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SYLVIA LEÃO *
A
enfrentar um diálogo acerca de Espinosa, De forma ilustrativa, estamos diante, do
sobre a natureza do Infinito, em seu problema do vácuo, do espaço vazio, que logo
Epistolário1 , primeiramente impõe-se mais veremos como se enlaça à nossa reflexão
esclarecer, acerca do que pretendo refletir, em sobre o Infinito. Aliás, não se enlaça, mas o
quais cartas e o porquê. resolve, posto não haver vácuo na natureza.
Embora pareça grandiosa pretensão, Assim natureza é massa ou matéria
intentei desfazer a grandiosidade do objeto corpórea, sobre a qual é lançada a pergunta a
intitulado, a apresentar dele, reflexão mais Espinosa perquire como se pode entender “a
simples. coesão do todo e das partes”, já que sabemos ser
Contudo, atentemos para a Carta 68, a gnosiologicamente impossível ao homem,
E. Oldenburg: “o Tratado Teológico-político é conhecer o todo do universo, como cada uma de
fundado no pressuposto que Deus e a Natureza, suas partes.
pela qual entendo uma massa ou matéria corpórea, Contudo, entende Espinosa por “coesão das
seja uma só e mesma coisa.” partes”, não ser outro que as leis ou a natureza de
Convém observar, com informação uma parte se adequam (adaptam) com todas leis ou
colhida de Boyer (p. 270) que Newton enviou à natureza da outra, não contrastando com essa.”
ao mesmo Oldenburg, secretário da Royal Society, Isso quer dizer que “não é certo que o
embora fosse destinada a Leibniz, também homem tenha sido feito do nada. Pelo contrário,
correspondente de Espinosa, as duas Cartas de foi fabricado (fabrefactus) do grande mundo, e por
1676, nas quais descreveu o teorema binomial, esta razão também se acha nele. Assim existindo
descoberto em 1664 ou 1665. entre eles um nexus de dependência [...]. Essa
Em uma Carta anterior, de 1665, a Carta afirmação não é de Espinosa, como poderia
22, ao mesmo Oldenburg, na qual Espinosa parecer, mas de Paracelso3 (1493-1541), em seu
afirma que esse e o “caríssimo Boyle”, o “exortam A chave da Alquimia.
a filosofar” 2, Espinosa adverte, em primeiro lugar, A citá-lo, estamos a reconhecer que desde
“não atribuo a natureza nem beleza nem muito antes desse século XVII, e intensamente
brutalidade, nem ordem, nem confusão [...] visto nele, a alquimia é a matemática, por que não
serem essas afirmações relativas à nossa afirmar, logo, a geometria da imaginação.
imaginação.” É próprio da razão relacionar. Trata-se de
De Boyle, lembremos ser químico e saber como as causas das relações são
alquimista, que “em 1670, fundou com seus entendidas, que nos dará uma complexidade de
colegas filósofos naturais uma sociedade que sistemas teóricos, a formar os caminhos da teoria:
chamavam de Faculdade Invisível- colocou um metafísica, física, matemática, geometria,
pássaro em um vidro e aspirou o ar.” Na mesma Carta 22, ao tratar do sangue
(Kaplan,168). e do movimento, afirma serem “todos os corpos
circundados de outros e são cada um deles em
*
Professora de Filosofia da UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ relação ao outro “reciprocamente determinados”.
-UECE.
1
SPINOSA,B. Epistolario: a cura di A. Droetto. Einaudi
editore: Roma. (p. 78). 3
PARACELSO. A Chave da Alquimia (trad. Antonio
2
Id. (p. 68). Carlos Braga). SãoPaulo: Edit. Três, 1983, p. 223.
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LEÃO, SYLVIA. A ESPINOSIANA NATUREZA DO INFINITO: CARTA A L. MEYER (CARTA XII). P. 85-93.
Chegamos assim a uma expressão nuclear Livro I, na qual se lê: – “da definição de uma
do conceito da natureza: à “determinação qualquer coisa dada por si posso deduzir mais
recíproca”, a dizer com Espinosa, “que todo corpo propriedades, retorna a dúvida se não haveria de
deve ser considerado com parte do inteiro universo, sê-lo , a coisa definida em relação a um a outra.”,
convém com seu todo e conecta-se com todos os chegamos pois a um outro tema crucial, a
outros.” concepção cartesiana de matéria como extensão.
Dizendo o mesmo, na linguagem do Lembremos, brevemente com Koyré7 ,
século XV, de Paracelso: pois não há dúvida de acerca do universo cartesiano: o universo
que todas as proporções humanas, divisões, partes cartesiano, sabemo-lo mais do que bem, é
e órgãos estão no grande mundo assim como o construído com muito pouca coisa. Matéria e
homem em sua totalidade.4 movimento; ou melhor – pois a matéria cartesiana,
Agora cabe distinguir, voltando a homogênea e uniforme, é apenas extensão –,
Espinosa, que a natureza do universo, não é como extensão e movimento; ou melhor ainda- pois a
a do sangue, limitada, mas absolutamente extensão cartesiana é estritamente geométrica-,
infinita, as suas partes são governadas em infinitos espaço e movimento. [...] A lei suprema do universo
modos dessa natureza de infinita potência. cartesiano é a lei da persistência. Aquilo que é,
São infinitas as variações. perdura. O que Deus criou mantém-o no ser. As
Espinosa arrazoa, quanto ao corpo – o duas realidades criadas, perduram eternamente.
corpo humano é parte da natureza. E quanto à O espaço não muda; o que é evidente. Mas o
mente humana, faz essa ressalva: ainda que eu a movimento também não.
considero parte da natureza, continua Espinosa, Diante disso, observamos que a res extensa
enquanto afirmo que na natureza se dá também e a res cogitans cartesianas, tal como a sua res
uma potência infinita do pensamento, a qual, infinita, não são substâncias reais, são corpos
enquanto infinita contém objetivamente toda a geométricos.
natureza e em seus pensamentos procedem do Quer dizer, se é possível assim o fazer,
mesmo modo da natureza, que é o seu ideado. são substâncias que não são substâncias, posto
Chamamos a atenção, ao que nos não existirem substâncias, na Geometria.
interessa, na afirmação logo a seguir, de A geometria não é natural, física, é a suma
Espinosa: afirmo pois que a mente humana é essa abstração dos corpos reais e de qualquer
mesma potência, não enquanto infinita e entidade, sendo ou existindo, como substância
compreensiva de toda a natureza, mas enquanto ou como acidente.
finita, isto é, enquanto compreende somente o Os corpos geométricos não são, nem
corpo humano, nesse sentido digo que a mente existem; mas são verdadeiros.
humana é parte de um intelecto infinito.5 Por isso o próprio Newton, em seu Peso e
O absolutamente infinito da natureza, Equilíbrio dos Fluidos, ao destruir o fundamento
como substância, e não como atributo, muito primordial da filosofia cartesiana8 ao descrever,
embora, a fazer da parte da natureza, vale dizer, extensamente, a extensão, ao fazê-lo em relação
ser partícipe do Infinito, não o é, conquanto a à natureza do corpo, não o faz com a mesma
mente, embora infinita em potência, seja finita. certeza, como ele próprio o confessa: “[...]
Complicado, não? todavia, uma vez que não tenho um conceito claro
Mudemos mais uma vez o título da e distinto sobre este assunto, não ousarei afirmar
palestra: O Finito na Infinitude. o contrário; em razão disto sinto hesitação em dizer
Em resposta à Carta 83, de Tschirnhaus, positivamente em que reside a natureza dos corpos.
Espinosa ao ser arguido se da extensão poder Assim sendo, prefiro descrever uma determinada
surgir uma infinita variedade de corpos, visto o espécie de ser, em tudo semelhante aos corpos [...] 9
arguidor fazer referência à Ética,6 Prop. VXI, 7
KOYRÉ. A. Estudos Galilaicos. Lisboa; Publicações Dom
4
PARACELSO. id., ib.. Quixote, 1986. (p. 400).
5
Epistolario. (p. 170). 8
NEWTON.I. O Peso e o Equilíbrio dos Fluidos. (trad. De Luiz
6
SPINOSA. Ética. (trad. e notas de Tomaz Tadeu). Belo João Baraúna). Nova Cultural. SãoPaulo; 1987. (p. 220).
Horizonte: Autêntica, 2007. (p. 331). 9
Newton. id. (p. 223).
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LEÃO, SYLVIA. A ESPINOSIANA NATUREZA DO INFINITO: CARTA A L. MEYER (CARTA XII). P. 85-93.
ídolos do foro, concernentes ao mercado dialogal fiança favorável ao progresso de si, do próprio
dos nomes, inequívoca fonte de erros; e, por fim, pensamento: diria, pensar o próprio pensamento.
os ídolos do teatro, concernentes à tradição De novo, a citar Hegel: a definição do infinito,
teórica- seja filosófica, teológica ou científica, que em Espinosa, trata do conceito do conceito. Na
encenam a verdade, mas apenas oferecem o Carta 29, está a distinção entre o infinito da
espetáculo do verossímil. imaginação e o infinito do intelecto, do que é
Vejamos que, como afirmou Bacon, os realmente infinito, o ato infinito.24
idola do foro, são os mais perturbadores, visto Já o atributo, por sua vez, se diz com
dele se valerem todos os demais. referência ao intelecto, que atribui à substância
Poderíamos, com Espinosa, afirmar que uma tal certa natureza.
seu grandioso intento do caminho verdadeiro à Atente-se: é o intelecto que atribui à
verdade, golpeou fundamente os idola do teatro. substância uma certa natureza. Assim, o
Já à luz do Infinito, enfrentemos os temas intelecto, por ser humano, atribui à substância
da Quantidade e da Qualidade. aquilo que é o próprio e o impróprio do homem.
Para Espinosa, qualidade e quantidade são A dizer com a tradição moderna, extensão e
distintos conforme a percepção do objeto se dê cogitação, destarte atribui-se à substância somente
com o concurso dos sentidos, a imaginação, que aquilo que se pode conhecer humanamente, suposto
concebe a substância como finita, ou, conforme o antropológico.
seja pelo intelecto, infinita. (Ética I, Prop. XV). E o que seria a substância, não seria tal
Após, iremos respectivamente relacionar para o homem?
a quantidade e a qualidade, ao mundo da Sim e não, respondo.
circulação, no que tange ao dinheiro e no que É claro, que a noção de substância só o é
tange ao Capital. Como diria Marx, eis o busílis! porque ficamos de pé e abstraímos, vale dizer, o
Assim, aos poucos, teremos tecido um universo era mudo e passou a ter a voz humana
caminho espinosiano à elucidação da relação a dizer, apenas para si mesmo, do mundo e de
entre quantidade e qualidade, ou ainda, entre a si. Essa é a tese sofista, do homem-mesura.
“má infinitude”, como realização do preço da A tese da própria substância, afirma-lhe
mercadoria, e a infinitude, como criação do valor, sem antepostos antropológicos, a sua realidade
no caso, a mais valia relativa. – essencial e existencial. Eis o outro caminho, o
Na Carta 09, a De Vries, 23 Espinosa do racionalismo dedutivo.
afirma já haver demonstrado à exaustão, que “o Mas, e eu, como entendo a substância? –
intelecto, ainda que infinito, pertence à Natureza Confesso, não a entendo! Pela razão logicamente
naturata, e não, à Natureza naturante . posta já por Aristóteles: diz-se daquilo que não se
Podemos concluir, de imediato: o predica de um ser; também posta por Anselmo, o
intelecto é infinito, mas não é. ser do qual não se pode pensar nada maior.
E podemos concluir da imaginação, o Qual seria a implicação deste modo de
contrário: a imaginação é finita, mas não é. pensar?
O garante da finitude da imaginação é a É muito simples, ouso dizer, tal concerne
afecção dos sentidos, enquanto o garante da ao que é substância: a substância nada mais é
infinitude do Intelecto é prescindir da afecção. do que resto, resíduo. Mas do quê?... Da
Vendo mais de perto, como diria Hegel, substância, como resultado, à substância como
seria exatamente o contrário: a imaginação postulado. Como resíduo da intelecção, o
torna-se infinita por possuir múltiplos, sem a atributo; como resíduo da afecção, o modo.
terrível exigência da verdade. Até Kant, Assim entendendo, a substância jamais é
exclusivamente, tratar-se-ia da adequação do princípio, mas sempre resultado.
intelecto às coisas. Resultado vitorioso do nosso
Enquanto a exigência da verdade e do conhecimento: realizado o conhecimento,
caminho verdadeiro ao Entendimento, são a determinadas as coisas, a negação do que não
23
Epistolario. (p. 71). 24
HEGEL. op. cit., (p. 287-288).
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LEÃO, SYLVIA. A ESPINOSIANA NATUREZA DO INFINITO: CARTA A L. MEYER (CARTA XII). P. 85-93.
foi determinado, ganha o estatuto de substância. Assim afirma Espinosa que a percepção
Quanto mais se conhece, mais se conhece que se “clara e distinta” que formamos, depende somente
desconhece, mais se cristalizam os limites da nossa natureza e de suas leis certas e firmes
peculiaríssimos do único ser imanente e (ou fixas). A depender pois da nossa potência, e
transcendente, o homem. não da fortuna.27
Poderia ser arguida: mas, como assim, Mais um problema: o problema é que a
saiu de Espinosa para Kant, com a ideia de nós, os homens, são desconhecidas e estranhas,
substância como coisa em si? E eu responderia: a própria natureza e potência.
– não, caríssimos, é muito mais grave! Qual seria a solução espinosiana? A
Saí da noção espinosiana de substância à solução é o “vero método”, e sobretudo, que nisso
noção do dinheiro como realização do valor, no ele consista: o conhecimento do puro intelecto, da
mundo da circulação. Diria da substância, como sua natureza e de suas leis.28
Marx disse do dinheiro: é a cinza inorgânica de Seria esta a tarefa precípua da filosofia,
todo o processo. conforme a exatíssima Carta 23, a Blyenberg,
Tal feito, aquele de o intelecto atribuir à na qual Espinosa distingue firmemente o “falar
substância certa natureza, cale lembrar bem, que, filosoficamente” sobre Deus, do Deus da teologia.
além disso, o próprio da substância é ser continente O grande esforço teológico, segundo
exclusivo da eminência de todas as coisas. Espinosa, é o de “representar Deus como um homem
Ao se tratar de substância, jamais perfeito.” Mas na filosofia, os atributos
esqueçam, pelo menos em Espinosa, de acrescer concernentes à perfeição humana não se devem
o “eminentemente”. E aí, parece que tudo se atribuir a Deus.
resolve! Aqui cabe retomar, mais uma vez, à ideia
Segundo a Carta 61, a Boxel, Espinosa, de substância, ousía grega ou res latina, própria
ao afirmar que se ao triângulo houvesse a à metafísica, ao embate medieval dos Universais.
possibilidade de falar, diria, do mesmo modo, que À tradição posterior aos medievos, a da
Deus é eminentemente triangular, e o círculo diria necessidade do fundamento, não poder ser de
igualmente que ele é eminentemente circular, e toda caráter antropológico, o que voltaria às teses
coisa assinalaria a Deus os próprios atributos e sofistas da lei como necessidade contingente, a
far-se-ia símile a si, enquanto todo o resto lhe ser distinta da tradição, cara ao racionalismo,
parece informe.25 de fundamentar a contingência com necessária.
A substância, diversas vezes definida, em De novo, põem-se a firmeza do caráter
muitas Cartas, como o que em si e por si se concebe, de res ao nome, enquanto aos nominalistas é-
ou seja, cujo conceito não implica o conceito de lhes suficiente conceder ao nome, o caráter de
outra coisa, tal a Carta 09, a De Vries,26, tal o flatus voices.
Ética I, Def.III, guarde-se, isto: aquilo cujo O nome é um nome, não é portador da
conceito não implica o conceito de outra coisa. objetividade por si. O nome nomeia, não firma a
Acrescente-se, exceto o homem que conceitua. objetivação do ideado.
Portanto, agora, a questão do método. Os modos de pensar – a memória, a
Sobre o vero método, na Carta 37, já explicação, a imaginação, não são ideias das
citada, Espinosa afirma “não ser o nosso intelecto, coisas, posto não possuírem algum ideado que
como o corpo, exposto ao acaso.” possa existir necessariamente. A existir
Voltemos ao Intelecto e à Imaginação: necessariamente, não é modo, é substância.
aquele prescinde da afecção, não está portanto, Aos modos de pensar convém a retenção
exposto ao acaso, mas a si mesmo, à própria das coisas, em classes. Às matemáticas convêm
natureza. A imaginação, à base das afecções, é comparar as coisas, como tempo (a duração),
multiforme, conforme o é a contingência do número (quantidades discretas) e medida
poder ser percebido, ou não, pelos sentidos. (quantidades contínuas).
25
Epistolario. (p. 242). 27
Epistolario.(p. 185).
26
Epistolario. (p. 72). 28
Epistolario. (p. 188).
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LEÃO, SYLVIA. A ESPINOSIANA NATUREZA DO INFINITO: CARTA A L. MEYER (CARTA XII). P. 85-93.
futuro, eternidade. Comparado com o vocábulo Para concluir acerca do Infinito, já que
Olam, é empregado somente em associações com não apresentei, nem ousaria, nada de conclusivo,
preposições, como um acusativo adverbial ou como saio imediatamente da filosofia e me despeço
numa relação construta. [...] Ad, também é usada com as mais encantadoras palavras que já li sobre
com referência a Deus, sua existência é eterna (Is. O Infinito, do Leopardi:
57.15).
Já o adê, é uma forma poética especial, Sempre me foi cara esta colina
tendo a função tanto de preposição como de Erma e esta sebe, que de extensa parte
conjunção. Indica o espectro de uma ação, Dos confins do horizonte o olhar me oculta.
começando pelo seu ponto de partida, passando Mas, se me sento a olhar, intermináveis
pelo seu movimento de progressão e chegando até Espaços para além, e sobre-humanos
à sua conclusão. É usada no sentido espacial e Silêncios e quietudes profundíssimas.
temporal, também comparativo. Na mente vou sonhando, de tal forma
Em se tratando de espaço, pode-se saber Que quase o coração me aflige. E, ouvindo
que se refere ao deslocamento de um lugar ao O vento sussurrar por entre as plantas,
outro. Em se tratando de tempo, significa O silêncio infinito à sua voz
permanecer, prosseguir, perseverar. Comparo: é quando me visita o eterno
Então, podemos afirmar: o perseverar no E as estações já mortas e a presente
próprio ser, supõe a possibilidade de ser. Em E viva com seus encantos. Assim, nessa
sendo, a tendência é o se manter. Não há eleição Imensidão se afoga o pensamento:
quanto ao ser, o ser já é, em sendo extensão ou E doce é naufragar-me nesses mares.
atributo. Perseverar no ser é tendência,
inclinação, possibilidade. Se cumprida, ou não,
o fim da tendência, mais cedo ou mais tarde, é a
própria morte.
Mas, isso é Espinosa ou Schopenhauer? k k k
Se for Espinosa, é a fruição finita do existir, a
qual acresce a eternidade, como fruição infinita
do existir.
Se for Schopenhauer, é assim mesmo, a
morte é o gênio inspirador da filosofia. Não há
pois o que invejar nos mortos.
E, se for Platão? Aí é que verdade mesmo,
a filosofia é preparação para morte.
E para nós, que antes de sermos filósofos,
somos homens do senso comum, como
enfrentamos tal tema, o do Infinito?
Penso ser do mesmo quilate, do que se
diz por aí, pelo meio da rua, apenas de forma
diferente: perseverar, além do não poder ser
mais, chame-se de eternidade, de imortalidade,
do para sempre, do eterno enquanto dure, ou
como quiserem, é simples, ensina o senso-
comum: plante uma árvore (agir-ethos), escreva
um livro (pensar-logos), ou tenha um filho (amar-
eros)!
Vale dizer, a cada um cabe a escolha de
como perseverar, se assim o achar por bem, na
qualidade de bem. Ou de mal, é imaginação
mesmo!
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