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A difícil aplicabilidade da legislação de faixas marginais de

proteção de rios urbanos: O caso do município de Mesquita na


Baixada Fluminense
Ana Lucia Nogueira de Paiva Britto
Geógrafa, Mestre em Planejamento Urbano, Doutora em urbanismo
Professora do PROURB -FAU-UFRJ
anabrittoster@gmail.com

Yasmim Ribeiro Mello


Geógrafa, Mestre em Engenharia Civil pela COPPE-UFRJ, Doutoranda do PROURB -FAU-UFRJ,
Bolsista de Desenvolvimento Tecnológico Industrial do CNPq - Nível C.
yasmimribeiro@yahoo.com.br

Paulo Roberto Ferreira Carneiro


Biólogo, Mestre em Planejamento Urbano, Doutor em Engenharia Civil pela COPPE-UFRJ,
Pesquisador Pós-doutor do PROURB-FAU_UFRJ
carneiro@hidro.ufrj.br

Paula Sousa de Oliveira Barbosa


Geógrafa, Mestranda em Urbanismo no PROURB-FAU-UFRJ
paula_sobarbosa@hotmail.com

Resumo: A grande maioria das cidades brasileiras, sobretudo aquelas integrantes


de regiões metropolitanas, apresentam significativas modificações ao longo dos
cursos d’água, onde as faixas marginais de proteção foram submetidas a processos
de impermeabilização, retificação dos rios, construção de moradias, estradas, etc. e,
por se tratarem de APPs, constituem-se em faixa non aedificandi, ou seja, não é
permitido a construção de moradias ao longo de lagos, rios, cursos d’água,
nascentes, etc. O objetivo deste texto é discutir os instrumentos regulatórios que
incidem sobre as APPs em margens de rios urbanos, considerando o território da
Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com um exame particular do caso do
Município de Mesquita. Constatamos que os diferentes marcos regulatórios
existentes (federal, estadual e municipal, no caso do PD de Mesquita), por serem
por vezes conflitantes, induzem a uma para paralisia no tratamento dado pelo poder
público às faixas marginais de proteção de rios urbanos. O texto aponta para a
necessidade de uma base normativa que oriente a proteção das faixas marginais de
rios urbanos, que permita uma aplicação que não seja genérica, mas que se adéqüe
às especificidades dos diferentes territórios urbanos.

Palavras chaves: rios urbanos, urbanização, Mesquita-RJ, faixa marginal de


proteção

Abstract:
The vast majority of Brazilian cities, especially those members of metropolitan
regions, show significant changes over their watercourses: rectification,
waterproofing, illegal occupation of floodplain where concrete replaces the natural
soil, and houses replaces trees. The aim of this paper is to discuss the regulatory
instruments that protect urban rivers floodplain from occupation, considering the
territory of the Metropolitan Region of Rio de Janeiro, with an examination of the
particular case of the Municipality of Mesquita. We found that the different regulatory
frameworks existing (federal, state and municipal, in the case of the PD de
Mesquita), because they are sometimes conflicting, induce paralysis in the treatment
by the government to track protection of urban rivers. The text points out the need for
a new normative basis to guide the protection of urban rivers floodplains, which will
allows an application that won’t be generic, but that will fit the specific characteristics
of different urban areas.

Keywords: urban rivers, urbanization, floods, Mesquita-RJ

Introdução
O tema das áreas de preservação permanente (APPs) em terras marginais de rios
tem sido amplamente discutido ao longo das últimas décadas, especialmente
quando se trata da inserção dessas em áreas urbanas. O debate ganha relevo em
regiões metropolitanas, cujo padrão observável é o da valorização do solo urbano
dotado de infraestrutura com a concomitante expulsão das populações pobres para
as áreas sem valor de mercado situadas próximas aos cursos d’água. Com o tempo,
esses locais vão sendo adensados de forma irregular, criando situações de
iniquidade social e de riscos, difíceis de serem resolvidos. Por outro lado, também
são observadas construções de imóveis públicos e privados em flagrante desacordo
com a legislação que trata da proteção dos corpos d’água. Essas áreas, por se
tratarem de APPs, constituem-se em faixa non aedificandi, ou seja, não são
permitidas edificações permanentes ao longo de lagos, rios, cursos d’água,
nascentes, etc.. O objetivo deste texto é discutir os instrumentos regulatórios que
incidem sobre as APPs em margens de rios urbanos considerando o território da
Região Metropolitana do Rio de Janeiro, em particular o Município de Mesquita.
Partimos da hipótese de que os instrumentos existentes são, por um lado,
ineficazes, não assegurando a proteção das faixas marginais, hoje na sua maior
parte profundamente alteradas pelo processo de ocupação e, por outro, também são
inadequados na perspectiva do uso sustentável das mesmas. Esta fragilidade se dá,
não só pelas características próprias aos instrumentos regulatórios, mas também em
decorrência da problemática articulação entre níveis de governo e setores de
planejamento dentro da mesma esfera de governo, cuja ação incide sobre as faixas
marginais. As competências entre estados e municípios muitas vezes parecem
confusas, podendo gerar conflitos e sobreposição legal. De fato, como assinalam
Santos e Scagliusi “legislações municipais e estaduais complementares e aquelas
de âmbito federal, como a Resolução CONAMA 369, a Lei 10.257/01, ou o Estatuto
da Cidade e a recente Lei 11.977/09, conhecida como ‘Minha Casa, Minha Vida’,
que procuraram abrigar algumas possibilidades de consolidação e regularização das
APPs estabelecidas na Resolução CONAMA 303, ao contrário de seus bons
objetivos têm contribuído para mais confundir e conflitar legisladores, órgãos de
fiscalização ambiental e empreendedores urbanos” (SANTOS; SCAGLIUSI, 2011)

O marco regulatório de proteção das faixas marginais


É a partir de meados dos anos 60 que as terras marginais de rios urbanos adquirem
estatuto legal visando sua proteção em relação à ocupação por um conjunto de leis
federais e estaduais. Nesse sentido, o Código Florestal de 1965 definiu como “área
de preservação permanente: área protegida nos termos dos artigos 2º e 3º desta lei,
coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os
recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo
gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações
humanas;” (artigo 1º § 2º da lei 4771/65 modificada pela M.P. 2166/2001 que altera
os arts. 1o, 4o, 14o, 16o e 44o, e acresce dispositivos à Lei nº 4.771, de 15 de
setembro de 1965, que institui o Código Florestal). No que concerne às matas
ciliares, a Lei nº 4.771/65 estipulava uma faixa de 5 metros, para cursos de água de
até 10 metros de largura.
Na ausência de outra regulamentação, o Código Florestal era aplicável também nas
áreas urbanas. Todavia, a partir de 1979, o parcelamento do solo urbano passou a
ser regulamentado pela Lei 6.766/79. A lei, que dispõe sobre o parcelamento do solo
urbano, estabelece em seu artigo 3º que somente será admitido o parcelamento do
solo para fins urbanos em zonas urbanas ou de expansão urbana, assim definidas
por lei municipal e, em parágrafo único, determina: “Não será permitido o
parcelamento do solo em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações; antes de
tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas”.
A mesma lei, em seu artigo 4º, diz que os loteamentos deverão atender, pelo menos,
as seguintes recomendações: “ao longo das águas correntes e dormentes e das
faixas de domínio público das rodovias, ferrovias e dutos, será obrigatória a reserva
de uma faixa “non aedificandi” de 15 (quinze) metros de cada lado, sem exigência de
área verde, salvo maiores exigências da legislação específica”.
Contudo, como afirma Miranda, “não obstante, no período de tempo compreendido
entre 1965 e 1979, ou seja, durante quatorze anos, a estipulação da largura mínima
em cinco metros das faixas marginais de proteção de corpos hídricos, com largura
de calha de até 10 metros, levou a adoção da regra em quase todas as legislações
urbanísticas brasileiras, e muitos estados e municípios simplesmente não aplicavam
a norma da Lei 6.766/79, mas anotavam em suas leis edilícias e urbanísticas, o
limite de 5 metros” (MIRANDA, p5., 2008).
Em 1986 a Lei Federal no 7.511 ampliou a faixa de proteção ao longo dos cursos
d’água com menos de 10m de largura, de 5m para 30m. Três anos mais tarde a Lei
n° 7.803, de 15 de julho de 1989, que revogou a Lei no 7.511, alterou mais uma vez
a redação do Código Florestal ampliando as faixas marginais aos cursos d’água
consideradas de proteção permanente de 5 metros, para “30 metros para os cursos
d'água de menos de 10 metros de largura” e estabelecendo a medida de “50 metros
para os cursos d'água que tenham de 10 a 50 metros de largura”. A mesma lei
também definiu a aplicação do Código Florestal às cidades, ao acrescentar ao art. 2º
do Código Florestal o Parágrafo único: “No caso de áreas urbanas, assim
entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e
nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido,
observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo,
respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo." Com isso, desde
1989, ficaram aplicáveis simultaneamente duas leis federais com disposições
diversas (largura e uso do solo) sobre a mesma matéria: faixa de área “non
aedificandi” junto aos corpos d’água. Para determinados juristas, a partir de 1989,
não existiria possibilidade de conflito entre as legislações, ficando válidos os
perímetros estabelecidos pela Lei n° 7.803.
O art. 4º desta Lei estabelece que “a supressão de vegetação em área de
preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade
pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em
procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional
ao empreendimento proposto”.
A aplicação genérica do Código Florestal às faixas marginais dos rios urbanos
conflitava com o que estabelecia a Lei de Parcelamento do Solo e gerou um debate,
colocando, de um lado, os ambientalistas e, de outro, planejadores urbanos e
militantes da habitação de interesse social, já que boa parte dessas áreas já estava
ocupada, em grande parte por populações de baixa renda, muitas vezes em
situações consolidadas já há mais de 40 ou 50 anos. Observamos, entretanto, que
essa população se encontrava dentro da mencionada faixa “non aedificandi” e, se
considerada a legislação existente, estavana ilegalidade, , excluídas, portanto, dos
serviços básicos garantidores da qualidade de vida e da segurança presentes na
cidade legal. Por outro lado, na perspectiva ambientalista, reconhecia-se que as
APPs eram espaços territoriais que teoricamente exerciam funções essenciais à
proteção dos ecossistemas, como, por exemplo, melhoria da qualidade da água,
controle de erosão, deslizamentos e assoreamentos, proteção de vales, da
diversidade biológica, dos microclimas, das paisagens, entre outros. Nelas o
desmatamento e a ocupação comprometeriam estas funções.
O desdobramento desse debate entre a preservação ambiental e a regularização
fundiária das ocupações em APPs se deu na discussão da resolução 369 do
CONAMA de 28 de março de 2006, que veio a flexibilizar as restrições da legislação,
estabelecendo os casos excepcionais em que o órgão ambiental competente poderá
autorizar a intervenção ou a supressão de vegetação em APP para a implantação de
obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social, ou para
ações considerada eventuais ou de baixo impacto ambiental, citando, entre estes, a
“regularização fundiária sustentável de área urbana” de interesse social (art. 2, inciso
II alínea c). Como não existe dominialidade municipal de corpos hídricos na
legislação brasileira, o órgão competente será um órgão estadual.
Na seção IV, a mesma resolução estabelece os critérios para a autorização de
intervenção em APP para regularização fundiária sustentável incluindo como
requisito mínimo, entre outros, que a ocupação seja caracterizada como ZEIS.
As ZEIS são perímetros demarcados em Lei, onde se aplicam regras especiais para
favorecer a produção de Habitação de Interesse Social ou para sua regularização,
quando se tratam de áreas de assentamento informal. Têm por objetivo que a HIS
esteja inserida no tecido urbano, evitando remoções e/ou sua segregação para os
limites mais remotos da cidade. Expressam o objetivo de garantir lugar para a HIS,
revendo o conceito de enfocar a questão por meio da construção de grandes
conjuntos habitacionais, que concentram habitação popular em áreas de terreno
barato, distantes do centro, sem infraestrutura e sem acesso, presentes na maioria
das grandes cidades. As ZEIS tiveram origem na década de 80 em Recife, foram
utilizadas em algumas cidades como em Diadema–RMSP (Região Metropolitana de
São Paulo) na década de 90 e inseridas no Estatuto da Cidade, em 2001, entre os
Instrumentos da Política Urbana. (MARTINS, p.28., 2006).
Ao determinar que o órgão ambiental competente poderá autorizar a intervenção ou
a supressão de vegetação em APP para a implantação de obras, planos, atividades
ou projetos de utilidade pública ou interesse social, a resolução do CONAMA
reconhece que essas áreas tiveram sua vegetação removida e perderam sua função
ambiental. No caso da não aplicação dos limites ambientais estabelecidos pelo
Código Florestal, estaria, em princípio, em vigor a norma urbanística, que limita a
faixa não edificante das margens dos corpos hídricos em 15 metros, na forma do
artigo quarto da Lei 6.766/79. Somente no caso de ZEIS, com parâmetros
urbanísticos específicos, este limite poderia ser alterado.
Entendemos que a forma como foi se estruturando a legislação, acabou por espaço
de conflito entre órgão estadual e municípios no que tange a possibilidade de
regularizar ocupações em faixas “non aedificandi”.
De fato, os Planos Diretores são a matriz do desenvolvimento urbano do município e
regulam o uso do solo urbano, indicando diretrizes que incluem tanto os princípios
do Estatuto da Cidade – como a inclusão de instrumentos que envolvem a indução
do desenvolvimento urbano, a regularização fundiária e a democratização de gestão
urbana como as ZEIS, quanto os princípios que abarcam as demais legislações
ambientais, tais como, o Código Florestal e o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (SNUC) – que envolvem uma política mais restritiva quanto ao acesso
à terra, visto que focam na preservação do meio ambiente, sobretudo no que diz
respeito às intervenções em APPs. Contudo, o município não pode, através do seu
Plano Diretor e da Lei de Uso e Ocupação do Solo, definir ZEIS regularizáveis em
áreas delimitadas pelo código florestal como faixa “non aedificandi”, mesmo que esta
área esteja ocupada. A demarcação e a regularização, ou não, das faixas “non
aedificandi” nas margens de rios é, segudo a legislação, atribuição do Estado.
No Estado do Rio de Janeiro a Lei Estadual nº 650 de 11 de janeiro de 1983
estabeleceu a Política Estadual de Defesa e Proteção das Bacias Fluviais e
Lacustres do Estado do Rio de Janeiro, bem como as medidas de preservação dos
mananciais hídricos. A Lei estabelece diretrizes administrativas e técnicas
destinadas a fixar a ação governamental sobre a ocupação da terra, no controle de
processos erosivos, na conservação de rios, canais, galerias, lagos, lagoas e
estuários, envolvendo a proteção de mananciais. Neste sentido, outorga à
Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (SERLA), hoje incorporada ao INEA,
Instituto Estadual do Ambiente, o poder de polícia e prerrogativas para a adoção de
medidas técnicas e administrativas para a proteção das faixas marginais de servidão
pública e dos álveos dos cursos d'água, lagoas e seus estuários, bem como suas
bacias fluviais e lacustres e respectivos mananciais, como vemos a seguir:
“A Faixa Marginal de Proteção (FMP), nos limites da definição contida no artigo 2º
da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, será demarcada pela Superintendência
Estadual de Rios e Lagoas – SERLA, obedecidos os princípios contidos no artigo 1º
do Decreto-Lei nº 134, de 16 de junho de 1975, e artigos 2º e 4º da Lei nº 6.938, de
31 de agosto de 1981, na largura mínima estabelecida no artigo 14 do Decreto nº
24.643, de 10 de junho de 1934.” ( Lei n. 650/ 1983 do Estado do Rio de Janeiro, art.
3o Parágrafo Único). Entre as funções atribuídas à SERLA, hoje INEA, está, assim a
de demarcação de FMP – faixa Marginal de Proteção dos rios. Contudo, a
fiscalização dessas áreas, para evitar sua ocupação, cabe ao município.
Além disso, considerando a evolução da legislação, e evidenciando a complexa
articulação entre marcos regulatórios federal e estadual, Miranda (2008) observa
que durante muito tempo a SERLA adotou no Estado do Rio de Janeiro as normas
estaduais contidas, especificamente, em Decretos estaduais e em suas portarias,
deixando de lado as disposições contidas no próprio texto da Lei Estadual nº 650/83,
que textualmente remetia a limitação estabelecida a partir das Leis Federais 4771/65
e 7.803/1989. Assim, como assinala Miranda (2008), a SERLA determinava a FMP
para rios de largura até 10 metros em 15 metros desconsiderando a Lei Federal que
alargou a FMP nos cursos de água menores (até 10 metros de largura) para 30
metros.
Outra lei que incidia sobre a faixa marginal de rios é a Lei Estadual nº 784, de 5 de
outubro de 1984, que estabelece normas para a concessão da anuência prévia do
Estado aos projetos de parcelamento do solo para fins urbanos nas áreas
declaradas de interesse especial à proteção ambiental, e dá outras providências.
Essa lei, em seu artigo 1º, determina que, “nas áreas declaradas de interesse
especial para proteção ambiental, os projetos de parcelamento do solo para fins
urbanos, para serem aprovados pelos municípios, estão sujeitos à anuência prévia
do Estado” e estabelece como norma: “a manutenção da integridade dos lagos,
lagoas, lagunas e cursos d’água bem como das respectivas margens”. O artigo 2º
estabelece que, “nas áreas declaradas de interesse especial para a proteção
ambiental, são vedadas edificações: nas faixas marginais de proteção de lagos,
lagoas, lagunas, rios e demais cursos d’água”. E, finalmente, no artigo 3º, determina
que: “são passíveis de interdição os imóveis, objeto de parcelamento do solo,
quando o projeto respectivo for aprovado pelo município sem a anuência prévia do
Estado, nos termos do disposto no artigo 1º, ou, ainda, quando descumprido o
estabelecido no artigo 2º”.
Em 2003, a SERLA abandonou a diretriz anterior, relativa à largura da faixa
marginal, adotando os limites determinados pelo Código Florestal, o que fez por
meio da Portaria SERLA nº 324 em 25 de agosto de 2003, que define a base legal
para estabelecimento da largura mínima da FMP e dá outras providências. Pela
Constituição Estadual, a FMP é tida como um tipo de Área de Preservação
Permanente. Assim, toda e qualquer vegetação natural presente no entorno de
corpos lacustres e ao longo de cursos d’água passa a ter caráter de preservação
permanente. A Faixa Marginal de Proteção (FMP) é um tipo específico de Área de
Preservação Permanente (APP), nos termos do art. 268, inciso III, da Constituição
do Estado do Rio de Janeiro. A FMP e a APP coexistem, tendo referências distintas.
A FMP visa a proteger especificamente o corpo hídrico, enquanto a APP do Código
Florestal tem como objetivo proteger a vegetação.
O processo de demarcação da faixa marginal pelo órgão estadual competente
esbarrava, contudo, em um impasse: como demarcar FMP numa área cujas
características naturais já não existiam?
Em 2007, foi elaborado o Parecer RD nº 04/2007, pela procuradoria jurídica da
extinta FEEMA, que versava, entre outros temas, as APP que teriam perdido a sua
função ecológica. Nesta situação, não deveria ser exigido o atendimento ao limite
mínimo previsto no Código Florestal para proteção da margem do curso d’água,
tendo em vista a constatação da perda de sua função ambiental. No entendimento
da procuradoria do estado as Faixas Marginais de Proteção podem ser reduzidas
até 15 metros se a área solicitada se encaixar em todos os critérios estipulados no
Parecer RD n° 04/2007, que versa sobre a proteção d as Áreas de Preservação
Permanente (APP’s) em áreas urbana, isto é: longa e consolidada ocupação urbana;
- manifesta e evidente inexistência de função ecológica da APP; a alternativa de
recuperação da área como um todo seja inviável.
Do entendimento jurídico explicitado nesse parecer derivou o Decreto nº
42.356/2010. Neste, as APPs e FMPs são tratadas de forma unificada; nelas os
limites fixados pelo Código Florestal poderão ser reduzidos, em caso da concessão
de licenciamento e da emissão de autorizações ambientais, desde que a área se
localize em zona urbana e que a vistoria local, atestada por pelo menos três
servidores do INEA, comprove a impossibilidade de se aplicar a exigência do limite
mínimo imposto pelas leis federal e estadual.
No seu art. 4º o Decreto nº 42.356/2010 determina que “os limites mínimos fixados
abstratamente pelo art. 2º, ‘a’, do Código Florestal (Lei Federal nº. 4.771/65 e suas
alterações) poderão ser reduzidos, em cada caso concreto, unicamente para os fins
do disposto no art. 1º, deste Decreto, desde que a área se localize em zona urbana
do município e que vistoria local, atestada por pelo menos três servidores do
Instituto Estadual do Ambiente, comprove, cumulativamente:
I - Que a área encontra-se humanizada;
II - A longa e consolidada ocupação urbana, com a existência de, no mínimo, quatro
dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana: a) malha viária com
canalização de águas pluviais; b) rede de abastecimento de água; c) rede de esgoto;
d) distribuição de energia elétrica e iluminação pública; e) recolhimento de resíduos
sólidos urbanos; f) tratamento de resíduos sólidos urbanos; g) densidade
demográfica superior a cinco mil habitantes por km².
III - A inexistência de função ecológica da FMP/APP em questão, desde que
identificadas a inexistência de vegetação primária ou vegetação secundária no
estágio avançado de regeneração e a presença de, no mínimo, uma das seguintes
características: a) ocupação consolidada das margens do curso d’água a montante e
a jusante do trecho em análise; b) impermeabilização da FMP/APP; c) capeamento
do curso d’água, sendo que, no caso de obras recentes, deverá ser apresentado ao
órgão ambiental competente o respectivo projeto aprovado pela prefeitura local ou o
levantamento cadastral da obra.
Por outro lado, para a regularização das ocupações existentes em APPs no estado
do Rio de Janeiro, deverá ser respeitada a resolução do CONAMA de 2006, citada
anteriormente. No artigo 9º da Resolução do CONAMA 396/06, são estabelecidas as
regras da regularização fundiária sustentável em área urbana. A autorização poderá
ser concedida pela autoridade ambiental quando a ocupação sobre a APP se der em
local de baixa renda predominantemente residencial que o município tenha
declarado como Zona Especial de Interesse Social.
O local objeto de regularização deve ser ainda caracterizado como de ocupação
consolidada em razão da presença cumulativa de pelos menos três itens de
infraestrutura urbana implantada (malha viária, captação de águas pluviais,
esgotamento sanitário, coleta de resíduos sólidos, rede de abastecimento de água
ou rede de distribuição de energia) e densidade demográfica superior a 50
habitantes por hectare.
Coelho Junior (2010) indica que, segundo a CONAMA 396/06, para a execução da
regularização deverá ser apresentado plano pelo Poder Público municipal que
contemple informações sobre as características da área, como suas fragilidades e
riscos ambientais de enchentes e deslizamentos (uma vez que é vedada a
regularização nestes locais), a localização de mananciais próximos, medidas para
preservação e recuperação das APPs não passíveis de regularização e
comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental.
Esse plano deve ser ainda elaborado com a participação popular, inclusive através
da realização de audiência pública, devendo prever mecanismos de monitoramento
ambiental, de modo a assegurar a não ocupação das APPs remanescentes.
Observa-se, nesse sentido, que são muitos os requisitos exigidos para a
regularização fundiária, o que torna quase impossível a efetivação do princípio do
direito à moradia. Outro ponto a ser destacado diz respeito à legalidade da
Resolução, visto que, no âmbito jurídico, fomenta-se a discussão de que as
Resoluções CONAMA não possuem força de Lei.
Segundo Rolnik & Minnicelli (2008), “são ao todo 20 requisitos para que uma
regularização fundiária em área de APP se dê de acordo com a legislação aplicável,
o que tona a resolução no mais das vezes inaplicável.” Continuam os autores: a
“existência de praticamente duas dezenas de exigências para poder dar-se a
regularização fundiária nestes casos estreita por demais o exercício de um direito (o
direito à moradia) fraudando a vontade da Constituição Federal, que pretende ver
esse direito pragmaticamente aplicado no meio social. A Constituição Federal a
permitir e uma Resolução, a pretexto de regrar, chegar a limitar, quase a ponto de
impedir, é situação jurídica que causa perplexidade e que gera insegurança jurídica.”
(ROLNIK & MINNICELLI, p. 5, 2008).
Outra lei que merece destaque para a discussão é a Lei no 11.977/09, que institui o
programa habitacional “Minha Casa Minha Vida” e dispõe sobre a regularização
fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas. Por se tratar de uma Lei
Federal, a mesma ganha peso na discussão quando trata da regulamentação das
ocupações localizadas nas áreas de preservação permanente, pois a torna, dentro
da discussão jurídica, de mesmo valor constitucional, quando comparada ao Código
Florestal.
A Lei no 11.977/09 prevê que a regularização fundiária pode ser aplicada em
situações de interesse social, para assentamentos irregulares ocupados,
predominantemente, por população de baixa renda, quando a área esteja localizada
numa ZEIS ou tenham sido preenchidos requisitos para usucapião ou concessão
especial de uso para fins de moradia (arts. 53 a 60).
Ressalta Coelho Junior (2010) que a grande novidade prevista por essa lei é a
possibilidade do município, por decisão motivada, admitir a regularização fundiária
em áreas de preservação permanente ocupadas até 2007 e inseridas em zona
urbana consolidada, desde que estudo técnico comprove que esta intervenção
implica a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação
irregular anterior (art. 54, § 1º).
Como área urbana consolidada, considera a lei àquelas com densidade superior a
50 hectares e presença cumulativa de pelos menos dois itens de infraestrutura
urbana implantada: drenagem de águas pluviais, esgotamento sanitário,
abastecimento de água, distribuição de energia ou coleta de lixo (art. 47, II).
Observa-se que, diferente da Resolução CONAMA, a lei 11.977/09 indica um
mínimo de dois itens, ao posso que a primeira indica um mínimo de três, ou seja, a
segunda é menos restritiva que a primeira.
Segundo Somensi & Prestes (2010) apud Coelho Junior (2010): “A lei procura trazer
a compatibilização do direito urbano-ambiental (…), no sentido de que a
regularização em si já é um ganho ambiental. Em cada regularização, então, podem
ser estabelecidos melhoramentos na gestão das áreas de preservação permanente
adjacentes aos cursos d’água urbanos e recuperação de áreas degradadas, bem
como melhorias do acesso aos sistemas de saneamento básico. Esta visão procura
mostrar, reitera-se, que a regularização deve resultar em melhoria das condições
ambientais da ocupação, dando mais qualidade de vida à população” (SOMENSI &
PRESTES, 2010 apud COELHO JUNIOR, 2010, p.20).
Observa-se que, através da lei federal que institui o programa habitacional “Minha
Casa Minha Vida”, seria possível, através do zoneamento previsto no Plano Diretor,
a atuação conjunta de uma política que contemple tanto medidas de conservação
ambiental como outras que foquem o direito à moradia, consagrando, portanto, o
direito à cidade sustentável. O Plano Diretor, nesse sentido, pode indicar áreas de
preservação permanente no município que sejam sujeitas ao direito de preempção
como, por exemplo, nos casos das áreas de risco de inundação, mas também pode
indicar a delimitação de ZEIS, segundo os critérios propostos pela lei de 2009.

A área de estudo: o município de Mesquita, Região Metropolitana do Rio de


Janeiro
O município de Mesquita, localizado junto à região metropolitana do Rio de Janeiro,
é o mais recente da Baixada Fluminense. Sua emancipação do município de Nova
Iguaçu se deu no ano de 2001. Seu território possui 41,6 km², sendo 14,13 km² de
área urbana, além de 27,47 km² de área verde, dos quais 22,64 km² compõe uma
Área de Proteção Ambiental, a APA Mesquita, acordo com dados divulgados pela
Prefeitura (2009). Sua população é de 168.403 habitantes, segundo o IBGE (2010).
A população do município é predominantemente pobre e com baixa escolaridade.
Em Mesquita com grande parte dos chefes de domicílio possuem renda inferior a
dois salários mínimos. O município tem um déficit habitacional relativo superior à
média metropolitana de 7,4% do parque domiciliar instalado (OBSERVATÓRIO DAS
METRÓPOLES, 2006). Mesquita está completamente inserido na Bacia Iguaçu-
Sarapuí, Sub-Bacia. Os principais rios que cortam o território municipal são: Rio
Sarapuí, Rio Dona Eugênia e Canal do Socorro e Rio da Prata.

Figura 1: Hidrografia do município de Mesquita/RJ. Fonte: IBGE.

O levantamento de informações junto à prefeitura de Mesquita constatou um quadro


de organização institucional satisfatório, o que poderia indicar uma maior capacidade
no sentido de atuar na proteção das APPs. O município de Mesquita possui
Secretaria de Meio Ambiente, criada através da Lei n.º 019, de 21 de junho de 2001.
Há Conselho Municipal de Meio Ambiente ativo no município, com reuniões
ocorrendo ao menos uma vez por mês, com caráter deliberativo. Existe fundo
Municipal de Meio Ambiente, regulamentado por legislação de 6 de novembro de
2008. A lei que regulamenta o Fundo, define a origem dos recursos e receitas que o
compõem, incluindo entre estas últimas 10% da arrecadação municipal com a
Receita dos Royalties do Petróleo. O percentual de recursos do orçamento do último
exercício destinado ao Meio Ambiente foi superior a 50%. A atuação do município na
conservação ambiental se dá também em função de Convênio de Cooperação
Técnica e Institucional entre o INEA (Instituto Estadual do Ambiente) /SEMUAM de
27 de setembro de 2009, através do qual a prefeitura via SEMUAM passa a ser
responsável pelo Licenciamento Ambiental, estabelecendo as medidas de controle
ambiental que deverão ser observadas pelo empreendimento ou atividade.
O município também possui Secretaria Municipal de Urbanismo – SEMURB que tem
como atribuição o desenvolvimento urbano, buscando a integração das políticas
setoriais de habitação, saneamento ambiental, transporte urbano e trânsito. Existe
Conselho da Cidade, de natureza deliberativa e consultiva, criado através da Lei
Municipal nº 355/06, que instituiu o Plano Diretor Participativo de Mesquita e foi
alterada pela Lei Municipal n° 628 de 05 de julho d e 2010. O Conselho reúne-se com
regularidade.
No que diz respeito à gestão do saneamento básico, os serviços de abastecimento
de água são geridos pela companhia estadual, CEDAE. Não existe, porém,
concessão dos serviços de coleta e tratamento de esgotos, apesar da CEDAE
realizar obras de esgotamento no município. Apesar de previsto no Plano Diretor de
Mesquita (seção III, art. 15), o município ainda não dispõe de Plano Municipal de
Saneamento, mas recebeu recursos do governo federal, através do PAC2 para
elaborar seu plano. Além disso, também foram aprovadas no âmbito do PAC2 obras
de esgotamento no bairro de Coréia. Observa-se que a rede de esgotamento só
atende partes muito restritas do município, sendo que os corpos hídricos existentes
em seu território têm suas águas extremamente poluídas pelo lançamento de
esgotos não tratados.
Com relação às ações de gestão dos recursos hídricos, a SEMUAM – em parceria
com o Instituto Estadual do Ambiente – INEA – realiza desde outubro de 2007 o
desassoreamento de rios e canais do município. Estão previstas também obras no
âmbito do PAC, que incidem sobre os a gestão das águas e que envolvem
participação do município, como obras de drenagem e implantação de galerias de
águas pluviais da Av. Celso Peçanha, uma das principais de Mesquita.
A pesquisa realizada identificou que existem ações de gestão de recursos florestais
ou de Unidades de Conservação, envolvendo o controle de desmatamento e a
fiscalização em áreas protegidas e combate às atividades ilegais e recomposição de
vegetação nativa. Foi identificado o projeto Mesquita Mais Verde, envolvendo
arborização urbana, recuperação florestal e afins. O município também criou uma
Área de Proteção Ambiental (APA), com 2.264 hectares, na área que faz divisa com
os municípios de Nilópolis, Rio de Janeiro e Nova Iguaçu, através do decreto
número 456, de outubro de 2006. A APA visa à preservação do conjunto natural e
paisagístico com ênfase na proteção e preservação florestal e na qualidade das
águas e mananciais dos rios Dona Eugênia, Canal do Socorro e Rio da Serra do
Gericinó.
Comparando Mesquita a outros municípios da Região Metropolitana do Rio de
Janeiro, observamos que o mesmo possui uma boa estrutura institucional. Contudo,
em função da emancipação recente, herdou uma série de problemas do período em
que era distrito afastado dentro do território do município de Nova Iguaçu, que a
atual estrutura municipal não conseguiu equacionar.

A questão das Faixas Marginais em Mesquita


Através de trabalho de campo realizado durante o ano de 2011, nos territórios
correspondentes às faixas marginais dos rios Sarapuí e dona Eugênia em Mesquita
constatamos os seguintes problemas: recorrente ocupação da faixa marginal de rios,
sendo que toda uma área do centro do município encontra-se nessa situação,
inclusive a sede da prefeitura, instalada em área onde seria a faixa de proteção do
rio D. Eugênia.
Observamos ainda, irregularidade no abastecimento de água, com partes do
território servidas por sistemas precários, algumas linhas de abastecimento
cruzando o rio Dona Eugênia. Existe precariedade também nos sistemas de coleta
de esgotos, sendo que na maior parte dos bairros os esgotos são direcionados para
as redes de águas pluviais e lançados nos rios sem tratamento e presença de valas
a céu aberto. Constamos ainda lançamento de resíduos às margens dos rios, tanto
lixo doméstico quanto resíduos industriais e de construção civil.

Figura 2: Ineficiência dos serviços de saneamento do município de Mesquita/RJ. Na


primeira foto, resíduos sólidos lançados na margem do rio Dona Eugênia; na
segunda foto, exemplos de lançamento de esgoto in natura diretamente no mesmo
rio, e na terceira foto, sistema de abastecimento de água improvisado pelos
moradores.

Como visto anteriormente, os principais instrumentos regulatórios que incidem sobre


a ocupação das faixas marginais de Mesquita são a Lei n° 7.511 de julho de 1989,
que alterou mais a redação do Código Florestal, ampliando as faixas marginais aos
cursos d’água consideradas de proteção permanente de 5 metros para 30 metros
para os cursos d'água de menos de 10 metros de largura e a Portaria SERLA nº 324
em 25 de agosto de 2003, que segue os perímetros determinados por essa lei.
Contudo, a realidade mostra que parte significativa dessa faixa “non aedificandi”
encontra-se ocupada, segundo diferentes padrões.
Parte constitui-se em uma trama urbana consolidada, encontrando-se ocupada por
edificações bem estruturadas (o centro do município, com edifícios comerciais,
institucionais e residenciais). Essas áreas se encontram em condições de
regularização, pois é impensável a reversão da ocupação para a largura
determinada para as APPs. Nesse caso, como assinalam Santos e Scagliusi (2011),
há claramente uma dissociação entre os dispositivos de preservação ambiental
apontados pela legislação federal e estadual e as condições de uso e ocupação do
solo urbano, pois não se cogitaria, sob hipótese alguma, remover todas as
instalações; equipamentos; sistema viário e edificações que se encontram a menos
de trinta metros dos cursos d’água, como preconiza a legislação citada. Contudo,
consideramos essencial pensar de maneira adequada a implantação de
infraestrutura nessas áreas e propor, no médio e longo prazo, uma requalificação
urbanística dos tecidos densamente ocupados, no sentido de criar um ambiente
urbano que possa contribuir para minimizar, reverter ou controlar processos
antrópicos ou naturais que tenham ou estejam gerando efeitos negativos sobre as
águas fluviais, a dinâmica fluvial ou a biota do ambiente fluvial. Se faz necessário,
portanto, estabelecer soluções que privilegiem a retenção da água na origem,
evitando-se a aceleração do escoamento, através, por exemplo, de ações que
envolvam o aumento de áreas permeáveis, projetos de captação e reuso de águas
da chuva, áreas livres destinadas ao lazer e que possam atuar como reservatórios
de detenção e o uso de pavimentos permeáveis nas áreas de estacionamento,
calçadas e parques recreativos.
Em outras partes das faixas “non aedificandi” as habitações são precárias e não
existem infrastruturas nem os equipamentos preconizados pela legislação. Essa é a
situação mais complexa, pois em algumas ocupações existe recorrente risco de
inundação e necessidade de reassentamento de população.
Existem ainda outras áreas, ainda na faixa non aedificandi”, como por exemplo
áreas próximas à entrada da APA Mesquita, que apresentam ocupação mais
dispersa. Nesse trecho, o rio Dona Eugênia, por exemplo, encontra-se menos
degradado.
Esses três diferentes contextos de ocupação são tratados no Plano Diretor de
Mesquita, aprovado em 2006 (lei nº 355 de 25 de outubro de 2006). Ao abordar as
áreas de preservação permanente, o PD aponta a necessidade da sua recuperação
e preservação, ao mesmo tempo que permite, para alguns casos, os usos das
mesmas.
Dentre as diretrizes gerais do PD que incidem sobre as faixas de marginais de rios
destacamos:
a) a realização de atividades compatíveis com a qualidade do ambiente urbano e
com a conservação da Área de Proteção Ambiental de Mesquita e o seu entorno;
b) a priorização do investimento público nas áreas com piores condições de moradia
e habitadas pelas populações mais pobres, especialmente os assentamentos
precários;
c) a regularização fundiária e a urbanização das áreas ocupadas por população de
baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso,
ocupação e parcelamento do solo e;
d) o reassentamento da população residente em áreas de risco nos casos em que
for inviável ou contrário às normas ambientais a implementação de medidas de
erradicação do risco.
Dentre as diretrizes de conservação ambiental apresentadas no PD, destacamos
algumas relacionam-se à situação das faixas marginais de rios:
(a) o incentivo à recuperação e à manutenção de áreas de preservação permanente,
de forma a assegurar a proteção dos recursos naturais;
(b) o estímulo aos proprietários e agricultores para que adotem medidas de
manutenção, recuperação e proteção de matas ciliares e de nascentes e recuperem
as áreas degradadas e a cobertura florestal das áreas de preservação permanente;
(c) a definição de critérios para garantir o acesso e o uso das áreas de preservação
permanente, nos casos de utilidade pública e de interesse social;
(d) a criação de novas unidades de conservação de proteção integral e a ampliação
das já existentes;
(e) a criação de sistema de inventário, acompanhamento e avaliação da degradação
de solos no Município, articulado à estratégia de manejo e conservação por meio de
programas de conservação do solo e da previsão de ações para o controle da
erosão e assoreamento dos cursos d’água.
Na implementação da política habitacional, ressalta-se que serão prioritárias as
seguintes ações:
a) reassentamento da população residente em área de risco, especialmente a
população residente nas áreas de absorção necessárias para a manutenção da
vazão em períodos de cheia dos Rios Sarapuí, Dona Eugênia, Canal do Socorro e
Rio da Prata;
b) prevenção ou eliminação dos riscos à vida humana;
c) regularização urbanística e fundiária das ZEIS;
d) a melhoria das condições de vida da população de baixa renda residente nas
áreas com as piores condições de moradia, especialmente em Banco de Areia,
Coréia, Jacutinga, Maria Cristina, Santo Elias e Santa Terezinha e demais
localidades em toda a encosta do Maciço Gericinó-Mendanha.
Observamos que no caso de Mesquita, parte significativa das áreas com piores
condições de moradia encontram-se na faixa marginal de proteção de rios. Para
essa população, vivendo em condições precárias de habitabilidade, o PD aponta
duas diretrizes: regularização fundiária ou reassentamento.
A regularização fundiária passa pela criação de Zonas de Especial Interesse Social,
visto antes como uma possível solução para algumas as ocupações em faixas
marginais. Contudo, o PD adverte que não serão declaradas ZEIS em
assentamentos em áreas de baixada sujeitas a alagamento e inundação; faixas
marginais de proteção de águas superficiais e em terrenos imprescindíveis para a
absorção de águas pluviais.
Por outro lado observa-se, através dos anexos do PD, que parte das áreas
localizadas em faixas marginais de proteção poderiam ser destinadas para a
implantação de ZEIS e estariam, por sua vez, sujeitas a regularização fundiária, visto
que também se constituem em áreas consolidadas e com serviços de água, coleta
de lixo e energia. Mesmo os anexos indicando que a delimitação das ZEIS não inclui
as áreas integrantes de APPs, observa-se através do mapa que as mesmas podem
ser passíveis de implantação do instrumento.

Figura 3: Zonas Especiais de Interesse Social do Município de Mesquita


Tem-se aí uma brecha no PD para que essas áreas já consolidadas, mesmo que
localizadas em APPs, sejam passíveis de regularização fundiária, evitando-se
elevados custos sociais e ambientais, visto que, uma vez não localizadas na mancha
de inundação e, portanto, longe das áreas de risco, tornam-se legitimadas,
sobretudo quando se tem o respaldo constituicional través da Lei no 11.977/09.

Considerações Finais
Procuramos nesse texto discutir os instrumentos regulatórios que incidem sobre as
APPs em margens de rios urbanos, considerando o território da Região
Metropolitana do Rio de Janeiro, com um exame particular do caso do Município de
Mesquita.
Constatamos que os diferentes marcos regulatórios existentes (federal, estadual e
municipal, no caso do PD de Mesquita), por serem por vezes conflitantes, induzem a
uma paralisia no tratamento dado pelo poder público às faixas marginais de proteção
de rios urbanos. A análise do caso da Região Metropolitana do Rio de Janeiro
corrobora outras análises (MARTINS, 2006; SANTOS; SCAGLIUSI, 2011) e
evidencia que se faz necessária uma unificação da base normativa que orienta a
proteção das faixas marginais de rios urbanos, de forma que a mesma permita uma
aplicação que não seja genérica, mas que se adéqüe às especificidades dos
diferentes territórios urbanos. A legislação atual engessa a ação dos municípios e
inviabiliza diretrizes apontadas, mesmo para bons planos diretores, como é o caso
de Mesquita/RJ (MELO, 2011).
Essa nova forma da legislação é um desafio a ser enfrentado por planejadores
urbanos, urbanistas, ambientalistas e juristas, posto que ela não pode desconsiderar
a importância da preservação do meio ambiente, nem tampouco a preservação da
FMP, das áreas de baixada e sujeitas à inundação, mas deve garantir o respeito a
função social da propriedade com vistas à moradia digna. Experiências em outros
países mostram que a recuperação ambiental de faixas marginais a cursos d’água,
através de técnicas como a renaturalização de rios e da implementação de medidas
que reduzam os riscos de inundações envolvendo técnicas construtivas e de
urbanismo, são caminhos para promover o uso sustentável dessas áreas,
conciliando qualidade ambiental e direito à cidade.

Referências
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