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Psicologia do Desenvolvimento

 “ Desenvolvimento” e as suas concepções


Compreender as mudanças contínuas do ser humano operadas ao longo da vida e descobrir as razões dessas
mudanças tem constituído um desafio para a Psicologia, nomeadamente para os psicólogos do desenvolvimento.
Por desenvolvimento entende-se o conjunto de mudanças contínuas no ser humano ao longo da sua existência.
O conceito de desenvolvimento pressupõe assim uma sequência de alterações graduais que levam a uma maior
complexidade no interior de um sistema ou organismo. Na evolução por que passa cada indivíduo desenham-se
estádios que seguem uma ordem praticamente imutável, mas o tempo de permanência em cada um deles varia
conforme o indivíduo.
A psicologia do desenvolvimento é uma área especializada da Psicologia que só amadureceu no século XIX. Até
à contemporaneidade, era impossível o aparecimento desta área de investigação, devido aos estereótipos que se
mantinham acerca do conceito de criança e da pouca importância que lhe era concedida.
Uns tinham uma visão negativa da infância, encarando a criança como uma espécie de selvagem quase sem
humanidade, incluindo-a na mesma categoria em que mantinham os primitivos e os deficientes mentais. Outros
consideravam que as crianças tinham uma mente como a dos adultos, sendo a única diferença entre ambos o
crescimento e não o desenvolvimento; constituindo a criança como um adulto em miniatura.
Desta forma, o estatuto próprio da criança não era reconhecido, o que tinha reflexos negativos na educação
familiar e escolar que lhe exigiam condutas muito próximas das do adulto, sem que ela pudesse comportar-se da
forma pretendida.
As grandes mudanças quanto ao modo de encarar a criança deve-se à teoria evolucionista de Darwin,
estilhaçadora da fronteira intransponível entre animal e ser humano, abre caminho a uma nova perspectiva em
psicologia genericamente apelidada de organicismo por oposição ao maturacionismo.
Maturacionismo: Gesell encabeça a defesa do modelo maturacionista, acreditando que o desenvolvimento se
deve fundamentalmente a processos internos de maturação do organismo. Segundo o maturacionismo, as
diferenças observadas ao longo do desenvolvimento ocorreriam numa sequência geneticamente determinada,
devendo muito pouco às influências ambientais externas.
Mecanicismo: Os psicólogos behavioristas são adeptos de um modelo mecanicista, segundo o qual o organismo
humano reage passivamente às imposições do meio externo, que determinam as suas progressivas modificações.
Resumidamente, podemos dizer que psicólogos como Watson e Skinner negligenciam qualquer interferência de
factores internos associados aos organismo. Reduzindo o organismo ao binómio S R, acreditam que as diferenças
detectadas na evolução do indivíduo se devem exclusivamente às situações do meio.
Organicismo: Os psicólogos que defendem o modelo organiscista assumem uma perspectiva interaccionista, em
que consideram que o desenvolvimento é um processo dinâmico em que factores maturacionais, genéticos e da
experiência externa se combinam no decorrer dos diferentes estádios por que o indivíduo passa ao longo da vida.
O modelo organicista realça o carácter adptativo do processo de desenvolvimento , uma vez que considera que
ao progredir na sequência dos estádios, o organismo dispõe de mecanismos psicológicos diferentes e qualitativamente
superiores de intervenção no meio. Essas intervenções, por sua vez, contribuem para reorganizar os mecanismos
psicológicos, fazendo com que o indivíduo fique melhor apetrechado para ajustar adequadamente os comportamentos às
exigências do meio.

 Piaget e o desenvolvimento cognitivo


Jean Piaget elaborou uma teoria do desenvolvimento a partir do estudo da inteligência da criança e do
adolescente. A sua teoria permitiu que se acabasse com a concepção de que a adolescência da criança era semelhante
à do adulto, existindo entre elas mera diferença quantitativa.
Segundo Piaget, a inteligência precede o pensamento, desenvolvendo-se por etapas progressivas que exigem
processos de adaptação ao meio. Deste modo, o desenvolvimento pressupõe a maturação do organismo, bem como a
influência do meio físico e social.
Para compreendermos a teoria de Piaget, é necessário termos em conta alguns conceitos:
1. Esquema em cada etapa de desenvolvimento estão presentes esquemas mentais, que formam uma
estrutura quando coordenados entre si.
2. Adaptação a inteligência é uma adaptação ao meio ambiente, feita através da assimilação e da
acomodação.
3. Assimilação é o processo de integração dos dados da experiência nas estruturas do sujeito.
4. Acomodação é a modificação constante das estruturas do sujeito para se adaptar aos novos
elementos provenientes do meio. Entre a assimilação e a acomodação desenrola-se a coordenação que permite que
ocorra o desenvolvimento intelectual progressivo.
5. Organização o pensamento actua de forma organizada e de acordo com o meio, isto é, a adaptação
ao meio conduz à organização do pensamento e o pensamento organizado estrutura melhor os objectos do meio.
6. Estádios são fases ou etapas qualitativamente diferentes por que passa o desenvolvimento
intelectual. O desenvolvimento intelectual faz-se por etapas sucessivas em que as estruturas intelectuais se
desenvolvem progressivamente. Cada novo estádio representa uma forma de equilíbrio cada vez maior, que permite uma
adaptação mais adequada às circunstâncias.

Em todos os estádios existe uma interacção entre o sujeito e o mundo, feita através da assimilação e da
acomodação. Estes dois mecanismos possibilitam a construção das novas estruturas ou esquemas. Inicialmente são
esquemas de acção que quando interiorizados se transformam em esquemas operatórios.
O desenvolvimento pode explicar-se através de diferentes factores, como a hereditariedade, a maturação
interna, que não actua sozinha e por isso é um factor insignificante. O segundo factor é a experiência física, a acção
dos objectos. A lógica da criança em especial, advém das acções exercidas sobre os objectos. O terceiro factor prende-
se com a educação, que no entanto, por si só é insuficiente, sendo necessária a assimilação por parte da criança. O
quarto factor é a equilibração, ou seja, o equilíbrio entre os três factores anteriores.
O desenvolvimento da inteligência faz-se pelo intercâmbio constante entre a criança e o meio. Piaget distingue
quatro estádios de desenvolvimento.
 Estádio da inteligência sensório-motora: desde o nascimento até aos 2 anos. Neste estádio a
criança não se distingue dos objectos que a rodeiam, nem compreende as relações entre os objectos
independentemente dela. Em vez de palavras e conceitos, a criança serve-se de percepções e movimentos organizados
em esquemas de acção. Na presença de um objecto novo, a criança procura compreendê-lo pelo uso, sacudindo-o por
exemplo. Durante estes 2 anos, ao nível da acção, a criança constrói noções fundamentais para o desenvolvimento
ulterior, como a noção de objecto permanente e a de causalidade.
Se taparmos com um lenço um objecto do interesse do bebé, este não afasta o obstáculo para lhe chegar, pois
ao desaparecer do seu campo perceptivo, o objecto deixou de existir para ele. No fim deste período, já compreende a
permanência do objecto, mesmo quando é escondido em sítios diferentes.
Aos 18 meses, o bebé já é capaz de chegar aos objectos que quer, isto é, já é capaz de ralações objectivas de
causalidade, na medida em que se serve de meios apropriados para alcançar os seus fins. Trata-se de uma causalidade
egocêntrica, ligada à acção própria, caracterizada pela ausência de relações objectivas entre o meio e o fim a atingir.

Estádio das representações pré-operatórias: dos 2 aos 7 anos. A entrada neste estádio é marcada pelo
aparecimento da função semiótica ou simbólica, que assinala o início do pensamento. A função simbólica é a capacidade
de criar símbolos para substituir ou representar os objectos e de lidar mentalmente com eles. A linguagem , a imagem
mental e o jogo simbólico são manifestações da função simbólica. A linguagem permite à criança comunicar com os
outros, contudo, neste período a criança é muito egocêntrica, pelo que o diálogo é inexistente, mesmo quando brinca
com outras crianças, pois fala para si sem se interessar pelas respostas dos outros. A este propósito, devemos falar de
monólogo colectivo, em vez de diálogo. O jogo simbólico também é marcado pelo egocentrismo, pois a criança torna o
real no real dos seus desejos, transformando os objectos naquilo que quer. A esta capacidade da criança chamamos
realismo.
A emissão de palavras significa que a criança já possui imagens mentais. Piaget fala a este respeito de pré-
conceitos, na medida em que a criança, não dispondo ainda de esquemas de generalização, é incapaz de distinguir com
nitidez “todos” de “alguns”. Neste período, os esquemas de acção são substituídos por esquemas de representação,
assinalando o início da inteligência representativa ou pensamento. Nesta altura, a criança manifesta curiosidade por
aquilo que a rodeia, mas interpreta as coisas sempre em função de si, o que torna o pensamento incipiente e altamente
egocêntrico.
O pensamento que começa neste período apresenta as seguintes características: o antropomorfismo, que se
refere à visão animista ou antropomórfica da criança, característica deste período, a criança concebe as coisas como
vivas e dotadas de intenção e sentimentos, à semelhança do que se possa com os seres humanos.
O antropomorfismo deste pensamento também se manifesta na noção de causalidade da criança. Em face dos
acontecimentos, a criança pergunta: “o que é?”; “porquê?”. Estas questões não exigem apenas resposta causal, mas
também final, na medida em que ela entende que tudo é orientado para um fim. Apesar de já possuir inteligência
representativa, a causalidade que atribui aos objectos é de natureza finalista.
Nesta fase da vida, os pré-conceitos permitem à criança produzir inferências, que contudo não são do tipo
indutivo nem do tipo dedutivo. O raciocínio da criança procede por vaga analogia associativa. Isto significa que criança
vai recorrer a uma generalização ainda imprecisa e sem controlo. Por exemplo, se a criança vir um tigre na televisão vai
dizer que se trata de um gato, dadas as suas características serem idênticas às de um gato. A este tipo de raciocínio,
Piaget designa raciocínio transductivo.
O raciocínio dedutivo é também próprio desta fase da vida da criança. Se, nesta fase, colocarmos em fila oito
fichas brancas, separadas por pequenos intervalos e pedirmos a uma criança que, com fichas pretas, construa uma fila
igual, veremos que fará uma fila do mesmo comprimento da branca, mas sem se preocupar com a correspondência
termo a termo. Conclui-se assim, que a criança avalia a quantidade pela percepção do espaço ocupado, ou seja, pela
configuração global, sem se deter na análise das relações entre os objectos.

 Estádio das operações concretas: dos 7 aos 11 anos. Nesta fase, as estruturas intuitivas transformam-
se num sistema de relações de tipo operatório, o que significa que as acções interiorizadas ou acções mentais que já se
manifestam no período precedente tornam-se agora reversíveis e designam-se por operações.
Piaget realizou várias experiências para estudar a reversibilidade de pensamento, presente nas operações que
as crianças são capazes de efectuar neste estádio.
- a conservação: se deitarmos em 2 copos iguais a mesma quantidade de água e se fizermos notar a
uma criança de 4 ou 5 anos que o líquido se encontra ao mesmo nível nos 2 copos, ela admiti-lo-á
imediatamente.
Porém, se, em seguida, transvasarmos o líquido de um dos copos para um recipiente mais estreito e mais alto e
lhe perguntarmos qual é o que contém mais água, ela apontará para o recipiente alto e estreito. Isto significa que a
criança no estádio anteriormente referido ainda não atingiu o nível operatório, uma vez que não é capaz de regressar
mentalmente ao ponto inicial. As suas “operações” não possuem ainda a reversibilidade.
Quando uma criança atinge o pensamento operatório, afirmará sem reservas que a quantidade de líquido não se
alterou pelo facto de ter sido mudado de um vaso para o outro. Poderá mesmo servir-se de argumentos para justificar a
sua resposta. São três os tipos de argumentos a que pode recorrer: o da identidade, o da reversibilidade e o da
compensação. Identidadeé a mesma água porque não se pôs nem se tirou nenhuma./ Reversibilidadeé a
mesma água porque, se se voltasse a deitar no copo pequeno, ficava como dantes./ Compensaçãoé a mesma água
porque este copo é mais alto mas também é mais estreito.
Quando uma criança justifica de uma destas formas, significa que já está de posse do esquema da conservação
da quantidade. Ainda neste período, adquirirá a conservação de peso, de volume, etc.

- a classificação: se colocarmos uma criança, ainda em estádio pré-operatório , perante brinquedos ou figuras
de animais , em que haja oito cães “caniche”, dois cães “terrier” e três gatos e lhe pedirmos para fazer colecções de
animais, ela fará três grupos simples, um de “terriers”, outro de cães “caniches” e outro de gatos. A criança já tem assim
a noção de inclusão em classes. A confusão entre “todos” e “alguns”, característica dos períodos anteriores, tende,
portanto, a desaparecer nesta fase. Contudo, as estruturações lógicas apresentam ainda algumas limitações. As
operações são concretas, recaindo directamente sobre os objectos e situações actuais, não sendo ainda capaz de
raciocinar sobre situações hipotéticas.
 Estádio das operações formais: dos 11 aos 15 anos. Ao contrário do anterior estádio, durante a
adolescência desenvolve-se a inteligência formal, que significa a entrada num domínio novo que é o do pensamento
puro. Assim, nesta fase, o adolescente é capaz de raciocinar sobre hipóteses abstractas, ou seja, proposições
enunciadas verbalmente, ou através de outros símbolos, a partir dos quais se efectuam os encadeamentos típicos da
lógica formal.
Desta forma, o adolescente já é capaz de raciocinar dedutivamente a partir de hipóteses, mas também é capaz
de formular hipóteses para resolver um problema, as quais compara de forma sistemática na experiência, até encontrar a
solução explicativa mais adequada. Ao mesmo tempo, surge também a possibilidade de compreender princípios
abstractos, demonstrando uma grande abertura a conceitos científicos e filosóficos a que não demonstrava qualquer
interesse em fases anteriores.
Esta nova capacidade para pensar abstractamente leva o adolescente a fazer da sua própria reflexão um objecto
sobre o qual pode reflectir. Esta atitude reflexiva é imbuída de um novo egocentrismo intelectual que se manifesta na
convicção de que o seu pensamento está apto a resolver todos os problemas e de que se as suas ideias são
indubitavelmente as melhores. O jovem actua como se os outros e o mundo tivessem que se organizar em função dos
seus pontos de vista, que apresenta e defende por via lógico- argumentativa. Nesta fase, o adolescente é capaz de se
colocar na perspectiva do outro, atingindo um novo equilíbrio eu- mundo.

 Freud e o desenvolvimento psicossexual


Assim como Piaget na perspectiva cognitiva, também Freud considera que a compreensão do comportamento
exige uma análise dos fenómenos psíquicos. Contudo, se a perspectiva cognitiva encara as pessoas como
processadoras racionais de informação, a perspectiva psicodinâmica procura evidenciar aspectos em que a
racionalidade humana falha: enfatiza as motivações inconscientes e o papel desempenhado pelas vivências
emocionais infantis na estruturação da personalidade do adulto. Segundo Freud, o nosso aparelho psíquico ou
estrutura da personalidade, é formado por 3 componentes ou sistemas motivacionais, também designados por
instâncias do eu ou instâncias de personalidade, são elas o id, o ego e o superego.
O id, também designado por infraeu ou infraego, é constituído por todos os impulsos biológicos, como a fome,
a sede e o sexo, que exigem satisfação imediata. É o fundamento da sobrevivência individual e da espécie.
O superego, também chamado supereu, é formado pelo conjunto de regras e proibições impostas
primeiramente pelos pais e depois pela sociedade em geral e que foram interiorizados pelo indivíduo. É o
fundamento da moral.
O ego, também chamado eu, é o elemento decisor dos conflitos travados entre o id e o superego, é portanto, o
fundamento racional da personalidade humana.
Segundo Freud, estas 3 instâncias estabelecem entre si uma relação dinâmica, muitas vezes conflitual, de que
resulta a conduta das pessoas. Assim, o comportamento de umas pessoas compreende-se pela supremacia do id e
o comportamento de outras compreende-se pela supremacia do superego.
A nível genético, o id é o primeiro elemento. Nasce com a criança, sendo a única motivação do bebé nos
primeiros meses de vida, o que significa que a energia psíquica deriva apenas de tendências instintivas de natureza
biológica, cujo único objectivo é a satisfação imediata na busca exclusiva do prazer.
O ego, de acordo com a teoria psicanalítica, surge relativamente cedo, à medida que a criança vai
experienciando e se vai apercebendo de privações e recusas no mundo exterior. O ego tem por função orientar as
pulsões de acordo com as exigências da realidade, tornando possível a adaptação do indivíduo ao mundo externo,
de forma a ficar apto a enfrentar situações geradoras de ansiedade. Sendo o “árbitro” na luta entre as pulsões inatas
e o meio, o ego desenvolve um conjunto de mecanismos de defesa que exercem um controlo inconsciente sobre as
pulsões que ameaçam o equilíbrio psíquico do indivíduo, canalizando-as para formas indirectas e substitutivas da
obtenção do prazer.
O superego constitui a moral do indivíduo e tem a sua origem na relação da criança com os pais, que lhe fazem
exigências, interdições e ameaças que pesam sobre a criança. Este controlo imposto a partir do exterior tende a ser
interiorizado, pelo que por volta dos 7 anos, o superego é já uma instância interna que actua de modo automático e
espontâneo. O superego é formado então por princípios morais e representa um conjunto de valores nucleares como
a honestidade, o sentido de dever e de responsabilidade, as obrigações, etc....
Contudo, o superego não elimina a actuação do id, que se mantém activo ao longo da vida. Toda a teoria de
Freud desenvolve-se à roda do conceito de energia psicossexual ou líbido, cuja proveniência são as pulsões
biológicas e instintivas do id. Freud defende que o desejo ou busca do prazer psicossexual surge no indivíduo antes
da puberdade, logo a partir do nascimento.
O termo prazer psicossexual é usado por Freud num sentido muito amplo, que inclui as sensações agradáveis
resultantes da estimulação de diversas áreas do corpo e considera que a energia psicossexual ou líbido deriva de
processos metabólicos. Os órgãos envolvidos na digestão e procriação, fundamentais para a sobrevivência do
indivíduo e da espécie, são zonas erógenas, ou seja, fontes instintivas de prazer sexual.
Desde modo, a criança atravessa uma série de estádios, cada um dos quais se associa a sensações de prazer
ligadas a uma zona erógena específica. O controlo destas sensações origina conflitos cuja resolução influencia a
formação da personalidade adulta, pelo que para alcançar a maturidade psicológica, o indivíduo deve resolver
positivamente os conflitos próprios de cada etapa. Assim, as pessoas que experienciam um excesso de frustração ou
de satisfação dos sentimentos sexuais de cada período poderão permanecer psicologicamente presas a esse
estádio, fenómeno designado por fixação, segundo Freud.
O Estádio oral decorre desde o nascimento até aos 12/18 meses. Durante este período a boca é a
principal fonte de prazer, tornando-se numa zona erógena, dado que não se presta apenas à satisfação das
necessidades alimentares do bebé, como também se constitui como fonte de prazer sensual, pelo que nesta fase,
seja ou não alimento, tudo o que a criança agarra é levado à boca. O seio materno é então fonte de grande
satisfação que lhe permite estabelecer uma relação afectiva de proximidade com a mãe, cuja natureza marca o
modo como futuramente se relacionará com o mundo. No início deste estádio, a criança vive um estado de
indiferenciação eu- mundo com o qual contacta fundamentalmente através da boca e é por isso que durante alguns
meses se limita a mamar no seio, na chupeta ou no biberão passivamente. Posteriormente, ela própria procura
agarrar qualquer objecto, chegando a mordê-lo, de acordo com o desenvolvimento de uma oralidade mais agressiva,
para a qual contribui o aparecimento de dentição.
Segundo Freud, a fixação neste estádio conduz à tendência exagerada para comportamentos de gratificação
oral, como por exemplo, comer, beber, beijar e fumar.
Neste período, começa-se a estruturar a personalidade, desenvolvendo-se algumas características com
dimensões bipolares, de acordo com o excesso de satisfação ou de desprazer.
Posteriormente, Freud coloca a criança no Estádio anal, que decorre dos 12/18 meses aos 3 anos. Neste
período, mais especificamente aos 2 anos, a criança começa a desenvolver o controlo muscular ligado à defecação,
sendo que a descarga reflexa produzida pela pressão nos músculos do esfíncter anal, torna-se agradável. Deste
modo, tanto reter, como expulsar fezes torna-se numa fonte de prazer, constituindo a região anal como a zona
erógena desta fase. Também por esta altura, os pais preocupam-se com a criação de hábitos de higiene. Se a
exigência dos pais for demasiado rígida a criança tende a reter as fezes ou a expulsá-las nos momentos mais
inoportunos.
Segundo Freud, a educação do asseio demasiado restritiva ou tolerante pode determinar 2 tipos de
personalidade adulta:
- No retentivo-anal, verificam-se características como avareza, obstinação, meticulosidade, ordem compulsiva.
- No expulsivo-anal, verifica-se a tolerância, a submissão, a generosidade excessiva e desordem.
Dos 3 aos 5/6 anos, a criança encontra-se no Estádio fálico, cujo objecto da líbido são os órgãos
genitais. Isto porque é nesta fase que a criança descobre que o corpo dos rapazes e das raparigas e diferente, pelo
que a criança obtém prazer ao tocar nos órgãos genitais. Se os pais ensinam aos filhos que isso é vergonhosos, os
rapazes podem contrair o medo da castração e as raparigas a “inveja do pénis”. Rapazes ou raparigas podem
apresentar, futuramente, dificuldades de relacionamento sexual.
Nesta fase, as crianças vivem a primeira experiência de amor heterossexual. O rapaz nutre uma atracção
especial pela mãe, ao mesmo tempo que desenvolve uma agressão competitiva em relação ao pai; contudo, procura
imitá-lo para conquistar a mãe, desenvolvendo assim o conceito de masculinidade. Freud designou esta vivência
“complexo de Édipo”. No caso da rapariga, esta sente-se atraída pelo pai, vendo a mãe como um obstáculo à
realização dos seus desejos, embora procure parecer-se com ela, de forma a seduzir o pai, construindo o conceito
de feminilidade; esta vivência é designada “complexo de Electra”.
Quando estes complexos não são bem resolvidos, quer porque as fantasias sexuais infantis são satisfeitas por
defeito ou por excesso, pode ocorrer uma fixação nesta fase, da qual resultam dimensões bipolares de
personalidade: orgulho-humildade; sedução-retraimento; promiscuidade-castidade.
Dos 5/6 anos aos 12/13 anos, a criança encontra-se no Estádio de latência. Nesta fase, os desejos
sexuais estão praticamente ausentes. Esta situação de apaziguamento das pulsões sexuais deve-se à amnésia
infantil, processo pelo qual a criança reprime no inconsciente as experiências fortes do estádio fálico. A criança
canaliza a energia psíquica para actividades de outro tipo. A curiosidade sexual cede lugar à curiosidade intelectual
que a entrada na escola ajuda a desenvolver, também na medida em que afasta a criança do mundo familiar
carregado de afectividade e portanto a exploração, a descoberta, a procura e a invenção ocupam a criança num
sem- número de actividades de acordo com os seus gostos ou metas a atingir. Durante este período de acalmia
sexual, a criança procura tornar-se numa espécie de “criança-modelo” bem comportada e apreciada pelos pais,
professores e amigos.
O aparelho psíquico constituído pelas 3 instâncias,- id, ego, superego- está completamente organizada nesta
fase, pelo que a estrutura da personalidade se encontra praticamente formada. No estádio seguinte, o
desenvolvimento psicossexual está terminado.
Após o estádio de latência, Freud considera o Estádio Genital, desencadeado depois da puberdade. Nesta
fase, a sexualidade desperta de novo e com grande intensidade, facto explicável pela maturação orgânica e aos
impulsos desencadeados pela consequente produção de hormonas sexuais. Este estádio torna-se assim uma
repetição dos períodos precedentes, pelo que se reactivam os conflitos vividos na infância. O complexo de Édipo é
revivido pelo adolescente de uma forma muito especial, o amor vivido no período fálico em relação ao progenitor do
sexo oposto é agora canalizado para uma atracção heterossexual por pessoas alheias ao universo familiar. A
satisfação dos impulsos da líbido é procurada pela prática de actividades sexuais de natureza genital. Os jovens que
atingem este estádio após terem resolvido os conflitos inerentes às fases anteriores, estão preparados para o
exercício de actos ligados à reprodução, bem como para assumir as responsabilidades da idade adulta. Não há
fixação neste período, visto ser a última etapa desenvolvimento psicossexual.

 Erikson e o desenvolvimento psicossocial


A perspectiva de Erikson caracteriza-se pela sua ênfase nos aspectos psicossociais. Apesar de discípulo de
Freud, Erikson descorda da teoria deste psicólogo, nomeadamente nos seguintes aspectos:
valorização exagerada da energia libidinal como chave explicativa do desenvolvimento;
Redução do desenvolvimento aos períodos que decorrem da infância à adolescência;
Subestimação das interacções indivíduo- meio;
Privilégio concedido à vertente patológica da personalidade
Pelo contrário, Erikson apresenta uma teoria de desenvolvimento, cujos pressupostos são os seguintes:
a energia que orienta o desenvolvimento é essencialmente de natureza psicossocial, havendo portanto
uma valorização interacção entre a personalidade em transformação e o meio social;
o desenvolvimento é um processo contínuo que se inicia com o nascimento e se prolonga até ao final da
vida;
a personalidade constrói-se à medida que a pessoa progride por estádios psicossociais que, no seu
conjunto, constituem o ciclo da vida;
em cada estádio manifesta-se uma crise que é vivida em função de aspectos biológicos, individuais e
sociais. A crise consiste num conflito ou dilema que deve ser resolvido, sendo que existe uma solução positiva e
negativa para cada um deles;
os conflitos estão, desde o nascimento, latentes no indivíduo, só se tronando patentes e predominantes
em fases específicas da vida;
quando as crises são resolvidas de forma positiva, resultam em equilíbrio e saúde mental, já as soluções
negativas das crises conduzem ao desajustamento e ao sentimento de fracasso;
ajustamento ou desajustamento não são situações ou estados definitivos. Em fases subsequentes, o
indivíduo pode passar por experiências positivas e negativas que contrariem as vivências tidas em estados
anteriores.

Desta forma, o conceito de crise é, segundo Erikson fundamental para a construção da personalidade, que
se desenvolve em função da resolução de crises sucessivas. De acordo com a forma como a crise for resolvida,
a pessoa situar-se-á mais ou menos adequadamente no contexto social.
As crises psicológicas que permitem ao indivíduo adquirir sentimentos, como confiança em si próprio,
autonomia, iniciativa, ou, ao invés, falta de confiança, sentimentos de inferioridade e culpabilidade, surgem ao
longo da vida, distribuídas por 8 idades, em cada uma das quais aparecem virtudes específicas.
Erikson emprega o termo virtude com o significado de uma aquisição positiva que ocorre quando a
resolução da crise é favorável. Esta aquisição constitui um ganho psicológico emocional e social que se
pode traduzir por um valor, por uma característica de personalidade, por uma competência, por uma qualidade
pessoal ou por um sentimento.

 1ª idade Bebé: vai desde o nascimento até aos 18 meses. O conflito típico desta
idade é: Confiança vs. Desconfiança.
Durante este período, o relacionamento com a mãe é da maior importância. Se a mãe alimenta bem o filho,
se o aconchega e acarinha, brinca e fala ternamente com ele, o bebé desenvolve o sentimento de que o
ambiente é agradável e seguro, criando uma atitude básica de confiança e face ao mundo.
Contudo, se pelo contrário, o comportamento da mãe não satisfaz o bebé, este desenvolve medos e
suspeitas que contribuem para a formação de uma atitude negativa de desconfiança.
A virtude desenvolvida durante este período é a esperança. Esta fase corresponde ao estádio oral da
teoria de Freud.
 2ª idade criança de tenra idade: situa-se desde os 18 meses até aos 3 anos. O
conflito típico desta idade é a Autonomia vs. Vergonha e dúvida. Nesta fase, as crianças sentem ainda
necessidade de protecção, mas simultaneamente, gostam de experimentar. Por isso, sentem-se bem sempre
que podem exercitar as suas capacidades motoras: correr, puxar, empurrar, segurar, largar são actividades que
treinam e procuram desenvolver.
Se os pais encorajarem a criança a exercitar estas habilidades, ela desenvolve o controlo dos seus
músculos, o que contribui para o domínio do seu próprio corpo e do ambiente que a rodeia. Desta forma, a
criança ganha autonomia.
No entanto, se a criança for impedida de usar as suas capacidades ou se lhe é exigido que use essas
capacidades precocemente, a criança desenvolve sentimentos negativos, como a vergonha e a dúvida.
A boa resolução entre aquilo que a criança quer e o que os outros exigem dela, resulta na sua força de
vontade, virtude própria desta idade. Este período aproxima-se do estádio anal da teoria de Freud.
 3ª idade criança em idade pré-escolar: dos 3 aos 6 anos. O conflito próprio desta
fase é Iniciativa vs. Sentimento de culpa.
O desejo de experimentar mantém-se e amplia-se com a aquisição de novas capacidades intelectuais, como
o pensamento e a linguagem, que usa como outras formas de explorar a realidade. Com elas toma iniciativas,
idealiza façanhas, realiza tarefas e exibe-se.
Se os pais compreendem e aceitam o jogo activo das crianças, estas sentem que o seu sentido de iniciativa
é valorizado. Porém, se os pais se impacientam e consideram disparatadas as suas perguntas, brincadeiras e
actividades, as crianças sentem-se culpadas e inseguras, evitando agir de acordo com os seus próprios desejos.
A virtude própria deste período é a tenacidade, desenvolvida quando o conflito é resolvido de forma
positiva. Este período aproxima-se do estádio fálico da teoria de Freud.
 4ª idade criança em idade escolar: dos 6 aos 12 anos. O conflito próprio desta
idade é Diligência vs. Sentimento de inferioridade. A criança franqueia o universo da escola, onde se espera
que faça grandes aprendizagens, a nível académico e social. Sonha com o sucesso, desenvolvendo esquemas
cognitivos para se tornar excelente nas tarefas desempenhadas.
Quando as crianças se sentem menos capazes do que os seus pares, sentem-se inferiores. No entanto, se
se sentirem bem sucedidas e acreditarem nas suas capacidades e no seu valor pessoal, empenham-se
comprazer no trabalho, desenvolvendo a diligência.
A virtude desenvolvida nesta fase é a competência ou perícia. Este período aproxima-se do estádio
de latência da teoria de Freud.
 5ª idade adolescente: dos 12 aos 20 anos. O conflito próprio desta idade é
Identidade vs. Confusão. Nesta idade, o adolescente apercebe-se da sua singularidade como pessoa,
adquirindo a noção de que é um ser único, com identidade própria, mas inserido num meio social onde tem
vários papéis a desempenhar, pelo que o adolescente vai ter de integrar diversas auto- imagens: jovem, amigo,
estudante, seguidor, líder,, trabalhador, homem ou mulher numa única imagem e é a partir dela que escolhe uma
carreira profissional e um estilo de vida. Se nos períodos anteriores conseguiram obter confiança básica,
autonomia, iniciativa e diligência, os adolescentes constróem mais facilmente a sua identidade. Se pelo
contrário, manifestam dificuldades em saber o que são, o que querem, que opções fazer e que papel
desempenhar, vivem situações difíceis de confusão e indecisão.
A virtude desenvolvida nesta fase é a lealdade (para com si próprio) ou fidelidade. Este período
aproxima-se ao estádio genital da teoria de Freud.
 6ª idade jovem adulto: dos 20 aos 35 anos. O conflito típico desta idade é
Intimidade vs. Isolamento. Nesta fase, o jovem adulto já está preparado para estabelecer laços sociais
caracterizados pelo bem-estar, amizade, partilha e confiança.
A intimidade requer que o sentimento de identidade pessoal facilite o relacionamento com outrem numa base
de compromissos, alteração de hábitos e, mesmo, de aceitação de sacrifícios.
As dificuldades em estabelecer relacionamentos íntimos contribuem para que as pessoas se fechem em si
mesmas e permaneçam no isolamento. As virtudes desenvolvidas nesta idade são o amor e a afiliação (querer
sentir-se querido).
 7 a idade adulto: dos 35 anos aos 65 anos. O conflito típico desta idade é
Generatividade vs. Estagnação. O termo generatividade foi criado por Erikson e designa o comprometimento
do adulto em relação ao futuro e à nova geração. A afirmação pessoal do adulto é desenvolvida através das
preocupações com os jovem , o seu bem-estar e o desejo de contribuir para um mundo melhor.
No entanto, se em vez de desenvolver actividades que considera produtivas e úteis aos outros, o adulto se
preocupa apenas consigo próprio, a sua vida caracteriza-se pela estagnação.
As virtudes adquiridas neste estádio são a produção e a ajuda aos outros.
 8 a idade Idoso: dos 65 anos em diante. O conflito típico deste período é a
Integridade vs. Desespero. Esta fase coincide com a entrada na reforma, em que a pessoa se empenha em
reflectir, fazendo um balanço da sua vida.
Quando a pessoa se sente satisfeita por considerar que a sua vida teve mérito, surge o sentimento de
integridade. Nas situações em que a pessoa se apercebe de que nada que fez que tivesse sentido e de que já é
demasiado tarde para começar de novo, surge o desespero.
A principal virtude adquirida neta idade é a sabedoria.

 A relação mãe- filho


Assim que nasce, a criança faz parte de uma família que é o grupo básico da sociedade, sendo que
posteriormente se integrará noutros grupos, sendo-lhe conferido o estatuto de ser humano. Desta forma,
constatamos que o desenvolvimento e a socialização são processos simultâneos e interdependentes.
Nos primeiros tempos de vida, o universo social da criança centra-se na mãe, pelo que a relação que +e
estabelecida entre ambos deve ser considerada de um modo particular.
Durante séculos, o papel da mulher no grupo familiar era unicamente ocupar-se das tarefas caseiras e
cuidar dos filhos. Quando dava à luz, a mulher sabia perfeitamente como lidar com o recém- nascido: alimentá-lo
e lavá-lo.
Acreditava-se, no entanto, que o bebé apenas tinha estas necessidades, assemelhando-se a um tubo
digestivo desprovido de capacidades para além da sucção, do choro e pouco mais. Pensava-se assim que o
recém-nascido não via, não ouvia, não distingui cheiros, nem sentia outras emoções a não ser as dores de
origem digestiva. O bebé era considerado desprovido de memória e incapaz de qualquer aprendizagem.
Assim sendo, durante o primeiro ano de vida, os cuidados materiais eram concebidos como tarefas cujo
objectivo era simplesmente assegurar o crescimento físico e a maturação fisiológica do bebé, de modo a ficar
apto a, futuramente, saber comportar-se como um adulto.
A psicologia do desenvolvimento alterou substancialmente as concepções do passado acerca do recém-
nascido, que deixou de ser encarado como um ser “insuficiente” e passivo, a viver durante meses na mais
completa indiferença a tudo o que o rodeia, passando a ser considerado como um ser de dotado de natureza
activa, desperto para o mundo envolvente. Têm-se a noção de que o recém-nascido é portador de necessidades
específicas que exigem ser satisfeitas e de capacidades à espera de serem desenvolvidas.
Piaget, Freud e Erikson, cada um na sua perspectiva, consideravam uma “nova” infância, em que a criança,
desde o nascimento, vai-se desenvolvendo a nível intelectual, afectivo e social, respectivamente.
Piaget apresenta o Estádio da inteligência sensório-motora, como base de todo o desenvolvimento
intelectual futuro. De acordo com Piaget, a criança nasce com esquemas de acção que quando desenvolvidos e
interiorizados, se transformam, mais tarde, em esquemas de pensamento.
Freud, por sua vez, centra-se na capacidade de a criança sentir prazer e desprazer praticamente desde o
momento do nascimento. Centradas na amamentação as primeiras vivências afectivas contribuem para a
formação da personalidade, determinando o ulterior relacionamento emocional com as outras pessoas.
Por fim, temos a teoria de Erikson, segundo a qual a confiança ou desconfiança norteiam o
relacionamento social., radicando nas experiências vividas durante os primeiros meses de vida. O modo como
bebé resolve o primeiro conflito existencial influencia o grau de esperança num futuro relacionamento social
gratificante.
Todos estes psicólogos evidenciam que o desenvolvimento é dinâmico e que necessita de uma relação com
outrem. A mãe é então o primeiro agente através do qual a criança intercambia com o meio, desenvolvendo com
ela as primeiras relações afectivas e iniciando o seu processo de relacionamento com o mundo físico e social.
Estas concepções contemporâneas acerca do que é a criança nos primeiros tempos, mudaram o modo
como a mãe assume os cuidados maternais, pelo que a criança apresenta necessidades que não são
exclusivamente comer, dormir, estar limpa e agasalhada.
Ás necessidade fisiológicas juntam-se outras que se não forem satisfeitas, comprometerão o
desenvolvimento harmonioso da personalidade individual.
Muitos psicólogos se têm dedicado ao estudo da privação do afecto materno. A este respeito, a psicanalista
Ana Freud efectuou observações em infantários fundados no tempo da guerra para acolher os filhos das mães
trabalhadoras cujos maridos se tinham alistado em combate. Estas crianças eram bem cuidadas em termos de
alimentação e higiene, no entanto, quase todas apresentavam perturbações emotivas e atraso no
desenvolvimento, cujas causas foram atribuídas à ausência de afecto materno.
Também o psicanalista americano Spitz efectuou estudos semelhantes, observando crianças abandonadas
que passaram a viver, desde os primeiros meses de vida, em orfanatos e outras instituições similares. Spitz
concluiu que a privação dos cuidados e aconchego maternos levavam à morte precoce, dificuldades no
relacionamento interpessoal manifestados por condutas que passam pela insensibilidade a outrem e pela
tendência para, a todo o custo, granjear o afecto e a atenção dos outros.
As observações de Bowlby são mais recentes e foram feitas em crianças de tenra idade. Bowlby concluiu
que quando as crianças são afastadas da família por períodos de tempo superiores a 3 meses, vêm a sofrer de
perturbações que se desenvolvem em 3 fases: inicialmente, mostram desespero; em seguida, irritação e cólera,
mesmo em relação à família; por último caem num estado de indiferença e apatia.
O vínculo afectivo que se estabelece entre o filho e a mãe e que se traduz pelo desejo da presença desta e
do seu contacto tem uma origem de cariz emocional, cuja satisfação reside em experiências gratificantes como:
estar ao colo, ser embalado, abraçado, e beijado, receber afagos, festas e carícias. Ao contrário da teoria de
Freud e com se pensava até finais dos anos 50, que esse vínculo afectivo era uma resposta natural à mãe
enquanto elemento que lhe satisfaz as necessidades fisiológicas.
Harlow realizou experiências notáveis em que macacos eram criados por 2 mães artificiais, sendo que uma
era feita de arame, tinha uma espécie de biberão onde eles se alimentavam; outra, revestida de material felpudo,
proporcionava aos macaquinhos um contacto macio e agradável. Harlow verificou que os animaizinhos
estabeleceram um vínculo afectivo com a mãe de veludo, permanecendo a maior parte do tempo abraçados a
ela na procura do conforto que a “mãe de arame” não lhes podia dar. Mesmo quando sentiam fome ou queriam
explorar objectos nas imediações, procuravam uma posição que lhes permitisse não perderem o contacto com a
mãe mais confortável. Mal se apercebiam da presença de objectos estranhos, corriam para ela e agarravam-se-
lhe com todas as forças. Pouco depois, acalmavam-se ao seu colo e observavam os objectos. Parecia estarem a
viver um conflito entre o medo que o 2estranho” lhes provocava e a curiosidade que sentiam pela “novidade”.
Progressivamente, iam explorando os objectos, usando a mãe como base de apoio: corriam a tocar num
objecto e regressavam rapidamente; voltavam aos objectos mais calmamente e, alguns, transportavam os
objectos para junto dela.
Harlow concluiu assim, que após estabelecido o vínculo afectivo, a “mãe de veludo” proporcionava-lhes
sentimentos de segurança que contribuíam para a perda de receio quando pretendiam satisfazer a sua
necessidade.
Inicialmente, Harlow pensou que as mães felpudas satisfaziam as necessidades emocionais dos bebés
macacos, pois entre os 3 e os 6 meses pareciam saudáveis e normais.
No entanto, não se tornaram adolescentes nem adultos com padrões de comportamento semelhantes aos
dos outros macacos. Harlow verificou o seguinte:
Apresentavam comportamentos compulsivos, movendo-se em círculos ou baloiçando o corpo
para trás e para diante;
não revelavam qualquer interesse por outros macacos ou pessoas;
eram sexualmente desajustados, não se relacionando normalmente com macacos do sexo
oposto;
quando algumas macacas ficaram grávidas mostravam-se incapazes de cuidar dos filhos e
rejeitavam-nos agressivamente. Alguns dos macaquinhos recém-nascidos morreram mesmo.
A razão destas perturbações foram atribuídas à privação ou défice de estimulação sensorial,
perceptiva e social que os macacos sofreram na situação de isolamento. Apesar de se ligarem afectivamente à mãe
substituta, esta não interagia com eles, não havendo um intercâmbio de sinais , pelo que as mães substitutas não
lhes ensinaram a “comportar-se em sociedade”. Das observações de Harlow podemos concluir que o bebé precisa
de criar laços afectivos com alguém, mas também de viver num meio social estimulante onde possa interagir com os
outros e aprender a comportar-se em sociedade.

 A adolescência
Por adolescência entende-se a etapa da vida que se estende da infância à idade adulta. Inicia-se com a
puberdade, ou seja, com os primeiros sinais de maturação sexual, o que, em termos de idade, varia conforme os
sexos, o clima, o meio e a cultura.
O fim é muito mais difícil de identificar, uma vez que ser adulto é essencialmente um estado de espírito e não
uma mera condição de crescimento do corpo.
A adolescência é esta época longa de transição entre a infância e a idade adulta. Os adolescentes estão a
afirmar a sua independência, tarefa por vezes penosa e pouco apoiada pelos pais, que os vêem a deixar de se
comportar como crianças cumpridoras e obedientes e a não se comportarem ainda como adultos responsáveis. Esta
atitude paterna encontra paralelo no modo de sentir paradoxal do filho, que se acha demasiado velho para ser
tratado como criança e demasiado novo para assumir os deveres e um adulto.
Este período da vida não pode ser caracterizado em termos absolutos. Assim, se queremos caracterizar a
singularidade da adolescência, temos que considerar, desde já, que essa singularidade reside, exactamente, na sua
pluralidade.
Um dos factores que mais contribuem para fazer da adolescência um conceito plural advém da vivência
particular que cada jovem faz das diversas e profundas transformações que ocorrem em si ao longo deste período.
A entrada em funcionamento dos mecanismos hormonais determina o crescimento rápido do corpo e o
desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários. As alterações de cariz psicológico são sinal de que os jovens
estão, sob o ponto de vista orgânico, aptos para a função reprodutora.
Simultaneamente, os jovens desenvolvem uma nova forma de pensar. As operações formais conferem-lhe a
capacidade de efectuar uma descolagem mental do concretamente vivido para a esfera do abstractamente
imaginado.
O pensamento do adolescente é caracterizado pelo seu egocentrismo, levando-o a crer que as experiências por
que passa sã tão suas e únicas que muito dificilmente alguém as poderá entender. O adolescente sente-se muitas
vezes incompreendido, mesmo sentindo que as pessoas se preocupam consigo.
Uma outra forma de egocentrismo dos primeiros anos da adolescência consiste em os jovens, apesar de bem
informados sobre os perigos que assolam as pessoas, negarem psicologicamente a hipótese de eles próprios serem
vítimas desses perigos. Este sentimento de invulnerabilidade incentiva-os à aventura, expondo-os a riscos que
muitas vezes têm consequências dramáticas e irreversíveis.
Á medida que, progressivamente, atinge uma maior maturidade intelectual, o adolescente torna-se sensível a
novas questões, interessando-se por explorar domínios até então inacessíveis, pelo que se sente impelido a
aprofundar o conhecimento de si e do mundo. Neste percurso, o jovem reavalia as suas convicções, até então
inquestionáveis. O carácter absoluto dos valores que aceitava do adulto é agora relativizado, ao passar pelo seu
pensamento autónomo.
A análise crítica que o adolescente começa a fazer não significa abandono ou total rejeição de crenças e valores
que trazia na infância. Eles podem, pelo contrário, ser incluídos em lugar de destaque na hierarquia valorativa, que
agora constrói. Só que, assim sendo, eles são pessoalmente assumidos como significativos e já não apenas
respeitados porque impostos pela autoridade do adulto.
Deste modo, o jovem empenha-se fortemente na equacionação de problemas de natureza ético- moral,
assumindo posições teóricas defensoras de ideais.
Em todas as sociedades circulam ideias feitas ou preconceitos acerca da adolescência carecendo de
fundamento, por não traduzirem adequadamente aquilo que se passa na realidade.
Na sociedade ocidental contemporânea, é vulgar associar-se ao conceito de adolescência todo um conjunto de
comportamentos problemáticos e desviantes relacionados com o consumo de droga, actos de vandalismo, violência,
roubo e homicídios, gravidez prematura, suicídio e outros. Á primeira vista, as estatísticas parecem validar a ideia de
que a adolescência é propícia a comportamentos delinquentes e atitudes de desvio, contudo, referem-se a jovens
com comportamentos de desvio, os quais constituem um problema social grave. Porém, como se tratava de estudar
a delinquência juvenil, os psicólogos não tinham como objectivo a observação de jovens com comportamentos
socialmente aceitáveis. A esmagadora maioria dos adolescentes que vivem dentro da normalidade raramente são
estudados e a sua vida quotidiana é praticamente ignorada.
A delinquência juvenil existe e merece que os adultos se preocupem com ela, mas generalizar
indevidamente conduz a preconceitos sociais estigmatizadores.
Estas investigações apoiam em muitos aspectos a ideia de Erik Ekison de que a construção da identidade
pessoal é o acontecimento relevante do jovem nesta etapa da vida.
Para essa construção, o adolescente precisa de contacto com os pais, de conviver com amigos e colegas e
de gastar algum tempo consigo próprio.
 Identidade
Quando chega à adolescência, o jovem vive uma série de mudanças: mudanças físicas, hormonais,
cognitivas, sociais, morais, que provocam sentimentos de insegurança.
Durante estas mudanças, o adolescente tem que construir a sua identidade pessoal. Entretanto, o
pensamento abstracto instalado nesta fase dá-lhe o poder de relativizar as coisas, pelo que os adultos deixam
de ser as suas referências irrepreensíveis por que eram tidos na infância. O adolescente ganha a consciência de
que os adultos mentem e roubam. Desta forma, o jovem depara-se com dificuldades acrescidas pela convicção
de que, para se afirmar na sua individualidade, precisa de ser diferente das outras pessoas, mas que só será
reconhecido e socialmente aceite se for como elas.
Entre a infância e a idade adulta, sem pertencer a uma ou a outra, o adolescente, inseguro, debate-se com a
tarefa de construção de si próprio como ser singular e único, tarefa que acarreta uma outra, a construção de um
horizonte significativo, de um futuro em que confie para poder habitar.

Identidade prescrita/outorgada
Em todas as culturas, a partir da puberdade, os indivíduos têm que desempenhar novos papéis e assumir
novas responsabilidades.
Em muitas delas, espera-se que os filhos exerçam funções idênticas às dos pais e se comportem como eles.
Em algumas culturas, os pais podem escolher os parceiros com que os filhos hão-de casar, decidir o ano do
casamento e o comportamento que devem ter antes, durante e depois do casamento.
A identidade prescrita é assim aquela que os jovens são exteriormente direccionados, não questionando,
nem resistindo, pelo contrário, aceitando passivamente os papéis que lhes são prescritos por alguém que detém
autoridade sobre eles. A identidade destes jovens é, portanto, adquirida segundo um plano pré- estabelecido,
sem margem para manifestações de autonomia, sem necessidade de procurar experiências, sem hesitações
nem sobressaltos, sem dificuldades, sem crises. Pelo menos, estes jovens evitam a ansiedade e as incertezas
por que passam os que tentam encontrar-se a si próprios.
Apesar de se mostrarem contentes e seguros, os adolescentes com identidade prescrita tendem a ser
dogmáticos quando as suas convicções são postas em causa e a impor papéis Às novas gerações.

 Crise de identidade
Contudo, aquilo que é mais próprio das sociedades ocidentais industrializadas é oferecer aos jovens uma
quantidade enorme de escolhas possíveis; no entanto, apesar de parecerem liberais quanto às possibilidades
oferecidas ao jovem para ele exercer a sua autonomia, estas sociedades não deixam de dificultar a afirmação da
identidade ao prolongar-lhe excessivamente o período de dependência em relação aos adultos.
Permanência em casa dos pais, sujeição económica, restrições comportamentais são entraves com que o
jovem se debate quando pretende autonomizar-se, construir a sua identidade pessoal, situando-se assim num
fluxo de forças contrárias que contribuem para que o jovem tenha que passar, segundo Erikson, por uma crise
cuja vivência e resolução é que determinarão a sua personalidade e a sua vida como adulto.

Identidade difusa ou confusa


A difusão da identidade caracteriza-se essencialmente pela inexistência de um núcleo bem definido e estável
da personalidade do adolescente. Assim, o jovem entrega-se a tarefas que rapidamente abandona,
experimentando sucessivos papéis, não encontrando nenhum que lhe assente bem.
O sentimento de incerteza quanto à sua identidade e baixa auto- estima comum em muitos adolescentes
fazem com que avaliem superficialmente as alternativas e de deixem fascinar por muitas delas, vivendo numa
espécie de universo sem referências, em que coisas, normas, valores, passado e futuro têm a marca da
relatividade, o adolescente entrega-se ao presente, saltitando à cata de experiências momentaneamente
gratificantes como se fosse desprovido de raízes, sem história, sem horizonte, sem nada a que se agarrar.
 Identidade adquirida
No final da adolescência, é suposto que o jovem tenha já construído uma noção a seu respeito, isto é,
apresente uma estrutura bem definida, que integre o seu passado, as experiências que teve, os vários papéis
que desempenhou.
Para que o adolescente se sinta autónomo, sabendo quem é e o que deseja na vida, é preciso que sinta que
os outros reconhecem a sua determinação em permanecer firme na pensar e no agir, no sentir e projectar.
Neste sentido, desempenha papel fundamental o relacionamento estabelecido com algumas pessoas que,
por serem significativas, se constituíram como modelos de identificação.

 Moratória psicossocial
Ao construir a sua identidade, o jovem não fica imune a sobressaltos, paragens, hesitações e desvios de
percurso. Na realidade, o jovem precisa, muitas vezes, de um período de pausa, afastando-se das pressões e
exigências impostas pelo adulto. Por esta altura, ao jovem interessa-lhe experienciar a vida e as oportunidades
que ela oferece, testando as suas capacidades em simultâneo. Nesta aventura, o jovem quer estar só e tem
como único objectivo encontrar-se.
Erikson designa por moratória psicossocial este “período de latência”, que se caracteriza por ser um período
de compasso de espera em relação aos compromissos adultos. A moratória, segundo Erikson, pode ser um
período de vida boémia ou de devaneios imaginativos, de abnegação ou de extravagâncias.
A moratória pode ser confundida com a difusão da identidade, dado que em ambos os casos, o adolescente
parece andar sem rumo. No entanto, elas distinguem-se nas vivências subjectivas e nos objectivos
prosseguidos.
Na difusão da identidade, o adolescente anda, de facto, sem rumo, mas não faz nada para o remediar. O
que o caracteriza é a fuga às responsabilidades e o entregar-se à fruição imediata do prazer.
Já na moratória, o jovem empenha-se na tarefa de encontrar um sentido para a sua vida; fá-lo sozinho,
recusando caminhar pelas pegadas dos outros. A moratória resume-se portanto a um período de espera que o
jovem responsavelmente concede a si mesmo. É uma espera activa, sendo um período em que o adolescente
se experimenta e se avalia antes de assumir papéis em relação aos quais desconhece se lhe ajustam ou se está
preparado para os desempenhar com eficiência e dignidade.
A formação da identidade depende de diversos factores, como a família, a cultura, a época e experiências
de infância. Vários especialistas se têm dedicado a estudar este período de indefinição que caracteriza a
adolescência. É o caso de Alan Waterman, que insiste na dificuldade de simplificar as regras de jogo típicas
desta fase.
Segundo Waterman, a moratória não se prolonga indefinidamente; a partir dela o jovem pode construir a
sua identidade ou cair na difusão.
Do estado de difusão, o jovem pode aceder a uma moratória ou a uma identidade prescrita.
Da identidade prescrita é possível passar a uma fase de difusão ou de moratória.
Quando o jovem adquire a sua identidade, pode entrar num estado de crise, vivendo um período de
moratória ou de difusão.
Assim, não se pode definir objectivamente o percurso que conduz à construção da identidade pessoal.
O que se sabe, é que a difusão da identidade é sinónimo de défice de auto-estima e incapacidade de
suportar tensões, pelo que uma pessoa com identidade difusa, quando decide alguma coisa, fá-lo sem a reflexão
que seria necessária.
Contrariamente, uma pessoa com identidade sente uma relativa realização individual no que respeita ao
sentimento de auto-estima, à capacidade de suportar tensões e de resistir ao conformismo exagerado.
Resumidamente, identidade significa poder de tomar decisões e mantê-las com relativa consistência.

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