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CATAR FEIJÃO

CATAR FEIJÃO
Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
Catar feijão se limita com escrever:
e as palavras na da folha de papel;
joga-se os grãos na água do alguidar
e depois, joga-se fora o que boiar.
e as palavras na da folha de papel;
Certo, toda palavra boiará no papel,
e depois, joga-se fora o que boiar.
água congelada, por chumbo seu verbo:
Certo, toda palavra boiará no papel,
pois para catar feijão, soprar nele,
água congelada, por chumbo seu verbo:
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
pois para catar feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
Ora, nesse catar feijão, entra um risco:
o de entre os grãos pesados entre
Ora, nesse catar feijão, entra um risco:
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
o de entre os grãos pesados entre
um grão imastigável, de quebrar dente.
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
Certo não, quanto ao catar palavras:
um grão imastigável, de quebrar dente.
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
Certo não, quanto ao catar palavras:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
açula a atenção, isca-a com o risco.
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com o risco.
João Cabral de Melo Neto
João Cabral de Melo Neto

“Deve-se escrever da mesma maneira com que as


lavadeiras lá de Alagoas fazem em seu ofício. Elas
“Deve-se escrever da mesma maneira com que as
começam com uma primeira lavada, molham a
lavadeiras lá de Alagoas fazem em seu ofício. Elas
roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o
começam com uma primeira lavada, molham a
pano, molham-no novamente, voltam a torcer.
roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o
Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas
pano, molham-no novamente, voltam a torcer.
vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada,
Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas
agora jogando água com a mão. Batem o pano na
vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada,
laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e
agora jogando água com a mão. Batem o pano na
mais outra, torcem até não pingar do pano uma só
laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e
gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas
mais outra, torcem até não pingar do pano uma só
dependuram a roupa lavada na corda ou no varal,
gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas
para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer
dependuram a roupa lavada na corda ou no varal,
a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar,
para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer
brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para
a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar,
dizer.”
brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para
Graciliano Ramos dizer.”
Graciliano Ramos

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