Você está na página 1de 3

Mobilidade Urbana, os desafios ambientais e os instrumentos de políticas públicas

Renato Boareto
Consultor especialista em política de mobilidade urbana e gestão ambiental
Outubro de 2017

O Brasil tem passado nos últimos quinze anos por importantes avanços conceituais e legais na mobilidade
urbana. O primeiro avanço foi justamente a consolidação da “Mobilidade Urbana”, como conceito que
superou a abordagem fragmentada entre transporte, trânsito e circulação, a partir da criação do Ministério
das Cidades e da Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana (SeMob) em 2003. O avanço
legal mais importante nesse período foi a aprovação da lei 12.587/2012, que instituiu a Política Nacional de
Mobilidade Urbana (PNMU) e a obrigatoriedade de elaboração dos Planos de Mobilidade Urbana pelas
cidades com população superior a 20 mil habitantes e todos aqueles que, por força legal, devem elaborar
Planos Diretores de Desenvolvimento. Outra lei que tem forte relação com o setor é a Lei 12.187/2009, que
instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima, bem como as resoluções do CONAMA que abordam
a necessidade da promoção da qualidade do ar.
Esta formulação abriu a possibilidade de elaboração de planos de mobilidade urbana abrangentes, que
superem a visão tradicional de “prever e prover” transportes, oferecendo o planejamento integrado de um
sistema de mobilidade urbana, formado por modos ativos - mobilidade a pé ou por bicicleta – para viagens
em curtas distâncias, combinados com o transporte público coletivo, seja por meio de metrô, trens, VLTs
ônibus e micro-ônibus. Esse sistema deve incluir e disciplinar também os modos individuais motorizados –
carros e motocicletas - que sempre tiveram sua utilização incentivada, seja por agentes de mercado ou na
quase totalidade das administrações públicas. Um plano de mobilidade deve focar também metas
crescentes de participação do transporte público e dos modos ativos no conjunto de deslocamentos da
população, redução do consumo de energia e emissões atmosféricas1, bem como a redução de vítimas do
trânsito.
Além da efetivação da PNMU, é a abordagem ambiental da mobilidade urbana que se apresenta hoje como
um dos grandes desafios para o avanço do setor. Os sistemas de mobilidade urbana têm grande
participação nas emissões de poluentes locais, que prejudicam a qualidade do ar, bem como de gases de
efeito estufa, que causam as mudanças globais do clima, decorrentes do uso predominante de
combustíveis fósseis no transporte motorizado. Esta participação é maior principalmente nas grandes
cidades, que registram as maiores frotas de veículos para o transporte de passageiros, sejam automóveis,
motocicletas e ônibus urbanos.
São várias as iniciativas e ideias para a redução dos impactos ambientais na mobilidade urbana. Mas é
importante analisar a diferente participação dos modos de transporte motorizados no conjunto das
emissões atmosféricas das cidades, os instrumentos de políticas públicas disponíveis para a atuação
governamental e a função de cada modo no sistema de mobilidade urbana. Dados do Instituto de Energia
e Meio Ambiente (IEMA) sobre a cidade de São Paulo mostram que o transporte público por ônibus e o
transporte individual por carros ou motos tem diferentes pesos, dependendo se o objeto de análise for
“clima” ou “qualidade do ar”, como podemos observar nos gráficos abaixo.

1
Boareto, Renato. Mobilidade Urbana - Infraestrutura Turística, Megaeventos Esportivos e a Promoção da Imagem
do Brasil no Exterior. Seminário do Tribunal de Contas da União. Brasília, 16 e 17 de agosto de 2011.
Fonte: Instituto de Energia e Meio Ambiente - IEMA - Inventário de Emissões Atmosféricas do Transporte Rodoviário
de Passageiros no Município de São Paulo. 2017

Como é possível observar nos gráficos acima, o transporte individual é responsável pela maior parcela de
emissões de gases de efeito estufa, correspondendo a 72%, contra 24% do transporte público coletivo
operado por ônibus municipais. Quando se observa a emissão de Óxidos de Nitrogênio, a maior
participação é do transporte público, que é responsável por 77% contra 19% dos automóveis. No caso do
material particulado total, que considera o desgaste de pneus além das emissões de escapamento, o
transporte individual é responsável por 71% das emissões, contra 24% dos ônibus municipais. No caso do
Hidrocarbonetos não metano a participação dos automóveis também é maior, com 77% contra 7% dos
ônibus municipais.
A redução das emissões atmosféricas é um princípio que deve ser orientador do planejamento da
mobilidade urbana e deve incidir sobre todos os modos de transporte, mas exige diferentes tratamentos
por parte do poder público, quando consideramos os instrumentos de políticas públicas disponíveis. Para
o transporte individual, principalmente aquele proporcionado pelo uso de automóveis, é possível combinar
instrumentos tipo “bônus/malus”, por meio do qual é promovido o aumento dos impostos sobre os veículos
movidos à combustíveis fósseis e simultaneamente são reduzidos aqueles incidentes sobre os veículos
que utilizam as novas tecnologias de motores e fontes de energia, principalmente híbridos e elétricos.
Complementarmente, é possível trabalhar diferentes alíquotas da CIDE para estimular o uso de Etanol,
reduzindo as emissões de gases de efeito estufa do transporte individual. O importante nestes casos é não
haver perda de arrecadação, para que a sociedade não subsidie o transporte individual e que,
paulatinamente, haja um aumento da arrecadação para o financiamento do transporte público.
A natureza essencial do transporte público estabelecido pela Constituição Federal, seu recente
reconhecimento como direito social e seu potencial para estruturar o desenvolvimento sustentável da
cidade requer que ele seja objeto de tratamento diferenciado. Deve-se buscar a adoção de instrumentos
de políticas públicas que permitam a substituição de combustível fóssil dos ônibus, sem que o usuário seja
penalizado pelo aumento de tarifa decorrente de um eventual aumento no seu custo operacional. Cabe
destacar que o transporte público é o único serviço de mobilidade urbana que pode ser universalizado em
uma cidade, ou seja, ele é capaz de atender a todos os habitantes, caso seja implantado uma rede
abrangente, que combine vários serviços e as eventuais barreiras físicas e tarifárias sejam eliminadas.
Esse aspecto é fundamental para a promoção da acessibilidade, a equiparação de oportunidades entre os
cidadãos de determinada localidade e a inclusão social.
Considerando os princípios de serviço essencial, direito social, universalização, equiparação de
oportunidades e sustentabilidade, o transporte público deve contar com recursos públicos para a redução
de seus impactos ambientais. O desenvolvimento tecnológico, a substituição de frota e a utilização de novas
fontes de energia devem contar com redução de impostos, linhas de financiamento com juros reduzidos e
outros instrumentos econômicos, para que os impactos ambientais do transporte público sejam eliminados
nos próximos anos e, juntamente com os modos de transporte ativos, estruturem um sistema de mobilidade
urbana sustentável ambientalmente, economicamente e socialmente. A clara sinalização do poder público
no caminho do desenvolvimento de um novo padrão de mobilidade urbana é fundamental para que os
agentes econômicos e as pessoas contribuam para um novo sistema de mobilidade urbana e promovam a
construção de uma cidade mais sustentável.

Você também pode gostar