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A ESPINOSIANA NATUREZA DO INFINITO: CARTA A L.

MEYER (CARTA XII)

SYLVIA LEÃO *

A
enfrentar um diálogo acerca de Espinosa, De forma ilustrativa, estamos diante, do
sobre a natureza do Infinito, em seu problema do vácuo, do espaço vazio, que logo
Epistolário1 , primeiramente impõe-se mais veremos como se enlaça à nossa reflexão
esclarecer, acerca do que pretendo refletir, em sobre o Infinito. Aliás, não se enlaça, mas o
quais cartas e o porquê. resolve, posto não haver vácuo na natureza.
Embora pareça grandiosa pretensão, Assim natureza é massa ou matéria
intentei desfazer a grandiosidade do objeto corpórea, sobre a qual é lançada a pergunta a
intitulado, a apresentar dele, reflexão mais Espinosa perquire como se pode entender “a
simples. coesão do todo e das partes”, já que sabemos ser
Contudo, atentemos para a Carta 68, a gnosiologicamente impossível ao homem,
E. Oldenburg: “o Tratado Teológico-político é conhecer o todo do universo, como cada uma de
fundado no pressuposto que Deus e a Natureza, suas partes.
pela qual entendo uma massa ou matéria corpórea, Contudo, entende Espinosa por “coesão das
seja uma só e mesma coisa.” partes”, não ser outro que as leis ou a natureza de
Convém observar, com informação uma parte se adequam (adaptam) com todas leis ou
colhida de Boyer (p. 270) que Newton enviou à natureza da outra, não contrastando com essa.”
ao mesmo Oldenburg, secretário da Royal Society, Isso quer dizer que “não é certo que o
embora fosse destinada a Leibniz, também homem tenha sido feito do nada. Pelo contrário,
correspondente de Espinosa, as duas Cartas de foi fabricado (fabrefactus) do grande mundo, e por
1676, nas quais descreveu o teorema binomial, esta razão também se acha nele. Assim existindo
descoberto em 1664 ou 1665. entre eles um nexus de dependência [...]. Essa
Em uma Carta anterior, de 1665, a Carta afirmação não é de Espinosa, como poderia
22, ao mesmo Oldenburg, na qual Espinosa parecer, mas de Paracelso3 (1493-1541), em seu
afirma que esse e o “caríssimo Boyle”, o “exortam A chave da Alquimia.
a filosofar” 2, Espinosa adverte, em primeiro lugar, A citá-lo, estamos a reconhecer que desde
“não atribuo a natureza nem beleza nem muito antes desse século XVII, e intensamente
brutalidade, nem ordem, nem confusão [...] visto nele, a alquimia é a matemática, por que não
serem essas afirmações relativas à nossa afirmar, logo, a geometria da imaginação.
imaginação.” É próprio da razão relacionar. Trata-se de
De Boyle, lembremos ser químico e saber como as causas das relações são
alquimista, que “em 1670, fundou com seus entendidas, que nos dará uma complexidade de
colegas filósofos naturais uma sociedade que sistemas teóricos, a formar os caminhos da teoria:
chamavam de Faculdade Invisível- colocou um metafísica, física, matemática, geometria,
pássaro em um vidro e aspirou o ar.” Na mesma Carta 22, ao tratar do sangue
(Kaplan,168). e do movimento, afirma serem “todos os corpos
circundados de outros e são cada um deles em
*
Professora de Filosofia da UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ relação ao outro “reciprocamente determinados”.
-UECE.
1
SPINOSA,B. Epistolario: a cura di A. Droetto. Einaudi
editore: Roma. (p. 78). 3
PARACELSO. A Chave da Alquimia (trad. Antonio
2
Id. (p. 68). Carlos Braga). SãoPaulo: Edit. Três, 1983, p. 223.
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LEÃO, SYLVIA. A ESPINOSIANA NATUREZA DO INFINITO: CARTA A L. MEYER (CARTA XII). P. 85-93.

Chegamos assim a uma expressão nuclear Livro I, na qual se lê: – “da definição de uma
do conceito da natureza: à “determinação qualquer coisa dada por si posso deduzir mais
recíproca”, a dizer com Espinosa, “que todo corpo propriedades, retorna a dúvida se não haveria de
deve ser considerado com parte do inteiro universo, sê-lo , a coisa definida em relação a um a outra.”,
convém com seu todo e conecta-se com todos os chegamos pois a um outro tema crucial, a
outros.” concepção cartesiana de matéria como extensão.
Dizendo o mesmo, na linguagem do Lembremos, brevemente com Koyré7 ,
século XV, de Paracelso: pois não há dúvida de acerca do universo cartesiano: o universo
que todas as proporções humanas, divisões, partes cartesiano, sabemo-lo mais do que bem, é
e órgãos estão no grande mundo assim como o construído com muito pouca coisa. Matéria e
homem em sua totalidade.4 movimento; ou melhor – pois a matéria cartesiana,
Agora cabe distinguir, voltando a homogênea e uniforme, é apenas extensão –,
Espinosa, que a natureza do universo, não é como extensão e movimento; ou melhor ainda- pois a
a do sangue, limitada, mas absolutamente extensão cartesiana é estritamente geométrica-,
infinita, as suas partes são governadas em infinitos espaço e movimento. [...] A lei suprema do universo
modos dessa natureza de infinita potência. cartesiano é a lei da persistência. Aquilo que é,
São infinitas as variações. perdura. O que Deus criou mantém-o no ser. As
Espinosa arrazoa, quanto ao corpo – o duas realidades criadas, perduram eternamente.
corpo humano é parte da natureza. E quanto à O espaço não muda; o que é evidente. Mas o
mente humana, faz essa ressalva: ainda que eu a movimento também não.
considero parte da natureza, continua Espinosa, Diante disso, observamos que a res extensa
enquanto afirmo que na natureza se dá também e a res cogitans cartesianas, tal como a sua res
uma potência infinita do pensamento, a qual, infinita, não são substâncias reais, são corpos
enquanto infinita contém objetivamente toda a geométricos.
natureza e em seus pensamentos procedem do Quer dizer, se é possível assim o fazer,
mesmo modo da natureza, que é o seu ideado. são substâncias que não são substâncias, posto
Chamamos a atenção, ao que nos não existirem substâncias, na Geometria.
interessa, na afirmação logo a seguir, de A geometria não é natural, física, é a suma
Espinosa: afirmo pois que a mente humana é essa abstração dos corpos reais e de qualquer
mesma potência, não enquanto infinita e entidade, sendo ou existindo, como substância
compreensiva de toda a natureza, mas enquanto ou como acidente.
finita, isto é, enquanto compreende somente o Os corpos geométricos não são, nem
corpo humano, nesse sentido digo que a mente existem; mas são verdadeiros.
humana é parte de um intelecto infinito.5 Por isso o próprio Newton, em seu Peso e
O absolutamente infinito da natureza, Equilíbrio dos Fluidos, ao destruir o fundamento
como substância, e não como atributo, muito primordial da filosofia cartesiana8 ao descrever,
embora, a fazer da parte da natureza, vale dizer, extensamente, a extensão, ao fazê-lo em relação
ser partícipe do Infinito, não o é, conquanto a à natureza do corpo, não o faz com a mesma
mente, embora infinita em potência, seja finita. certeza, como ele próprio o confessa: “[...]
Complicado, não? todavia, uma vez que não tenho um conceito claro
Mudemos mais uma vez o título da e distinto sobre este assunto, não ousarei afirmar
palestra: O Finito na Infinitude. o contrário; em razão disto sinto hesitação em dizer
Em resposta à Carta 83, de Tschirnhaus, positivamente em que reside a natureza dos corpos.
Espinosa ao ser arguido se da extensão poder Assim sendo, prefiro descrever uma determinada
surgir uma infinita variedade de corpos, visto o espécie de ser, em tudo semelhante aos corpos [...] 9
arguidor fazer referência à Ética,6 Prop. VXI, 7
KOYRÉ. A. Estudos Galilaicos. Lisboa; Publicações Dom
4
PARACELSO. id., ib.. Quixote, 1986. (p. 400).
5
Epistolario. (p. 170). 8
NEWTON.I. O Peso e o Equilíbrio dos Fluidos. (trad. De Luiz
6
SPINOSA. Ética. (trad. e notas de Tomaz Tadeu). Belo João Baraúna). Nova Cultural. SãoPaulo; 1987. (p. 220).
Horizonte: Autêntica, 2007. (p. 331). 9
Newton. id. (p. 223).
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Cá para nós, o incomparável Newton, como Ao ter escrito ao mesmo destinatário,


Locke assim o chamou, não saberia descrever a Tschirnhaus, um mês antes, a Carta 81, de 1676,
natureza do corpo? E ao fazê-lo, fá-lo-ia por Espinosa nomeia a sua Carta 80, a anterior,
analogia? Claro que não, penso eu. Os corpos são dirigida a Lodovico Meyer, como Carta sobre o
definidos, geometricamente, como determinadas Infinito, e nela, assim se refere à concepção
quantidades de extensão. Mais uns parágrafos à cartesiana de extensão, como uma massa em
frente, Newton conclui o temerário, para a época: repouso, não só é difícil, [...] mas é de todo impossível
Além disso, se a distinção das substâncias em demonstrar a existência dos corpos. Por isso,
substâncias pensantes e extensas for legítima e continua Espinosa, não hesitei, um instante em
completa, Deus não encerra eminentemente em si afirmar que os princípios cartesianos da natureza
mesmo a extensão, e por conseguinte não pode criá- são inúteis, para não dizer absurdos.
la; [...] ao contrário, se a extensão estiver A assinalar, pelo menos um pouco, da
eminentemente contida em Deus, ou no mais elevado ambiência cultural-científica, que se respirava à
ser pensante, certamente a ideia de extensão estará época do nosso Epistolário, vejamos como
eminentemente contida na ideia de pensamento, e médicos, alquimistas, astrólogos, físicos, químicos,
por consegüinte a distinção entre essas ideias não religiosos, são igualmente arguidores das implicações,
será tão grande, que ambas não possam convir à diríamos, teológico-políticas, da concepção do Infinito.
mesma substância criada, isto é, que os corpos possam Espinosa não é o primeiro a fazê-lo.
pensar ou as coisas pensantes possam ser extensas.10 Já é sabido que quanto à concepção do
E quanto a Ética espinosiana, Infinito, Espinosa seria herdeiro de Giordano
declaradamente exposta segundo o more geométrico? Bruno, mas não o seria de Copérnico, cujo
Mas que supostos contêm o modo heliocentrismo, ainda supõe um centro ao
geométrico? Ao que nos interessa, somente um: universo, razão pela qual Bruno havia criticado
a destruição da positividade da substância. A Copérnico como sendo um simples matemático,
substância não é o ser, é o não-ser. visto Copérnico não ter extraído todas as
Voltemos à exigência aristotélica, mais consequências do próprio heliocentrismo.
uma vez bem precisada, em Koyré 11 seja preciso Afirmamos qual seria: se se demonstra a
não confundir geometria com física: o físico falsidade do geocentrismo, estaria demonstrada
raciocina sobre o real (qualitativo), o geômetra a falsidade de qualquer teoria astronômica a ter
apenas se ocupa de abstrações. Em nota n. 33, no universo um centro.
O Olimpo de louros e o Hades de sementes
continua: Aristóteles, é bem sabido, é muito hostil
de romãs, da cosmologia e cosmogonia grega,
a qualquer confusão dos gêneros: o geômetra não
bem como o refrigério do Trono Celestial e o
tem que pensar como aritmético, nem o físico como
calor infernal da Geena medievais, simplesmente
geômetra. E conclui, de forma irônica: Exigência
perdem o estatuto de verdade dos doutos e se
perfeitamente legítima: enquanto os “gêneros”
tornam superstições do vulgo.
subsistem não os podemos misturar. Mas podem-
À indagação de se haveria um ponto
se destruir.”
legítimo de observação do universo que não fosse
A refletir, não teria Espinosa destruído os
a terra, segundo o As bases Metafísicas da
gêneros, ao afirmar que só há uma Substância
Ciência Moderna, apenas os matemáticos
Infinita? Se sim, assim como Descartes por
responderam que sim.
abstração as vomitou pela goela da Res Infinta,
E, de então, a palavra verdadeira sobre o
Espinosa ao contrário, fez com que a Res Infinita universo, não seria mais a palavra, o conceito, a
as engolisse. Por isso Hegel ter afirmado que no filosofia, mas o número, a quantidade, a matemática,
sistema espinosiano, tudo entra, mas nada sái.12 mais precisamente, já o sabemos, a Geometria.
Mas isso é outra história. Galileu (1564-1648), em O Ensaiador, já
Voltemos ao Epistolário. sentenciara que se opor à geometria é negar
10
Newton. id. (p. 227). abertamente a verdade.13
11
KOYRÉ. op. cit. (p. 28).
12
HEGEL. Lecciones sobre la Historia de la Filosofia. México: 13
GALILEU. O Ensaiador. (trad. e notas de Helda
Fondo de Cultura Económica. (p. 290). Barraco). São Paulo: Nova Cultural; 1987. (p. 8).
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No Intelecto, ao tratar-se da Quantidade, E do Infinito, à necessidade: mas não há


a investigação – que é comparativa, dá-se por de ser confundida a natureza divina com a
meio da proporção. natureza humana. Espinosa não atribui a Deus,
Desta feita, cabe lembrar Nicolau de Cusa os atributos humanos da vontade, da inteligência,
(1401-1464), que em A Douta Ignorância da atenção, etc.. Conclui, pois, que há dito ser o
(1440), logo no primeiro capítulo, afirma acerca mundo um efeito necessário da natureza, e que
do Infinito: toda investigação cifra-se numa não o é, ao acaso.
proporção comparativa fácil ou difícil. Eis a razão De imediato, quem não há de lembrar da
por que o infinito enquanto infinito, por subtrair- natura naturans e da natura naturata?
se a toda e qualquer proporção, é desconhecido.14 E se a palestra fosse sobre a Naturação do
Na mesma página, em Nota, n. 2, explicativa Naturado?
a esta passagem do Cusano, Ullmann concede, Em Carta responsiva a G. Bouwmeester,
quanto a isso, razão à seguinte concepção da Física Carta 37, sobre a questão por este proposta – a
aristotélica: Se o infinito, enquanto infinito, é de poder existir um método com o qual há de se
incognoscível, então o número e segundo a grandeza, proceder, sem tropeçar, nem enfadar, na
é uma quantidade incognoscível; e o infinito, segundo consideração da coisa mais elevada, ou se , ao
a forma, é uma qualidade incognoscível. invés, os nossos pensamentos são regulados pela
Voltemos ao Epistolário, à Carta 61: sorte19, Espinosa redarguiu que já respondida fora
respondendo a Boxel, quando este, comparativamente essa questão, ao haver feito a distinção, aliás,
ao triângulo, arguiu se Espinosa tinha de Deus, a cara a todo filósofo, entre o Intelecto e a
mesma clareza da ideia e imagem, que possuía do Imaginação: dá-nos a distinção, em relação à
triângulo, Espinosa afirmou positivamente, quanto Quantidade: perceber abstratamente é obra da
à clareza da ideia; contudo, não tinha de Deus, imaginação, perceber inteligivelmente, vale
uma imagem clara, como aquela do triângulo. dizer, como substância, é obra do Intelecto.20
Prossegue Espinosa, em afirmação À esta ocasião, Espinosa faz lembrado
máxime: porque nós não podemos imaginar Deus, Bacon ou Locke, ao afirmar que não é necessário
mas somente compreendê-lo.15 conhecer a natureza da mente, ou da percepção
E ainda acresce, o que para nós interessa, na sua prima causa, mas é suficiente descrever da
e nota bem que eu não disse de compreender mente, ou da percepção, as noções verdadeiras,e
inteiramente Deus, mas somente alguns de seus por elas, as falsas: na pena de Locke, saber do
atributos. Alguns, não todos, e nem mesmo a maior que o Entendimento pode pescar, como o faz o
parte. E é seguro que esta minha ignorância da marujo, a partir da extensão da linha, não se
maior parte desses atributos divinos não me impede tratando pois de alcançar a extensão da
de conhecer alguns.16 profundidade do oceano21; ou, na pena de Bacon,
Ainda nesta Carta 6117, conhecimento é trata-se de saber das noções falsas, os Idola, que
sinônimo da especulação. Distintos são os guias obstruem o Intelecto. 22
da especulação e da vida ordinária: ali, na Lembremos pois, a partir de Espinosa, dos
especulação, somos obrigados a seguir a verdade, Idola baconianos, nos Aforismos 39-44: os ídolos
enquanto naquela, na vida ordinária, somos da caverna, a dizer que tudo que estamos a
obrigados a seguir o verossímil. De volta ao conhecer, fazemo-lo inescapavelmente,
Infinito: em conformidade com Carta 54, a conforme a maneira humana de conhecer,
Vontade, o Intelecto, a Essência ou a Natureza, limitada e turvada de ensejos próprios; os ídolos
em Deus, são uma só e mesma coisa.18 da caverna, aos quais competem os enganos do
indivíduo, tal a sua conformação peculiar; os
14
CUSA, N.de. A Douta Ignorância. (trad., pref., introd.
e notas de R. A. Ullmann) Porto Alegre: EDIPUCRS, 19
Epistolario. (p. 185).
2002. (p. 42). 20
Ética. op.cit. (p. 35).
15
Epistolario. (p. 243). 21
LOCKE. Ensaios Acerca do Entendimento Humano. 2.
16
Epistolario. (p. 243/234). ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (p. 141).
17
Epistolario. (p. 242). 22
BACON. Novum Organum. 4. ed. São Paulo: Nova
18
Epistolario. (p. 233). Cultural, 1988. (p. 21-22).
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ídolos do foro, concernentes ao mercado dialogal fiança favorável ao progresso de si, do próprio
dos nomes, inequívoca fonte de erros; e, por fim, pensamento: diria, pensar o próprio pensamento.
os ídolos do teatro, concernentes à tradição De novo, a citar Hegel: a definição do infinito,
teórica- seja filosófica, teológica ou científica, que em Espinosa, trata do conceito do conceito. Na
encenam a verdade, mas apenas oferecem o Carta 29, está a distinção entre o infinito da
espetáculo do verossímil. imaginação e o infinito do intelecto, do que é
Vejamos que, como afirmou Bacon, os realmente infinito, o ato infinito.24
idola do foro, são os mais perturbadores, visto Já o atributo, por sua vez, se diz com
dele se valerem todos os demais. referência ao intelecto, que atribui à substância
Poderíamos, com Espinosa, afirmar que uma tal certa natureza.
seu grandioso intento do caminho verdadeiro à Atente-se: é o intelecto que atribui à
verdade, golpeou fundamente os idola do teatro. substância uma certa natureza. Assim, o
Já à luz do Infinito, enfrentemos os temas intelecto, por ser humano, atribui à substância
da Quantidade e da Qualidade. aquilo que é o próprio e o impróprio do homem.
Para Espinosa, qualidade e quantidade são A dizer com a tradição moderna, extensão e
distintos conforme a percepção do objeto se dê cogitação, destarte atribui-se à substância somente
com o concurso dos sentidos, a imaginação, que aquilo que se pode conhecer humanamente, suposto
concebe a substância como finita, ou, conforme o antropológico.
seja pelo intelecto, infinita. (Ética I, Prop. XV). E o que seria a substância, não seria tal
Após, iremos respectivamente relacionar para o homem?
a quantidade e a qualidade, ao mundo da Sim e não, respondo.
circulação, no que tange ao dinheiro e no que É claro, que a noção de substância só o é
tange ao Capital. Como diria Marx, eis o busílis! porque ficamos de pé e abstraímos, vale dizer, o
Assim, aos poucos, teremos tecido um universo era mudo e passou a ter a voz humana
caminho espinosiano à elucidação da relação a dizer, apenas para si mesmo, do mundo e de
entre quantidade e qualidade, ou ainda, entre a si. Essa é a tese sofista, do homem-mesura.
“má infinitude”, como realização do preço da A tese da própria substância, afirma-lhe
mercadoria, e a infinitude, como criação do valor, sem antepostos antropológicos, a sua realidade
no caso, a mais valia relativa. – essencial e existencial. Eis o outro caminho, o
Na Carta 09, a De Vries, 23 Espinosa do racionalismo dedutivo.
afirma já haver demonstrado à exaustão, que “o Mas, e eu, como entendo a substância? –
intelecto, ainda que infinito, pertence à Natureza Confesso, não a entendo! Pela razão logicamente
naturata, e não, à Natureza naturante . posta já por Aristóteles: diz-se daquilo que não se
Podemos concluir, de imediato: o predica de um ser; também posta por Anselmo, o
intelecto é infinito, mas não é. ser do qual não se pode pensar nada maior.
E podemos concluir da imaginação, o Qual seria a implicação deste modo de
contrário: a imaginação é finita, mas não é. pensar?
O garante da finitude da imaginação é a É muito simples, ouso dizer, tal concerne
afecção dos sentidos, enquanto o garante da ao que é substância: a substância nada mais é
infinitude do Intelecto é prescindir da afecção. do que resto, resíduo. Mas do quê?... Da
Vendo mais de perto, como diria Hegel, substância, como resultado, à substância como
seria exatamente o contrário: a imaginação postulado. Como resíduo da intelecção, o
torna-se infinita por possuir múltiplos, sem a atributo; como resíduo da afecção, o modo.
terrível exigência da verdade. Até Kant, Assim entendendo, a substância jamais é
exclusivamente, tratar-se-ia da adequação do princípio, mas sempre resultado.
intelecto às coisas. Resultado vitorioso do nosso
Enquanto a exigência da verdade e do conhecimento: realizado o conhecimento,
caminho verdadeiro ao Entendimento, são a determinadas as coisas, a negação do que não
23
Epistolario. (p. 71). 24
HEGEL. op. cit., (p. 287-288).
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foi determinado, ganha o estatuto de substância. Assim afirma Espinosa que a percepção
Quanto mais se conhece, mais se conhece que se “clara e distinta” que formamos, depende somente
desconhece, mais se cristalizam os limites da nossa natureza e de suas leis certas e firmes
peculiaríssimos do único ser imanente e (ou fixas). A depender pois da nossa potência, e
transcendente, o homem. não da fortuna.27
Poderia ser arguida: mas, como assim, Mais um problema: o problema é que a
saiu de Espinosa para Kant, com a ideia de nós, os homens, são desconhecidas e estranhas,
substância como coisa em si? E eu responderia: a própria natureza e potência.
– não, caríssimos, é muito mais grave! Qual seria a solução espinosiana? A
Saí da noção espinosiana de substância à solução é o “vero método”, e sobretudo, que nisso
noção do dinheiro como realização do valor, no ele consista: o conhecimento do puro intelecto, da
mundo da circulação. Diria da substância, como sua natureza e de suas leis.28
Marx disse do dinheiro: é a cinza inorgânica de Seria esta a tarefa precípua da filosofia,
todo o processo. conforme a exatíssima Carta 23, a Blyenberg,
Tal feito, aquele de o intelecto atribuir à na qual Espinosa distingue firmemente o “falar
substância certa natureza, cale lembrar bem, que, filosoficamente” sobre Deus, do Deus da teologia.
além disso, o próprio da substância é ser continente O grande esforço teológico, segundo
exclusivo da eminência de todas as coisas. Espinosa, é o de “representar Deus como um homem
Ao se tratar de substância, jamais perfeito.” Mas na filosofia, os atributos
esqueçam, pelo menos em Espinosa, de acrescer concernentes à perfeição humana não se devem
o “eminentemente”. E aí, parece que tudo se atribuir a Deus.
resolve! Aqui cabe retomar, mais uma vez, à ideia
Segundo a Carta 61, a Boxel, Espinosa, de substância, ousía grega ou res latina, própria
ao afirmar que se ao triângulo houvesse a à metafísica, ao embate medieval dos Universais.
possibilidade de falar, diria, do mesmo modo, que À tradição posterior aos medievos, a da
Deus é eminentemente triangular, e o círculo diria necessidade do fundamento, não poder ser de
igualmente que ele é eminentemente circular, e toda caráter antropológico, o que voltaria às teses
coisa assinalaria a Deus os próprios atributos e sofistas da lei como necessidade contingente, a
far-se-ia símile a si, enquanto todo o resto lhe ser distinta da tradição, cara ao racionalismo,
parece informe.25 de fundamentar a contingência com necessária.
A substância, diversas vezes definida, em De novo, põem-se a firmeza do caráter
muitas Cartas, como o que em si e por si se concebe, de res ao nome, enquanto aos nominalistas é-
ou seja, cujo conceito não implica o conceito de lhes suficiente conceder ao nome, o caráter de
outra coisa, tal a Carta 09, a De Vries,26, tal o flatus voices.
Ética I, Def.III, guarde-se, isto: aquilo cujo O nome é um nome, não é portador da
conceito não implica o conceito de outra coisa. objetividade por si. O nome nomeia, não firma a
Acrescente-se, exceto o homem que conceitua. objetivação do ideado.
Portanto, agora, a questão do método. Os modos de pensar – a memória, a
Sobre o vero método, na Carta 37, já explicação, a imaginação, não são ideias das
citada, Espinosa afirma “não ser o nosso intelecto, coisas, posto não possuírem algum ideado que
como o corpo, exposto ao acaso.” possa existir necessariamente. A existir
Voltemos ao Intelecto e à Imaginação: necessariamente, não é modo, é substância.
aquele prescinde da afecção, não está portanto, Aos modos de pensar convém a retenção
exposto ao acaso, mas a si mesmo, à própria das coisas, em classes. Às matemáticas convêm
natureza. A imaginação, à base das afecções, é comparar as coisas, como tempo (a duração),
multiforme, conforme o é a contingência do número (quantidades discretas) e medida
poder ser percebido, ou não, pelos sentidos. (quantidades contínuas).

25
Epistolario. (p. 242). 27
Epistolario.(p. 185).
26
Epistolario. (p. 72). 28
Epistolario. (p. 188).
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A ordem das ideias, o pensamento, e a o falso: em suma, a noção astronômica do


ordem da realidade extrínseca, são duas universo finito.
expressões da realidade absoluta, de onde, como Ali, a suma complexidade da psyché, na
já o é dito da Ética II, Proposição VII, “a ordem e faculdade do intelecto; aqui, a excelência da
a conexão das ideias é idêntica à ordem e à conexão criatura, que ao sexto dia da criação, fizera pela
das coisas.” Haja vista que a ordem das ideias primeira vez, Deus soltar uma admiração
não é simplesmente humana e a ordem das coisas superlativa: “E viu, que era muito bom.”
não pertence simplesmente à natureza. O universo como cosmos, à moda grega,
À inconferência do estatuto de res ao ou como criatura, à moda judaico-cristã,
nome, estandarte do nominalismo, abre os olhos pressupõe a finitude, muito embora, haja
daqueles tempos, à percepção do estatuto dos distinção a ser observada.
particulares. Aos gregos a natureza, como physis,
E com tal aviso, avisado também o são as implica a ordenação necessária, imutável e
formas primevas do entendimento, no seu móvel imanente, e nos grandes quadros exegéticos do
abstrativo, como obras de limitação, de monoteísmo judaico-cristão, também a natureza-
determinação: a indução e a dedução determinam, como criatura, possui tal ordenação, mas cuja
apenas. origem é transcendente. Ali, não há nada fora
Mas aquilo que se pode determinar por dos cosmos; não se sabe do espaço absoluto, só
abstração, é simultaneamente a negação da o concreto, ocupado por corpos reais; aqui, do
própria determinação abstrata. Chegamos pois nada, fez-se o universo. E, em ambos, a grandiosa
a conhecida afirmação da Carta 50, a J. Jelles: peleja entre necessidade e liberdade: primeiro,
“a determinação é negação.” por terem a necessidade, como instância da
De novo, aquilo que são os atributos- extensão, e a liberdade, como instância da razão.
extensão e pensamento, nada mais são do que, De onde, cabe excetuar, a intrigante
a dizer com Malebranche, “nous voyons toutes posição agostiniana, a dar a entender que
choses en Dieu”. ontologicamente, quanto ao Sumo Bem, como
Quem estar a ver somos nós, os homens. fim único e último do homem, não há eleição.
E, como homens, somos matéria e pensamento. Essa recai sobre os meios. Tal o Aquinate, de
Nada mais de Deus podemos conhecer dos modo igual, afirmará.
seus infinitos atributos, senão aqueles de cuja A eleição pois dos bens imutáveis requer
substância, somos e existimos naturalmente, severa disciplina sobre a contínua solicitude das
como homens. A mais disto, resvala-se aos afecções. No mundo das coisas transitórias,
rodeios da imaginação. Inclusive, o fundamento temporais, o por as coisas sob o aspecto da
disto. eternidade, vê-se constrangido às urgências das
Entender a natureza da natureza, seria glórias humanas, todas vãs.
conforme não a natureza, entendida como res Semelhante a tal, vê-se logo nas primeiras
extensa, mas ao contrário, conforme aquilo que linhas do Tratado da Correção do Entendimento,
não é próprio aos atributos, a serem concebidos como são as incomodidades que se adquirem pela
humanamente. honra, pelas riquezas, pela concupiscência, visto
Chegamos, enfim, à res infinita, muito causarem a distração da mente.
mais respeitante ao que concerne ao infinito, do Portanto, na “qualidade do objeto ao qual
que à própria substância. aderimos por amor”, a ser ele, “o amor de uma
Esclareço: o estatuto de substância foi coisa eterna e infinita”.
outorgado a inúmeras ideias fictícias, no decurso Precisamos lembrar a essa ocasião, de um
de toda a tradição filosófica e teológica. dos herdeiros de Nicolau de Cusa, Giordano
Tanto o mais antigo racionalismo, quanto Bruno, de quem Espinosa, seria também, um de
o mais moderno, à época de Espinosa, leia-se, seus excelentes herdeiros. “Mens ínsita, mens
Descartes, e ainda, tanto o monoteísmo mosaico, super omnia”: a mente está em tudo e acima de
quanto o cristão, houve de imaginar a substância, tudo.
antropomorfizando-a, ao terem por verdadeiro
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LEÃO, SYLVIA. A ESPINOSIANA NATUREZA DO INFINITO: CARTA A L. MEYER (CARTA XII). P. 85-93.

De onde a crucial diferenciação de G. diferença entre a Eternidade e a Duração. E


Bruno, em relação ao todo infinito (universo e ainda, ao afirmar que por meio da Duração,
Deus) e ao totalmente infinito (Deus). podemos explicar somente a existência dos
Indaga, Giordano Bruno, na boca de Filóteo: modos; enquanto a existência da Substância se
“Que razão nos convence que um agente, podendo explica por meio da Eternidade.
fazer um bom infinito, o faça finito? E se o faz finito, Sabemos que a natura naturata é o
porque devemos acreditar que o pode fazer infinito, próprio dos seres como modos, modificações dos
sendo nele a mesma coisa, o poder e o fazer?29 E atributos da res infinita. Modificar, implica
mais, “não é tarefa de Deus ocupar lugares vazios”. portanto, durar, e a finitude é o seu arremate.
Podemos agora retomar à natureza do Daí que investigar a natureza das coisas
Infinito, segundo a duodécima Carta: a crer – ratio rerum, é o proceder diverso da
em Espinosa, a “dificílima” questão do Infinito, investigação dos modos pelos quais percebemos
reside em não se fazer mais distinção, entre: 1) as coisas. Então, mais uma distinção, entre o ente
o que resulta infinito por sua natureza, isto é, fictício (não-ente), que por ser conjugação
em virtude da sua definição, e aquilo que não volitiva, casualmente pode ser verdadeiro, e o
possui limites, não por sua essência, mas com ente real, que por sua natureza, existe
referência à sua causa; 2) o que se diz infinito necessariamente (a substância) ou não envolve
porque não tem limites, e isto cujas partes, por a existência, senão possivelmente ( o modo).
serem compreendidas entre um máximo e um Não se vai do modo ao atributo e deste à
mínimo, não se pode, contudo, fixar e exprimir substância, por indução. Seria o desvão das
com um número; 3) entre aquilo que se pode múltiplas formas de falsear o verdadeiro.
somente entender e não imaginar, e aquilo que, Uma vez que a verdade é index sui, o
ao contrário, se pode também imaginar. caminho verdadeiro à verdade, não é outro senão
Segue Espinosa, a expor, brevemente, a própria verdade, exposta em método genético:
quatro conceitos: o de Substância, o de Modo, o da causa sui, infinita, à necessária causação
da Eternidade e o da Duração, a partir dos quais, universal, modificada de forma vária.
se seguirá a resolução do problema. Pelo menos, Mesmo porque, segundo a Ética II,
espera-se que assim o seja. proposição 44, “é da natureza da Razão
Sobre a Substância, são três as considerações: considerar as coisas não como contingentes, mas
primeiro, à sua essência convém a existência, isto como necessárias.”
pois, só da sua essência e definição segue que essa Assim, da verdade necessária ao caminho
existe; segundo, como consequência, a substância necessário à verdade, procedemos a entender
não é múltipla, mas nela existe uma só de igual como a explicação da substância procede através
natureza; terceiro, que toda substância não se da Eternidade.
pode entender, senão como infinita. Mas como Espinosa diz da Eternidade,
Sobre o Modo, Espinosa o diz como as nessa Carta? Segundo ele, “a eternidade é a
afecções da substância; portanto, enquanto não fruição infinita do existir ou, a despeito dos
é a definição da substância mesma, não pode latinistas, do ser (essendi)”.
implicar alguma existência e, conquanto Não podemos, nessa ocasião, esquecer
existente, podemos conceber o modo como não que Agostinho, em sua Carta a Proba, sobre a
existente. Conclui, então, que se atentamos Felicidade, já distinguira pelo par uti-frui, o uso
somente à essência dos modos, e não à ordem da fruição. Só se se deve fruir de Deus, a fruição
total da Natureza, não podemos concluir do fato da divindade da eternidade.
que atualmente existem, que em seguida Ainda quase a concluir: O termo hebraico
continuarão ou não a existir, não que são ou não Ada, prosseguir, atravessar, provavelmente é raiz,
são existidos também primeiramente. dos termos perpetuidade, eternidade, bem como
Espinosa crava na distinção do conceito de até, até quando, enquanto, durante. (cf. Harris,
de existência entre substância e modo, a et alli, (p. 1077). Observa então que em hebraico
não existe nenhuma palavra para designar tempo,
29
BRUNO. op. cit.. (p. 40). nem palavras específicas para passado, presente,
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futuro, eternidade. Comparado com o vocábulo Para concluir acerca do Infinito, já que
Olam, é empregado somente em associações com não apresentei, nem ousaria, nada de conclusivo,
preposições, como um acusativo adverbial ou como saio imediatamente da filosofia e me despeço
numa relação construta. [...] Ad, também é usada com as mais encantadoras palavras que já li sobre
com referência a Deus, sua existência é eterna (Is. O Infinito, do Leopardi:
57.15).
Já o adê, é uma forma poética especial, Sempre me foi cara esta colina
tendo a função tanto de preposição como de Erma e esta sebe, que de extensa parte
conjunção. Indica o espectro de uma ação, Dos confins do horizonte o olhar me oculta.
começando pelo seu ponto de partida, passando Mas, se me sento a olhar, intermináveis
pelo seu movimento de progressão e chegando até Espaços para além, e sobre-humanos
à sua conclusão. É usada no sentido espacial e Silêncios e quietudes profundíssimas.
temporal, também comparativo. Na mente vou sonhando, de tal forma
Em se tratando de espaço, pode-se saber Que quase o coração me aflige. E, ouvindo
que se refere ao deslocamento de um lugar ao O vento sussurrar por entre as plantas,
outro. Em se tratando de tempo, significa O silêncio infinito à sua voz
permanecer, prosseguir, perseverar. Comparo: é quando me visita o eterno
Então, podemos afirmar: o perseverar no E as estações já mortas e a presente
próprio ser, supõe a possibilidade de ser. Em E viva com seus encantos. Assim, nessa
sendo, a tendência é o se manter. Não há eleição Imensidão se afoga o pensamento:
quanto ao ser, o ser já é, em sendo extensão ou E doce é naufragar-me nesses mares.
atributo. Perseverar no ser é tendência,
inclinação, possibilidade. Se cumprida, ou não,
o fim da tendência, mais cedo ou mais tarde, é a
própria morte.
Mas, isso é Espinosa ou Schopenhauer? k k k
Se for Espinosa, é a fruição finita do existir, a
qual acresce a eternidade, como fruição infinita
do existir.
Se for Schopenhauer, é assim mesmo, a
morte é o gênio inspirador da filosofia. Não há
pois o que invejar nos mortos.
E, se for Platão? Aí é que verdade mesmo,
a filosofia é preparação para morte.
E para nós, que antes de sermos filósofos,
somos homens do senso comum, como
enfrentamos tal tema, o do Infinito?
Penso ser do mesmo quilate, do que se
diz por aí, pelo meio da rua, apenas de forma
diferente: perseverar, além do não poder ser
mais, chame-se de eternidade, de imortalidade,
do para sempre, do eterno enquanto dure, ou
como quiserem, é simples, ensina o senso-
comum: plante uma árvore (agir-ethos), escreva
um livro (pensar-logos), ou tenha um filho (amar-
eros)!
Vale dizer, a cada um cabe a escolha de
como perseverar, se assim o achar por bem, na
qualidade de bem. Ou de mal, é imaginação
mesmo!
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