A p a r ti r de c e r t a a l t u r a de sua jornada, teve este livro o texto estereo-
tipado, e, pois, irrefundível. Em razão disso, não pôde o Autor, muito a seu malgrado, carrear para a obra novas ideias, novas doutrinas, novos métodos — enfim, a visão nova que passou a ter, no curso dos últimos anos, dos problemas de teo- ria gramatical e seu ensino. Tempo era, portanto, de quebrar pedras e refazer o trabalho — o que se realiza agora, quando, editada pela José Olympio Editora, passa a Gramática Normativa a viver a segunda fase de sua carreira. Mantivemos-lhe, decerto, a fisionomia original com que fora planeja- da e redigida, a fim de que se lhe não deformasse a inteiriça estrutura intelectual e didática; mas, além da correção de um deslize aqui, da atua- lização de um conceito ali, e, até, da substituição integral de alguns capítulos e acrescimento de outros, enriquecemos copiosamente a exem- plificação dos “fatos” da língua, a qual estendemos aos escritores de nossos dias. E cabe, a propósito, uma observação importantíssima, que vem assim à guisa de pôr os pontos nos is: a de que, em matéria de bom uso da língua literária, os ensinamentos até aqui esposados pela Gramática Normativa são confirmados, em sua quase totalidade, pela lição dos pro- sadores e poetas de hoje — o que patenteia, de maneira solar, a conti- nuidade histórica das formas verdadeiramente afinadas com o sentimento idiomático. Assim que, sem embargo de sua tonitruante intenção demolidora e a despeito de certos exageros postiços que lhe marcaram a fase inicial, ine- vitavelmente revolucionária — , a decantada rebeldia dos modernistas de 1922 à tradição gramatical do idioma não passou de “boato falso”, como 30 ROCHA LIMA
viria a confessar, mais tarde, o próprio Mário de Andrade.1 Pois já agora,
à distância de cinqüenta anos da Semana de Arte Moderna, se pode ter por certo que, havendo realizado profunda renovação no estilo literário brasileiro, os continuadores do Modernismo não lograram, todavia, no terreno da língua, romper os compromissos com o passado: sua contribui- ção, neste particular, foi, de fato, muito mofina— e meramente episódica. Daí o verem-se — na presente edição —, a fundamentarem os mes- mos fatos lingüísticos, citações de Vieira, Bernardes, Herculano, Camilo, Eça, Gonçalves Dias, Castro Alves, Rui, Bilac, Machado de Assis..., de par com exemplos de Manuel Bandeira, Menotti dei Picchia, Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, Cyro dos Anjos, Rachel de Queiroz, Aníbal M. Machado, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, todos a estilizar numa só e excelente língua portuguesa. Ao terminar esta breve explicação, queremos deixar consignado nos- so agradecimento aos amigos e colegas que, de uma forma ou de outra, colaboraram conosco no melhoramento da obra: a Olavo A. Nascentes, pelas inteligentes anotações com que, em carta particular, nos ofereceu um mundo de sugestões e achegas; a Othon M. Garcia, pelos retoques, sem conta, que o seu reconhecido bom gosto literário nos levou a intro- duzir no livro; a Raimundo Barbadinho Neto, pela prestimosidade com que amealhou — e pôs à nossa disposição — material para documentar a linguagem dos modernistas. E uma palavra final para os companheiros de professorado que, ge- nerosamente, têm levado a Gramática Normativa aos mais longínquos rincões do país.
Rio de Janeiro, maio, 1972.
'M ário de Andrade. “O movimento modernista”, In: Aspectos da literatura brasileira. 4 a ed. São Paulo: Martins, 1 9 7 2 , p. 2 4 4 .