Você está na página 1de 9

O PODER DA NORMALIZAÇÂO E REGULAMENTAÇÂO NO

AUMENTO DA CONFIABILIDADE DAS MEDIÇÕES DE GÀS


NATURAL

*JORGE VENÂNCIO

*COMGAS

1. RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo apresentar os elos existentes
entre a normalização e regulamentação metrológica, e o aumento da exatidão e
confiabilidade operacional dos sistemas de medição de gás natural no Brasil.
Inicialmente será delineado um panorama histórico da criação de
documentos normativos ligados à medição do gás natural no Brasil nos últimos
vinte anos, tendo em vista a evolução das tecnologias, as demandas então
existentes e o aumento da importância deste energético no Brasil e no mundo.
Posteriormente será retratado o estado atual da arte da normalização e
regulamentação metrológica no Brasil em face de necessidade de se transporem
paradigmas objetivando criar o suporte indispensável para viabilizar o aumento da
participação do gás natural na matriz energética brasileira.

2. ABSTRACT
The present paper relates the convergence between natural gas metering
standardization and energy market regulation, and the improvement of the natural
measurement systems accuracy in Brazil.
Initially it will be trace a historically panorama of the natural gas metering
standardization at the last twenty years in Brazil, taking into consideration
technological developments, as well as the gas natural growth in the world. Then it
will be showed an actual picture of the metering standardization challenges in
Brazil, in order to provide technical background for the natural gas development in
this country, in a short time.

3. INTRODUÇÃO – A IMPORTÂNCIA NA NORMALIZAÇÂO NA MEDIÇÃO DO


GÁS NATURAL
O mercado de energia do mundo esta atravessando um momento de
grande agitação caracterizado pelo crescimento, introdução crescente da
competitividade no setor e tendência de aumento da participação do gás natural
nas matrizes energéticas dos diversos países. Um dos aspectos mais importantes
para a economicidade deste setor está no processo de regulamentação técnica
metrológica. Trata-se de uma questão essencial devido às seguintes razões:
• Cria subsídios para a realização dos contratos de compra e venda de
gás;
• Traz a oportunidades para a transferência e absorção de tecnologias
oriunda de outros países em um país como o Brasil, cuja indústria do
gás natural está no limiar de uma grande fase de crescimento;
• Constitui-se em um instrumento indispensável para a viabilizar a
operação dos sistemas de medição de gás das grandes estações para
transferência de custódia, indispensáveis a consolidação do mercado
do gás natural.

A importância da normalização, portanto, no segmento do gás natural,


extrapola as suas atribuições clássicas e vem a se constituir em um ferramental
essencial para a implementação desta indústria no Brasil.

4. HISTÓRICO DA NORMALIZAÇÂO NA MEDIÇÃO DO GÁS NATURAL NO


BRASIL

4.1. Até a década de 70 (inclusive)

Ate a década de 70, a indústria do Gás Canalizado era incipiente no


Brasil. Nesta época realizava-se a importação de medidores a preços
relativamente baixos. A grande maioria dos medidores usada era de aplicação no
segmento residencial, já que o mercado para os medidores de grandes vazões
praticamente não existia. Vivia-se a época do gás manufaturado, o qual era
produzido nas próprias empresas distribuidoras (COMGAS e CEG) e portanto não
existiam as estações de transferência de custódia e os gasodutos da atualidade.
Apesar deste panorama, começava ainda que de forma incipiente, a fabricação de
medidores residenciais do tipo diafragma (inicialmente de couro) para uso em
GLP e Gás Manufaturado (vide figura 1). Os medidores usados eram
essencialmente mecânicos, uma vez que a eletrônica então existente, não era de
aplicação viável para os instrumentos de transferência de custódia.
A Normalização nesta época era inexistente sendo que a documentação
técnica utilizada se limitava às especificações internas das empresas para
medidores.

Figura 1 – Primeiro medidor fabricado no Brasil (Liceu de Artes e Ofícios de São


Paulo)
4.2. Década de 80

Nesta época, com o fechamento da economia, a importação de


medidores torna-se proibitiva no Brasil.
Aumenta a defasagem tecnológica brasileira no que tange ao uso de
equipamentos de medição mais sofisticados. Do ponto de vista tecnológico, a
eletrônica as telecomunicações passam por grandes avanços, sendo que a
primeira passa a integrar o arsenal de equipamentos usados na medição do gás
natural. Passa a haver então uma tendência de convergência entre os setores de
medição de transferência de custódia e medição de processos industriais , áreas
até então distintas, pois a eletrônica, até então, tinha sua aplicação limitada ao
último.
Por outro lado, o mundo atravessa um período de grande expansão na
indústria de gás natural. No Brasil, inicia-se a distribuição deste energético, e
surge como conseqüência fabricantes brasileiros de medidores do tipo turbina
para atender às vazões maiores, apesar do mercado do gás ser ainda incipiente e
de não haver economia de escala para tal.

Começam a surgir atividades de normalização de medidores no Brasil no


âmbito da ABNT e INMETRO, com o seguinte enfoques:
• Assegurar requisitos mínimos relativos a qualidade dos produtos nacionais,
particularmente no que tange á inspeção de recebimento;
• Evitar a entrada de produtos de baixa qualidade oriunda do mercado asiático
(no final da década recomeça a importação de medidores).

Nesta época, havia ainda poucas pessoas militando com a medição para
transferência de custódia no Brasil. Basicamente esta seara era limitada a cerca
de 30 pessoas pertencentes às empresas COMGAS, CEG, Petrobrás ,
fabricantes, INMETRO, IPT, etc. Surge a necessidade de se harmonizarem
procedimentos e terminologias.

As normas elaboradas neste período, bem como no início da década de


90, refletem os anseios dos anos 80, como segue:
• Necessidade de padronização de terminologias e procedimentos;
• Necessidade de requisitos mínimos para a aquisição de equipamentos tendo
em vista às leis vigentes e o fato de a maioria das empresas serem estatais
(lei 8666).

As principais normas elaboradas foram:


• Portaria N0 31 de 24/03/1997: medidores do tipo diafragma;
• Portaria N0 114 de 16/10/97 : medidores do tipo turbina;
• NBR 5167 – Placas de Orifício – 1992;
• NBR 13727 – Medidor de Gás tipo Diafragma, para Instalações Residenciais
– Dimensões - Dezembro 1993;
• NBR 13127 – Medidor de Gás tipo Diafragma, para Instalações Residenciais
– Especificação - Abril 1994;
• NBR 13128 – Medidor de Gás tipo Diafragma, para Instalações Residenciais
– Determinação das Características - Abril 1994;
• Portaria N032 para sistema de medição para GNV.

4.3. Década de 90

Na década de 90 ocorrem grandes transformações no mundo,


principalmente nos países desenvolvidos. Cai o modelo clássico de organização
das empresas de distribuição de energia no qual elas tendiam a se agigantar em
torno das suas áreas geográficas de atuação.

Em 1992 com a publicação da FERC – ordem 636. De acordo com esta


lei, as empresas proprietárias dos gasodutos (pipelines) são exclusivamente
transportadoras (a não mais vendedoras e transportadoras como anteriormente.
O gás passa a ser uma “commodity” e passa a haver necessidade de informações
imediatas acerca dos consumos horários dos consumidores.Neste ambiente
competitivo, pequeno diferenciais de consumo são significativos. Aumenta a
importância da medição. O novo modelo de organização das empresas de
distribuição de energia permite ao consumidor a liberdade de escolha da fonte do
gás Toma corpo a noção de sistema de medição em contrapartida à abordagem
linear tradicional usada nas épocas anteriores. (vide figura 2)

Figura 2 – Modelo Clássico X Modelo Atual para a comercialização de


energia
As ações de normalização na medição do gás natural adquirem uma
importância vital para o crescimento do mercado do gás natural devido às
seguintes razões:

• Necessidade de subsídios técnicos para a especificação e operação de


sistemas de Medição de Vazão especialmente em citygates, usinas
termoelétricas e grandes consumidores;
• Criação de respaldo legal para a operação de sistemas para transferência de
custódia;
• Implementação do rastreamento metrológico dos padrões de medição de
volume de gás;
• Necessidade de criação der regulamentos específicos para novas tecnologias;
• Necessidade de criação de procedimentos para a execução de auditorias e
solução de conflitos.

As principais normas e regulamentos elaborados no Brasil neste período


foram:
• Norma NBR 14978 - Computadores de vazão;
• Norma ABNT para a incerteza na medição de vazão;
• Norma mercosul para medidores do tipo diafragma;
• Regulamentos diversos do INMETRO para finalidades específicas.

5. O DESAFIO ATUAL DA REGULAMENTAÇÂO METROLÓGICA NO BRASIL

O desafio atual da regulamentação metrológica no Brasil reflete a


evolução do mercado de energia neste país e no mundo. Até os anos oitenta, o
escopo da metrologia legal priorizava a medição da vazão propriamente dita,
sendo as demais questões pertinentes ao gás, tais como as medições de
pressão, temperatura, poder calorífico, algoritmos para conversão de volume, etc.,
tratadas de maneira isolada e muitas vezes não inseridas nas cadeias de
rastreabilidade metrológica. Não havia a uma preocupação tão grande com a
exatidão das medições e a tolerância relacionada aos erros de medição era
maior, até porque as empresas que comercializavam o gás em todas as fases da
sua cadeia de suprimento eram monopólios naturais não regulamentados, o que
não estimulava a busca da eficiência.

A realidade atual do mercado do gás natural, a globalização da


economia, a revolução da informática e das telecomunicações esta acelerando a
integração entre os setores técnicos, financeiros e comercial das empresas e
também entre os vários coadjuvantes do mercado, e exige transparência na
comercialização da energia. Diante deste quadro, a visão sistêmica da medição
do gás e o seu rastreamento metrológico passaram a ser uma necessidade.

Os medidores deixaram de ser simples “balanças” e passaram a


incorporar o conceito de “inteligência”. Estamos diante de uma nova era da
civilização pós-industrial, em que o valor econômico será baseado da
disponibilidade e gerenciamento da informação e a metrologia é um pilar
fundamental para o aumento do padrão de vida das populações. Os instrumentos
isolados passam a serem substituídos por sistemas integrados a redes de
comunicação e unidades de processamento de dados os quais interagem
reciprocamente. Desta forma o “volume de contorno” do sistema de medição
tende a ser continuamente expandido e a metrologia legal acaba sendo obrigada
a seguir o mesmo caminho para atender aos anseios da sociedade. A existência
de confiabilidade nos sistemas de medição demanda uma abordagem holística do
assunto por todas os coadjuvantes envolvidos no mercado. As normas até então
existentes para a medição de gás natural limitavam-se a abranger os medidores
volumétricos.

No Brasil, tendo em vista sua a necessidade imperiosa de obter


considerável crescimento da participação do gás na matriz energética brasileira
em curto prazo e de consolidar o processo de regulamentação deste mercado,
necessita com urgência equacionar as questões relacionadas à confiabilidade das
medições deste energético. Atualmente encontra-se em fase de preparação final
e consulta pública através do INMETRO, uma portaria para sistemas de medição
de combustíveis gasosos, a qual é baseada em um “draft” da OIML intitulado
“Measuring Systems for Gaseous Fuel” de Dezembro de 2000 [2]. A elaboração
precoce deste documento no Brasil, representa um ato de ousadia e
determinação, haja vista a complexidade do texto e dos conceitos nele envolvidos
e deverá atender aos anseios urgentes do mercado, uma vez que a medição de
gás se constitui cada vez mais em um pilar fundamental para o crescimento
participação deste energético na matriz energética brasileira.

Os principais avanços que o referido documento introduzirá no mercado são:


• Introdução de uma nova terminologia que abrange a noção de sistema de
medição em contraposição à abordagem linear dos medidores até então
utilizada por outras portarias;
• Conceituação de sistema de medição definindo seus constituintes e seus
contornos (vide figura 3);
• Estabelecimento de requisitos metrológicos para os sistemas de medição e
os seus constituintes, definindo os valores limites para erros máximos e
incertezas;
• Estabelecimento de requisitos técnicos e construtivos para os sistemas de
medição e os seus elementos constituintes;
• Criação de parâmetros para a aprovação de modelo, verificação inicial e
controle metrológico de sistemas de medição.
Figura 3 – Ilustração de um sistema de medição de gás natural

A elaboração deste documento vem a comprovar o poder da normalização e


regulamentação metrológica. Uma vez colocado em vigor, ele possibilitará o
equacionamento de vários problemas existentes, através das seguintes
inovações:

• Fornecimento de subsídios para integrar as cláusulas dos contratos de


suprimento de gás, os quais não devem se limitar à estipulação dos erros
máximos permissíveis. Vários aspectos, são abrangidos, tais como requisitos
para auditoria e o acesso às informações armazenadas pelo elemento terciário
(computadores de vazão usados para expressar os volume de gás convertidos
em função das variações de pressão, temperatura, compressibilidade, etc).
Deve-se ter sempre em mente que não basta que a medição seja exata, mas
faz-se necessário que haja a capacidade de se provar esta exatidão a
qualquer momento, quando necessário, para todas as partes direta ou
indiretamente envolvidas;

• Abordagem global da medição, o que abrange efetivamente todas partes nela


envolvidas. É estabelecida uma estratégia para a determinação dos níveis de
incerteza da medição do poder calorífico, em todas a fases, incluindo-se a
amostragem do gás, transporte, a defasagem no tempo de execução da
cromatografia. A questão da cromatografia do gás e por extensão todo o
processo de avaliação da qualidade do gás, que era tradicionalmente tratado
separadamente da medição, passa a fazer parte do seu escopo;

• Introduz o conceito de sistema de monitoramento (checking facility), que


contribuirá significativamente para o equacionamento de problemas
relacionados à medição é o do sistema de monitoramento (sistema
incorporado a um sistema de medição que permite detectar e agir sobre falhas
significativas). A regulamentação destes dispositivos abrirá caminho para as
suas efetivas instalações em sistemas de medição integrantes de citygates,
termoelétricas e grandes indústrias, possibilitando a identificação e correção
de falhas pelas equipes técnicas em tempo reduzido, evitando assim que os
problemas se alastrem;

• Introduz o conceito de módulo de medição (subconjunto de um sistema de


medição que compreende o próprio medidor ou medidores e todas as partes
do circuito gasoso de medição) em contraposição à abordagem tradicional dos
medidores de maneira isolada. Trata-se de um avanço bastante significativo,
haja vista que a grande parte dos problemas medição originam-se de efeitos
das instalações presentes no circuito gasoso;

• Possibilita a utilização do conceito de incerteza nas práticas de medição do dia


a dia, ao estabelecer limites e metodologias para a sua determinação em
sistemas de medição e todos os seus componentes. Desta forma, ficará visível
a qualquer parte interessada, o valor máximo dos erros e incertezas globais,
possibilitando assim transparência nas transações comerciais. O conceito da
incerteza da medição deixa de ser uma prerrogativa dos laboratórios e dos
especialistas em vazão, e passa a fazer parte do cotidiano das atividades
operacionais e administrativas das empresas de energia.

6. CONCLUSÂO
Diante dos fatos expostos, comprova-se que a normalização e
regulamentação metrológica da medição do gás natural cria subsídios para o
aumento significativo da qualidade e confiabilidade nos processos de medição do
gás natural no Brasil, constituindo-se assim em um dos pilares para o crescimento
da participação deste combustível na matriz energética da nação.
Grandes avanços têm ocorrido em função da atuação da comunidade técnica
brasileira envolvida com este tema, o que tem diminuído a defasagem tecnológica
existente entre o Brasil e os países do primeiro mundo no que tange à abordagem
da medição do gás de forma holística. No entanto, é importante ressaltar que o
desafio está apenas se iniciando, tendo em vista as dificuldades para a a
colocação em prática dos benefícios oriundos da normalização, tais como a
capacitação de recursos humanos e infra-estrutura laboratorial, entre outros
recursos necessários ao estabelecimento do controle metrológico do segmento do
gás natural no Brasil.

7. BIBLIOGRAFIA

[1] VENÂNCIO, Jorge de Freitas Monteiro, A contribuição da automação para o


mercado brasileiro residencial do gás combustível São Paulo –IEE – USP –
Dissertação de Mestrado, 2001.
[2] OIML International organization of legal metrology. OIML Seminar,“What Will
Legal Metrology Be In The Year 2020” - França, 2002.
[3] VENÂNCIO, Jorge de Freitas Monteiro, A medição do gás - Aspectos Práticos
- Apostila do curso gás natural IBP – - Rio de Janeiro, 2001.
[4] VENÂNCIO, Jorge de Freitas Monteiro, A Medição do gás: O paradigma da
virada do milênio - Palestra proferida no IV encontro dos profissionais dos
gases combustíveis – São Paulo - 2003
[5] VENÂNCIO, Jorge de Freitas Monteiro e outros, A Portaria INMETRO para
sistemas de medição de gás natural - A transposição de um paradigma da
metrologia - Palestra proferida no Congresso METROLOGIA-2003 - , Recife,
Pernambuco - BRASIL

Você também pode gostar