca-se problematizar as principais
reformas/iniciativas do ensino público brasileiro anteriores à
constituição de 1988, são estas: Reforma Francisco Campos, Reforma
Gustavo Capanema e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN) de 1971, que são fundamentais à instauração de uma nova
forma de pensar o campo educativo. Por meio de uma revisão
bibliográfica de cunho qualitativo, refletiu-se os processos que
contribuíram para a estratégia de individualização de todos e cada um,
por meio da totalização de uma rede de escolas nacionais, produzindo
uma realidade educativa escolar disciplinarizante, para crianças e
jovens no cenário brasileiro.
No capítulo Formações continuadas e Análise Linguística na
sala de aula: contribuições (ou não) para a prática docente, os
pesquisadores Carlos Eduardo B. Alves e Ângela Valéria Alves de Lima
apresentam um recorte da dissertação Formação Continuada em
Serviço: contribuições para a prática pedagógica de Língua Portuguesa

- 15 -
nos anos finais do Ensino Fundamental, desenvolvida no âmbito do
ProfLetras (Programa de Mestrado Profissional em Letras) e que teve
como objetivo principal analisar quais os efeitos das formações
continuadas na prática dos professores de Língua Portuguesa,
refletindo sobre a oferta dessas formações e a efetivação, ou não, em
sala de aula dos conceitos veiculados nelas. Para tanto, toma-se por
base autores da área de formação de professores; teóricos e
pesquisadores do ensino de língua portuguesa (ANTUNES, 2003;
GERALDI, 1997; MENDONÇA, 2006) e documentos oficiais do ensino.
Neste texto, discute-se sobre o eixo análise linguística e os resultados
obtidos especificamente nesse eixo de ensino.
Em seguida, no capítulo intitulado Trajetórias e experiências
com projetos sociais em uma escola pública de São Paulo, o
pesquisador Fernando Rodrigues da Costa aborda os diferentes
projetos sociais e culturais ocorridos no Colégio Estadual Professor
Antônio Alves Cruz através do recorte e de um primeiro levantamento
de dados gerais entre o final dos anos de 1950 (data de sua fundação)
até os dias atuais. Seguindo estes pressupostos será possível compor
uma pesquisa crítica e que busca importantes analogias entre as
transformações políticas dentro do país e as implementações
propostas pela comunidade em conjunto com a formação e o
desenvolvimento de uma escola que hoje se tornou modelo em
atividades didáticas, sociais e culturais no âmbito do ensino público de
qualidade na Cidade de São Paulo.

- 16 -
Por fim, em Mobilização dos Registros de representação
semiótica nas avaliações do SAEPE em Pernambuco: um indicador
para a formação docente, o pesquisador Jose Robson de Araújo
discute a Teoria dos Registros de Representação Semiótica na
compreensão dos conhecimentos matemáticos entre estudantes do
3º ano de ensino médio, tomando como referência de estudo as
avaliações do SAEPE (Sistema de Avaliação Educacional do Estado de
Pernambuco) na área de Matemática. Apresenta-se, uma análise
realizada na avaliação do SAEPE no ano de 2015, mais precisamente
nos itens relacionados aos registros de representação semiótica, em
uma escola da rede estadual de ensino localizada na cidade de
Garanhuns - PE, com o intuito de verificar o desempenho de
estudantes das turmas de 3º série do Ensino Médio desta escola em
alguns itens considerados essenciais no ensino de Álgebra. Dentre
estes se ressalta a) à capacidade de reconhecer expressão algébrica
que representa uma função a partir de uma tabela; b) o
reconhecimento da representação algébrica de uma função do 1º grau
dado o seu gráfico e vice-versa. Foram analisados testes de 98
estudantes, número resultante da totalidade das três turmas
concluintes do Ensino Médio e, os resultados permitiram conhecer
que os estudantes possuem conhecimento limitado sobre Álgebra na
perspectiva dos registros de Representação Semiótica, sendo a
formação de professores um caminho para a melhoria do
desenvolvimento profissional dos professores e mudanças

- 17 -
satisfatórias no desempenho dos estudantes de 3º ano do ensino
Médio.
Esperamos que os capítulos aqui reunidos possam colaborar
com a reflexão sobre os temas ligados à Educação e que também
possam contribuir para essas discussões necessárias.
Desejamos a todos uma excelente leitura.
Os Editores.

- 18 -
Paulo Freire e os desafios atuais da Educação Brasileira

Lucineide Maria dos Santos Soares1


Marina Gleika Felipe Soares2

Introdução
No texto da Constituição Federal de 1988, (CF/88) em
consonância com a LDB3 9. 394/96, ficou assegurado à Educação como
direito de todos, dever do Estado e da família compartilhando esse
dever com a sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
bem como seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho. Porém, é lamentável constatar que há 28 anos, ainda
se está muito aquém nas políticas públicas educacionais para se atingir
estes preceitos legais que poderiam contribuir para promover uma
educação de qualidade com a cidadania e justiça social e como
consequência, promover o real desenvolvimento do país.
Este é o principal artigo da educação brasileira na CF/88, pois
nela se retrata a finalidade geral da educação. Embora tenha ocorrido
alguns avanços educacionais nas últimas décadas, como a lei do Piso
Nacional do Magistério (nº 11. 738/2008), melhoria na infraestrutura
de algumas escolas, criação de universidades e institutos federais e

1
Doutoranda em Educação pela Universidade de São Paulo, Professora Assistente
da Universidade Estadual do Piauí
2
Mestre em Educação pela UFPI (2016)
3
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

- 19 -
creches, projetos de articulação escola com a comunidade, projetos de
alfabetização, dentre outros. Mas, ainda se está muito longe das reais
necessidades educacionais do país, devido a problemas de toda ordem
nunca resolvidos, conforme Soares (2011), principalmente
relacionados à gestão em que o não cumprimento das leis e omissão
das instituições gestoras dos recursos, como as de controle e
fiscalização efetiva dos gastos públicos, se apresentam como pastas
preponderantes. Sobre este aspecto, também se pode destacar
algumas “omissões, inconsistências e equívocos em alguns aspectos
da legislação educacional, principalmente aos relativos ao
financiamento da educação, (Davies, 2011, p. 15).
De certa forma, a educação nunca fez parte do centro da agenda
de desenvolvimento nacional deste país, em nenhum governo, em
nenhum momento. Diferente de discursos políticos históricos, o que
se observa é um distanciamento cada vez maior destes preceitos
constitucionais que exigem a prioridade de investimentos em políticas
públicas, especialmente na educação e que se encontram agravados
pelo momento da crise em que a economia brasileira se apresenta
mais subsumida ao capital internacional com fortes indicadores de
perda dos direitos constitucionais conquistados. Assim, o que se
percebe é que desde 1988, os direitos educacionais e sociais,
principalmente os trabalhistas, nunca estiveram em situação de
tamanho risco.
Pertencente ao sistema hegemônico capitalista, a educação

- 20 -
relacionada à estrutura econômica e em consonância ao mecanismo
escolar, baseia-se no “princípio neoliberal de direito por parte de cada
cidadão e do dever do Estado de provê-la a toda a população (SAVIANI,
1983, p. 09). Seu papel a serviço do capital, é de dotar as pessoas de
determinados requisitos necessários ao exercício de uma função no
campo da produção, reproduzindo a força de trabalho num período de
escolarização curto.
Também não se deve superestimar este papel como
essencialmente reprodutivo da força de trabalho, pois o
desenvolvimento da produção capitalista, leva a uma progressiva
desqualificação do trabalhador através da divisão do trabalho e da
separação entre a concepção e execução fazendo decrescer o número
de profissionais qualificados favoráveis ao sistema ideológico
dominante em detrimento de uma qualificação mais extensa e
consistente.
Nessa conjuntura, emergem muitos problemas na educação
brasileira que se apresentam baseados em uma concepção de Estado,
de homem, sociedade e de mundo que podem assumir o caráter
excludente ou inclusivo, dependendo dos ‘sujeitos’ a que serve.
Simplificando minimamente, apenas para uma elucidação melhor que
este estudo comporta, pode-se destacar, dentre os mais prementes
problemas educacionais em exclusão, favorecidos pela reforma
educacional conservadora que se apresenta, na qual quebra a
institucionalidade democrática que além de trágico, já permite ir

- 21 -
digerindo o que vem por aí em termos de políticas públicas
educacionais, sob os ‘temerários’ lemas “ordem e progresso” e
“pacificação social”.
Estas medidas que retiram direitos sociais e educacionais estão
tramitando no congresso nacional fortalecidas pela nova conjuntura
política que se instalou nos poderes principalmente, no executivo e
legislativo. De maneira mais específica na educação, destaca-se o
Projeto de Emenda Constitucional/PEC nº 55/2016, - que se aprovado
significará na prática o fim do Custo Aluno Qualidade/CAQi4 e do Plano
Nacional da Educação/PNE/2014-2024, - expresso nos demais planos
Estaduais, distrital e municipais5 - a efetivação da Medida Provisória nº
746/2016, que propõe a reforma no ensino médio, medida esta que já
existe na prática, pois os estudantes não estão aprendendo Filosofia,
Sociologia e Artes, dentre outros, na escola. Isso é um engodo, pois esta
medida apenas institucionalizará o que já está na prática. Também
tem o Projeto Lei nº 7. 180 que já tramita desde 2014, conhecido por

4
O CAQi representa uma estratégia central para assegurar a todos os brasileiros uma
escola com padrões básicos de qualidade e que já deveria estar em plena vigência a
partir de junho deste ano de 2016.
5
O PNE introduzido pela lei nº 13. 005/2014, é um instrumento de planejamento do
nosso Estado democrático de direito que orienta a execução e o aprimoramento de
políticas públicas do setor. Seu texto é fruto de amplos debates entre diversos atores
sociais e o poder público. Nele foram definidos os objetivos e metas para a educação
em todos os níveis a serem executados nos próximos dez anos. Segundo estudos
sobre o financiamento da educação, as medidas atuais que estão sendo aprovadas no
Congresso Nacional, intencionam “congelar os gastos da União no patamar de 2016,
significa congelar, por 20 anos, a obrigação da União com os jovens e crianças do
Brasil, condenando seu futuro. ” (FINEDUCA, 2016)

- 22 -
‘Escola sem Partido’, dentre outras medidas. Estas medidas no geral,
intencionam limitar as despesas da União com objetivo de se fortalecer
as privatizações das escolas e a terceirização dos profissionais da
educação por meio de gestão compartilhada entre governo e
Organizações Sociais/OSs, comprometendo, portanto, não só os
estudantes, mas também os trabalhadores em educação. E para isso é
preciso investir na alienação política e na instrumentalização
superficial da grande massa de jovens que frequentam a escola
pública.
Neste sentido, ressalta-se que em momentos de crise é
imperativo se fazer ajustes fiscais, porém não é penalizando a
Educação que se alcançará a elevação da produtividade na economia
pela ampla disseminação de conhecimento capaz de gerar renda com
qualidade social de vida a todos.
Assim, face ao modelo de mercado aplicado à gestão e a
atividade educativa frente aos fins da educação, algumas questões se
apresentam e aqui se expõe com intuito de se provocar reflexões
amplas e específicas, além de fazer uma breve explanação - que o
limite deste texto comporta - quais sejam: Para que serve o mundo se
não se pode falar na paz que advém dos direitos humanos
assegurados? Para que serve a consciência do homem? Como
construir através da educação, ações que favoreçam a formação de
‘sujeitos’ com referência no ser humano que garanta sua cidadania e
justiça social? Qual o sentido da naturalização da lei do mercado pelo

- 23 -
processo ensino-aprendizagem? Como construir a partir da educação
as transformações sociais, políticas, econômicas e culturais
necessárias? Como nos tornarmos agentes de uma construção de uma
outra lógica diferente da lógica opressora? Estas são algumas
temáticas educacionais que se apresentam na sociedade brasileira,
desafiam o universo educacional e que aqui se apresentam, tendo
como parâmetro as ideias de Paulo Freire.

Educação - processo histórico


O processo de formação do Estado brasileiro resultou em
características próprias que incorporaram na cultura política traços
marcantes de uma herança com práticas, desde seus primórdios -
autoritárias, clientelistas, patrimonialistas -, sobretudo naturalizando
privilégios para uma minoria elitizada comprometida apenas com seu
status quo. Historicamente, as práticas estatais são bem distantes de
uma massa de nativos miscigenada, “afundada na ninguendade6, na
qual esse processo ocorreu pela via da exploração em que não teria
criado condições necessárias ao desenvolvimento de uma
mentalidade permeável, com clima cultural democrático (SOARES,
2011, p. 12)
Neste sentido, desde o processo de colonização do Brasil, a
intenção foi de ficar sobre a terra e não a de ficar nela e com ela se

6
Termo usado por Darcy Ribeiro (1995) para designar o povo brasileiro no livro: O
povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras,
1995.

- 24 -
integrar com predominância do mutismo do homem com a criação de
uma consciência hospedeira de opressão e do poder exacerbado a que
foi se associando sempre a submissão”. Submissão de que decorria, em
consequência, ajustamento, acomodação e não integração” (FREIRE,
1967, p. 74)
Assim, a relação deste Estado com a sociedade civil absorveu
estes aspectos, tornando-a pouca participativa em relação aos
interesses sociais, distante das condições necessárias à criação de um
comportamento participante, capaz de levar “à feitura de nossa
sociedade, com “nossas próprias mãos”, o que caracteriza, em Alexis
Tocqueville, a essência da própria democracia, ” (FREIRE, 1967, p. 66)
em contraposição aos “interesses de grupo, que no dizer de Anísio
Teixeira, “estão longe de se identificar com a Nação. ” (FREIRE, 1967,
p. 87)
Identificada a partir desta realidade histórica, está a educação
brasileira ainda em constante luta que desafia o homem a refletir
sobre sua ontológica vocação de ser sujeito frente a todo um jogo de
intensas contradições.
Nessa perspectiva, em Paulo Freire se encontra as possibilidades
a partir das quais se pode vislumbrar a reconstrução da democracia
como também em viver e lutar por uma melhor qualidade de vida. No
momento em que a dimensão humana se mede através das políticas
dos mercados, os seus escritos tornam-se mensagens poderosas para
descobrir nossos destinos e avançar em busca da libertação contra as

- 25 -
amarras neoliberais do sistema econômico.
Pensando a realidade já dizia que, “não é inexoravelmente esta.
Está sendo esta como poderia ser outra e é para que seja outra que
precisamos os progressistas de lutar, ” (FREIRE, 2000) se colocando
totalmente contrário a uma existência humana em um mundo
determinado, pois o “amanhã não é algo “pré- dado”, mas um desafio,
um problema”.
Em sua forma amorosa de se pronunciar chama a atenção em
não se cruzar os braços fatalistamente diante da miséria, esvaziando,
assim, a responsabilidade através de um discurso fingido, que fala da
impossibilidade de mudar porque a realidade é mesmo assim. Pois, o
discurso da acomodação ou da exaltação do silêncio imposto é um
discurso negador da humanização de cuja responsabilidade não
podemos nos eximir, principalmente enquanto educadores. A
adaptação a situações negadoras da humanização só pode ser aceita
como consequência da experiência dominadora, como tática na luta
política.
A favor da humanização, o homem diferente dos outros animais,
transcende a natureza pela própria necessidade de produzir a
existência. Com isto, não pode conceber o outro como objeto, pois se
projeta o outro como objeto, tem-se nesse processo a própria negação
do outro e de si como sujeito. Daí a importância de se posicionar
contra a dominação.
Desta forma, em consonância com Marx, Freire (2000) enfatiza

- 26 -
que ninguém pode estar no mundo de forma neutra. E nesse
movimento destaca:

o mundo não é, o mundo está sendo. Então, nesse


processo de estar no mundo, de forma subjetiva e
curiosa, inteligente, interferidora na objetividade
com que dialeticamente me relaciono, meu papel no
mundo não é só o de quem constata o que ocorre mas
também o de quem intervém como sujeito de
ocorrências. Não sou apenas objeto da História mas
seu sujeito igualmente. No mundo da História, da
cultura, da política, constato não para me adaptar
mas para mudar.

Observando esse processo humano de mudança no mundo


relacionando à educação e ao seu valor, Jacomini (2013, p. 125),
destaca que no “processo de construção do ser humano, a educação
constitui uma forma de socialização e inserção do homem nas relações
de produção e de convivência social”. Sua produção como condição
necessária para viver é ao mesmo tempo sua formação, ou seja, um
processo educativo.
Porém, convém ressaltar que o processo de desenvolvimento
histórico do homem e da produção, conforme Saviani (2007),
provocaram mudanças nas comunidades primitivas conduzindo à
divisão do trabalho, levando a apropriação privada da terra, gerando,
a divisão dos homens em classes: as dos proprietários e não-
proprietários. Essa ocorrência, “é de suma importância na história da
humanidade”. Embora o trabalho seja o que define a essência
humana, pois o homem precisa trabalhar para viver sob pena de
- 27 -
perecer, com o advento da propriedade privada, foi possível as classes
dos proprietários viver sem trabalhar, ou seja, viver da força de
trabalho alheia. Essa divisão dos homens em classes provocou também
a divisão na educação, “antes identificada plenamente com o próprio
processo de trabalho”, ou seja, a educação passou a ter duas
modalidades, assim caracterizadas: uma para a classe proprietária, de
homens livres, centrada em atividades intelectuais e a outras
destinadas aos serviçais, a maioria dos povos, incorporada ao próprio
trabalho, ao processo produtivo (SAVIANI, 2007, p. 155)
Com isto se deu a institucionalização da educação, com sua
separação do trabalho, em correspondência com o processo de
surgimento da sociedade em classes, instituindo- se também assim, a
escola.
No Brasil, a estrutura escolar gerida pelo Estado se apresenta,
desde longas datas, vinculada ao modelo econômico liberal, agora
intitulado ‘neoliberal’ sob o domínio do capital e em estreita relação
com a Teoria do Capital Humano/TCH e tem provocado decisivas
mudanças com o protagonismo do Estado forjando a ideia de escola
pública, universal mas que na realidade muito distante da formação
humana definida nas leis: CF/88 e LDB/96 e que se encontram com
sérios riscos de retrocessos, de deslegitimização. Ou seja, o que antes
não era cumprido a contento na finalidade educacional explícito em lei
pode ficar pior com a retirada ou modificação de preceitos legais que
podem favorecer uma educação de qualidade principalmente aqueles

- 28 -
referentes a um financiamento à educação de forma equitativa que já
havia sido definido de forma participativa através de Conferência e
planejamento em nível local, regional e nacional.
Criticando a escola por esta forma subsumida ao capital, Vítor
Paro (2001, p. 22) considera que,

o exame dos fins da escola só pode ser feito a partir


de alguma visão do mundo e de sociedade que
informa uma particular visão da própria educação. A
partir da concepção de homem e de educação que
vimos explicitando, à escola fundamental deve ser
reservada a tarefa de contribuir, em sua
especificidade, para a atualização histórico-cultural
dos cidadãos. Isto implica uma preparação para o
viver bem, para além do simples viver pelo trabalho
e para o trabalho.

Esta concepção em prol da atualização histórico-cultural dos


cidadãos remete à educação como um todo e que deve ir mais além,
de forma condicionada e não determinada, implicando assim,
“decisões, opções, riscos” e coragem para lutar a partir de um corpo
consciente em prática com outros corpos e contra outros corpos,
“capaz de compreender, de interligir o mundo, de nele intervir técnica,
ética, estética, científica e politicamente” (FREIRE, 2015, 15-17)
Isto posto, remete-se a repensar a realidade brasileira, na qual,
vivencia-se um golpe parlamentar em que medidas autoritárias se
tornam mais efetivas e de forma mais precisas, intencionam, conforme
exposto, não só alterar a CF/88, mas impor através de medidas

- 29 -
provisórias, retirada de direitos sociais em todas as áreas, dentre eles,
educacionais e trabalhistas. Leis que há trinta anos não sai da pauta das
classes dominantes brasileiras e que passa por privatizações e agora se
fortalecem com o golpe.
Neste contexto, a luta contra a retirada dos direitos se faz mais
necessárias para obstaculizar essas medidas. Não podendo esquecer,
aqui se impõe o “papel da educação que não sendo fazedora de tudo,
é um fator fundamental na reinvenção do mundo” (FREIRE, 2015, p. 18)
Desta forma é necessária a luta política contra a retirada dos
direitos e em favor da liberdade humana, pois “sem a luta política, que
é a luta pelo poder, essas condições necessárias não se criam. E sem
as condições necessárias à liberdade, sem o qual o ser humano se
imobiliza, é privilégio da minoria dominante quando deve ser apanágio
seu”, (FREIRE, 2015, p. 15) pois a liberdade natural faz parte da
condição histórica do homem.
Esta luta passa pela participação em que é importante ter
conhecimento e controle social da coisa pública, do destino real das
aplicações da receita brasileira, como por exemplo, conhecer a partir
de estudos mais rigorosos com auditoria cidadã publicizada, a dívida
pública brasileira que compromete cerca de 40% de sua receita bem
como as consequências dessa ação à sociedade.
De maneira mais específica, as medidas na educação mais
prementes como a luta contra a Emenda Constitucional nº 95/2016,
que inviabilizará o PNE 2014-2024 e o CAQi, dentre as mais graves

- 30 -
ameaças. Para Maria Lúcia Fatorrelli (2016), coordenadora geral da
Auditoria Cidadã da Dívida Pública, na comissão de direitos humanos,
destacou que se esta PEC entrar em vigor, colocará o teto para as
despesas primárias em apenas 14% do Produto Interno Bruto/PIB
gerando uma sobra de recursos para privilegiar a liberdade total sem
limite ao setor financeiro que nunca foi auditado, caracterizando o
Brasil a uma nação pagadora de juros com suas despesas primárias em
texto constitucional para 14% do PIB. Isso significa conforme seus
estudos, de uma margem de 191 países pesquisados, em apenas 11
deles, os gastos do Estado são inferiores a 16%. Esta porcentagem se
refere aos países, como: Bangladesh, Congo, Irã, Guatemala, Macau,
Madagascar, República Centro Africana, Singapura, Nigéria, Sudão e
Turquemenistão. Embora sem demérito a estas nações, Fatorrelli
pondera que o potencial do Brasil não tem a ver com esta realidade a
que querem colocar.
Sobre esta questão em recente texto publicizado pelos teóricos
que estudam o financiamento da educação, FINEDUCA, dispõe em
nota 01/2016:

Outro engodo que se pretende passar é que essa


medida representa uma economia geral dos gastos
públicos. Na verdade, o gasto público mais daninho
para a nação brasileira longe de ser reduzido,
aumentará. Trata-se das despesas com juros e
encargos da dívida pública que, de 2012 a 2015 foram
superiores a 1 trilhão de reais, recursos que, em sua
maioria, foram parar no bolso das famílias mais ricas

- 31 -
do país que não vivem do suor de seu trabalho, mas
da especulação financeira. É importante lembrar que
a PEC 2417 não congela esses gastos; na verdade
libera mais recursos públicos para o seu pagamento.

Neste sentido, lutar e desolcultar estas verdades dentre tantas


se faz necessário a partir de uma leitura crítica do mundo que se funda
numa prática educativa crescentemente desocultadora de verdades”.
Verdades cuja ocultação interessa às classes dominantes da
sociedade” (FREIRE, 2015, p. 23)
Estas medidas apenas revelam um processo maior de
desestatização em um Estado que nunca serviu ao seu povo e sim aos
interesses privados, em que o patrimônio público não é usado com
dignidade, nas finalidades ético-política que devem servir remetendo
assim, à liberdade que se precisa construir através de um trabalho de
base além das universidades, indo ao encontro das comunidades e se
construindo um outro caminho de luta que não se pode abrir mão.
Para isso, nos dizeres de Barros (2016), corroborando com as
ideias defendidas por Paulo Freire, lembra que é necessária maior
integração sobre o que está acontecendo em nível nacional como
também no local, no lugar aonde se vive, tendo em vista que muitas
associações de moradores se encontram atreladas ao gestor local
fazendo só o que eles ditam. De maneira geral, se percebe que os
movimentos sociais estão fortemente cooptados e ou fragmentados.

7
Atualmente a Emenda Constitucional nº 95/2016, já aprovada.

- 32 -
Isso remete a se construir unidade no movimento, mas que não
implique em abrir mão das identidades, de princípios, ou seja, implica
em se criar condição de caminhar na direção do outro, discutir com o
adversário, construir debate público com uma fala acolhedora
entendendo que se estar lhe dando com pessoas vitimadas. Com a
necessidade de “se educar a rebeldia que está em nós, criar a
possibilidade de tirar o opressor que está em nós e nas pessoas a quem
se compartilha, de tirar a roupa do opressor que estão nas coisas e
processos que se constrói e se despir dessa forma de reprodução
colonizada do opressor que está em nós”.
Neste aspecto, ainda se defende que para a educação é
necessário dar voz ao ‘notório saber’, mas um ‘notório saber’ em que
se coloque em cena o saber dos povos originários, o saber dos
quilombolas, dos camponeses. Levando-se em consideração que
embora não se tenha culpa por muitas mazelas que estão no mundo,
tem-se responsabilidade social sobre elas. Esse é o papel do educador.
Nesta perspectiva por um mundo justo de uma vida com sentido
pleno a todos, Paulo Freire assim, destaca:

A possibilidade de admirar o mundo implica em estar


não apenas nele, mas com ele, consiste em estar
aberto ao mundo, captá-lo e compreendê-lo, é atuar
de acordo com as suas finalidades e transformá-lo.
Uma educação assim, que respeitasse no homem a
sua ontológica vocação de ser sujeito, que opera e
transforma o mundo. Expulsar esta sombra pela
conscientização é uma das fundamentais tarefas de

- 33 -
uma educação realmente liberadora e por isto
respeitadora do homem como pessoa (FREIRE, 1997.
p10).

Considerações finais
É preciso que as políticas públicas não tenham caráter
compensatório, apenas aquietando as massas, abrandando os
problemas sem resolvê-los de fato e que a educação pública não fique
refém principalmente de parcos recursos públicos, como os que se
apresentam. Portanto se faz necessária, a criação de um sistema de
ensino que contribua efetivamente para o desenvolvimento pleno do
homem e que só poderá emergir com a mudança nas condições
econômicas e sociais. Verifica-se, nesse contexto, um processo
contraditório, uma relação dialética na qual a luta pela construção de
um sistema de ensino que contribua para a construção do homem
omnilateral e a luta pelas transformações sociais devem compor um
só processo, de maneira que os avanços em uma provoquem avanços
na outra (JACOMINI, 2013, p. 145)
Assim posto, a construção do homem omnilateral dar-se-á pelo
trabalho e pela educação. Embora essa premissa só possa ser realizada
numa sociedade de economia planejada a serviço do bem comum, é
preciso que muitos dos seus elementos constitutivos sejam
desenvolvidos ainda sob os ditames do capitalismo. Portanto torna-se
fundamental a discussão e atuação, nos diferentes espaços sociais em
especial na escola pública, dos educadores nessa perspectiva desta

- 34 -
construção histórica. Estes são desafios que se apresentam no cenário
social, educacional em que as políticas públicas devem atuar e assim
contribuir para que se efetive a justiça social.

- 35 -
Referências

BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do


Brasil. Edição administrativa do texto da constituição promulgada em
05 de outubro de 1998, com alterações adotadas pelas Emendas
Constitucionais nº 1/1992 a 56/2007 e pelas emendas Constitucionais
de Revisão nº1 a 6/1994. Brasília: Senado Federal, 2008.

BRASIL. Lei nº 9. 394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as


Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996.

Brasil. [Plano Nacional de Educação (PNE). Plano Nacional de Educação


2014-2024: Lei nº 13. 005, de 25 de junho de 2014, que aprova o Plano
Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências. – Brasília:
Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2014. 86 p. – (Série
legislação; n. 125).

DAVIES, Nicholas. Omissões, Inconsistências e Erros na Descrição da


Legislação Educacional. FINEDUCA - Revista de Financiamento da
Educação, Porto alegre, v. 01, n. 3, 2011.

FINEDUCA. A aprovação da PEC 241 significa estrangular a educação


brasileira e tornar letra morta o Plano Nacional de Educação 2014-
2024. Disponível em: http://www. fineduca. org. br/wp-
content/uploads/2016/10/Nota-conjunta-FINEDUCA-
CNDE_01_2016. pdf. Acesso em 29 de nov. /16.

FREIRE, Paulo. Educação como prática para a liberdade. 1ª ed. São


Paulo. Paz e Terra, 1967

______. Papel da educação na humanização. Revista da FAEEBA,


Salvador nº 07, jan/junho de 1997, p. 10)

______. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros


escritos. São Paulo. Ed. UNESP, 2000.

- 36 -
______. Política e educação. [org. Ana Maria Freire]. – 2ª ed. – São
Paulo: Paz e Terra, 2015.

JACOMINI. Márcia A. O trabalho como finalidade da educação na


Constituição de 1988 e na LDB de 1996: uma análise a partir da teoria
do valor em Marx. PARO, Vitor Henrique. Administração escolar:
introdução crítica -17. ed. rev. ampl. – São Paulo: Cortez, 2012.

PARO, Vitor Henrique (org.). A teoria do valor em Marx e a educação


-2. ed. – São Paulo: Cortez, 2013.

______. Escritos sobre a educação, São Paulo: Xamã, 2001.

SAVIANI. Demerval. Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e


históricos. Revista Brasileira de Educação. v. 12, nº 34, Rio de Janeiro,
jan/abr. 2007.

SOARES, Lucineide M. dos S. Controle social dos recursos do


FUNDEF/FUNDEB do município de Teresina de 2004 a 2009.
Dissertação de Mestrado, 2011.

- 37 -
Tecnologias acessíveis: meandros de acessibilidade ao
conhecimento escolar de educandos com baixa visão

Dulcineide da Silva Gomes8

Começo de conversa: os desafios e as possibilidades da educação


especial
Neste século, caminhamos rumo a grandes desafios no campo
da Educação Escolar, principalmente, no campo da educação inclusiva
dos alunos que possuam necessidades educativas especiais. O maior
desafio reside nos estudos e na criação de possibilidades e de
mecanismos que possibilitem à inclusão desses alunos na
escolaridade, por meio do acesso qualitativo as informações
necessárias para que consigam se apropriar dos conhecimentos
escolares e aprendam de forma igualitária aos demais educandos.
Tais desafios se encontram diluídos por todo o sistema
educacional do país. No geral, é imprescindível que se venha cumprir
as leis que regulamentam a Educação Especial, e impulsione de fato as
adaptações curriculares necessárias nas instituições legais de ensino,
melhoria na formação docente e, por conseguinte nas possibilidades
de mudança de concepção de ensino nessa área.

8
Graduada em Pedagogia e Mestranda em Educação pela linha Práticas Pedagógicas
e Currículos - UFRN. Professora na SRM (Sala de Recursos Multifuncionais pela
SEEC/RN. E atua na Função de Coordenadora Pedagógica pela SME – Natal/RN.

- 38 -
Acerca disso, pensemos que cada sujeito, muito embora
possua a mesma essência um dos outros, possui, também,
características e necessidades que lhe são próprias. Vivemos em um
tempo em que se apregoam bastante os diferentes sujeitos que
permeiam o espaço educacional escolar, levando-nos a perceber que
a Educação escolar posta precisa manter uma relação com as
diferenças. Até mesmo quando se precisa pensar uma estrutura não
somente do espaço e condições de trabalho, mas, também, nas
compreensões de um sistema educacional que possibilite as práticas
inclusivas, a saber, que isto é possível na medida em que houver o
reconhecimento de que existem as diferenças interindividuais e pelas
quais a construção curricular precisa ser norteada.
Em relação ao exposto Baptista (2004, p. 10), utiliza os termos
“Tendas e Edifícios”, para exemplificar os tipos de instituições
educativas e suas práticas pedagógicas e assim fomentar as reflexões
diante dos desafios para a construção de uma educação realmente
inclusiva.
Nesse sentido, o autor utiliza a palavra “Edifício” para enfatizar
um tipo de Instituição Educativa cujas estruturas são rígidas e
centradas nos objetivos e nas antigas práticas, que estão instáveis no
tempo, no espaço e que não dão indícios de mudanças, por ser mais
fácil realizar o trabalho que já está posto historicamente.
E a expressão “Tendas” para alertar que se precisa lançar um
novo olhar para a construção de uma nova escola, pautada e

- 39 -
construída com estruturas flexíveis em que os processos educativos
possam se configurar da melhor maneira, seja no espaço e tempo às
realidades dos sujeitos em desvantagens graves e que necessitam de
uma educação realmente inclusiva.
A tenda ao contrário do edifício é uma estrutura flexível,
desmontável e fácil de carregar e armar em determinado espaço,
mesmo que pequeno e cheio de adversidades. Já os edifícios para
serem deslocados de um espaço a outro apresentam dificuldades por
terem alicerces firmes e rígidos que requerem sua implosão para
construção de uma nova obra, seja na adversidade do espaço em que
esteve erguido ou, principalmente, para outros espaços necessários.
Para contribuir na melhoria da qualidade da educação especial
nas instituições de ensino, alguns anos atrás, o MEC (Ministério da
Educação) criou o programa Sala de Recursos Multifuncionais (SRM)
cujas ações estão voltadas às escolas públicas de ensino regular,
provendo-as de equipamentos de informática e materiais pedagógicos
e de acessibilidade para a organização do espaço de atendimento
educacional especializado. Cabendo ao sistema de ensino, a seguinte
contrapartida: disponibilização de espaço físico para implantação dos
equipamentos, mobiliários e materiais didáticos e pedagógicos de
acessibilidade, bem como, capacitar professores para atuar no AEE
(HTTP://PORTAL. MEC. GOV. BR, 2016).
A partir da oferta desse programa, A Escola Estadual Professora
Maria Luiza Alves Costa (EEPMLAC), no ano de 2013, organizou um

- 40 -
espaço dentro da escola e resolveu assumir as responsabilidades de
contribuir de forma complementar ou suplementar na formação dos
alunos com deficiência, uma vez que uma SRM, pode colaborar de
modo mais apropriado às necessidades educacionais dos educandos.
Corroborando com a Fundação Candido Mendes/Instituto Prominas,
p. 5 que ao se referir a Alves (2006) que afirma que as práticas na SRM
são “centradas em um novo fazer pedagógico que favoreça a
construção de conhecimentos pelos alunos, subsidiando-os para que
desenvolvam o currículo e participem da vida escolar”.
No intuito do desenvolvimento de um trabalho mais
qualitativamente na Sala de Recursos Multifuncionais, é necessário,
dentre outros aspectos, a apropriação pelos educadores, que lidam
com o AEE, de conhecimentos, técnicas e tecnologias que possibilitem
a melhoria de perfil dos educandos público alvo da educação especial
no que diz respeito a acessibilidade de informações e de meios de
comunicação alternativos. Observando que

A inclusão escolar e social de indivíduos deficientes


e/ou que apresentam NEE também acontece
através do AEE, bem como as Tecnologias
Assistivas, presentes em um mundo globalizado,
pois estas estão relacionadas a todo recurso,
serviço ou processo especializado, com o objetivo
de proporcionar maior independência e autonomia
a esse público, ampliando suas habilidades (VIEIRA,
2012, p. 4)

- 41 -
As evidências atuais dentre outras, no campo da educação
especial, estão voltadas para o uso das Tecnologias de Informação e
Comunicação Acessível (TIC) que segundo Pelosi e Nunes (2009, p. 2 ),

[...] foi definida no Brasil, pelo Comitê de Ajudas


Técnicas (CAT), como sendo uma área de
conhecimento de característica multidisciplinar
que compreende recursos, estratégias,
metodologias, práticas e serviços com o objetivo de
promover a funcionalidade e participação de
pessoas com incapacidades visando autonomia,
qualidade de vida e inclusão social.

Nesse sentido, ressaltamos que o trabalho com uso das TICs


requer estudos e atualizações constantes de conhecimentos acerca
dessas tecnologias a fim de aprender as possibilidades de seus usos e
efeitos junto ao aluno com NEE, posto que as atualizações das
“Tecnologias da informação e comunicação (TIC) é contínua e
acontece atualmente numa velocidade que impõe constantes
reformulações do nosso “saber fazer”” (HOGTOP E SANTAROSA, 2000.
p. 1).
Por essas perspectivas, nós educadores inseridos no trabalho
pedagógico dentro das salas de recursos multifuncionais, precisamos
ingressar nos cursos de formação continuada em Tecnologias de
informação e de comunicação acessíveis e alternativas aliadas aos
estudos sobre as deficiências dos educandos, levando em
consideração a aprendizagem in lócus junto aos seus alunos, para

- 42 -
assim nos atualizarmos e melhorar nosso fazer docente na sala de
recursos multifuncionais.

A Baixa visão e as tecnologias acessíveis


Nas pesquisas de Silva e Candido (2010), trazem uma reflexão
sobre a ótica da humanidade em relação às deficiências. As autoras
falam que as impressões sobre deficiência seguem um ritmo do
entendimento cultural que se constroem. Isso ocorre de sociedade
para sociedade assim como de pessoa para pessoa, sendo assim

[...] a ocorrência da deficiência visual (DV), e de


seus diferentes significados se insere na própria
história da humanidade. As mudanças de atitudes
da sociedade para com a pessoa cega ou com baixa
visão ocorrem da mesma forma, em função da
organização social à qual estão submetidas (IDEM,
2010, p. 2).

A partir das variadas compreensões sobre sujeitos deficientes


no Brasil, podemos notar na prática social que a exclusão social desses
sujeitos, não é pequena. Mesmo em meio da criação de várias políticas
e projetos educacionais com a finalidade de dar vez e voz a esse
público excluído de modo que sejam compreendidos em suas
diferenças. Nossa sociedade, infelizmente, ainda é muito cruel e
preconceituosa. Negam os meios e formas de adequar os espaços e os

- 43 -
meios educativos para que as pessoas com deficiências possam vencer
e sanar suas diferenças.
Para as autoras Oliveira, Padilha, Silva e Bomfim (2012, p. 2),
no Brasil a

[...] constituição Federal garante aos portadores de


necessidades especiais o direito a educação e
qualidade no ensino regular em instituições
públicas de ensino. Contudo, sabe-se que os
direitos constitucionais dessas pessoas não estão
sendo respeitados, pois, a capacitação de
professores para receber os alunos com
necessidades educativas especiais é precária.

As autoras supracitadas também nos trazem uma reflexão de


que a educação inclusiva se implica em oferecer um ensino adequado
as necessidades formativas de cada sujeito, considerando suas
diferenças e necessidades, por isso não pode ser pensada lateralmente
ou isolada e para que isso ocorra as políticas de formação docente
precisam ser criadas e ampliadas para este fim (idem, 2016, p. 3).
Nesse pensamento, a formação teórica unida a prática
educativa com o aluno com deficiência foi uma empreitada assumida
por mim para investigar e aprender a lidar com as situações
vivenciadas nos atendimentos educacionais na SRM. E para este
intento, dos diversos alunos atendidos, assumi o desafio de buscar
alternativas didáticas e tecnológicas para ajudar a um aluno que tem
baixa visão a sanar suas dificuldades comunicativas e de acesso ao
conhecimento.

- 44 -
O aluno partícipe da experiência9 com o uso das (Tecnologia da
Comunicação e Informação Acessíveis) TICS Tinha no ano de 2014, 13
anos de idade e estudava na EEPMLAC desde o ano de 2007. Estava
cursando o 5º ano do primeiro segmento do Ensino Fundamental.
Segundo a genitora de Edu10, o problema na visão do filho teve início
aos três anos de idade quando percebeu algo diferente no seu olhar
do garoto. Então resolveu leva-lo ao oftalmologista que deu o primeiro
diagnóstico de um tipo de glaucoma que o levaria a perder
gradativamente a visão.
Passados cinco anos, sem os cuidados necessários por parte da
família, o aluno perdeu a visão do olho direito (o seu melhor olho). E
como tem muita dificuldade de enxergar com o outro olho, foi
solicitada uma nova avaliação pelo oftalmologista que fez o seguinte
diagnóstico: (CID 10) Olho direito: buftalmo, conjuntivalização córnea
e impraticável (cego). Olho esquerdo: Leucoma no eixo visual, atrofia
de íris (Baixíssima visão por anomalia de peters, apresentando
glaucoma congênito) Q= 15. 0 e H = 54. 0.
O decreto nº 5. 296 de dois de dezembro de 2004, além de
estabelecer normas e parâmetros para o atendimento e acessibilidade
para os deficientes visuais assim como define e distingue no ártico 5º
e alínea C o que é cegueira da baixa visão. Esta ultima é definida como

9
Experiência realizada no ano de 2014 durante o curso de formação continuada para
professores da SRM sobre Tecnologia da Comunicação e da Informação
Acessíveis/URGRS.
10
Nome fictício, afim de preservar a identidade do educando.

- 45 -
sendo uma deficiência visual no qual a acuidade visual do sujeito no
melhor olho, mesmo com correções opticas mais adequada esteja
entre 0, 3 e 0, 05 e a somatória do campo visual nos dois olhos seja
igual ou menor que 60°.
A partir do diagnóstico do médico, para o aluno Edu, este
possui a capacidade de enxergar menos de um terço do campo visual
(H=54) e seria preciso uma lente de 15° para corrigir seu melhor olho,
entretanto a correção não é tão simples assim, posto que a baixa visão
ocasionada pelo problema do glaucoma congênito/anomalia de Peters
desencadeia outros tipos de problema no globo ocular e cristalino, tais
como a atrofia de íris e leucoma. Nas palavras das autoras Meyer;
Rolim et al (2010, p. 367)

A anomalia de Peters é a mais comum opacidade


corneana congênita, secundária a um defeito na
migração das células da crista neural, resultando na
malformação do segmento anterior do olho. Foi
assim nomeada após descrição clínica e histológica
pelo alemão Albert Peters, no início do século XX.
[...] As principais características da anomalia de
Peters são opacidade corneana central e sinéquias
da íris e/ou do cristalino com a região do leucoma.
A opacidade corneana é o achado mais evidente da
doença e pode ocorrer em densidade e tamanho
variáveis. O leucoma, circundado por córnea
transparente, é secundário ao edema do estroma
posterior e à ausência ou ao afinamento da
membrana de Descemet e do endotélio. Há
também desorganização do epitélio e perda da
camada de Bowman. Em casos avançados, o
leucoma pode ser vascularizado e protuberante. A

- 46 -
íris atrófica adere à face posterior do leucoma,
podendo ocorrer sinéquias anteriores, com
desorganização da câmara anterior. Embora a
córnea periférica seja transparente, pode haver
esclerização do limbo.

Durante o estudo de caso de Edu, foram realizados alguns


testes educacionais e para verificar sua visão em relação aos objetos
de aprendizagem. Nestes testes pudemos diagnosticar que o resíduo
visual era muito comprometido, uma vez que o aluno, na maioria das
vezes, não conseguia definir os objetos e suas formas sem os tocar.
Nesse caso, foi pensado e elaborado um plano de ação com as TICS
com a finalidade de descobrir outras possibilidades ampliar os objetos
e abrisse caminhos para que Edu conseguisse utilizar da melhor forma
possível seu resíduo visual e acessasse com mais qualidade as
informações e o conhecimento, assim como ampliar as estratégias
táteis para puder conhecer outras alternativas para a leitura, dentre
elas a técnica do Braille.
Tomando como pressuposto as atividades com o uso das TICs
sugeridas e planejadas durante o curso conforme as necessidades do
educando, foi elaborado um plano de ação que subsidiasse
aprendizagens das habilidades e competências que o aluno precisa
desenvolver acerca do Sistema Braille, com a ajuda das TICS (LentePro
e Braille Fácil). O diagnóstico médico indica que possivelmente o aluno
cegará. Então é importante que antes disso, se aproveite do resíduo
visual que ainda lhe resta para que essas aprendizagens sejam

- 47 -
introduzidas e/ou até consolidadas. Além de propiciar a aprendizagem
do educando, o uso dessas TICS poderão oportunizar o educando ao
uso de meios de comunicação por meio de mídias e componentes
eletrônicos como também o seu acesso a informações nesses
componentes.

Braile fácil e LentePro: Exercitando e aprendendo com Tecnologias


assistivas
Antes de tudo, é importante comunicar que a prática
apresentada nesse trabalho diz respeito ao recorte de uma atividade
do plano de ação anual para o trabalho na SRM com o aluno neste ano
(2014). Durante o curso fomos desafiados a experimentar as
tecnologias acessíveis com alunos deficientes conforme suas
respectivas necessidades.
Nesse caso, apresentarei as tecnologias acessíveis escolhidas
para a atividade. Para tanto iniciarei com uma breve apresentação das
TICS e o propósito das escolhas realizadas.
O programa LentePro, funciona como um ampliador de telas e
ajuda os usuários que tenham baixa visão (baixo grau de acuidade
visual) a acessar com mais qualidade as informações contidas no
computador, tablet e telefones celulares com tecnologia avançadas,
do tipo smartfone, IPAD, etc. É um programa pequeno e pode ser
mantido em uma pasta nas diversas mídias, ou mesmo transportado

- 48 -
em um simples pendrive, dando a oportunidade a seus usuários baixar
em qualquer aparelho e lugares que lhes forem convenientes.
Como o aluno partícipe tem uma visão muito comprometida,
uma acuidade visual muito baixa que não lhe permite o acesso as
informações dos textos no computador e noutras mídias, optei por
apresentar e exercitar o uso do programa LentePro. O primeiro passo
foi experimentar e ajustar as configurações do programa da melhor
maneira de modo a proporcionar ao educando um conforto maior na
visão. Precisaremos de várias aulas para o aluno se adaptar aos
comandos e atalhos do Windows ao programa, pois o mesmo nunca
tinha acessado um computador. Com o passar dos atendimentos, o
educando passou a exercer alguns comandos, mas ainda havia muito
a aprender. Muito embora já tenha conseguido ver imagens com mais
clareza e começar a identificar as letras e os números, a saber, que o
educando não aprendeu a ler, nem conhecia os numerais, o trabalho
precisou ser intensificado para que outros objetivos do plano de ação
pudessem se concretizar.
Após ajustar as configurações do LentePro, apresentei,
também o programa Braille Fácil. Assim como o LentePro, o Braille fácil
é fácil de transportar e de ser baixado em qualquer computador. E a
melhor parte é que por ambos os programas não se pagam nada, uma
vez que podem ser baixados gratuitamente no site do Instituto
Benjamim Constant. O propósito da escolha foi o de introduzir as
aprendizagens do Sistema Braille, tendo em vista que a acuidade visual

- 49 -
do melhor olho do educando é muito comprometida e conforme
diagnóstico médico é possível que a qualquer momento chegue a
cegar totalmente.
Nesse sentido, coloquei, como uma das ações, as
aprendizagens do Sistema Braille por via da TICS Braille Fácil. Por meio
dessa tecnologia para além das apropriações do Sistema Braille,
também, serão evidenciadas as aprendizagens sobre informática e
digitação no sistema escrita comum, pois o programa permite aliar o
sistema de escrita comum com a escrita em Braille. Assim como o
programa LentePro, foi preciso adaptar os comandos e as
configurações do Windows as facilidades de acesso do educando e o
uso simultaneamente dos dois programas.
O aluno exercitou várias vezes o uso dos programas e seus
comandos, observando sempre as correspondências entre a escrita
comum e a codificação em Braille. Vale esclarecer que reconheço que
a aprendizagem não é mecânica, nem se configura de modo estanque
no qual o educando manipula um objeto e aprende imediatamente,
pois não é estanque, nem na foram de um estímulo e uma resposta,
porém a aprendizagem ocorre de modo construtivo e é mediada pelos
objetos de aprendizagem e na interação entre o educando com seu
professor, com outros colegas e seu meio vivencial e cultural. E a
aprendizagem pretendida nessa experiência é algo introdutório, pois
o aluno mesmo já tendo passado mais de seis anos no interior das
escolas, teve uma perda muito grande e que não conseguirá recuperá-

- 50 -
la em um ano letivo e em um trabalho experimental. Será preciso uma
continuidade em outros anos e na escola que ele estiver de um
trabalho que o inclua socialmente e que permita o acesso com
qualidade as informações e ao conhecimento.
No decorrer da experiência foi realizado um teste com o
educando, a partir de uma atividade que o levou a representar em uma
folha de papel A4, as letras que ele teria aprendido, e representa-las
em Braille. O objetivo dessa atividade não era propriamente que o
aluno tivesse aprendido de fato o sistema braille, mas de que pudesse
avaliar se ele estava enxergando alguma coisa no computador a partir
do ampliador de tela. Quando os objetivos se consolidarem, a próxima
etapa que será desenvolvida diz respeito ao exercício do uso do braille
regular enfatizando as sensibilidades do tatear, enquanto isso, junto a
professora da sala de aula regular tentamos aprender sobre as
habilidades essências para a apropriação do braille junto ao aluno, tais
como os sentidos de direção, lateralidade e espacialidade etc. o que
será possível em um trabalho mais aprofundado e consistente para
esse fim.

Os resultados e algumas considerações


As TICs LentePro e Braille Fácil foram apresentadas e
exercitadas junto considerando a capacidade de superação dos
obstáculo e avanços de aprendizagens do educando. A saber que,

- 51 -
[...] todas as diferenças humanas são normais e de
que a aprendizagem deve, portanto, ajustar-se às
necessidades de cada criança, em vez de cada
criança se adaptar aos supostos princípios quanto
ao ritmo e à natureza do processo educativo. Uma
pedagogia centralizada na criança é positiva para
todos os alunos e, consequentemente, para toda a
sociedade (SALAMANCA, 1994, p 18).

E por esse viés de pensamento que no decorrer do uso dessas


TICS com o aluno, deu para perceber algumas dificuldades do
educando em enxergar o teclado comum. Para ver o teclado comum
era preciso outro tipo lupa (e não havia lupas comuns na escola),
então, Edu se inclinava bastante o seu corpo para tentar ver alguma
coisa do teclado e isso no decorrer do tempo poderia provocar um
problema na coluna vertebral dele. A solução para isso foi a de
introduzir mais uma tecnologia, a do teclado virtual que além de poder
ser ampliado pela lente virtual, também estará disposto na tela do
computador, evitando assim, a inclinação do aluno, como estava
ocorrendo, para ver o teclado comum.
Entretanto, é importante ressaltar que as apropriações do
educando ainda acontecem em um ritmo muito lento, pois as
aprendizagens necessárias mais elementares que possibilitam as
apropriações de outras habilidades lhes foram tolhidas ao longo de
seus anos de escolaridades na sala de aula regular.
E por considerar que o aluno com NEE aprende a pesar de suas
limitações a atividade desenvolvida trouxe alguns resultados
considerados, pois o aluno conseguiu representar e relacionar a

- 52 -
atividade feita no computador, nas diversas atividades manuais,
responder aos exercícios de avaliação de seus avanços dentro da
proposta pedagógica e do plano de ação construído para seu
atendimento educacional especializado.
Assim percebi que a tecnologia que diz respeito a ampliação de
tela vem possibilitando ao aluno a utilizar melhor seu resíduo visual.
Se ele conseguiu ver a célula do Braille e a letra ampliada, isso leva a
acreditar que outros textos e imagens poderão ser ampliados e, por
conseguinte, ser lidos e aprendidos pelo aluno, coisa que ele não
conseguia fazer sem o uso da tecnologia.
Haja vista os resultados iniciais, ainda há dificuldades a serem
sanadas para que o educando consiga os avanços expressos nos
objetivos do plano de ação. Tais quais, a dificuldade de responder as
perguntas de lateralidade, de direção e espacialidade
(direito/esquerdo), que o ajudarão na aprendizagem do sistema
braille. A apropriação da escrita e da leitura, já que ainda não é
alfabetizado, além do uso do computador e dos recursos tecnológicos
aqui expressos.
Sendo assim, considerando os estudos teórico-prático percebi
que a inclusão de todos numa escola precisa ultrapassar as barreiras
da Sala de Recursos Multifuncionais presentes nas Escolas. Nesse
sentido, por meio desse trabalho foram abertas diversas
possibilidades de continuidades das ações planejadas e de outras que
deverão ser planejadas e posta em práticas.

- 53 -
Em relação ao aluno partícipe, sugeri a introdução de outras
tecnologias acessíveis, tais como a continuidade de exercícios para o
uso do Teclado virtual e do DOSVOX (leitor de telas), os quais foram
também sugeridos pela equipe formadora do curso em tecnologias
acessíveis e tive acesso para o seu reconhecimento e avaliação de suas
estruturas e funcionamento como uma ferramenta a favor da
promoção ao acesso de informações e comunicações.
Considerando que, a escola onde trabalho não está pronta para
compreender tampouco incluir todos os alunos, sobretudo os com
deficiência. É de suma relevância incluir ao longo do ano letivo
algumas atividades no cronograma geral da Escola que contemple essa
temática. E são elas: o acompanhamento dos estudos de casos dos
alunos e ajuda e acompanhamento no planejamento dos professores
de sala de aula regular (ano inteiro), Mesa redonda com os educadores
da escola na qual discutiremos as possibilidades de elaboração de um
currículo flexível e inclusivo que contemple as necessidades dos alunos
que temos na instituição e o desenvolvimento de um evento que
permita por a educação especial em Foco no qual abordará uma
programação diária que contemple as temáticas da educação inclusiva
e seus sujeitos (alunos, profissionais da educação e famílias).
Diante do exposto, considero como relevante as atividades
desenvolvidas, pelas pertinências no processo de aprendizagem do
educando, pelas oportunidades de formação das quais estou me
apropriando com fins de atualizar meu conhecimento e
melhoramento da prática pedagógica, principalmente, por serem

- 54 -
estas centradas no estudo de casos reais aliados as tecnologias de
acessibilidade e inclusão dos alunos com deficiência.

- 55 -
Referências

ALVES, de Oliveira et al (elaboradores). Sala de recursos


multifuncionais: espaços para atendimento educacional
especializado. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Especial, 2006 IN: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES /
INSTITUTO PROMINAS. Sala de Recursos Multifuncionais. Material
didático, módulo 8, Minas Gerais: Instituto Prominas, 2016.

BAPTISTA, Cláudio Roberto. A inclusão e seus sentidos: Entre edifícios


e tendas. 12º Encontro de didática e prática de ensino, Curitiba:UFRS,
29 de agosto a 1 de set de 2004 (Anais em CD-Rom)

BRASIL/MEC. Declaração de Salamanca, Brasília, 1994.

BRASIL. Decreto n. 5. 296 de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as


Leis nos 10. 048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de
atendimento às pessoas que especifica, e 10. 098, de 19 de dezembro
de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básico s para a
promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou
com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Disponível in:
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- 56 -
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Disponivel em: http://portal. mec. gov. br/index.
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em revista versão eletrônica, ano 2010, disponível in: cesp. br/revistas-
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VIEIRA, G. A. A Tecnologia Assistiva Como Recurso de Inclusão:


Cruzando Perspectivas e Conceitos. FACREDENTOR: Rio de janeiro,
2012 (Artigo).

- 57 -
A laicidade na escola pública brasileira: breve panorama
histórico e análise de documentos

Gregory Luis Rolim Rosa


Kelly Letícia da Silva Sakata

Introdução
O presente trabalho tem como objetivo problematizar a
laicidade no contexto social e educacional brasileiro e a sua influência,
mesmo que indireta, nas políticas educacionais. Para tanto,
dissertamos sobre a influência histórica da Igreja Católica na
constituição da sociedade capitalista vigente, perpassando desde o
sistema Feudal, até a formação da sociedade burguesa.
Sob os pressupostos do materialismo-histórico dialético,
analisando o papel da Igreja e a constituição do Estado Laico, partimos
do pressuposto de que em qualquer regime econômico e social há um
embate entre as classes, as quais travam um jogo de interesses que
são determinados pela posição que ocupam na sociedade.
Consideramos ainda, como o segmento religioso, fração de grande
influência nas decisões políticas do Estado, esteve presente na
elaboração dos documentos legais em nosso país.
Neste sentido, para atender nosso objetivo, a análise a seguir,
está estruturada em três seções. Na primeira, A transição do
feudalismo para o capitalismo: outros tempos, procuramos situar a
Igreja e sua influência na transformação social desde a sociedade

- 58 -
feudal até a concretização do Estado Capitalista. A segunda seção
Brasil: a expulsão dos jesuítas e o berço da laicidade, apontamos a
influência da Igreja Católica, sob o papel dos Padres Jesuítas, no Brasil,
com um enfoque no princípio de Estado Laico a partir da expulsão dos
Jesuítas por Marquês de Pombal. A terceira seção, O ensino religioso
nos documentos oficiais e o estado laico, realizamos uma apreciação
dos documentos oficiais, Constituições Federais, que determinam a
sociedade brasileira e a educação, Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Brasileira, constatando o Ensino Religioso e a relação entre
Igreja e Estado sob o regime da laicidade no Brasil.
Ao final, indicamos que os pressupostos religiosos, possuem
um amplo poder nas decisões da sociedade, desde o plano econômico,
social e educacional, e, apesar dos documentos oficiais explicitarem as
tentativas do Estado em tornar-se autônomo frente a força religiosa,
a mesma influência e determina a construção dos ideários sociais. A
relação estreita entre Estado e Igreja, tem influenciado e determinado
a elaboração de políticas que desconsideram a ampla diversidade
cultural e de credo. Assim, as idas e vindas, o afastamento e a
aproximação entre as instituições estatais e religiosa, impactam de
forma implícita ou explicita nas redações dos documentos oficiais,
bem como nas ações governamentais que venham a promover o
enfraquecimento das desigualdades presentes no contexto brasileiro.

A transição do feudalismo para o capitalismo: outros tempos


Ao problematizar a questão da laicidade na política
educacional atual, há que se refletir sobre sua historicidade para que

- 59 -
consigamos nos aproximar minimamente do real em sua totalidade.
Desta forma, a transição do feudalismo para o capitalismo se torna
importante para o entendimento da problematização proposta, na
medida em que esclarece o que se manteve e o que foi retirado do
antigo regime no âmbito educacional atual.
Ao realizar este movimento nos pautamos na proposta
metodológica do materialismo histórico e dialético, em que o método
implica “[...] uma determinada posição (perspectiva) do sujeito que
pesquisa: aquela que se põe o pesquisador para, na sua relação com o
objeto, extrair dele as suas múltiplas determinações” (NETTO, 2011, p.
53). Ou seja, o método indica a postura de quem pesquisa frente ao
objeto, o mesmo, pelo seu movimento real indica as categorias de
análise.
Para além, partimos do pressuposto de que em qualquer
regime econômico e social há um embate entre as classes, as quais
travam um jogo de interesses que são determinados pela posição que
ocupam na sociedade. Deste modo, existe uma complexidade de
categorias que são identificadas ao se estudar um objeto de pesquisa,
o que significa que o presente artigo se limitará nas possibilidades
postas pelo estudo.
Deste modo e através dos autores Cambi (1999), Cotrim (1991)
e Souza, Ferreira e Barros (2009), entre outros, que nos trouxeram luz
ao tema, indicamos que no período do feudalismo11 a Europa,

11 O Feudalismo foi um modo de organização social político e cultural


compreendido entre o século V ao século XV, baseado no regime de servidão
“[... ] instituição que não apresentou práticas uniformes nem se desenvolveu ao

- 60 -
[...] nasceu cristã e foi nutrida de espírito cristão,
de modo a colocá-lo no centro de todas as suas
manifestações, sobretudo no âmbito cultural. Caso
exemplar é o da educação, que se desenvolve em
estreita simbiose com a Igreja, com a fé crosta e
com as instituições eclesiásticas que – enquanto
acolhem os oratores (os especialistas da palavra, os
sapientes, os cultos, distintos dos bellatores e dos
laboradores) – são as únicas delegadas (com as
corporações no plano profissional) a educar, a
formar a conformar. Da Igreja partem os modelos
educativos e as práticas de formação, organizam-
se as instituições ad hoc e programam-se as
intervenções, como também nela se discutem
tanto as práticas como os modelos (CAMBI, 1999,
p. 145 E 146).

A educação neste período estava atrelada à igreja, a mesma era


detentora do conhecimento. E, como forma de poder e domínio sobre
o mesmo, a igreja ditava de que maneira e para quem o ensino era
ministrado. Este formato institucionalizado de ensino privilegiava o
clero e as pessoas provenientes da nobreza, fazendo com que uma das
principais características educacionais fosse este dualismo. Desta
forma, o ensino nesta época se caracterizou como elitizado, de forma
que poucos tinham acesso ao conhecimento.

mesmo tempo e do mesmo modo em todos os lugares. A sociedade feudal,


essencialmente aristocrática, estabeleceu-se sob os laços de suserania e vassalagem
que entremeavam as relações entre os senhores de terra. No alto da pirâmide
estavam a nobreza e o clero. [... ] a condição social era determinada pela relação
com a terra, e por isso os que eram proprietários (nobreza e clero) tinham poder e
liberdade” (ARANHA, 2006. p. 103).

- 61 -
Pontuamos que a educação sistematizada, historicamente,
acompanhou esta característica. Nosso estudo aponta que o sentido
dado à mesma desde a Grécia e Roma, bem como entre os egípcios e
astecas têm sido o de reproduzir desigualdades sociais “[...] por sobre
igualdades naturais, quando aos poucos usa a escola, os sistemas
pedagógicos e as “leis do ensino” para servir ao poder de uns sobre o
trabalho e a vida de muitos” (BRANDÃO, 2013, p. 35).
A relação de poder que a centralização educacional
proporciona aos dominantes já é de conhecimento dos aristocratas e
da igreja na sociedade feudal. Para além, a diferença às sociedades
anteriores é que além desta centralização há uma inculcação
ideológica da população a respeito da cultura cristã, de um modo de
ser e de pensar peculiar em que se resume em submissão.
Para Cambi (1999, p. 157), neste tipo de sociedade feudal,
caracterizada como hierárquica e estática, a educação se apresenta de
forma dualista e totalmente distinta. A mesma se desenvolve através
de variadas formas de ensino entre as classes inferiores e a nobreza,
por meio de instituições que possuem uma identidade imutável como
a família e a Igreja. Desta forma desenvolve-se um tipo de educação
tradicional12 e invariável traduzindo um ideal de mundo cristão.
Para Aranha (2006, p. 112 e 113) as teorias da educação do
Ocidente Cristão são as que merecem destaque em seus estudos, por

12 Na educação Tradicional o ensino é centrado no professor. “Este tipo de ensino


volta-se para o que é externo ao aluno: o programa, as disciplinas, o professor. O
aluno apenas executa prescrições que lhe são fixadas por autoridades exteriores”
(MIZUKAMI, 1986. p. 8).

- 62 -
ser as que influenciaram as épocas posteriores. Deste modo destacam-
se dentro da filosofia cristã dois grandes períodos a Patrística e a
Escolástica. A primeira é marcada pela filosofia dos Padres da Igreja, a
segunda pela filosofia das escolas cristãs. A autora destaca que,

Era inevitável que os monges temessem a


influência negativa da produção intelectual da
Antiguidade sobre os fiéis, ao mesmo tempo em
que não podiam rejeitar, em bloco, essa fecunda
herança cultural. A solução encontrada foi a lenta
adaptação ao legado greco-romano a fé cristã. Aos
poucos os mosteiros enriqueceram suas bibliotecas
com o trabalho cuidadoso e paciente de monges
copistas, de tradutores experientes, que vertiam
para o latim textos selecionados da literatura e
filosofia gregas, de bibliotecários meticulosos, que
controlavam, mediante ordens superiores, as
leituras permitidas ou proibidas, a fim de
disseminar e preservar a fé a qualquer custo
(ARANHA, 20016, p. 112).

Deste modo, percebemos o interesse pela educação como


forma de domínio e de poder de uma classe sobre a outra, em que,
neste caso, o conhecimento é designado e controlado pela igreja. Para
tanto a mesma desenvolve formas de viabilizar esse controle, como o
recrutamento de monges copistas e os enciclopedistas13.
Na fase de transição para o capitalismo, percebemos algumas
particularidades elencadas por Cambi (1999, p. 192),

13 Os enciclopedistas se baseiam no saber enciclopédico, em que retomam a cultura


antiga dentro da vertente teológica. Os mesmos copiam e traduzem os textos para
adaptá-los às ideologias da igreja com parâmetros de interpretação (ARANHA, 2006,
p. 114).

- 63 -
Todo um universo de imagens, de valores, de
modelos, de princípios entra gradativamente em
crise, prepara o novo e fixa alguns de seus temas
ou aspectos fundamentais”. A Idade média,
iniciada com uma crise, termina com outra crise”,
com um feixe de crises: a peste negra, a seca, a
recessão econômica etc. Abre-se a “época do
individualismo”, do homem-sujeito que tende a
tornar-se cada vez mais protagonista da sua
aventura na natureza e na história, para conseguir
dominar ambas.

Devido a inúmeros fatores o pensamento medieval entra em


crise, abrindo espaço para o nascimento de outro tipo de pensamento,
outro tipo de homem com características peculiares”. Também do
ponto de vista educativo, as propostas mais significativas do século já
estão além da Idade Média: com Dante Alighieri (1265-1321), com
quem o vulgar se afirma como língua artística [...]” (CAMBI, 1999, p.
192), antes inconcebível.
Deste modo, segundo Cotrim (1991), são formulados novos
valores dentre os quais se destaca: o humanismo, o racionalismo e o
individualismo, ou seja, emerge assim o Renascimento14. O que antes,
era rígido dentro de uma sociedade estamental15, agora abre espaço e

14 Movimento intelectual, de caráter urbano, que caracterizou a transição da


mentalidade medieval para a mentalidade moderna (séc. XV e XVI). Amplo alcance
intelectual: artes, ciências e filosofia” (COTRIM, 1991, p. 168).
15 A sociedade estamental era o tipo de estrutura social existente antes da
Sociedade Industrial; era dividida em estamentos (grupos sociais) e não permitia a
ascensão social. Disponível em: < http://brasilescola. uol. com. br/sociologia/a-
sociedade-estamental-as-funcoes-cada-estamento. htm >. Acesso em 05 de dez. de
2016.

- 64 -
emerge características para o desenvolvimento de ousadias dos
indivíduos, assim como insubmissões. Ainda segundo o autor, com
todo este processo de descontentamento em relação à Igreja católica
“[...] desembocou num movimento de ruptura religiosa: a Reforma
Protestante, do século XVI. Promovia-se, assim, a ruptura efetiva na
unidade do pensamento cristão ocidental” (COTRIM, 1991, p. 172).
Com essa ruptura, surge a Modernidade16 e em sua formação
social é promovida a afirmação de uma nova classe: a burguesia que
emerge das cidades e impulsiona um novo processo econômico o
capitalismo,

Assim como delineia uma nova concepção do


mundo (laica17 e racionalista) e novas relações de
poder (opondo-se à aristocracia feudal e aliando-se
à coroa, depois entrando em conflito aberto
também com esta e com seu modelo de Estado-
patrimonial e de exercício absoluto do poder). Do
ponto de vista ideológico-cultural, a Modernidade
opera uma dupla transformação: primeiro, de
laicização, emancipando a mentalidade –
sobretudo das classes altas da sociedade – da visão
religiosa do mundo e da vida humana e ligando o
homem à história e à direção do seu processo (a
liberdade, o progresso); segundo, de
racionalização, produzindo uma revolução
profunda nos saberes que se legitimam e se

16 Os marcos desta época são em seus aspectos econômicos: declínio do feudalismo


e ascensão do capitalismo comercial (grandes navegações), em seus aspectos sociais:
ascensão da burguesia e desmoronamento das relações servis, em seus aspectos
culturais: movimento renascentista, em aspectos da religião: Reforma protestante,
e por fim, nas questões políticas: Formação do Estado moderno e Absolutismo
Monárquico (COTRIM, 1991, P. 190).
17 Não pertencente ao clero ou a uma ordem religiosa.

- 65 -
organizam através de um livre uso da razão [...]
(CAMBI, 1999, p. 197 e 198).

Segundo esses princípios, o âmbito educacional é


profundamente modificado. A revolucionária burguesia em sua
barganha de tomada de poder indica a educação como voltada para
todos, deixando assim, de ser um privilégio da nobreza e da Igreja”.
Assim, a educação moderna, historicamente deixou de ser um
privilégio para se tornar um direito” (SOUZA; FERREIRA e BARROS,
2009, p. 490).
Indicamos que, apesar do tipo de sociedade emergente
apontar para o progresso, pois além de não ser estática a educação
necessitava ser “democratizada”, o homem tinha que ser educado
minimamente para o trabalho, o intuito da sociedade burguesa não
era genuíno. A mesma via na educação uma forma de submissão e
inculcação ideológica do proletariado, antes era o papel da Igreja, com
vistas ao trabalho fabril.
Deste modo, quando a burguesia se firmou no poder instituiu
a educação considerada em um primeiro momento como um direito
para um dever, pois esse movimento era uma necessidade econômica
na medida em que o mesmo precisava se adaptar ao modo de
produção capitalista. Para além, a manutenção da ordem e o ideário
burguês conseguiu se firmar através da educação. A laicidade foi um
aspecto importante nesta democratização, pois, independente da
religião ou crença do trabalhador, o mesmo teria “direito” à educação.

Brasil: A expulsão dos jesuítas e o berço da laicidade

- 66 -
Para compor a nossa reflexão neste tópico, nos pautamos em
Saviani (2013), Aranha (2006) e Oliveira (2004), entre outros. Deste
modo a educação no Brasil nasce quase concomitante à colonização,
com a chegada da Ordem dos Jesuítas em 1549 e o seu intuito de
catequese indígena e educação da elite colonizadora.
Deste modo, segundo Aranha (2006), no século XVII a educação
não era diferente em relação ao século anterior, ou seja, era
conservadora, tradicional e alheia as revoluções e ao renascimento
científico em relação à educação das elites e catequética em relação
aos escravos. Apesar deste apontamento, os estudantes das elites se
dirigiam para a Universidade de Coimbra, que também era jesuítica,
enquanto outros viajavam para a França à Montpellier. Desta forma, a
visão

[...] etnocêntrica que motivava a educação


europeia na colônia fez com que sempre se
desprezasse a cultura popular, influenciada pelos
indígenas e negros e que permaneceu marginal e
condenada à expectativa de homogeneização, uma
vez que a cultura erudita e europeizada era o
modelo a ser seguido. Mais ainda, os colonizadores
de início concebiam os índios como seres
inacabados, que mereciam o “aperfeiçoamento”
pela educação (ARANHA, 2006, p. 166).

Ou seja, a educação jesuítica desenvolveu no Brasil


características de uma sociedade com o pensamento da Idade Média,
pois, além do cunho religioso que era marcado pela submissão à
autoridade, ao aprisionamento escolástico em contradição ao

- 67 -
pensamento de um homem livre, como era na Europa, também não
havia a influência protestante que poderia contestar este paradigma.
A autora Aranha (2006, p. 162) relata que enquanto a Europa
vivia um crescente capitalismo em expansão através do comércio, o
Brasil permanecia na fase do pré-capitalismo, portanto, a colônia era
dependente e escravocrata. O mesmo sofri muitos ataques dos
inimigos como a Espanha. Além dos conflitos ativistas como a Revolta
de Beckman no Maranhão em 1684.
No âmbito educacional, a autora relata ainda, o fortalecimento
das missões que desde o século XVI ao XVII o modelo “[...] de
catequese dos índios alterava-se, com o confinamento dos indígenas
nas reduções ou missões, povoamentos com organização bem
complexa, que incluía conversão religiosa, educação e trabalho”
(ARANHA, 2006, p. 163).
Dentro deste paradigma, percebemos algumas divisões
temporais realizadas pelos autores que estudaram este período,
Segundo Saviani (2013) a educação colonial desenvolvida no Brasil
pode ser dividida em três fases: a fase heroica (1549 – 1570), a
segunda caracterizada pela consolidação jesuítica no Ratio
Studiorum18 (1599 – 1759) e a terceira fase sobre o período pombalino
(1759 – 1808).

18 “Conjunto de normas criado para regulamentar o ensino nos colégios jesuíticos.


Sua primeira edição, de 1599, além de sustentar a educação jesuítica ganhou status
de norma para toda a Companhia de Jesus. Tinha por finalidade ordenar as
atividades, funções e os métodos de avaliação nas escolas jesuíticas”. Disponível em:
<http://www. histedbr. fe. unicamp.
br/navegando/glossario/verb_c_ratio_studiorum. htm >. Acesso em 06 de dez. de
2016.

- 68 -
O autor narra que, nesta primeira a fase além dos jesuítas
outras ordens religiosas fizeram parte da catequização indígena como
os franciscanos e beneditinos, os primeiros a chegar, os carmelitas,
mercedários, oratorianos e capuchinhos. Apesar desta variedade, os
mesmos trabalhavam de forma dispersa e sem apoio de autoridades.
Este detalhe os diferencia dos jesuítas, que trabalhavam de forma
orgânica e com o apoio da Coroa de Portugal “[...] o que fez com que
o ensino por eles organizado viesse a ser considerado como um
sistema pelos analistas da história da educação brasileira do período
colonial” (SAVIANI, 2013, p. 41). O plano de ensino foi elaborado por
Nóbrega e incluía o aprendizado do português, ler e escrever e a
doutrina cristã, não levando em consideração a condição específica da
colônia.
Na segunda fase se deu a institucionalização do Ratio
Studiorum, o mesmo foi desenvolvido por um conjunto de regras
cobrindo todo o trabalho desenvolvido pelas pessoas no âmbito
educacional. Este plano. Ainda segundo o autor, era de caráter elitista
e universalista, ou seja, todos os jesuítas adotavam o plano e somente
os filhos de colonos eram contemplados com o mesmo.
Esta fase educacional é chamada pedagogicamente de
tradicional e recebe muitas críticas, por ter um caráter essencialista de
homem, em que a formação molda as características individuais
tornando-os homogêneos, e sendo religiosa, “[...] o homem deve
empenhar-se em atingir a perfeição humana na vida natural para fazer
por merecer a dádiva da vida sobrenatural” (SAVIANI, 2013, p. 58).

- 69 -
Entendemos que apesar deste aspecto negativo, este plano
educacional foi importante, pois desenvolveu um sistema de ensino
organizado e com êxito formando um número expressivo de
intelectuais como Descartes, Bossuet, Molière, Montesquieu,
Rousseau, Diderot, entre outros.
A última fase, marcada pelo período pombalino, foi iniciada por
um contexto controverso na medida em que concomitantemente
havia o ensino religioso e as ideias de influência iluminista. Desta
forma Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de pombal
ministro de Dom José I, logo após o terremoto que destruiu Lisboa,
apresenta em Portugal os nove princípios básicos do novo Estado,
entre eles estão: progresso científico, progresso das artes e elevação
da riqueza e bem estar entre outros. Os mesmos tinham o intuito de
recuperar o atraso de Portugal em relação aos outros países.
No âmbito educacional, expulsou os jesuítas, vinculou a igreja
ao Estado, decretou a reforma dos estudos maiores e menores entre
outros. No Brasil, ainda colônia de Portugal, o processo das reformas
ocorreu após o alvará de 28 de junho de 1759, em que determinava o
fechamento dos colégios jesuíticos e introduzia as aulas régias, as
mesmas eram mantidas pela Coroa Portuguesa.
Os estudos apontam que o processo das reformas ocorreu de
forma lenta, ou seja,

[...] o Iluminismo permanecia distante. Da expulsão


até as primeiras providências para substituição dos
educadores jesuítas decorreram 13 anos. Neste
período, desmantelou-se parte da estrutura

- 70 -
administrativa do ensino jesuítico: substituiu-se a
uniformidade de sua ação pedagógica pela
diversificação das disciplinas isoladas. O Estado
tentou assumir, pela primeira vez, os encargos da
educação, mas os mestres leigos das aulas e escolas
régias, recém-criadas, se revelaram incapazes de
assimilar toda modernidade que norteava a
iniciativa pombalina (OLIVEIRA, 2004, p. 947).

Para além da distância da realidade posta entre o Brasil e


Portugal entre os outros países, viu-se que a reforma pombalina
baseada no ideário iluminista contrapõe as ideias religiosas se
constituindo com o princípio de laicidade ao mesmo tempo em que
institui ao Estado o encargo educacional.

O ensino religioso nos documentos oficiais e o Estado laico


A partir da análise histórica da educação brasileira, da
influência da igreja no ensino, podemos apreciar de forma crítica,
como o ensino religioso influenciou na elaboração dos documentos
legais que compreendem a educação. Desta forma, nesta secção
apresentaremos brevemente o ensino religioso nas Constituições
Federais e Leis de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira,
documentos que garantem a educação, a elaboração e aplicabilidade
das políticas educacionais.
Durante o período colonial brasileiro (1500-1822), não há
nenhuma evidência clara da elaboração ou projeto de políticas
educacionais no Brasil. A formação estava nas mãos dos Jesuítas,

- 71 -
instruindo e catequizando os índios, e outrora as famílias abastadas
tinham o acesso à educação realizando cursos superiores no exterior.
Com a conquista da Independência do Estado Brasileiro em
1822, período conhecido como império19, a religião católica
predomina no território brasileiro, entretanto neste período a igreja
está subordinada ao Estado. Stigar (2009) considera que neste
período, existe uma parceria entre a Igreja e o Estado, onde a
instituição religiosa tinha total domínio sobre a educação, contudo os
representantes do Estado poderiam intervir nas ações religiosas,
constituindo o sistema de regalismo20.
O possível distanciamento político de Portugal, a
independência do Estado brasileiro, e o decreto da primeira
Constituição Brasileira em 1824, institui no país, a esperança de
grandes mudanças no campo social inclusive na educação. Emmerick
(2010, p. 148) assinala que a Constituição brasileira neste período,
instituiu legalmente a Igreja Católica como religião oficial, “[...]
mantendo sobre ela os mesmos controles e concedendo as mesmas
prerrogativas da época do Império, o que demonstra que a separação
Igreja/Estado nesse período histórico ainda era precária ou
inexistente”.

19 Período da história do Brasil que se estende da independência do Brasil em 1822,


até a proclamação da república Brasileira em 1889.
20 Teoria que propunha a interferência do chefe de Estado em questões religiosas.
Sistema político que sustentava o direito que tinham os reis de interferir na vida
interna da igreja

- 72 -
Nesse sentido, a referida Constituição institui o catolicismo
como religião oficial, como percebemos em seu Artigo 5º, assim
redigido:

A Religião Catholica Apostolica Romana continuará


a ser a Religião do Imperio. Todas as outras
Religiões serão permitidas com seu culto
doméstico, ou particular em casas para isso
destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo
(BRASIL, 1824)

Com a educação sob o domínio da Igreja, a Bíblia e os Manuais


de Catecismo eram utilizados nas salas de aula, o Ensino Religioso é
mencionado pela primeira vez em um documento oficial. No Ato
institucional de 1827, em seu Artigo 6º, considerada por Nunes (2006)
como a primeira lei de educação no Brasil e a única tentativa de
organização do ensino primário até 1946, considera:

Art. 6º Os professores ensinarão a ler, escrever, as


quatro operações de aritmética, prática de
quebrados, decimais e proporções, as noções mais
gerais de geometria prática, a gramática de língua
nacional, e os princípios de moral cristã e da
doutrina da religião católica e apostólica romana,
proporcionados à compreensão dos meninos;
preferindo para as leituras a Constituição do
Império e a História do Brasil (BRASIL, 1827).

A partir de 1840, surgem no Brasil escolas públicas para


atender os filhos da elite brasileira, Colégios como Dom Pedro II
expandem os interesses religiosos, a educação torna-se privilégio de

- 73 -
poucos e de acordo com Gadotti (1999, p. 3) os índices de
analfabetismo tomam grandes proporções, “[...] o país tinha cerca de
14 milhões de habitantes, dos quais 85% eram analfabetos”.
No período histórico conhecido como segundo reinado, as
influências liberais as quais o Brasil está submetido, leva ao
enfraquecimento da relação Igreja-Estado. Stigar (2009) considera o
grande número de imigrantes que desembarcaram no país, suas
crenças distintas, e o apoio do império em acolher os imigrantes, como
fatores de abatimento da Igreja Católica.
Com a imigração em processo no país, e a diversidade cultural
e religiosa, ideários como o protestantismo começam a se intensificar.
Nesse período, final do século XIX, de acordo com Anísia Figueiredo,

A mentalidade de tolerância religiosa no Brasil é


espontânea. O povo demonstra um certo interesse
pela Bíblia, já divulgada, por intermédio das
imigrações intensificadas no período, sobretudo
nas províncias do sul do pais, o que mais tarde vem
a concretizar a prática do Ensino Religioso
ecumênico nas escolas da região sulina
(FIGUEIREDO, 1999, p. 111).

A figura de Rui Barbosa21 é importante nesse período, o qual


levanta a discussão sobre a necessidade de incluir ou não a disciplina
de Ensino Religioso nas instituições de ensino. Desta forma, como
assinala Stigar (2009), nasce a República e com ela o ideário iluminista

21 Ruy Barbosa (1849 - 1923) foi jurista, político, diplomata, escritor, filólogo,
tradutor e orador brasileiro.

- 74 -
e positivista toma forma no país, surge em destaque o pluralismo
religioso, o Ensino Religioso passa a necessitar de uma reestruturação
com a finalidade de atender os ideais republicanos.
A proclamação da República em 1889 estabelece a separação
oficial entre Estado e Igreja, institui “[...] a laicidade do ensino, a
liberdade de culto e o reconhecimento da diversidade religiosa,
inspirados nos princípios do Estado plural e moderno” (STIGAR, 2009,
p. 30). A liberdade de culto proporcionou a inauguração de escolas
confessionais de diferentes credos religiosos, o que do ponto de vista
educacional representou abertura a novas tendências.
Novamente neste período a figura de Ruy Barbosa, é fator
importante para concretizar a separação entre Igreja e Estado, sendo
autor do decreto 119 A 07 de Janeiro de 1890, o qual:

Separou a Igreja Católica do Estado, extinguiu o


padroado, proibiu os órgãos e autoridades públicos
de expedir leis, regulamentos ou atos
administrativos que estabelecessem religião ou a
vedassem e instituiu plena liberdade de culto e
religião para os indivíduos e todas as confissões,
igrejas e agremiações religiosas (STIGAR, 2009, p.
30).

O Positivismo, baseado na razão e objetivando a liberdade


religiosa, ganha espaço nas instituições jurídicas e educacionais no
Brasil. A educação, responsabilidade do Ministério da Instrução

- 75 -
Pública, tem seu currículo repensado sob o viés positivista
disseminado pelo ministro Benjamim Constant22.
Neste sentido, como aponta Stigar (2009, p. 31), na lei o ensino
passa a ser denominado leigo, e o Ensino religioso toma caráter
facultativo, entretanto confessional, ou seja, “[...] era garantido a
laicidade dos currículos escolares, mas também era garantido o direito
à formação religiosa se o educando optasse por ela”.
Inspirada no ideário positivista americano, a Constituição
promulgada em 24 de fevereiro de 1891, considerada a primeira
republicana, no parágrafo 6º do artigo 72, considera que o ensino será
leigo, porém não ateu ou irreligioso. Esse desfavor à Igreja Católica,
segundo Stigar (2009), ocasionou por um longo período, um embate
entre o Estado e a Igreja, onde o Estado acabou cedendo às pressões
do Episcopado, posicionando-se na defesa do ensino religioso como
parte da liberdade do indivíduo.
De acordo com Stigar, a partir do momento em que a educação
passou a ser considerada como laica, “[...] o Ministério da Educação
não conseguiu implantar uma política educacional para o Ensino
Religioso que viesse a superar a questão da separação entre Estado e
Igreja” (STIGAR, 2009, p. 33).

22 Benjamin Constant (1836 - 1891) foi militar, professor e estadista brasileiro.


Adepto do positivismo, em suas vertentes filosófica e religiosa - cujas ideias difundiu
entre a jovem oficialidade do Exército brasileiro, foi um dos principais articuladores
do levante republicano de 1889, foi nomeado Ministro da Guerra e, depois, Ministro
da Instrução Pública no governo provisório. Na última função, promoveu uma
importante reforma curricular.

- 76 -
O ano de 1931 é marcado pela reintrodução do Ensino
Religioso nas escolas brasileiras. Como apelo político e buscando o
apoio da Igreja Católica, o então Presidente da República, Getúlio
Vargas, instruiu o Ministro da Educação Francisco Campos23, a
considerar o Ensino Religioso como importante formador em seu
caráter filosófico e pedagógico. Ao discutir esse período Figueiredo
(1999), considera que:

O Período de 1930 a 1937 é propício às discussões


e reinvindicações lideradas pela igreja católica, em
vista de um novo tratamento a ser dado ao Ensino
Religioso escolar, tendo como oposição os
escolanovistas e outros setores contrários à
inclusão da disciplina no conjunto do sistema
escolar. A discussão a favor e contra o Ensino
religioso, integrante da grade curricular como
disciplina normal do sistema, volta à tona e torna-
se uma das mais eloquentes do século
(FIGUEIREDO, 1999, p. 118).

Baseado nos pressupostos de que a educação necessitaria de


uma base moral advinda do fundamento religioso, em 30 de abril de
1931, através do decreto n° 19. 941, a disciplina de Ensino Religioso
retorna a escola pública, tendo sua elaboração assessorada pelo Padre

23 Francisco Campos (1891 – 1968), foi advogado e jurista, consolidou-se como um


dos mais importantes ideólogos da direita no Brasil, aprofundando suas convicções
antiliberais e passando a defender explicitamente a ditadura como o regime político
mais apropriado à sociedade de massas, que então se configurava no país. Tornou-
se um dos elementos centrais, junto com Vargas e a cúpula das Forças Armadas, dos
preparativos que levariam à ditadura do Estado Novo, instalada por um golpe de
estado decretado em novembro de 1937. O período do Estado Novo foi marcado
ainda pelo forte clima repressivo e pelas frequentes violações aos direitos humanos.

- 77 -
Leonel Franca24. Neste sentido, temos um realinhamento entre Estado
e Igreja, unicamente ligado aos interesses políticos do governo em
exercício.
Com a promulgação da Constituição de 1934, a aproximação
entre Estado e Igreja tornou-se novamente evidente. O artigo 153 do
documento considera que:

O ensino religioso será de frequência facultativa e


ministrado de acordo com os princípios da
confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais
ou responsáveis e constituirá matéria dos horários
nas escolas públicas primárias, secundárias,
profissionais e normais (BRASIL, 1934).

Emmerick (2010) considera o restabelecimento do Ensino


Religioso nas escolas primárias e secundárias, um grande retrocesso
nos avanços obtidos pela Constituição de 1891. O autor analisa que a
reaproximação entre Estado e Igreja,

Implicou grande retrocesso na garantia do Estado


laico e, consequentemente, a garantia dos direitos
de liberdade e igualdade para todos os cidadãos
restou prejudicada. Isto porque o referido
documento alterou grande parte dos princípios
liberais estabelecidos pela Constituição de 1991,
possibilitando a interferência do religioso na
política e nos assuntos públicos do Estado
(EMMERICK, 2010, p. 154).

24 Leonel Franca foi sacerdote jesuíta, graduou-se em letras, filosofia e teologia,


fundador e primeiro reitor da PUC-RJ, homem de profunda influência cultural e
religiosa no Brasil, autor de vários livros, dentre eles "Ensino Religioso e ensino
leigo".

- 78 -
A Constituição de 1937 não altera em nada a Constituição de
1934. Stigar (2009) considera que esta passou a ser vítima dos ideais
do Estado Novo juntamente com o Ensino Religioso que passou a ser
facultativo tanto para a instituição religiosa como para o educando.
No ano de 1946, é promulgada uma nova constituição,
estabelecendo um regime democrático ao País, novas deliberações na
área educacional e em consequência ao Ensino Religioso. Validando a
separação Estado e Igreja e o princípio da liberdade religiosa, o artigo
168, inciso V, afirma que: “O Ensino Religioso constituirá disciplina dos
horários das escolas, é de matrícula facultativa e será ministrado de
acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for
capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável” (BRASIL, 1946).
Em 1961, foi promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Brasileira. Sob a lei 4024/61, o documento manteve-se
neutro em relação ao Ensino Religioso. Em seu Artigo 97, o documento
considera que:

O Ensino Religioso constitui disciplina dos horários


normais da escola oficiais, é de matricula
facultativa e será ministrado sem ônus para os
poderes públicos, de acordo com a confissão
religiosa do aluno, manifestada por ele, se for
capaz, ou pelo seu representante legal ou
responsável (BRASIL, 1961).

Segundo Viesser (2005), com essa LDB tínhamos o Ensino


Religioso articulado à uma perspectiva teológica e confessional sobre

- 79 -
a disciplina de Ensino Religioso, trabalha-se a partir dos ensinamentos
de apenas uma denominação religiosa como verdade única. Stigar
(2009, p. 39) em relação ao documento, salienta que “[...] o
conhecimento veiculado era o da informação sobre elementos da
religião, sua finalidade era fazer seguidores, se caracterizando como
evangelização, aula de religião, catequese, ensino bíblico, pastoral”.
A partir do ano de 1964, o país viveu grandes conflitos políticos
e o sob o ideário da Ditadura Militar, a liberdade passa a ser
questionada pelo Estado. Neste período, disciplinas como a Sociologia
a Filosofia foram excluídas do currículo, assim como o Ensino Religioso.
Entretanto, com a promulgação da Constituição de 1967, o
Ensino Religioso volta a figurar os currículos da escola pública. De
acordo com o Artigo168, da Constituição vigente “O Ensino Religioso
constituirá disciplina dos horários das escolas, é de matricula
facultativa e será ministrado de acordo com a confissão religiosa do
aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante
legal ou responsável” (BRASIL, 1967).
Com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, lei 5692/71,
de acordo com Viesser (2005 apud STIGAR, 2009, p. 41) o Ensino
Religioso “[...] desenvolve a vivência religiosa do valor antropológico
de relacionamento consigo mesmo, com os outros, com o mundo, com
a natureza e com o transcendente”.
Na Constituição de 1988, sob o processo de redemocratização
do país, a Igreja Católica atuou fortemente para garantir os seus

- 80 -
interesses. Buscou influenciar em questões relacionadas à família,
moral, educação, planejamento familiar, e reprodução. De acordo com
Emmerick (2010),

Se a Igreja Católica e outras denominações


religiosas detinham um discurso e uma atuação
mais progressista no que diz respeito à justiça
social, aos direitos humanos e à democracia, em
outras temáticas mantiveram o seu histórico
conservadorismo (EMMERICK, 2010, p. 156).

Emmerick (2010), ao analisar a constituinte de 1988, aponta


que pouco se avançou na separação entre Estado e Igreja. Considera
que a Constituição de 1891 seja a mais laica da sociedade brasileira,
deixando nítida a separação entre os segmentos. O autor cita que:

A atual Constituição de 1988 referência Deus em


seu Preâmbulo; dispõe sobre a colaboração entre
as religiões e o Estado em ações de interesse
público; concede imunidade tributária a templos
de qualquer culto; prevê o ensino confessional nas
escolas públicas; mantém o casamento religioso
com efeitos civis; concede à família proteção
especial etc (EMMERICK, 2010, p. 157).

Em relação à educação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação


9394/96, a aproximação entre Estado e Igreja fica explicito ao
analisarmos a afirmação de Stigar (2009):

A partir desta lei o Estado, a escola e a sociedade


não podem mais considerar o Ensino Religioso
como uma simples formação religiosa ou

- 81 -
axiológica, nem considerar o Ensino Religioso como
Catequese ou como uma ação pastoral, é
necessário compreende lá como componente
curricular cujo conteúdo seja o fenômeno religioso
(STIGAR, 2009, p. 46).

A partir da análise histórica do Ensino Religioso no Brasil,


podemos afirmar que o ensino ligado a religião está presente desde a
colonização brasileira e evidenciado nos documentos legais. Essa
breve análise possibilitar reconhecer o histórico embate entre a Igreja
e o Estado, onde as aproximações e distanciamentos entre os dois
segmentos da sociedade brasileira, esteve explicito nas cartas magnas
e nos documentos que norteiam a educação no Brasil.
Com o fortalecimento da imigração em nosso país, e a
ampliação da cultura e credos religiosos, a necessidade em se
considerar a liberdade de expressão religiosa tornou-se preocupação
clara, salvo os momentos em que o Estado necessitou do apoio da
Igreja Católica para difundir sua ideologia, a exemplo do período
Vargas.
A partir da redemocratização do país, torna-se imprescindível
estabelecer ao Estado brasileiro o caráter laico, contrapondo-se a
institucionalização da Igreja no âmbito educacional e social. Com base
nesse pressuposto, de Estado Laico, a seguir apontaremos de forma
breve como se apresentam as relações entre a religião e a política no
espaço público brasileiro.

- 82 -
No campo legal, de acordo com Emmerick (2010), é possível
constatar a separação entre Estado e Igreja, o pressuposto de um
Estado Laico, sem qualquer interferência da igreja na sociedade.
Entretanto, ao analisar a relação entre estes dois importantes
segmentos, constata-se uma situação distinta, “o que se verifica nas
disputas cotidianas das relações sociais de poder é que o religioso
ainda se faz presente com grande expressão na arena pública e, não
raramente, leis e políticas públicas restam impregnadas de valores
religiosos” (EMMERICK, 2010, p. 160).
A análise do Ensino religioso e da presença da Igreja Católica
nos documentos constitucionais, demonstram que a Igreja e o Estado
possuem um vínculo ininterrupto. Apesar da Constituição Republicana
e posteriores, inclusive a de 1988, juridicamente instaurarem a
separação entre os dois segmentos, os mesmos documentos
evidenciam que o limite entre Igreja e Estado é predisposta,
restringindo a livre atuação de ambos (EMMERICK, 2010).
A aproximação entre Igreja e Estado no contexto atual,
ocasiona questionar a garantia de direitos iguais em uma sociedade
diversa e multicultural como a brasileira. Ainda, levanta a discussão
em relação a atuação política de Igrejas e credos na consolidação da
democracia. Neste sentido, Emmerick, (2010, p. 168).

No contexto do Brasil e da América Latina, torna-se


necessário entender com clareza e de forma
estratégica que os movimentos religiosos, em
matéria de direitos sexuais e direitos reprodutivos,
- 83 -
estão empreendendo todos os esforços para
fazerem valer as suas ideologias e os seus
interesses na elaboração das leis e das políticas
públicas. Neste sentido, tais movimentos têm
interpretado os conceitos e os princípios
constitucionais com base em suas concepções e
doutrinas religiosas, o que é algo demasiadamente
perigoso do ponto de vista da garantia de tais
direitos.

Desta forma, é perceptível que o Estado Laico na sociedade


brasileira está determinado apenas em caráter documental. A ações
da religião, nas decisões do Estado, expressam a complexidade social
e disputas político-religiosas que enfrenta a sociedade brasileira.

Considerações finais
No presente trabalho, nos propomos a analisar e problematizar
a laicidade no contexto social e educacional brasileiro, salientado a
influência da Igreja católica, direita ou indireta, na constituição da
sociedade capitalista, elaboração de documentos legais e políticas
educacionais.
A partir da análise do contexto histórico brasileiro, constata-se
que a imposição da cultura europeia passou a determinar o modelo de
educação necessário aos ideais europeus. Longe de ser o objetivo
principal dos colonizadores, o trabalho missionário e pedagógico
realizado pelos jesuítas esteve orientado pela submissão da igreja ao
poder real, mantendo a unidade política por meio da fé,
conscientização e educação da população (ARANHA, 1996).

- 84 -
Detentores do monopólio do ensino e apoiados pela Coroa
Portuguesa, os Jesuítas passaram a exercer poder sobre a organização
do ensino, elaborando disciplinas aos colégios que atendessem seus
ideais. Esse poder sobre o ensino passou a ser visto como ameaça,
capazes de determinar a consciência da população e o
comportamento daqueles advindos de camadas inferiores, o governo
determinou o encerramento das atividades da Companhia no Brasil,
enfatizando a relação instável entre Governo e Igreja (ARANHA, 1996).
Apesar da instabilidade da relação entre governo e jesuítas,
esteve longe de percebermos uma separação completa entre as
instituições Igreja e Estado, um exemplo disso, é o fato da educação
manter-se sobre o poderio religioso, mantida por frades franciscanos
e carmelitas e voltada única e exclusivamente para a elite brasileira
(MOREL, 1979).
A compreensão dos fatos históricos possibilitou compreender
como o modelo de educação advém, para além do contexto desigual
da sociedade brasileira, do embate pelo monopólio sobre o ensino. A
luta pela organização da educação brasileira, perpassou os interesses
de Igreja e Estado, contribuindo no embate em relação a redação e
promulgação dos documentos oficiais que viriam a reger o ensino no
país.
Ao discutirmos a laicidade nos documentos oficiais,
consideramos a importância de a legislação determinar o espaço da
laicidade na educação brasileira. A exemplo, a Constituição Federal de

- 85 -
1988 ao estabelecer que “é inviolável a liberdade de consciência e de
crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e
garantia, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas
liturgias”. Entretanto, é perceptível, que historicamente, a Igreja
Católica e os pressupostos religiosos, possuem um amplo poder nas
decisões da sociedade, desde o plano econômico, social e educacional.
As tentativas do Estado em libertar-se das amarras religiosas
estão explicitas nos documentos oficiais. Entretanto, a força do
segmento religioso contesta a liberdade estatal, colocando seus
interesses em altos níveis de importância, determinando e
influenciado na construção dos ideários sociais. Os ensaios estatais em
estabelecer uma sociedade laica e livre das influências religiosas,
frustram-se nos momentos em que acordos entre Estado e Religião
vem a privilegiar este ou aquele segmento.
Atualmente, no contexto brasileiro, o maior ataque ao Estado
Laico é a Bancada Evangélica no Parlamento titular eleita em 2014.
Hoje composta por 87 deputados/as federais e 3 senadores, num total
de 90 parlamentares, tem atuado fortemente contra os princípios da
laicidade legalmente instituída, tentando, entre suas ações, incluir
disciplinas como o criacionismo no currículo escolar e excluir religiões
de matriz africana.
Consideramos a necessidade de repensar a relação entre Igreja
e Estado e o pressuposto da laicidade no processo de elaboração das
políticas públicas para a educação, atentando para a influência de

- 86 -
ambas as instituições, as relações de poder estabelecidas.
Entendemos que o foco principal, na elaboração de políticas públicas
educacionais, seja o respeito a diversidade de credo, pensamento e
cultural, presentes na sociedade brasileira, assim considerando a
formação do educando.
A relação estreita entre Estado e Igreja, o privilégio aos
pressupostos religiosos do Catolicismo e a desconsideração da
diversidade de credo na produção e implementação de políticas
educacionais, a descaracterização dos currículos, recai e impacta na
formação da identidade discente, fortalecendo a disparidade e
manutenção de uma sociedade opressora e desigual.

- 87 -
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São Paulo, 2009.

- 90 -
Aprendendo no e com o coletivo: a importância da
brincadeira para a aprendizagem das crianças Xakriabá

Daniele Cristina de Souza Silvestre Caroba


Ana Carolina Machado Ferrari
Rebeca Cássia Andrade

Introdução
A educação indígena é uma educação diferenciada, pautada no
coletivo, onde uns aprendem com os outros, “[...] não se dirige apenas
à transmissão de ideias, conhecimentos, técnicas e valores, mas
reconhece que aquilo que se sabe é “incorporado”, toma assento no
corpo, e este deve ser adequadamente produzido para receber os
conhecimentos” (TASSINARI, 2007, p. 18).
Nesse contexto, a criança torna-se protagonista de sua
aprendizagem como um ser autônomo. Os povos indígenas tratam as
crianças de uma maneira diferenciada. E a sua concepção de infância
difere-se da concepção do não indígena. Eles a reconhecem como um
sujeito autônomo, sujeito da sua própria aprendizagem.
Acreditam que através da inserção e da participação na
sociedade, as crianças são capazes de aprenderem significativamente,
uma vez que “[...] o processo de ensino e aprendizagem acontece de
forma ininterrupta, não se separa a vida em momentos específicos
para a educação. ” (ZOIA; PERIPOLLI, 2010, p. 13).
- 91 -
Mas qual a importância das relações das crianças indígenas no
território para sua aprendizagem?
O objetivo desse trabalho foi buscar a compreensão de como
as crianças indígenas aprendem através das suas relações com os mais
velhos e com outras crianças indígenas. Para isso, a realização dessa
pesquisa se deu nos modelos de uma pesquisa qualitativa,
exploratória, a partir de um levantamento bibliográfico.
A concepção de infância se difere entre os povos indígenas e,
assim, “[...] não é possível definir um modo indígena de conceber a
infância, pois encontramos em populações indígenas variadas formas
de tratar esse período da vida” (TASSINARI, 2007, p. 13).
As crianças da aldeia Xikrin, por exemplo, possuem autonomia
e podem circular por toda a aldeia, apenas em alguns momentos
considerados perigosos, como rituais, as crianças são impedidas de
transitar pelo local (COHN 2000). Os indígenas da etnia Kayapó
acreditam que quanto mais às crianças veem mais elas aprendem.
Tassinari (2007) afirma que:

A liberdade que é dada às crianças indígenas


parece atrelada a um reconhecimento de suas
habilidades de aprendizagem. A concepção Kayapó
de que as crianças “tudo sabem porque tudo
veem” se refere a uma situação que não é mais
compartilhada pelos adultos, que não podem
circular por todos os espaços da aldeia como as
crianças (TASSINARI, 2007, p. 15)

- 92 -
Já as crianças indígenas da etnia Galibi-Marworno situada no
norte do estado do Amapá, na bacia do rio Uaça, diferente das outras
não podem circular por toda a aldeia. Os adultos delimitam as áreas
por onde elas podem transitar”. As crianças Galibi-Marworno não têm
livre circulação por toda a aldeia pelo fato de ainda não serem adultas.
Ao contrário, elas circulam por espaços muito bem definidos. ”
(CODONHO, 2009, p. 148).
Esse fato demonstra que nem todas as etnias indígenas
permitem que as crianças transitem livremente pela aldeia, mas a
autonomia e o aprendizado com os mais velhos acontecem da mesma
maneira, nesse caso através da convivência com os parentes mais
próximos.
Aprender sobre a educação indígena é importante, pois temos
a oportunidade de compreender a infância de outra forma. Na maioria
das vezes, não permitimos que as crianças aprendam em sua
totalidade, pois fazemos por elas o que são capazes de realizar, não
permitindo, assim, que adquiram a sua autonomia.
Devido á diversidade de povos indígenas e,
consequentemente, suas especificidades culturais e concepções
diferentes acerca da infância, elegemos a etnia Xakriabá como foco da
nossa pesquisa, buscando compreender a sua concepção de infância,
como a educação ocorre dentro desse território e como a brincadeira
é utilizada nesse processo de aquisição do conhecimento. A escolha se
deu devido essa etnia ser a mais populosa de Minas Gerais.

- 93 -
Aportes Metodológicos
Para a realização desse trabalho, optou-se pela abordagem
qualitativa que, conforme Gil (1999, p. 94) tem por objetivo “[...]
auxiliar aos pesquisadores a compreenderem pessoas e seus
contextos sociais, culturais e institucionais”.
Para se compreender como as crianças indígenas aprendem
através das suas relações com os mais velhos e com outras crianças
indígenas, realizou-se uma pesquisa exploratória bibliográfica na base
de dados da Scielo, nas teses e dissertações da Faculdade de Educação
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e nas monografias
do curso de licenciatura para Formação Intercultural de Educadores
Indígenas (FIEI), da UFMG. Das monografias do FIEI voltadas ao brincar
das crianças Xakriabá, foram encontrados dois trabalhos específicos.
Entretanto, só conseguimos ter acesso á pesquisa das autoras Santos;
Silva (2016), por estar disponível virtualmente. Em uma visita realizada
à Biblioteca da Faculdade de Educação (FAE) da UFMG, para
pesquisarmos in loco, não foi possível localizar o outro trabalho25,
devido à uma falha no sistema.
A partir desse levantamento, dividiu-se a pesquisa em quatro
temáticas: Os povos indígenas do Brasil, contextualizando a população

25
SOUZA, Elma Marcos de Almeida; RIBEIRO, Vera Fernandes. Brincadeiras Xacriabá
da aldeia Prata. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura)–Faculdade de
Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014. Habilitação
em Matemática.

- 94 -
indígena ao longo da historia até os dias atuais; o povo indígena
Xakriabá, realizando uma apresentação histórica desse povo e a
justificativa pela sua escolha; a relação das crianças Xakriabá em seu
território, onde descrevemos as interações das crianças desta etnia
com os mais velhos e com as outras crianças na comunidade; e a
educação indígena e o brincar Xakriabá, onde apresentamos a
diferenciação entre educação indígena e educação escolar indígena e
a importância do brincar nas relações indígenas Xakriabá.

Os povos indígenas
A população indígena no Brasil, no período de 1500 a década
de 1970, sofreu uma considerável redução e a extinção de alguns de
seus povos (AZEVEDO, 2008). Entretanto, nos últimos anos, é possível
perceber um crescimento populacional considerável, contrariando a
probabilidade de sua extinção.
Segundo dados do IBGE (BRASIL, 2010) e FUNAI – Fundação
Nacional do Índio (2010), são 305 etnias ao todo encontradas no Brasil,
com o registro de 274 línguas, contando com o número de 896. 9 mil
indígenas, sendo que 63, 8% residem nas terras indígenas e 36, 2% nas
cidades, distribuídas em todo o território nacional. Os povos indígenas
estão presentes em todas as regiões brasileiras, sendo a região Norte
a que reúne o maior número de indivíduos, totalizando 342, 8 mil
habitantes. O Amazonas é o estado dessa região que concentra o
maior número de indígenas.

- 95 -
A região com a menor concentração de habitantes indígenas é
a Sul, com 78, 800 mil indivíduos sendo o Rio Grande do Sul o estado
que concentra o maior numero de indivíduos. A região Nordeste
concentra cerca de 232, 739 mil indígenas, e a região Centro Oeste
143, 432 mil. Já a região Sudeste concentra cerca de 99, 137 mil
habitantes indígenas (IBGE 2010).
De acordo com a FUNAI (2010), existe ainda o registro de 69
etnias que não conseguiram ser catalogadas e grupos que lutam para
ser reconhecidos perante os órgãos competentes.
Os povos indígenas existentes na região Sudeste são: em São
Paulo as etnias Guarani Mbya localizada no município de Miracatu,
Sete Barras. Guarani Kaiowa e Terena no município de Avaí. Guaraní
no município de Ubatuba. Guarani no município de Ubatuba. Guarani
Nhandeva no município de Miracatu, Sete Barras. Guarani Kaiowa no
município de São Paulo. Guaraní no município de Mongaguá, Guarani
no município de Santos, São Sebastião. Terena e Kaingang no
município de Braúna. Guarani Mbya no município de São Paulo,
Osasco. Guaraní no município de Iguape. Guarani Mbya no município
de Miracatu, Sete Barras. Guaraní no município de Barão de Antonina.
Guarani no município de São Paulo. Guarani Mbya no município de
Cananeia. Guarani Mbya no município de Miracatu, Sete Barras.
Guaraní no município de Peruíbe. Guarani Nhandeva no município de
Peruíbe. Guaraní no município de Barão de Antonina. Guarani no
município de Bertioga, Salesópolis e São Sebastião. Guaraní no

- 96 -
município de Itanhaém, São Vicente e São Paulo. Guarani município no
de Itariri, Guarani no município de Eldorado. Guarani Mbya no
município de Cananéia. Guarani Mbya no município de Iguape.
Guarani Mbya no município de Pariquera-Açu. Guarani Nhandeva no
município de Itaporanga. Guarani no município de Mongaguá, São
Bernardo do Campo, São Paulo e São Vicente. Kaingang no município
de Arco-Iris e Tupã.
No Rio de Janeiro são: Guarani no município de Parati. Guarani
Araponga no município de Parati. Guarani de Bracui no município de
Angra dos Reis. Parati-Mirim no município de Parati. Parati-Mirim no
município de Parati. Tekoha Jevy (Rio Pequeno)- Guaraní município de
Parati. No Espírito Santo são: Caieiras Velha II - Guarani Mbya e
Tupiniquim no município de Aracruz. Comboios- Guarani e Tupiniquim
no município de Aracruz. Tupiniquim no município de Aracruz.
Em Minas Gerais estão presentes as seguintes etinias: Kaxixó
no município de Pompéu e Martinho Campos. Pataxó e Pankararu no
município de Araçuaí. Xucuru – Kariri município no de Caldas. Pataxó e
Krenak no município de Senhora do Porto e Carmesia. Maxakali no
município de Ladainha. Krenák no município de Resplendor. Krenák no
município de Conselheiro Pena, Itueta, Resplendor e Santa Maria do
Itueto. Maxakali no município de Santa Helena de Minas e Bertópolis.
Pataxó no município de Itapecerica. Maxakali no município Teófilo
Otoni. Xakriabá no município de Conego Marinho e São João das

- 97 -
Missões, Itacarambi. Xakriabá no município de Itacarambi e São João
das Missões.
A Constituição Federal (BRASIL, 1998) foi uma importante
conquista para a população indígena, pois garantiu a eles uma
educação diferenciada e intercultural, o direito á terra, direitos sociais
e á saúde, possibilitando assim, novas relações entre o Estado, a
sociedade e os povos indígenas.
Os indígenas eram detentores de uma parcela significativa de
terras no passado, mas com a perda dos direitos que detinham sobre
as mesmas, eles se viram obrigados a readaptar seu modo de vida e a
habitar em pequenas áreas inferiores a que possuíam no passado.
Conforme afirmam Faustino e Mota (2016):

Esses grupos possuem culturas diferenciadas,


sendo necessário compreender que os processos
de desterritorialização das populações indígenas
ocorridos desde o século XVI impactaram suas
formas de vida tradicionais. Anteriormente a esse
processo, os povos indígenas tinham sua
sustentabilidade baseada na caça, coleta, pesca
agricultura em pequenas escalas e atividades de
defesa de amplos territórios, o que lhes permitia o
adequado manejo ecológico mediante
conhecimentos profundos e complexos atinentes a
questões ambientais e geográficas (FAUSTINO;
MOTA, 2016, p. 396)

Essas pequenas áreas onde os indígenas habitam recebem o


nome de aldeamento, mas cada etnia tinha a liberdade de escolher o
nome para a terra onde se originavam. Faustino e Mota (2016, p. 396)

- 98 -
afirmam que “[...] Os grupos Guarani nominavam esses núcleos de
Tekoha, os Kaingang os chamavam de Emã, e assim, cada etnia tinha
um nome para seus locais de moradia”. Mas quando os colonizadores
chegaram a essas terras, resolveram nomear todas as terras habitadas,
ainda que por diferentes povos indígenas, de aldeias. Por este fato é
utilizado o termo aldeamento.
As relações existentes com os indígenas da atualidade não são
as mesmas dos séculos passados. Com a garantia e a luta por seus
direitos, esses indivíduos possuem uma relação mais ampla com a
sociedade não indígena atual. Buscaram aprender a ler, a escrever, se
especializar para lutarem por seus direitos e por suas terras que lhe
foram tiradas. Os indígenas foram obrigados a se adequarem a essa
nova realidade, para não serem novamente colonizados, mas “[...]
conhecer a organização do trabalho na sociedade capitalista (trabalho
assalariado), dominar a política indigenista na qual estão inseridos,
lutar por direitos humanos, ampliar as alianças e interagir em
diferentes instâncias sociais” (FAUSTINO; MOTA, 2016, p. 402). Tais
adequações não os tornaram menos indígenas do que antes. Apenas
contribuiu com mais um instrumento em favor da resistência.

O povo Xakriabá: uma introdução


Elegeremos a etnia Xakriabá como foco de nosso estudo. A
comunidade indígena Xakriabá está localizada ao norte de Minas
Gerais, no município de São João das Missões, possui

- 99 -
aproximadamente 52. 660 hectares de terra e cerca de 10 mil
habitantes. É a maior população indígena de Minas Gerais. Sua
economia é concentrada em pequenos comércios, lavoura e a criação
de animais de pequeno e médio porte. A vegetação existente consiste
em cerrado e caatinga.
Essa região foi conhecida por ter sido palco de uma antiga
missão missionária (Missão do Senhor São João) que tinha como
objetivo a catequização dos indígenas da região, mas foi abandonada
em meados do século XVIII. Após a saída dos missionários os índios
continuaram habitando a região.
Os Xakriabá viviam originalmente da caça e da coleta, mas com
os aldeamentos sua zona de caça foi reduzida, prejudicando a
obtenção de alimentos e matérias para construção de artigos. Por esse
motivo, a agricultura se tornou a fonte econômica principal da aldeia.
Para os Xakriabá, a terra pertence a todos, e o que define quem
irá ocupar cada espaço é a maturidade do sujeito. Os indígenas dessa
etnia prezam pela solidariedade que abrange os membros da família e
integrantes da mesma aldeia e, ocasionalmente todos os Xakriabá.
Embora o protestantismo se faça presente, a religião
predominante entre os Xakriabá é o catolicismo devido á ligação que
foram submetidos com a religião. Além disso, a espiritualidade se
fortalece, dentre outras coisas, através da onça Yayá Cabocla,
protetora do gado e das terras Xakriabá e em outros seres encantados
que também são muito presentes.

- 100 -
Na década de 1970, os Xakriabá viram-se obrigados a lutarem
por seu reconhecimento e pela identidade do seu povo. Ocorreram
conflitos sangrentos nesse período e lideranças foram exterminadas.
Em 1978, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) começou a realizar a
identificação das terras Xakriabá, nove anos depois foi instituída a
homologação do território. Ainda hoje, os Xakriabá lutam pelo
reconhecimento de terras que ainda não estão em sua posse.

As relações das crianças Xakriabá em seu território


A concepção de infância e o processo de aquisição do
conhecimento sofreram constantes transformações. Para
compreendermos como acontece o processo de ensino e
aprendizagem indígena, devemos entender como cada etnia concebe
a infância. Entre os indígenas da etnia Xakriabá, por exemplo, as
crianças podem transitar livremente entre os espaços da aldeia. Eles
acreditam que, por possuírem tamanha autonomia, as crianças
aprendem através da interação. Conforme Silva (2012) afirma:

Não havia entre os Xakriabá uma distinção entre


espaços voltados exclusivamente para adultos e
aqueles voltados para as crianças. De situações
mais informais até as mais estruturadas e
formalizadas de aprendizado, esses diversos
momentos da vida social que propiciavam o
encontro entre adultos e crianças suscitavam, por
sua vez, uma diversidade de situações de
comunicação e aprendizagem (SILVA, 2012, p. 91)

- 101 -
A criança se socializa em primeiro lugar com o seu grupo
familiar, e depois com o restante da aldeia. Desde pequenas as
crianças participam das tarefas diárias, para que, ao atingirem a idade
adulta, já consigam exercer o seu papel na aldeia. Não são obrigadas a
concluírem a tarefa até o final”. Quando as crianças eram menores,
suas participações eram voluntárias e elas podiam abandonar a tarefa
que realizavam a qualquer momento. ” (SILVA, 2012, p. 95). Executam
por prazer, e não apenas por obrigação.
As crianças Xakriabá participam ativamente de todas as
atividades da aldeia, desde o nascimento ao funeral de algum membro
da aldeia, possuindo a liberdade para transitarem em todos os espaços
da aldeia”. A relação adulto-criança não é marcada pelo controle de
espaços por onde a criança circula, muito menos pelo controle do seu
tempo, vigilância, pela imposição de regras” (SILVA, 2007, p. 13).
Através da interação, os indígenas transmitem os saberes, sua
cultura, companheirismo tornando a aldeia cada vez mais unida. A
infância é concebida como uma questão de liberdade, autonomia. As
crianças indígenas participam ativamente da sociedade, executando
pequenas tarefas na comunidade que contribuindo para a sua
aprendizagem e concepção de cultura.

Imagem 1 – Crianças Xakriabá brincando com barro

- 102 -
Fonte: Arquivo pessoal de Edgar Correa Kanaykõ26

Conforme Silva (2007, p. 1) relata, “[...] a participação da


criança na vida cotidiana da aldeia, na realização das tarefas, na
observação das tarefas dos adultos e sua imitação seriam os
elementos explicativos de sua aprendizagem e componentes
importantes de sua socialização. ” Não existe a preocupação de
quando a criança irá construir um determinado saber, ela irá aprender
em seu tempo.

26
Edgar Corrêa Kanaykõ, pertence ao povo indígena Xakriabá Estado de Minas
Gerais. É mestrando em Antropologia pela UFMG. Tem atuação livre na área de
Etnofotografia: “um meio de registrar aspecto da cultura - a vida de um povo”. Nas
lentes dele, a fotografia torna-se uma nova “ferramenta” de luta para o povo
indígena, possibilitando ao “outro” ver com outro olhar aquilo que um povo indígena
é.

- 103 -
Essa relação de liberdade é muito importante, pois propicia á
criança a oportunidade de aprender observando os mais velhos e a
outras crianças. Promovendo um aprendizado que elas levarão por
toda a vida, além da oportunidade de interação com toda a
comunidade. Silva (2007) relata que:

A intensa circulação das crianças pela aldeia


atestava um aspecto importante sobre a infância,
que é a presença e participação delas em todas as
atividades do grupo – das reuniões na casa da
comunidade às cerimônias religiosas, nas festas,
nos casamentos, nas atividades domésticas de seu
grupo familiar voltadas para manutenção da casa e
para o cultivo e preparo de alimentos. Não havia
entre os Xakriabá uma distinção entre espaços
voltados exclusivamente para adultos e aqueles
voltados para as crianças. De situações mais
informais até as mais estruturadas e formalizadas
de aprendizado, esses diversos momentos da vida
social que propiciavam o encontro entre adultos e
crianças suscitavam, por sua vez, uma diversidade
de situações de comunicação e aprendizagem
(SILVA, 2007, p. 91).

A criança participa também das atividades diárias em sua


comunidade familiar, e dentro da aldeia, possuindo a liberdade de
escolha em terminar determinada tarefa ou não”. O que diferencia das
outras crianças maiores é que a criança pequena decide quando entra
e quando sai da tarefa, com o consentimento dos adultos. ” (SILVA,
2012, p. 92). Os adultos procuram ensinar as crianças essas atividades,

- 104 -
para que quando crescerem já saibam exercer a sua função na
comunidade.

Imagem 2 – Crianças Xakriabá em um momento de circulação de


conhecimento no território.

Fonte: Arquivo pessoal de Edgar Correa Kanaykõ

Outra forma de interação é o cuidado que as crianças maiores


possuem com as menores, o que garante uma proximidade maior
entre elas, e propicia a transmissão de “saberes horizontais”
(CODONHO, 2009, p. 141), no qual a criança ensina e aprende com
sujeitos que tenham idades semelhantes. Codonho (2009) afirma que
a transmissão de saberes horizontais “não se dá apenas das gerações
mais velhas para as mais novas, mas entre indivíduos de uma faixa
etária aproximada. ” (p. 141)
As crianças Xakriabá aprendem enquanto circulam pela aldeia,
seja para levar um recado, visitar um parente próximo, ou realizando
pequenas tarefas diárias. A autonomia e a liberdade de executar
- 105 -
determinada tarefa ou não são formas de aprendizagem que os
indígenas dessa etnia utilizam. Como relatam Silva e Pereira (2007):

Esses aspectos permitem às crianças estarem


presentes, observar os adultos e, por estarem
completamente imersas no cotidiano da vida do
grupo, elas aprendem. Aprendem “vadiando”,
assim resumem os índios adultos desta aldeia, em
outras palavras, brincando, olhando, fazendo igual
(SILVA; PEREIRA, 2007, p. 11).

A intensa interação das crianças na comunidade faz parte do


requisito para que ela se torne um membro legitimo da etnia Xakriabá,
podendo assim exercer a sua função dentro da aldeia, que não se
relaciona com sua idade, mas sim com a capacidade de realização de
tarefas do cotidiano.

O brincar na educação indígena Xakriabá


A educação dos povos indígenas é diferente da que ocorre nas
cidades, pois não se restringe apenas á escola, “[...] não se encerra
nem jamais se encerrará na escola. ” (CONH, 2005, p. 487). Em todo o
espaço da aldeia o aprendizado pode acontecer. Há uma diferenciação
entre a educação indígena e a educação escolar indígena.
Na educação indígena Xakriabá a criança é vista como um
sujeito autônomo, que pode circular livremente pela aldeia,
aprendendo assim através da interação com adultos e crianças

- 106 -
indígenas”. Deixar as crianças observarem tudo, portanto, é parte de
uma pedagogia nativa” (TASSINARI, 2007, p. 15).
Ao gozarem de tamanha autonomia e liberdade, os indígenas
acreditam que “as crianças aprendam muito mais que os adultos lhe
ensinam, pela habilidade de processar tudo á sua volta: o dito e o não
dito, o explícito e o velado, o entendido e o subentendido” (TASSINARI
2007, p. 16).
Além de se atentarem para a aprendizagem significativa das
crianças, os indígenas também se preocupam com a saúde das
mesmas, o que eles denominam “corpos saudáveis”. Para isso,
selecionam os alimentos que as crianças devem ou não comer,
alimentos que não sejam prejudiciais á saúde. Segundo Tassinari
(2007, p. 17), “essa parece ser a esfera na qual as crianças não têm
liberdade de escolha, e se deixam levar pelas prescrições dos adultos”.
A educação escolar indígena visa transmitir, além dos saberes
culturais, os saberes formais. Os indígenas buscam aprender, adquirir
o conhecimento formal para lutarem por seus direitos, suas terras e
compreenderem as leis. Eles acreditam que “[...] para melhor viver no
Brasil, devem dominar alguns dos conhecimentos que embasam
grande parte de nossas relações, especialmente as jurídicas. ”
(FAUSTINO; MOTA, 2016, p. 402). No passado, eles foram cruelmente
enganados pela sociedade, perderam muitas terras, por não
possuírem o conhecimento das leis ocidentais.

- 107 -
Nas escolas indígenas, o currículo, o calendário e o material
didático são elaborados pelos professores indígenas, priorizando levar
os alunos ao conhecimento da sua cultura, suas crenças e sua língua
materna.
As escolas foram implantadas no território Xakriabá na década
de 1990. São cerca de trinta e quatro escolas presentes por toda a
aldeia. Os professores de Cultura são os responsáveis por manterem
vivas as tradições entre as crianças da aldeia, a escola é vista como um
espaço com a finalidade de transmissão não apenas de conteúdos,
mas, acima de tudo, de valores culturais. Com a inclusão desses
professores dentro das escolas, acredita-se que [...] “esse tem sido um
caminho encontrado pelos Xakriabá para fazer efetivar a sua escola
indígena diferenciada” (PEREIRA, 2013, p. 150)
Sendo assim, podemos perceber que a educação escolar
indígena é diferenciada, não visa apenas a transmissão de conteúdos,
mas sim de saberes que acompanharam o sujeito por toda a vida, e o
mesmo poderá repassar aos seus filhos.
A Constituição Federal de 1988 garantiu aos indígenas uma
serie de diretos que até então eles não possuíam. Uma de suas
primeiras determinações foi o reconhecimento dos indígenas como
sujeitos que não estão fadados ao esquecimento, mas com o direito
de serem o que são: índios. Garantiu também o direito á terra e ao uso
de sua língua de origem.

- 108 -
A aquisição desses direitos garantiu que a escola indígena
usufruísse de uma educação diferenciada, valorizando sua língua e sua
cultura, uma escola autônoma livre das imposições culturais
ocidentais. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.
394), em seu artigo 32, garante que o ensino da língua portuguesa no
Ensino Fundamental, mas assegura ás comunidades indígenas a
utilização da língua local e utilização de métodos próprios para a
aprendizagem.
A LBD prevê também a formação de professores
especializados, material didático diferenciado, a elaboração do Projeto
Político Pedagógico de acordo com especificidade de cada escola
indígena. No artigo 23 da LDB, a organização escolar tem autonomia
para escolher o melhor método de trabalho. Já no artigo 26, destaca-
se a importância da valorização das características regionais e
culturais.
No Plano Nacional da Educação (Lei nº 10. 172) destaca-se a
oferta de programas educacionais aos povos indígenas e a participação
da comunidade indígena nas decisões referentes à escola. Criando
assim a escola indígena. Prevê também a formação de professores
indígenas para atuarem nas escolas das aldeias.
A brincadeira encontra-se presente no contexto educacional
das crianças, seja na cidade ou na aldeia. O brincar é muito importante
na vida da criança, é uma forma de expressão e, através da
brincadeira, ela pode criar o seu próprio mundo, desenvolver

- 109 -
diferentes habilidades e a possibilidade de conviver com outras
crianças. Segundo Kishimoto (2010):

O brincar é a atividade principal do dia a dia. É


importante porque dá o poder à criança para tomar
decisões, expressar sentimentos e valores,
conhecer a si, os outros e o mundo, repetir ações
prazerosas, partilhar brincadeiras com o outro,
expressar sua individualidade e identidade,
explorar o mundo dos objetos, das pessoas, da
natureza e da cultura para compreendê-lo, usar o
corpo, os sentidos, os movimentos, as várias
linguagens para experimentar situações que lhe
chamam a atenção, solucionar problemas e criar.
Mas é no plano da imaginação que o brincar se
destaca pela mobilização dos significados
(KISHIMOTO, 2010, p. 1).

A ludicidade torna a aprendizagem mais prazerosa, mesmo as


brincadeiras mais simples permitem que a crianças se desenvolvam
em todos os âmbitos. Nas aldeias indígenas não é diferente. Através
das brincadeiras, as crianças aprendem a executar diversas atividades,
além de se divertirem.
Faustino e Mota (2016, p. 400) afirmam que as atividades
lúdicas tinham grande importância na interação social das crianças
indígenas no território, uma vez que, as crianças “[...] por meio de
brincadeiras, aprendiam com seus pais as atividades consideradas
masculinas, principalmente o manejo do arco e da flecha treinando
diariamente a pontaria em borboletas, cigarras e besouros”. A
contação de histórias também é muito importante na cultura indígena,

- 110 -
pois através dela as crianças irão aprender sobre a sua cultura e
história mantendo, assim, ambas vivas na memória da comunidade.
O brincar para os indígenas Xakriabá é uma maneira de
intensificação dos saberes da criança e a preparação para viver em
sociedade. Segundo Santos e Silva (2016, p. 9), “brincar enriquece e
fortalece o saber da criança, fazendo com que elas (eles) aprendam a
viver socialmente com outras crianças”. Na comunidade existem
poucos brinquedos industrializados, a grande maioria é confeccionada
pelos próprios indígenas.
Brincando a criança aprende a viver em comunidade, aprende
os ofícios da aldeia, desenvolvendo-se em toda a sua plenitude. Como
afirmam Santos e Silva (2016, p. 14), “para nós Xakriabá, o brincar faz
parte da vida de cada um no período da infância e até mesmo na
adolescência, por que é um ato de alegria, diversão e de criatividade”.
A confecção dos brinquedos é uma rica fonte de transmissão
de cultura. Através dessa prática, os indígenas visam manter sua
cultura sempre viva dentro do território”. Porque é destas brincadeiras
e brinquedos que nossas crianças criam, desenvolvem suas
criatividades, fantasiam e até mesmo sonham, e acabam entrando no
mundo da ficção, das imaginações” (SANTOS; SILVA, 2016, p. 50).
Brincando as crianças indígenas aprendem seus ofícios e
preservam a sua cultura. Por isso, a brincadeira é algo bem presente
dentro das aldeias, e na aldeia Xakriabá é uma fonte inesgotável de

- 111 -
transmissão de saberes que acompanharão o indivíduo por toda a sua
vida.

Considerações Finais
A educação indígena é uma educação diferenciada, a criança é
sempre vista como o centro da aprendizagem, um ser autônomo, apto
para tomar as suas próprias decisões. O objetivo desse trabalho é
compreender como acontece essa educação dentro do território
indígena.
Aprender sobre a educação indígena é importante, pois temos
a oportunidade de compreender a infância de outra forma. Na maioria
das vezes, não permitimos que as crianças aprendam em sua
totalidade, pois fazemos por elas o que são capazes de realizar, não
permitindo, assim, que adquiram a sua autonomia.
Ao possuírem seus direitos garantidos através da Constituição,
os indígenas obtiverem direitos que beneficiaram diretamente a
escola. A construção do currículo, a educação bilíngue, o direito de
serem o que são e o respeito a sua cultura.
A comunidade indígena Xakriabá é um exemplo de luta,
resistência por seus direitos e por suas terras. As crianças da aldeia são
tratadas com autonomia, livre acesso em todos os lugares e
momentos, sendo esse um requisito para que elas se tornem um
legítimo membro da aldeia.

- 112 -
A aprendizagem da criança é adquirida através da interação
com os adultos e outras crianças da aldeia. Dentro da escola não é
diferente, as crianças indígenas devem aprender as disciplinas
ocidentais, mas a cultura nativa está sempre presente, articulando-se
com outras disciplinas.
Através da brincadeira e da confecção de seus brinquedos elas
mantêm o contato com sua cultura, aprendem brincando os ofícios da
aldeia e se divertem. É uma maneira de sintetizar o que foi aprendido.
Brincando, as meninas aprendem as atividades exercidas
dentro de casa, os meninos aprendem a manusear arco e fecha, a
trabalhar na roça, o que os prepara para a vida social, e para exercer o
seu papel dentro da comunidade. A brincadeira para os Xakriabá é um
meio para a criança aprender de forma significativa.
Ainda se faz necessário novos estudos sobre a importância da
brincadeira e as relações com as crianças indígenas dentro do seu
território, mas acredita-se que esse trabalho trará contribuições para
a compreensão da importância da brincadeira para a interação da
criança Xakriabá com seu território.

- 113 -
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- 116 -
Concepções de professores sobre a aprendizagens e
comportamentos de estudantes dos primeiros anos do
ensino fundamental

Luciane Guisso27
Marivete Gesser28
Milena Carolina Fiorini29

Introdução
As aprendizagens e comportamentos dos estudantes dos anos
iniciais do ensino fundamental vêm sendo considerados preocupações
constantes dos docentes (CARVALHO, 2001; CRUZ; STEFANINI, 2005).
Quando crianças não conseguem alcançar o sucesso escolar esperado
(CAMPOS, 1997) ou quando apresentam comportamentos
desafiantes, os docentes se questionam a respeito de quais mediações
precisam realizar (AQUINO, 2001), bem como entendem que os
desafios apresentados são reflexos de um “novo perfil de estudante”
que atualmente ocupa os bancos escolares.

27
Psicóloga, Doutoranda em Psicologia no Programa de Pós-Graduação de Psicologia
na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
28
Psicóloga, Doutora em Psicologia, professora na graduação e Pós-Graduação de
Psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
29
Psicóloga, Doutoranda em Psicologia no Programa de Pós-Graduação de Psicologia
na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

- 117 -
Tomando por referência a concepção da pedagogização do
conhecimento (VARELA, 1994) e a ênfase no discurso da
democratização do ensino, há um predomínio da perspectiva
homogeneizante de compreensão da educação. A lógica instrumental,
que vigora há séculos, compreende a educação e seus processos como
associada unicamente à transmissão de informações. Percebe-se,
desse modo, que o conhecimento é reduzido a um produto, sendo
enfatizados os resultados da aprendizagem e não o processo. Tal
perspectiva implementa a homogeneidade de conteúdos, ritmos e
estratégias, e não a diversidade. Dessa maneira, professores também
se inserem na lógica de tratamento uniforme aos estudantes,
consolidando as desigualdades e as injustiças das origens sociais dos
discentes (DAYRELL, 1996).
A ênfase da aprendizagem está centrada nos resultados. São
valorizadas provas e notas, de modo que a finalidade da escola acaba
centrada no passar de ano. Assim, é necessário lembrar que as
relações entre o vivenciado pelos estudantes e o conhecimento
escolar acabam desarticulados, desmotivando os estudantes. Há uma
homogeneização dos ritmos, estratégias e propostas educativas,
independente da origem social, da idade e das experiências vividas. A
diversidade real dos estudantes acaba sendo reduzida à questão
cognitiva (o bom ou mau aluno, preguiçoso ou esforçado) ou do
comportamento (bom ou mau aluno, obediente ou rebelde,
disciplinado ou indisciplinado) (DAYRELL, 1996). De modo geral, o

- 118 -
estudante é tomado como aquele que padece de supostos "distúrbios
psico/pedagógicos". Os reflexos desse olhar e prática de ensino são
indicados nos índices de retenção e evasão escolar, sendo que a
realidade brasileira é apontada como semelhante à de países como
Nigéria e Sudão (AQUINO, 1998).
Ainda em relação às questões de comportamento ou
indisciplina, estas tendem a ser vistas principalmente no contexto da
sala de aula. Os comportamentos destacados como difíceis de lidar
pelos professores são aquele compreendidos como inadequados e
perturbadores na sala de aula (MARINHO; LOPES, 2010). Os
estudantes que chamam mais atenção são os caracterizados como
desobedientes, agressivos, impacientes, agitados, destrutivos -
identificados como “estudantes problema” (AQUINO, 1998). Os
estudantes mais quietos, desacreditados e desanimados são os que
menos chamam atenção do professor (LYRA et al., 2009).
Consequentemente, os primeiros são os que mais desafiam os
professores em seu trabalho diário.
Dessa maneira, muitos docentes acabam por atribuir, ao
estudante e ao contexto familiar a responsabilidade pela manifestação
e manutenção das questões relacionadas à não aprendizagem bem
como aos comportamentos problema na realidade escolar. Porém,
percebe-se que os próprios docentes receberam formação para lidar
com um “suposto estudante ideal”, o qual tem um perfil muito
diferente do que vem frequentando a escola atualmente. Consonante

- 119 -
às mudanças do mundo atual, o estudante que se apresenta na sala de
aula tem outros conhecimentos, é mais irrequieto, é mais
questionador, tem necessidade de compreender e perceber o que
aprende e sua articulação na prática. Há, dessa forma, um
desconhecimento dos próprios docentes em pensar estratégias de
trabalho voltadas ao público que vem se apresentando, bem como em
pensar na construção de novas estratégias de mediações frente aos
conflitos descritos como bastante desafiadores aos docentes (PICADO;
DE ROSE, 2009).
Entende-se, dessa maneira, que a prática escolar desconsidera
a totalidade das dimensões humanas dos agentes escolares envolvidos
no processo de escolarização (estudantes, professores, funcionários).
Conforme Coll (1994), o estudante aprende quando, de alguma forma,
o conhecimento se torna significativo para ele. Ou seja, quando há um
entrelaçamento de significados entre a sua realidade vivida os
conhecimentos repassados pela escola. Assim, o processo de
escolarização acontece no estabelecimento de um diálogo entre o
conhecimento a ser ensinado e a cultura de origem do estudante.
Com base no exposto, os estudantes tendem, muitas vezes, a
criar um mundo próprio, mais ou menos permeável, dependendo de
cada professor e da relação que ele cria com a turma. Poucos docentes
conseguem mediar efetivamente a turma. Nesse sentido, ficam
reduzidas as possibilidades educativas. Nas aulas, há pouco estímulo
ao exercício das capacidades de abstração, de questionamento, de

- 120 -
articulação entre fatos. Em suma, não há uma intencionalidade
naquilo que seria uma das funções centrais da escola, que são as
habilidades básicas necessárias ao processo de construção de
conhecimentos (DAYRELL, 1996).
Ressalta-se, dessa maneira, que os desafios relacionados à
aprendizagem e comportamento dos estudantes precisam ser
analisados com base em um contexto mais amplo. Esses podem estar
relacionadas a questões do próprio estudante e da relação com o
conhecimento, bem como fatores variados (como a própria
organização da escola, fatores culturais e políticos) (WEISS, 1997).
Autores como Chakur e Ravagnani (2001) mencionam que geralmente
o fracasso é decorrente do próprio sistema escolar que não consegue
adaptar às novas mudanças do mundo atual e responder ao novo perfil
de estudante que está presente na escola.
Frente ao exposto, o presente estudo teve por objetivo
compreender, junto com professores, as concepções de
comportamentos e aprendizagens de estudantes dos primeiros anos
do ensino fundamental, no contexto de uma escola pública de uma
capital do sul do país.

Método
O presente estudo refere-se a um recorte da pesquisa
intitulada “Desafios no processo de escolarização: sentidos atribuídos
por professores dos anos iniciais do ensino fundamental” em que se

- 121 -
optou por abordar o núcleo de significação “Concepções de
aprendizagem e de comportamento dos professores em relação aos
estudantes”. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, em que se utilizou
o referencial teórico-metodológico da perspectiva histórico-cultural
de Vygotski (1996, 2000).
A pesquisa foi realizada em uma escola pública, localizada em
uma capital do sul do país que atende estudantes do 1º ano do ensino
fundamental até o 3º ano do ensino médio. Os estudantes atendidos
são de diversas regiões da cidade e cidades vizinhas, sendo
provenientes, em sua maioria, de camadas populares.
O local de estudo foi escolhido por contemplar professores que
lecionavam para o nível de estudo selecionado para a pesquisa (1º ao
5º ano do ensino fundamental). A escolha por professores que
atendiam os anos iniciais do ensino fundamental foi realizada em
função da própria dinâmica da instituição. Estudantes do 1º ao 5º ano
têm um professor principal que leciona as matérias gerais, um
professor de artes e um professor de educação física. São professores
que passam mais tempo com os estudantes, conhecendo-os mais e
acompanhando de forma mais intensa seu processo de escolarização.
A pesquisadora realizou observação participante no período de
março a maio de 2016. Suas idas à escola foram acordadas com a
coordenação da escola e com os professores, sendo que, em geral,
ocorriam de duas a três vezes por semanas, em períodos alternados.
Nessas visitas, foi possível estabelecer um canal mais próximo com os

- 122 -
educadores, os quais relataram individualmente ou em pequenos
grupos quais as concepções que tinham acerca dos comportamentos
e aprendizagens esperados dos estudantes. Essas informações eram
relatadas em diário de campo. Conforme o tempo foi passando e o
vínculo se estabelecendo, foi proposto aos 22 professores ouvidos
(total de professores que lecionavam entre o 1º e 5º ano na
instituição) a realização de um grupo focal para ampliar o olhar sobre
as narrativas abordadas.
O grupo focal foi realizado em um dia após o trabalho dos
professores. Essa técnica pode ser considerada como uma entrevista
em grupo, com a emergência de múltiplos pontos de vista em relação
à um tema previamente determinado, ancorando-se na experiência
cotidiana de cada integrante do grupo (GATTI, 2012). O grupo focal é
uma técnica pertinente de trabalho, pois possibilita a participação
ativa dos participantes. Dessa forma, é importante que os
participantes tenham alguma característica em comum e vivência com
o tema discutido. Ademais, o grupo focal se caracteriza como um
momento em que os participantes podem repensar suas ideias,
expressando-as e problematizando-as na discussão grupal. Dentre o
total de 22 professores, 12 participaram do grupo focal, onde puderam
relatar o que entendiam sobre os temas relacionados ao
comportamento e aprendizagem dos estudantes dos primeiros anos
do ensino fundamental.

- 123 -
Destaca-se que foram utilizadas perguntas guiadoras para
fomentar a conversa entre os participantes. Assim, o roteiro buscou
contemplar os objetivos da pesquisa, porém esse não foi limitante,
possibilitando abertura para outras reflexões dos participantes (KIND,
2004). O encontro aconteceu em maio de 2016, em uma das salas da
instituição, sendo que todos os professores participantes desse
momento assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE).
Foram utilizadas uma câmera de vídeo e dois gravadores
dispostos em locais propícios na sala para assegurar as gravações. Na
efetivação do grupo focal, houve a presença de um observador
externo ao grupo, que realizou anotações referentes à dinâmica do
grupo e que estava familiarizado com o tema de pesquisa, conforme
propõe Kind (2004). O registro foi realizado com a concordância dos
participantes, assegurando aos mesmos a confidencialidade das
informações e o sigilo.
O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética na
Pesquisa com Seres Humanos da UFSC (CEPSH∕UFSC) e aprovado sob
o certificado de número 51599315. 6. 0000. 0121, em 18∕02∕2016.
Foram considerados todos os procedimentos éticos relacionados aos
princípios de proteção dos direitos humanos, bem-estar e dignidade
dos participantes. Foram assegurados aos participantes que, em
qualquer momento, caso sentissem qualquer desconforto em relação
ao tema da pesquisa, poderiam desistir de participar da mesma. Além

- 124 -
disso, esses foram informados de que a pesquisadora estaria
disponível para ouvi-los individualmente, bem como, caso necessário,
poderia encaminhá-los ao Serviço de Atenção Psicossocial da UFSC
(Sapsi).
A análise desse trabalho foi realizada com base nos núcleos de
significação, conforme descritos por Aguiar e Ozella (2006, 2013). Essa
técnica permite que se apreenda os sentidos do material qualitativo,
por meio da análise e organização de etapas, à saber: pré-indicadores,
sistematização dos indicadores e sistematização dos núcleos de
significação. Desse modo, segue descrito neste trabalho a
apresentação do núcleo “Concepções de aprendizagem e de
comportamento dos professores em relação aos estudantes”,
organizado nos seguintes indicadores: a) Comportamentos esperados
dos estudantes; e b) Percepção da relação dos estudantes com a
aprendizagem.

Resultados e discussão
O núcleo “Concepções de aprendizagem e de comportamento
dos professores em relação aos estudantes” expressa através de seus
indicadores como os professores pensam que deveria ser o
comportamento dos estudantes, bem como a aprendizagem. No
citado núcleo, os professores apresentam pontos que entendem
serem fundamentais no comportamento e na aprendizagem dos
estudantes. Suas concepções de bom comportamento e aprendizagem

- 125 -
vão ao encontro de um padrão em que os estudantes precisam se
adequar ao mobiliário, à sala de aula e ao professor.

Comportamentos esperados dos estudantes


O primeiro indicador “Comportamentos esperados dos
estudantes”, sinaliza a compreensão dos professores referente aos
comportamentos ideais dos estudantes no contexto escolar. Um dos
comportamentos esperados pelos professores, é o do silêncio,
conforme apontado por uma das professoras do grupo focal em sua
fala quando diz que espera: “Comportamento mais de silêncio”
(Indianara)30.
Destaca-se que o silêncio pode ser entendido como um ato
disciplinador, ou seja, uma ferramenta que o professor lança mão para
controlar os estudantes, buscando deixar a sala de aula em ordem,
onde somente o professor tenha a palavra e os estudantes escutem.
Estudos na área como o realizado por Barbosa e Borba (2011, p. 84)
evidenciam a incoerência desta expectativa de silêncio ao indicar que
“o saber não se constitui do silêncio, mas nas trocas, no diálogo, nos
debates, desenvolvendo assim o senso crítico dos participantes em
questão”.

30
Todos os nomes dos professores mencionados neste trabalho são fictícios
conforme preconizado no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
assinado pelos docentes.

- 126 -
Os docentes também relataram que consideram importante
que os estudantes dêem conta de um ritmo de aprendizagem em um
tempo determinado. Tal aspecto é mencionado na fala de uma das
participantes do grupo focal, quando diz “porque o menino se atrasa,
[...]. Ele não se interessa em copiar o que tá no quadro” (Claudete).
Para alguns professores, o ritmo de aprendizagem individual,
quando diferente, é visto como uma dificuldade a mais no processo de
escolarização. Um depoimento representativo dessa questão foi o do
professor Hugo quando, referindo-se a uma estudante, destacou que:
“Ela tem um ritmo de trabalho muito, muito devagar”. Percebe-se que
lidar com essas singularidades é uma questão que envolve
compreender as complexidades relacionadas ao processo de ensino-
aprendizagem dos estudantes. Para Dayrell (1996), há falta
compreensão das diferenças individuais dos estudantes, enquanto
sujeitos que possuem uma historicidade, com visões de mundo,
valores, sentimentos, emoções, desejos, projetos, com lógicas de
comportamentos e hábitos que lhe são próprios.
A falta de atenção parece ser um dos grandes temas do
contexto da aprendizagem. Estudantes que ficam atentos a outras
coisas e/ou que interagem com colegas são foco de chamadas de
atenção e falas reiteradas sobre seus comportamentos. Sempre
parece haver nas salas aquele (s) estudante (s) que está (ão) nessa
situação. A fala da professora Daiana mostra tal fato: “A menina não
copia nada do quadro, está toda a vida olhando”. Dessa maneira,

- 127 -
“parece que estamos em um momento em que a falta de atenção, as
dificuldades de aprendizagem e a agitação não são muito toleradas
socialmente” (BRZOZOWSKI; CAPONI, 2013).
É evidente que a concepção dos professores para um bom
aprendizado se dá com estudantes “silenciosos”, “atentos” e
“copiadores”. O silêncio seria sinônimo de aprendizagem. Isso é
evidenciado na fala dos professores na sequência: “aprendizagem
(Elisa)∕é silêncio” (Daiana). Há uma busca pela padronização e
homogeneização dos comportamentos dos estudantes. Assim, todos
parecem sofrer, uma vez que a singularidade não é contemplada
(SOUZA, 2014).
O que povoa, ainda, a mente do professor é um estudante
desejável: ordeiro, obediente, inteligente. Esse estudante se refere a
uma imagem do século passado, que já não representa a criança de
hoje (MEIRA, 2012). As crianças de hoje são “irrequietas, inconstantes
e invadidas pelas mais desconexas informações e vivências de uma
sociedade extremamente dinâmica, o que evidentemente influencia o
seu comportamento” (AMARAL, 2000, p. 137). Desse modo, é
importante se despojar do estudante idealizado e conseguir trabalhar
com o estudante de “carne o osso”, aspecto que deveria ser melhor
aprofundado nos cursos de formação de professores.
Veras (2014) pontua que se vive numa sociedade de inibidos.
No caso da educação, ela é pensada para inibidos, para aqueles que
não ousam, para aqueles que pouco levantam o dedo, aqueles que

- 128 -
ficam comportados, que seguem os ideais escapando das rotulações.
Percebe-se, desse modo, que a “educação dos inibidos” é
compartilhada pelos professores ouvidos no grupo focal.
A pesquisa de Amaral (2000) constatou que o tipo de atividade
que os docentes gostam de ensinar é diferente das atividades que os
estudantes almejam aprender. Os professores buscam mais a
indicação de textos, ditados, leitura de histórias. Já os estudantes têm
mais interesse por aulas de educação física, matemática e português.
Desse modo, percebe-se que os interesses dos professores estão
associados a estratégias de ensino e não às matérias. Isso, somado à
falta de criatividade em sala de aula, corrobora para o fomento de
conversas e gracinhas - válvulas de escape da monotonia vivenciada.
Consonante ao exposto, no estudo de Dayrell (1996), o autor aponta
que os estudantes apresentam maneiras de ser e estar na sala de aula
que indicam estratégias próprias para suportar a "chatice necessária"
das aulas. Pois o que parece mesmo ajudar a passar o tempo, nesse
contexto, são as conversas e brincadeiras, o ritmo alternado de
concentração e desconcentração (DAYRELL, 1996).
É importante mencionar que as dificuldades apontadas pelos
educadores no que se refere ao comportamento e aprendizagem de
estudantes são produzidas no processo de escolarização e não em
processos isolados do contexto (CENCI; COSTA, 2009). Pensar a
respeito do contexto em que a escola se insere hoje, bem como em
sua função nesse momento, corrobora para avaliar como as próprias

- 129 -
práticas educativas estão atendendo ou não à função da
aprendizagem.
Desse modo, pode-se considerar, a partir da análise desse
indicador, que os sentidos atribuídos pelos professores aos
comportamentos esperados dos estudantes refletem em
comportamentos normatizados: obediência, silêncio, copistas. Esses
aspectos são parecidos com os mencionados no trabalho de Aquino
(1998), ao abordar os ideais pedagógicos dos profissionais de
educação: um estudante que “absorve conhecimento”, pouco
reflexivo e crítico a respeito do que é repassado - um estudante do
século passado. Esse ideal de estudante parece estar cada vez menos
presente nas salas de aula, haja vista que se compreende que o modo
de estar na sala de aula está relacionado ao contexto social no qual os
estudantes se constituem como pessoas, o qual hoje é amplamente
mediado por diversas tecnologias que vem transformando a relação
do sujeito com o conhecimento.

Percepção da relação dos estudantes com a aprendizagem


No segundo indicador, denominado “Percepção da relação dos
estudantes com a aprendizagem”, os docentes descrevem como
percebem a relação dos estudantes com o conteúdo ensinado.
Relatam exemplos de como têm conseguido realizar conexões com as
vivências práticas dos estudantes, fato que melhora a participação e o
interesse dos estudantes no processo educativo.

- 130 -
No grupo focal realizado, as falas de alguns professores
apontam para o “não pensar” dos estudantes referente à importância
da aprendizagem escolar. Ao mesmo tempo, os docentes indicam que,
quando realizam conexões do ensino com a realidade, conseguem
manter a atenção dos estudantes no processo educativo. Este fato é
apontado na fala a seguir:

Os estudantes não pensam assim! Vocês têm que


ter um conteúdo, vocês têm que saber para poder
seguir a vida. [...] E daqui a pouco vocês querem
escrever uma carta para alguém, como vocês
querem responder o WhatsApp. Como é que
vocês? Porque eu uso muito, o Whats, o Face.
Como é que [...] eu preciso mostrar para eles um
outro lado do porque eles precisam ter esse
conhecimento (Ana).

Destaca-se que “ensinar os estudantes a compreender a


realidade através dos conhecimentos que ele aprende na escola e
formar sua consciência crítica e sua cidadania é hoje a função social do
professor” (MIGUEL, 2000, p. 06). Para que tal fato aconteça, o
professor precisa estar atualizado com os conhecimentos da área de
ensino e em contato com os fatos que os cercam.
Os estudantes questionam os reais benefícios da
aprendizagem. Parecem muitas vezes não ver sentido no que a escola
proporciona. Dessa forma, o próximo depoimento destaca a conversa
entre a docente e o estudante que parece contemplar teoria e prática:

- 131 -
Mas quando eu trabalhava [...] teve uma criança
que me disse: Por que que eu vou aprender a fazer
continha de mais? Porque eu trabalho na firma
(referindo-se ao tráfico de drogas). Não acredito!
Tu trabalhas na firma? Como é que tu vai dar o
troco para o usuário? Como é que tu vais pesar? Ali
a quantidade certo? A diretora na época me
chamou de louca (Claudete).

Porém, o que se identifica, muitas vezes, são práticas


pedagógicas ainda cristalizadas e normatizadas. Ou seja, a tentativa de
um controle baseado na punição e medo. São dispositivos adotados
que tentam, pela via da ameaça, fazer com que os estudantes se
comprometam com seu processo de aprendizagem. Aquino (2001)
indica que, por incrível que pareça, o ensino formal é marcado pela
velha prática do exemplo vexatório dirigido aos estudantes. Isso fica
evidente na fala de uma das participantes do grupo focal, quando
comenta: “Falo isso. Vai estar no histórico escolar. [...]. Tá lá tudo no
histórico escolar dela que ela é boa. [...]. Vocês vão para a fila de
emprego [...] quem é que vai conseguir o emprego pelo histórico
escolar? [...] Eles riem” (Ana).
No entanto, é notório, por meio da análise desse indicador, que
a aprendizagem acontece quando os professores conseguem realizar
articulações entre o saber e a vida que acontece cotidianamente. Para
os docentes, os comportamentos em relação à aprendizagem são
significados como falta de interesse, de atenção e de vontade. Porém,
em suas próprias falas, quando conseguem fazer a conexão com as

- 132 -
experiências diárias, o interesse, a atenção e a vontade parecem ser
despertadas nos estudantes.
Salienta-se que no núcleo “Concepções de aprendizagem e de
comportamento dos professores em relação aos estudantes”, os
indicadores possibilitam compreender os sentidos dados pelos
professores à temática. As concepções de aprendizagem e de
comportamento abordados pelos professores possibilitaram
compreender que, no imaginário docente, ainda está presente um
estudante idealizado com características diferentes dos estudantes
atuais. Em relação ao indicador “Percepção da relação dos estudantes
com a aprendizagem”, por exemplo, foi possível perceber que os
próprios professores, quando conseguem estabelecer relações entre o
conteúdo ensinado e as vivências diárias dos estudantes, possibilitam
que o processo de ensino-aprendizagem aconteça de fato. Os
indicadores mencionados foram relevantes à medida em que revelam
o modo de pensar dos professores e possibilitam apreender os
sentidos dados por eles em relação ao comportamento e à
aprendizagem dos estudantes e apontam para outros fazeres possíveis
nas relações de ensinar e aprender.

Considerações finais
O presente trabalhou objetivou compreender, junto com
professores, as concepções de comportamentos e de aprendizagem de
estudantes dos primeiros anos do ensino fundamental. Desse modo,

- 133 -
foi possível perceber que ainda vigora no imaginário social dos
professores uma concepção de estudante ideal. Estudante este que é
silencioso, copista e que pouco questiona. Além disso, tal estudante
precisa se comportar de modo a não ter conflitos com os colegas ou
com os próprios docentes.
Quando esse ideal de estudante não se apresenta (realidade
cada vez comum no contexto escolar), os docentes significam que os
mesmos estão dando trabalho na escola. Porém, é importante apontar
que esse estudante é reflexo das mudanças sociais, econômicas e
políticas que se vive na atualidade, fato que a formação dos
educadores e organização escolar parecem não estar acompanhado.
De todo modo, o sentido atribuído aos desafios na
aprendizagem e no comportamento dos estudantes ainda é
circunscritos à dimensão individual, de modo a não focalizar os
processos contextuais no qual o estudante está inserido. É o estudante
que não presta atenção, não copia, é lento, não entende a importância
daquele conteúdo para sua vida. A relação que os docentes
estabelecem com os estudantes, a forma como pensam os conteúdos
e sua aplicação, a forma como entendem a função da escola
atualmente, os programas e políticas que precisam seguir, bem como
o impacto disso no processo de escolarização dos estudantes, parecem
aspectos que ainda geram pouca reflexão por parte dos professores.
Olhar para as questões que atravessam e constituem as formas
de aprender e de se comportar na escola é fundamental para se

- 134 -
(re)pensar a própria atuação profissional. Desse modo, espaços como
o do grupo focal realizado precisam ser garantidos nas instituições
escolares. Esses são momentos de troca, de apoio, de reflexão, de
novos olhares sobre o contexto das relações que perpassam o
complexo processo de escolarização. Acredita-se que muito ainda se
precisa avançar em termos do debate em relação ao trabalho dos
educadores na atualidade, no sentido de incorporar nos processos de
ensinar e aprender as experiências dos estudantes. Contemplar suas
vivências e interesses pode ser um importante caminho para
aprendizagens mais significativas no contexto escolar, auxiliando a
todos os envolvidos (professores e estudantes) na criação de novas
saídas para o estado de inércia presente na educação formal na
atualidade.

- 135 -
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- 138 -
Autoridade docente e autonomia estudantil: publicações e
discursos em Revista

Mariana Luzia Corrêa Thesing

Introdução
O tema da autoridade docente e da autonomia estudantil é um
tema fundante para aqueles professores que trabalham
cotidianamente nas escolas, nos diferenciados níveis de ensino. A
autoridade dos professores é fundamental para que os estudantes
tenham tempos e espaços na escola para desenvolverem seus
processos de construção da autonomia. Porém, quando se fala em
autoridade docente não há referência à rigidez ou a práticas
autoritárias. Uma proposta de trabalho embasada nos princípios da
autoridade docente, em que há a problematização rigorosa dos
combinados e propósitos da escola, promove espaços de autonomia
e, em consequência, a aprendizagem dos estudantes em seus
processos de autorregulação. E esse processo somente pode ser
construído a partir da vinculação que se estabelece entre estudantes
e professores comprometidos uns com os outros, em função dos
vínculos afetivos que tornam os estudantes partícipes do processo
pedagógico que se dá no cotidiano da escola.
Com base na importância do tema, o presente estudo tem a
finalidade de apresentar algumas considerações sobre as publicações
- 139 -
da Revista do Ensino31 que versam acerca da temática autoridade
docente, entre os anos de 1961 a 1974, anos que marcaram a
promulgação da primeira e da segunda Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (respectivamente as Leis 4. 024/1961 e 5.
692/1971).
A Revista do Ensino fora organizada e produzida por
professoras primárias que escreviam seus artigos, sobre variados
temas educacionais, para serem objetos de estudo para outras
professoras que atuavam nas chamadas escolas “pré-primárias” e
“primárias”, dando-lhes sugestões e indicativos de formas de ser
professor, de agir pedagogicamente e resolver situações do cotidiano
docente.
Nessa perspectiva, Bastos (1995, p. 50) aponta a pertinência
deste espaço de publicação para dar voz ao saber daqueles que, como
legítimas autoridades, tinham a ensinar sobre as diferentes questões
intrínsecas ao espaço escolar. E nos diz que “durante os anos de sua
publicação constituiu-se num significativo instrumento de propagação
da doutrina pedagógica oficial, tribuna para diferentes especialistas,
que expuseram seus pensamentos, refletindo o movimento de ideias,
em nível regional e nacional”. Além disso, a autora, em outra
publicação (2005), referindo-se à edição do periódico de 1939 a 1942,

31
Periódico editado no Rio Grande do Sul, no período de 1939 a 1992, veiculado para
os professores gaúchos que ganhou expansão nacional e internacional ao longo de
sua história, marcada por elevado número de tiragem de exemplares, chegando a 50
mil exemplares no ano de 1962.

- 140 -
afirma que “a significativa participação dos professores da rede e de
articulistas provenientes da UPA e da SESP/RS dá a Revista do Ensino
o caráter de publicação regional, interessada na divulgação da política,
do pensamento pedagógico e das realizações rio-grandenses no
campo educacional” (p. 101).

Método
A escolha por esse objeto de estudo configura-se em razão da
pertinência da Revista do Ensino, publicada desde o final da década de
30 até a década de 90, para os professores gaúchos, mais tarde
distribuída em nível nacional e internacional, dada a sua grande
aceitação e veiculação de publicações nesses anos.
A pesquisa, configurada como uma pesquisa documental, teve
o objetivo de encontrar publicações sobre a temática da autoridade
docente no período de 1961 a 1974, devido à proposição da primeira
e segunda Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Leis 4.
024/1961 e 5. 692/1971) (BRASIL, 1961; 1971). Nesse recorte
temporal, também se pode associar, na história política brasileira, os
governos de Castello Branco (1964-1967), Costa e Silva (1967-1969),
Governo da Junta Militar (31/08/1969 a 30/10/1969) e governo Médici
(1969-1974) que configuraram anos de governo do período ditatorial
no Brasil. A pesquisa, além dessa finalidade, objetiva compreender
quais são os discursos teóricos que fundamentam as publicações
relacionadas aos processos de disciplinamento nesses espaços tempos

- 141 -
escolares. A opção por trabalhar com os três anos seguintes à
publicação da Lei 5. 692/1971 justifica-se pela necessidade de
perceber o discurso que predominou nos anos seguintes a essa lei,
visto às mudanças por ela instituídas no cenário educativo nacional e
o término do governo Emílio G. Médici (1969-1974), talvez o governo
mais repressor dos anos da ditadura no país.
As publicações foram distribuídas em quatro tópicos: a)
Obediência e bom comportamento: orientações para pais e mestres;
b) Práticas pedagógicas: prêmios e castigos; c) Em nome da Pátria:
valores morais e cívicos; e d) Relação professor-aluno: autoridade ou
autoritarismo?.

Resultados e Discussões
A Revista do Ensino, configurada como um periódico bem
aceito e lido pelos professores nos diferentes anos em que foi
publicada caracteriza-se por ser um material que veicula informações
que se legitimam como verdadeiras, produtos e produtoras de saberes
e práticas docentes. Tendo em vista esse entendimento, De Luca;
Martins (2009) se referem à publicação de periódicos dizendo que essa
não é ingênua, mas repleta de intencionalidades que visam anunciar
uma forma de ver e entender a realidade. Isso porque a imprensa e a
publicação de materiais textuais discursivos em revista tratam-se de
“um exército de profissionais que se dedica a nos apresentar e explicar
o mundo [...]”, alertando que o “conhecimento que temos da

- 142 -
realidade é mediado pelos fatos divulgados” por ela (DE LUCA;
MARTINS, 2009, p. 124).
Entende-se que é através do contato com esses materiais que
pode ser possível compreender os discursos sobre educação e acerca
das questões relacionadas a esse processo. Nessa perspectiva, Bastos
(1997, p. 48) aponta que a pesquisa com periódicos traz ao presente a
memória e os saberes de uma época, afirmando que

[...] o estudo do lugar da imprensa pedagógica no


discurso social, as estratégias editoriais face aos
fenômenos educacionais e sociais, revela-se rico de
informações ao pesquisador, para o resgate do
cotidiano do discurso pedagógico, das práticas
educacionais, do cotidiano escolar, do grau de
submissão dos professores aos programas e
instruções oficiais, da ideologia oficial e do corpo
docente, da força de inovação e de continuidade
que representa, das contradições do discurso.

A Revista do Ensino tinha o propósito de ser um material


didático para os professores por oferecer sugestões de planos e
atividades para as aulas, inclusive músicas, modelos de desenho e
histórias infantis, como também de ser um instrumento de leitura
teórica, em que textos com caráter iniciante eram publicados sobre
diversas problemáticas, consideradas pertinentes a cada época no
processo educacional. De acordo com Bastos (1995, p. 50), a Revista
do Ensino, desde as suas primeiras edições em 1939, “procurava ser
para o seu público-leitor – magistério rio-grandense – um veículo das
orientações didático-pedagógicas, da legislação do ensino, de notícias
- 143 -
educacionais, em suma, da política educacional”. As publicações da
Revista do Ensino foram disponibilizadas em edições cujo número de
tiragem dos exemplares variou entre 5 mil a 55 mil revistas, nesse
período. O Quadro 1 apresenta os números de tiragem de exemplares
da Revista no período de 1961 a 1974.

Quadro 1: Tiragem da Revista do Ensino (1961-1974).


ANO TIRAGEM ANO TIRAGEM
1961 30. 000 1965 40. 000
1962 50. 000 1966 sem informações
1963 50. 000 1967 sem informações
1964 50. 000 1968 25. 000
ANO TIRAGEM ANO TIRAGEM
1969 25. 000 1972 55. 000
1970 55. 000 1973 55. 000
1971 55. 000 1974 5. 000
Fonte: (BASTOS, 1995).

De acordo com Santos; Bastos (2009), a Revista tem, desde os


anos 1950, o intuito de oferecer subsídios para a atuação docente em
sala de aula e para a formação continuada dos professores ao oferecer,
no decorrer de suas edições, uma mescla entre indicações de
atividades práticas, materiais teóricos reflexivos e bibliografias sobre
diferentes questões do cotidiano do trabalho do professor.

A Revista do Ensino/RS, acompanhando estas


mudanças, oferecia subsídios teóricos e práticos
para a formação do professor pré-primário, assim
como indicava leituras que ampliariam seu
conhecimento sobre o ensino pré-primário,
interferindo na sua prática pedagógica. Através da
pesquisa realizada, é possível afirmar que as

- 144 -
primeiras edições da revista, de 1951 a 1955
aproximadamente, apresentam sugestões de
atividades mais práticas, como por exemplo,
desenhos para as crianças colorirem, moldes de
dobradura, recorte e alinhavo, poemas, músicas,
entre outras, contendo em grande parte
mensagens de moralidade e civilidade. As
informações eram mais objetivas, e sem reflexão
sobre o trabalho que estava sendo proposto
(SANTOS; BASTOS, 2009, p. 2)

Além disso, a valorização do trabalho docente e do professor


como sujeito protagonista na educação e formação de pessoas cidadãs
são características que dão sustentação à filosofia da Revista. De
acordo com Rocha; Bastos (2009), essa premissa é considerada na
ideia do professor como responsável pelo ensino de boas condutas aos
seus alunos tendo em vista a formação do “bom aluno”, a fim de que
se torne um “bom cidadão”, em uma sociedade que exige esse sujeito,
com competências cidadãs, para seu desenvolvimento. Sobre isso,
Rocha; Bastos (2009) nos fazem pensar acerca do que se concebia
como educação, como “bom aluno” e “bom professor”, tendo
desvelado as exigências da sociedade que encontramos nessa época.

É possível inferir que um dos maiores objetivos das


“boas maneiras” (normas de civilidade), para a
Revista do Ensino/RS, é desenvolver no aluno
hábitos de bondade e sinceridade, tendo em vista
a concretização da harmonia social. Portanto,
pretende auxiliar os professores a formar cidadãos
conscientes de seus direitos e deveres e
promovedores da harmonia social. Ao professor
cabia a instrução das regras e o exemplo de “bom

- 145 -
cidadão”; ao aluno incumbia seguir as “boas
maneiras”, o que lhe tornaria um “bom aluno”, um
“bom filho”, uma “boa pessoa” (ROCHA; BASTOS,
2009, p. 2)

A procura por publicações entre os anos de 1961 a 1971, e


também nos anos seguintes à segunda LDBEN (de 1972 a 1974), foi
uma experiência de encontro com saberes sobre o tema autoridade
docente que ainda estão em circulação, fundamentando práticas e
saberes docentes. São esses anos que chamam a atenção para
compreender quais são os discursos veiculados nesse periódico sobre
o processo de construção da autoridade docente e da autonomia dos
estudantes, em que se defende a formação de um sujeito que deve ser
civilizado para uma nação que visa o desenvolvimento e a ordem, já
anunciados no governo de Getúlio Vargas, no Estado Novo (1937-
1945). O estudo se volta a analisar as metanarrativas que formam o
sujeito professor, encontram-se discursos que revelam que o sujeito
docente deve ser, ao mesmo tempo amoroso e rigoroso, afetivo e
rígido, tendo em vista a disciplina como necessária nesse contexto.
Dentre as vinte e nove publicações, vinte e oito delas eram
escritas por pessoas do sexo feminino, em que variavam as suas
atividades profissionais: professoras da equipe da Revista do Ensino,
professoras das escolas, técnicas da CPOE/SEC/RS e profissionais
especializadas, como psicólogas. Seis artigos não especificavam a
função profissional das autoras. O Gráfico 1 apresenta a relação de
artigos publicados no período estudado, tendo em vista as atividades

- 146 -
profissionais dos autores/autoras dos textos na época em que foram
publicados.

Gráfico 1. Atividade profissional dos autores dos artigos


Atividade profissional dos autores dos artigos

Especialistas 6

Professores 2
Revista do
12
Ensino
CPOE/SEC/RS 3

Sem informações 6

0 2 4 6 8 10 12 14

Fonte: elaboração própria.

A Revista do Ensino era composta por diferentes seções que se


voltavam a temas e objetivos específicos. O Gráfico 2 apresenta o
número de artigos publicados nas diferentes seções da Revista. O
campo “outros” se refere a publicações cuja seção não fora
identificada na coleta dos dados.

Gráfico 2. Número de trabalhos publicados nas diferentes seções da Revista

- 147 -
Número de publicações por seção

9
11

2
1
1
"Vida na escola" 4 "Educação para o lar"
"Problemas de pais e filhos" "Valores Morais"
"Educação Especial" "Cantinho das Novidades"
Outros

Fonte: elaboração própria.

O Gráfico 2 expressa a quantidade significativa de textos


publicados na seção “Vida na escola” com onze trabalhos encontrados,
seguida da seção “Ensino Religioso e Valores Morais”, com quatro
trabalhos encontrados no recorte temporal da pesquisa. Os artigos
que expressavam preocupação em ensinar formas de solucionar os
problemas de indisciplina não se restringiam à realidade escolar e à
tarefa docente. Muitos textos voltavam a sua fala para as famílias, a
fim de os pais aprenderem a agir em determinadas situações com seus
filhos. Outros, em número menos significativo, têm o intuito de atingir
professores e pais, a fim de fazerem refletir sobre questões que

- 148 -
envolvem ambos os universos diante do tema. O Gráfico 3 apresenta
o público-alvo das publicações veiculadas sobre a temática.

Gráfico 3. Público-alvo das publicações da Revista do Ensino sobre a temática


em estudo
Número de trabalhos direcionados ao contexto escolar, contexto
familiar ou aos dois contextos

19

Escola Família Escola e Família

Fonte: elaboração própria.

As publicações variavam no decorrer dos anos estudados. O


maior número se concentrou no ano de 1971, ano em que fora
promulgada a LDBEN 5. 692/71. Três dos seis trabalhos publicados
nesse ano versam sobre a educação de valores morais e cívicos, dada
a inclusão da disciplina Educação Moral e Cívica pela referida Lei. Nos
anos de 1972 a 1974, anos seguintes à publicação da LDBEN de 1971,
selecionamos dois trabalhos que versam sobre a necessidade de
premiar ou castigar os sujeitos, nos contextos escolares. Além destes,

- 149 -
outros dois artigos tratam sobre o tema “problema emocional”, como
fator desencadeante dos conflitos indisciplinares escolares e da
posição do docente não só como professor, mas como um “educador”.
Os textos, de forma geral, apresentam discursos sobre diversas
relações acerca do processo de disciplinamento escolar que parecem
estar versados, em alguns textos mais do que outros e em diferentes
períodos, em ideais escolanovistas, tecnicistas, com fundamentos
behavioristas e nacionalistas. O Gráfico 4 apresenta o número de
produções por ano, no período de 1961 a 1974.

Gráfico 4. Número de publicações por ano (1961-1974).


Número de publicações por ano (1961-1974)

4 4
3 3 3
2
1 1 1 1
0 0 0

1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974

Fonte: elaboração própria.

Obediência e bom comportamento: orientações para pais e mestres


A publicação dos artigos distribuídos nesse tópico volta-se a
discutir como os pais e os professores conseguirão obter a obediência
e a responsabilidade de seus filhos e estudantes. Nessa perspectiva, os

- 150 -
textos se dedicam a dar dicas para que esse objetivo seja alcançado.
São textos didáticos, de fácil leitura, que se organizam a fim de sugerir
intervenções possíveis de serem feitas tanto pela família como pela
escola. Seus discursos estão alicerçados em teorias que se cruzam por
estarem vigentes na época da publicação dos artigos. O Quadro 1
apresenta os títulos e os autores das produções relacionadas.

Quadro 1. Produções relacionadas na Revista do Ensino (1961-1974),


situadas no tópico Obediência e bom comportamento: orientações para pais
e mestres.

Título do trabalho
1. “Obediência”. Tradução de Malvina Rosat e Mercedes Marchant.
Tradução autorizada do original em inglês publicado pelo “Departamento
f National Health and Welfare” Ottawa, Canadá. (1964, n. 99, p. 14-15).
2. “A agressividade na criança”. Autoras Valmiria C. Piccinini e Éster
Malamut, da equipe da Revista do Ensino. (1963, n. 97 p. 16-17).
3. “Como conseguir o bom comportamento e estimular a
independência infantil”. Autora: Professora Paulina Vissoki, da equipe da
Revista do Ensino. (1965, n. 103. p. 70-72)
4. “Será que as crianças mentem?” Autora: Valmiria C. Piccinini, da
equipe da Revista do Ensino. (1965, n. 101, p. 18-19).
5. “Problemas de conduta”. Autora: Haydéa de Carvalho Oddone.
Supervisora do Setor de Testes e Dados Psicológicos do Projeto – Piloto –
GB. (1966, n. 110, p. 6-7).
6. “Sobre a timidez e a agressividade na criança”. Autora: Maria Silvia
Wilke Krebs. Psicóloga-chefe do setor de Psicodinâmica do Serviço de
Psicologia da Divisão de Orientação do C. p. O. E. SEC/RS. (1968, n. 118, p.
7-8).
7. “Boas maneiras: uma necessidade constante”. Autora: Ester
Malamut, da equipe da Revista do Ensino. (1969, n. 122, p. 44).
8. “A responsabilidade”. Autora: Dra. Maria Silvia W. Krebs. Chefe do
Setor de Psicodinâmica do Serviço de Psicologia do CPOE/SEC-RS. (1969,
n. 125, p. 4-5).

- 151 -
9. “Como os pais encaram a responsabilidade na criança”. Autora:
Professora Paulina Vissoky, da equipe da Revista do Ensino. (1970, n. 126,
p. 4).
10. “O problema emocional como fator desencadeante dos
desajustamentos no lar e na escola”. Autora: Paulina Vissoky, da equipe
da Revista do Ensino. (1972, n. 144, p. 16-18).
Fonte: Revista do Ensino (1961-1974).

O texto “Obediência”32 fornece ao leitor uma série de


sugestões, aos pais especificamente, indicando-lhes meios para
ensinar os/as filhos/filhas a serem obedientes. Dentre elas, cito:
“acredite que a criança vai obedecer”; “não dê muitas ordens”; “ponha
sentido no que manda fazer”; “mantenha as mesmas normas gerais
constantemente”; “mantenha a calma”; “trate seu filho com doçura”;
etc.
O texto defende uma posição rigorosa dos pais, mas que seja
também paciente e amorosa na educação das crianças e termina com
a seguinte indicação: “guiando-o convenientemente em suas
experiências diárias e, ao mesmo tempo, dando-lhe sempre a
segurança de seu carinho, você obterá inestimáveis resultados: um
jovem de caráter sadio e vida emocional equilibrada”. Percebe-se a
argumentação baseada em uma teoria educacional que se caracteriza
como “renovada” no período, com traços da tendência escolanovista,
ao considerar que o sujeito aprendente precisa de segurança, de
carinho, para tornar-se um adulto sadio e autorregulado.

32
Traduzido por Malvina Rosat e Mercedes Marchant (1964, n. 99, Serviço de
orientação e Educação Especial – SOEE seção “Educando a criança”, p. 14-15).

- 152 -
Essas posturas a serem admitidas e excluídas da prática
docente parecem estar alicerçadas em teorias escolanovistas, já em
circulação no contexto brasileiro desde os anos 1920, que apostam na
criança como sujeito que aprende, a partir de seus interesses e
preferências. Especialmente esta última diretriz, sobre evitar “deixar
passar despercebida uma conduta certa” parece estar fundamentada
em teorizações comportamentalistas (teoria educacional em ascensão
no país na época dessa publicação), com o chamado reforço positivo,
teorizado por B. Skinner.

Práticas pedagógicas: prêmios e castigos


Os textos encontrados referentes às práticas pedagógicas
estão entrelaçados à categoria anterior. Totalizam dez textos, dos
quais quatro se dirigem também às famílias das crianças, entendendo
que o papel dos pais e a relação deles com a escola é fundamental para
a conquista da obediência e da autonomia infantil. O Quadro 2
apresenta as produções, seus respectivos autores e dados das
produções.

Quadro 2. Produções relacionadas na Revista do Ensino (1961-1974),


situadas no tópico Práticas pedagógicas: prêmios e castigos.
Título do trabalho
1. “Comece pelo começo”. Autora: Professora Generice Vieira. Sem
informações adicionais sobre a autora. (1965, n. 100, p. 60).
- 153 -
2. “Posição do orientador educacional face aos problemas de
disciplina”. Autora Ruth Cabral. Professora e Psicóloga da Divisão de
Educação Especial. SEC/RS. (1966, n. 110, p. 8-10).
3. “Ação educativa como agente de higiene mental”. Autora: Itália
Záccaro Faraco. Sem informações sobre a autora. (1968, n. 119, p. 21-23).
4. “Instrução programada”. Autoras: Maria Luisa Mascarenhas e Liba
Juta Knijnik – da equipe do estágio. (1969, n. 123, p. 21-25).
5. “Pais colaboram na avaliação do aluno”. Autora: Ilma Therezinha
da Silva Marques. Curso Primário de aplicação – Escola Anexa. (1969, n.
123, p. 44).
6. “Adaptação da criança à escola”. Autora: Yole Maria V. Bisio.
(1970, n. 127, p. 3).
7. “Entrada e adaptação da criança ao Jardim de Infância”. Autora:
Gladys Hadda Corrêa Vieira. (1971, n. 133. p. 6 e 22).
8. “Educação para a eficiência da produção”. Sem autoria específica.
(1971, n. 137, p. 8-11).
9. “Premiar ou repreender quando?” Autora: Professora Paulina
Vissoky, da equipe da Revista do Ensino. (1972, n. 140, p. 53-55).
10. “O prêmio não só é necessário, mas inevitável”. Autora: Paulina
Vissoky, da equipe da Revista do Ensino. (1972, n. 141, p. 7-9).
Fonte: Revista do Ensino (1961-1974).

Os textos versam sobre a necessidade das crianças serem


preparadas em suas casas para o ingresso e adaptação no espaço
escolar, tendo em vista que este é constituído por tempos e espaços
regrados, que exigem comportamentos esperados de acordo com os
objetivos da instituição. Nesse sentido, dois textos (artigos 6 e 7, com
publicação nos de 1970 e 1971), discutem a importância do apoio e
preparação da criança pela família para o sucesso nessa fase inicial da
escolarização. O texto “Entrada e adaptação da criança ao Jardim de
Infância” (VIEIRA, 1971, p. 6) se refere assim sobre a participação dos
pais nesse processo:

- 154 -
[...] há alguns aspectos que os pais podem observar
para ajudar o ingresso de seu filho no Jardim de
Infância, a saber: a) não confundir as finalidades do
jardim de infância com as da escola primária [...] b)
salientar os pontos positivos do comportamento e
atividades da criança [...], c) orientar a criança
quanto ao cuidado e zelo com o material de sua
propriedade.

Denota-se a importância dada à participação da família neste


processo, em que o ensinamento sobre posturas e formas de se
comportar no espaço escolar é essencial para o ingresso e
permanência das crianças no espaço escolar. Fica evidente a
caracterização da escola como um espaço delimitado por regras e
espaços tempos específicos em que as crianças adentram e se tornam,
paulatinamente num processo cultural, alunos e alunas.
O texto “Educação para a eficiência da produção” (REVISTA DO
ENSINO, 1971, p. 10), se refere às implicações pedagógicas, quando diz
que “para alcançar este objetivo, as escolas podem ser usadas como
instrumento de treinamento para o processo de produção, equipando
seus cursos e ensinando para formar pessoal especializado que possa
assumir empregos depois de habilmente preparados”. Essa forma de
entender o processo educativo escolar é uma escolha com posições
teóricas fundadas na valorização de uma formação profissional, em
que os valores para essa forma de vida se caracterizam pela disciplina
pelo trabalho e regramento de tempos e espaços de produção.

- 155 -
Além desses temas, também foram selecionados textos no ano
de 1972 acerca da prática de premiação e castigo. Com uma escrita
fundamentada nos pressupostos da Teoria Comportamentalista, esses
textos defendem a ideia da premiação diante de “tudo aquilo que
reflete o esforço pessoal de uma criança ou jovem” tanto na escola
como em casa, e das sanções quando comportamentos indesejados
são percebidos. Discute-se em um dos textos, “Premiar ou repreender
quando?” (1972), sobre a maior eficácia dos prêmios ou das sanções
na proposta de ensinar bons comportamentos. Aponta a motivação
como fator influente no comportamento e apresenta registros de
experiências de pesquisa que ilustram o texto, norteando o leitor
sobre essas questões. Este texto, ao concluir suas análises, aponta a
incompletude da discussão, alertando o leitor sobre nova publicação
sobre o assunto na próxima edição da revista.

Em nome da Pátria: valores morais e cívicos


Diante da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional em 1971 (Lei 5. 692/71), com a inclusão da
disciplina Educação Moral e Cívica nos currículos escolares, cinco
artigos foram selecionados entre os anos de 1966 a 1971 que dialogam
na perspectiva de defender a necessidade de desenvolver o Ensino
Primário com valores morais. Voltam-se tanto para a convivência dos
grupos em sala de aula, a partir de valores como a solidariedade e o
respeito, como também ao sentimento nacionalista e patriótico.

- 156 -
Quadro 3. Produções relacionadas na Revista do Ensino (1961-1974),
situadas no tópico Em nome da Pátria: valores morais e cívicos.
Título do trabalho
1. “Valores morais”. Autora: Matilde Cechin. Professora à disposição
do C. p. O. E. da Secretaria de Educação e Cultura do RS. (1966, n. 108, p.
51-52)
2. “Valores morais no Curso Primário”. Autora: Cândida Escobar
Soares. Professora à disposição do C. p. O. E. da Secretaria de Educação e
Cultura do RS. (1968, n. 117, p. 44-45).
3. “A necessidade do ensino da educação moral e cívica”. Autora:
Nilda Catarina Ataíde, da equipe da Revista do Ensino. (1971, n. 135, p. 31-
32).
4. “Incentivando o amor à pátria”. Autora: Flávia Maria Rosa, da
equipe da Revista do Ensino. (1971, n. 135, p. 60-61).
5. “Propiciando uma formação moral e cívica”. Autora: Nilda
Catarina Ataíde, da equipe da Revista do Ensino. (1971, n. 136, p. 45-46).
Fonte: Revista do Ensino (1961-1974).

O texto “Incentivando o amor à pátria” (ROSA, 1971) tem o


caráter de defender a educação pelo amor à pátria. Fornece sugestões
de trabalho às professoras e se refere ao seu objetivo afirmando que

[...] no intuito de conduzir as crianças a se tornarem


bons cidadãos, desenvolvendo-lhes, sobretudo o
senso cívico e o sentimento de patriotismo, poderá
o professor, paralelamente às atividades de
entrevista, consulta bibliográfica, discussão
dirigida, [...] conduzi-las a elaboração de material
audiovisual, focalizando diferentes aspectos
relacionados ao assunto (ROSA, 1971, p. 60).

Os demais textos tratam acerca dos valores morais, com o


objetivo de divulgar a necessidade de se dar mais atenção à formação
moral dos sujeitos, a partir da aprendizagem de valores considerados

- 157 -
ideais para a harmonia em sala de aula. Nestes, são sugeridas técnicas
possíveis para as aulas, que não poderiam ser restritas a aulas
expositivas. As aulas deveriam ser organizadas a partir de trabalhos
em grupo e individuais, entrevistas com pessoas sobre os assuntos
discutidos e construção de painéis. Conforme o texto “Valores
Morais”, a educação deve voltar-se para a construção de valores
morais como fundamento das aulas que permitam “à escola responder
lealmente às exigências da educação nacional, que conforme a Lei de
Diretrizes e Bases consiste no desenvolvimento integral da
personalidade humana para a sua participação na obra do bem
comum” (CECHIN, 1966, p. 51-52).
Desta forma, a educação moral era entendida como um
processo em que o professor era o responsável por trabalhar com
conteúdos e questões da realidade, que fornecessem aos seus alunos
reflexões sobre suas próprias práticas e comportamentos, tendo em
vista que “assim, atraídos pelos valores morais apresentados e
conscientes de suas deficiências pessoais despertam para um desejo
de ação positiva” (p. 52).

Relação professor-aluno: autoridade ou autoritarismo?


Os artigos que versam sobre a relação professor-aluno foram
publicados entre os anos de 1967 a 1974. Tratam sobre a prática do

- 158 -
professor voltada para a construção de vínculos com seus alunos,
sobre o seu papel como educador e acerca das ações de premiar e
repreender no contexto escolar. Nesses textos, percebe-se a figura do
educador enaltecida como sujeito mediador das relações presentes no
cotidiano escolar, considerado a autoridade que tem a
responsabilidade em contribuir na formação dos alunos que passam
por ele. O Quadro 4 apresenta as produções relacionadas ao tema da
relação professor-aluno nos contextos escolares.

Quadro 4. Produções relacionadas na Revista do Ensino (1961-1974),


situadas no tópico Relação professor-aluno: autoridade ou autoritarismo?
Título do trabalho
1. “Quando o professor concorre para o bom relacionamento aluno-
colega”. Autora: Professora Paulina Vissoky, da equipe da Revista do
Ensino. (1967, n. 112, p. 55-56).
2. “A comunicação na relação professor-aluno”. Autora: Maria
Josepha p. Motta. Assistente-técnico em Educação do C. p. O. E. SEC/RS.
(1971, n. 132, p. 16-18).
3. “O professor é antes de mais nada um educador”. Autoria: Grupo
de Divulgação da Reforma: Flavia E. Braun, Izabella Kertész, Juracy de
Bragança Leonardo, Lília Maria Pereira Duro, Maria Josepha p. Motta, Rosa
Maria Ruschel e Sueny Barbosa. Sob a responsabilidade da Supervisão de
Assessoramento Especial da SEC/RS. (1972, n. 141, p. 4-6).
4. “Os direitos do homem e a educação”. Autor: Dr. Ruy Rodrigo
Azambuja. 2º Vice-presidente do Instituto dos Advogados do Rio Grande
do Sul. (1974, n. 158, p. 16-17).
Fonte: Revista do Ensino (1961-1974).

O artigo “O professor é antes de mais nada um educador”


(1972), à figura do professor é atribuída muitas competências diante
das mudanças ocorridas no contexto político nacional,
compreendendo como essencial “a importância dos professores em

- 159 -
uma sociedade, pois são eles uma das forças que exercem maior
influência nessa sociedade” (p. 5). Também o considera como um
profissional que é “um orientador”, “um criador”, “um pesquisador e
“um líder” frente às exigências “da dinâmica da vida moderna” (p. 6).
Denota-se nesses textos, a figura do professor entendida como
o sujeito mediador na formação das pessoas baseada no cultivo de
valores morais favoráveis para a vida em sociedade. É uma das suas
responsabilidades o trabalho para a formação das virtudes e dos
princípios éticos considerados universais, valorados como essenciais
para a vida cidadã, já nesse período em que estes textos foram
veiculados.

Considerações finais
A pesquisa com objetos escolares é uma experiência
fundamental para aqueles que se dedicam ao estudo do processo
educativo. A educação não é neutra. Todas as práticas e saberes
dos/das professores/professoras fundamentam-se em escolhas
políticas e filosóficas que compreendem de diferenciadas formas o ato
de educar, o papel do educador e suas demandas, os educandos e
educandas e a relação que se estabelece entre esses sujeitos partícipes
dos processos de aprender e ensinar. E é nessa perspectiva, por
acreditar que todos os discursos sobre educação são produtos e
produtores de sentidos, através de escolhas políticas, que este
trabalho buscou compreender os discursos sobre o processo de

- 160 -
disciplinamento escolar, nos anos entre 1961 a 1974. Essas
publicações expressam ideias construídas no decorrer de cada tempo
e espaço histórico, sendo pensadas a partir de posições político-
filosóficas que entendem de diversificada maneira os conceitos do que
é a educação, papéis de professor e alunos, os processos de ensino e
de aprendizagem.
São as teorias educacionais e as teorias da construção do
conhecimento, fundadas em ideias filosóficas, que dão as bases para a
escrita e legitimidade desses artigos. Expressam conhecimentos
entendidos como verdadeiros nas décadas estudadas, em que em
nosso país estavam circulando uma fusão de ideias: com princípios
escolanovistas, da tendência tecnicistas e relacionadas ao
nacionalismo, advindas já da Era Vargas, no Estado Novo, e
fortalecidas pelo período ditatorial.
Essas produções veicularam saberes e práticas docentes que
até hoje podem ser percebidos no cotidiano. Trabalhar com um
documento escolar, como um periódico feito para professores com
significativa tiragem de exemplares, fornece informações importantes
sobre as formas de conceber o processo educacional de uma época e
sobre os discursos que as legitimavam como verdadeiros. Essas formas
de compreender o mundo não são só construídas por discursos
advindos de teorias educacionais, filosóficas e políticas dos tempos e
espaços em que foram produzidas, mas se configuram como
produtoras de novas práticas e compreensões acerca do processos

- 161 -
educacionais e suas questões atuais.

- 162 -
Referências

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In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro (Org.). Aula: gênese, dimensões,
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1942): o novo e o nacional em revista. 1 ed. Pelotas: Seiva, 2005. v. 1
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______. O novo e o nacional em revista: A Revista do Ensino do Rio


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1972.

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CECHIN, M. Valores morais. Revista do Ensino, Porto Alegre, n. 108, p.


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DE LUCA, T. R. e MARTINS, A. L. Quem lê tanta notícia? Imprensa, Mídia


e Sociedade no Brasil. In: SEBRIAN, Raphael Nunes Nicoletti e outros
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139.

REVISTA DO ENSINO. Educação para a eficiência da produção. Porto


Alegre, n. 137, p. 8-11, 1971.

- 163 -
ROSA, F. M. Incentivando o amor à pátria. Revista do Ensino, Porto
Alegre, n. 135, p. 60-61, 1971.

SANTOS, M. R. dos; BASTOS, M. H. C. As orientações de leituras para a


formação de professores e para a organização de uma biblioteca
infantil na educação pré-primária na Revista do Ensino/RS (1951-
1978). X Salão de Iniciação Científica da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. Faculdade de Pedagogia. PUCRS, 2009.

ROCHA, J. dos S.; BASTOS, M. H. C. As “boas maneiras” na Revista do


Ensino/RS (1951-1978). X Salão de Iniciação Científica da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Faculdade de Pedagogia.
PUCRS, 2009.

VIEIRA, G. H. C. Entrada e adaptação da criança ao Jardim de Infância.


Revista do Ensino, Porto Alegre, n. 133, p. 6, 1971.

- 164 -
A educação popular e o movimento de ocupações das
escolas do Vale do Rio Pardo

Beliza Stasinski Lopes

Introdução
Em seu livro “Política e Educação” escrito no início da década
de 1990, o educador brasileiro Paulo Freire questiona-se sobre a
possibilidade de se desenvolver a educação popular na rede pública de
ensino. A resposta de Freire (2001) para a questão é categórica: sim. É
possível desenvolver educação popular onde exista a relação ensino-
aprendizagem, seja ela na educação formal, na educação informal ou
educação não-formal. Mas, quais são os elementos que tornam
possível identificar uma educação popular, especialmente, na
educação formal.
Segundo Gohn (2006) educação não-formal consiste na
educação produzida nas associações coletivas protagonizadas pelas
redes associativas da sociedade civil. Educação formal consiste na
educação promovida através da ação estatal, como, por exemplo, a
escolar, e na educação informal, os agentes educadores são os pais, os
vizinhos, os colegas da escola, a igreja paroquial e os meios de
comunicação de massa.
Para responder a essa questão pensamos que é necessário
trazer a prática docente para a centralidade da análise. E, buscar na
- 165 -
literatura de Freire (1996) os saberes necessários à sua prática
comprometida com a autonomia.
Quando Freire (1996) trata do tema em sua “Pedagogia da
autonomia”, ele discorre sobre a necessidade de promover a
autonomia do educando no processo educativo, ou seja, coloca como
tarefa do educador a construção de condições em que o educando
possa exercitar o livre pensar, desenvolvendo dessa forma, o senso
crítico. Certamente, essa é uma das prerrogativas da educação
popular: possibilitar que a educação seja uma forma de problematizar
a realidade que o cerca, desnaturalizar as relações de poder e ser
inserido criticamente no mundo.
Segundo Pitano & Ghiggi (2009, p. 80) “autonomia é um
processo dialético de construção da subjetividade individual, que
depende das relações interpessoais desenvolvidas no espaço
vivencial”, para eles, na discussão entre autoridade e liberdade, a
autonomia é um ponto de equilíbrio.
Freire apud Pitano & Ghiggi (2009) irão dizer que essas ações
precisam ser construídas com base na responsabilidade e no respeito,
só assim é possível ter experiências de liberdade e construir
subjetivamente a autonomia. Nesse sentido, é possível dizer que a
autonomia é uma busca, na medida, que a educação popular é o
objetivo. Pois ela, não hierarquiza o conhecimento, e tem como valor
o respeito aos saberes do educando (a). Esse seria um pressuposto,

- 166 -
para a construção de uma relação de respeito entre o educador (a) e
o educando (a).
Alguns podem dizer: - Existe espaço para a educação popular
dentro das nossas escolas. Não ensinamos apenas para a disciplina e a
obediência; Sendo esta primeira um fator essencial para uma rotina de
estudos sistemáticos, descartando totalmente a segunda, pois é
necessário dizer que a obediência cega aos preceitos ensinados é um
indício da domesticação de que fala Freire (1996), porque ser crítico
consiste em primeiro lugar em duvidar e questionar. É a dúvida e a
pergunta levam o educando e o educador a colocarem
constantemente a prova os seus saberes. Esse é o caráter dialético da
educação e as bases ontológicas nos quais se constroem o saber
científico, tão importante na sociedade atual.
Apresentamos como sendo um pressuposto para o
desenvolvimento da educação popular na educação formal, para que
ela possa alcançar maior êxito, a sua condição democrática e a
valorização do trabalho docente para que o educador (a) possa exercer
livremente sua profissão.
A primeira condição, diz respeito a convivência da diversidade
e pluralidade de ideias e opiniões no interior da escola e a segunda
também. Vejamos: uma escola autoritária não permite que se
discutam livremente as concepções pedagógicas, não permite
circulação de ideias e, em última instância, não permite a existência de
docentes que pensem diferente ou tenham visões sociais ou mesmo

- 167 -
um partido político diferente daquele da direção da escola. As pessoas
que pensam diferente são simplesmente desconsideradas, silenciadas
ou, em casos extremos, banidas. Isso acontece em determinadas
escolas que, apesar de sustentarem ares democráticos, são dirigidas
por grupos autoritários que podem possuir caráter e identificação
política estreitas. Uma escola autoritária, não raras vezes, apresenta
acordo entre pessoas para ficarem por tempo indeterminado em
cargos de direção da escola eliminando qualquer possibilidade da
emergência de ideias e novas lideranças. Uma escola autoritária
restringe ou não permite que seus docentes façam greve e/ou
“entregam” o nome dos docentes para as Coordenadorias Regionais
de Ensino (CRES`s), que não raras vezes promovem a perseguição dos
docentes.
Esses são relatos de professores que vivenciam o cotidiano das
escolas, e consiste em prática comum em muitas escolas do Estado do
Rio Grande do Sul, na última greve do CPERS/Sindicato em torno de 12
professores não receberam integralmente seu salário, por causa do
corte do ponto. Informações do CPERS/Sindicato.
Ao contrário disso, é necessário dizer que a escola democrática
aceita a pluralidade de ideias, promove o debate sobre as políticas e o
ensino, sobre os rumos da escola, e reconhece os direitos dos
educadores deixando esses livres para o pensar e o agir, e promover
uma prática pedagógica libertadora e não domesticadora.

- 168 -
Em relação a segunda condição, portanto, apresentamos
algumas considerações: a valorização do trabalho docente. Pode-se
buscar alguns problemas bem concretos, por exemplo: um educador
não é livre para o seu pensar se não tem garantida a sua estabilidade,
se não tem reconhecido o seu direito de pensar crítico e levar para o
interior da sala de aula, suas ideias, seus métodos, sua concepção
epistemológica. Um educador só pode pensar livremente se ele
oferece a seus alunos a possibilidade da divergência, a possibilidade
do questionamento. Ele só pode ser livre se não se pretender o
detentor da verdade absoluta e inquestionável. Mas para esse
educador promover o ensino dialético ele precisa estar valorizado na
sua profissão, a relação que ele estabelece deve ser com suas
definições em relação ao conhecimento e não em relação a poderes
locais.
Atualmente existem cerca de 20 mil professores contratados
no Estado do Rio Grande do Sul, esses professores não têm
estabilidade nas suas funções, podem ser remanejados conforme
interesses das coordenadorias de ensino. Eles não podem reivindicar
seus direitos, fazer greve, paralisações, reclamar sobre as condições
de trabalho e, em alguns casos, não podem pensar diferente dos
governos que os contrataram precariamente. A autonomia no seu
trabalho e na sua profissão são/estão, com isso, comprometidos com
as relações de poder que os cercam. Certamente não está se dizendo
que todos professores com esse vínculo empregatício não exercem

- 169 -
livremente seu trabalho e que possuem uma prática pedagógica
comprometida com elites locais, há professores contratados que são
exemplares na sua profissão e que encontram brechas em contextos
de “fechamento democrático”. Estou dizendo que essa precarização
do trabalho atrapalha, limita e algumas vezes, retira a autonomia; mas,
quase sempre impede o docente de lutar pelos seus direitos.
É importante perceber que este é um aspecto estrutural do
sistema capitalista em que vivemos, em especial, do seu período
neoliberal no qual a precarização do trabalho é utilizada como uma
estratégia para o controle do conjunto classe dos/as trabalhadores/as,
e a perda de direitos sociais está ligado a receituário desse modelo de
exploração. Os direitos trabalhistas, assim como a greve, são vistos
como um ônus para o sistema e devem ser desmantelados para que o
capital circule livremente. A maximização dos lucros do capitalista e a
minimização dos custos sociais têm sido uma verdade desde a
emergência desse sistema, mas a atual perda de direitos sociais, como
a reforma trabalhista, da previdência e do ensino médio que ocorre
em 2017 no Brasil, é um retrocesso em relação aos direitos adquiridos
por outras gerações em outros contextos sociais. A educação popular
não se furta a esse debate e aponta os privilégios de classe existentes
na sociedade.
Outro aspecto a ser considerado é a Reforma do Ensino Médio,
sancionada pelo governo Temer em 2017, ela não foi discutida, não
ampla, nem restritamente com a população, e tem como objetivo uma

- 170 -
educação direcionada em um sentido tecnicista, que visa suprir a
demanda de mão de obra nas empresas, sem demandar muitos custos
em seu processo de formação. Ela cria uma distinção entre o currículo
das escolas particulares e as públicas, tendo em vista que essas
últimas, perdem a obrigatoriedade de oferecer disciplinas da área das
ciências humanas, como sociologia, filosofia, geografia e até mesmo
história, furtando as classes oprimidas do debate sócio-político e
histórico. Além disso, traz a ampliação de carga horária que não está
em conformidade com o corte de verbas previsto para a educação, em
resumo, promove uma educação tecnicista, sem prever no orçamento
para a educação e os custos que a ampliação das escolas e
instrumentalização, para executar o plano de ampliação da carga
horária.
Essas medidas, são o início de um modelo de exploração que
prevê o fim de direitos sociais, inclusive o direito a educação, e a
ampliação de uma economia de mercado, que só terá acesso a
determinados bens, como a educação de qualidade, quem tiver
condições de pagar por ela. No ensino superior já se conhece essa
realidade, pois a maioria das vagas são pagas, mas e a educação
primária e o ensino médio será que passarão ao mesmo sistema.
Em contraposição a essa realidade que inviabiliza a construção de uma
educação popular, ocorre a construção de lutas da categoria em busca
de direitos sociais e valorização do trabalho. Essas lutas têm por
objetivo tornar a educação uma prioridade para governos e gestores

- 171 -
e, dessa forma, trazer mais autonomia para a esfera do ensino-
aprendizagem.
Através da figura abaixo, gostaríamos de demonstrar o que
compreendemos como sendo um ciclo de fortalecimento da educação
popular na rede pública de ensino: a construção a escola democrática
e a valorização do trabalho docente são condições necessárias e
colaboram para a prática educativa na construção da autonomia.

Como compreendemos a educação popular?


É muito comum as pessoas pensarem que a educação popular
só pode ser desenvolvida nos/pelos movimentos sociais, ou seja, em
espaços de educação não-formal, conforme a terminologia da Gohn
(2006). Mas, ao olharmos a obra de Paulo Freire, é possível visualizar
a educação popular como uma concepção pedagógica em busca de
uma prática que leve a educação para a crítica e ação social. Essa

- 172 -
concepção requer determinados saberes que estão expressos em
“Pedagogia da Autonomia” (FREIRE, 1996). E, aqui será destacado uma
dimensão dessa obra fundamental, que está ligado ao próprio
conceito, a sua dimensão “popular”. Qual o significado de popular?
Certamente não está se falando aqui da educação das elites,
mas sim da educação de trabalhadores/as e de todos os oprimidos/as.
Ou seja, daquelas pessoas que vivem do próprio trabalho, e de seus
filhos e filhas obviamente. Esta é uma concepção classista de
educação. Conforme a teoria de classes sociais, do economista e
sociólogo Karl Marx (2002), aqueles que pertencem a classe dos
trabalhadores, têm interesses próprios e conflitivos aos interesses da
classe oposta, os detentores do capital.
Por isso, a educação popular não prevê uma sociedade
harmônica, onde esteja excluído o conflito, mas por uma questão de
concepção sócio filosófica, ela não apenas reconhece o conflito, mas o
explica, o discute, o questiona, e na melhor das hipóteses procura uma
solução para ele, que, na maioria das vezes, não é individual, mas
coletiva.
Certamente, na escola pública estarão presentes educandos de
diferentes classes sociais, não entendendo, como classes apenas as
duas que o próprio Marx deu mais destaque, burgueses e proletários,
mas pessoas de classes intermediárias, os pequenos burgueses, ou de
rendas variáveis, como os vários tipos de funcionários públicos, que

- 173 -
estão dentro da classe trabalhadora. E, será necessário dialogar com
todos, com a sua educação e sua visão social de mundo.
Mas o que ocorre, quase sempre, é que os trabalhadores não
reconhecem seus próprios interesses porque assumiram o ponto de
vista do opressor. Então, desmistificar essa realidade não é uma tarefa
fácil, porém ela só ocorre com o diálogo, o questionamento e uma
educação crítica (a educação sozinha não “resolve”, mas é
fundamental).
A burguesia recebe uma educação bancária? Ou seja, o
conceito que Freire (1996) utiliza para definir uma educação em que
são depositados os conhecimentos de forma acrítica aos sujeitos.
Obviamente não, as escolas das elites são diferentes, funcionam na
perspectiva de preparar os novos gestores, administradores, donos
dos bancos e das grandes corporações. Dentro da perspectiva
histórica, devido ao formato da escola tradicional, até para esses um
dia a escola já foi bancária, atualmente essas crianças e jovens, são
educados com outra pedagogia, que os estimule a pensar, a participar,
a falar e a se posicionar para apreender a prerrogativas de sua futura
função que requer o mando e a tomada de posições. A educação das
elites exige liberdade.
E a dos/das trabalhadores/as? Será que se continua a praticar
a educação bancária? Para reflexão destaca-se um fragmento do
poema de Mario Benedetti “obedecer cegamente nos torna cegos,
crescemos somente na ousadia”. Será que a classe trabalhadora deve

- 174 -
receber uma educação acrítica? Pergunto: nessa sociedade de
conflitos que já vimos anteriormente, a quem interessa um educando
que aprende exemplarmente a obedecer? Um aluno obediente,
certamente será um trabalhador obediente, que aceita a todas
condições de vida e de trabalho a qual é sujeitado. Será que este
trabalhador deixará um bom legado para as próximas gerações que
também dependem da venda da sua força de trabalho para viver.
A educação é violenta, na acepção de Althusser e Bourdieu
(apud Freitag, 1980), ela é violenta porque trabalha no sentido de
reproduzir a estrutura social, que é violenta a partir do momento que
sustenta a opressão de classe. Biesta (2013) vai dizer que toda a
educação é uma forma de violência, uma vez que interfere na
soberania do aluno. É uma violência transcendental que é o que
precisa ocorrer para tornar algo possível.
Mas, para Freire (1996) se pode auferir que a educação é
violenta a partir do momento que promove um processo de
domesticação, em que está previsto a naturalização da injustiça e a
resignação frente a opressão.
O educador faz a crítica ao que ele chama de educação bancária
a partir das práticas educativas que não têm como pressuposto
pedagógico a educação para a crítica social e a libertação. É importante
dizer que essa educação só é, realmente possível de ser construída em
uma escola em que os valores democráticos sejam a base de um
projeto de educação popular.

- 175 -
Mas é importante perceber que nos espaços de educação não-formal,
como por exemplo, os movimentos sociais, a opção pela educação
popular é uma opção política e os atores envolvidos no processo de
aprendizagem estão conscientes desta opressão e mobilizados contra
ela. Então, a experiência das escolas itinerantes do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) da qual fala Gadotti (2004), é
uma experiência genuína de educação popular, uma escola com sua
concepção pedagógica ancorada na pedagogia freiriana. Outras
experiências ancoradas nessa pedagogia também deram ótimos
resultados, como o Movimento de Alfabetização do Rio Grande do Sul,
o (MOVA-RS), implementados pelo governo do Estado do Rio Grande
do Sul na gestão de 1999-2002.
Mas, é possível encontrar escolas na rede pública que adotem
uma concepção freiriana de educação popular. Estas escolas trazem
consigo preceitos democráticos e educadores autônomos em sua
prática pedagógica. Nesse sentido, a educação popular pode ser vista
como uma concepção a qual se filiam escolas, ou apenas professores,
que se isolados em um contexto autoritário não conseguem
desenvolver plenamente os seus saberes.
Por fim, uma dimensão da educação popular que quero
destacar é o respeito aos saberes dos educandos. Freire (1996) fala na
possibilidade de discutir com os educandos o ensino de conteúdos aos
quais serão desenvolvidos. Essa seria uma relação de democracia e
horizontalidade nas salas de aula. Uma relação que não desqualifica

- 176 -
ou dispensa o conhecimento teórico e pedagógico do educador, e nem
o tira a autoridade, mas que valoriza a percepção que o educando tem
da cidade em que mora, das condições em que vive, dos problemas
que enfrenta.
Como mencionamos, a pesquisa que sustenta esse trabalho
tem como objetivo analisar a relação dos docentes progressistas com
as iniciativas políticos-organizativas dos discentes em relação a atual
conjuntura política do país, fazendo um recorte, mais especificamente
sobre o movimento de ocupações de escolas. Foi nessa direção que
argumentamos até o momento. Para fins metodológicos procurou-se
fazer uma investigação de caráter qualitativo sobre o papel do docente
e a sua participação na ocupação das escolas. Por isso, foram
destacados três educadores populares: dois da escola pública e um de
uma universidade comunitária, que terão suas identidades
resguardadas, bem como quaisquer dados que os identifique. Esses
educadores foram escolhidos porque tem em comum a concepção de
educação popular freiriana. Eles relatarem suas experiências em forma
de entrevistas. Um deles esteve presente no processo de ocupação, o
outro tentou organizar a ocupação em sua escola, mas a ação não se
efetivou. E a outra docente, participou das ocupações como apoiadora
e oficineira.

- 177 -
Educadores populares e as ocupações das escolas públicas no vale do
rio pardo/rs
Para Gohn (2011) é necessário delimitar o movimento social
como objeto de estudo, e para ela

Desde logo é preciso demarcar nosso


entendimento sobre o que são movimentos sociais.
Nós os encaramos como ações sociais coletivas de
caráter sociopolítico e cultural que viabilizam
formas distintas de a população se organizar e
expressar suas demandas (cf. Gohn, 2008). Na ação
concreta, essas formas adotam diferentes
estratégias que variam da simples denúncia,
passando pela pressão direta (mobilizações,
marchas, concentrações, passeatas, distúrbios à
ordem constituída, atos de desobediência civil,
negociações etc.) até as pressões indiretas (Gohn,
2011, p. 335).

Os movimentos sociais têm existido historicamente e


expressado anseios populares, também atuam na organização de
setores excluídos e oprimidos da sociedade, eles cumprem uma
função na sociedade, de mantê-la sempre pulsante e viva além de
possibilitar a participação política de setores que não tem garantido
muitas vezes representação política nos espaços de poder.

Na realidade histórica, os movimentos sempre


existiram, e cremos que sempre existirão. Isso
porque representam forças sociais organizadas,
aglutinam as pessoas não como força-tarefa de
ordem numérica, mas como campo de atividades e
experimentação social, e essas atividades são
fontes geradoras de criatividade e inovações
- 178 -
socioculturais. A experiência da qual são
portadores não advém de forças congeladas do
passado – embora este tenha importância crucial
ao criar uma memória que, quando resgatada, dá
sentido às lutas do presente. A experiência recria-
se cotidianamente, na adversidade das situações
que enfrentam. Concordamos com antigas análises
de Touraine, em que afirmava que os movimentos
são o coração, o pulsar da sociedade. Eles
expressam energias de resistência ao velho que
oprime ou de construção do novo que liberte.
Energias sociais antes dispersas são canalizadas e
potencializadas por meio de suas práticas em
“fazeres propositivos” (Gohn, Maria da Glória.
2011, p. 336).

É interessante observar que no Brasil os movimentos sociais


ganham fôlego novo e começam um processo de reorganização depois
da abertura democrática na década de 1980. Eles se diferenciam da
ONGs especialmente pela luta pela democracia, colocando no
horizonte a ampliação de direitos.
É interessante localizar as ocupações de escolas, como uma
ação protagonizada pelo movimento estudantil, secundarista, através
de sua organização de base, ou seja, dos estudantes nas escolas.
Tarrow (2009) identifica as ações de protesto, como repertório de
lutas, nesse sentido, as ocupações de escolas representam um forma
de protesto do repertório de lutas do movimento estudantil, a nível
nacional, esse repertório, que também pode ser compreendido como
método, já esteve presente no movimento estudantil universitário,
através das ocupações de universidades e reitorias, particularmente

- 179 -
nas Instituições Federais de Ensino Superior, mas no movimento
secundarista, as ocupações representaram uma forma de protesto
inovadora, tendo em vista as suas particularidades regionais.
Cerca de uma centena de escolas públicas foram ocupadas por
estudantes no Rio Grande do Sul, entre outubro de 2015 e outubro de
2016. No Brasil esse número chegou a mais de 1100 escolas, segundo
dados da grande imprensa. Por isso, estima-se que os dados estejam
subestimados. O movimento começou em 2015 em São Paulo e se
alastrou para outros Estados no decorrer de 2016, chegando a seu
ápice de maio a outubro de 2016. Esta é uma experiência sem
precedentes no Brasil, e pode ser considerada como um momento em
que a educação não-formal (movimentos sociais) ocupou a educação
formal (escola).
Os atores que protagonizaram a ação são os estudantes da
escola pública, do ensino fundamental e médio, principalmente, os
secundaristas, jovens entre 14 e 18 anos, que estiveram à frente do
processo. Reivindicavam a suspensão da Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 24133.

33
PEC 241 ou PEC 55 foi uma proposta de emenda constitucional aprovada na
Câmara de Deputados e no Senado, que congela as despesas do Governo Federal,
com cifras corrigidas pela inflação, por até 20 anos. O presidente Michel Temer
propôs a medida com a justificativa de conter a dívida do Estado, mais uma medida
do modelo de exploração neoliberal. Esta é considerada umas das maiores mudanças
fiscais em décadas. O mecanismo enfrenta severas críticas da nova oposição,
liderada pelo PT, pelo PSOL e pelo PCdoB, mas também vindas de parte dos
especialistas, que veem na fórmula um drástico corte no investimento em saúde e
educação previstos na Constituição. O texto da emenda, que agora será incorporado

- 180 -
Apresentada pelo governo federal na Câmara Federal, que
previa o congelamento orçamentário brasileiro durante 20 anos para
as rubricas de saúde e educação. A nível estadual reivindicavam mais
verbas para a educação, em São Paulo, denunciavam o desvio de
verbas da merenda escolar e a reestruturação do sistema educacional,
no Rio Grande do Sul reivindicavam as verbas para a escolas que não
haviam sido pagas pelo governo.
Questiona-se qual o papel do docente que tem como
referência a pedagogia freiriana neste processo de ensino-
aprendizagem que ocorre a partir da experiência de ocupação de
escolas públicas pelos estudantes?
Talvez não tenha uma escola pública em todo território
nacional em maio de 2016, em que os estudantes não tenham
cogitado ocupar sua escola. O movimento foi uma onda, cresceu e
chegou ao marco de mais de 1100 escolas públicas ocupadas em 23
estados da federação, e mesmo não trazendo nenhum problema
imediato para o setor produtivo, como causam as greves das
categorias de base da produção, se tornou um problema sério para as
autoridades. Os estudantes secundaristas fortaleceram suas
organizações estudantis, desafiaram o governo, e sustentaram sua
ação política, num período que durou aproximadamente um ano. Foi
uma demonstração de força política e ato de resistência, tendo em

à Constituição, também tem potencial para afetar a regra de reajuste do salário


mínimo oficial.

- 181 -
vista que em muitos estados ocorria o fechamento de escolas por falta
de recursos, e sem dúvida a pauta principal do movimento, o pedido
de suspensão da PEC 241. Algumas matérias de jornais, como a que
saiu no site da GAZ “Estudantes vão manter ocupação de escolas do
Rio Grande do Sul”, mostram a pressão do poder público para que as
escolas fossem desocupadas. Este fato não ocorreu isoladamente e,
certamente, foi o resultado de múltiplas determinações. Ele possibilita
pensar a problemática da educação no Brasil sob a perspectiva dos
estudantes.
Pois esses, na contramão do ensino bancário e da educação
domesticadora, demonstraram em primeiro lugar, uma radicalidade.
Em segundo, uma capacidade de organização, e terceiro, uma
capacidade de intervenção política. Em um momento de retiradas de
direitos sociais assumiram, através do seu exemplo, e da participação
política, a dianteira de um processo de resistência.
É importante destacar para quem acompanhou esse processo
de ocupações, que muitos pais e professores apoiaram o movimento
de ocupações, mas foram os estudantes que a partir da sua capacidade
de articulação política deram sustentação e protagonizaram o
movimento.
Mas, neste cenário, torna-se importante pensar o papel dos
docentes e sua pratica neste processo, pois estes têm um trabalho
cotidiano de diálogo com estes estudantes nas escolas, e por isso essa
pesquisa resolveu saber qual seu papel no movimento de ocupações.

- 182 -
Certamente existe uma multiplicidade de posições políticas entre os
docentes da educação básica e superior, tantas quais existem na
sociedade, mas nosso recorte consiste sobre docentes que reivindicam
a concepção de educação popular alicerçada na teoria de Paulo Freire.
Por isso, destaca-se três docentes, dois da escola básica e uma da
educação superior. É importante salientar que estes professores não
pertencem as mesmas escolas e que um deles exerce a docência em
uma escola que não foi ocupada. Por isso, dialogamos com cada um
dos casos vivenciados.
O primeiro docente estava lecionando em uma das escolas do
Vale do Rio Pardo que foi ocupada, com mais de 800 estudantes, ao
total foram três escolas públicas ocupadas nesta cidade. Este docente
vivenciou a agitação dos alunos em torno da ocupação e prestou apoio
irrestrito ao processo organizativo. Mas, não acompanhou todo o
processo de ocupação. Enquanto ocorriam as ocupações das escolas,
o seu sindicato- CPERS/Sindicato, organizava uma ocupação ao Centro
Administrativo Fernando Ferrari (CAFF), em Porto Alegre, em
contraposição ao Projeto de Lei (PL) 44 que previa a privatização dos
serviços públicos no Estado. O docente participa ativamente das ações
propostas pelo seu sindicato, sendo identificado com uma das
correntes sindicais que atuam no movimento sindical docente.
Enquanto os estudantes ocupavam a escola, o docente ocupava um
órgão público estadual reivindicando aumento salarial e o fim do PL
44, neste momento os docentes do magistério estadual estavam em

- 183 -
greve da categoria. O clima no primeiro semestre de 2016 era de
efervescência política, ao mesmo tempo que os governos federal e
estadual avançavam seu projeto neoliberal de redução dos custos
sociais do Estado, o movimento social foi as ruas e as escolas.
O segundo docente pesquisado também leciona em uma
escola da região do Vale do Rio Pardo, com aproximadamente 900
alunos, na qual não ocorreu ocupação. O docente influenciado pelo
movimento de ocupações, organizou um cine debate (cinema e
debate) com o filme “A revolta dos Pinguins”, do diretor Carlos
Pronzato (2009), no qual teve como objetivo discutir a experiência dos
estudantes secundaristas chilenos, e comparar ao movimento de
ocupações que ocorria nas escolas do Brasil. Também foi promovida
uma conversa sobre as ocupações em todas as turmas de ensino
médio, os estudantes se manifestaram a favor de um movimento de
ocupações, que segundo relatos foi reprimido pela direção da escola.
O docente entrou em greve, logo depois desse trabalho, tendo em
vista que sua categoria promovia uma greve de vanguarda que durou
54 dias.
A terceira docente pesquisada não leciona com a educação
básica, mas esteve presente na rede de apoio ao movimento de
ocupações prestando solidariedade a luta dos estudantes e
colaborando através da realização de oficinas junto aos estudantes
que visavam discutir a conjuntura política e a educação no país.
Relatou que foi convidada pelos estudantes para realizar uma oficina

- 184 -
em uma escola não ocupada, e a direção da escola não permitiu a sua
entrada, os estudantes resistiram e garantiram a realização da oficina.
É importante, enfatizar que os estudantes propuseram a
organização de oficinas sobre temas da conjuntura política atual,
considerando que, na maioria das vezes, esses temas não ganham um
espaço devido nos currículos das suas escolas.

Considerações/resultados
Os docentes pesquisados revelam que segundo Freire (2001) a
atividade docente traz uma vocação ontológica que é expressa na
necessidade de ser mais. Esses docentes concebem a educação como
um ato político, e se compreendem enquanto seres históricos, e,
portanto, seres que não negligenciaram a tarefa de fazer a história.
Não foram passivos, não se acomodaram frente a sua função,
assumiram para si o risco de viver, por isso tomaram posição.
Conscientemente organizaram-se e contribuíram para a organização e
ação coletiva.
Pode-se identificar na sua prática educativa, saberes caros e
necessários ao processo de emancipação mútua entre educador e
educando, como o respeito aos saberes dos educandos, a criticidade,
a defesa dos direitos dos trabalhadores, a convicção de que a mudança
é possível, o comprometimento, a concepção de que a educação é
uma intervenção no mundo, portanto deve ser pensada, que a
educação exige diálogo e sobretudo que a educação é ideológica.

- 185 -
E as experiências relatadas enfatizam bem esse último aspecto, existe
uma dicotomia na sociedade, expressa na fórmula capital versus
trabalho. E os trabalhadores quase sempre reproduzem as ideias, o
modo de vida de um sistema que o espolia, o oprime, descrimina e
explora, portanto, são raros os momentos de reflexão, e mais raros
ainda, os momentos de organização e resistência a ideologia do
capital. Por isso, o movimento de ocupações e o movimento sindical
dos professores estaduais protagonizaram uma grande e importante
batalha em busca de escola e educação popular.
Um aspecto a ser ressaltado é que o conflito esteve presente, em
vários momentos da experiência relatada pelos docentes, isso leva a
crer que o caminho em busca da autonomia da pratica docente e do
discente consiste em um caminho difícil de enfrentamento a certos
poderes estabelecidos, mas um caminho necessário.
Por isso, Freire (1996) destacou mais uma dimensão do
trabalho docente, e essa dimensão constituísse na luta social. Por que
na sua apreensão, ser educador, assalariado e não lutar é uma
contradição. É aceitar passivamente decisões burocráticas e distantes
da realidade da educação, essas decisões, são algumas vezes,
arbitrárias para o processo de ensino.
Alguns irão questionar se essa dimensão, da luta, é inerente ao
processo educativo. Pois ela não é algo natural e nem praticada por
todos educadores. Ela é uma dimensão que está imbricada no
processo de cidadania. Por isso Freire (1996) ajuda a responder essa

- 186 -
pergunta: A luta em defesa de direitos é uma dimensão do trabalho
docente?

A luta dos professores em defesa dos seus direitos


e de sua dignidade deve ser entendida como um
momento importante de sua prática docente,
enquanto prática ética. Não é algo que vem de fora
da atividade docente, mas algo que faz parte dela
(FREIRE, 1996, p. 53)

A partir dessa reflexão pode-se conceber que lutar por direitos


na sociedade capitalista está associado a duas palavras: ética e
cidadania. Por isso lutar para os educadores está de acordo com os
interesses da sua atividade docente, que quer valorizar a educação,
tornar a educação promissora, valorizar o próprio conhecimento
construído no processo de ensino-aprendizagem e por último valorizar
o seu trabalho, o trabalho docente.
Em relação a cidadania, no seu significado original, essa requer
uma atividade daqueles que não se omitem frente aos assuntos da
cidade, que não temem em colocar suas opiniões, em participar,
perder algumas horas do seu dia para isso. Mas sobretudo, em não
deixar que os outros decidam por si, em seu nome. Está é uma
qualidade daqueles que participam.
O ensino-aprendizagem início e fim do processo educativo é
construído em uma relação entre professor-aluno, numa relação
dialética entre aprender e ensinar, ensinar e aprender. No entanto, os
sujeitos envolvidos nesta relação obtêm sua identidade numa relação

- 187 -
central com o trabalho, um como atividade presente (o educador) e
outro como preparação para o trabalho (o educando). Nesse sentido,
a luta dos educadores por dignidade é na acepção de Freire (1996) um
dever e obrigação, esse irá representar a corporificação do exemplo,
ao lutar por ele próprio e pelas futuras gerações.
A nomenclatura “luta” está incorporada na linguagem dos
educadores ativos nesse processo para denominarem sua ação no
momento que esta reconhece a dicotomia capital\trabalho posta na
sociedade, tendo em vista que este termo se torna central para
entender o movimento de permanente mudança, na qual está
submetido o processo histórico. Aqueles que estão na luta são os que
levam em frente as deliberações coletivas da categoria. Os que estão
na luta, constroem e promovem o processo de resistência da
categoria. Ao passo, aqueles que não lutam são seres passivos nesse
processo, que apenas sofrem os reflexos do processo histórico, e com
sua passividade contribuem para a manutenção da opressão.
É possível dizer que a luta de educandos (as) e educadores (as)
na defesa da escola pública, protagonizada pelo movimento de
ocupações de escola, consiste em mais uma ação de busca por
liberdade e autonomia de educandos e educadores, que colocam a
necessidade de não apenas construir uma ação de autonomia no
interior da salas de aula, sendo está necessária e de sua
responsabilidade, mas questionando os condicionamentos colocados
pelas políticas educacionais, assim como o comprometimento,

- 188 -
respeito e responsabilidade dos governos estaduais e federais para
com a educação pública. Pois esses, vem se eximindo da tarefa da
tomada de decisões democráticas, restringindo a importância da
escola pública. Os/As educandos (as) e educadores (as) trazem para o
centro do debate nacional a necessidade de construir ações de
valorização do ensino, como a valorização do trabalho docente, a
construção da escola pública democrática, e o exercício da educação
popular que visa educar criticamente. O movimento de ocupações foi,
nesse sentido, um grito desesperado, em defesa da escola pública.

- 189 -
Referências

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para um futuro humano. Trad. Rosaura Eichenberg. Belo Horizonte,
MG: Autêntica Editora, 2013. Título Original: Beyond Learning:
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Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências.
Revista Brasileira de Educação; Mai/jun/ago. nº26. 2004.

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Paulo, Cortez, 2001.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática


educativa. São Paulo-Sp. Paz e Terra, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 10ª ed. Rio de Janeiro, Paz e


Terra, 1981.

FREITAG. Bárbara. Escola, Estado e Sociedade. São Paulo. Editora


Moraes. 1980.

GADOTTI, Moacir. Paulo Freire e a educação popular. Revista


Trimestral de debate da Fase, nº 113.

GOHN. Maria da Glória. Educação não-formal na Pedagogia Social. Na.


1 Congresso Internacional de Pedagogia Social. Março, 2006.

GOHN. Maria da Glória. Movimentos Sociais na Contemporaneidade.


Revista Brasileira de Educação. V. 16. n. 47. maio-ago 2011.

MARX, Karl. Engels, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista.


Tradução de Sueli Tomazzini Barros Cassal. Porto Alegre: L&PM, 2002.

PITANO. Sandro de Castro. GHIGGI. Gomercindo. Autoridade e


liberdade na práxis educativa. Paulo Freire e o conceito de autonomia.
Saberes, Natal –RN, v. 2, n. 3, dez, 2009. p. 80-93.
- 190 -
TARROW. Sidney. O poder em movimentos. Movimentos
Sociais e Confronto Político. Editora Vozes. 2009.

- 191 -
O corpo como desafio na Educação: abordagens alemãs

Karina Limonta Vieira34


Gustavo Morais de Queiroz35

Introdução
O corpo enquanto objeto de pesquisa tem sido negligenciado
por diversas disciplinas das ciências sociais, como sociologia e
antropologia, assim como nas investigações em educação. Esse corpo,
quando investigado, quase sempre está associado a uma imagem e sua
representação nas pesquisas desenvolvidas no Brasil. Isso significa
dizer que esse corpo tem sido investigado como um objeto
representativo de uma imagem, ou seja, uma ideia que se tem de um
determinado corpo, seja política, estética, discursiva eou subjetiva.
Por exemplo, a imagem apresentada por Foucault de um corpo
disciplinado, atento, estático, e, além disso, todo um movimento que,
nos anos de 1970 e 1980, apresenta um corpo textualizado (Paul
Ricoeur e Clifford Geertz) definindo cultura como um sistema
simbólico (Csordas, 1999). Essas perspectivas levam a uma imobilidade
corpórea, reduzindo o corpo a um texto.

34
É Pesquisadora Associada da Universidade Livre de Berlim. Doutora em Educação
Escolar pela Universidade Estadual Paulista com período sanduíche na Universidade
Livre de Berlim na área de Antropologia da Educação.
35
Doutorando em Sociologia da Técnica e da Inovação no Instituto de Sociologia da
Universidade Técnica de Berlim. Mestre em Antropologia pela UFPE P. E.
Graduação em Comunicação Social pela UNICAP P. E.

- 192 -
Isso implica em considerar o escamoteamento do corpo na
educação enquanto corpo naturalizado e culturalizado, imerso na
dinamicidade evolutiva, cultural e social da diversidade
contextualizada de um determinado grupo, cuja postura leva à
mobilidade. Essa negligência em relação às investigações sobre o
corpo também é percebida no contexto alemão. O que podemos
perceber é a sua enorme inserção no campo dos esportes ou da
educação física.
A abordagem alemã aponta que o corpo ou a corporeidade do
educando são pré-requisitos básicos para toda aprendizagem, logo
pré-requisito básico para a educação. Schmidtke (2008) salienta que
crianças e adolescentes sempre aprendem com o organismo inteiro
(Gesamtorganismus), e, por isso, o corpo é um meio essencial de
aprendizagem. Entretanto, o corpo humano não pode ser assumido,
nem mesmo natural e original. Em vez disso, deve ser declarado em
todos os aspectos “como um resultado efetivo da evolução, da pré
história e da história” (Bourdieu, 1972; Pazzini, 1983; Butler, 1997;
Kamper, 1997).
Porém, os estudos alemãos sobre corpo no século XIX mostram
um medo sobre o corpo do educando, por isso era necessário moldá-
lo, discipliná-lo e castigá-lo. Isso acontecia por meio dos exames na
escola. Por outro lado, um grande número de correntes educacionais
do início do século XX teve uma influência positiva do corpo na
educação. Especialmente, a reforma educacional buscou influenciar

- 193 -
positivamente todos os participantes no processo ensino-
aprendizagem por meio do corpo do educando. Isso foi pensado no
sentido de libertar o corpo infantil e lidar com isso de modo
humanizado. Contudo, no período do nacional socialismo na
Alemanha, as abordagens da reforma educacional foram adotadas,
mas, ao mesmo tempo, eram tomadas medidas de disciplina e treino
para o corpo. Hoje, o corpo, especialmente nos discursos
educacionais, é tratado como um problema, visto que na maioria das
vezes está relacionado com crianças e adolescentes obesas, magras,
inertes e inquietas.
Na Alemanha leva-se em consideração a infinidade de estudos
que podem ser feitos sobre corpo, por isso pode ser objeto de
questões antropológicas, psicanalíticas, médicas, ciência esportiva,
assim como, pode ser examinado em relação ao seu caráter
comunicativo ou a capacidade de aprender. Nesse sentido, esse
capítulo tem como objetivos discutir e refletir sobre o desafio do corpo
na educação, tendo como suporte as abordagens alemãs. Três
questões são importantes e guiam essa discussão e reflexão: O que as
abordagens antropológica e sociológica alemãs contribuem para o
estudo do corpo? O que o paradigma do embodiment e a
complexidade de fenômenos contribuem para o estudo do corpo?
Diante dessas abordagens, quais os desafios de pesquisar o corpo na
educação? Para responder a esses questionamentos apresentamos o
corpo na perspectiva sociológica e antropológica, o corpo enquanto

- 194 -
embodiment, o corpo enquanto complexidade de fenômenos e o
desafio do corpo na educação.

O corpo na perspectiva sociológica


Nos últimos anos, houve um aumento considerável de estudos
do corpo na análise sociológica, temas como: modificação corporal,
estudos de gênero, cultura da tatuagem se tornaram mais freqüentes
em sociologia. Gugutzer (2006) atualmente considera o retorno do
corpo (body turn) como “uma integração sistemática da categoria
corpo na concepção de socialidade (Sozialität)” (p. 11, nossa
tradução). Embora, o corpo tenha sido negligenciado em análise
sociológica por um tempo. A primeira sistematização do corpo em
inglês surge com a publicação The Body and Society de Bryan Turner
em 1984, enquanto a primeira sistematização do corpo (Körper) em
língua alemã foi publicada com o título Soziologie des Körpers
(Sociologia do Corpo) de Robert Gugutzer em 2004. Segundo Schroer
(2005), a Associação Alemã de Sociologia institui o Grupo de Trabalho
Sociologia do Corpo (Soziologie des Körpers) em 1998.
Turner (2007a) sugere no seu texto Body and Cultural Sociology
quatro perspectivas sociológicas sobre o corpo: construção,
representação, experiência e técnicas corporais. Primeiro, a teoria
feminista investigou a construção social do corpo”. O feminismo na
década de 1970 foi importante para estabelecer a diferença entre o
sexo biologicamente determinado e a construção social de papéis de

- 195 -
gênero e identidades sexuais. A pesquisa empírica explorou
posteriormente como a subordinação social e política das mulheres se
expressa na depressão psicológica e na doença física” (p. 326, nossa
tradução). Em segundo lugar, o corpo é examinado como uma
representação social, os sociólogos “estudaram como o corpo entra no
discurso político como uma representação do poder e como o poder é
exercido sobre o corpo” (p. 326, nossa tradução). Em terceiro lugar,
refere-se aqui ao “corpo vivido” do filósofo francês Merleau- Ponty.
Ele “desenvolveu a idéia do “sujeito corporal” que está sempre situado
numa realidade social. Rejeitando abordagens comportamentais e
mecanicistas, ele argumentou que o corpo é central para o nosso
estar-no-mundo. A percepção não pode ser tratada como uma
consciência desencarnada” (p. 326, nossa tradução). Refere-se
estabelecer uma relação entre corpo e experiência que resulta em um
“corpo vivido”. E, finalmente, o conceito “técnicas corporais” criado
por Marcel Mauss “para descrever como as pessoas aprendem a
administram seus corpos de acordo com as normas sociais”.
Em outro texto, Turner (2007b) resume as abordagens em
Sociologia do Corpo basicamente em duas representando respostas
alternativas para a questão: o corpo humano é construído
socialmente? “Nas abordagens construtivas sociais, o corpo é tratado
como um sistema de representações culturais. Na tradição
fenomenológica, o “corpo vivido” é estudado no mundo cotidiano da
interação social” (p. 335, nossa tradução). Como Turner, Gugutzer

- 196 -
(2006) também retomou em dois grupos as abordagens sobre o corpo
em sociologia: “no primeiro, são todos aqueles que lidam com o corpo
como um produto da sociedade, no segundo, aqueles trabalhos que
têm como tema o corpo como produtor da sociedade” (p. 13, nossa
tradução). O primeiro grupo tem como problemática o corpo humano
(menschliche Körper) a ser entendido como construção social, e suas
dimensões analíticas são forma corpórea, discurso do corpo, meio
corpóreo e representação do corpo. O segundo grupo tem como
questão a compreensão da construção corporal (körperliche
Konstruktion) da sociedade, e suas dimensões analíticas são
sistematizadas como experiências corpóreas, encenações corpóreas e
obstinação do corpo.
Compreende-se o corpo como dualidade visto como produto
da socialidade, ou seja, como representação que se concentra em
discursos ou como produtor de socialidade identificando em sua
análise corpo como organismo vivo. Essa dualidade pode ser
interpretada pelo dualismo clássico natureza e cultura. Turner
apresenta a terceira edição do seu livro The Body and Society dizendo
que a sociologia do corpo “levanta um importante e perene problema
sobre a relação entre a natureza e a cultura. A tensão entre o corpo
como organismo vivo e como um produto cultural continua a sustentar
a compreensão sociológica e o debate sobre o corpo e o embodiment”
(Turner, 2008, p. 01, nossa tradução).

- 197 -
O embodiment, em suma, “é central e não periférico para a
perspectiva sociológica. O fundamento da teoria social deve, portanto,
estar enraizado nas contingências e situações difíceis da encarnação
(embodiment) humana, e os vínculos disso proporcionam questões
mais amplas de ordem social e transgressão, estrutura e ação, agência
e identidade” (Williams; Bendelow, 1998, p. 08, nossa tradução).
Considerando o futuro da sociologia do corpo, Turner aponta para
duas questões. Primeiro, há um interesse cada vez maior no
desempenho incorporado (embodied). Em segundo lugar, “existe uma
visão geral de que, enquanto houve um extenso debate teórico sobre
o corpo, há uma tradição de pesquisa empírica insuficiente e
inadequada” (2007a, p. 327, nossa tradução).
O dualismo natureza/cultura se estende aos desafios
metodológicos. O corpo como produto é investigado a partir de
entrevistas, análise de documentos, análise do discurso, enquanto o
corpo como produtor se concentra principalmente em movimentos
corpóreos. As gravações de vídeo em etnografias se concentram em
corpos em ação e atualmente tem tido um crescimento bastante
significativo nos últimos anos em disciplinas como sociologia e
antropologia. O dualismo permite algumas questões: como dissociar o
movimento corpóreo com o conhecimento construído considerando
apenas os discursos desse corpo? Os discursos dissociados do processo
de construção social do corpo não levam em consideração os
movimentos corpóreos?

- 198 -
O corpo na perspectiva antropológica
A antropologia atualmente tem conotação policêntrica,
heterogênea e com diversidade metodológica, porque está
fundamentada no princípio de que todo ser humano é um agente
histórico-cultural integrado à sua natureza em um mundo global
repleto de diversidade. Pensando nesse aspecto e com o declínio da
antropologia normativa, a pesquisa antropológica passou a dar mais
atenção ao corpo. De acordo com a abordagem antropológica alemã,
os paradigmas da antropologia apresentam uma grande variedade
sobre o conceito de corpo. A Antropologia evolucionista e filosófica se
preocupa com o corpo como um aspecto da espécie humana e a
Antropologia histórica, cultural e histórica-cultural se concentram na
particularidade histórica e cultural e nas diferenças entre corpos
humanos.
A Antropologia Evolutiva abordou aspectos do corpo mais
relacionados à sua evolução, ou seja, o corpo humano como resultado
de um irreversível processo evolucionário ligado ao início da vida no
planeta”. A evolução do corpo foi largamente guiada pela
recombinação genética e seleção natural e pelas sutis
interdependências entre seleção interna e externa” (Wulf, 2014, p.
310). Essa concepção de evolução do corpo humano forneceu base
para duas áreas centrais da pesquisa sobre o corpo, o “corpo genoma”,

- 199 -
vindo da genética, e o “corpo cérebro”, procedente de estudos
cerebrais.
Essa abordagem apresenta apenas uma descrição dos aspectos
físicos do corpo humano. Como por exemplo, em descrever as
habilidades: dos humanos primitivos em andar eretos, dos humanos
pré-históricos em se adaptar ao ambiente como no uso da pedra, a
capacidade de se comunicarem e a divisão do trabalho, do Homo
erectus em desenvolver a postura ereta, a linguagem e a cultura, do
Homo sapiens sapiens em possuírem mais habilidades culturais devido
à sua morfogênese multidimensional baseada na interação de fatores
ecológicos, genéticos, cerebrais, sociais e culturais. O outro exemplo,
o “corpo genoma” apresenta claramente um determinismo genético
na dicotomia entre natureza e cultura, pois dissocia os aspectos sociais
e culturais da pesquisa alegando ser um estudo básico de natureza em
relação aos genes modificados e a clonagem. Os pesquisadores de
“corpo cérebro” terminam por reduzir a complexidade do corpo
humano ao cérebro.
A Antropologia Alemã mostra que, enquanto a pesquisa sobre
evolução, hominização, genética e cérebro se esforçam para obter
percepções gerais sobre o corpo do ser humano, a antropologia
filosófica busca compreender as características corporais que nos
distinguem das dos animais, ou seja, dos corpos dos outros primatas,
e procura estudar o significado dessas diferenças no que se refere à
auto-compreensão humana.

- 200 -
Plessner (1975) e Scheler (1966) apresentam um corpo
humano como capaz de mover-se no espaço, pois ao contrário dos
animais, os humanos possuem a capacidade de tomar distância de algo
e adotar uma posição “ex-cêntrica”. Isso dá origem a três modos ou
estados do ser: o corpo humano se caracteriza pelo modo de ter um
corpo no qual ele experimenta o mundo externo, em consequência,
também é caracterizado pelo modo de ser um corpo sob o qual ele
experimenta a alma e a vida interior.
Contrário a essa perspectiva teórica, Gehlen (1940) mostra que
o corpo é por natureza deficiente, forçando os seres humanos a
superar suas deficiências. A corporalidade humana na perspectiva de
Gehlen (1940) é a neotenia (ou ano extra-uterino), o instinto reduzido,
o excesso de atividade, seu alívio e a abertura ao mundo. A neotonia
mostra uma gestão rápida do humano, mas com uma longa infância e
adolescência. O instinto reduzido mostra a capacidade do humano em
se adaptar a ambientes diversos, por isso o excesso de atividades é
disciplinado e domesticado, desenvolvendo variados padrões de
comportamentos por meio de rituais e instituições. O alívio ajuda a
“co-ordenar” a percepção e o movimento.
Visto que a Antropologia Evolutiva se concentra nas
percepções gerais sobre o corpo do ser humano e a Antropologia
Filosófica apresenta o corpo humano como diferente do animal,
outras abordagens como a histórica e cultural se concentram na

- 201 -
natureza histórica e cultural do corpo humano, logo o corpo muda
como parte de um processo histórico-cultural.
A Antropologia Histórica examina o corpo no decorrer do
tempo, ou seja, preocupou-se em descobrir como atitudes de âmbito
coletivo de um período histórico específico podem gerar específicos
sentimentos corporais e sensações. Experiências básicas como a
maneira de se vestir revelam a sua natureza histórica, ilustrando que
o corpo humano aparece somente em formas históricas concretas. A
pesquisa histórica adota uma postura diacrônica sobre o corpo
humano, ou seja, usa o tempo linear para focalizar a particularidade
histórica, assim tem como intuito identificar mudanças históricas no
relacionamento dos humanos com seus corpos, por meio das imagens
e dos conceitos de corpo, das práticas corporais e do uso dos sentidos.
Os autores expoentes são Norbert Elias, Max Horkheimer e Theodor
Adorno.
Elias (1995) mostrou que o corpo humano se torna cada vez
mais disciplinado e controlado. O controle sobre o nosso corpo afeta
nossos hábitos de comer, conduta social e vida emocional e faz com
que o ser humano distancie-se cada vez mais de seu próprio corpo. O
auto-controle e a auto-disciplina exigida pelo próprio humano nos dias
modernos para a obter a auto-perfeição, seja por meio da obtenção
da melhor nota na escola ou no melhor resultado no trabalho, implica
no surgimento de corpos fechados que são guiados por controle,
coerção e correção.

- 202 -
Embora Foucault siga na mesma direção de Elias a respeito do
corpo disciplinado, ele aponta para o poder controlador e disciplinador
das instituições, cujos espaços estão interligados com os papéis da
sociedade e do indivíduo indicando forte presença da atividade
corporal e do lado construtivo das pessoas. Foucault descreve “o
poder como um corpo político subcutâneo que não deve ser visto
apenas como supressor de individualidades, mas também como fator
de avanço que produz os indivíduos. O que parece humanização,
castigos mais leves, constitui-se na maneira mais sutil de controle”
(FOUCAULT, 1987, p. 42). O objetivo é o controle, a disciplina e a
padronização do corpo, seus gestos e seu comportamento. Esse corpo
disciplinado aparece em prisões, escolas e quartéis militares, onde a
habilidade do corpo em aprender transforma-se em à microfísica do
poder e à colonização política.
Por outro lado, Horkheimer e Adorno (1985) se utilizam da
teoria freudiana para mostrar que o desenvolvimento da
racionalidade, esclarecimento e emancipação da civilização em seu
percurso não ocorreu sem sacrifícios, pois o corpo andou junto com a
sujeição às forças da racionalidade social”. A transição do controle
externo do corpo ao estabelecimento de um self voltado para o
controle interno é um processo irreversível que representa um ganho
e uma perda, dependendo do ponto de vista dominante” (1985, p. 65).
A Antropologia Cultural parte do princípio da natureza
heterogênea de influências culturais, o que resulta no

- 203 -
desenvolvimento de corpos muito diferentes. Por exemplo, embora as
culturas do norte e do sul da Europa sejam muito similares, eles ainda
comportam marcantes diferenças em suas atitudes para com o corpo
– diferenças concernentes a cada aspecto da vida social. O papel do
corpo na antropologia cultural e social está distinguido em três fases.
A primeira fase representada pelos trabalhos de Mary Douglas. A
segunda fase com os trabalhos de Foucault e Bourdieu. E a terceira
fase com os trabalhos de Merleau-Ponty.
Os livros Purity and Danger e Natural Symbols de Mary Douglas
encontram-se na primeira fase. Purity and Danger mostra que “o
corpo deve ser entendido como análogo ao sistema social, ficando na
base de um sistema simbólico natural. Isso significa que a demanda
por integrar-se a uma sociedade leva a um controle das funções
corporais e vice-versa” (Wulf, 2014, p. 323). Já o Natural Symbols
mostra o corpo como “meio de expressão” e em termos de “técnicas
de expressão”. O corpo físico representa um microcosmo da sociedade
encarando o centro do poder, contraindo e expandindo seus reclamos
em acordo direto com aumento ou alívio de pressões sociais, por isso
é um corpo físico, social, o self e a sociedade. O corpo é moldado pela
sociedade e pelo cultural, logo não é livre.
Na segunda fase, o corpo e a maneira como é formado
tornaram-se temas de análises teóricas. Foucault ressalta como
hospitais, presídios, quartéis e escolas disciplinam o corpo e como a
sexualidade se converte em estratégias para o benefício do self. Tais

- 204 -
análises revelaram o corpo como um produto das instituições sociais
e das relações de poder. Bourdieu em seus estudos sociológicos
também mostrou isso. Os conceitos centrais de Bourdieu como
“habitus”, “senso prático”, “espaço social”, apontam a importância do
aprendizado do corpo. Para Bourdieu, o habitus é um padrão básico
enraizado no corpo e dá margem ao desenvolvimento de esquemas e
formas de prática relativamente homólogas, permitindo a contradição
e os atos criativos”. Processos miméticos, performativos e rituais
influem muito na incorporação de normas sociais, no desenvolvimento
de estratégias de senso prático e no avanço do estilo pessoal, do gosto
e dos hábitos” (WULF, 2014, p. 325).
Na terceira fase encontra-se o campo da antropologia cultural
e mostra o significado e a inserção central do corpo, no qual são
investigados como nos processos de personificação, experiências
subjetivas e inter-subjetivas ocorrem enquanto o self é gerado. Ocorre
a personificação do corpo, por meio de textos etnográficos,
interpretados como “o corpo como texto”, “a inscrição da cultura no
corpo”, “ler o corpo”. Merleau Ponty foi o primeiro a propor a análise
a partir da percepção, onde o corpo seja considerado como sujeito e
não como objeto, pois a cultura já não se limita a objetos e
representações, mas antes a percepção é uma experiência existencial
enraizada no corpo.
Por esses trabalhos, Wulf (2014) salienta que a pesquisa
histórica adota uma perspectiva histórica ao referir-se ao corpo,

- 205 -
enquanto a pesquisa cultural adota uma perspectiva sincrônica. Essas
análises afirmam que o corpo é um meio para a história e a cultura
humanas. A antropologia examina o corpo como sendo:

a locação da memória cultural, tanto individual


quanto coletiva. O corpo é tratado como um meio
de expressão e representação: suas energias
transformam o mundo em narrativas, imagens,
encenações e performances. A depender do ângulo
de visão, o corpo pode ser percebido em termos de
inscrição, expressão ou representação. No corpo
humano, o mundo externo é convertido em
interno, e a materialidade se torna imaginação,
mas o inverso também é verdadeiro – o mundo
interior se torna exterior e a imaginação,
materialidade. A despeito de experiências
histórico-culturais coletivas, cada corpo humano é
único (Wulf, 2014, p. 329).

Esses trabalhos mostram a plasticidade dos estudos


relacionados ao corpo, seja pela perspectiva evolutiva, filosófica,
histórica ou cultural. A natureza heterogênea do corpo resulta em
perspectivas diferentes de interpretar, perceber e experimentar esse
corpo, resultando em inúmeros conceitos.

O corpo enquanto embodiment


De acordo com as críticas dos autores do paradigma
embodiment, a tradição da metafísica ocidental tratou o corpo de
forma negligente colocando-o como de natureza “animal” e, a partir
da abordagem cartesiana, um mero mecanismo físico. Levando em

- 206 -
consideração a crítica a esses dois pontos, a argumentação em torno
da concepção embodiment fornece um novo paradigma teórico para
as ciências sociais e, especificamente, para antropologia. A discussão
sobre embodiment (em inglês) é guiada atualmente pela inadequação
cartesiana do dualismo mente-corpo e pela visibilidade corpórea no
mundo social. Nesse processo,

a própria expressão “o corpo” tem tornado-se


problematizada, e cada vez mais é suplantada pelo
termo embodiment. O movimento de uma
expressão (corpo) a uma outra (embodiment)
corresponde diretamente a uma mudança a partir
de uma visão onde o corpo é um fenômeno
prediscursivo e sem gênero que desempenha um
papel central na percepção, cognição, ação, e
natureza para uma maneira de viver e habitar o
mundo por meio de um corpo aculturalizado
(Weiss; Haber, 1999, p. xiii, nossa tradução).

A partir dessa perspectiva, o corpo é não é uma categoria


puramente mecânica e isolada, mas ela está inserida em uma cultura
com seus aspectos simbólicos específicos tratando o corpo como um
corpo culturalizado. Além do mais, o corpo está situado em ações
específicas e não é mais investigado de maneira estática e separado
do seu contexto. Sendo assim, a concepção do embodiment faz do
corpo, de acordo com os críticos do dualismo cartesiano mente/corpo,
habitar e agir no mundo social por meio de sua materialidade
corpórea. As ciências sociais têm sido desafiadas a esse novo
paradigma que tentam criar novas problemáticas e novos métodos

- 207 -
que busquem indicadores empíricos dessa materialidade corpórea no
mundo. Contudo, as críticas ainda apontam para um corpo vivo e não
reduzido apenas às representações do corpo. Csordas (2002), a partir
do seu trabalho sobre ritual de práticas de cura de católicos
carismáticos, sustenta a problematização sobre embodiment a partir
dessa crítica. Csordas desenvolve sua argumentação a partir de dois
pontos de partida em direção ao embodiment. O primeiro ponto é que

minhas análises tinham sido linguagem-símbolos,


retórica, atuação, persuasão, narrativa e expressão
ritual era a substância dos rituais de cura e dos
relatos reflexivos dos pacientes sobre esses rituais.
Todas essas eram fundamentalmente formas de
representação, e apenas impediram de capturar a
riqueza existencial do estar-no-mundo. Entender a
cura em termos de representação não é adequado
porque, mesmo que conceitos como atuação e
persuasão tenham força experimental substancial,
a representação em última análise apela ao modelo
de um texto. Não importa o quão bem sucedidos
estudiosos literários possam ser na animação de
textos, em trazê-los à vida, as interpretações
textuais permanecem inflexões de experiência. O
ingrediente ausente é fornecido pela noção de
estar-no-mundo, a partir da filosofia
fenomenológica, na medida em que fala de
imediação, indeterminação, sensibilidade - tudo o
que tem a ver com a vivacidade e a urgência da
experiência. Minha tentativa de colocar essas
idéias em diálogo baseia-se na proposição de que,
se os estudos de representação forem realizados
do ponto de vista da textualidade, então os estudos
complementares do estar-no-mundo podem ser
realizados a partir do ponto de vista do

- 208 -
embodiment (Csordas, 2002, p. 03, nossa
tradução).

O segundo ponto ele percebeu que

o objeto de cura não é a eliminação de uma coisa


(uma doença, um problema, um sintoma, uma
desordem), mas a transformação de uma pessoa,
um eu que é um ser corpóreo. Reconhecendo que
nosso ser corpóreo é um produto da cultura, não
menos que a biologia, tem o potencial de
transformar a nossa compreensão tanto do corpo
quanto da cultura (Csordas, 2002, p. 03-04, nossa
tradução).

Ao perceber o embodiment a partir desses dois pontos,


Csordas (2002) chama atenção para um corpo além da representação
inserindo-o em uma condição de estar-no-mundo. Para ele, o
embodiment é “uma condição existencial na qual o corpo é a fonte
subjetiva ou base intersubjetiva da experiência, logo investigações sob
a rubrica de embodiment não são “sobre” o corpo em si” (Csordas,
2002, p. 143, nossa tradução). Csordas comenta ainda que a
fenomenologia nos deu o embodiment a fim de compreender o estar-
no-mundo, enquanto que a semiótica nos deu a textualidade a fim de
compreender a representação. A sua argumentação defende que o
corpo reduzido à representação impossibilita perceber a experiência,
que foi abandonada por uma perspectiva que investiga a cultura como
um sistema simbólico.

- 209 -
Contudo, Csordas (2002) não deixa claro qual é o foco de
investigação do embodiment. Ele próprio comenta que “nós não
estamos estudando o corpo em si, nem o embodiment, mas cultura e
self em termos de embodiment, assim como podemos estudar cultura
e self em termos de textualidade” (p. 147, nossa tradução). O que ele
chama de “em termos de embodiment” é o posicionamento gestual
que significa alguma ação corpórea dentro de um contexto, no caso
exemplificado em seu texto, ele deu o exemplo de uma série de
pinturas de Joshua Reynolds.
O corpo se constitui tanto biologicamente quanto
culturalmente por meio de movimentos e ações corpóreas
estabelecendo experiências e conexões com o mundo em nossa volta,
como um gesto de encaixar um lápis entre os dedos, um passo de um
dança, esses movimentos corpóreos institucionalizam e recriam o
contexto específico de uma cultura não podendo separar o biológico
do cultural. Além do mais, essa constituição não parte do zero, mas de
um mundo já constituído, de um contexto já estabelecido dentro de
um contexto hermenêutico próprio. Por isso, uma investigação com
temática do corpo não pode ser reduzida a representações
unicamente, pois o corpo torna-se estático, finalizado, já constituído.

O corpo enquanto complexidade de fenômenos

- 210 -
A corporalidade dos seres humanos em seus aspectos
corpóreos de complexidade de fenômenos significa dizer que o corpo
só pode ser compreendido em suas manifestações histórico e cultural
para a Antropologia Histórico-Cultural. Essa compreensão pode se dar,
por exemplo, no aprendizado mimético como aprendizado cultural,
nas teorias e práticas do performativo, em rituais que criam
comunidades, performatividade da linguagem, no relacionamento
entre imagem e imaginação e na morte em seu papel como o “outro”
da vida.
Os processos miméticos no aprendizado mimético permitem
que nos relacionemos com outras pessoas e com o mundo em volta
delas, logo é possível pensar que o corpo humano forma a base de
nossas relações miméticas com o mundo em torno de nós, porque os
sujeitos sociais estão contidos dentro do mundo e também contém o
mundo em sua compleição física, segundo Wulf (2014). A plasticidade
do corpo permite a sua criação e seu modelamento, por meio do
movimento, sendo usado como instrumento onde são adquiridas
técnicas.

Durante tais processos, os gestos aprendidos nos


fornecem algumas das mais importantes formas de
apresentação e expressão corporal. A aquisição
mimética de destreza gesticulatória resulta na
incorporação por nós, de normas institucionais,
valores sociais e estruturas de poder. Isso nos
auxilia a moldar movimentos e posições do corpo.
E o mesmo se aplica à aquisição do conhecimento
ritual, da habilidade em jogos e outras áreas
- 211 -
culturais e sociais que requerem conhecimento
prático (Wulf, 2014, p. 332).

Nas teorias e práticas performativas, a percepção, o


conhecimento, a mídia, os rituais e os gêneros podem ser vistos como
práticas do performativo, onde interagem aspectos do corpo, da
linguagem e da estética. A percepção é concebida como uma
sequência de ações correlatas que criam espaços históricos, culturais
e midiáticos em que a interação rítmica do tempo, ordem, movimento,
memória e expectativa têm destaque. O conhecimento mostra a
classificação da ciência, enquanto a mídia, entre a materialidade e
criatividade, os processos de personificação e despersonificação
assumem diferentes intensidades. Os atos rituais desenvolvem
estratégias de inclusão e exclusão, dependendo do contexto, nos quais
o desempenho corporal e a encenação do poder e alteridade contam
muito. O gênero tem a sua evolução relacionada ao desempenho
cênico do corpo, porque no processo de personificação, as práticas de
exercício de poder, a formação de hábitos e a subversão de papéis têm
impacto.
Segundo Wulf (2017), os rituais resultam da encenação e do
desempenho simbolicamente codificados de corpos humanos que
criam um senso de pertinência entre os participantes, pois o tecido
social se desenvolve em meio ao desempenho cênico e ritual. Os
rituais geram continuidade entre passado, presente e futuro e ajudam
a inscrever padrões normativos e valores no corpo dos participantes

- 212 -
do ritual, caracterizados por fases de separação, transição e renovada
integração.
O lado ritual de encenações culturais e representações
também ilustra o significado performativo da linguagem. Wulf (2014)
explica que há relacionamento entre corpo e linguagem, pois a
linguagem está fincada no movimento físico do corpo humano, na
articulação do aparelho vocal, o que resulta no sequenciamento do
discurso e no estado de expectativas pelas ideias manifestadas. A
audição se relaciona diretamente com essas duas formas de
articulação: a voz criando a fala e os pensamentos expressados.
A imaginação também está ligada à natureza corpórea das
pessoas e pode ser entendida como uma projeção do excesso de
atividades humanas, visto que os seres humanos são criaturas de
fantasia e de linguagem.

O imaginário é um auto-criador do mundo de


imagens, onde as energias corporais estão
entretecidas com formas e conteúdos históricos e
sociais, plasmando significados coletivos e
individuais que mudam no decorrer dos
desenvolvimentos histórico-culturais. O imaginário
planta figuras significativas e um significado
configurado na imaginação das pessoas, assim
influenciando suas ações (Wulf, 2014, p. 336-337).

Esse imaginário contribui para a construção de uma


comunidade em que estrutura a linguagem dos humanos, seus valores

- 213 -
e ações também afetam as estruturas internas da sociedade e a vida
de seus protagonistas.
A morte é um dos temas do imaginário e é válido considerar
que o corpo que temos hoje não teria evoluído sem a morte.
Temporalidade e mortalidade não somente definem os limites do
corpo humano, mas ainda constituem as pré-condições para a sua
evolução. Sem nascimento e morte, não haveria corpo humano, nem
espécie humana, nem vida individual. Pela dor da perda de um ente
querido pela morte, cada cultura desenvolve estratégias para lidar
com a morte, como por exemplo, o sepultamento e o luto. Em
diferentes períodos históricos, as culturas do mundo produziram
muitos e grandes ritos, mitos e imagens para lidar com o significado da
morte e é um tema que perturba as pessoas, desafia a imaginação e
causa constrangimento.

O desafio do corpo na educação


Para se falar sobre o desafio do corpo na educação, vamos
considerar, em primeiro lugar, a interdisciplinaridade da Educação. A
compreensão da ciência da educação como área interdisciplinar, para
Rathmayr (2014), no entanto, significa mais do que o conceito de uma
ciência composta por sociologia, psicologia, antropologia, etc.

Não basta afiar as teorias individuais relevantes e


as ciências individuais para questões pedagógicas e
contextos de aplicação - tais tentativas correm
frequentemente o risco de lidar com manipulações
- 214 -
pedagógicas de teorias científicas. Mas essas
teorias individuais e ciências individuais devem, em
um primeiro passo, ser reconhecidas como
abordagens independentes da realidade do ser
humano e integradas em um segundo esforço em
modelos explicativos relevantes ligados ao
indivíduo, ao social e às realidades sociais
(Rathmayr, 2014, p. 96, nossa tradução).

Outro ponto é o fato de que a ciência educacional se refere a


um amplo espectro de teorias e disciplinas científicas individuais,
sociais, societárias e culturais, ressalta Rathmayr (2014). Isso não
significa que elas aceitem ou repitam suas perguntas. Em vez disso,
aplica seus métodos e conhecimentos à direção dos problemas que
surgem no contexto da existência humana, na sociedade e cuja
complexidade só pode ser cumprida em uma perspectiva múltipla. O
corpo, por exemplo, é um desses temas que podem ser explorados.
Por isso, pesquisar o corpo na educação é um desafio tendo em
vista as perspectivas adotadas referentes ao corpo na educação,
como, por exemplo, a fisicalidade, a condição desse corpo, o corpo
como discurso, a sua imobilidade e a imagem ou representação do
corpo. Há uma tentativa de mostrar os aspectos físicos do corpo, como
altura, peso, tamanho, ou seja, o corpo obeso, magro, inerte ou
inquieto. O corpo como discurso mostra o corpo que fala, gerando a
sua imobilidade, no qual representa um corpo físico e retraído.
Para a abordagem alemã, o dualismo cartesiano de “corpo” e
“espírito” foi fundamental para as ciências sociais e educacionais. Os
trabalhos de Helmut Plessner e de Maurice Merleau-Ponty podem ter
- 215 -
sido os mais influentes. No decorrer de seu trabalho sobre a questão
da existência física, Plessner sempre enfatizou o aspecto dual
irrefutável da existência humana como um corpo (físico) e corpo
(psicopental) em que a “posição” excêntrica específica do homem se
opõe a outras formas orgânicas de vida, como a dos animais
(SCHMIDTKE, 2008).
Dentro da interação social, o oposto não aparece como um
mero corpo, sobre o qual são lidos alguns movimentos, mas sempre
como um corpo vivo, cujos movimentos não são apenas de natureza
física, mas sempre significativos e interpretáveis, porque o seu
portador pode ser geralmente um ser consciente e autoconsciente. O
portador deste corpo (isto é, o corpo vivo e consciente) é entendido
na diferença “nem como corpo, nem como alma, mas em oposição a
essa diferença mental” (PLESSNER, 1975, p. 27, nossa tradução).
Neste ponto, Maurice Merleau-Ponty também começa a inter-
relacionar-se com a esfera interna e externa do homem em seu
conceito inicial de corpo. No posicionamento do ego no mundo, uma
espécie de “interpessoal”, que deve ser estabelecida entre o sujeito e
o objeto, é revelada, por exemplo, na experiência tátil. O corpo é o
meio do “estar-no-mundo” e a “base de experiência mais básica de
uma pessoa”. Em Merleau-Ponty, ao contrário de Plessner, a
identidade é definida acima de tudo por referência ao outro. Da
mesma forma, Käthe Meyer-Drawe argumenta que o trabalho de
Merleau-Ponty foi frutífero para a ciência educacional: a identidade,

- 216 -
eu. A negociação interativa das relações sociais surge não só da
liberdade do abstracto, mas também dos sujeitos: “Com a estrutura
básica do ser, a consciência do mundo, a consciência é finita como
consciência corpórea, na qual a natureza e o espírito penetram, o que,
portanto, nunca é meramente uma idéia nem um fato” (MEYER-
DRAWE, 1987, p. 137, nossa tradução).
Foucault em Vigiar e Punir apresenta uma abordagem sobre o
corpo e que é de grande importância para a ciência educacional. Ele
descreveu a história do corpo desde o final do século XVIII como
disciplina em constante desenvolvimento que ramifica na sociedade e
está presente em escolas, presídios, hospitais e quartéis militares. Por
meio da ginástica, exercícios militares, discursos médicos,
educacionais, psicológicos e filosóficos, prisões, condições de trabalho
industriais, a ideia do belo corpo por meio da arte e literatura
desenvolveu-se o “desejo do próprio corpo”.
Esse desejo do corpo faz com que os indivíduos se
autodisciplinem, ou seja, não há repressão, nem disciplina, em que os
indivíduos não são a causa do poder (discursos), mas seu resultado,
seu efeito. Nesse sentido, o corpo é importante, porque é o local onde
a disciplina ocorre, mas também na sua função de memória: "No
corpo, encontra-se o estigma dos acontecimentos passados, dos quais
também surgem os desejos, a impotência e os erros" (FOUCAULT,
1987, p. 75). O corpo funciona como uma memória individual e
coletiva. Nela, as práticas culturais e os costumes são refletidos, pelo

- 217 -
menos, os estilos de vida social. As estruturas sociais são incorporadas
no processo de socialização.
Essas três abordagens teóricas destacam a relação da educação
com o corpo. Plessner demonstra que a relação básica do homem com
seu corpo pode ser explicado, pois o homem não está sujeito ao
dualismo corpo-mente, mas está presente em sua corporeidade entre
corpo e espírito. Merleau-Ponty trata o corpo individual como algo
superior e o seu próprio ego está relacionado na interação com os
outros. É porque os seres humanos nunca são corpos ou mentes na
sua corporeidade, ambos estão sempre juntos, porque tudo o que age
sobre o corpo físico, constituindo-o como um corpo psicofísico e
afetando a consciência, é a ação direcionada no corpo em contextos
pedagógicos que sempre foi a base de toda aprendizagem e educação.
Neste ponto, Foucault argumenta que essa ação direcionada ocorreu
frequentemente sob o pressuposto de uso, mas não é de modo algum
repressiva. Se todas as instâncias de socialização funcionam sem
problemas, os indivíduos normalizam seus corpos (e, portanto, eles
mesmos).
No entanto, na década de 1980, iniciou na Alemanha um
exame crítico sobre a fisicalidade de crianças e de adolescentes. Esse
trabalho realizado por Wulf e Kamper em antropologia histórica
discute o “retorno do corpo”. Kamper e Wulf (1982) enfatizam a
separação especificamente no Ocidente da mente e do corpo e vêem
nesta dicotomia um sintoma essencial da história do corpo ocidental,

- 218 -
que sempre foi, ou acima de tudo, é uma história da sujeição do corpo
sob abstrações e racionalidades (processos de trabalho, esportes,
instrução).

Na Antropologia Educacional Histórico-Cultural de Christoph


Wulf, o corpo fundamenta a aprendizagem mimética, no qual permite
a aprendizagem de imagens, de esquemas de movimentos
pertencentes à esfera do saber prático e da ação social. A capacidade
de agir em sociedade é adquirida, por mimetismo, ao longo de
diferentes processos culturais de aprendizagem que envolvem ao
mesmo tempo o corpo e os sentidos. Está envolvido nesse processo os
movimentos, a compreensão, a encenação e as ações autonômas do
corpo. O corpo é um dos elementos do processo mimético que
contribui para a alteração imitativa dos mundos anteriores, bem como
uma nova ordenação deles. Corpo é também um elemento de ação
biológica, social, histórica e cultural, que, de acordo com a
aprendizagem, se ajusta em movimentos e ações corpóreas por meio
da ritualização, dos gestos, da imaginação entrelaçados pela educação
do lar e escolar, religião, política, vida social, mídia (tv e internet),
ambiente, alimentação, paladar, gênero, identidade, geração, game,
espaço, tempo, memória e ética, entre outros.

Conclusão: perspectivas e aspirações


Pela exposição dos argumentos, os desafios de
investigar o corpo encontram-se presentes tanto no campo da
- 219 -
educação quanto nas pesquisas em sociologia e antropologia.
Podemos dizer que os desafios de pesquisar o corpo na
educação estão relacionados às perspectivas e abordagens
apresentadas em relação ao corpo, além do mais com o
desenvolvimento de novas problemáticas e novos métodos
que contemplem o corpo tanto biológico quanto culturalizado.
A questão aqui se apresenta nas limitações das pesquisas
quando relacionam o corpo à fisicalidade, à condição desse
corpo, o corpo como discurso, a sua imobilidade e a imagem
ou representação desse corpo. A tentativa de imobilizar o
corpo torna-o engessado e distante de sua ação no mundo.
Visto que o corpo na educação está apresentado enquanto
dualismo corpo-espírito, na interação do corpo com os outros,
o corpo disciplinado, a crítica da sujeição do corpo às
abstrações e racionalidades como trabalho, esporte e
instrução, a ausência do corpo do professor, o corpo infantil
admirado, a interação social do corpo, as manifestações
gestuais e imitativas, o corpo em sua totalidade relacionando
gestos, rituais e práticas corporais institucionalizadas e a
compreensão fenomenológica e reflexiva do corpo por meio de
seus aspectos biológicos e da formação humana.
Os desafios principais do corpo consistem em
considerar a ação corpórea em seu mundo e o corpo enquanto
conceito complexo. Ao considerar o corpo do ser humano em

- 220 -
sua corporalidade e na complexidade de fenômenos,
compreendido em suas manifestações histórico-culturais em
seu mundo. Os desafios do corpo na educação também são
compreender a complexidade de conceitos e fenômenos que
envolvem a educação. Por isso cabe aqui levarem-se em
consideração as problemáticas e as temáticas educacionais no
estudo do corpo com contribuições da antropologia ou da
sociologia. Como, por exemplo, a ação social, a imaginação, o
aprender a aprender, a formação humana, o ensinamento, o
aprendizado cultural, os rituais, a linguagem e a performance.
Significa dizer que a corporalidade do ser humano está inserida
em um contexto histórico-cultural, porque o ser humano está
contido dentro do mundo e também contém o mundo em sua
fisicalidade, de maneira que nos relacionamos com outras
pessoas e com o mundo em volta delas. Também são
necessários novos métodos que possibilitem pesquisar sobre
novas perspectivas, temáticas e problemáticas sobre o corpo.
Dessa forma, esse texto levanta algumas questões a
partir das abordagens apresentadas: Como a educação do lar,
por meio da tonalidade de voz, da maneira de se portar à mesa,
de gesticular uns com os outros (entre familiares, irmãos, ou
pais e filhos), de sentar ao sofá, da higienização do corpo,
influenciam na corporalidade da criança e na formação do ser
humano? As ações corpóreas são acolhedoras ou repressivas,

- 221 -
autônomas ou dependentes, intuitivos ou conscientes,
normatizadores ou diversificados? As ações corpóreas
implicam em ajuda mútua ou de subserviência? É importante
ressaltar que esses questionamentos estão vinculados à
culturalidade e historicidade de um contexto. Logo, cada
contexto apresentará as suas mais variadas e específicas
manifestações corpóreas, nas quais estão envolvidos a
educação do lar e escolar, religião, política, vida social, mídia
(tv e internet), ambiente, alimentação, paladar, gênero,
identidade, geração, game, espaço, tempo, memória e ética,
entre outros.

Os possíveis pontos de ligação entre corpo e educação parecem


ser quase ilimitados. O corpo pode ser objeto de questões
antropológicas e sociológicas, mas também psicanalíticas, médicas,
esportivas, pode ser examinado quanto ao gênero, seu repertório
comunicativo, a saúde ou a capacidade de aprender. Parece, portanto,
apropriado encontrar uma abordagem teórica geral e métodos que
contemplem e direcionem as investigações para além da
representação do corpo, visto que as tentativas avançaram em críticas
e temáticas de pesquisa. Contudo, é preciso desenvolver
heuristicamente a interdisciplinaridade da investigação entre natureza
e cultura sobre o corpo na educação que seja capaz de suportar as
múltiplas perspectivas e complexidade de fenômenos.

- 222 -
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- 225 -
Reformas e iniciativas que favoreceram a proliferação de
discursos disciplinares no Brasil

Fernanda Monteiro Rigue36


Tascieli Feltrin37

Introdução
O movimento que colocou uma rede de escolas nacionais no
centro das atividades educativas no Brasil, possui um longo percurso
de tentativas, continuidades e descontinuidades, no que se refere às
investidas individuais e coletivas para que isso fosse possível. Até que
o Estado brasileiro tivesse o poder de decidir e gerir a educação
nacional, foi preciso que muitos trajetos fossem trilhados, desde a
vinda dos padres da Companhia de Jesus para a antiga colônia
portuguesa, até a ascensão do Regime Militar, anos mais tarde, em
meados de 1964.
Entre esses dois momentos extremos, acontecimentos de
cunho econômico, político e militar contribuíram para que uma rede
de escolas fosse instaurada, de modo a abranger todos os cantos do

36
Licenciada em Química pelo IF Farroupilha/SVS. Mestra em Educação pelo
Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM). Doutoranda em Educação pelo PPGE da UFSM.
37
Licenciada em Letras Português/ Espanhol e respectivas Literaturas. Especialista
em Gestão Educacional. Mestra em Educação pelo Programa de Pós-graduação em
Educação (PPGE) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

- 226 -
Brasil, em um objetivo curricular. Um projeto de educação comum
para todas as crianças e jovens brasileiras, o que Gallo (2013, p. 08)
chamaria de uma Educação Maior - “uma educação maior pode ser
pensada como aquela que se produz como modelo de ação, segundo
os parâmetros do projeto moderno de educação como emancipação
humana”, a qual biopoliticamente, se expande para as mais diversas
instâncias, institucionalizadas ou não.
Ora, é aqui que a “Educação Maior” coextende-se e relaciona-
se com a visão totalizadora e unificada de uma escola para todos. A
escolarização nacional passa, por um longo período, em que sucessivas
reformas do ensino vão preparando o cenário nacional para a fixação
de rituais escolares e burocráticos que encontraram seu ápice com a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 1971. A
LDBEN, passa a regulamentar os saberes e abrangências da educação
em todo o território. Conforme argumenta Corrêa (2006, p. 23),

Embora haja muitos tipos de escola, e com as mais


variadas e até antagônicas finalidades, há, entre
todas elas, um laço muito forte e que as faz
atuantes em um processo que chamo de
escolarização. A obediência a uma lei de alcance
nacional regula desde a freqüência de todos os
jovens futuros cidadãos à escola, passando pela
seleção dos conteúdos adequados, até a formação
do verdadeiro exército docente responsável pela
manutenção das características do ensino que
interessam ao programa de governo do Estado — o
laço fundamental do processo de escolarização.

- 227 -
A manutenção das características que o autor supracitado
explicita, aliada aos conteúdos mínimos do currículo constitui, em
meio a esse contexto, uma educação escolarizada. A partir da LDBEN
de 1971, é possível constatar que à significação dos sentidos das
palavras educação e escolarização modificam-se, conforme
argumenta Corrêa (2000):

O primeiro vem como uma das características


importantes que distinguem o gênero humano a
partir da faculdade da memória a partir da
faculdade da memória e da sua capacidade de
construir ferramentas aliadas à vida em sociedade,
na consequente mão destes aspectos na
construção da cultura. Deste modo ser humano em
sociedade implica estar envolvido por situações de
educação, seja de um indivíduo com outro; do meio
social para com o indivíduo e vice-versa; e ainda, do
indivíduo e ele mesmo com tudo que o cerca: a
auto-educação – ou a leitura que o indivíduo faz do
mundo a partir de suas expectativas e capacidades.
[...] A escolarização, por sua vez, é também
educação só que vinculada a objetivos
institucionalizados. Almeja-se com ela um tipo de
homem e um tipo de sociedade. A escola funciona
dentro desses objetivos como máquina, aparelho
ou dispositivo que pode ser acionado pelo centro
de decisões de qualquer poder (religioso e/ou
político e/ou econômico) que esteja em vigência,
onde se processa a fabricação desses indivíduos
“ideais” e, na lógica desses poderes,
consequentemente, da sociedade (p. 73-74).

Nesse sentido, a caracterização e o reconhecimento da


educação enquanto escolarização, por meio da LDBEN de 1971,

- 228 -
acabou por reduzir o amplo leque de possibilidades educacionais das
múltiplas culturas, etnias, contextos e realidades desse país
continental, que é o Brasil, conformando e estabelecendo a educação
na institucionalização da escola. Para Gallo (2013, p. 05), a escola
“como máquina de ensino oficial, coloca a criança no contexto de
coordenadas semióticas pré-estabelecidas, nas quais ela é treinada –
seja para mandar, seja para obedecer”.
Os mecanismos utilizados para que a escolarização da
modernidade fosse aceita e aclamada pelas multidões foram as mais
diversas, desde recursos federais investidos, estratégias psicossociais,
até às subjetivações proliferadas por meio de discursos e práticas
institucionalizadas. Para Gallo (2013, p. 01),

Se compreendermos isso que se convencionou


denominar “modernidade” como um amplo
projeto social, político, antropológico e
gnosiológico, é evidente que a educação (seja
como teoria seja como conjunto de processos
formativos) ocupou nele um papel de destaque.

No sentido de compreender esses movimentos, o presente


artigo visa problematizar algumas das principais iniciativas
desenvolvidas no campo escolarizador nacional. Dá-se destaque ao
papel discursivo das Reformas de Francisco Campos, Gustavo
Capanema e a LDBEN de 1971, no que se refere à instauração de uma
nova forma de pensar o que vinha sendo desenvolvido no campo
educacional no Brasil. Por meio de uma revisão bibliográfica de cunho

- 229 -
qualitativo, problematiza-se alguns dos processos que contribuíram
para a estratégia de individualização de todos e cada um, por meio da
totalização de uma rede de escolas.
É nesse contexto que as necessidades educacionais foram
intensamente produzidas. Relações econômicas, sociais, políticas e
militares deslocam os interesses educacionais em consonância à uma
nova verdade cartesiana e progressista emergente no cenário
internacional. Por isso, interessa compreender as condições de
possibilidade que produziram a consolidação de um currículo mínimo
nacional na LDBEN de 1971, principalmente sob a perspectiva do papel
discursivo decorrente da formalização da Reforma Francisco Campos
e Reforma Gustavo Capanema.
É importante, para isso, destacar a noção de discurso que se
fala.

O que me interessa, no problema do discurso, é o


fato de que alguém disse alguma coisa em um dado
momento. Não é o sentido que eu busco
evidenciar, mas a função que se pode atribuir uma
vez que essa coisa foi dita em um dado momento
[...] Para mim, trata-se de considerar o discurso
como uma série de acontecimentos, de estabelecer
e descrever as relações que esses acontecimentos
– a que podemos chamar de acontecimentos
discursivos – mantêm com outros acontecimentos
que pertencem ao sistema econômico, ou ao
campo político, ou às instituições (FOUCAULT,
2010, p. 255- 256).

- 230 -
A fim de analisar, de certa forma, os discursos vinculados a cada
reforma, concentra-se nesse estudo em considerar qualitativamente
os efeitos de uma prática e sua versão histórica que subjaz o que
vivemos e pertencemos hoje, no que diz respeito à prática e aos
preceitos de uma cultura escolar. Ao mesmo tempo, como o
movimento pós-estruturalista, este estudo propõe-se problematizar
no campo discursivo, acerca da prática formadora de crianças e jovens
nesse ambiente.

Escolarização nacional: breve apanhado histórico


Antes mesmo que o Brasil se inserisse no status do cenário
internacional, sob a promessa da égide de país em situação de
subdesenvolvimento, foi preciso que o eixo psicossocial que
caracterizava a educação fosse totalmente transformado, no que diz
respeito à objetivos, habilidades e competências bem como currículos
mínimos para crianças, jovens e também professores, visto que até a
LDBEN de 1971 ainda não possuíamos uma lei nacional de largo
alcance que gerisse o modo como à educação escolarizada era
pensada, planejada e exercida em todo o território nacional.
No entanto, para que isso se materializasse na prática e tivesse
uma grande adesão por parte da população brasileira, foi preciso abrir
mão, melhor dizendo, tornar informal/não formal as iniciativas
realizadas anteriormente. Como por exemplo, a educação indígena; a

- 231 -
educação proferida pelos padres da Companhia de Jesus; a educação
dos povos africanos; a escola rural, etc.
Ao problematizarmos esse processo de inserção de um
currículo mínimo nacional, pensamos modos que constituem e
possibilitam fabricar forças importantes para criar uma nova lógica de
operar a educação nacional. Dentre essas forças está a Reforma
Francisco Campos.

Reforma Francisco Campos


Francisco Campos fora Ministro do Ministério da Educação e
Saúde Pública, conhecida como MESP, de 1930 até 1932. Sua atuação,
esteve estreitamente relacionada com o interesse por aperfeiçoar o
que vinha sendo feito até então no Brasil, com ênfase nos métodos de
ensino. Conforme argumenta Fausto (2001) “a educação entrou no
compasso da visão geral centralizadora” (p. 188), isso porque nesse
período o Brasil vivia a ascensão de um governo populista, coordenado
por Getúlio Vargas.
Para Corrêa, Campos “[...] foi responsável pela primeira
reforma educacional de caráter nacional que se estendia ao ensino
secundário, comercial e superior” (2006, p. 55-56). Francisco Campos
publicou, no ano de 1940, sua obra intitulada “O estado nacional, sua
estrutura, seu conteúdo ideológico”, que projetava uma nova ordem
de funcionamento e logística da escolarização no Brasil.

- 232 -
Em 1931, Francisco Campos inicia sua reconhecida Reforma do
Ensino Secundário no Brasil. Situada no período da Era Vargas, a
Reforma do Ensino, proposta por Campos é a primeira de caráter
nacional.
Os pilares fundantes de sua atuação à frente do Ministério da
Educação foram a criação de uma cultura nacionalista ufanista em
defesa da pátria, e alto investimento na centralização do ensino
através da proliferação de mecanismos de controle como senso
escolar, e exames de verificação de qualidade.

Figura 1: Retrato de Francisco Campos.

Fonte: HELB. com. org.

São marcas de sua atuação as campanhas em prol da


obrigatoriedade do ensino; a retomada do poder da Igreja católica
através da institucionalização da oferta da disciplina de Ensino
Religioso no currículo. Segundo João Cardoso Palma Filho, a própria
escolha de Campos para o cargo de ministro estava já envolvida com
sua afinidade ao movimento de Renovação Católica. Segundo o autor,

- 233 -
Cabe lembrar que a indicação de Francisco Campos
para a pasta da Educação contou com forte apoio
da igreja católica, a partir de uma liderança
prestigiosa do catolicismo, representado pelo
intelectual Alceu de Amoroso Lima (Tristão de
Ataíde). Desse modo, Vargas procurava atrair o
apoio do clero católico. Tanto é que concordou
com o fim do ensino laico, facilitando, com sua
interferência, a volta do ensino religioso católico,
principalmente, no ensino primário (PALMA FILHO,
2005, p. 03).

A Reforma, proposta por Campos, inseriu alguns elementos na


estrutura de ensino do país, os quais perduram ainda hoje. Tais como
a seriação do currículo, a necessidade de uma frequência mínima
obrigatória, a divisão do ensino em duas etapas ou ciclos: fundamental
e médio. A Reforma, ainda, estabeleceu a articulação entre as duas
etapas obrigatórias com o ingresso no nível superior através da
exigência de comprovação da realização das mesmas e também por
meio de provas oficiais. Conforme apresenta o documento,

Art. 4º O curso complementar, obrigatório para os


candidatos à matrícula em determinados institutos
de ensino superior, será feito em dois anos de
estudo intensivo, com exercícios e trabalhos
práticos individuais, e compreenderá as seguintes
matérias: Alemão ou Inglês. Latim, Literatura,
Geografia, Geofísica o Cosmografia, História da
Civilização, Matemática, Física, Química, História
natural, Biologia geral, Higiene, Psicologia e Lógica,
Sociologia, Noções de Economia e Estatística,
História da Filosofia e Desenho. [...] Art. 9º Durante
o ano letivo haverá ainda, nos estabelecimentos de

- 234 -
ensino secundário exercícios de educação física
obrigatórios para todas as classes (BRASIL, 1931).

As escolas particulares passaram a ser avaliadas e fiscalizadas


da mesma maneira que as públicas, sendo que tiveram de adaptar seus
currículos à proposta da Reforma. Em sua redação final o Decreto – Lei
n° 19. 890, de 18 de abril de 1931 estipula, em seu artigo terceiro as
seguintes disciplinas, como obrigatórias a todas as escolas no território
nacional:

Art. 3º Constituirão o curso fundamental as


matérias abaixo indicadas, distribuidas em cinco
anos, de acordo com a seguinte seriação: 1ª série:
Português - Francês - História da civilização -
Geografia - Matemática - Ciências físicas e naturais
- Desenho - Música (canto orfeônico). 2ª série:
Português - Francês - Inglês - História da civilização
- Geografia - Matemática - Ciências físicas e
naturais - Desenho - Música (canto orfeônico). 3ª
série: Português - Francês - Inglês - História da
civilização - Geografia - Matemática - Física -
Química - História natural - Desenho - Música
(canto orfeônico). 4ª série: Português - Francês -
Inglês - Latim - Alemão (facultativo) - História da
civilização - Geografia - Matemática - Física -
Química - História Natural - Desenho. 5ª série:
Português - Latim - Alemão (facultativo) - História
da civilização - Geografia - Matemática - Física -
Química - História natural - Desenho (BRASIL,
1931).

As contribuições da Reforma para o cenário educacional são


indiscutíveis, no entanto, autores como Romanelli (1999) e Palma Filho
(2005) chamam a atenção para o caráter elitista da composição

- 235 -
curricular, reflexo direto do campo ideológico e político em disputa no
cenário político da época.

O currículo enciclopédico, aliado a um sistema de


avaliação extremamente rígido, controlado do
centro, exigente e exagerado, quanto ao número
de provas e exames, fez que a seletividade fosse a
tônica de todo o sistema. Ambos os decretos
estabeleciam, por seus artigos, processo de
avaliação altamente seletivo. Para uma média de
10 disciplinas anuais, estavam prescritas em lei,
para cada disciplina: a) uma arguição mensal; b)
uma prova parcial a cada dois meses; c) um exame
final. A nota final seria a média das notas mensais
de arguição, das provas parciais e do exame final de
cada disciplina. Isso tudo equivalia,
aproximadamente, para o ano todo, 80 arguições
ou provas mensais, 40 provas parciais e 10 provas
finais, num total de 130 provas e exames, o que
durante o período letivo, equivaleria a, pelo
menos, 1 prova a cada 2 dias de aula. Vê-se,
portanto, que não se tratava de um sistema de
ensino, mas de um sistema de provas e exames. E
é evidente que o aluno que conseguisse varar ileso
o sistema, ao longo dos seus 5 ou 7 anos de
duração, era realmente privilegiado (ROMANELLI,
1999, p. 137).

A proposta curricular, conforme, apontam os autores citados,


com grande ênfase nas disciplinas humanísticas como as Línguas
estrangeiras e às Ciências Naturais, se afasta muito da realidade de
grande parte da população do país, que não seria público alvo do
Ensino Superior devido à gritante necessidade de se inserir, ainda em
idade escolar, no contexto do mercado de trabalho.

- 236 -
Reforma Gustavo Capanema
Gustavo Capanema, sucessor de Francisco Campos a frente do
Ministério da Educação, desempenhou também um crucial e
importante papel para a afirmação e consolidação posterior de um
projeto e modelo educacional no Brasil. Durante o ano de 1937,
apresenta ao então presidente Getúlio Vargas uma estrutura ampla
acerca do projeto de reforma educacional – O Plano Nacional de
Educação, o qual se relaciona abertamente com o interesse pela
infiltração dos ideais totalitários Nazifascistas no território nacional.
Tal projeto de reforma de ensino previa a criação de distinções entre
o ensino masculino e o feminino, através da implantação do chamado
“ensino doméstico”, destinado às meninas de faixa etária entre doze a
dezoito anos de idade.
A ideia original que balizou esse plano não teve considerável
aceitação, não chegando a ser posta em prática na rede pública,
devido a impossibilidade de oferecer dois tipos de ensino diferentes
na estrutura escolar ainda frágil e escassa naquele contexto. No
entanto, tais ideias foram amplamente utilizadas como eixo norteador
em muitas instituições católicas e, estão mantidas na escrita da Lei
Orgânica do Ensino Secundário.

É recomendável que a educação secundária das


mulheres se faça em estabelecimento de ensino
secundário de exclusiva frequência feminina. 2-

- 237 -
Nos estabelecimentos de ensino secundário
frequentados por homens e mulheres, será a
educação destas ministrada em classes
exclusivamente femininas. Este preceito só deixará
de vigorar por motivo relevante, e dada especial
autorização do Ministério da Educação. 3- - Incluir-
se-á na 3° e na 4° séries do curso ginasial e em todas
as séries dos cursos clássico e científico a disciplina
de economia doméstica. 4- A Orientação
metodológica dos programas terá em mira a
natureza da personalidade feminina e bem assim a
missão da mulher dentro do lar (BRASIL, 1942).

Além disso, Capanema ainda foi o principal responsável pela


criação de órgãos relacionados ao desenvolvimento técnico-industrial
do país, diretamente ligados e dependentes ao setor econômico e
privado. São eles o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(SENAI), o Instituto Nacional de Serviços Pedagógicos (INEP) e o
Serviço Nacional de Radio fusão Educativa, entre outros.

Figura 2: Gustavo Capanema, no exercício de suas funções a frente do


Ministério da Educação. Fonte: Google Imagens.

- 238 -
Além disso, sua atuação em frente ao Ministério da Educação
defendeu abertamente a utilização da rede educacional para a difusão
das ideias nacionalistas e para a incorporação dos cidadãos ao plano
de governo totalitário adotado pelo então presidente Getúlio Vargas.
Conforme argumenta Schwartzman,

Dentro do espírito do Estado Novo, o Ministério


Capanema tratou de centralizar, tanto quando
possível, a educação nacional (é de justiça assinalar
que o centralismo não se originou com Capanema,
estando também presente na legislação
promulgada por Francisco Campos, em 1931, com
raízes muito anteriores). Esta centralização foi,
sobretudo, normativa. O Estado se sentia na
necessidade de fixar, em lei, todos os detalhes da
atividade educacional, dos conteúdos dos
currículos aos horários de aula, passando pelas
taxas cobradas aos alunos. O ideal, uma vez
expresso, era repetir no Brasil o orgulho que diziam
ter sido de Napoleão, ou seja, o de poder, em seu
gabinete, saber a cada momento o que estava
ensinando cada professor em qualquer parte do
território nacional. A idéia de que as universidades,
pelo menos, pudessem ter autonomia, era aceita
em princípio desde a legislação promulgada em
1931 por Francisco Campos, mas desde então
também cerceada pela noção, hoje tão conhecida,
de que elas “ainda não estavam preparadas” para
isto. O conteúdo do ensino deveria ser fixado por
lei e sua manifestação concreta fixada em
instituções-modelo - o Colégio Pedro II e a
Universidade do Brasil - que todos deveriam copiar.
As instituições de ensino não poderiam crescer aos
poucos e ir definindo seus objetivos ao longo do
tempo. Mais inaceitável ainda seria a idéia de que
elas pudessem evoluir segundo formatos, modelos

- 239 -
e conteúdos distintos, Não havia lugar para
incrementalismo e muito menos para pluralismo
(SCHWARTZMAN, 1985, p. 166-167).

Nesse sentido, pode-se considerar que a Reforma desenvolvida


por Gustavo Capanema vai concentrar forças em questões
importantes para o que viria a se tornar posteriormente uma rede de
escolar no Brasil, com a LDBEN de 1971. A disciplina, o civismo, o
patriotismo e a valorização do trabalho e da obediência como virtudes
necessárias para o exercício da cidadania, são cruciais para o que ele
tentou implementar durante o período Estadonovista no Brasil.

LDBEN de 1971
Anos mais tarde, através da formalização da LDBEN nº 5. 692
de 1971 criaram-se, condições de possibilidades para uma rede de
Escolas no território nacional, pública, para todos os jovens brasileiros.
A referida lei fixou às diretrizes e bases para o Ensino de 1º e 2º Graus,
dando também outras providências, como por exemplo a existência
dos cursos de Licenciaturas. Com a LDBEN emergiu a legitimação e a
necessidade das Licenciaturas Plenas, tendo em vista as
especificidades e peculiaridades das diferentes áreas do
conhecimento. Com base no Artigo 30, da referida lei, é possível
perceber a ênfase dada a necessidade de habilitação específica, obtida
através do curso superior correspondente a licenciatura, para atuação
docente no ensino de 1º (dos 7 aos 14 anos) e 2º graus (dependente
da conclusão do ensino de 1º grau).

- 240 -
O 2º grau que visa, conforme apresenta o Artigo 21, a formação
integral do adolescente, ainda não apresenta caráter obrigatório na
LDBEN de 1971, assim como o ensino de 1º grau (antigo ensino
primário). Por sua vez, com essa lei é possível perceber a necessidade
de habilitados em licenciatura direcionada para as diferentes áreas do
conhecimento, em virtude das exigências do ensino de 2º grau
estarem voltadas para o desenvolvimento econômico e tecnológico do
país.
Conforme argumentam Corrêa e Preve (2011):

A partir da LDB de 1971, as escolas passaram,


definitivamente, a monopolizar as atividades
educacionais em todo território nacional. Foi um
período contraditório: ao mesmo tempo em que se
expandia a rede escolar como signo de
oportunidade para a promoção social, intelectual e
cidadã, se executava a mais importante e vultosa
obra de uniformização cultural sob os auspícios e
direção técnica do governo militar, sob o signo
férreo da segurança nacional. A escola como
direito, é coextensiva a escola como obrigação (p.
191).

A reflexão de Preve e Corrêa defende que a legalização da


LDBEN de 1971 abriu portas para uma espécie de uniformização da
educação, em contraste com o que era desenvolvido no Brasil até
então. Uma nova ordem educativa aqui toma espaço, a materialização
de escolas e instituições de ensino. Apenas no ano de 1996 o ensino
de 2º grau foi considerado obrigatório para os jovens. É em 1971, que

- 241 -
se consolidam as bases curriculares que norteariam o funcionamento
desse grau.
A escola enquanto direito obrigatório assume, nesse contexto,
um papel importante, relacionando-se a incorporação de conteúdos
mínimos e também da disciplina enquanto componente curricular
subjetivo. É o disciplinamento do corpo que materializaria o processo
de passar pela escola. Conforme apresenta Kant em relação à
disciplina, pode-se considerar que,

A disciplina é o que impede o homem de desviar-se


do seu destino, de desviar-se da humanidade,
através das suas inclinações animais. Ela deve, por
exemplo, contê-lo, de modo que não se lance ao
perigo como um animal feroz, ou como um
estúpido. Mas, a disciplina é puramente negativa,
porque é o tratamento através do qual se tira do
homem sua selvageria; a instrução, pelo contrário,
é a parte positiva da educação (KANT, 1996, p. 12).

Com base no que argumenta Kant, o que se pode considerar é


que quando se estabelece uma disciplina nega-se ao homem a
possibilidade de ele ser o que é. Nas palavras de Gallo (2013, p. 02) “É
ela quem nos submete às “leis da humanidade” e com isso humaniza
os seres humanos”. Com base nesse processo de humanização do ser
humano, que tem forte relação com o processo de disciplinarização da
educação, Gallo (2013) argumenta que esse processo de humanização
se dá em quatro etapas:

- 242 -
São quatro as etapas do processo educativo: a
disciplinarização do indivíduo; a instrução, que o
coloca no mundo da cultura; o fazer com que ele se
torne prudente, reconhecendo seu lugar social; a
moralização, de modo que ele seja capaz de
escolher bons fins (cf. Kant, 1996, p. 26-27). É
passando por esse processo que um ser humano se
torna esclarecido e emancipado; em outras
palavras, adquire maioridade (GALLO, 2013, p. 02).

É nessas quatro etapas em que o processo educativo


escolarizado opera. Ademais, ser reconhecido enquanto ser
emancipado e humanizado na escolarização está fortemente
dependente a esse contexto alcançado (aprovado) de escolarização. É
nesse sentido, que a LDBEN de 1971 constitui uma espécie de espinha
dorsal, eixo norteador, para a noção de educação nacional que
perduraria até os dias contemporâneos. De norte a sul, de leste a
oeste, as escolhas e os discursos contemplados na LDBEN, seriam um
balizador da rede de escolas que seria desenvolvida em todo o
território nacional.

Considerações finais
Com base na construção desse breve apanhado histórico
acerca da instauração de um discurso em prol da necessidade de uma
educação escolar para todos no Brasil, foi possível perceber que
muitas investidas individuais e coletivas foram empenhadas para
produzir e construir uma rede de escolas, para crianças e jovens no

- 243 -
cenário do país, desde os anos mais remotos no campo da política,
econômico e social.
Os reflexos desses diversos discursos proliferados produziram
uma série de efeitos, na atual conjuntura educacional brasileira:
exacerbado contingente de conteúdos e disciplinas que os estudantes
precisam ‘aprender’ e os professores ‘ensinar’; inúmeras
avaliações/testes internas e externas de desempenho escolar;
horários para entrada e saída de sala de aula; conteúdos básicos, etc.
Por reconhecer essa realidade materializada e prática que está
presente na vida de todos aqueles que constituem a comunidade
escolar, buscamos, nessa oportunidade, apresentar e compreender as
principais iniciativas desenvolvidas no campo educacional, no que diz
respeito às principais reformas que impactaram no ensino básico
brasileiro.
As três referidas iniciativas: Reforma Francisco Campos, a
Reforma Gustavo Capanema e a LDBEN de 1971 contribuíram para a
produção de discursos que impulsionaram uma visão do que seria uma
ideal educação escolar. Os efeitos produzidos nessas reformas
concentram-se, principalmente, na existência de disciplinas
específicas, das diferentes áreas do conhecimento, que tramam um
currículo mínimo para todos e cada um, no cenário educacional
obrigatório brasileiro.

- 244 -
Referências

BRASIL. Lei nº 5692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases


para o ensino de 1o e 2o graus, e dá outras providências. In: MEC.
Ensino de 1º e 2º graus. MEC/SEED/FUNDEPAR: Curitiba, 1971, p. 17-
29.

______. DECRETO N. 19. 890 - DE 18 DE ABRIL DE 1931. Reforma do


Ensino Secundário e Superior.

CAMPOS, Francisco. O estado nacional, sua estrutura, seu conteúdo


ideológico. 2. ed. Rio de Janeiro: Liv. José Olympio, 1940.

CORRÊA, Guilherme Carlos. O que é a escola? In: Maria Oly Pey (Org.).
Esboço para uma história da escola no Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro:
Achiamé, 2000, v., p. 51-84.

CORRÊA, Guilherme Carlos. Educação, comunicação, anarquia:


procedências da sociedade de controle no Brasil. São Paulo: Cortez,
2006.

CORRÊA, Guilherme Carlos; PREVE, Ana Maria Hoepers. A educação e


a maquinaria escolar: produção de subjetividades, biopolítica e fugas.
In: Revista de Estudos Universitários (REU), Sorocaba, v. 37, n. 2, p.
181-202, dez. 2011.

FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2001.

FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos IV. Estratégia, saber- poder. 2 ed.


Trad. Vera Lucia Avellar Ribeiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2010.

GALLO, S. Em torno de uma educação menor: variáveis e variações. In:


36ª Reunião Nacional da ANPEd, 2013, Goiânia. Sistema Nacional de
Educação e Participação Popular: desafios para as políticas
educacionais. Goiânia: ANPED 2013. p. 1-12.

- 245 -
KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Piracicaba: Ed. Unimep, 1996.

PALMA FILHO, João Cardoso (Org.). A Educação Brasileira no Período


de 1930 a 1960: a Era Vargas. Pedagogia Cidadã. Cadernos de
Formação. História da Educação. 3. ed. São Paulo: PROGRAD/UNESP-
Santa Clara Editora, 2005 – p. 61-74.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil. 23. ed.


Petrópolis (RJ): Editora Vozes, 1999.

SCHWARTZMAN, Simon. Gustavo Capanema e a educação brasileira:


uma interpretação. Publicado na Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos, 66 (153), 165-72, maio/ago 1985.

- 246 -
Formações continuadas e Análise Linguística na sala de aula:
contribuições (ou não) para a prática docente

Carlos Eduardo B. Alves38


Ângela Valéria Alves de Lima39

Formação Continuada de Professores: rápida introdução


A relação entre formação inicial, práticas docentes e formação
continuada tem se constituído em objeto de grandes debates e
discussões tanto no âmbito acadêmico como nos espaços de
Secretarias de Educação e, também, no interior das unidades
escolares. Os desafios contemporâneos postos pelos movimentos
sociais, políticos e econômicos exigem um novo olhar para as práticas
pedagógicas dos professores, uma vez que os estudantes confiados a
estes educadores terão pela frente várias provocações que lhes
exigirão saberes, competências e habilidades que atendam às
demandas atuais. Fortalecendo o ideário exposto, Gatti (2008)
evidencia que:

Nos últimos anos do século XX, tornou-se forte, nos


mais variados setores profissionais e nos setores
universitários, especialmente em países
desenvolvidos, a questão da imperiosidade de
formação continuada como um requisito para o
trabalho, a ideia da atualização constante, em

38
Universidade Federal Rural de Pernambuco /Unidade Acadêmica de Garanhuns
39
Universidade Federal Rural de Pernambuco /Unidade Acadêmica de Garanhuns

- 247 -
função das mudanças nos conhecimentos e nas
tecnologias e das mudanças no mundo do trabalho.
Ou seja, a educação continuada foi colocada como
aprofundamento e avanço nas formações dos
profissionais (p. 58).

Nesse sentido, o fazer docente precisa ser pautado na


construção de ações educacionais que superem paradigmas
cristalizados, como a compartimentalização dos conteúdos, e que
efetivem um ensino baseado num aprender enquanto processo
permanente. Entretanto, a formação inicial dos docentes é, muitas
vezes, aligeirada e precária. Por isso mesmo, ela tem se mostrado
desafiadora quando se percebe a educação como um bem universal e
direito humano e social na construção da cidadania ativa.
Vale a pena, ainda, ponderar que o processo de formação contínua,
que se entende como um movimento realizado durante toda a vida
profissional do docente, traz consigo o preceito de que não deve existir
ruptura entre o tempo de aprender e de trabalhar. Assim, se
estabeleceria o princípio mobilizador da reflexão sobre a prática
pedagógica e que, segundo Schön (2000), seria fruto da necessidade
de unir conhecimento teórico e prático, já que o docente vive num
mundo marcado pelas urgências e incertezas de suas ações, diante de
uma sociedade normatizada pelos muitos avanços tecnológicos e
velocidade informacional.

- 248 -
Formação Continuada no Brasil: algumas considerações
No Brasil, a discussão sobre formação continuada dos
profissionais do magistério ganhou relevo a partir da promulgação da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN nº 9394/96,
de 20 de dezembro de 1996. A referida Lei realça a importância das
formações continuadas, definindo-as como um elemento constituinte
da política de valorização dos profissionais da educação; outrossim,
preceitua a garantia de um período da carga horária dos professores
dedicado a estudos, planejamentos e avaliação. Também na década
de 1990, assistiu-se ao processo de globalização da economia, bem
como ao desenvolvimento tecnológico, fatores que por si mesmos já
requisitavam do professorado novos posicionamentos e
procedimentos na oferta do ensino. Acrescente-se, ainda, o fato de os
governos constatarem o baixo desempenho escolar de grande parte
da população, a partir dos resultados obtidos em avaliações de larga
escala.
Da congregação desses fatores, surgiram várias propostas de
políticas públicas que propunham mudanças nos currículos de todos
os níveis de ensino; asseguravam materiais de apoio, tais como livro
didático e livros de literatura para acervo de bibliotecas e acervo
pessoal dos estudantes; incitavam mudanças nos cursos de
licenciatura, espaço de formação inicial dos professores, que seriam
responsáveis pela formação dos futuros alunos; e pleiteavam

- 249 -
investimentos na formação continuada de professores com vistas à
melhoria da atuação docente.
Esse composto de ações foi se consolidando e se aperfeiçoando
ao longo dos anos e a formação continuada, elemento constituinte
desse conjunto, adquiriu o status de

um direito de todos os profissionais da educação,


além de seu oferecimento ser também um dever
das instituições nas quais estes profissionais
atuam, sendo fundamental, portanto, que as
condições para a operacionalização da formação
continuada sejam criadas e garantidas (OLIVEIRA,
2012, p. 18).

Desse modo, os desafios postos pelos movimentos sociais,


políticos e econômicos e que ensejam um novo olhar para a ação
docente foram contando com profissionais cada vez mais sensíveis à
necessidade de considerarem, por exemplo, os aspectos cognitivos,
emocionais e físicos dos estudantes por eles atendidos.
As discussões sobre a formação continuada no Brasil tiveram
expressão significativa fazendo despontar iniciativas cujo teor eram
atividades formativas após o curso superior. Como desdobramento,
essas iniciativas foram oferecidas aos docentes sob diversas
configurações. Gatti (2008) elenca, dentre elas,

horas de trabalho coletivo na escola, reuniões


pedagógicas, trocas cotidianas com os pares,
participação na gestão escolar, congressos,
seminários, cursos de diversas naturezas e

- 250 -
formatos, oferecidos pelas Secretarias de Educação
ou outras instituições para pessoal em exercício
nos sistemas de ensino, relações profissionais
virtuais, processos diversos à distância (vídeo ou
teleconferências, cursos via internet, etc.), grupos
de sensibilização profissional, enfim, tudo que
possa oferecer ocasião de informação, reflexão,
discussão e trocas que favoreçam o
aprimoramento profissional, em qualquer de seus
ângulos, em qualquer situação (p. 57).

Além desses espaços de formação, a autora ainda sobreleva os


cursos de especialização lato sensu como mais uma ação de formação
continuada voltada para o professorado. No prisma de Oliveira (2006),
o surgimento de distintas iniciativas é oriundo da necessidade de
elevação de escolarização da população brasileira ante o
desenvolvimento social e econômico do país e a inserção dessa
população em um mercado de trabalho cada vez mais exigente e
competitivo. Toda essa diversidade de práticas de formação
continuada foi concebida e efetuada com vistas ao aprimoramento
profissional dos docentes e, por conseguinte, à melhoria da qualidade
da educação ofertada pela escola.
Devemos considerar, também, as orientações contidas nos
Referenciais para Formação de Professores -RFP-, que foram lançados
pelo MEC em 2002 e que objetivam subsidiar as Universidades e
Secretarias de Educação na tarefa de promover nas instituições de
ensino a formação continuada dos seus profissionais. Essas
instituições passam a contar com parâmetros para atender as

- 251 -
vicissitudes dos quadros docentes, no que se refere à formação
docente. Assim, o documento estabelece que a formação continuada

é entendida como um processo contínuo e


permanente de desenvolvimento e o que pede do
professor, disponibilidade para a aprendizagem; da
formação; que o ensine a aprender; e do sistema
escolar no qual ele se insere como profissional,
condições para continuar aprendendo. Ser
profissional implica ser capaz de aprender sempre
(BRASIL, 2002, p. 63).

Toda essa diversidade de práticas de formação continuada foi


concebida e efetuada com vistas a subsidiar o fortalecimento do novo
paradigma educacional, ao aprimoramento profissional dos docentes
e, por conseguinte, à melhoria da qualidade da educação ofertada pela
escola.

Formação Continuada a serviço da Língua portuguesa – contribuições


possíveis
No ensino de Língua Portuguesa, muitos aspectos podem ser
repensados, redimensionados e ressignificados em sala de aula
através dos momentos de estudo coletivo e continuado, já que muitos
educadores concluíram sua formação inicial há alguns anos. Como o
conhecimento não é algo estático e o mundo vive em mutação
constante, muitas discussões brotaram após a formação inicial de cada
docente; também as propostas curriculares se alteraram para
encampar as novas realidades e as recentes contribuições referentes

- 252 -
ao trabalho com Língua em sala de aula. Uma alternativa para o
professor manter-se atualizado é a participação em formações
continuadas que tenham um direcionamento para esses novos
estudos e paradigmas atuais.
Assim, a oferta de formação continuada deve trazer no seu
bojo a interlocução necessária entre as demandas educacionais
emergentes e a reconfiguração dos saberes docentes a serem
mobilizados para o atendimento das mesmas. Nos momentos de
formação, o docente terá, por exemplo, melhores condições de
repensar suas ações a partir de releituras teóricas, de troca de
experiências e aprendizado de assuntos talvez não contemplados em
sua formação inicial. Veiga (2009) valida essa perspectiva ao explicitar
que

a formação de professores é uma ação


contínua e progressiva que envolve várias
instâncias e atribui uma valorização
significativa para a prática pedagógica, para a
experiência como componente constitutivo da
formação [...]. É formulada e trabalhada com
base no conhecimento da realidade concreta.
A prática é o ponto de partida e de chegada ao
processo de formação (p. 27).

Julgamos, pois, que a formação continuada é um meio pelo


qual são fomentadas conexões que ressignificam o aporte teórico e
prático dos educadores de acordo com a realidade que permeia sua
atividade profissional. Por acreditarmos nisso, procederemos, na
- 253 -
sequência, com um levantamento sobre os pontos conceituais da área
de Língua Portuguesa e o seu ensino, mais especificamente aqueles
cujas discussões contemplam o eixo Análise Linguística. Tomemos
como ponto de partida, as concepções de Língua e Leitura e o
entendimento de ensino advindo delas.

Acepções de Língua e Leitura: interface com os tipos de ensino.


A concepção de língua adotada pelos educadores revela muito
sobre a postura de ensino assumida por eles e está intrinsicamente
ligada ao contexto histórico e ideológico no qual cada um construiu
suas experiências. Também, as práticas de linguagem materializadas
em sala de aula são consequências dessas posturas, embora, muitas
vezes, os próprios professores não saibam enunciar ou tenham pouca
clareza sobre as teorias/concepções que sustentam suas práticas.
Nesse sentido, vale a pena um resgate das concepções sobre a Língua
e derivações correlatas a ela, à luz das contribuições de Travaglia
(2008) e Koch e Elias (2013) para a reflexão sobre as diferentes
abordagens praticadas no âmbito da sala de aula. Vejamos:
Língua como representação do pensamento: A primeira
acepção de Língua remonta à ideia de espelho do pensar, tendo como
pressuposição que a capacidade de bem se expressar depende da
organização lógica do pensamento, por meio do qual, o homem
representa para si o mundo. Esse entendimento é simplista porque
ignora a complexidade existente entre a língua e a cognição humana.

- 254 -
Dessa concepção emana, segundo Koch (2009), a ideia de sujeito
“psicológico, individual, dono de suas vontades e de suas ações” (p.
13), responsável pela representação mental construída, almejando sua
total compreensão pelos interlocutores. Por sua vez, o texto é um
produto de natureza cartesiana, nada mais cabendo ao receptor,
senão, a tarefa de ‘interpretar’ as informações veiculadas. A leitura,
pois, é compreendida como uma “atividade de captação das ideias do
autor, sem levar em conta as experiências e os conhecimentos do
leitor, a interação autor-texto-leitor com propósitos constituídos
sociocognitivo-interacionalmente” (KOCH & ELIAS, 2013, p. 10). O foco
dessa concepção recai sobre sujeito/autor e se coliga à uma proposta
de ensino de caráter prescritivo, cujo objetivo é evitar que o aluno
cometa erros de linguagem, substituindo padrões linguísticos tidos
como ‘errados’ por “regras a serem seguidas para a organização lógica
do pensamento e, consequentemente, da linguagem [uma vez que]...
são elas que se constituem nas normas do falar e escrever ‘bem’ ”
(TRAVAGLIA, 2008, p. 21).
Língua como estrutura (Assujeitamento): Se na concepção
anterior a centralidade da comunicação recai sobre um sujeito
responsável pelo sentido, nesta, “o princípio explicativo de todo e
qualquer fenômeno e de todo e qualquer comportamento individual
repousa sobre a consideração do sistema, quer linguístico, quer social”
(Koch, 2009, p. 14). Assim, a Língua é percebida como código,
instrumento de comunicação, somente. Ela se estrutura no tripé

- 255 -
mensagem, emissor e receptor. O sujeito, por seu turno, não tem
consciência sobre o texto, apenas propaga uma ideia de outro, uma
ideologia de outro, assumindo um matiz de passividade. Aqui, o texto
é entendido como um produto codificado pelo seu autor para ser
decodificado pelo leitor, sendo-lhe necessário, meramente, o
conhecimento do código utilizado. O foco, então, recai sobre o texto e
a leitura é concebida como ação centralizada no texto, já que tudo está
dito nele, e que requer do leitor o “reconhecimento dos sentidos das
palavras e estruturas do texto” (KOCH & ELIAS, 2013, p. 10). Nessa
segunda concepção de Língua, o ensino se configura pelo seu teor
descritivo, demonstrando como acontece o funcionamento estrutural
dela e as regras por ela estabelecidas. Por meio desse ensino, busca-
se o desenvolvimento dos estudantes como emissor – receptor de
mensagens, apenas. Travaglia (2008) resume bem essa acepção ao
propor que a concepção de língua como estrutura se limita ao
funcionamento interno da mesma, separando o sujeito do seu
contexto social. Então, os elementos constituintes dessa concepção
não são suficientes para explicar o funcionamento efetivo da língua em
suas inúmeras situações.
Língua como lugar de Interação: Nessa última visão, a Língua é
concebida como ponto de diálogo entre interagentes que fazem uso
da linguagem não só para exprimir um pensamento ou repassar
informações a outros, mas também, para interagirem, levando em
consideração os fatores e as condições de produção do discurso. O

- 256 -
sujeito, na perspectiva em foco, tem uma natureza ativa para a
produção de sentidos. Além disso, é um sujeito social, histórica e
ideologicamente situado que se constitui na interação com o outro,
conforme explicitado por Bakhtin (1997). Por força dessa concepção,
o texto passa a ser abordado não como uma unidade fechada em si e
autossuficiente, mas como o lócus privilegiado para a interação de
sujeitos que nele se constroem e são construídos de maneira dialógica.
As situações, as ideias, as condições, as intenções são responsáveis por
determinar como será produzido o enunciado e seus efeitos de
sentido, se corporificando por meio do texto. Nessa concepção, dá-se
relevo à interação autor – texto – leitor e a leitura assume o status de
uma atividade interativa, altamente complexa de produção de
sentidos e que “se realiza com base nos elementos linguísticos
presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas
requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do
evento comunicativo” (KOCH & ELIAS, 2013, p. 11).
Consequentemente, o ensino da Língua fundamenta-se num teor
produtivo, pois objetiva um trabalho de desenvolvimento de
habilidades linguísticas, considerando o aluno um sujeito histórico e
ativo que se inter-relaciona com outros e se constituindo por
intermédio dessa interação em diversas práticas sociais. O eixo do
ensino de língua materna muda da transmissão de regras gramaticais,
somente, para o desenvolvimento da capacidade de reflexão sobre o
mundo a sua volta utilizando, como instrumento de constituição e

- 257 -
interação social, a língua. O olhar do ensino recai, então, sobre a língua
em uso, privilegiando não só a forma, mas a função e, sobretudo, o
processo.
Essa última concepção de Língua foi ganhando cada vez mais
espaço e hoje, é a concepção que deve permear o trabalho com a
língua materna na sala de aula, nos seus diversos eixos, inclusive no
eixo análise linguística. É sobre esse eixo que teceremos algumas
considerações a seguir.

Eixo Análise Linguística: novas percepções, outros desafios.


O ensino de gramática exclusivamente dirigido por um viés de
cunho normativista, e que durante muitas décadas predominou nas
salas de aula, teve como consequência a má formação dos estudantes
enquanto leitores e produtores de texto, uma vez que o centro das
aulas de língua portuguesa era a gramática normativa, apenas. Nos
últimos anos, entretanto, tem-se percebido, graças às pesquisas na
área da linguística, da sociolinguística, por exemplo, uma diminuição
na abordagem estritamente prescritivista dos fenômenos linguísticos,
trazendo à tona a perspectiva da prática de análise linguística. Tal
prática tem paulatinamente se configurado como uma alternativa
satisfatória e que se fortalece ao lado de propostas discursivas de
leitura e produção de textos. Tematizando sobre a análise linguística,
os PCN (1998) registram que

- 258 -
Tomando-se a linguagem como atividade
discursiva, o texto como unidade de ensino e a
noção de gramática como relativa ao
conhecimento que o falante tem de sua linguagem,
as atividades curriculares em Língua Portuguesa
correspondem, principalmente, a atividades
discursivas [...] que devem permitir, por meio da
análise e reflexão sobre os múltiplos aspectos
envolvidos, a expansão e construção de
instrumentos que permitam ao aluno,
progressivamente, ampliar sua competência
discursiva. Portanto, deve-se ter em mente que tal
ampliação não pode ficar reduzida apenas ao
trabalho sistemático com a matéria gramatical
(BRASIL, 1998, p. 27).

Com base no exposto, o ensino de Língua Portuguesa, desloca


o outrora, objeto central de ensino – gramática normativa- para um
segundo plano, dando relevo a um ensino mais focado “na análise da
funcionalidade dos elementos linguísticos em vista do discurso” (PCPE,
2012, p. 40). Porém, como as ponderações sobre análise linguística
não surgiram com o advento dos PCN, mas já despontavam, ainda que
de modo discreto, então nos anos 80 com a tradicional, mas não
obsoleta obra O texto na Sala de Aula, de Geraldi (1997), acreditamos
ser válido traçarmos um breve painel histórico sobre a disciplina língua
portuguesa em nossas escolas. Faremos um enquadre sobre a
gramática e a abordagem a ela feita nesse trajeto, para notarmos as
mudanças decorrentes das revisões críticas das práticas pedagógicas e
dos estudos linguísticos que também incitaram mudanças.

- 259 -
Análise Linguística: um breve retrospecto
A nossa língua portuguesa foi incluída como disciplina no
currículo escolar a partir do século XIX, mais especificamente nas
últimas décadas do Império, como uma medida resultante da reforma
pombalina. Conforme Soares (2002), essa reforma pode ser tomada
como um marco na inserção e sistematicidade no estudo da língua
portuguesa nas escolas brasileiras, uma vez que, antes da reforma, a
língua latina era ensinada pelos jesuítas. Nesse período, introduziu-se,
também, o estudo de gramática e retórica, afinal a linguagem era
concebida como expressão do pensamento. Assim sendo, quem se
expressasse bem, ‘dominava’ a língua.
Passando por ajustes até o início do século XX, tais como
dissociação do ensino com retórica e a queda de uso e valor social do
latim – fato que levou à eliminação total de seu ensino nas etapas de
escolarização que, hoje, corresponderiam à educação básica- o ensino
de língua portuguesa voltou sua atenção cada vez mais para os estudos
vernáculos. Então, “em junho de 1931, a disciplina passa a ser
denominada de Português, com objetivos e conteúdos fixados pelas
instruções metodológicas para cada disciplina do currículo” (BUNZEN,
2011, p. 896). Tanto nessa década, como na década seguinte, os
compêndios de leitura usados nas aulas de Português apresentavam
um teor prescritivo de valores patrióticos e humanísticos e o uso da
gramática era para que o aluno pudesse se exprimir corretamente.

- 260 -
Nos anos 50, o aumento de possibilidades de acesso à escola
por uma clientela antes excluída, alterou o perfil da escola. Com efeito,
mudanças nas disciplinas curriculares se fizeram necessárias e é aí que,
segundo Soares (1998), gramática e texto começam a constituir uma
disciplina. Ambos se organizam em torno de um único livro e a relação
começa a se aproximar, mas seus conteúdos ainda são divididos em
partes diferentes e não havia nenhuma integração real entre os eixos
de ensino.
Nos anos 60, o ensino de português começou a pautar-se no
desenvolvimento de habilidades de leitura, através de atividades de
compreensão e interpretação, estas se mantiveram em segundo plano
em relação aos estudos de gramática, que por sua vez, eram
influenciados por teorias estruturalistas e mecanicistas. Ainda,
segundo Bunzen (2011), nesse período, “para o tratamento da
Gramática Expositiva, sugeria-se um ensino acentuadamente prático e
derivado de exemplos concretos” (p. 900).
Essa tendência de valorização da teoria gramatical começaria a
se modificar a partir dos anos 70, quando a teoria da comunicação
incitou o ensino a preocupar-se com o uso da língua e a comunicação
entre os falantes, pondo em xeque a primazia do ensino gramatical até
então ofertado nas escolas. É nesse momento da história que a
disciplina Português passa a se chamar ‘Comunicação e Expressão’.
A segunda metade da década de 80 exibiu mudanças
substanciais no ensino de língua materna. A denominação

- 261 -
‘Comunicação e Expressão’ já não era mais adequada, pois já
reverberavam as produções do universo acadêmico, à luz dos estudos
da sociolinguística, da linguística textual, da pragmática e da análise do
discurso e que estavam todos voltados ao ensino de língua materna.
Dos contributos teóricos que fomentaram as mudanças, surgiu a
noção de língua como enunciação, interação. O ensino de gramática
passou a ser visto de modo diferenciado, conforme Soares (1998) nos
apresenta ao declarar que essa nova concepção implicava numa
“gramática que ultrapassa o nível da palavra e da frase e traz nova
orientação para o ensino da leitura e da produção de textos” (p. 59). A
disciplina retorna à nomenclatura anterior – Língua Portuguesa –
ensejando uma mudança não apenas na terminologia, mas também,
no seu próprio bojo, dando mais relevo a certos procedimentos
(leitura, produção e análise linguística) em detrimento de conteúdos
específicos (BUNZEN, 2011).
A incipiência das discussões, embora elas já sinalizassem
avanços, faz com que aflore a necessidade de um aprofundamento,
um aperfeiçoamento das propostas de mudanças já obtidas, inclusive
sobre o mote deste texto: análise linguística. Essas mudanças, como
todas, foram vistas com parcimônia pelos educadores por romper com
uma tradição de décadas. Assim, muitos dos questionamentos
emergentes, bem como discussões mais atualizadas e uma proposta
mais sistematizada do ensino de língua estavam por vir na década de
90 e se configurariam como documento parametrizador do ensino. É

- 262 -
sobre os PCN e suas orientações para o trabalho com análise
linguística, bem como a discussão da mesma sob a ótica de alguns
especialistas, que nos deteremos na próxima subseção.

Eixo Análise Linguística: Documentos oficiais e perspectivas teóricas


se propondo ao diálogo.
As questões educacionais, embora se materializem na
dimensão da sala de aula, ganham aparato e abrangência em nível de
nação por envolverem, também, a dimensão da formulação das
políticas públicas de ensino. Essas políticas nascem sob a forma de
resoluções ministeriais, pareceres, lei de diretrizes e bases, etc. Seja
qual for o formato, a política é implantada e, ao seu tempo,
substituída, sempre sob a argumentação de que é preciso atualizar o
processo de ensino. Nesse sentido, as mudanças discutidas na
subseção anterior desembocaram na referência curricular de língua
portuguesa proposta pelos Parâmetros Curriculares Nacionais -PCN-,
cuja finalidade é apresentar as linhas norteadoras de uma nova
proposta de reorientação dos currículos.
Pormenorizando essas novas indicações curriculares, quanto
ao ensino de gramática, os PCN (BRASIL, 1998), cujas bases são ligadas
às criticas relacionadas ao ensino de língua baseado na prescrição
normativa, se apoiam no trabalho com a análise linguística e sobre
esta, já sinalizam que

- 263 -
Aprender a pensar e falar sobre a própria
linguagem, realizar uma atividade de natureza
reflexiva, uma atividade de análise linguística
supõe o planejamento de situações didáticas
que possibilitem a reflexão não apenas sobre
os diferentes recursos expressivos utilizados
pelo autor do texto, mas também sobre a
forma pela qual a seleção de tais recursos
reflete as condições de produção do discurso.
Deve-se ter claro, na seleção dos conteúdos de
análise linguística, que a referência não pode
ser a gramática tradicional [...] O modo de
ensinar, por sua vez, corresponde a uma
prática que parte da reflexão produzida pelos
alunos e se aproxima, progressivamente, pela
mediação do professor, do conhecimento
gramatical produzido (BRASIL, 1988, pp. 28-
29).

Assim, os PCN sugerem o trabalho com vários aspectos


linguísticos, tais como a variação linguística (modalidades, variedades,
registros); processos de construção de significação; modos de
organização dos discursos, dentre outros, sempre materializados num
gênero textual, objeto de ensino referendado no documento oficial (e
do qual dimanariam, também, atividades voltadas para a leitura,
escuta e produção de textos) e não mais os textos, as frases ou
palavras soltas.
Nos PCPE/LP40 (PERNAMBUCO, 2012), o trabalho com o eixo de
análise linguística foi pautado numa concepção que permeasse todos

40
Os PCPE/LP são integrantes de um composto de 28 volumes que contemplam os

- 264 -
os outros eixos de ensino, por entender-se que refletir sobre a língua
só faz sentido a partir de seus usos reais, em práticas situadas de
leitura, escrita ou oralidade. Dessa forma, a proposição é que os
conteúdos gramaticais passem a ser focados no interior da análise
linguística (que abrangeria também outros conteúdos dado a sua
‘verticalidade’) e, consequentemente, estejam interligados às práticas
de usos da linguagem: produção e compreensão de textos.
Tratando sobre a análise linguística, Geraldi (1997) enuncia que
a análise linguística não se detém às questões tradicionais da
gramática, apenas. Para autor, a análise linguística não desconsidera
tais questões, porém, tem propósitos mais amplos e que se
mostrariam mais produtivos e integradores por considerar aspectos
como “coesão e coerência internas do texto; adequação do texto aos
objetivos pretendidos; análise dos recursos expressivos utilizados
(metáforas, metonímias, paráfrases, citações, discurso direto e
indireto, etc.); organização e inclusão de informações; etc. ” (p. 74).
Sobre a perspectiva de a análise linguística ser integrante do
bojo das práticas de leitura e produção de textos, Geraldi (op. cit)
expressa que

Essencialmente, a prática da análise linguística


não poderá limitar-se à higienização do texto
do aluno em seus aspectos gramaticais e

componentes curriculares da educação básica em suas etapas e modalidades. Eles


se propõem a “orientar o processo de ensino e aprendizagem e as práticas
pedagógicas em sala de aula” (PERNAMBUCO, 2012, p. 13).

- 265 -
ortográficos, limitando-se a “correções” [...]
Chamo a atenção aqui para os aspectos
sistemáticos da língua e não para a
terminologia gramatical com que a
denominamos. O objetivo não é o aluno
dominar a terminologia (embora possa usá-la),
mas compreender o fenômeno linguístico em
estudo (p. 75)

Visto dessa forma, o trabalho com gramática deixa de se basear


em classificações e prescrições, somente, e se debruça sobre a
exploração de recursos linguísticos colocados à disposição dos sujeitos
para a construção de sentidos, por meio de atividades de
compreensão e produção textual: o princípio da análise linguística.
Mendonça (2006), discutindo sobre a análise linguística,
salienta que ela

É parte das práticas de letramento escolar,


consistindo numa reflexão explicita e
sistemática sobre a constituição e o
funcionamento da linguagem nas dimensões
sistêmica (ou gramatical), textual, discursiva e
também normativa, com o objetivo de
contribuir para o desenvolvimento de
habilidades de leitura/escuta, de produção de
textos orais e escritos e de análise e
sistematização dos fenômenos linguísticos (p.
208)

Essa abordagem corrobora com as discussões sobre a temática,


pois é tomada pelo viés que considera a linguagem como forma de

- 266 -
interação e a prática de análise linguística, por conseguinte, também
se reveste de caráter dialógico, voltando-se para os sentidos do texto
e aos significados produzidos pelas situações de interação. Logo, as
práticas de leitura, escrita e oralidade, são perpassadas pela análise
linguística de forma inerente.
De modo análogo aos PCN, os PCPE/LP trazem ainda
orientações sobre o trabalho com atividades epilinguísticas e
metalinguísticas, como sendo ambas constituintes do processo de
análise linguística. Sobre elas, um e outro documento orientador
deixam transparecer que o saber epilinguístico é intuitivo e
característico a todos os falantes da língua, se manifestando em
processos e operações que o sujeito faz sobre a própria linguagem, de
modo intuitivo (cf. Reinaldo & Bezerra (2013) e Geraldi (1995)). Assim,
o saber epilinguístico acontece de forma contínua na vida dos usuários
da língua e nas mais diversas situações cotidianas de comunicação.
Quanto às atividades metalinguísticas, os PCN (BRASIL, 1998)
explicitam que são “aquelas que se relacionam à análise e reflexão
voltada para a descrição e sistematização dos conhecimentos,
formulando um quadro nocional intuitivo que pode ser remetido a
construções de especialistas” (p. 28). Nesse caso, tem-se uma reflexão
consciente sobre a linguagem e cuja tônica das atividades recai sobre
atividades que remetem a classificações. Nelas, os estudantes
precisam demonstrar seu conhecimento sistemático e classificatório,
aproximando-se de uma abordagem mais normativista da gramática.

- 267 -
Por fim, vemos que os estudos e orientações oficiais que
impulsionam cada vez mais os novos encaminhamentos
metodológicos acenam para uma prática que enseja uma abordagem
articulada entre análise linguística, leitura e produção textual.
Obviamente, os avanços acontecem paulatinamente e, muitas vezes,
a nomenclatura análise linguística é mais usada como um modismo do
que propriamente na acepção da expressão. Entretanto, nota-se que
já há alguma preocupação nos livros didáticos e nas ofertas de
formações continuadas em elaborarem propostas de trabalho e de
estudo que privilegiem o trabalho com a língua na perspectiva
interativa.
Mas como a efetivação dessas concepções pode ser percebida
em sala de aula? Quais elementos seriam evidenciadores de uma
prática linguística centrada na interação? Na seção a seguir, nos
deteremos sobre as observações em sala de aula e em dois momentos
oficiais de formação continuada, e que constituíram o corpus que
serviram de análise para a pesquisa, mais detidamente nos aspectos
alusivos ao eixo análise linguística, foco deste texto.

Eixo análise linguística: Presente! (Ou não?)


O deslocamento do trabalho gramatical pautado somente no
caráter normativista ainda é algo tímido nos espaços escolares, haja
vista uma tradição de muitas décadas. Logo, falar em análise
linguística, para muitos professores, é algo que está no plano apenas

- 268 -
da terminologia ou da conceituação do momento, mesmo que nem se
saiba bem definir o conceito ‘da moda’. Traremos, então, a observação
em sala de aula, com um enquadre voltado para a análise linguística,
obtido a partir dos registros feitos durante duas aulas, numa sequência
total de doze aulas.
Os alunos estão enfileirados e a orientação dada pela
professora, após atender duas alunas no seu birô, é que todos devem
copiar no caderno a anotação que ela fará, no quadro branco, sobre
concordância nominal. Ainda indica que, antes de apagar o quadro,
será feita a explicação do que já está posto.
P- Epa! Atenção, aí atrás! Vamos lá:::: Vamos copiar meninos?

(Alguns alunos ainda estão inquietos enquanto a professora já está


fazendo diversos apontamentos no quadro)

P- Pronto! Eu ainda vou explica::::r antes de apagar, meninos! Vamos lá,


copiando!
[...]

(Após dez minutos, aproximadamente, a professora reconduz a atividade


começando a explicação. No quadro, há várias regras de concordância
nominal)

P- Vamos lá! Vejam meninos. A frase aqui: ‘É necessário ter compreensão


com o próximo’. Que expressão está destacada? (Pergunta aos alunos)

Alunos – É necessá::::rio

P – Isso mesmo! Então, a expressão ‘é necessário’ não muda, por quê?


Porque ela se refere a um nome sem o artigo. A qual nome a expressão se
refere mesmo, Angélica?

Angélica – compreensã::::o
- 269 -
P- Isso mesmo. Se não recebe o artigo a expressão fica invariável... Isso
pode ser aplicado para ‘é bom, é proibido, é necessário, é preciso’, tá
certo, gente?... Agora vejam a outra frase aqui (aponta para o quadro)
Vejam só ‘ A entrada de animais é proibida’... Por que a expressão ficou ‘é
proibida’?
(Alguns alunos respondem)

Alunos – Porque apareceu o artigo

P- Isso mesmo pareceu o artigo ‘a’.


(a aula segue com a explanação de outras regras)
Fonte: As autoras.

O que se constata na observação acima é que os


procedimentos metodológicos adotados pela professora revelam a
prevalência de práticas centradas exclusivamente na gramática e que
focalizam regras. A postura adotada e evidenciada aqui é o trabalho
voltado apenas para o teor normativista da gramática, cujo
entendimento é de um conjunto sistemático de normas para falar e
escrever bem e que foram preconizadas por especialistas da língua.
Logo, o ensino de gramática por este viés acontece pela memorização
e classificação de normas e regras, conforme vimos acima.
A realidade acima averiguada ecoa por muitas salas de aula,
deixando transparecer que os conhecimentos produzidos pela
linguística ainda não estão subsidiando de forma mais consistente o
ensino de língua materna, sobretudo no tocante às questões
gramaticais, haja vista a constatação de uma abordagem
simplesmente normativista.

- 270 -
Ainda sobre essa perspectiva, Travaglia (2013) nos alerta que a
gramática, tida sob este enquadre “só trata da variedade de língua que
se considerou como a norma culta, fazendo uma descrição dessa
variedade e considerando erro tudo o que não está de acordo com o
que é usado nessa variedade” (p. 24). Sendo assim, para essa noção,
tudo que foge ao padrão, é erro e não tem vez, fato que a deixa
engessada, embora seja bastante recorrente nas salas de aula.
Uma abordagem que se paute no trabalho com análise
linguística não desconsidera a gramática, mas pressupõe ensiná-la em
suas formas de organização e uso em diferentes contextos de
produção, pois como destaca Antunes (2003), é impossível a existência
de uma língua sem gramática, todavia, é importante perceber que há
diferença entre regras de gramática e o ensino de nomenclaturas. As
regras se propõem a orientar o uso das unidades da língua, são
normas. A autora (op. cit.) ainda pontua que são exemplos de regras a
descrição de “como empregar os pronomes; de como usar as flexões
verbais para indicar diferenças de modo e tempo; de como estabelecer
relações semânticas entre partes do texto (relação de causa, de
comparação, de oposição, etc.)” (p. 86). Isso tudo não se ensina por
meio de frases isoladas, mas sim, lendo e analisando textos de diversos
gêneros, como também, produzindo e analisando seus próprios
textos, verificando o emprego da língua naquelas situações propostas.
Dessa forma, o ensino deixaria de se centralizar somente em

- 271 -
definições e classificações e favoreceria a reflexão sobre os usos como
parte da competência comunicativa dos alunos.
Os PCNs (BRASIL, 1998) registram que há um relevante papel
reservado para o estudo dos fatos da língua, pois o aluno deve usar os
conhecimentos adquiridos por meio da prática de análise linguística
“para expandir a sua capacidade de monitoração das possibilidades de
uso da linguagem, ampliando a capacidade de análise crítica” (p. 33).
Nas formações continuadas que observamos, pudemos
identificar mostras que indicam ao professorado ali presente
orientações para um trabalho guiado pela análise linguística. Segue
abaixo um recorte feito durante a realização da formação continuada
do quarto bimestre, com os indicativos de tais orientações.
(A formadora após uma dinâmica de acolhida e um breve panorama da
pauta de trabalho, inicia suas considerações sobre a temática do momento
formativo. Em certo momento, traz as seguintes pontuações)

F- Então a gente vai pensar... como posso considera::::r um texto bem


coeso? A Monica Magalhães Cavalcante, ela diz que a coesão é... é uma
das propriedades mais relevantes para a construção de sentidos e também
para a interpretação. [...]

F – Sim, sim... tem também esse descritor aí (diz referindo-se à fala de uma
professora que mencionou a indicação do trabalho com coesão e
coerência na Matriz de descritores41) o ‘D17’ (descritor 17)... ele trata da
coesão sequencial... aquela coesão... que estabele::::ce uma articulação na
continuidade... na progressão do texto... entre parágrafos... Vamos ainda
perceber também as expressões referenciais que vão construindo
substituições, fazendo remissões no texto. [...]

41
A matriz de descritores refere-se à Matriz de Referência do SAEPE (Sistema de
Avaliação do Estado de Pernambuco). Ela apresenta a descrição das competências e
habilidades que os alunos devem dominar em cada série/ano avaliado.

- 272 -
(Os professores recebem uma cópia do texto “A pesca” de Affonso
Romano de Sant’ Anna e, em trio, fazem uma análise do mesmo para
discussão, em seguida.)
Fonte: As autoras.

Notamos que, ao tratar dos aspectos coesivos do texto, a


formadora veicula uma perspectiva que vai além da abordagem
tradicional. Retomando a ideia da construção de sentidos, a
abordagem feita traz à tona o nome de Mônica Magalhães Cavalcante,
autora da área da linguística de obras como ‘Os sentidos do Texto’.
Mais uma vez, a memória discursiva da formadora revela-se ao
recorrer às colocações, em linhas gerais, da autora. Para Koch (1984)
fez-se o uso de um argumento de autoridade, ou de prestígio pois
utilizou-se “os atos ou julgamentos de uma pessoa ou de grupo de
pessoas como meio de prova em favor de uma tese” (p. 108). Com esse
recurso, a formadora agrega valor à sua fala.
Ao abordar aspectos da coesão textual, a formadora difunde os
elementos da análise linguística, pois remete a um trabalho de
reflexão sobre a organização do texto (oral ou escrito). Geraldi (1997)
corrobora sobre tal consideração, pois explica que a análise linguística
inclui tanto o trabalho sobre “questões tradicionais da gramática
quanto questões mais amplas a propósito do texto, entre as quais vale
a pena citar: coesão e coerência internas do texto, análise dos recursos
expressivos utilizados” (p. 74).

- 273 -
Desse modo, tomar como elemento de análise a organização
em relação ao modo como as informações são apresentadas, como
dito “aquela coesão que estabelece uma articulação na continuidade”,
e às marcas linguísticas, por exemplo significa compreender a
materialidade da língua em situações reais de uso. Obviamente, em
sala de aula, o trabalho com análise linguística não pode ficar restrito
apenas à coesão e coerência textual. A escolha de um gênero textual
para ser trabalhado em sala já é um ponto de partida e a escolha lexical
presente no gênero escolhido também é um fator a ser considerado
nos momentos de análise linguística. O emprego dos tempos e modo
verbais nesse gênero selecionado também é outro recurso linguístico
que precisa constituir o trabalho com análise linguística. Assim, as
atividades voltadas para a análise não apresentam um fim em si
mesmas, mas visam à reflexão sobre as ‘ferramentas’ da linguagem
que estão ao dispor do falante e que auxiliam no desenvolvimento das
habilidades discursivas.
Vemos, ao fim, que a proposta de análise linguística de análise
linguística não se concretiza, ainda na sala de aula observada, apesar
das discussões e proposições nessa direção, nos momentos
formativos. Acreditamos que, devido à forte tradição gramatical na
qual se ancora a prática da professora seja o empecilho para tentativas
de um trabalho que redimensione a perspectiva gramatical. Não há
como anular a gramática, mas há como atribuir-lhes outros pontos de
vista, como o interacional e não apenas o tradicional.

- 274 -
Algumas considerações
Vemos, ao fim, que a proposta de análise linguística não se
concretiza, ainda, na sala de aula observada, apesar das discussões e
proposições nessa direção, nos momentos formativos. Acreditamos
que, devido à forte tradição gramatical na qual se ancora a prática da
professora seja o empecilho para tentativas de um trabalho que
redimensione a perspectiva gramatical. Não há como anular a
gramática, mas há como atribuir-lhes outros pontos de vista, como o
interacional e não apenas o tradicional. À luz dos documentos oficiais
e pesquisas no campo da linguagem, podemos dizer que o trabalho
com gramática deve ser redimensionado, já que ela organiza as
relações de sentido, constrói as significações pretendidas e define os
efeitos pragmáticos esperados de um texto, que é composto e
organizado pelos elementos gramaticais.
Os momentos de coleta de dados nos revelaram o
desdobramento das formações continuadas em sala de aula, nos
levando a refletir sobre a materialização dos conceitos e
procedimentos difundidos nesses momentos formativos. Podemos
dizer que a oferta das formações contínuas necessita de
prosseguimento, pois representa um investimento no
aperfeiçoamento dos professores da rede de ensino, e isso é inegável.
Com a persistência da oferta, esperamos que a prática pedagógica seja
reorganizada e se modernize, embora não esperamos resultados a
curto prazo, já que romper paradigmas, de acordo com Behrens

- 275 -
(2005), é um dos desafios ligados à profissionalidade docente e muitos
docentes ainda mantem suas práticas espelhadas em paradigmas que
se afastam da inovação e atualização.
Todavia, as formações carecem de alguns ajustem, haja vista as
limitações constatadas pela pesquisa. Consideramos que tais ajustes
sejam de caráter logístico e operacional: periodicidade, duração e
formato. A periodicidade bimestral e a duração de cinco horas podem
ser revistas e ampliadas. Pensamos que encontros mensais, com pelo
menos seis horas de duração podem ser uma alternativa para
minimizar as limitações que possam estar presentes em outras salas
de aula.
A formatação nos moldes de encontros esboçados por meio de
leituras de textos teóricos, oficinas e trabalhos em grupos pode ser
incrementada com palestras ministradas por docentes de
Universidades, com a liberação de professores para participação em
seminários, colóquios e congressos científicos, pois são, igualmente,
meios de se promover a formação continuada dos professores.
Analisando mais detidamente a prática de sala de aula com a
análise linguística, consideramos que a linguagem ainda está a serviço
do código e do utilitarismo, apenas, em detrimento do aprimoramento
das capacidades linguísticas. Oferecer formações continuadas, de
modo sistemático, e focadas nas dificuldades específicas de um grupo
de profissionais, por exemplo, pode se constituir uma alternativa para
sobrepujar práticas cristalizadas. Desse modo, os professores, nesses

- 276 -
momentos, poderão teorizar sobre suas práticas, pois as ações e
dificuldades verificadas não serão sanadas apenas com reflexões
teóricas sobre análise linguística ou o trabalho com gêneros textuais,
por exemplo. Faz-se necessário muito mais, faz-se necessário refletir
conjuntamente, a partir de relatos do cotidiano para que a ‘real’
realidade possa ser explicitada e tematizada enquanto objeto de
reflexão.
Por fim, considero que a mudança significativa no ensino de
Língua Portuguesa que nós, profissionais e pesquisadores da língua
tanto almejamos ver já está acontecendo singelamente, por meio de
profissionais que se uniram em prol de uma causa, por meio de
algumas vontades políticas, por meio de pesquisas consistentes que
saíram dos meios acadêmicos e ganharam corpo nos espaços de
educação básica, por meio de ações, muitas vezes, silenciosas, mas
que muito têm colaborado com o ensino de língua materna. Dentre
essas, está a formação continuada para os professores, que não
desponta para negar a formação inicial dos mesmos, mas para
redimensionar seus conhecimentos e ampliar seus potenciais e assim,
ajudá-los a melhor atuarem como profissionais da nossa Língua
Portuguesa.

- 277 -
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VEIGA, Ilma Passos Alencar. A aventura de formar professores. São
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- 279 -
Trajetórias e experiências com projetos sociais em uma
escola pública de São Paulo

Fernando Rodrigues da Costa42

Introdução do tema
A presente pesquisa visa compreender a maneira como
diferentes projetos sociais e culturais ligados com a integração entre
comunidade e escola tem o potencial de criar a possibilidade de
transformar a percepção do espaço público de ensino. Para tal análise
houve inicialmente uma pesquisa de campo em parceria com três
colégios localizados em São Paulo na região de Pinheiros e já
conhecidos por possuir um grande número de projetos culturais
documentados43. Finalmente o Colégio Estadual Professor Antônio
Alves Cruz44 foi escolhido como o local que pudesse abarcar os
principais questionamentos desta pesquisa e também por possuir uma

42
Pós-graduando em Letras na área de Literatura e Vida Social pela UNESP – Campus
de Assis - SP. Graduado em Letras – Português pela Universidade de São Paulo USP
– Bacharelado e Licenciatura.
43
Durante o planejamento e elaboração do pré-projeto foram escolhidos três
colégios para a pesquisa contendo os seus respectivos levantamentos de dados e
partindo da seguinte ordem: 1º) Colégio Fernão Dias Paes, localizado na Av. Pedroso
de Moraes, 420, Pinheiros. 2º) Colégio Maximiliano Pereira Dos Santos, localizado na
Rua Jericó, 256, Vila Madalena. 3º) Colégio Estadual Professor Antônio Alves Cruz,
Rua Cristiano Viana, 1200, Jardim das Bandeiras.
44
Colégio Estadual Professor Antônio Alves Cruz fundado em 1957.

- 280 -
longa trajetória histórica com interessantes arquivos e conteúdos para
a investigação.
Este artigo pretende seguir três eixos principais que dialogam
entre si e com o tema principal. O primeiro se dedica ao levantamento
bibliográfico para um estudo dos acontecimentos de conjunturas
sociais e temporais para uma compreensão da maneira como ocorre a
análise e interpretação dos processos históricos, relações de poder
dentro das sociedades e a formação da cultura escolar, gerando assim
uma base fundamental para o desenvolvimento desta pesquisa. Sabe-
se que a forma como entendemos o tempo está inerentemente ligada
com nossas condições biológicas, psíquicas e também com os
diferentes modos de organização social presente nas culturas, neste
ponto é possível lembrar das reflexões propostas por Armando
Martins de Barros, quando este pesquisador aborda em seu texto “O
tempo como temporalidade, episteme e sociabilidade” as diversas
acepções sobre a noção deste tema; podemos assim pensar o tempo
como uma produção social, o tempo como forma de conhecimento, as
transmissões do tempo como herança ou patrimônio, dentre outros
aspectos. Desse modo, as práticas pedagógicas de transmissão de
conhecimento e as transformações culturais podem ser vistas também
como parte desta noção, como bem lembra o autor:

O sentido do tempo, de temporalidade, expressa a


cultura de cada povo, unindo os indivíduos e
socializando-os como cultura e nação. Uma
sociedade pode dispor de várias unidades de
- 281 -
tempo (seja mítica, seja religiosa, seja científica),
mas, todas, implicam práticas educativas. Cada
sociedade apresenta sua concepção de tempo (sua
Temporalidade) singular, articulada ao conjunto de
conhecimentos que produz. Assim, toda concepção
de tempo é também conhecimento, é parte da
episteme de uma sociedade (BARROS, 2004, p. 28).

Outro tópico essencial para esta pesquisa será a compreensão


do entrelaçamento entre história, sociedade, poder do Estado,
educação e cultura escolar, sendo que um dos livros mais relevantes
para este assunto em todas as suas esferas se chama “História da
Educação Brasileira: Leituras” de Maria Lúcia Spedo Hilsdorf, havendo
um foco principal nos capítulos 7, 8 e 9, sendo estes três
concomitantes com o recorte proposto para o projeto, tratando dos
períodos anteriores, durante e após a ditadura militar chegando até os
dias atuais, sempre conduzindo o paralelo entre sociedade, poder
político e institucional. Nesta análise a autora também propõe uma
abordagem fundamental entre sociedade e escola, fazendo um
intenso levantamento das conjunturas sociais e seus respectivos
reflexos em todo o sistema educacional do país, esta importante
analogia irá também permear toda esta pesquisa, sendo um de seus
pilares principais:

Não se trata, portanto, de uma história interna da


escola brasileira, que comparece sim, mas não
enquanto foco prioritário, o qual está assentado
nos fatores externos do político, do econômico, do
social, das mentalidades e dos valores agindo sobre

- 282 -
a organização escolar. O trabalho interpretativo
aqui apresentado deixa ainda a descoberto a
investigação da cultura escolar produzida pela
escola brasileira no arco de tempo tão longo da sua
existência, detendo-se no mais das vezes, na
soleira, diante da inevitável pergunta: o que é que
a instituição escolar tem feito, no seu cotidiano de
práticas, das conflituosas forças socioculturais nas
quais está inserida? (HILSDORF, 2006, p. 6 e 7).

O segundo eixo irá se adequar aos pressupostos práticos da


pesquisa, fazendo um levantamento de materiais relevantes sobre a
história do colégio tais como: fotos, textos, publicações, arquivos,
entrevistas, matérias em jornais, etc. Assim, tornou-se possível
abordar a escola por um viés não estritamente ligado ao ponto de vista
do professor, mas contando também com uma abordagem do ensino
de forma mais abrangente e levando em consideração a escola pela
ótica dos alunos, ex-alunos, pais, funcionários e comunidade em geral.
Grande parte deste material de apoio para a pesquisa pôde ser
verificado no próprio contato com a escola durante as etapas práticas
em campo na elaboração deste projeto, outras fontes também foram
levantadas como as entrevistas que o colégio cedeu para emissoras de
Rádio e Televisão, contando ainda com um grande número de acervos
virtuais relacionados não apenas ao colégio, mas também com os seus
projetos sociais, culturais e didáticos que foram divulgados em
inúmeras matérias em jornais e divulgadas em seu website.
O terceiro ponto diz respeito mais especificamente aos
projetos sociais que foram realizados de diversas maneiras ao longo

- 283 -
dos mais de 60 anos de existência do colégio, tendo um de seus
culminantes no trabalho intitulado como “Projeto Fênix”, que no final
dos anos 90 fomentou um grande número de projetos culturais
reunindo professores, alunos, artistas e jornalistas importantes numa
tentativa de revitalizar a escola evitando o seu fechamento. Um tópico
de discussão interessante sobre estas ocorrências é que a partir dos
anos 90 e mais intensamente nos anos 2000 começa a existir uma forte
participação dos alunos através da internet e das mídias e redes
sociais, isso faz com que a organização em torno de diferentes temas,
discussões e debates seja construída de uma maneira muito mais
rápida e pragmática, algo que até então ainda não era visto ou
pensado com o mesmo grau de importância existente nos dias atuais,
haja vista as crescentes manifestações de alunos, funcionários e
professores da rede pública ocorridas recentemente entre ocupações
e protestos em escolas e que tiveram o seu início majoritariamente
através da internet e das redes sociais. Desse modo, percebe-se
também um certo descompasso entre a atual forma de organização
escolar de um lado e as mídias virtuais do outro, como é analisado em
um dos capítulos do livro “Educação escolar brasileira: o que
trouxemos do século XX?”:

Tradicionalmente organizado em disciplinas rígidas


e seriado de modo hierárquico, o currículo com o
qual até hoje trabalhamos não é compatível com a
aprendizagem em rede e viabilizada pela rede
mundial de computadores. É preciso repensá-lo

- 284 -
não apenas no plano da proposta ou do projeto
curricular, como também no plano do ensino e
aprendizagem, também chamado de currículo em
ação (MELLO, 2004, p. 138).

Através dessas e outras análises pretende-se traçar uma linha


que contextualiza as atividades e ocorrências registradas na prática
cotidiana do colégio em convergência com as mudanças políticas no
país, analisando também as implementações de novas ações
educacionais em contraponto com as normatizações advindas do
estado e as transformações sociais.
Sobre alguns aspectos da escolha de se trabalhar com o ensino
público é importante salientar que dentro do processo altamente
meritocrático no qual escolas, universidades e outros sistemas
educacionais se inserem atualmente, há uma base e um marco
temporal que visa uma educação calcada no sentido de adequar,
selecionar e homogeneizar as diversas camadas da sociedade, como
comprova a professora Carlota Boto em sua pesquisa:

A escola desenhada pelos revolucionários


franceses era tida por universal e única para todos,
de maneira que os mais talentosos pudessem
“naturalmente” expressar o seu mérito e o seu
destaque. Surge como bandeira de luta da escola
moderna de Estado o sonho republicano por um
sistema de ensino público, gratuito, laico,
universal, único e obrigatório. Seria universal por
pretender colocar na mesma classe todas as
crianças, todos os jovens – meninos e meninas,
ricos e pobres, loiros e morenos, católicos,

- 285 -
protestantes, judeus ou muçulmanos, habitantes
das cidades ou dos campos (BOTO, 2005 p. 785).

Histórias de um Colégio Estadual e a valorização de ações culturais


O Colégio Estadual Professor Antônio Alves Cruz teve uma
longa trajetória que acompanhou as diversas mudanças políticas e
sociais ocorridas no país, tendo em vista estes pressupostos foi
possível coletar uma série de dados e informações históricas
importantes. A escola surgiu no ano de 1957 com o nome de Ginásio
Estadual Cerqueira César e inicialmente funcionava junto ao edifício
do Grupo Escolar Godofredo Furtado, na Rua João Moura, região do
Bairro de Pinheiros, mudando novamente alguns anos mais tarde e
passando a atender na Rua Capote Valente no número 1100, já com
um prédio próprio.
A história do colégio também seguiu um paralelo junto aos
acontecimentos políticos e sociais no Brasil e que serão de grande
relevância para as análises da presente pesquisa. Entre as décadas de
1960 e 1970 a escola se destacou pela grande participação política de
seus alunos nos anos da ditadura, e também por possuir uma intensa
vida cultural que nesta época já revela uma interessante integração
entre a comunidade ao redor e os trabalhos escolares.
É importante ressaltar que ao longo dos anos a escola passou
por diversas reformas, transformações e ameaças de fechamento,
sendo que em diferentes períodos houve uma intensa participação de
professores, alunos e moradores na tentativa de manter o colégio em

- 286 -
seu pleno funcionamento. No ano de 1969 o governo anunciou obras
que seriam realizadas na exata localização do colégio, desse modo o
prédio na Rua Capote Valente seria fechado e demolido, tendo em
vista a iminente ameaça de fechamento, houve uma enorme
mobilização por parte dos moradores e estudantes. Essa aproximação
entre colégio e comunidade conseguiu fazer com que houvesse
bastante apoio midiático local, desta maneira foi possível fortalecer as
decisões políticas do diretor. Neste ano a atitude tomada foi uma
mudança de local, de certa maneira positiva, pois não prejudicou as
aulas e evitou o fechamento completo da escola como havia sido
proposto inicialmente pelo governo. A escola passou finalmente a
funcionar no complexo onde atende até os dias atuais, localizada entre
as Ruas Alves Guimarães e Cristiano Viana e próxima ao Metrô Sumaré.
É notável que a época de transformações mais bruscas no
colégio está inteiramente atrelada com as trocas de governo e
mudanças sofridas por um país em tempos de extrema ditadura. Não
há como negar que a tomada dos militares teve influência em diversas
instâncias da sociedade, sobretudo nas decisões dentro do âmbito
político, como é possível observar no livro “A crise do Regime Militar”:

Foi um período marcado pelo autoritarismo e pelo


desrespeito aos direitos constitucionais. Um dos
instrumentos adotados pelos militares para
governar de forma ditatorial foram os atos
institucionais. De 1964 a 1978, foram decretados
16 atos institucionais e complementares. O

- 287 -
primeiro, o AI-1, foi instituído em 9 de abril de 1964
(JATOBÁ, 2014, p. 09)

Dentre as diversas mudanças neste período houve uma que


mais diretamente afetou a forma política de organização escolar e a
atribuição das aulas, sendo que esta deixou de ser feita pelo diretor da
escola e passou a ser feita estritamente pelas delegacias de ensino,
tirando a autonomia de professores e diretores, bem como da
comunidade escolar.
É importante salientar que durante esta fase houve uma falsa
ilusão de crescimento interno, tanto a mídia quanto o governo
transmitiam intensamente a mensagem de uma economia em
expansão em numerosas esferas, sendo a imagem da escola utilizada
como um modelo de propaganda para a ordem e disciplina instalados
no país, como aponta Hilsdorf (2006):

Começava o período do governo militar, com seu


regime centralizado e coercitivo e sua política de
desenvolvimentismo associado, isto é, a etapa da
economia embasada na indústria e dependente do
capital estrangeiro. Essa orientação pode ser
sintetizada na seguinte frase de um governante da
época: “O povo vai mal, mas a economia brasileira
vai bem”, indicando que em decorrência da política
dos militares e empresários em favor do monopólio
econômico, ocorreria o desenvolvimento do país (o
chamado “milagre econômico”), mas com base no
crescimento das taxas de concentração de renda e
na contenção dos movimentos sociais populares
que haviam marcado a década anterior (HILSDORF,
2006. p. 122).

- 288 -
Outro tópico relevante do ponto de vista social diz respeito às
profundas e inúmeras transformações ocorridas no Brasil entre os
anos de 1980 e 1990. O movimento “Diretas Já!”, o aumento
incontrolável da inflação, o crescente índice de violência nos grandes
centros urbanos, o movimento operário e a reivindicação por novas
eleições fizeram parte da enorme turbulência pela qual o país passou
nessa década. Não por acaso todas essas mudanças tanto do ponto de
vista social quanto político tiveram forte influência no ensino, na
categoria docente e nas organizações profissionais escolares.
Os anos de 1990 trouxeram novas movimentações no plano
educacional em todo o Estado de São Paulo, durante a gestão do
governador Mário Covas, foi criado o programa chamado
“Reorganização das Escolas da Rede Pública Estadual”, visando uma
separação entre as escolas de ensino fundamental e segundo grau, é
interessante frisar que este projeto não parou e continuou ganhando
novas formas, proporções e características até os dias atuais. A partir
destas implementações o Colégio Alves Cruz passou a funcionar
apenas como ensino médio e ministrando aulas apenas para alunos do
primeiro, segundo e terceiro colegial, isso fez com que muitas pessoas
tivessem que se deslocar de bairros distantes para continuar tendo
acesso ao ensino público, tendo em vista que essa mudança atingiu
centenas de escolas.

- 289 -
Questões sobre as políticas educacionais na atualidade
Dentre as inúmeras transformações que a escola pública vem
sofrendo paulatinamente ao longo dos anos, uma que merece
destaque é a gradual diminuição de verbas por parte do Governo,
provocando cortes orçamentários que afetam diretamente não
apenas o espaço físico das escolas como também o trabalho de
professores e funcionários. Esta problemática será tratada
recorrentemente por Hilsdorf em sua pesquisa, e mais
especificamente sobre um recorte de tempo que avança da ditadura
militar para os dias atuais:

Tomando como argumento a aceleração do


processo de controle privado do ensino público,
que se estende desde a década de 50 até os nossos
dias: a tendência da redução da ação direta do
Estado na educação em proveito das instituições
privadas já era visível na política educacional do
período da ditadura militar e, na atualidade, se
enquadra abertamente nas diretrizes dos governos
neoliberais (HILSDORF, 2006, p. 121).

Outro ponto importante que foi analisado se insere no âmbito


da prática docente na rede pública, pois atualmente percebe-se a
crescente falta de autonomia nos trabalhos pedagógicos dos
professores, que na maioria das vezes ficam dependentes e atrelados
apenas às decisões políticas vigentes. Observando alguns processos
políticos de poder em relação com as decisões da educação no Brasil
pode-se perceber que o professor enquanto funcionário direto do

- 290 -
estado vem perdendo gradativamente a sua liberdade e domínio de
trabalho, como aponta a pesquisadora Dalila Andrade de Oliveira em
seu trabalho:

Os sistemas escolares modernos emergem da


organização deste aparato estatal e se organizam
como parte dependente dele. Assim, a primeira
grande luta pela profissionalização do magistério
esbarra no estatuto funcional que, por meio da
conversão dos professores em servidores públicos
e, portanto, funcionários do Estado, retira-lhe a
autonomia e autocontrole sobre seu ofício. ”
(OLIVEIRA, 2010, p. 19).

Portanto, o estudo dos processos políticos, a atuação da


profissão docente, a cultura escolar e os projetos culturais e artísticos
(em grande parte responsáveis pela ponte entre comunidade e
escola), são tópicos que permearam o cerne desta pesquisa e desse
modo tornou-se possível perceber um diálogo visível e fundamental
entre os moradores do entorno da escola e as práticas constantes que
se davam através de reuniões entre os educadores e os alunos
matriculados no colégio, bem como conseguiu também contar com a
participação de pais, ex-alunos, vizinhos e residentes da região, sendo
relevante ainda observar como as práticas artísticas como o teatro, a
música e a dança propostas pelos próprios alunos pôde aproximar
estes mesmos da instituição.

Considerações finais

- 291 -
O foco escolhido para este artigo teve um recorte que se
deteve apenas visando uma única instituição pública de ensino,
pressupondo assim uma análise fundamental das bases participativas
entre a formação do cidadão e a sua construção como indivíduo
através do tempo e do espaço na convivência escolar, ou como afirma
a autora Valdelaine Mendes no livro “Democracia participativa e
educação”:

É na escola que a criança e o jovem têm a maior


experiência de inserção em uma instituição
pública. Pode-se afirmar que a escola pública
constitui a maior rede institucional do Estado na
sociedade. As referências que acumularão nesse
espaço poderão favorecer uma ação mais crítica ou
mais submissa na vida adulta em relação àquilo que
pertence à coletividade. A partir da compreensão
de que a escola pública pertence a todos e
sentindo-se responsáveis por ela, os sujeitos
poderão agir de modo a exercer um controle sobre
o tipo de ação que lá é realizada, para que
prevaleçam as vontades coletivas em detrimento
dos interesses individualistas. Assim, poderão ser
criadas as condições para que desde cedo o
cidadão aprenda sobre seu direito de decidir acerca
dos rumos daquilo que lhe pertence, o público
(MENDES, 2009, p. 290).

O presente artigo adotou uma perspectiva social e histórica


com o intuito de compreender os diferentes períodos do colégio
escolhido com foco em seus resultados atuais, tendo em vista também
as suas mais variadas dimensões políticas que se ligam diretamente
com as implementações do Estado. Sendo assim, o ambiente escolar

- 292 -
pretende ser entendido não apenas como local de ensino, mas, para
além disso, enquanto um espaço de constante interação cultural e
social que está inerentemente ligado com as mais diversas conjunturas
políticas do Estado.

- 293 -
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- 295 -
Mobilização dos Registros de representação semiótica nas
avaliações do SAEPE em Pernambuco: um indicador para a
formação docente.

Jose Robson de Araújo45

Introdução
Atualmente tem-se percebido que os processos de avaliação
externa à escola têm apresentado resultados que demonstram as
dificuldades de estudantes, sobretudo do ensino médio, em apropriar-
se de conhecimentos essenciais no ensino da Matemática. Ao mesmo
tempo embora alguns avanços venham sendo constatados nos índices
de desempenho dos estudantes de ensino médio, de 2000 a 2015, o
Brasil ainda não conseguiu alcançar resultados favoráveis na
proficiência dos estudantes em Matemática, sendo a melhoria desses
resultados um dos grandes desafios para o professor de ensino médio
na sociedade contemporânea. Para incentivar e exigir o compromisso
de todos com a melhoria desses indicadores, a partir do movimento
Todos Pela Educação, iniciado formalmente em 6 de setembro de
2006, o país teve pela primeira vez, metas para melhorar a qualidade
da educação. Segundo Ramos (2011, p. 17) “A cultura de metas para a

45
Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco E-mail: jrobsonaraujo@gmail.
com

- 296 -
Educação foi ampliada, com a criação, em 2007, do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) na estrutura do Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE), para aferir o rumo da qualidade
até 2021”.
Esse índice constitui-se num indicador de qualidade para o
ensino fundamental e ensino médio, tendo a finalidade de avaliar a
qualidade do ensino no país. Os dados referentes aprovação escolar,
obtidos no Censo Escolar e as médias de desempenho nas avaliações
do Inep, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) – para as
unidades da federação e para o país, e a Prova Brasil – para os
municípios, sendo projetado como uma das exigências consideradas
essenciais à melhoria da qualidade do ensino médio. Na tabela abaixo
são apresentados os índices de rendimentos escolar projetados para o
ensino médio até 2021

QUADRO 4. METAS DO IDEB QUE O BRASIL DEVE ALCANÇAR ATÉ 2021 NO


ENSINO MÉDIO
IDEB 2011 2013 2015 2017 2019 2021

3. 7 3. 9 4. 3 4. 7 5. 0 5. 2
Fonte: MEC

O IDEB 2015 no ensino médio da rede pública cresceu, mas não


atingiu a meta e tem o desafio de garantir mais estudantes
aprendendo e com um fluxo escolar adequado.

- 297 -
Ensino Médio
IDEB
Metas
Observado

2005 200 200 201 201 201 200 200 201 201 2015 202
7 9 1 3 5 7 9 1 3 1
Total 3. 4 3. 5 3. 6 3. 7 3. 7 3. 7 3. 4 3. 5 3. 7 3. 9 4. 3 5. 2

Dependência
Administrativa
Estadual 3.0 3.2 3.4 3.4 3.4 3.5 3.1 3.2 3.3 3.6 3.9 4.9
l

Privada 5.6 5.6 5.6 5.7 5.4 5.3 5.6 5.7 5.8 6.0 6.3 7.0
Pública 3.1 3.2 3.4 3.4 3.4 3.5 3.1 3.2 3.4 3.6 4.0 4.9
Nota Técnica: Os resultados marcados em negrito referem-se ao IDEB que
atingiu a meta.
Fonte: Saeb e Censo Escolar. /INEP Disponível em: http://ideb. inep. gov.
br/resultado/

Frente a esses desafios, várias demandas têm sido


direcionadas para a escola de ensino médio convidando o professor
a refletir sobre a própria prática (SCHÖN, 1997) no intuito de
adequá-la as novas necessidades de aprendizagem e aos desafios e
metas propostas à melhoria dos índices de rendimento escolar.
Por esse ângulo, novas perspectivas de ensino e
aprendizagem surgem, dentre estas a necessidade de que “o ensino
seja reinventado e a prática docente atualizada para atender as
demandas de ensino e aprendizagem que colocam o estudante na
posição de protagonista” (OCNEM, 2006, p. 58), tendo em vista a
progressiva exigência de uso e interpretação de conhecimentos e
informações técnico-científicas nas diferentes dimensões da visa

- 298 -
social contemporânea (BRASIL, 2013), especialmente para o
estudante de ensino médio.
Entre as principais exigências curriculares voltadas para a
adequação da prática docente aos novos contextos de ensino e
aprendizagem um dos conteúdos necessários a melhoria da
aprendizagem dos estudantes no componente curricular de
Matemática é o ensino de Álgebra. De acordo com os Parâmetros
Curriculares Nacionais de Matemática (BRASIL, 1998),

o estudo da Álgebra constitui um espaço bastante


significativo para que o aluno desenvolva e exercite
sua capacidade de abstração e generalização, além
de lhe possibilitar a aquisição de uma poderosa
ferramenta para resolver problemas” (BRASIL,
1998).

Essa perspectiva de ensino traz para o professor a


responsabilidade de planejar suas aulas de forma criativa por meio de
atividades que contemplem a importância da diversidade de registros
e a articulação entre eles nas atividades matemáticas por serem esses
“conteúdos base à aquisição do conhecimento matemático e à
organização de situações de aprendizagem desses conhecimentos”
(MACHADO, 2003, p. 9), o que implica na necessidade de um trabalho
interdisciplinar que contemple esses indicadores. Embora seja
essencial o trabalho com esses conteúdos no processo ensino-
aprendizagem, ainda nos deparamos com estudantes apresentando
grandes dificuldades na aprendizagem desses conteúdos na disciplina

- 299 -
de Matemática, o que nos leva ao seguinte questionamento: até que
ponto o professor está preparado para esse trabalho em suas aulas?
Como os estudantes do 3º ano ensino médio compreendem a
representação semiótica a partir da avaliação de Matemática do
SAEPE?
Partimos do entendimento de que é preciso refletir sobre essas
questões a fim de entender como vem sendo materializado no chão
da escola esses conteúdos e, através dessa reflexão, propor formação
continuada aos professores, pois nenhuma reforma e/ou mudança
curricular alcança êxito sem o fazer do professor. Dai a importância de
se discutir o que pensam e sentem os professores sobre esse assunto
e como o estudante de 3º ano do ensino médio vem compreendendo
esses conteúdos no processo ensino-aprendizagem?
Há hipóteses de que nas avaliações de larga escala os itens que
se referem à Álgebra raramente atingem 40% de acerto em muitas
regiões do Brasil (BRASIL, 1998). O ensino da Álgebra em nossas
escolas tem como foco a repetição mecânica de procedimentos,
revelando o pensamento de que quanto mais os estudantes se
apropriam dos procedimentos algébricos mais sucessos terão na
aprendizagem desse campo do conhecimento. Muitos fatores
contribuem para o processo de aprendizagem em Matemática, dentre
os quais as ferramentas que dão acesso aos objetos matemáticos, pois
esses objetos não são diretamente observáveis com a ajuda de
aparelhos, sendo necessária a utilização de um sistema de

- 300 -
representação. Segundo Durval (2003, p. 33) “os estudantes
apresentam muitas dificuldades em diferenciar o objeto matemático
da representação que o torna acessível”. Corroborando com Durval,
Damm (1999) esclarece que, “ [...] não existe conhecimento
matemático que possa ser mobilizado por uma pessoa, sem o auxílio
de uma representação” (p. 137).
Diversas pesquisas e estudos de Usiskin (1995); Kieran (1995);
Lockhead E Mestre (1997); André (2007); Almeida (2011); Costa (2010)
ratificam as dificuldades por parte dos estudantes na aprendizagem da
Álgebra. André (2007) em sua pesquisa com estudantes da 7ª série (8º
ano) do ensino fundamental ressaltou que os mesmos possuem
grandes dificuldades em fazer a conversão da linguagem natural para
a linguagem algébrica em situações associadas a equações do 1º grau.
Em seus estudos André (2007) constatou também que os
estudantes realizam esta conversão sem a devida compreensão dos
procedimentos utilizados. Nesse contexto, enfatizou que os sujeitos
envolvidos na pesquisa desta autora traduziam os problemas para
linguagem algébrica no mesmo sentido da leitura dos mesmos. Costa
(2010) investigou em que medida os fatores de não congruência
influenciam na conversão da escrita natural para a escrita algébrica em
situações envolvendo equações do primeiro grau.
A partir de um recorte do trabalho de André (2007), Costa
trabalhou com estudantes do 8º ano do ensino fundamental de duas
escolas particulares da cidade do Recife. Em sua pesquisa, Costa

- 301 -
confirmou a influência de tais fatores na dificuldade dos sujeitos
pesquisados em representar o mesmo objeto em dois registros
diferentes quando a conversão em um sentido não se da de maneira
totalmente não congruente. Almeida (2011) investigou os problemas
propostos para o ensino de equações polinomiais do 1º grau com uma
incógnita nos livros didáticos de matemática do 7º ano no Brasil, para
essa investigação foram analisadas as dez coleções aprovadas no
Programa Nacional do Livro Didático – PNLD 2011.
Esse autor observou que nem sempre os problemas propostos
nos livros didáticos de matemática do 7º ano referentes ao ensino de
equações polinomiais do 1º grau com uma incógnita tinham relação
com esse saber, encontrando, ainda, os falsos problemas, que podem
não favorecer o pensamento algébrico, assim como a passagem da
aritmética para a álgebra. Segundo Marchand e Bednars (1999), os
falsos problemas levam os estudantes a não estabelecerem relações
entre as informações do enunciado, gerando o que Durval (2003)
chama de simples codificação no momento da conversão da
linguagem natural para a algébrica. Analisando-se as pesquisas
mencionadas, juntamente com outras as quais tivemos acesso, e os
seus respectivos resultados, podemos observar a existência de
grandes dificuldades apresentadas pelos estudantes em reconhecer
um mesmo objeto matemático em suas diferentes representações.
Dificuldades essas também presentes nos resultados da nossa analise
do desempenho dos estudantes das três turmas de 3ª série do Ensino

- 302 -
Médio na avaliação do SAEPE. Dai a importância de se discutir e
entender o que e como pode ser produzido esses conhecimentos nas
aulas de Matemática.
Organizamos esse artigo em três etapas. Na primeira etapa,
apresentamos a metodologia utilizada no estudo realizado; a segunda
etapa trata de uma revisão bibliográfica sobre Teoria dos Registros de
Representação Semiótica e na terceira etapa, expõe-se os resultados
de uma pesquisa qualitativa desenvolvida numa escola da rede
estadual de Pernambuco.

Metodologia
Essa pesquisa foi realizada em uma escola de ensino médio
localizada no município de Garanhuns no interior do Estado de
Pernambuco, envolvendo noventa e oito (98) estudantes de três (03)
turmas de 3º ano. A pesquisa qualitativa foi escolhida por ter como
característica peculiar a diversidade metodológica, o que permite
extrair dados da realidade a fim de serem contrastados a partir do
prisma do método. Nesse caso, “possibilita realizar exames cruzados
de dados obtidos, angariar informação por meio do processo de
triangulação, chegar a contrastar e validar as informações obtidas
através de fontes diversas sem perder a flexibilidade” (GÓMEZ, 1999
apud PIMENTA et. al. 2006, p. 70).
Utilizamos como indicadores de resultados: i) pesquisa
bibliográfica; ii) técnicas de leitura, compreensão, interpretação e

- 303 -
análise comparativa dos dados pesquisados nos cadernos de provas do
SAEPE, 2015, considerando a Matriz de Referência do SAEPE.

A teoria dos registros de representação semiótica


Partindo do entendimento de que “a compreensão em
Matemática implica a capacidade de mudar de registro. Isso porque
não se deve jamais confundir um objeto e sua representação”
(MACHADO, p. 21), o estudo da Teoria dos Registros de Representação
Semiótica na perspectiva das pesquisas de Durval traz grandes
possibilidades de contribuição para o ensino de Álgebra e
conhecimentos matemáticos no 3º ano do ensino médio, pois permite
aos estudantes compreenderem que há uma diversidade de
representação para um mesmo objeto matemático. Entretanto, se faz
necessário ter o cuidado para não confundir o objeto matemático com
suas representações. Segundo esta teoria existe dois tipos de
transformações de representações semióticas, os chamados de
tratamentos e as conversões, e que são radicalmente diferentes. Ao
resolvermos uma equação realizamos transformações de
representações dentro de um mesmo registro, esta situação trata-se
de um tratamento. Temos como exemplo o equacionamento de uma
equação do 1º grau,

5x + 2 = x + 10
5x + 2 - 2 = x + 10 – 2
5x – x – x + 8 – x
4x (: 4) = 8 (: 4)
x=2

- 304 -
As conversões são transformações de representações que
embora ocorra à mudança de registro os objetos denotados são
conservados. Temos como exemplo a representação algébrica de uma
função do 2º grau dada o seu gráfico. Segundo Durval (2003), do ponto
de vista matemático, a conversão não chama a atenção sendo
considerada como uma atividade lateral, servindo de suporte para os
tratamentos que se efetuam em um mesmo registro. Mas é a
conversão que, do ponto de vista cognitivo, aparece como atividade
representacional fundamental, aquela que conduz aos mecanismos
subjacentes à compreensão. Segundo Duval (2003, p. 14),

a originalidade da atividade matemática está na


mobilização simultânea de ao menos dois registros
de representação ao mesmo tempo, ou na
possibilidade de trocar, a todo o momento, de
registro de representação.

Ainda de acordo com Durval (2003), a excessiva valorização,


por parte dos professores, das operações de tratamento pode levar os
estudantes a confusão entre o objeto e sua representação, o que não
ocorre nas operações de conversão devido às várias representações
associadas a um mesmo objeto.

Resultados e Discussões
No intuito de verificar o desempenho dos estudantes de 3º ano
do Ensino Médio nas avaliações de Matemática do SAEPE, após a
aplicação da avaliação de larga escala, SAEPE / 2015 nas escolas

- 305 -
estaduais de Pernambuco, selecionamos aleatoriamente uma escola
de referência em ensino médio localizada na cidade de Garanhuns e,
solicitamos junto à gestão desta escola o acesso aos cadernos de
testes aplicados em três (03) turmas concluintes do Ensino Médio. De
posse desses cadernos fizemos um levantamento das questões
referentes à Álgebra, mas especificamente as questões relacionadas à
função do 1º grau.
Nos testes do SAEPE, as habilidades que se deseja avaliar estão
indicadas em uma Matriz de Referência já que as avaliações em larga
escala não têm como objetivo avaliar os estudantes em todos os
conteúdos presentes no currículo. As Matrizes de Referência detalham
o que será avaliado. No caso dessa pesquisa, os itens selecionados
para análise foram os descritores D18 (reconhecer a expressão
algébrica que representa uma função a partir de uma tabela) e o D 23
(reconhecer a representação algébrica de uma função do 1º grau dada
o seu gráfico e vice-versa), constantes na Matriz de Referência abaixo
relacionada:

- 306 -
Fonte: http://www. saepe. caedufjf. net/

- 307 -
Itens Analisados nos cadernos do SAEPE/2015 foram os seguintes:
D18 (reconhecer a expressão algébrica que representa uma função a partir
de uma tabela)

D23 (reconhecer a representação algébrica de uma função do 1º grau dada


o seu gráfico e vice-versa)

Fonte: http://www. saepe. caedufjf. net/

- 308 -
Após essa etapa, realizamos a compilação do número de
acertos e erros dos estudantes nesses itens de acordo com os
descritores avaliados. Os resultados estão distribuídos no quadro
abaixo:

SÉRIE/NÚMERO DE ESTUDANTES
3ªA/35 3ªB/31 3ªC/32
DESCRITO
ACERTO ERRO ACERTO ERRO ACERTO ERRO
R
S S S S S S
D18
10 25 8 23 4 28
D23
03 32 0 31 4 28

Quadro1 Distribuição de erros e acertos dos estudantes nos descritores


avaliados – SAEPE/2015
Fonte: http://www. saepe. caedufjf. net/

De acordo com os resultados analisados podemos perceber


que, em relação ao D18, observamos na turma A, com um número de
35 estudantes, 10 acertos e 25 erros correspondendo respectivamente
a 28, 57% e 71, 43% do número de estudantes da turma, na turma B
composta por 31 estudantes os resultados foram 8 acertos e 23 erros
correspondendo respectivamente a 25, 80% e 74, 20% do número de
estudantes da turma e na turma C, com 32 estudantes tivemos 4
acertos e 28 erros totalizando 12, 50% e 87, 50% dos estudante, nessa
ordem.
No que se refere ao D23 tivemos como resultados, na turma A
3 acertos e 32 erros corresponde a 8, 57% e 91, 43% do número de

- 309 -
estudantes, na turma B 0 acertos e 35 erros demonstrando que todos
os estudantes não acertaram o item e na turma C, os resultados foram
4 acertos e 28 erros correspondendo a 12, 50% e 87, 50% dos
estudantes da turma.
Diante dos resultados apresentados e da importância dos
registros de representação, como ressaltados anteriormente no texto,
reitera-se a importância da formação de professores no sentido do
aperfeiçoamento da prática docente através de uma maior discussão
acerca das metodologias e práticas de sala de aula que contemplem o
registro das representações semióticas nas atividades matemáticas, a
fim de que haja melhoria nos resultados de aprendizagem da Álgebra
em turmas de ensino médio, especialmente da escola pesquisada, pois
diante dos estudos desenvolvidos nessa pesquisa, a Álgebra se
apresenta como uma poderosa ferramenta para se resolver problemas
e aguçar o raciocínio lógico do estudante.
Os resultados aqui apresentados evidenciam que os
estudantes dessa etapa de ensino apresentam muitas dificuldades em
reconhecer o mesmo objeto matemático em diferentes registros de
representação, o que reforça a teoria de Durval (2003) quando
enfatiza que,

numerosas observações nos permitem colocar em


evidência que os fracassos ou bloqueios dos
alunos, nos diferentes níveis de ensino, aumentam
consideravelmente cada vez que uma mudança de

- 310 -
registros é necessária ou que a mobilização
simultânea de dois registros é necessária (p. 34).

Nos resultados analisados, percebeu-se que ainda “existe um


“enclausuramento” de registro impedindo o estudante de reconhecer
o mesmo objeto matemático quando apresentado em duas
representações distintas” (DURVAL, 2003), o que reitera a importância
do estudo da teoria de representação semiótica nas aulas de
Matemática atreladas aos conteúdos com estratégias diversificadas, a
fim de que se possa romper com esse ‘enclausuramento”, o qual não
permite que o estudante adquira novos conhecimentos no campo da
Matemática.
É fato que os objetos matemáticos, devido a sua abstração, não
podem ser percebidos com o uso de instrumentos como ocorre em
outras áreas do conhecimento, o que requer o entendimento de que
para se ter acesso a esses objetos necessita-se da mobilização dos
registros de representação semiótica. Sendo assim, cabe ao professor
criar um ambiente em sala de aula propício ao ensino e aprendizagem
da Álgebra, partindo dos erros apresentados pelo estudante para
realizar um redirecionamento de sua prática pedagógica.
Por outro lado, os resultados dessa pesquisa no que se refere
aos itens analisados sobre Álgebra na avaliação do SAEPE, revelam que
o trabalho com esse campo do conhecimento ainda está concentrado
na manipulação de símbolos que muitas vezes não apresenta
significados para o estudante, o que acaba contribuindo para acentuar

- 311 -
as dificuldades dos estudantes e dar continuidade a muitos erros no
momento de uma avaliação, a julgar pelos resultados das avaliações
em larga escala e por diversas pesquisas já realizadas no campo da
educação matemática que comprovam tal situação. De acordo com os
Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, p. 75),

[...] para que a aprendizagem possa ser significativa


é preciso que os conteúdos sejam analisados e
abordados de modo a formarem uma rede de
significados. Se a premissa de que compreender é
apreender o significado, e de que para apreender o
significado de algum objeto ou acontecimento é
preciso vê-lo em suas relações com outros objetos
ou acontecimentos, é possível dizer a ideia de
conhecer assemelha-se a ideia de tecer uma teia.

De acordo com Lins e Gimenes (1997, p. 137), “A atividade


algébrica consiste no processo de produção de significados para a
álgebra”. No entanto, percebemos diante do exposto há necessidade
de um trabalho mais eficaz para que se tenham essas atividades
dotadas de significados para os estudantes, proporcionando melhores
resultados e minimização dos frequentes erros. Os estudantes
apresentam grandes dificuldades na aprendizagem da Álgebra e os
seus erros devem ser encarados não como uma falta de competência
para essa aprendizagem e sim como instrumentos para
implementação de novas posturas dos professores em relação a essas
dificuldades.

- 312 -
Uma decorrência do princípio construtivista é o
fato de o erro apresentar-se como uma
oportunidade didática para o professor organizar
melhor o seu ensino afim de criar situações
apropriadas para o aluno superar seus erros e
apropriar-se dos conhecimentos necessários à sua
cidadania (PINTO, 2000, p. 11)

Diante dos resultados do estudo realizado foi possível perceber


a importância da Teoria dos Registros de Representação Semiótica à
melhoria da aprendizagem dos conhecimentos matemáticos dos
estudantes se ao planejar o ensino da Matemática o professor levar
em consideração que o objetivo do ensino da Matemática não está em
formar matemáticos na educação básica, e sim contribuir para a
formação integral do estudante, para o seu desenvolvimento geral a
fim de que o mesmo esteja em condições de intervir em uma
sociedade cada mais complexa e tecnológica.
Nesse sentido, parece oportuno ressaltar que a atividade em
todos os campos da Matemática, não somente no que se refere ao
aprendizado da Álgebra, deve está imbuída de significado, para que
possa ajudar o estudante a vencer as barreiras impostas pela ausência
de uma maior apropriação de conhecimentos da Matemática.

Conclusões
Sem a pretensão de esgotar a discussão sobre a importância
dos registros de representação semióticas articulados aos
conhecimentos matemáticos, parece oportuno ressaltar que ainda é

- 313 -
muito limitado o conhecimento e a compreensão dos estudantes nos
conteúdos e itens que envolvem a Álgebra e os registros de
representação semiótica nas avaliações do SAEPE, o que reitera a
importância de que a prática docente no ensino da Matemática seja
atualizada em momentos de formação continuada, por ser esta um
espaço de grande aprendizado e melhoria do desenvolvimento
profissional do professor.
Desse modo, pode-se dizer que tais estudos evidenciam-se
como possibilidades de aprofundamento no campo das produções
acadêmicas para o fortalecimento das pesquisas sobre o ensino da
Álgebra e a relevância da mobilidade dos registros de representação
semiótica nos conhecimentos matemáticos, pois no cenário
educacional brasileiro, percebe-se que ainda se tem muito a fazer,
para que o estudante de 3º ano do ensino médio compreenda as
relações e importância dos registros das representações semióticas na
construção do conhecimento matemático devido a própria limitação
epistemológica dos docentes sobre esse assunto. Nesse caso, pode-se
ressaltar que a formação continuada dos professores de Matemática
é considerada um meio favorável para que mudanças significativas
venham a acontecer na prática pedagógica desses profissionais e nos
resultados de aprendizagem dos estudantes.
Por fim, não seria possível encerrar essas considerações finais
sem destacar a importância que um tipo de estudo como este, pode
trazer à formação de professores de Matemática, bem como à

- 314 -
compreensão de problemas matemáticos pelos estudantes, uma vez
que oportuniza uma reflexão sobre registros de representação
semiótica em diferentes contextos.
Nesse sentido, alguns desdobramentos a partir dessa pesquisa
são identificados, dentre estes, recomenda-se o estudo exploratório
para análise do quadro de baixo desempenho dos estudantes de
ensino médio na identificação e compreensão das representações
semióticas na construção de conhecimentos matemáticos e sua
relação com as necessidades de formação para os professores de
ensino médio nessa perspectiva. Esse é um indicador que merece
atenção dada a sua relevância à melhoria do desenvolvimento
profissional dos professores e desempenho dos estudantes nas
avaliações externas, especialmente nesse estudo, no SAEPE.

- 315 -
Referências

ALMEIDA, Jadilson Ramos de. Problemas propostos para o ensino de


equações polinomiais do 1º grau com uma incógnita: Um estudo
exploratório nos livros didáticos de matemática do 7º ano do ensino
fundamental. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação
em Educação da UFPE. Recife: 2011.

ANDRÉ, Regina Celi de Melo. Investigando a transição da linguagem


natural para linguagem algébrica: o equacionamento de enunciados
de problemas à luz dos registros de representação semiótica.
Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação
da UFPE. Recife: 2007.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais : Matemática. /Secretaria


de Educação Fundamental. Brasília : MEC /SEF, 1998.

COSTA, Wagner Rodrigues. Investigando a conversão da escrita


natural para registros em escrita algébrica em problemas envolvendo
equações do primeiro grau. Dissertação de Mestrado. Programa de
Pós-Graduação em Educação da UFPE. Recife: 2010.

DUVAL, R. Registros de Representações Semióticas e Funcionamento


Cognitivo da Compreensão em Matemática. In: MACHADO, Sílvia Dias
Alcântara (Org.), Aprendizagem em matemática: registros de
representação semiótica. Campinas: Papirus, 2010.

LINS, Rômulo Campos e GIMENEZ, Joaquim. Perspectivas em


aritmética a álgebra para o século XXI. Campinas: Papirus, 1997.

MARCHAND, p. & BEDNARZ, N. L‟enseignement de l‟algèbre au


secondaire: une analyse des problèmes présentés aux élèves. In
Bulletin AMQ, Vol. XXXIX, N°4. Québec: AMQ, 1999

PINTO, N. B., O erro como estratégia didática: estudo do erro no


ensino da matemática elementar. Campinas:Papirus, 2000.

- 316 -
SAEPE – 2015/ Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de
Educação, CAEd. v. 1 (jan. /dez. 2015), Juiz de Fora, 2015 – Anual.

SCHÖN, Donald A.; Formar professores como profissionais reflexivos,


in Os professores e sua formação. Publicações Dom Quixote, 1997.

- 317 -
Sobre os autores

Ana Carolina Machado Ferrari


http://lattes. cnpq. br/3733548420359886
Doutoranda e mestre em Educação - Conhecimento e Inclusão Social
pela Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG; pós-graduanda em
Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Escola Superior Aberta do
Brasil; pedagoga, graduada pela Universidade do Estado de Minas
Gerais, UEMG, especialista em Comportamento Organizacional e
Gestão de Pessoas com foco em inclusão organizacional. Tem
experiência na área de Educação, com ênfase em educação Inclusiva,
educação organizacional, formação de professores e em coordenação
pedagógica. Já atuou como pedagoga organizacional da Federação
Nacional de educação e integração dos Surdos e como pedagoga na
Universidade FUMEC, responsável pela coordenação pedagógica da
Faculdade de Ciências Empresariais - FACE, orientação educacional dos
alunos e supervisão dos tradutores intérpretes de Libras. Enquanto
pedagoga da FUMEC assessorou e acompanhei todo o processo de
reconhecimento de cinco cursos de graduação, dos quais quatro
obtiveram nota 4 e um, nota 3.

Ângela Valéria Alves de Lima


http://lattes. cnpq. br/4075380055242993
Doutora em Linguística pela UFPE, universidade em que cursou o
mestrado e a graduação em Letras. Atualmente, é professora adjunta
do Curso de Letras da Universidade Federal Rural de Pernambuco
(Unidade Acadêmica de Garanhuns) e do Mestrado Profissional em
Letras (PROFLETRAS) e líder do Núcleo de Pesquisa em Discurso e
Ensino (NUPEDE) na mesma universidade, onde atua nas áreas de
Linguística e Língua Portuguesa, com os seguintes e principais temas:
leitura, produção de texto, análise linguística, avaliação, ensino e
contexto numa abordagem sócio-cognitivista. Também é membro do

- 318 -
conselho deliberativo do Centro de Estudos em Educação e Linguagem
(CEEL) da UFPE.

Beliza Stasinski Lopes


http://lattes. cnpq. br/4833047434605522
Mestranda em Educação na Universidade de Santa Cruz do Sul,
bolsista CAPES/PROSUC I, participante da Linha de Pesquisa: Trabalho,
Educação e Emancipação, possui Especialização em Ensino de
Sociologia no Ensino Médio pela UFSM em 2015, é graduada em
bacharelado e licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul em 2009 e 2012 respectivamente,
atuando em pesquisa principalmente nos seguintes temas:
movimentos sociais, gênero e educação.

Carlos Eduardo B. Alves


http://lattes. cnpq. br/5393302796173428
Mestre em Letras pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, na
Unidade Acadêmica de Garanhuns (UFRPE/UAG). Possui graduação
em Letras - Habilitação Português e Inglês, pela AESA/CESA (2001) e
especialização em Avaliação Educacional em Língua Portuguesa pela
UFPE (2003). Atualmente, é professor da Rede Estadual de Educação
de Pernambuco, atuando como Coordenador Geral do Departamento
de Ensino (Coordenação Geral do Desenvolvimento da Educação -
CGDE), na Gerência Regional de Educação do Agreste Meridional. Atua
no acompanhamento de programas e projetos voltados para a
Educação Básica, suas Etapas e Modalidades, bem como, realização de
formações continuadas na área de Língua Portuguesa, Gestão
Pedagógica e Avaliação da Aprendizagem e Institucional. Como
pesquisador, tem interesse de estudos nas áreas de formação
continuada de professores, ensino de Língua Portuguesa e Avaliação
da Aprendizagem.

- 319 -
Daniele Cristina de Souza Silvestre Caroba
http://lattes. cnpq. br/5556634287616532
Graduanda em Pedagogia (Centro Universitário Metodista Izabela
Hendrix). Professora da Educação Infantil. Membro voluntário do
Grupo de estudos em educação, direitos humanos e inclusão - GEDHI,
sendo orientada pela Professora Ma. Ana Carolina Machado Ferrari.

Denise Pimenta de Oliveira


http://lattes. cnpq. br/2719294453673880
Mestranda em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás.
Possui graduação em Letras - Língua Portuguesa pela UFG (2011) e
especialização em Retórica e Argumentação pelo Centro Universitário
de Araraquara (Uniara - 2015). É revisora de textos da Editora
Universidade de Brasília. Tem experiência na área de Letras, com
ênfase em Língua Portuguesa.

Dulcineide da Silva Gomes


http://lattes. cnpq. br/9535381979519439
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (2009). Professora da Rede Municipal de Natal,
exercendo a função de Gestão escolar (administrativo-financeira) na
Escola Municipal Djalma Maranhão. Mestranda em Educação na linha
Educação: Práticas Pedagógicas e currículos na Universidade Federal
do Rio Grande do Norte.

Fernanda Monteiro Rigue


http://lattes. cnpq. br/1520364228695308
Possui graduação em Química Licenciatura Plena pelo Instituto Federal
Farroupilha - Campus São Vicente do Sul (2015) e Mestrado em
Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (2017). Atualmente é
Doutoranda em Educação pelo PPGE/UFSM (2017) e Bolsista de
Demanda Social da CAPES (outubro/2017). Tem experiência em
programas de Iniciação à Docência como Bolsista/Pesquisadora no

- 320 -
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID -
Capes) (2011/2014) e, como Bolsista no Programa Institucional de
Bolsa de Iniciação à Tecnologia e Inovação (PIBITI), fomentado pelo
CNPQ (2014/2015). Atuação na área de Educação, Formação Inicial de
professores, Ensino de Ciências e Química e Genealogia. Pesquisadora
do GPKosmos - Grupo de Pesquisas sobre Educação na Cultura Digital
e Redes de Formação, por meio do Projeto Inovar da UFSM, RS.

Fernando Rodrigues da Costa


http://lattes. cnpq. br/3433143199009449
Possui Graduação em Letras - Português (Bacharelado e Licenciatura)
pela Universidade de São Paulo - USP (2015) e atualmente é Pós-
Graduando no curso de Literatura e Vida Social na Faculdade de
Ciências e Letras da UNESP - Campus de Assis. Foi bolsista do Coral da
USP, tendo também trabalhado anteriormente junto com a Orquestra
Sinfônica da USP (OSUSP) na Universidade de São Paulo. Tem
experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira,
Literaturas Africanas e Ensino de Língua Portuguesa. Atuou ainda na
área administrativa do setor público durante um estágio na FUNDAP,
trabalhou com diversos Cursinhos Populares de São Paulo e também
como Estagiário no Setor Educativo do Museu Paulista da USP durante
o ano de 2014.

Gregory Luis Rolim Rosa


http://lattes. cnpq. br/7273279328334248
Mestrando em Educação, linha Políticas Educacionais na Universidade
Federal do Paraná - UFPR. Graduado em Licenciatura em Pedagogia na
Universidade Estadual de Ponta Grossa. Foi Apoio técnico a pesquisa
CNPq no Projeto Análise epistemológica de políticas educacionais:
explorando as contribuições e as possibilidades da meta-análise e
suporte técnico e administrativo na Revista Práxis Educativa
PPGE/UEPG. Fez parte do Grupo Estudos e Pesquisa de Políticas
Educacionais e Práticas Educativas - GEPPEPE vinculado ao Programa
de Mestrado em Educação da UEPG? Universidade Estadual de Ponta

- 321 -
Grossa - PR e coordenado pelo Prof. Dr. Jefferson Mainardes. Foi
representante discente no Colegiado e Centro Acadêmico do Curso de
Licenciatura em Pedagogia da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

Gustavo Morais de Queiroz


http://lattes. cnpq. br/1210391295872093
Possui graduação em Jornalismo pela Universidade Católica de
Pernambuco (2002) e mestrado em Antropologia pela Universidade
Federal de Pernambuco (2006). É professor universitário e
pesquisador da Universidade de São Paulo. Participou de projeto na
Universidade de Londres. Tem experiência acadêmica nas áreas de
Comunicação e Antropologia atuando principalmente nos seguintes
temas: IHC, tecnologia, comunicação e metodologias de pesquisa.
Atua também em projetos de inovação nas áreas de Interação
Homem-Computador e Design Research.

Jose Robson de Araújo


http://lattes. cnpq. br/5353901190533610
Possui graduação em Matemática pela Universidade de Pernambuco.
Especialização no Ensino de Matemática - Universidade de
Pernambuco. Atualmente é professor de Matemática na rede privada
de ensino - Colégio Santa Sofia, professor de matemática da Prefeitura
Municipal de Caetés e professor na Secretaria de Educação de
Pernambuco. Tem experiência na área de Matemática, com ênfase em
educação Matemática; em formação de professores de Matemática
sendo membro do Núcleo de Formação Continuada (NFC) da Gerência
Regional de Educação do Agreste Meridional (GRE-AM) na
Coordenação Geral de Desenvolvimento do Ensino (CGDE). Como
pesquisador tem interesse em estudos na área de Matemática com
ênfase no processo de ensino e aprendizagem da Álgebra; formação e
profissionalização docente; tecnologias aplicadas à educação;
educação.

- 322 -
Karina Limonta Vieira
http://lattes. cnpq. br/0217091409131974
Atualmente é Pesquisadora Associada da Universidade Livre de Berlim
na área de Antropologia da Educação e desenvolve o projeto: A
mimesis no cotidiano: videoanálise de brincadeiras com crianças de
famílias brasileiras em Berlim. Doutora em Educação Escolar no
Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar (bolsista Cnpq) pela
Universidade Estadual Paulista com doutorado sanduíche na
Universidade Livre de Berlim (bolsista Capes). Possui graduação em
Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(2002) e mestrado em Educação Escolar [Araraquara] pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2007). Tem
experiência na área de Antropologia da Educação, no ensino em cursos
de Pedagogia e licenciaturas, como revisora de livros didáticos e
elaboração de cursos a distância.

Kelly Letícia da Silva Sakata


http://lattes. cnpq. br/3297671225940249
Mestranda em Educação pela Universidade Estadual do Centro-Oeste
- UNICENTRO. Possui graduação em Pedagogia pela Universidade
Estadual de Ponta Grossa - UEPG e formação no Curso de Secretariado
- Instituto Tecnológico de Barueri - Sp. Foi representante discente do
departamento de Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa
- UEPG em 2016. Atualmente é integrante do Grupo de Pesquisa
Estado, Política e Gestão em Educação (UNICENTRO/IRATI-PR).

Luciane Guisso
http://lattes. cnpq. br/0344752785597237
Doutoranda em Psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), junto a área de Desenvolvimento e Saúde. Mestrado em
Psicologia Escolar na Universidade Federal de Santa Catarina UFSC
(2017). Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de
Santa Catarina (2013), graduação em Serviço Social pela Universidade
Federal de Santa Catarina (2005). Atualmente realiza especialização

- 323 -
em terapia relacional sistêmica. Tem experiência na área de Psicologia
escolar e educacional, famílias, famílias com filhos pequenos.

Lucineide Maria dos Santos Soares


http://lattes. cnpq. br/6693718276833234
Possui graduação em Licenciatura Plena em Pedagogia pela
Universidade Estadual do Piauí (1998), Mestrado em Educação pela
Universidade Federal do Piauí (2011). Atualmente é Professora
assistente da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Doutoranda em
Educação na Universidade de São Paulo/USP e pesquisadora
colaboradora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas
Educacionais e Gestão da Educação -NUPPEGE da Universidade
Federal do Piauí. Vem atuando em pesquisas principalmente nos
seguintes temas: Financiamento da Educação Pública, Controle Social
dos Recursos do FUNDEF/FUNDEB, Valorização dos Profissionais da
Educação, Gestão Pública e políticas educacionais brasileira. Militante
da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Mariana Luzia Corrêa Thesing


http://lattes. cnpq. br/9906402863457157
É doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), na Linha de Pesquisa de
Educação Especial, e mestre em Educação pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUC/RS). Possui curso de especialização na área da
Educação Especial pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/PR) e
curso de especialização na área da Educação pela Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC/SC). É graduada em Pedagogia pela
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/RS). Tem experiência
como professora da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino
Fundamental e do ensino de disciplinas pedagógicas e supervisão de
estágio em curso de formação de professores, em nível de Ensino
Médio. Seus temas de pesquisa são: formação de professores,
Educação Especial, políticas públicas. Participa do Grupo de Estudos e

- 324 -
Pesquisas em Psicologia da Educação e Educação Inclusiva -
GEPEIN/CE/UFSM. Atualmente é bolsista de Demanda Social da
CAPES, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de Santa Maria.

Marina Gleika Felipe Soares


http://lattes. cnpq. br/5527013094839934
Possui graduação em Direito (2012) e Licenciatura Plena em Pedagogia
(2014). Mestre em Educação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI)
(2016) e pesquisadora colaboradora do Núcleo de Estudos e Pesquisas
em Políticas Educacionais e Gestão da Educação -NUPPEGE da
Universidade Federal do Piauí sob a coordenação da Profª Drª Rosana
Evangelista da Cruz. É Pós-Graduada em Docência do Ensino Superior
(2013) e Psicopedagogia Institucional (2014). Atuou como Professora
do Centro Universitário UNINOVAFAPI das disciplinas: Metodologia
Cientifica e Tópicos Gerais (Português I) nos cursos: Medicina,
Odontologia, Enfermagem, Biomedicina, Nutrição, Fisioterapia, Design
de Interiores, Design de Moda, Radiologia e Direito. Foi tutora no curso
de especialização do Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de
Educação do Piauí - PRADIME/UFPI.

Marivete Gesser
http://lattes. cnpq. br/8346556857126554
Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSC.
Graduada em Psicologia, Mestre em Psicologia Social pela PUC-SP e
Doutora em Psicologia pela UFSC. Foi pesquisadora do MEC no âmbito
da Prevenção às Violências na Escola. É coordenadora do NED - Núcleo
de Estudos sobre Deficiência - no qual vem estudando deficiência com
base em uma perspectiva interseccional e política. Também é membro
do Laboratório de Psicologia Escolar e Educacional da UFSC; do
Margens (Núcleo de Estudos Modos de Vida, Família e Relações de
gênero); e do GT da ANPPEP Psicologia, Política e Sexualidades. A partir
de setembro de 2016 iniciou a atuação como Conselheira do Nono
Plenário do CRP 12 onde atua como Coordenadora do CREPOP - Centro

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de Referência em Psicologia e Políticas Públicas. Estuda os seguintes
temas: estudos sobre deficiência, gênero e deficiência, deficiência e
direitos humanos, processos educativos e constituição do sujeito,
educação inclusiva.

Milena Carolina Fiorini


http://lattes. cnpq. br/3418045952819313
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da UFSC (Área 3: Saúde e
Desenvolvimento Psicológico); Mestrado - PPGP / UFSC - 2017 (Área I:
Psicologia das Organizações e do Trabalho / Linha 2: Formação
Profissional, desenvolvimento de carreira e inserção no trabalho);
Especialista em Psicologia Sistêmica - Familiare Instituto Sistêmico -
2017; Graduação em Psicologia - UFSC - 2008; Professional & Self
Coaching - IBC (Instituto Brasileiro de Coaching) - 2014. Atua como
professora, consultora na área de gestão de pessoas e atendimento
psicoterapêutico individual, conjugal e familiar.

Rebeca Cássia Andrade


http://lattes. cnpq. br/2587526652450164
Sou doutoranda em Educação, Linha de Educação e Ciências, pela
Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Agronomia/
Entomologia, pela Universidade Federal de Lavras e Bacharel em
Agronomia, pela mesma instituição. Licenciada em Biologia pelo
Programa Especial de Formação Pedagógica de Docentes do Centro
Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. Tenho interesse nas
áreas de Produção e Circulação do Conhecimento; Sistemas de
conhecimento em diferentes práticas sociotécnicas; Relações entre
conhecimento científico, cotidiano e escolar; Educação Intercultural;
Educação do Campo; Educação Ambiental; Entomologia;
Agroecologia; Agricultura Urbana e Orgânica. Faço parte do grupo de
pesquisa Processos e Relações na Produção e Circulação do
Conhecimento liderado pelo professor Francisco Ângelo Coutinho da
Faculdade de Educação da UFMG.

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Tascieli Feltrin
http://lattes. cnpq. br/5820005433405126
Mestra em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação
(PPGE) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Especialista
em Gestão Escolar pela UFSM/UAB (2013), Graduada em Letras
licenciatura plena em Língua Portuguesa, Língua Espanhola e
respectivas Literaturas pela Faculdade Metodista de Santa Maria
(FAMES/2011), e Tutora do Curso de Formação de professores para a
Educação Profissional pela UAB. Atuou como Bolsista no projeto
Biblioteca Comunitária: Embarque na Onda da Leitura (FAMES), e
como educadora no projeto de Extensão Práxis Pré-Vestibular Popular
da UFSM (2014). Atualmente atua como educadora de língua
portuguesa na Rede Municipal de Santa Maria, e desenvolve
atividades de incentivo à leitura e escrita criativa através da oficina de
criação literária Imagina Mundos. Possui experiência nas seguintes
áreas de estudo: Educação Popular, Culturas Periféricas, Educação de
Jovens e Adultos, História da Educação, Educação Libertária, Literatura
Popular e Multiletramentos e experiências educacionais não-
escolares.

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