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TÍTULO: A GRAVIDEZ E A EVASÃO ESCOLAR: UMA QUESTÃO DE

CONSCIÊNCIA CIDADÃ
AUTORES: Cláudia Márcia Trindade Fanelli, Estella Ferman, José Leonídio Pereira,
Regina Celi Ribeiro Pereira e Silvia Pereira da Silva Rios.
e-mail: cfanelli@openlink.com.br
INSTITUIÇÃO: Universidade Federal do Rio de Janeiro
ÁREA TEMÁTICA: Educação

Objetivo

Este trabalho tem por objetivo discutir as contradições e os desafios da evasão


escolar decorrente de gravidez na adolescência a partir da experiência do Projeto de
Orientação em Saúde Reprodutora para Adolescentes - "Papo Cabeça".

Um breve histórico do Projeto "Papo Cabeça"

O Projeto de Orientação em Saúde Reprodutora para Adolescentes – “Papo


Cabeça” – (doravante chamado de “Papo Cabeça”) surgiu da demanda cada vez mais
acentuada de adolescentes grávidas freqüentadoras do serviço de pré-natal da Maternidade-
Escola da UFRJ e sobre a qual alguns profissionais indagavam-se da origem deste
fenômeno que não é novo, mas que carece de respostas urgentes das políticas públicas na
conjuntura atual.
Tais indagações foram confrontadas com os dados do Sistema de Informação de
Nascidos Vivos (SINASC), assim como com as características geográficas apresentadas
pela região da 7a. Coordenadoria Regional de Educação -7a. CRE - (onde o projeto é
desenvolvido), ou seja, os limites desta coordenadoria apresentam características de uma
grande metrópole circundada de uma área que ainda possui traços rurais.
Um aspecto muito importante na implantação do Projeto "Papo Cabeça" foi o de
contar com a sensibilidade da coordenação da CRE para a questão da vivência da
adolescência nesse momento histórico, dando ênfase aos novos contornos apresentados pela
gravidez na adolescência, reforçando a possibilidade de desenvolvimento de um trabalho de
extensão universitária que esteja refletindo sobre essa temática. Desse modo, estabeleceu-
se uma parceria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, através da Faculdade de
Medicina e da Maternidade-Escola, com a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, através
das Secretarias de Saúde e Educação para atuação no âmbito da 7a. CRE, a qual tem sob sua
orientação 111 Unidades Escolares.
O Projeto “Papo Cabeça” tem os seguintes objetivos fundamentais:
• Abrir campo de estágio curricular aos alunos da UFRJ, possibilitando aos
mesmos a intervenção em diferentes realidades sociais, ressaltando que cada
unidade escolar tem as suas peculiaridades exigindo que esse aluno tenha a
capacidade de percepção e ação, considerando as características da
comunidade onde a escola está inserida.
• Atuar junto à comunidade escolar (alunos, professores e pais e/ou
responsáveis) detectando lideranças e inserindo-as como multiplicadores.
• Sensibilizar a comunidade-escolar para a questão da saúde reprodutiva e suas
implicações na perspectiva da cidadania.

O Projeto “Papo Cabeça” ancora-se no Estatuto da Criança e do Adolescente


(ECA), no Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD) e no Programa de Atenção
Integral a Saúde da Mulher (PAISM). Não podemos deixar de mencionar que este Projeto
também está subsidiado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e
pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) em seus temas transversais. Como pode ser
percebido este trabalho busca fazer uma íntima articulação com as áreas da saúde e
educação, redundando num movimento dinâmico de aproximação com a realidade.

Algumas considerações sobre a adolescência e a gravidez na adolescência

O fenômeno da adolescência deve ser considerado histórico e socialmente


determinado. Desse modo, compreender a adolescência nos permite entender a
complexidade das relações sociais que nele estão incluídas. Nesse sentido vale ressaltar que
existem três momentos básicos do curso da vida social, que é o nascimento (ingresso na
sociedade); a fase de transição que pode ser denominada como adolescência, juventude e
puberdade e a utilização de determinando conceito vai depender da ciência que vai
incorporá-la e maturidade. A ciência médica usa a puberdade (trabalhando a fase de
transformação do corpo), a psicologia, a psicanálise e a pedagogia incorporam a categoria
adolescência (mudança da personalidade, da mente no comportamento do indivíduo que vai
se tornando adulto) e a sociologia trabalha com a categoria juventude (considerando este
período de transição, de interstício entre as funções sociais da infância e as funções sociais
do homem adulto)1.
Para conformar os limites deste trabalho, não podemos deixar de mencionar que
não há um rigor para a definição de adolescência através da classificação etária, muitas
definições diluem os limites etários. Para os fins do nosso estudo adotaremos a
classificação da Organização Mundial de Saúde, que considera adolescente aquelas pessoas
que se encontram na faixa etária de 10 a 19 anos.
Uma das principais preocupações que demarcam a conjuntura atual com a
adolescência refere-se a gravidez. Muitos são os estudos que enfocam o fenômeno como
problema social e de saúde pública, com um discurso erigido na área da saúde, que
classifica a gravidez como um evento de risco à saúde da mulher e de seu filho, muitas
vezes ofuscando a gravidez com a maternidade2 e inclui-se, ainda, o agravamento da
pobreza, o incremento de famílias monoparentais, chefiadas por mulheres, a configuração
de uma prole numerosa, a esterilização precoce, via ligadura de trompas, o abandono
escolar, a inserção precária no mercado de trabalho, etc. (Brandão, 2001). Em suma, a
gravidez na adolescência como propulsor ou agravante de uma situação de exclusão social
e econômica, entendida como a inacessibilidade aos direitos mínimos de sobrevivência e
consequentemente à cidadania.
Em contraposição ao “enfoque de risco” emerge o “enfoque sociocultural”
argumentando que o enfoque de risco pressupõe que a gravidez na adolescência é
indesejável e traz conseqüências morais, psicológicas e sociais negativas, desconsiderando

1
GROPPO, L.A . Juventude - Ensaios sobre sociologia e história das juventudes modernas. Rio de Janeiro:
DIFEL, 2000.
2
CAMARANO, A. A. (1998). Fecundidade e anticoncepção da população de 15-19 anos. IN: VIEIRA, E.M.
et.al. (org), Seminário Gravidez na Adolescência. São Paulo: Associação Saúde da Família, p. 35-46.
a particularidade dos sujeitos que a estão vivenciando, apontando subliminarmente para
uma visão negativa do exercício da sexualidade na adolescência.
Para Stern e Garcia (1999) as práticas sexuais precoces só se tornam arriscadas
quando ocorrem de modo desprotegido e desinformado, alertando para o fato de que a
queda das taxas de fecundidade entre as mulheres adultas nas últimas décadas, acreditando-
se que seja decorrência da política de planejamento familiar dos anos 70, dá maior
evidência ao fenômeno da gravidez na adolescência.

A prática educativa como forma emancipação para a busca da cidadania

O Projeto "Papo Cabeça" vem atuando desde 1996 nas escolas na abrangência da 7ª
CRE. Para desenvolvermos nossa proposta, ao final de cada ano letivo são encaminhados
questionários, contendo perguntas abertas e fechadas, a todas as direções das unidades
escolares, com vistas a fazermos o mapeamento da área no que se refere à ocorrência de
gravidez, abortos, doenças sexualmente transmissíveis, assim como a manifestação das
direções para a possibilidade de implementação desta proposta, objetivando a mobilização
da comunidade escolar, como foi colocado anteriormente, composta por alunos professores
e pais e/ou responsáveis.
Durante esses seis anos do projeto já atuamos em cerca de 34 escolas, procurando
sensibilizá-las para a questão da saúde reprodutiva e suas implicações, partindo da tríade:
Auto-Estima, Projetos de Vida e Consciência Crítica. No desenrolar do processo de
capacitação dos Instrutores de Saúde Jovem busca-se desvendar os "mistérios", os "tabus"
que envolvem a sexualidade, histórico e culturalmente construídos, numa perspectiva de
troca de vivências, no sentido de uma construção coletiva, mantendo o objetivo central do
Projeto, mas enfatizando as temáticas emergentes dos grupos, observando a realidade em
que os mesmos estão inseridos.
O trabalho é realizado com grupos de adolescentes, selecionados pelos professores
e/ou eleitos pelos próprios alunos e que possuam, prioritariamente, característica de
liderança para ser formado Instrutor de Saúde Jovem. O número de encontros com os
alunos varia de acordo com a necessidade de cada grupo, acontecendo, no mínimo, seis
encontros com os mesmos. Ao final deste processo essas lideranças sensibilizadas passam a
buscar alternativas de disseminação de sua formação dentro da escola e/ou na comunidade
onde vive.
Anteriormente e/ou até mesmo paralelamente ao desenrolar da sensibilização e
capacitação dos alunos acontecem encontros com os demais integrantes da comunidade
escolar a fim de possibilitar um espaço de discussão e troca das questões emergentes da
adolescência, como a sexualidade, a saúde reprodutiva, a relação com a família, com a
escola, os projetos de vida dos adolescentes e as expectativas sociais e da família. Além de
identificar aceitação dos mesmos em relação à proposta apresentada.

A gravidez na Adolescência e a Escola

O debate sobre a gravidez na adolescência provocar ou não a evasão escolar é um


tanto quanto repetitivo, entretanto, questionamos se a baixa escolaridade e a evasão seriam
causa ou efeito deste fenômeno.
Sem enveredar pelo caminho do fatalismo ou do determinismo, das transformações
societárias ocorridas nas últimas décadas emergiu um novo paradigma para produção,
denominado por Havey (1989) de "acumulação flexível", o qual apoia-se na flexibilização
dos processos produtivos e dos padrões de consumo promove profundas mudanças na
estrutura da sociedade que extrapolam a estrutura de classes, exigindo cada vez mais a
capacitação e o aperfeiçoamento da força de trabalho em potencial para sua inserção na
esfera produtiva. Destarte, quanto menos escolarizada e qualificada for a mão de obra,
menores serão as chances de inserção no mercado, mesmo que esta se dê de acordo com as
novas exigências conjunturais, ou seja, com a precarização dos vínculos e relações de
trabalho.
Para enfrentar essa discussão da relação entre a gravidez na adolescência e a evasão
escolar e estabelecermos as diretrizes para este trabalho consideramos os dados levantados
no mapeamento do Projeto "Papo Cabeça" nos últimos três anos nas escolas da 7ª CRE,
estes apontam que a incidência de gestação foi decrescendo e a incidência de evasão
manteve-se estável: em 1999 foram informadas pelos diretores das unidades escolares 114
gravidezes para 25 casos de evasão; em 2000 foram 108 gestações para 19 evasões e em
2001 registrou-se 82 casos de gravidezes para 21 casos de abandono da escola em
decorrência de gravidez.
Diante de tudo que foi exposto, estes números sugerem muitos desafios para as
políticas públicas, de um modo geral, assim como aquelas estreitamente relacionadas ao
adolescente, como saúde, educação e assistência social e delineadas na Constituição
Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Nossa inserção profissional num Projeto de Extensão Universitária nos permite
sugerir algumas medidas importantes para, pelo menos, diminuir a apartheid social da
juventude de nosso país, especialmente daquelas meninas que acidental e/ou
conscientemente engravidaram:
• Capacitar profissionais afetos a questão da adolescência para atuarem nas
unidades escolares e de saúde que facilite o acesso aos direitos previstos na
legislação vigente, como: assistência pré-natal, amamentação (conforme
salienta as campanhas oficiais), aulas de apoio para que a performance da
aluna não seja prejudicada, garantindo, inclusive a disponibilidade da matéria
que está sendo dada na grade curricular.

Referências Bibliográficas:

BRANDÃO, E.R. (2001) Gravidez na Adolescência: Juventude Contemporânea e Laços


Familiares. Rio de Janeiro: UERJ/Instituto de Medicina Social. (projeto de tese de
doutorado)
CAMARANO, A. A. (1998). Fecundidade e anticoncepção da população de 15-19 anos.
IN: VIEIRA, E.M. et.al. (org), Seminário Gravidez na Adolescência. São Paulo:
Associação Saúde da Família, p. 35-46.
FANELLI, C.M.T. (2002). A Gravidez na Adolescência e as Políticas Públicas. Rio de
Janeiro: UERJ/Faculdade de Serviço Social. (projeto de dissertação de mestrado)
GROPPO, L.A . (2000) Juventude - Ensaios sobre sociologia e história das juventudes
modernas. Rio de Janeiro: DIFEL.
HARVEY, D. Condição Pós-Moderna. 7ª ed. São Paulo: Loyola, 1989.
STERN, C., GARCIA, E. (1999). Hacia un nuevo enfoque en el campo del embarazo
adolescente. Reflexiones. Sexualidad,. Salud y Reproducción. nº 13. México, D.F.:
Programa Saludd Reproductiva y Sociedad/ El Colegio de México.

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