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Resenha do livro: FALEIROS, Vicente de Paula. Saber profissional e poder institucional. 9ª ed.,
São Paulo: Cortez, 2009.

Ariana Siqueira Rossi Martins1

O processo de construção da identidade profissional do Serviço Social, ao longo de sua


maturação no âmbito da ética e da política no Brasil, evidenciou os inúmeros avanços da categoria,
como o rompimento com práticas conservadoras e assistencialistas que pretendiam o ajustamento
do indivíduo. O compromisso com a classe trabalhadora fez-se no principal motivo de prática da
profissão, pois junto aos trabalhadores é que o assistente social desenvolve os aspectos definidos a
razão de sua existência na divisão sóciotécnica do trabalho, como a cidadania, igualdade, justiça,
equidade, dentre outras causas de lutas e perspectivas.
Neste processo de busca pela identidade, função social e formas de prática na divisão
sóciotécnica do trabalho, a institucionalização do Serviço Social leva-nos a reflexões como a forma
de ocupação destes espaços profissional sem se corromper com os interesses do capital. Por isso a
obra “Saber profissional e poder institucional” de Vicente de Paula Faleiros, nos desafia a pensar e
debater sobre a possibilidade de manter-se sempre a favor da classe trabalhadora quando os
interesses da instituição são opostos a este. Diante disso, como manter-se em determinados postos
de trabalho, mantendo também o compromisso que foi firmado com o trabalhador?
O autor a partir das ideias de Gramsci reporta-se às instituições como sendo os “aparelhos de
hegemonia”, os quais trazem um campo de prática política. Estas admitem à função de “aparelhos
do Estado”, cuja função é a execução de políticas sociais, com o objetivo de manter os interesses da
classe dominante. Porém, elas também abrangem os grupos dominados que exigem uma
intervenção e resposta às suas necessidades. Tal cenário caracteriza uma intensa correlação de
forças dos grupos sociais.
O modelo de Estado Ampliado desenvolvido por Gramsci traz uma nova concepção teórica,
pois aponta para a relativa autonomia, ou seja, para a luta de classes. Neste modelo, o Estado
mediatiza as relações sociais, integra as relações entre dominantes e dominados. Para Gramsci, na
luta de classes, burguesia e proletariado defendem seus interesses políticos e econômicos, sendo que
a burguesia obtém recursos e poder e seu objetivo é o controle da sociedade para a permanência de
sua posição. Para isso, ela articula, segundo Faleiros, conhecimento administrativo, político e
técnico. Já a classe proletária luta contra a burguesia, tentando conter a exploração de seu trabalho.

1 Coordenadora de Projetos da Associação Assistencial Presbiteriana Bom Samaritano de Franca/SP; Docente do


curso de Serviço Social do Centro Universitário - UNISEB Interativo - Ribeirão Preto/SP e Docente Substituto do
curso de Relações Internacionais da UNESP/Franca. E-mail:ariana_rossi@yahoo.com.br

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Segundo o autor, para Gramsci somente com a mediação é que se poderá mudar esta realidade, pois
uma vez que as forças sociais se enfrentam no cotidiano, elas podem mudar as relações sociais.
Logo, o Estado, para exercer sua função, precisa utilizar meios para atender aos interesses da
classe dominante e da classe dominada. Um destes mecanismos são as instituições, pelas quais o
Estado pode realizar sua função a partir de uma estratégia de educação da classe dominada e de
“legitimação ideológica da hegemonia da classe dominante”.

Segundo o autor, as instituições ocupam um espaço político na sociedade, fazendo parte da


rede social de atendimento às demandas. A partir da institucionalização dos serviços sociais é que
estas demonstram, aparentemente, o seu lado preocupado com o bem-estar da população, com uma
aparência humanista. O autor nos alerta que essa face humana das instituições acaba escondendo a
violência disfarçada que procura na verdade “educar” as vontades e as intenções das classes
dominadas.
Nas instituições e políticas executadas por elas, o usuário é considerado como cliente, aquele
que está na posição de submetido à autoridade profissional. Logo, se este não aceita as normas que
lhe são impostas, estará excluído dos “benefícios” possíveis. Faleiros aponta que este controle é
feito pelos profissionais por meio de instrumentos como a entrevistas, visitas, fichários,
documentos, interrogatórios, o autor diz que “tudo é vasculhado, despossuindo indivíduos e grupos
de si mesmos, colocando-os às mercês de quem controla a informação sobre eles e influencia
predominantemente suas decisões”.
Esse tipo de controle é considerado pela instituição como formas de competências, de
avaliação e eficácia, quando na verdade tenta amenizar os conflitos, mantendo a harmonia social.
Para tanto, as instituições procuram resolver os conflitos de forma paternalista.
As instituições, enquanto espaços de luta, dos interesses opostos, também abrangem a disputa
e a luta interna, em que profissionais “[...] lutam entre si pelo controle do poder e dos recursos.
Frente à clientela lutam pelo controle do atendimento [...] conquista de micropoderes. A clientela se
transforma em ‘meio’ para a realização profissional – conquista do status e do poder”.
Os profissionais, trabalhadores em instituições, são expostos a determinadas situações a fim
de resolverem as contradições sociais postas por meio de sua posição de autoridade, ou seja, é
concedido a eles um “poder” para que este sirva à manutenção da ordem.
Diante disso, Faleiros caracteriza quatro tipos de possíveis estratégias de ação dos
profissionais nas instituições: a primeira como a integração ao processo de modernização, como
sendo a tentativa de neutralidade, mantendo-se a profissionalização, mas não engajando-se
politicamente, tomando uma posição. Outra estratégia seria a negação do trabalho institucional, ou
seja, o profissional busca a criação de um processo alternativo a partir das lutas e dos movimentos
populares, ou seja, defende o trabalho fora da instituição. Uma terceira estratégia seria o momento

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que o cliente quem decide e este é participante ativo. E uma quarta estratégia e a transformação da
correlação de forças institucionais pela formação de uma aliança, momento que há uma tomada de
consciência de classe, tratando-se de uma ruptura com a violência institucional.
Segundo Faleiros o saber é práxis, a concepção de mundo em conflito é relativo às relações de
classes e forças sociais. O autor diz que, para saber agir na luta de classes, é necessário o
conhecimento de dados, análises, planos, propostas, técnicas, experimentos, entre outros.

O assistente social, para o autor, assume uma posição de intelectual orgânico, colocando-se
entre as demandas de clientela e as determinações da instituição. O Serviço Social torna-se uma
profissão dependente do aparelho institucional, com uma relativa autonomia, em que o profissional
é dono de um saber e este se constitui nas regras e normas da instituição – executor de um saber
institucional.
Portanto, para o assistente social saber agir dentro da instituição de forma a atender aos
interesses da demanda, Faleiros nos alerta de que é preciso ter consciência da posição e das forças
adversárias, como também do processo global das condições de manobra, por isso a mediação
torna-se fundamental.
A crítica que surge sobre esta posição profissional é de uma postura voltada à neutralidade, de
escuta humanista, capaz de acolher e escutar de forma benevolente, porém reprodutora da dicotomia
entre classe dominante e dominada, bem como a posição de executor das políticas sociais e não de
decisão. Faleiros enfatiza que o profissional sem poder de decisão acaba utilizando da manipulação
de pequenos recursos para reforçar seu próprio poder pessoal.
O saber profissional acaba, neste sentido, servindo à empresa, e não à sociedade. Saber usar
os recursos institucionais em função dos interesses populacionais torna-se o desafio.
À medida que o profissional tem a postura de repensar sua prática e dispor de seu saber a fa-
vor da sociedade, sai de uma prática profissional reduzida a entrevistas, reuniões e visitas para uma
prática estratégica, tática e ampla. Não será mais uma prática individual, restrita ao profissional,
mas uma “reflexão coletiva para saber o momento oportuno de avançar e de recuar na estratégia

institucional e em relação aos grupos populares”.


A prática do assistente social constituía-se em buscar o conhecimento de um diagnóstico e um
tratamento. A utilização dessas informações recolhidas dos usuários e suas realidades pode fazer
com que o profissional pense que ele é o detentor do “poder” de atender às solicitações da
população, do qual a população depende. Ainda encontramos resquícios desta prática na
contemporaneidade, tornando-se um desafio à ruptura de práticas ultrapassadas.
O rompimento com a alienação é possível com a constante prática de realizar a análise de
conjuntura, a construção de mediações, a qual irá nos mostrar os limites e as possibilidades. A
alienação acaba causando nos profissionais uma acomodação com a situação e uma falta de senso

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crítico das relações. Tal comportamento leva à reprodução do sistema e mais uma vez à manutenção
do status quo.
O autor nos chama a atenção para o desafio profissional que “consiste justamente na reorien-
tação de seu cotidiano de acordo com a correlação de forças existentes”. Esta reorientação consiste
em saber ser um facilitador para que a população saiba mais sobre ela mesma, sobre os recursos
disponíveis e seu poder de decisão. É indispensável à prática profissional realizar o levantamento
dos problemas das relações entre “saber e poder”.
A tomada de consciência é um processo que pode mudar as relações entre demanda – profis-
sionais – e instituição. “Faz-se necessário, com esta estratégia, saber avançar e saber retroceder
porque há momentos em que o conflito se torna tão grande que pode levar ao próprio fechamento da
instituição”. Outro desafio para o assistente social seria a superação desta acomodação, tentando
trabalhar com as instituições de forma que estas sejam espaços para o desenvolvimento de “novas
formas de poder pelas alianças que podem ser feitas”.
As contradições existentes nos espaços institucionais são formas que precisam ser conside-
radas e analisadas pelos assistentes sociais, a fim de que existam estratégias de ação. A participação
da população é fundamental, pois para as instituições acaba sendo uma forma de constatar que a
população toma para si a responsabilidade de sua posição, ou seja, que houve um consenso da
acomodação de sua função – demanda controlada. Em contrapartida, somente com a participação
consciente é que se pode alcançar mudanças sociais.
Faleiros diz que o Serviço Social não surgiu do conceito de transformação, mas do de repro-
dução, apontando para o desafio: como trabalhar a favor da transformação, estando em instituições
que promovem a reprodução das relações sociais baseadas na exploração e no controle?
Por fim, podemos considerar que o autor nos remete à articulação entre o saber e o poder, ou
seja, as ações profissionais trabalham para responder às situações das demandas apresentadas, mas
também precisa-se prevenir outras situações e projetar planos futuros.

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