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“A Sociologia dos Países Subdesenvolvidos” como

configuração do vale de lágrimas: do manuscrito


de Álvaro Vieira Pinto
“Sociology in the Underdeveloped Countries” as a
configuration of the tears valley: from the handwritings
of Álvaro Vieira Pinto
José Ernesto de Fáveri*
Paolo Nosella**
*Doutorado em Educação pela UFSCar/SP. Professor da
Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí
– UNIDAVI.
e-mail: j.ef@terra.com.br

** Doutorado em Filosofia da Educação pela PUC/SP. Pro-


fessor do Programa de Pós-Graduação da UFSCar/SP.
e-mail: nosellap@terra.com.br

Resumo
Este artigo trata da sociologia nos países subdesenvolvidos, ou seja, analisa as condições sociais e materiais
desumanizantes em que a massa oprimida se encontra. O autor da “sociologia dos países subdesenvolvidos”,
mostra a metodologia usada pelas elites para alienar o povo pobre e legitimar a opressão, apontando como
agem os falsos intelectuais dos diversos campos do saber, contra os oprimidos e a favor das elite promotora
e sustentadora das diferentes formas de dominação provocada pelo subdesenvolvimento do país.
Palavras-chave
Subdesenvolvimento nacional. Colonialismo intelectual. Dominação social.

Abstract
This article deals with some aspects of sociology in the underdeveloped countries through the analysis of
the social and material conditions in which the oppressed people produce and develop the dehumanization
of their existence. In this work, the author shows the strategies used by the elite in order to alienate the
poor people. Besides that, he also points out the way the false intellectuals, from the several different fields
of knowledge, act against the oppressed mass and in favour of those elites that promote and support the
different ways of domination brought by the underdeveloped country.
Key words
National underdevelopment. Intelectual colonialism. Social domination.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.


Campo Grande-MS, n. 24, p. 169-186, jul./dez. 2007.
Todo propósito alcançado, obviamen- Mais que isso, importa construir uma
te, possui um ponto de partida. O início do ciência, uma sociologia, que explique a ine-
resgate desta obra manuscrita de Vieira vitabilidade do vale de lágrimas para os
Pinto está intimamente ligado ao trabalho outros pobres cuja religião é o conhecimen-
de pesquisa do mestrado1, realizado, na pri- to científico e/ou cuja sobrevivência depen-
meira metade da década de 90. Foi nesse de da instituição Ciência.
processo de pesquisa, ao estudar o pensa- Sempre associando os pobres às
mento pedagógico de Paulo Freire, que o massas trabalhadoras, e os poderosos aos
autor se encontra com o pensamento e os capitalistas, Álvaro Vieira Pinto2 reafirma o
escritos de Vieira Pinto. Algum tempo depois, tempo todo sua interpretação dialética
mais especificamente em 2003, ingressei no hegeliana da realidade, assentada, ainda,
curso de doutorado, da UFSCar – Universi- sobre a estrutura de classes sociais anta-
dade Federal de São Carlos, SP – no pro- gônicas do materialismo histórico. Assim, na
grama de pós-graduação na área de Fun- geologia do vale de lágrimas, interessa-lhe
damentos da educação, sob a orientação explicitar por que o trabalhador habita as
do professor Dr. Paolo Nosella. Foi nestas vertentes do vale e o que fazer para acabar
condições que reencontro-me com o pen- com sua torturante realidade.
samento de Vieira Pinto. Em 27 de outubro Acusa o caráter ideológico histórico
de 2006, realizo a defesa da tese, com o contido na metáfora, bem como sua incoe-
titulo: Álvaro Vieira Pinto: trajetória, filosofia rência lógico-conceitual e o emprego que
e contribuições à educação libertadora. Esse dela é feito na defesa dos interesses das
artigo é um extrato da referida tese. classes dominantes. Trata-se, afinal, de uma
Essa obra, A sociologia dos países metodologia ou uma prática metodicamen-
subdesenvolvidos, é permeada por uma te desenvolvida da ocultação dos funda-
aproximação metafórica entre países sub- mentos sociais do vale de lágrimas.
desenvolvidos, no caso o Brasil, e o vale de As elites sempre sustentaram que a
lágrimas (da oração católica Salve Rainha). organização social dividida em classes é na-
O autor dedica as primeiras páginas a uma tural à humanidade, portanto, no vale de
espécie de introdução metodológica do lágrimas, houve, há e haverá uma maioria
ensaio, apontando os descaminhos das sofredora, o que dificulta qualquer iniciativa
práticas metodicamente desenvolvidas pe- de libertação e imobiliza os agentes cultos
las elites para ocultar os fundamentos so- da sociedade que, em geral, mantêm-se
ciais desse vale de lágrimas. E inicia justifi- como tal às custas de sua subserviência aos
cando o emprego da imagem metafórica interesses dos poderosos. As lágrimas ca-
aludida, como a conveniência dos podero- racterizam a climatologia do vale, mas não
sos em manter a alienação religiosa do o modificam. A libertação, então, deverá ser
castigo original. E também a ingenuidade um empreendimento do povo subjugado
essencial da consciência pessimista dos que somente a concretizará com o suporte
pobres. de teoria realidade, refletindo-se uma so-

170 José Ernesto de FÁVERI; Paolo NOSELLA. “A Sociologia dos Países Subdesenvolvidos”...
bre a outra. zam e legitimam tais sistemas por meio das
O autor considera indispensável que chamadas pesquisas de campo cujos resul-
pensadores de boa vontade expliquem os tados espalhados em revistas científicas e
acontecimentos às massas, ou seja, traba- congêneres estruturam uma ideologia de
lhem uma teoria revolucionária responsável dominação, composta por aparentes corren-
pela superação do caráter ingênuo do pen- tes divergentes de entendimento da realida-
samento do povo caracterizado pela imo- de. No entanto, convergem no que é essen-
bilidade e por explicações religiosas. A teo- cial, ou seja, afirmar o capitalismo como des-
ria revolucionária revelará compreensão da tino da humanidade civilizada e a classe
natureza social dos infortúnios de classe, trabalhadora como capaz de superar, com
ou seja, as razões da opressão, que não de esforço, determinação, mais e mais trabalho,
cunho moral. Os dominadores fazem qual- sua condição de explorada. O importante,
quer esforço para aliviar essa opressão. para tal ciência da dominação é negar de
A criação de uma anti-sociologia es- todas as formas a possibilidade de destrui-
vaziaria de conteúdo a sociologia da domi- ção da estrutura social em classes antagôni-
nação. Seu primeiro gesto seria a desmisti- cas, tanto quanto a destruição da dicotomia
ficação da assistência humana e cristã dos país desenvolvido e país subdesenvolvido.
dominadores, uma das quais passa pela Segundo AVP, desfigura-se a Sociolo-
formação acadêmica dos cientistas sociais, gia confundindo-a com Psicologia, desvian-
cujo único objetivo é legitimar, cientificamen- do-se motivos sociais para explicações
te, as ciências sociais da opressão. Assim, grupais e individuais com base em concei-
as armas intelectuais voltam-se contra o tos de ordem psicológica, tais como motiva-
povo e não a favor dele, nos países subde- ções, complexos, pulsões, etc. Deslocam-se,
senvolvidos. A noite ártica da inteligência assim, os conflitos de classe para reações
dos intelectuais revolucionários, como res- individuais ou coletivas de cunho patológi-
salta AVP, deve ser acompanhada da pro- co. Como corolário, segue-se que a organiza-
funda compreensão do passado e do pre- ção social capitalista é perfeita; inadaptados
sente das culturas, para poder explicar o são alguns de seus atores. Isso granjeia pol-
processo de sucessão das formações sociais, pudas recompensas financeiras aos psi-
quando o contato com as massas se fizer quiatras que tratam dos chamados proble-
possível. Nesse contato, mostrar-se-á, sem- mas psicossociais, muitos dos quais fabri-
pre, que a vigência de um sistema de liber- cados no país dominador.
dade econômica, segurança nacional e co- Diante desse quadro, os inconforma-
municação de massas que enfeitiça o povo, dos com o sistema são, justificadamente,
só atende aos interesses dos que detêm a enquadrados em programas de adaptação.
propriedade dos bens econômicos, dos E toda forma de rebeldia política é passível
meios de segurança e da comunicação. de tratamento, que vai da cadeia ao
Esses, em geral, são instrumentalizados por manicômio. A finalidade suprema é obter
teóricos acadêmicos que reiteram, naturali- trabalho docilizado na ordem capitalista.

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As distorções benéficas às elites valores imutáveis de uma espécie de ideo-
estendem-se a outros campos do saber. A logia social. O cientista social converte-se
biologia é envolvida com as noções de em advogado do status quo e teólogo das
meio ambiente e adaptação transmutadas relações sociais sob o capitalismo,
para a idéia de ambiente social, onde a per- repudiando as categorias do pensamento
manência da inadaptação passa a ser caso crítico-dialético e cultivando a consciência
de polícia. ingênua. Segundo a lógica dessa teologia,
Por outro lado, as elites acusam os o sentido da exploração do trabalho é as-
sociólogos revolucionários de estigmatizá-las, sumido apenas como natural diversificação
haja vista o progresso das relações sociais, das formas produtivas.
da escravatura até o trabalho social assala- A ciência do Direito é mais um cam-
riado do regime capitalista. Na verdade, es- po de cultivo da consciência ingênua dos
tão defendendo o futuro da manutenção do intelectuais da elite. Aplica técnicas de ob-
capitalismo, promovendo a profilaxia da re- tenção do consenso social passivo em tor-
volução e repudiando a qualidade ideológi- no das distorções da sociologia para a área
ca das concepções capitalistas. dos valores e penaliza os infratores dos
Toda sociologia é, obrigatoriamente, valores absolutos do sistema democrático
uma ideologia social, sendo produto do capitalista. Essa ciência oferece interpreta-
pensamento de alguém a favor ou contra ções diversas a situações de corrupção em
a maioria dos que são os deserdados do função da classe social e combate, sob o
mundo. Uma sociologia não-ideológica ou nome de subversão, qualquer iniciativa que
neutra seria uma ciência sem fundo social. ponha em risco a ordem estabelecida.
O autor enfatiza a necessidade de Quando os estratagemas ideológicos fa-
constituir o que considera uma autêntica lham, não falha a repressão material impie-
sociologia do subdesenvolvimento ou da dosa dos poderosos.
classe trabalhadora dominada com proce- Finalmente, para impedir a compre-
dimentos lógico-dialéticos em contraposição ensão da realidade, os sociólogos de má
aos formais, utilizados pelas ciências da fé apontam ainda para outro desvirtua-
dominação e destinados a manter os povos mento da Sociologia: o deslocamento do
subdesenvolvidos no estágio colonial, isto fato social para o campo da Biologia, con-
é, fornecendo matérias-primas e trabalho fundindo as leis que regem a convivência
braçal ou culto a grupos ou países super- dos animais superiores com as da convi-
potentes. vência humana. Assim, exploradores e ex-
AVP aponta a ética como outro ca- plorados são identificados como fortes e
minho desviante da Sociologia. Pois, colo- fracos, sendo o reflexo sociológico da lei da
cam-se os fenômenos sociais sob a tutela vida, uma espécie de darwinismo social, em
da moral e se introduz a ética como critério que os fracos são naturalmente devorados
de apreciação de dados e fenômenos pelos fortes. Mais uma vez, AVP advoga o
sociais, substitui-se o fato pelo valor, com uso da dialética materialista histórica para

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explicar as relações de trabalho típicas da explosão populacional, porque alardeia não
sociedade humana e denuncia o uso hipó- mais suportar o ônus da ajuda aos povos
crita que os sociólogos da burguesia fazem desafortunados, o que mascara a conve-
das ciências da vida para naturalizar a exis- niência de não multiplicar potenciais
tência permanente do vale de lágrimas rebeldes que desenvolvam uma consciência
onde habitam os explorados pelo capita- de si, oferecendo dificuldades de contenção
lismo numa luta pela vida, que é mais luta pelo poder. Não se hesita em empreender
inglória do que vida. o genocídio de populações infantis e adul-
Aponta a livre concorrência como a tas de risco, seja através do chamado plane-
teoria que salva a classe dominante de jamento familiar ou por meios mais diretos.
culpa e justifica o estado indiscriminado de Alia-se, ao conjunto das chantagens
espoliação pelas teses de seleção natural recentes, a utilização do conceito de polui-
no ambiente social, então explicado com o ção, priorizando o ambiente sobre seus ocu-
apoio de conceitos como nicho, ecossistema, pantes e a predominância da relação com
taxas de predação, mimetismo etc., forne- o meio em detrimento do convívio com os
cendo argumentos para a suposta indolên- semelhantes que pode provocar o estabe-
cia, indiferença e incapacidade dos pobres. lecimento de uma consciência comum e a
Conceitos da cibernética, também, organização de formas de luta coletiva por
são acoplados às estruturas da sociologia parte da maioria deserdada da humanida-
justificadora da miséria do mundo que, so- de. Dessa forma, a noção de classe social é
mados à Psicologia, Biologia, Ética e Eco- esvaziada por não ter fundamento ecoló-
logia oferecerão substratos para trabalhar gico. O autor alega que o homem não faz
uma noção de raça que desvirtua os menos parte de nenhum ecossistema, porque o
afortunados, caracterizados por saúde pre- reflexo da realidade, que é a sua consciên-
cária e tendência à explosão populacional. cia, permite-lhe alterar as condições do
A cor da pele sanciona o rol de deficiências mundo.
naturais, bem como a superioridade cultu- Para atribuir qualidade e cientificida-
ral e moral, a posição geográfica em que o de às suas proposições, os sociólogos da
povo habita, se mais setentrional ou mais burguesia também se valem da matemáti-
meridional do planeta, e o clima a que es- ca, de cuja manipulação estatística retiram
tão sujeitos, se mais quente ou mais frio. valiosa colaboração nas correlações entre
Esquecidos da história que marca o dados sociais, principalmente de caráter
berço da civilização em terras quentes, demográfico, além de projeções gráficas,
abaixo do Equador e com homens negros, diagramas e curvas que sempre serão lidos
o capitalismo e o imperialismo europeu e de acordo com os interesses do sistema.
norte-americano reescrevem a história em Além disso, a obstinação pelo uso de medi-
função de seus interesses. das exatas, ou uma sociometria para uma
AVP denuncia, como a mais recente ciência qualitativa como a sociologia, só
chantagem imperialista, o espantalho da pode conduzir a distorções da interpretação

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dos fenômenos sociais. e opacizam o estudo das relações de clas-
Entre as estratégias disciplinares mais se social. Completa-se a deformação com
contundentes para produzir o viés do estu- um arsenal matemático de apoio a inqué-
do da luta de classes está, para AVP, a re- ritos, sondagens e recenseamentos demo-
dução da sociedade a grupos sem divisões gráficos por amostragem que oferecem à
internas e com características de acordo com opinião pública os elementos necessários
sua composição, sendo estudados por meio para que ela pense, eleja e comporte-se
da dinâmica de grupos. como convém aos dirigentes das democra-
O grupo é ninguém porque é figura cias liberais. Sub-repticiamente corre a pre-
retórica da Sociologia. Serve apenas para missa de que é livre a circulação entre os
comparações e classificações sem interesse grupos e nos grupos; logo a ascensão soci-
para uma sociologia revolucionária, mas de al depende do interessado. Reduzindo a
grande utilidade para a produção de tra- mobilidade social a mobilidades individu-
balhos escolares acadêmicos inúteis que ais nos grupos, a tese de AVP é de que se
apenas ocupam o tempo daquilo que de- faz associação fácil entre sociologia e psi-
veria ser estudado, criando falsos proble- cologia e dessa com a psicanálise. Um pas-
mas e soluções sem utilidade, além de redu- so tão pequeno quanto a sondagem de
zir o estudo dos grupos à sociedade mais condutas para o tratamento adequado das
próxima, local e familiar, desviando os es- individualidades assalariadas. Afasta-se, de
tudos da sociedade global. todas as maneiras, a homogeneização dos
Há uma desejada intenção de vincu- grupos de baixo para extirpar pela base a
lar os problemas sociais globais a teorias luta de classes. Para os problemas dos gran-
do mundo da cogitação e as microquestões des grupos, há a política, o governo e a ad-
a uma investigação prática desejável ape- ministração pública. E para manter todos
nas para soluções, também, micro. Raciocí- unidos, esportivamente, em lutas racionais
nios como esses desvirtuam a Sociologia e e naturais do mundo capitalista e não de
seu papel nas Ciências Sociais, atribuindo- classes, os teóricos, alvo da crítica severa
lhe a função de realizar uma apologética de AVP recorrem à teoria da identificação
da sociedade capitalista que tem como pelos símbolos e à teoria da pacificação
deuses materiais industriais, latifundiários, pelos símbolos. A primeira conseqüência
banqueiros, negociantes, políticos e outros dessa racionalização é deixar claro que a
agentes que não trabalham. maioria dos antagonismos são de caráter
Aos sociólogos dessa sociologia, a benigno, especialmente se mantidos sob a
quem AVP chama de sociologetas, cabe vigilância dos órgãos de repressão estatal.
defender a democracia do capitalismo, de- No mesmo tronco de estudos dos
dicando-se à aferição de adesões, repúdi- conflitos sociais emerge a conjugação do
os e realização de sociodramas orquestra- conceito de estrutura com o de grupo social,
dos pela dinâmica de grupos que dirigem em que os conflitos são acontecimentos pre-
o olhar da mobilidade para os minigrupos visíveis, de antemão domados, um tecido

174 José Ernesto de FÁVERI; Paolo NOSELLA. “A Sociologia dos Países Subdesenvolvidos”...
para o natural e permanente estado da A partir desse ponto, AVP dedica-se
estrutura social. a explicar como se dá a direção financeira
Conforme AVP, recentemente os e social dos centros hegemônicos sobre os
sociologetas introduziram nos mecanismos países do vale de lágrimas, dizendo ser, a
de ocultação do vale de lágrimas, no âm- economia, a ciência que ocupa o papel cen-
bito da cibernética, cálculos que estudam e tral na mistificação global. Para tanto, inicia
criam processos de controle dos seres vivos com o desvelamento da noção de capital,
e máquinas, operando quase ilimitadamen- pois, aí reside o interesse máximo dos bene-
te sobre projetos e programas sociais cujas ficiários do sistema em ocultar que o mun-
conclusões, a gosto dos sociologetas de do pode viver sem a presença e as funções
aluguel, são tornadas, na atualidade, ex- do capital. O autor recorre à história dos
pressões máximas do saber científico. A ci- povos para provar que a inevitabilidade do
bernética, tornando-se a ciência do gover- sistema capitalista para uma sociedade
no da sociedade, promete trazer a solução bem organizada é um engodo que a bur-
ideal à sua direção, apelando para a re- guesia implantou a partir do século XVI.
denção da humanidade graças à redenção Em seguida, aborda o dinheiro en-
dos robôs, desaparecendo, afinal, o vale de quanto primeira forma na qual o capital
lágrimas. AVP reafirma, enfaticamente, que, aparece (troca de dinheiro por dinheiro) e o
para que tal houvesse, somente a redistri- lucro gerado no curso da circulação mer-
buição da propriedade dos meios de pro- cantil e depois cambial. Mostra, então, como
dução seria a solução, obtida pela luta in- uma minoria se apossa da capacidade de
cessante das massas na nova ordem polí- produzir, inclusive os conhecimentos cultu-
tica do mundo. A evolução tecnológica rais tomados como válidos e até mesmo
apenas continuará beneficiando os capita- as instituições e as figuras simbólicas, como
listas, consumidores na acepção da palavra a do Estado. Esse é apresentado, por AVP,
– inclusive da classe oposta, pelo esgota- como incumbido da coleta do lucro geral,
mento das suas forças –, indivíduos regres- conservação, estrutura e instalação do po-
sivos que tentam parar a história que os der político com seus dirigentes e corpo
levará ao desaparecimento. tecnocráticos hipocritamente apresentados
No encobrimento do vale de lágri- como destinados a presidir a distribuição
mas, operam em conjunto a cibernética, a dos lucros sociais. Mostra como os dirigen-
informática e a teoria da comunicação. tes subvencionam os peritos destinados a
Enfatiza AVP, as massas sofrem, apesar dis- vedar ao trabalhador o acesso ao saber,
so, de máxima deficiência de informação e instituindo a servidão de profissionais cuida-
de comunicação num mundo que se diz dosamente selecionados pelo poder.
potencializado pela informática e pela co- Demonstra como a universidade
municação, mas que é regulado pela voz cumpre o papel selecionador e criador das
do pastor e pelo balir obediente das ove- teorias e modelos convenientes, exempli-
lhas. ficando como os futuros economistas, em

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vez de se enfronharem em conceitos teóri- Aliado ao aspecto econômico so-
cos sérios, como opressão, exploração, tra- bressai o político como modalidade de jus-
balho não pago, têm seus neurônios ocu- tificação do mundo miserável, incluídas aí
pados em invenções fantasiosas, como pro- as políticas cientificas e artísticas e a inven-
duto nacional bruto, rendimento per capita, ção de uma ciência política que, segundo
concentração de recursos, capacidade e nosso autor, só serve de cabide de emprego
equilíbrio de endividamento e mais cente- para funcionários universitários e outros
nas de conceitos vazios em dialeto ianque. com o titulo de professores. No aspecto
Tais economistas recebem com o diploma político, a ocultação do vale tem por princi-
o poder de anunciar a descoberta das so- pal objetivo garantir a segurança da classe
luções salvadoras para a maioria, já que dominante.
as massas sem diploma são tornadas in- Um conceito político chave para a
competentes para emitir julgamentos e ver- classe dominante seria o de subdesenvol-
dadeiramente incapacitadas pela supres- vimento destinado a desaparecer com o
são do acesso ao saber. avanço do processo histórico, declarando
Demonstra como contemporanea- que a desigualdade social mudará de sig-
mente o sujeito capitalista, já moralmente nificado e deixará de ser a injusta situação
desgastado é substituído no imaginário de fato para representar a diversidade psí-
popular pela instalação empresarial que quica entre os homens e sua capacidade
supõe o máximo de racionalidade automa- de trabalho no aproveitamento dos recur-
tizada e diz às massas que a solução eco- sos do país, sem nada a ver com as relações
nômica e psicológica delas é consumir, su- econômicas internacionais.
prema miopia sociológica, que afirma se- No afã de conter o surgimento da
rem iguais os homens na liberdade e poten- consciência de si no país subdesenvolvido,
cialidade para consumir. afirma AVP que as elites convencem as
Para o autor, nada mais falacioso do massas da impossibilidade de superarem
que afirmar que a melhoria da classe tra- suas deficiências culturais por si sós, por-
balhadora depende da substituição dos que a miséria não gera ciência, tendo então
mecanismos que engendram a produção, de aceitar a generosidade dos países ricos.
reafirmando que, na sociedade, só têm im- O país pobre não pode pensar, mas,
portância as relações entre os homens. sim, seguir modelos de desenvolvimento por
AVP demonstra acreditar na possibi- outros desenhados. Só o surgimento da cons-
lidade da geração da consciência de classe ciência de si, segundo AVP, supõe a presença
pelo nivelamento da miséria econômica e de pensadores e líderes políticos que se dis-
cultural de trabalhadores urbanos e rurais ponham a dizer a verdade e partir para a
em países subdesenvolvidos tanto quanto ação, o que não acontece facilmente, porque
o surgimento de classe para si entre traba- a alienação cultural fabricada pelo imperia-
lhadores mais capacitados. lismo anestesia o povo subdesenvolvido.

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AVP afirma a tese de que o subde- enfática e contundentemente, realiza com
senvolvimento tem de ser pensado pelo coragem e argúcia únicas e mostradas ao
mundo subdesenvolvido em esforço de leitor à vista dos fatos sociais de um ponto
ascensão e executando uma política de li- dificilmente focado. Insistindo na compreen-
bertação de todas as submissões. são dialética do processo de desenvolvimen-
Em contraposição à tese que afirma to, dá as costas a tantas outras análises de
serem desenvolvidos os países que quanti- poder que talvez lhe oportunizassem, dada
tativamente alcançaram um certo nível de sua erudição e rigor intelectual, mais consis-
suas economias, o autor afirma que desen- tência e atualidade na denúncia dos fatos e
volvido é o país soberano, ou seja, um no anúncio das perspectivas. Bastaria calcar-
modo de ser existencial da população autô- se na sua brilhante percepção e apurada
noma e com igualdade cultural, social e eco- intuição para interpretar a realidade, em vez
nômica. de valer-se de métodos acadêmicos (materia-
Em todos os momentos, AVP insiste lismo histórico) que tanto critica. Uma das
que só a lógica dialética não idealista, que coisas fantásticas que AVP desvela é como
ele entende como a materialista histórica, a invenção de conceitos, índices e estatísticas
está capacitada a apreciar a correlação são a prata da casa da universidade e apenas
entre os diversos processos nacionais e não servem para dificultar a compreensão da re-
as matrizes quantitativas comparativas, alidade do mundo. No entanto, parece es-
como as usadas pelas disciplinas universi- quecer que os conceitos da ciência dialética
tárias e seus peritos de aluguel do capita- hegeliana são também a prata da casa des-
lismo liberal dos chamados países desen- sa mesma universidade.
volvidos, que ele designa por imperialistas. A visão de processo histórico de AVP
Considera que a dialética do desenvolvi- leva-o a considerar que todo império foi
mento é inseparável da luta do povo por nação subdesenvolvida e será ex-império.
sua ascensão política, crendo, decididamen- Seu desenvolvimento deveu-se ao saque
te, na revolução política transformadora. colonial que realizou. Embora, para nosso
Aqui, um comentário nosso é neces- autor, não seja necessária essa estratégia
sário ser feito: além da obsessão pela análi- para galgar desenvolvimento, se o enten-
se dialética, nosso autor não se desprende dermos como alto nível de bem-estar e
das estratégias revolucionárias clássicas, o dignidade humana nas relações de produ-
que, a nosso ver, desmerece sua obra, já que ção no trabalho comum, acrescida a sobe-
a revolução tão sonhada por tantas cons- rania política baseada na circulação de
truções da consciência de si na sociedade bens materiais e culturais, sem pilhagem,
de representação, totalmente desarticulada, agressão e domínio entre as nações, hoje,
que vive o mundo contemporâneo sob rígi- subjugadas, que são maioria e que unidas
do controle global de todos contra todos, jo- podem ser muito fortes.
gou tais estratégias para uma quimera. Nem AVP lamenta a perda da noção de
por isso, perde consistência a denúncia que, classe social entre os povos subdesenvol-

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vidos. Fato esse que atribui ao processo de linguagem hermética e indecifrável. Tudo
alienação sempre em marcha, orquestrado isso funcionando como freio para a cons-
pelas nações imperiais que convencem as ciência dos povos atrasados. AVP denun-
massas de que elas são incapazes de sa- cia tais intelectuais como traidores do povo,
ber e sem capacidade de pensar um proje- esses que fazem crer que traidores são os
to de ação política ou assumir responsabi- que falam pela voz das massas trabalha-
lidade na direção social. doras.
AVP rebate a idéia de que o conceito Para coroar as estratégias de aliena-
de subdesenvolvimento tenha se esvazia- ção, as crenças desempenham importante
do, afirmando que esse persiste no país sem papel pelas promessas escatológicas na
soberania porque persistem as causas eco- ocultação da verdade das relações reais
nômicas e políticas que o geram. Diz que entre os homens, impedindo o desabrochar
seus opositores inventaram uma ecologia da racionalidade humana. Trabalho esse
aplicada à sociedade para boicotar verda- finamente tecido pela casta privilegiada do
des inerentes ao processo social, como as círculo sacerdotal. AVP ensaia afirmar, a
relações de produção. Precursor da ecolo- exemplo de Nietzche – Deus está morto –,
gia social foi o darwinismo social, aponta Deus pecou, porque criou o pecador e por-
AVP, o qual justificava o capitalismo pela que não se redimiu.
supremacia dos mais fortes. AVP acredita na função ideológica
Para manter ocupada a inteligência das religiões de qualquer tipo ou época para
das áreas coloniais, os estudos, assim como aplacar as angústias da vida real dos do-
na economia, encaminham-se para concei- minados e reforçar a humildade e a resig-
tos de empréstimo, como sistema, nicho, nação. A antropomorfização de Deus tor-
densidade volumétrica e outros, desviando- nado pessoa obriga-os a ficarem submeti-
os dos reais interesses dos estudos sobre o dos à dialética do senhor e do escravo.
subdesenvolvimento. Decididamente apoiado no pensa-
AVP denuncia a falsa inteligência da mento hegeliano (fenomenologia do espí-
esquerda que, através de encontros, semi- rito) que supõe ser a obra máxima do pen-
nários e afins, gesta novas manifestações samento filosófico, AVP acredita no futuro
no vernáculo em consonância com seus das massas trabalhadoras, ao passo que
professores das nações hegemônicas, em o Senhor ou Deus não tem futuro e a reli-
franca decadência intelectual. Fixado para gião monoteísta representa uma farsa que
o momento o vernáculo gerador da teoria, exige a existência do pecador para existir.
encenam-se os encontros e os debates, fór- Considera o poderio religioso e ecle-
mulas para fazer outros acreditarem nas in- siástico em declínio em virtude dos confli-
venções recém-nascidas. Disso se incum- tos entre as seitas, deserção do clero, extin-
bem os proprietários dos meios de comu- ção de ordens religiosas motivadas por in-
nicação, o mercado editorial e as cátedras subordinação contra excessos de escânda-
universitárias, de preferência atuando em los morais ou econômicos, insuportável

178 José Ernesto de FÁVERI; Paolo NOSELLA. “A Sociologia dos Países Subdesenvolvidos”...
opressão dos altos escalões da hierarquia grandes massas não-letradas.
dirigente e um processo de sectarização sem AVP ataca com veemência os estu-
fim. Como estratégia de sustentação nos- diosos estruturalistas da semântica, que
so autor aponta o artifício do ecumenismo considera nascidos na nação hegemônica
na tentativa de manter o domínio da cons- e colonizadora, comparando-os com a
ciência das multidões que tendem à cons- maioria dos lingüistas e informáticos. Nes-
ciência livre e desmistificada. Reconhece a se ponto, cita vários embustes semânticos.
existência de um clero jovem progressista O termo subdesenvolvimento, por exemplo,
aliado à causa da libertação e que represen- é substituído por diversos eufemismos
ta o trânsito de uma formação capitalista como países em via de desenvolvimento,
para outra e que se anuncia, não como a áreas marginais, países assistidos pela aju-
Boa Nova mística, mas como a organização da técnica, etc., mesclados com noções re-
racional e prática da sociedade que já se ferentes a excesso de população e escassez
adianta em vários países. de alimentos, tudo isso convertido em ma-
No seu afã de elencar as formas de téria técnica reservada ao conhecimento e
ocultação da miséria do país subdesenvol- discussão de poucos eruditos. Até mesmo
vido, AVP chega a nomear o que chama o fato concreto das favelas é substituído
de ocultação lúdica do subdesenvolvimen- por conjuntos habitacionais, espezinhante
to. Trata-se de formas de divertimento po- solução que supõe a permanência da aglo-
pular, como o carnaval, o futebol e festivi- meração pobre longe da favela rica, ou seja,
dades religiosas, meras distrações da cons- bairros residenciais.
ciência da realidade, as quais, segundo ele, AVP ressalta que os técnicos, cientis-
passaram de permissão para alívio do tra- tas ou políticos sociais acusam de escan-
balho constrangedor à concessão para a dalosos os estudiosos sérios que falam em
satisfação limitada e vigiada de um calen- subdesenvolvimento e utópicas as idéias
dário festivo institucional. AVP denuncia um nacionalistas que incidem na mais primária
verdadeiro profissionalismo semântico em compreensão dos fatos. Por isso, são sub-
ditos e escritos convenientes à manutenção versivos, perturbadores do trabalho pacífico
da alienação3. e esclarecido dos técnicos. Quanto à cons-
À força de engenho e arte, fabricam- ciência popular, os técnicos, convertidos em
se figuras políticas e poderosos homens de autoridades administrativas, consideram
negócio, com a máxima facilidade e rapi- que o povo nada tem a dizer sobre concei-
dez –, aptos a esclarecer o momento políti- tos nebulosos e imprecisos, porque o golpe
co nacional ou internacional, com um vul- semântico transformou realidade em con-
toso e impenetrável linguajar técnico impro- ceito, longe da curiosidade do povo. Os di-
visado. Isso tem um efeito de conteúdo rigentes fiéis às tradições nacionais, que
ideológico irradiado pela máquina publici- nada mais são que as tradições da classe
tária que atinge inicialmente grupos letra- dominante, afirmam que o certo é como
dos que as passam como recado para as eles tratam as questões e, se não for assim,

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 24, p. 169-186, jul./dez. 2007. 179


será o caos, ou seja, um estado social que vos. Não existe “norte-americanologia” ou
nunca existiu nem poderia existir, mas com “francologia”, mas sim “egiptologia” e mui-
tos “brasilianistas”, já que a sociologia do
o qual o imperialismo atemoriza as massas dominador fala sozinha: A ideologia do
sobre pensar numa transformação social dominador está portanto encurralada nesta
acelerada. insolúvel contradição: ou não se dá a co-
AVP afirma a tese de que o subde- nhecer às suas vítimas, e nesse caso não
senvolvimento é um fato político e que são cria discípulos nem instala megafones; ou
avassala os centros de ensino, as escolas,
políticas as causas que o determinam, esta- faculdades, os jornais as revistas e as pra-
belecidas ao longo do processo histórico, teleiras das livrarias, mas ao tirar a más-
sujeitando os povos de fraca estrutura ma- cara deixe patente a face disforme da sua
terial e política aos empreendimentos pre- hediondez moral. [...] Ao tomar conheci-
datórios dos que realizaram maiores pro- mento da “ciência” do inimigo, o intelec-
tual do mundo subdesenvolvido adquire
gressos nas suas forças produtivas e de decisiva superioridade. Passa a valer-se
caráter bélico. dela a fim de dizer para si e para os seus
Comentando o essencial dos subter- a ciência verdadeira, a teoria econômica
fúgios léxicos da mentalidade dominadora, desalienada, que deve libertar o país sub-
nosso autor aponta o abafamento da de- misso (PINTO, 1975, manuscrito).
pendência política do país pobre e que sua Enfatiza AVP, a crítica é a arma dos
superação será, portanto, um fenômeno po- intelectuais despertados para a realidade
lítico que representaria o fim do colonialismo do país, mesmo que os dominadores insis-
e da espoliação. tam em declarar que o subdesenvolvimen-
Finalmente, o pedagogo parasita in- to exige, para ser estudado, uma metalin-
cluirá o subdesenvolvimento no campo da guagem. Afirma que, afinal, estamos dian-
etnografia, identificando os subdesenvolvi- te de processos históricos e não semânticos,
dos com primitivos objetos de estudo do rumo a um único objetivo que é a humani-
mundo colonizador, enquanto seus sábios zação do trabalho e a cessação da pilha-
tomam o lugar de sujeitos da história e das gem de áreas indefesas por falta de cons-
pesquisas científicas. Assegura AVP que re- ciência de si:
duzir outro homem à condição de objeto é “[...] somente mediante a composição arti-
reintegrá-lo na condição do escravo da ficial e falsa de uma imagem de si, para
uso interno e externo, a nação hegemônica
dialética hegeliana. pode pretender apresentar-se como terri-
O país subdesenvolvido sempre deixa de tório desenvolvido “em si”, quando de fato,
existir como tal e converte-se em labora- conforme não podia deixar de ser, uma
tório da ciência importada com seus mes- vez que também ela é um processo, e
tres que educam os noviços aprendizes portanto uma totalidade com contradições
locais no dogma do saber sociológico de internas e em constante movimento, o cha-
que a realidade do país atrasado só pode mado país desenvolvido, pela hilariante
ser objeto de definição e estudo por parte teoria da “metalinguagem” exigiria um
dos adiantados, que constituem a ciência outro, ainda mais rico, culto e forte para
e a consciência da inferioridade dos nati- explicá-lo” (PINTO, 1975, manuscrito).

180 José Ernesto de FÁVERI; Paolo NOSELLA. “A Sociologia dos Países Subdesenvolvidos”...
Entendem os técnicos da espoliação locais etnográficos, suprimindo a análise
que um país atinge o desenvolvimento dialética dos fatos:
quando consegue conquistar o domínio O pecado mortal na formação do sociólo-
político de áreas pobres, apropriando-se de go das áreas pobres consiste em partir da
seus recursos materiais, entre eles o traba- sociologia feita para definir o subdesenvol-
vimento, quando o que compete ao inte-
lho das massas esmagadas, aparecendo lectual nativo é partir do seu subdesen-
como forte diante de outras, débeis. volvimento para definir a sociologia (PIN-
AVP chama a atenção de que a rela- TO, 1975, manuscrito).
ção de dominação, sendo um fato dialético O procedimento adequado, segundo
total, não se resume ao recebimento passi- nosso autor, é:
vo de ordens ou lições. O dominador julga [tendo] fundado a ciência no particular
destruir o dominado, mas estabelece com concreto, atravessará a camada do univer-
ele um diálogo confrontante, que vai do sal abstrato para daí chegar, por fim, ao
debate lógico ao choque revolucionário vi- universal concreto, o ponto de máxima
altitude na intelecção científica. Para isso,
olento. A revolução é a metalinguagem dos
porém, precisará estar munido do instru-
que não podem falar. Já a violência da domi- mental lógico dialético, sem o qual a as-
nação consiste em criar, no meio nacional censão inteligível o transformará num al-
vencido, uma legião de violentos, educá- pinista malogrado sociólogo (PINTO, 1975,
los com atribuições dirigentes, administrati- manuscrito).
vas e intelectuais, que apelam para a cen- A primeira exigência do espírito crítico
sura irracional, para as pesquisas, a cate- é rejeitar, a título de atitude metodológica
quese e outras estratégias que vencem inicial, conceitos, técnicas, procedimentos,
porque convencem, com a divulgação das padrões de medida, projeções e conclusões
idéias que constituem o saber. táticas provindas dos centros desenvol-
Esse saber dos estudiosos da socie- vidos.
dade que responde pela dominação passa Para AVP, aos povos atrasados com-
por dotar o social de caráter abstrato, orna- pete elaborar a ciência social global, refletin-
mentando-o com o verbete sociologia ge- do a condição total em que vive a humani-
ral, confundido com generalidades da socio- dade inteira. A dialética aponta a superiori-
logia, que vêm a constituir os alicerces de dade do escravo sobre o senhor, segundo ele;
tal ciência no âmbito do idealismo filosófi- pertence à genuína humanidade adolescen-
co. Tais artimanhas continuam no âmbito te que se prepara para a revolução científica,
pedagógico. invertendo as posições sociais. É interessante
Por outro lado, nosso autor defende notar, afinal, que para o nosso autor a
que a base das ciências sociais tem de par- racionalidade dialética é a grande esperança
tir da realidade particular, existencialmente da humanidade. É ela que anunciará a ver-
vivida, para chegar às idéias gerais totaliza- dade sobre a dominação e teoricamente dará
doras; ao contrário de seus opositores que condições para extinguir todas as formas de
das generalidades chegam aos trabalhos exploração do trabalho humano.

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 24, p. 169-186, jul./dez. 2007. 181


O autor afirma ser a pedagogia a “[...] à formulação e estruturação da ciência
arma por excelência da classe dominante econômica e das finanças que reflitam,
ideologicamente, inclusive nos índices
na metrópole e na colônia, travando-se aí originais que meçam a verídica parte de
uma luta incessante entre os diversos es- valores, materiais e concretos, os interes-
pecialistas. No âmbito da economia, trans- ses do povo até agora pobre e espoliado”
formam os índices financeiros em índices (PINTO, 1975, manuscrito).
econômicos. AVP esclarece que o âmbito AVP esforça-se nessa tese porque
da economia é o da produção, antes e de- está convencido de que o conteúdo das
pois de essa ser ciência. As finanças funcio- ciências consumidas atualmente é ideolo-
nam no âmbito do intercâmbio, operação gicamente comprometido. Sua exempli-
que foi-se complicando, nas sucessivas for- ficação do conteúdo inerente ao conceito
mações históricas. O ardil está em misturar de consumo atesta tais desvios em
relações sociais e correlações financeiras, malefício dos povos oprimidos. A dispa-
envolvendo tudo em análise abstrata. ridade do processo de consumo, dentro de
Para esclarecer seu ponto de vista, um mesmo país, é o melhor indício da real
AVP disseca três exemplos: produto nacio- condição de nação subdesenvolvida. As
nal bruto, renda per capita e consumo, classes ricas do país pobre são, segundo
mostrando que seus conceitos nada têm a nosso autor, as classes pobres do país rico.
ver com a realidade. São, sim, proporção Todos querem o desenvolvimento, mas, se-
numérica entre dados heterogêneos. Quan- gundo os capitalistas, esse não implica
to ao PNB4, afirma que a produção do país, igualdade econômica, porque a desigual-
em conjunto, não tem medida numerica- dade faz parte da ordem natural das coi-
mente contável. As nações poderosas não sas. Só dizem o contrário sonhadores utó-
são produtoras, mas a existência do PNB picos e agitadores profissionais. Quando o
dá a impressão de que elas sejam de po- capitalista fala em desenvolvimento, refe-
tente base econômica, enquanto seu PNB re-se a algo no país em geral e não ao povo
é calculado sobre o trabalho dos explora- em particular, em totalidade igualitária. AVP
dos internos e externos. protesta contundentemente contra o que
AVP enfatiza que nenhum índice iso- defendem os capitalistas:
ladamente serve para refletir o desenvolvi- A distribuição, espantosamente desigual,
da renda e do consumo, portanto, longe
mento real de uma nação, pois ele é uma de ser um estigma moral, uma situação
característica histórica de um povo. Afirma, oprobriosa, enodoando o país, resulta da
também, que a fraqueza monetária e, por- capacidade da iniciativa particular, e pes-
tanto, o desvalor político internacional, não soal de alguns poucos empresários ou
homens de negócio, que não pode ser
corresponde, necessariamente, a economias
exigida das massas em geral (PINTO, 1975,
débeis. manuscrito).
Cabe aos expoentes intelectuais do Como todo conceito retrata a lógica
vale de lágrimas procederem na qual foi cunhado, nosso autor acusa os

182 José Ernesto de FÁVERI; Paolo NOSELLA. “A Sociologia dos Países Subdesenvolvidos”...
especialistas de aluguel de usarem o con- bem, em economia, ou bom, na ética, é in-
ceito vulgar de consumo, e detém-se em corporado à mercadoria para possibilitar-
cunhá-lo à luz do método dialético histórico lhe o consumo. Segundo AVP, a classe do-
a partir das idéias de bem e de valor, a pri- minante é perdulária porque substitui bens
meira sendo uma necessidade humana possuídos sem necessidade, adquire mais
material ou espiritual ligada à atribuição de do que precisa, investe no modelo do ano
um valor, fato social ou cultural, mas sem e na moda e multiplica bens da mesma
identificação entre ambos. espécie, esbanjando, colecionando, desper-
Para referendar o conceito de consu- diçando e produzindo caridade filantrópi-
mo com a dialética materialista, AVP come- ca como desaguadouros da riqueza excep-
ça definindo-o da seguinte maneira: cional acumulada da extração desenfrea-
“[...] o consumo indica o avanço do domí- da da mais-valia. A sociedade perdulária,
nio do homem sobre as forças da nature- segundo nosso autor, é a etapa podre, der-
za, pelo conhecimento dos fenômenos que radeira da abundância capitalista.
aí se passam e das idéias que os regem.” Pequenas nações com dinheiro for-
[...] Sem o conhecimento, derivado da ação
te, e aí AVP refere-se às nações árabes, às
sobre a natureza do animal que envere-
dou pelo caminho da antropogênese, se- de cor e às emergentes, reduzirão os impe-
ria impossível “consumar” o bem que vai rialistas a mundo dominado no futuro e já
ser “consumido”. Nas concepções idealis- agora a mundo assustado.
tas e alienadas, inclusive nas julgadas “téc-
Será, deixando a metáfora, a luz da nova
nicas” da economia compendiada, o con-
consciência, que se está instalando no
sumo mede o grau de absorção dos bens
espírito dos povos, levando-os, como disse
socialmente disponíveis por determinado um filósofo, do estado de consciência em
indivíduo, o que, concretamente falando, si, ao de consciência para si. [...] O capita-
quer dizer por determinada classe social. lismo não desaparecerá porque se venha
Na concepção dialética crítica, o consumo a tornar incapaz de produzir, mas sim
implica o domínio da humanidade inteira porque não conseguirá continuar a man-
sobre as forças da natureza” (PINTO, 1975, ter as condições de sustentação do modo
manuscrito). de produzir que lhe são peculiares. Resu-
É o trabalho que realiza a consuma- mem-se na dominação econômica dos
ção, fabricação ou criação; e o consumo, bens e do trabalho de outros povos, por
enquanto fracos e servis, e encontram
que é a aniquilação, exige o retorno à con-
expressão patognomônica na existência
sumação, sendo também, portanto, criador. de ínfima fração da sociedade que a torna
Para consumir ou desgastar, o homem usa perdulária nos países que gozam, ainda,
valores econômico-financeiros no âmbito ou gozaram, de cambaleante hegemonia
do mercado. Enquanto a apropriação ou histórica. [...] A nova formação, que toma-
rá o lugar da atual, será aquela que re-
utilização privada de um bem o nega ou cusa a produção ostentatória, em benefí-
consome, sua utilização em caráter público cio da fabricação racionalmente planeja-
não o subtrai da sociedade e não se inclui da, para a distribuição eqüitativa dos bens
na categoria de consumo. O conceito de modernos e de melhor qualidade a todos

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 24, p. 169-186, jul./dez. 2007. 183


os membros da sociedade (PINTO, 1975, Atualmente, porém, depois de certas mo-
manuscrito). dificações na política econômica, por exem-
A idéia de consumo é diferente para plo, no controle da inflação, no arrocho
salarial, na voracidade dos investimentos
o consumidor e para o não consumidor. estrangeiros, no incentivo às exportações
Para o primeiro é um direito natural, para o de bens categorizados, o país passou a
segundo predomina só a consciência do revelar “índices de crescimento” que indi-
direito, como ambição estimulada pela pu- cam o acerto da orientação adotada e dão-
blicidade. nos a esperança de entrarmos, em breve,
na luminosa fase em que estaremos li-
Para os capitalistas, a constituição do vres da pecha do “subdesenvolvimento”
máximo lucro, com a mínima despesa con- (PINTO, 1975, manuscrito).
cretiza-se por meio dos poderes econômico Contrapondo-se, nosso autor afirma
e político intercambiados: que sempre existirá um crescimento inevi-
Não há “política salarial”, eufemismo que tável que define apenas a velocidade de
encobre o esmagamento dos operários
pela classe patronal no poder, que resol-
expansão das forças produtivas nacionais,
va ou apazigúe um desajuste de ordem ou seja, crescimento vegetativo. Interessa-
substancial e não acidental. Os aumentos ria a aceleração do desenvolvimento da rea-
de salário são anuais para os trabalhado- lidade de todo o povo. O movimento pro-
res, enquanto os lucros dos patrões ocor-
dutivo, contado no tempo, tem de ser pos-
rem diariamente (PINTO, 1975, manuscrito).
to em correlação com a totalidade quanti-
O pobre consome o indispensável tativa do povo, ou seja, crescimento real da
para ficar vivo – contradição com uma so-
população para adquirir sentido verdadeiro,
ciedade que fala de qualidade de consu-
isto é, indicador de um processo histórico e
mo – e assim é expelido da sociedade de
não mero quociente abstrato.
consumo. Isso leva o capitalista a ter de
Afirma assim, AVP, ser ilusório o de-
pagar, mesmo com achatamento dos sa-
senvolvimento nacional dos anos 70 por-
lários, para manter o subconsumo do tra-
que dissocia crescimento da produção bru-
balhador, e esse na condição de escravo
ta e da expansão populacional, fotografan-
assalariado.
do apenas a concentração de renda nas
Tal comportamento forçado gera o
mãos de uma minoria de aproveitadores
subdesenvolvimento, mas o não-consumi-
da elite e postulantes a ela.
dor consome fatores que desencadeiam a
No entanto, enfatiza sua crença no
revolução social, nas palavras do nosso
Brasil, utilizando o exemplo da indústria
autor, reafirmando que a prática da lógica
dialética representa um exercício de automobilística, independente de como foi
desalienação que construirá o país seguro implantada e dos resultados reais que de-
por si. termina. Como estamos no paraíso da cons-
Referindo-se, claramente, à situação ciência ingênua, nas palavras de AVP, se a
do Brasil nos anos 1970, AVP, com visível expansão dessas forças produtivas geras-
desdém afirma: se desenvolvimento, não seria o nosso, e

184 José Ernesto de FÁVERI; Paolo NOSELLA. “A Sociologia dos Países Subdesenvolvidos”...
sim o estrangeiro, mas é apontado como rentemente sem possuidor político decla-
tal pelos economistas porque cresce o nú- rado (PINTO, 1975, manuscrito).
mero de consumidores de automóvel. Só A sociologia do vale de lágrimas ter-
entre aqueles que podem comprar, ressal- mina assim. Mais uma intuição realista
ta AVP. Quanto ao povo em geral, sofre um quanto atual do nosso autor.
endividamento oculto, aceitando viver nas No dia 27 de janeiro de 1975, AVP
condições de subconsumo, fazendo, à so- assinava o manuscrito de aproximadamen-
ciedade, um empréstimo permanente que te, quatrocentas páginas, sem nenhuma
corresponde ao que os capitalistas lhe de- referência bibliográfica. Sua penúltima obra,
vem e jamais pagarão. repleta de adjetivações metodológicas de
No entanto, os capitalistas nacionais difícil aceitação em função do exagerado
dos anos 70 têm dois temores: a ascensão dogmatismo e de substantivas contribui-
do pensamento das massas e a presença ções epistemológicas e pedagógicas. O que
e função do capital estrangeiro acolhido perde na ordem política de uma utópica
inicialmente com euforia. Ele fez-se acom- revolução das massas, ganha na compreen-
panhar de estipulações contratuais espolia- são audaciosa, apaixonada e honesta da
doras dos magnatas tupiniquins, tais como realidade social e da teoria do conhecimento
remessas de royalties, fretes preferenciais, disciplinar.
pagamento da tecnologia, honorários de Parece que, decididamente, o autor
executives, managers e resgate de compro- não aceitou que sua lúcida compreensão
missos do tesouro. dos fatos sociais fosse fruto de sua integri-
O caviloso desejo de fazer passar por na- dade e sensibilidade em contato com uma
cional o que não é, só pelo fato mera- experiência de vida que o colocou, sucessi-
mente físico ou geográfico de ter sido fa- vas ocasiões, diante da dominação, à repres-
bricado em estabelecimentos sediados em são e a toda sorte de poderes letais contra
nosso território, penetra na mentalidade ele próprio e contra grupos, povos e cultu-
do povo ignorante dessas minúcias, e o
faz ser levado a um ufanismo bocó que
ras subjugadas no presente e no passado,
enche de alegria o coração dos patriotas de cuja cotidianidade foi tomando conhe-
ingênuos e de dinheiro os cofres dos co- cimento em função da vida e da erudição.
bradores estrangeiros. Configura-se, assim, Na intenção de não apenas denun-
o quadro colonial imutável na essência, ciar, mas justificar, em nível metodológico,
porém, variado na aparência, conforme
caiu nas teias da ciência que ele próprio
não podia deixar de ser, uma vez que
mudaram as páginas da folhinha. Não é denunciou como viciosa, assumindo tam-
mais a coroa estranha que arrecada o bém uma visão dualista. Enxergou apenas
dízimo, o quinto, o laudêmio, mas a gran- duas lógicas de pensamento: a formal e a
de empresa internacional, os gigantescos dialética, jogando para a segunda a única
trustes, os portentosos bancos, alguns para
possibilidade de chegar à verdade, como
efeito de mais disfarçada espoliação, re-
vestidos de siglas que lhes dão o passa- se essa houvesse, e tomando-a como
porte de “instituições internacionais”, apa- definitiva.

Série-Estudos... Campo Grande-MS, n. 24, p. 169-186, jul./dez. 2007. 185


A crença quase religiosa depositada se nutrem e de tantos outros pilares institu-
no uso exclusivo da racionalidade como cionais tão difíceis de serem desnudados
forma de pensar distancia o autor de uma cruamente ante educadores e aspirantes a
crítica mais ampla dos problemas sociais profissionais universitários. Não fosse
que desse suporte às suas tão bem coloca- opacizado por tentar tudo interpretar à luz
das intuições sobre o funcionamento da da ortodoxia dialética histórica, penso que
sociedade. É esse aspecto que torna AVP estaríamos diante de uma obra genial, na
atual, se passarmos pelo crivo da experiên- pena de seu último escrito.
cia vivida pelos dominados de todos os
matizes. Especialmente a leitura que Notas
explicita a formação universitária permite- 1
Trabalho este fartamente documentado e minucio-
nos tirar lições importantíssimas que pou- samente analisado na obra Filosofia da Educação: o
quíssimos eruditos tiveram a coragem de ensino de filosofia na perspectiva freireana, publi-
elucidar. cado pela editora vozes em 2006.
2
A sociologia dos países subdesenvol- Daqui para frente AVP.
3
No final da obra, o autor dedica aproximadamente
vidos é leitura essencial para quem acredi-
cinqüenta páginas a um adendo que intitula Ob-
ta na pureza da escola, da universidade, servações preliminares e reflexões sobre o signifi-
do direito, da economia e das demais cha- cado dos nomes e a ocultação semântica do “vale
madas disciplinas científicas forjadas, de lágrimas”, em que desenvolve seus pontos de
institucionalmente, por especialistas que as vista sobre essa questão.
4
Leia-se Produto Nacional Bruto.
consomem, ao mesmo tempo em que delas

Referências

FÁVERI, José Ernesto de. Filosofia da Educação: o ensino de Filosofia na perspectiva Freireana.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
______. Álvaro Vieira Pinto: trajetória, filosofia e contribuições à educação libertadora. 2006. 583
p. Tese (Doutorado) – Centro de Educação, Programa de Pós Graduação em Educação, Univer-
sidade Federal de São Carlos. São Paulo, 2006.
PINTO, Álvaro Vieira. A sociologia dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro (1975). Aproxi-
madamente 400 p. Manuscrito/Inédito.

Recebido em 23 de março de 2007.


Aprovado para publicação em 28 de maio de 2007.

186 José Ernesto de FÁVERI; Paolo NOSELLA. “A Sociologia dos Países Subdesenvolvidos”...

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