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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

LICENCIATURA EM MATEMÁTICA – INTRODUÇÃO À ANÁLISE REAL

EVERTON FRANCO DE OLIVEIRA Nº USP: 6798190

SEQUENCIAS DE FAREY E CIRCUNFERÊNCIAS DE FORD

São Paulo, novembro de 2011


Introdução

Neste trabalho falaremos um pouco a respeito das sequencias de Farey e sobre


as circunferências de Ford. Temos como objetivo entender a construção das
sequencias de Farey e como são gerados os racionais entre 0 e 1.
Cremos que se trata de uma ferramenta importante para tornar nossas futuras
aulas mais interessantes e uma ferramenta necessária para aulas de preparatórias de
olimpíadas. Além de, com isso, enxergar novas formas de resolver problemas e
elaborar demonstrações. Por exemplo, através das sequencias de Farey fica mais
visível o fato de os racionais entre 0 e 1 serem enumeráveis. Uma vez que temos uma
maneira explícita de enumerá-los, basta começarmos com os termos de F 1 depois

colocamos os novos termos que são adicionados em F 1 para formar F 2 , depois


colocamos os novos termos que são adicionados para formar F 3 , e assim por diante,
obtendo uma enumeração dos racionais entre 0 e 1.
Tomaremos como sabidos o teorema de Bézout, que fala que mdc a , b=1 se,
e somente se, existem inteiros r e s tais que ra sb=1. Além do fato de que em
um triangulo retângulo a altura referente a hipotenusa é a média geométrica dos
segmentos da hipotenusa que o pé da altura determina.
Historicamente, Farey propôs as propriedades das sequencias que carregam
seu nome, mas acredita-se que ele não tinha uma demonstração de tais fatos. E é
creditada a Cauchy a demonstração de tais fatos. Posteriormente, Ford, ao fazer um
estudos sobre frações, estudou suas propriedades e elaborou a relação das
sequencias de farey com as circunferências das quais falaremos.
Dividiremos o trabalho em duas seções, uma referente às sequencias de Farey e
outra referente às circunferências de Ford.
As sequencias de Farey

Denomina-se a sequencia de Farey de ordem n o sequencia das frações


irredutíveis entre 0 e 1 com denominador no máximo n e ordenadas na ordem
crescente. Por exemplo, denotando por F n a sequencia de Farey de ordem n,
exibimos aqui as sequencias de Farey de ordem até 7:
0 1
F 1= ; ;
1 1
0 1 1
F 2= ; ; ;
1 2 1
0 1 1 2 1
F 3= ; ; ; ; ;
1 3 2 3 1
0 1 1 1 2 3 1
F 4= ; ; ; ; ; ; ;
1 4 3 2 3 4 1
0 1 1 1 2 1 3 2 3 4 1
F 5= ; ; ; ; ; ; ; ; ; ; ;
1 5 4 3 5 2 5 3 4 5 1
0 1 1 1 1 2 1 3 2 3 4 5 1
F6= ; ; ; ; ; ; ; ; ; ; ; ; ;
1 6 5 4 3 5 2 5 3 4 5 6 1
0 1 1 1 1 2 1 2 3 1 4 3 2 5 3 4 5 6 1
F 7= ; ; ; ; ; ; ; ; ; ; ; ; ; ; ; ; ; ; ;
1 7 6 5 4 7 3 5 7 2 7 5 3 7 4 5 6 7 1
Pode-se notar que cada uma das sequencias de ordem maior que 1 é formada
pelas frações da sequencia anterior acrescida de algumas frações que aparecem no
meio de duas que já tínhamos, e parece ser formada pela soma, de forma errada, do
anterior com o posterior. Por exemplo:
2 11 1 2 1
= e em F 7 temos   .
7 34 4 7 3
a c
Além disso, é possível notar que se e são termos consecutivos em
b d
F n então temos que bc−ad =1.
Estes fatos provaremos nesta seção. Como estamos trabalhando com frações
entre 0 e 1, os denominadores e numeradores serão sempre naturais, e, para facilitar,

a c ac
chamaremos de mediana de e a fração formado pela “soma
b d bd 
errada”.
a c ac
Teorema 1. Se  , com a ,b , c , d ∈ℕ , a mediana se encontra
b d bd 
entre eles.
ac a b ac −bd  a bc−ad a c
Prova: − = = 0 pois  ⇔bc−ad 0.
bd  b bbd  b bd  b d
c ac c bd −ac d cb−ad
e − = = 0. conforme queríamos provar.
d bd  d bd  d bd 
a c a c
Teorema 2. Sejam 0≤  ≤1. Se bc−ad =1 então e são termos
b d b d
consecutivos nas sequencias de Farey de ordem n para os seguintes valores de
n:
max b , d ≤n≤bd −1
Prova: A condição bc−ad =1 nos diz, pelo teorema de Bézout, que as frações
estão em sua forma irredutível. Logo As duas frações serão termos das sequencias de
Farey de ordem n≥max b , d . Então basta verificar que para n≤bd −1 as duas
frações serão consecutivas. E isso de fato é verdade. Pois suponhamos por absurdo

h a h c
que haja na forma irredutível com k ≤bd −1 tal que   . E então
k b k d
temos:
a h h c
 ⇔ bh−ka0 ⇔ bh−ka≥1 e  ⇔ kc−dh0 ⇔ kc−dh≥1 e como
b k k d
bc−ad =1 temos que k =k bc−ad =kbc−kad bdh−bdh=b kc−dhd bh−ak  e
então temos 1 k =b kc−dhd bh−ak  e portanto k ≥bd e k ≤bd −1.
Absurdo.
Logo provamos o desejado.
a c h
Teorema 3. Sejam 0≤  ≤1 com bc−ad =1 e seja a mediana de
b d k

a c a h c
e . Então temos que   e valem a seguintes igualdades:
b d b k d
bh−ak =1=kc−hd
Prova: Que a mediana encontra-se entre as duas frações segue do teorema 1. A
provas das igualdades segue da igualdade (1). Como k =bd segue o desejado.
Teorema 4. (Teorema da construção da sequencia de Farey) A sequencia Fn

é uma subsequencia de F n1 . E cada fração de F n1 que não está em Fn é a

mediante de duas frações de F n . Além disso, se a c são termos consecutivos



b d

de F n então eles satisfazem a relação unimodular, que é bc−ad =1.


Prova: Tendo em vista os resultados já obtidos, provaremos o teorema fazendo
indução em n. Assim sendo, para n=1 temos que vale a relação unimodular para os
01
termos consecutivas, 1×1−0×1=1 , e nós obtemos F 2 inserindo a mediante
11

Agora veremos o passo da indução. Suponhamos que a e c são termos


b d
consecutivos em F n e satisfazem a relação a relação unimodular, ou seja,
bc−ad =1. Então, pelo teorema 2 eles serão consecutivos em F m para todo m
satisfazendo :
max b , d ≤m≤bd −1
Logo, se nbd −1 , em F n1 eles continuarão a serem consecutivos e
continuarão a satisfazer a relação unimodular. Se n=bd −1 , então n1=bd ,

ou seja a mediante de a e c deverá aparecer em sua forma irredutível. O


b d
teorema 1 nos diz que ela deverá ser inserida entre os seus referentes, e o teorema 3
nos diz que a sequencia continuará a satisfazer a relação unimodular. O teorema 3
também nos diz que bh−ak =1=kc−hd , ou seja, mdc h , k =1 e a mediante está
na forma irredutível.
Logo, por indução, temos provado o desejado.
Portanto temos concluído que existe uma forma de construir F n a partir de
F n−1 , que é inserir as medianas entre as frações consecutivas tais que a soma dos
denominadores dá n.
As circunferências de Ford

h
Dado um racional com mdc h , k =1. A circunferência de Ford referente a
k

1
este racional é a circunferência do plano complexo com raio e centro em
2k2

h i
 2 e será denotado por C  h , k . Conforme podemos ver na ilustração 1.
k 2k

Ilustração 1

Mas por que pegarmos com este raio e centro determinados? Veremos que
construindo os círculos desta forma, eles serão sempre tangentes ou não se
interceptarão. Veremos ainda que é possível determinar as coordenadas destes pontos
de tangência e que ele satisfaz uma importante propriedade.
Teorema 5. Duas circunferências de Ford C a , b e C c , d  ou são
tangentes ou não se interceptam. Além disso, elas são tangentes se, e somente se,
bc−ad =±1 . Em particular, as circunferências de Ford referentes a frações
consecutivas da sequencia de Farey são tangentes.
Prova: Conforme pode-se ver na ilustração 2, o quadrado da distancia D entre
os centros é:

Ilustração 2
2 2

D2 =  a c

b d   
1
2
2b 2d
1
− 2

E o quadrado das soma dos raios é:
2

r R =
1 2
2
2b 2d
1

 2

A diferença entre o quadrado da distancia D e o quadrado da soma dos raios é:
2 2 2
ad −bc2−1
2
D − rR =
2
 ad −bc
bd

1
 

1
2 b2 2 d 2

1
 

1
2 b2 2 d 2
=

b2 d 2
≥0

2
Sendo que é igual a zero se, e somente se, ad −bc =1. Completando a
demonstração.
Então temos que se considerarmos todas as circunferências de Ford teremos
algo como a esquerda enquanto considerando na sequencia de Farey teremos algo
como a direita da ilustração 3, uma vez que só pegamos as frações na forma
irredutível, e portanto, não haverá várias circunferências para um mesmo racional.

Ilustração 3

h1 h h2
Teorema 6. Sejam   três frações consecutivas de uma determinada
k1 k k2
sequencia de Farey. Os pontos de tangência de C  h , k  com C  h1, k 1 e
C  h2, k 2  são os pontos:

h k1 i h k2 i
1 h , k = − 2 2
 2 2 e 2  h , k =  2 2
 2 2
k k k k 1  k k 1 k k k k 2  k k 2

Além do mais, o ponto 1 h , k  está na semicircunferência cujo diâmetro é o

intervalo [ ] h1 h
, .
k1 k
Ilustração 4

Prova: A ilustração 4 nos mostra que:

 1=
  
h
k
−a i
1
2k2
−b

E para determinar os valores de a e b , usamos semelhança de triangulo e
obtemos que:
1
k 21
  k 21

2
a 2k h k 1−h1 k k1
= = 2 2 e então a= =
h h1 1 1
 2 k k 1
k k1 2
k k 2
1 k  k 2k 21 
− 2
k k1 2 k 2 k1
1
b 2k2 k 2−k 2 1 k 1−k
2 2
= = 12 2 e então b=
1 1 1 2 k 2 k 21k 2
2 2
 2 k 1k
2k 2k sk1
Resultando daí a formula para 1 h , k  e de modo análogo se obtém a fórmula

para 2  h , k . Falta apenas provar que o ângulo  indicado é reto. E para tanto
basta observarmos que a parte imaginária de 1 h , k  é a média geométrica entre
a e a ' onde a ' é o seguimento de reta que sobra do diâmetro ao se tirar a'.
h h 1 k1
Logo a '= − 1 −a= −a e a= .
k k1 kk 1 k  k 2k 21 
Portanto:

aa '=
 k1
k k 2k 21  1

k1

kk 1 k  k 2k 21 
=
k1
k k 2k 21   k2
2 2
1
= 2 22

k k 1  k k 1  k k 1 

Que completa a demonstração.


Conclusão

Vimos neste trabalho que a sequencia de Farey de ordem n é a sequencia Fn


formada pelas frações irredutíveis entre 0 e 1 com numerador menor que n e em
ordem crescente. Vimos que existe um modo de construir F n a partir de F n−1 , que
é inserir as medianas entre as frações consecutivas tais que a soma dos
denominadores dá n.
Vimos também que a circunferência de Ford de uma fração é tal que duas
circunferências de Ford ou são tangentes ou não se interceptam. Vimos ainda que nas
circunferência de Ford aplicadas sobre as sequencias de Farey é possível determinar
as coordenadas destes pontos de tangência, e se h /k h 1 /k 1 então o ponto de

tangência de C  h , k  com C  h1 , k 1  está no semicircunferência de diâmetro

[ h/ k , h1 /k 1 ] .
E isto se mostra como uma e uma ferramenta importante para tornar nossas
futuras aulas mais interessantes e uma ferramenta necessária para aulas de
preparatórias de olimpíadas. Além de, com isso, enxergar novas formas de resolver
problemas e elaborar demonstrações. E também mostra uma beleza incrível da
matemática, que exerce sobre nós um fascínio e aumenta o interesse pelo estudo e
investigação em matemática.
Referencias bibliográficas

APOSTOL, Tom M. Modular functions and Drichlet Series in Number Theory.


Graduate texts Mathematics; 41. New York: Springer Verlag. p. 98-102
WEISSTEIN, Eric W. "Farey Sequence." Em MathWorld--A Wolfram Web
Resource. http://mathworld.wolfram.com/FareySequence.html
WEISSTEIN, Eric W. "Ford Circle." Em MathWorld--A Wolfram Web Resource.
http://mathworld.wolfram.com/FordCircle.html

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