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MINELLA, Ary César - Representação de Classe Do Empresariado Financeiro Na América Latina PDF
MINELLA, Ary César - Representação de Classe Do Empresariado Financeiro Na América Latina PDF
2007
RESUMO
Recebido em 3 de março de 2007. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 28, p. 31-56, jun. 2007
Aprovado em 1º de julho de 2007.
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REPRESENTAÇÃO DE CLASSE DO EMPRESARIADO FINANCEIRO NA AM. LATINA
nanceiro, focalizando a presença de instituições estabelecem entre as entidades de classe que atu-
financeiras estrangeiras na composição das dire- am na defesa dos interesses corporativos e tam-
torias de 19 associações de bancos, em 13 países bém políticos do setor financeiro na América La-
latino-americanos, examinando um total de 212 tina.
cargos de direção, no ano de 2000 (MINELLA,
Antes de apresentar e analisar os dados da rede
2003).
transassociativa, conforme ela configurou-se em
Os resultados apontaram para uma ativa pre- 2006, é necessário deixar claro o contexto analíti-
sença de bancos estrangeiros, pois constatei que co mais amplo em que essa análise inscreve-se.
estes controlavam quase a metade dos cargos de Quero destacar assim que a representação de classe
direção, com destaque para 11 grupos ou conglo- do empresariado, que se manifesta no formato de
merados financeiros dos Estados Unidos e da associações de bancos, é interpretada como um
Europa que praticamente ocupavam 1/3 dos car- entre vários outros elementos constitutivos de um
gos. Três casos mostraram-se mais significati- campo analítico que procura entender as caracte-
vos: o estadunidense Citibank (Citigroup) e os rísticas e o poder das instituições financeiras no
espanhóis Santander e Bilbao Vizcaya, cada um capitalismo contemporâneo. É nesse contexto,
deles participando em associações de bancos em portanto, que insiro a rede transassociativa. Para
sete países. Observei que a participação simultâ- apresentar esse quadro mais amplo, reproduzo a
nea de uma mesma instituição, grupo ou conglo- seguir, de maneira sucinta, considerações que de-
merado financeiro em diversas associações esta- senvolvi em outros trabalhos (MINELLA, 2005a;
belece uma conexão entre elas, criando o que de- 2005b; 2007).
nominei de “redes transassociativas”, que teria um
II. REDE TRANSASSOCATIVA EM SEU CON-
papel fundamental na configuração da estrutura
TEXTO: AVALIANDO O PODER DAS INS-
de representação de classe formada pelas associ-
TITUIÇÕES FINANCEIRAS NO CAPITA-
ações de bancos no continente.
LISMO CONTEMPORÂNEO
Neste trabalho apresento os primeiros resulta-
O momento atual do capitalismo caracteriza-
dos de nova pesquisa realizada sobre essa rede,
se por uma preponderância da acumulação fi-
com referência ao ano de 2006, agora com um
nanceira (CHESNAIS, 2003), amparada em um
universo ampliado para 24 associações, em 17
processo de liberalização e desregulamentação
países e um total de 229 membros da direção (cf.
dos mercados, e que tem levado, mediante di-
Quadro 1, no anexo)2. Além dessa ampliação, a
versos mecanismos e inovações financeiras, à
diferença fundamental em relação à pesquisa an-
renovação do grau de endividamento (das famí-
terior é a utilização da Análise de Redes Sociais,
lias, das empresas, dos governos) e à grande
metodologia que permitiu identificar com maior
movimentação de capitais, especialmente
precisão o alcance e as características da rede,
especulativos, ao redor do globo. Parece claro
avançando de modo considerável na compreen-
também que essa acumulação torna-se viável no
são do fenômeno estudado. Avalio que esse pro-
contexto de uma reestruturação produtiva do ca-
cedimento contribuiu para lançar novas luzes so-
pitalismo, que tem imposto maior precarização
bre a natureza e a dinâmica das relações que se
ao mundo do trabalho, pela combinação de no-
vas e antigas formas de exploração, pela apro-
priação da renda dos trabalhadores e outras ca-
2 O número de cargos de direção que efetivamente será tegorias sociais, mediante crédito ao consumo e
considerado na análise é um pouco menor, pois agregou-se dos serviços financeiros, e pela apropriação fis-
como uma única participação os casos em que um mesmo cal por meio da dívida pública.
grupo ou conglomerado ocupava mais um cargo em uma
mesma associação. É o caso do Grupo AVAL, com quatro A análise leva em consideração a reestruturação
cargos na Asociación Bancaria y de Entidades Financieras financeira que, em momentos e ritmos diversos,
de Colombia (por meio das seguintes instituições: Avillas, ocorreu na América Latina nas últimas duas déca-
Banco de Bogotá, Banco de Occidente e Banco Popular), das, especialmente o caso brasileiro a partir de
do grupo Bradesco no Brasil, com dois cargos na Federação
meados dos anos 1990. No contexto de políticas
Brasileira de Bancos (Febraban) e o Deutsche Bank, em
igual condição, na Associação Brasileira de Bancos Interna- macro-econômicas e reformas das instituições, em
cionais (ABBI). geral alinhadas aos parâmetros definidos pelo cha-
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mado Consenso de Washington, e pelas crises que “hegemonia financeira”, conforme denominam
afetaram a economia do continente, o sistema fi- Mintz e Schwartz (1985). As instituições finan-
nanceiro da maioria dos países caracterizou-se por ceiras – aqui incluídos os investidores institucionais
maior abertura, que levou ao incremento da parti- –, ao controlar um fluxo significativo de capitais,
cipação estrangeira no controle de ativos locais, à possuem a capacidade de definir algumas linhas
maior centralização e concentração e a um acele- gerais da economia nas quais as corporações não-
rado processo de privatização3. Acompanhou esse financeiras operam, uma vez que podem impulsi-
processo a reestruturação do trabalho bancário onar o desenvolvimento de determinadas áreas em
(LARANGEIRA & FERREIRA, 2000; GRISCI, detrimento de outras e também restringir o com-
2002; JINKINGS, 2002; JUNCKES, 2004; promisso com um determinado setor, empresa ou
RODRIGUES, 2004). país.
Tendo presentes esses aspectos mais gerais, é O exercício dessa hegemonia, no entanto, é
necessário analisar o sistema financeiro e suas ins- algo problemático, pois está inserido em diferen-
tituições, vinculadas a um amplo contexto de po- tes conjunturas econômicas (e políticas) e con-
der das instituições financeiras e de seus agentes textos regionais. Nos períodos críticos, quando a
no capitalismo. Na impossibilidade de analisar to- disponibilidade de capitais diminui, esse poder
das as dimensões da questão, destaco os seguin- hegemônico faz-se sentir mais claramente. Paí-
tes aspectos, além da estrutura e dinâmica da re- ses e empresas em condições de alto
presentação de classe do setor: a) o controle so- endividamento, necessitando renovar urgentemen-
bre o fluxo de capitais e seu significado em ter- te seus créditos, estão submetidos de maneira mais
mos de hegemonia financeira; b) a conformação intensa aos constrangimentos dessas instituições
de grupos econômicos ou financeiros, que amplia financeiras (incluindo-se aqui, no caso dos paí-
a atuação para o setor não-financeiro; c) a partici- ses, a ação de organismos financeiros como o
pação no processo político e nos aparatos de de- Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco
cisão do Estado; d) a participação e o financia- Mundial). Assim, a possibilidade de impor cons-
mento de entidades político-ideológicas; e) a trangimentos aos processos decisórios das em-
vinculação com os meios de comunicação de presas e dos governos está condicionada às con-
massa e f) a vinculação com o mundo cultural e dições diferentes do ciclo econômico, à capaci-
do entretenimento por meio do financiamento e dade de autofinanciamento das empresas, ao grau
coordenação de atividades nesse campo, especi- de desenvolvimento do mercado de capitais, à
almente por meio de fundações culturais própri- possibilidade de existirem alternativas de crédito,
as. Com exceção dos dois últimos, amplio as re- ao grau de concentração da oferta de crédito e às
ferências sobre cada um dos aspectos menciona- condições gerais de endividamento das empresas
dos, incluindo como tema central a estrutura de e governos.
representação de classe.
Um dos aspectos mais importantes a ser des-
II.1. Controle sobre o fluxo de capitais e tacado é a grande concentração dos recursos em
hegemonia financeira algumas poucas instituições, característica pre-
sente em maior ou menor grau na maioria dos
Uma das bases fundamentais do poder dos ban-
países latino-americanos e que foi reforçado pela
cos e das instituições financeiras é o controle que
privatização ocorrida no setor financeiro. Esse
exercem sobre parte substantiva dos recursos e
grau de concentração de recursos em poucas
do fluxo de capitais na economia. Esse controle
mãos gera não apenas poder econômico, porque
permite, em determinadas circunstâncias, criar
se gerencia um gigantesco fluxo de capital, mas
constrangimentos ao processo decisório das po-
também interesse político na definição das políti-
líticas governamentais e às decisões estratégicas
cas macro-econômicas que possam afetar esse
das empresas, caracterizando-se uma situação de
universo. O resultado global é que um número
reduzido de instituições financeiras e, portanto,
seus controladores passam a exercer influência
sobre o mundo empresarial e governamental mui-
3 Uma análise mais extensa desse processo de reestruturação
to além daquela exercida por outras forças soci-
financeira, abordando as características aqui mencionadas ais, incluindo-se os segmentos empresariais.
para o caso brasileiro, encontra-se em Minella (2005a).
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Um elemento particular dessa hegemonia re- sociais de um modo geral, formando redes de
fere-se à relação que as instituições financeiras solidariedade e campos de conflito” que envol-
mantêm com o Estado a partir da dívida pública, vem acionistas, gerentes e trabalhadores (POR-
que além de contribuir para a lucratividade dos TUGAL JÚNIOR, 1994, p. 17). Considera-se as-
bancos favorece seu potencial de constrangimen- sim o grupo econômico como um locus de acu-
to ao processo de decisões estratégicas de políti- mulação de capital e um locus de poder (GON-
ca econômica (FERREIRA, 2005). ÇALVES, 1991, p. 494).
II.2. Grupos econômicos É necessário reconhecer que existe uma am-
pla variedade de grupos econômicos, que se ca-
O segundo aspecto a ser considerado é a exis-
racterizam por diferentes tipos de propriedade.
tência de grupos econômicos que, embora cons-
Alguns são controlados por indivíduos, por uma
tituam um fenômeno bastante amplo e central no
família ou por conjunto de famílias relacionadas
capitalismo contemporâneo, têm recebido uma
de maneira direta ou indireta. Em outros casos,
atenção ainda insuficiente por parte das Ciências
podem ser mantidos indiretamente por meio de
Sociais (GONÇALVES, 1991; GRANOVETTER,
sucessivas participações acionárias ou por meio
1994)4. A partir dos anos 1990 parece ter-se am-
de holdings. Como sugere Granovetter (1994, p.
pliado o interesse pelo tema, com a publicação na
461-462), acordos e participações acionárias cru-
América Latina de vários estudos empíricos e dis-
zadas podem ganhar uma estrutura extremamen-
cussões teóricas (p. ex.: ALCORTA, 1992;
te complexa, envolvendo várias empresas, articu-
STOLOVICH, 1995; COMIN et alii, 1994; POR-
ladas por redes de diretorias cruzadas.
TUGAL JÚNIOR, 1994; SCHVARZER, 1995;
BASUALDO, 2002; COSTA, 2002). Embora exis- A relação entre as políticas governamentais e
tam algumas divergências conceituais e dificulda- os grupos econômicos envolvem muitos aspec-
des operacionais nos procedimentos empíricos de tos, tais como regulamentação e
análise, em termos gerais têm-se destacado dois desregulamentação, políticas antitrustes,
aspectos no estudo sobre os grupos econômicos: estatização, políticas industriais e tecnológicas,
primeiro, sua importância, tanto como agentes formas de financiamento do Estado, regulação e
privilegiados das operações econômicas em esfe- controle da força de trabalho (GONÇALVES,
ra global, quanto por sua influência ou potencial 1991, p. 494). Assim, a sua relação com o Estado
de influência direta e indireta sobre as políticas merece toda a atenção, não apenas para o enten-
governamentais; segundo, seu papel no mundo do dimento dos problemas de poder e das políticas
entretenimento e da cultura, constituindo-se em públicas, mas também para a análise das formas,
grandes artífices da cultura mundial no final do das características e do comportamento que os
século XX (ORTIZ, 1994, p. 147-182). grupos assumem. Portanto, como sugerem
Granovetter (1994) e Gonçalves (1991), a ques-
Um grupo econômico pode ser definido como
tão da organização e da configuração dos grupos
um “conjunto de empresas que, ainda que juridi-
econômicos depende não somente de fatores eco-
camente independentes entre si, estão interliga-
nômicos, mas também da interação de fatores
das, seja por relações contratuais, seja pelo capi-
políticos e socioculturais. Ao mesmo tempo, deve-
tal, e cuja propriedade (de ativos específicos e,
se reconhecer o poder que os grupos têm sobre
principalmente, do capital) pertence a indivíduos
os mercados e a sociedade em geral, sua capaci-
ou instituições, que exercem o controle efetivo
dade de instituir valores, de transformar-se assim
sobre este conjunto de empresas” (GONÇALVES,
em um instrumento político e de controlar subs-
1991, p. 494). Assim, “o grupo econômico ex-
tantivos fluxos de capitais que lhes garantem con-
pressa relações de força e de poder, em torno das
dições de vetar decisões de regulação pública,
quais se movimentam indivíduos, classes, grupos
relativizar o poder do Estado e afetar a economia
de diversos países (PORTUGAL JÚNIOR, 1994,
p. 55-56). Muitos bancos que atuam na América
4 O fenômeno recebe diferentes denominações: “grupo
Latina e fazem parte da direção das associações
econômico” (América Latina); “Zaibatsu” e, depois,
“keiretsu” (Japão); “Chaebol” (Coréia do Sul); “Twenty- de classe estão inseridos em ou mesmo constitu-
two families” (Paquistão); “Indian Business House” (Ín- em o núcleo central de grupos econômicos; nes-
dia); “Business Group” (Inglaterra) (GRANOVETTER, se caso, serão referidos aqui como grupos finan-
1994, p. 455).
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ceiros. A identificação específica desses grupos e mundial que inclui “intelectuais, acadêmicos, po-
sua posição na rede transassociativa será objeto líticos, institutos de pesquisa, publicações liberais
de futuras análises. e da mídia, em especial nos Estados Unidos e na
Grã-Bretanha” (idem, p. 275-276). Vinculados a
II.3. Participação no processo político e nos apa-
uma rede internacional de think tanks, os institu-
ratos de decisão do Estado
tos desenvolveram uma série de ações durante os
A análise das relações que se estabelecem en- anos 1990 (cf. especialmente GROS, 2003b; para
tre o Estado e o sistema financeiro constitui um os anos 1980, cf. GROS, 2003a)6. Mais recente-
grande desafio para a compreensão da dinâmica mente, o Instituto de Estudos de Política Econô-
capitalista contemporânea. No Brasil, as conexões mica (conhecido também como “Casa das Gar-
e os interesses que se instituem a partir da dívida ças”), sediado no Rio de Janeiro, constitui um
pública representam um traço fundamental dessa importante grupo de pesquisadores, de que parti-
relação. Além disso, a centralidade que as deci- cipam também economistas e empresários vincu-
sões e ações do Banco Central passaram a ter para lados ao sistema financeiro e que desenvolve e
a política econômica transformou-o em institui- propõe políticas de cunho liberal.
ção estratégica para a manutenção da hegemonia
II.5. Estrutura e dinâmica da representação de
financeira, portanto essencial para os interesses
classe
do empresariado financeiro no país. A existência
de presidentes e diretores do Banco Central vin- A partir de uma perspectiva sociopolítica, a
culados ao universo dos bancos privados consti- análise do poder das instituições financeiras deve
tui uma das expressões dessa relação. Ao mesmo levar em consideração a estrutura e a dinâmica de
tempo, o novo papel que o poder Legislativo pas- representação de classe, que se expressa por meio
sou a assumir após a democratização política re- das associações de bancos e de outras institui-
cebeu atenção do sistema financeiro e o financia- ções financeiras que existem nos países capitalis-
mento eleitoral representa apenas um dos indica- tas avançados e também na América Latina7. Pode-
dores do interesse que o setor demonstra pelo se considerar que o processo de
processo político5. Para o caso brasileiro, dos dez internacionalização do sistema financeiro na Amé-
maiores bancos privados, pelo menos cinco são rica Latina manifesta-se também na significativa
importantes financiadores eleitorais e dois desta- presença de instituições estrangeiras nas direções
cam-se no trânsito com o Banco Central dos órgãos de representação de classe em muitos
(MINELLA, 2007). países, incluindo o Brasil, destacando-se grandes
grupos internacionais dos Estados Unidos e da
II.4. Bancos e organizações político-ideológicas
Europa. Citibank (Citigroup), Banco Bilbao
Além da estrutura sindical, associativa e parti- Vizcaya Argentaria (BBVA) e o Banco Santander
dária, os empresários ou a burguesia bancário- Central Hispânico (BSCH) constituem os exem-
financeira também articula seus interesses por
meio de um conjunto de organizações de natureza
político-ideológica. No caso brasileiro, um exem-
plo importante são os Institutos Liberais, consti- 6 No Brasil, seis dos dez maiores bancos privados (classi-
tuídos como entidades civis por um grupo de gran- ficação de 2006) estiveram ou estão vinculados de alguma
des empresários no início dos anos 1980, centrados forma aos Institutos Liberais. Uma interessante análise deste
na difusão da doutrina neoliberal, especialmente tema para o universo latino-americano encontra-se em Mato
como fundamento de políticas públicas (GROS, (2005).
2003b, p. 275). Mantidos por grandes grupos 7 Na América Latina, a expressão formal maior da repre-
econômicos nacionais e estrangeiros que operam sentação dos bancos é a Federación Latinoamericana de
no país, os Institutos estão inseridos em uma rede Bancos (Felaban), cuja sede encontra-se em Bogotá (Co-
lômbia) e reúne a maior parte das associações de bancos
existentes no continente. No Brasil, além das associações
existem também os sindicatos de bancos, encarregados de
estabelecer as negociações com os trabalhadores bancários;
5 Uma interessante análise sobre a reconfiguração do espa- sua expressão maior é a Federação Nacional dos Bancos
ço financeiro brasileiro e de sua relação com a cena política, (Fenaban) que, na prática, está fundida com a Federação
a partir de uma Sociologia das Finanças, é desenvolvida por Brasileira de Bancos (Febraban), que é a federação das as-
Grün (2004). sociações.
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plos mais significativos, como veremos mais adi- O ponto de partida é a identificação das
ante. Os dados apresentados sinalizam para a for- instituicões financieras que integram a diretoria
mação do que se denominou “redes das associações de bancos. Preliminarmente fo-
transassociativas”, interpretadas como redes que ram consultadas as páginas web das associações;
se formam a partir da participação simultânea de quando os dados eram incompletos, desatualizados
uma mesma empresa ou de um mesmo grupo ou inexistentes, realizou-se uma consulta direta
econômico – em nosso caso, uma instituição, um com as entidades por meio de correio eletrônico
conglomerado ou um grupo financeiro – em vári- ou por via telefônica10.
as associações de classe, em diferentes países.
É importante considerar que a instituição fi-
Podemos assim falar de uma rede transassociativa
nanceira que ocupa um cargo na diretoria pode
no sistema financeiro e da possibilidade de uma
constituir-se basicamente de três formas: como
atuação articulada desses grupos na busca de de-
uma empresa única, operando por exemplo ape-
finição de estratégias comuns para as associações
nas como banco comercial; como empresa inte-
de bancos na América Latina. A formação e o sig-
grada a um conglomerado financeiro ou como
nificado desta rede é o tema que se verá a seguir.
empresa vinculada a um grupo financeiro, como
III. CONFIGURAÇÃO E ANÁLISE DA REDE foi definido anteriormente. Um “conglomerado
TRANSASSOCIATIVA: ESCLARECIMEN- financeiro” é entendido aqui como um conjunto
TOS SOBRE O PROCEDIMENTO METO- de empresas que, sob um controle centralizado,
DOLÓGICO ADOTADO atuam em diferentes segmentos do setor finan-
ceiro. Algumas publicações e órgãos reguladores
O interesse central de pesquisa foi identificar
do setor freqüentemente denominam esse conjunto
as possíveis conexões que se estabelecem entre
como grupo financeiro, diferente portanto do con-
as associações de bancos na América Latina a
ceito que se adota neste texto. Os conglomerados
partir da presença de uma mesma instituição fi-
e grupos financeiros são os atores principais na
nanceira na diretoria dessas entidades, que cons-
constituição da rede analisada.
tituem um dos canais de organização e atuação
corporativa e política na defesa dos interesses de Em muitos casos, a condição de conglomera-
classe do empresariado e/ou burguesia bancário- do ou grupo financeiro é facilmente reconhecida,
financeira. A metodologia de análise de redes so- mas em outros foi necessário uma pesquisa mais
ciais é um procedimento adequado para estudar detalhada, como em relação àquelas instituições
relações sociais. Existe atualmente uma abundan- que operam na América Central. Além disso, no
te literatura internacional sobre análise de redes processo de centralização financeira, os conglo-
sociais e mais recentemente se tem ampliado sua merados e grupos financeiros internacionais in-
utilização por pesquisadores brasileiros8. Remeto corporaram entidades nacionais e estatais e cer-
a essa literatura limitando-me aqui a apresentar tos arranjos patrimoniais nem sempre explicitam
apenas os elementos essenciais para o entendi- de maneira clara o controle acionário. Assim, as
mento do procedimento específico adotado9. informações sobre vínculos com conglomerados
ou grupos financeiros, quando não evidentes, fo-
ram pesquisadas em publicações especializadas,
especialmente aquelas disponíveis na internete, nos
órgãos reguladores de cada país e nas páginas das
8 Destaco especialmente as obras de Marques (2000; 2003;
mesmas instituições11. Dessa forma, as institui-
2006); cf. ainda Grün (2003), Dias e Silveira (2005), Lavalle,
Castello e Bichir (2005), Nazareno (2005), Scherer-Warren
(2005) e RAE – Revista de Administração de Empresas
(2006).
10 A coleta de dados realizou-se de maneira mais intensa
9 Vários autores contribuíram de maneira significativa na
nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2006 e
minha trajetória de aproximação à análise de redes sociais,
primeira semana de janeiro de 2007. Para a presente análise
especialmente para o mundo empresarial e político; por
interessa mais a instituição financeira do que a pessoa que
exemplo, Mintz e Schuartz (1985), Scott (1988; 1997;
a representa na diretoria da associação.
2005), Swedberg (1990) e mais recentemente o contato
com as obras de Emirbayer (1997), Wellman (2000), Molina 11 Para a identificação dos conglomerados e grupos cen-
(2001), Lozares Colina (2005), Rodríguez (2006), Cardenas tro-americanos, utilizou-se especialmente a publicação
(2006) e especialmente Pizarro (1998; 2005a; 2005b). Moneda – El Periódico Financiero (2006).
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ções financeiras foram agrupadas e identificadas pação dos indivíduos em coletivos; daí a impor-
pelo conglomerado ou grupo ao qual estão vincu- tância do estudo da rede de filiação. Os primeiros
ladas. O Quadro 2, anexo, sintetiza os resultados insights a este respeito são encontrados em
alcançados, identificando o cargo ocupado pelas Simmel (o que ele denominou de “círculos soci-
instituições, grupos ou conglomerados nas asso- ais”), que foram desenvolvidos posteriormente por
ciações de bancos. vários pesquisadores. Uma concepção comum
presente nessa visão é a idéia que os atores vincu-
Os dados foram sistematizados e analisadas a
lam-se por meio de suas participações associadas
partir de matrizes12, com o programa Ucinet 6
em eventos sociais. “A participação associada em
(BORGATTI, EVERETT & FREEMAN, 2002) que
eventos não apenas oferece a oportunidade para
permite avaliar propriedades da rede e criar
os atores interagirem, mas também incrementa a
sociogramas para uma visualização gráfica do fe-
probabilidade de que laços semelhantes diretos
nômeno estudado (nesse caso, com o programa
possam desenvolver-se entre os atores”. De modo
Netdraw, incorporado ao Ucinet 6). A matriz-base
similar, quando uma pessoa ou um grupo de pes-
foi gerada a partir do Quadro 2, anexo, que basi-
soas participa de mais de um evento, uma cone-
camente identifica a presença ou não de uma ins-
xão é estabelecida entre esses dois eventos. Di-
tituição, grupo ou conglomerado nas entidades de
zendo de outra forma: a participação sobreposta
classe. A partir dessa matriz, foi gerada a “matriz
em grupos oferece maior oportunidade para o fluxo
de filiação” (affiliation networks) 13, que identifi-
de informação entre os grupos e a possibilidade
ca a rede de filiação, que é central para a análise.
de coordenação das ações dos grupos (idem, p.
Assim, é necessário um esclarecimento sobre 293). “O fato de que eventos podem ser descritos
essa matriz e sua utilização. Recorro à explicação como coletivos de atores filiados a eles e que ato-
detalhada que se encontra no texto de Wasserman res podem ser descritos como coletivos de even-
e Faust (1994, cap. 8), de onde reproduzo algu- tos com os quais são filiados é a característica
mas observações, suficientes para o entendimen- distintiva da rede de filiação” (idem, p. 294).
to do procedimento que foi adotado. Basicamente
A rede de filiação oferece assim uma perspec-
essa matriz representa a relação de um conjunto
tiva “pela qual os atores são conectados uns com
de atores com um conjunto de ocasiões sociais,
os outros por sua filiação com eventos e, ao mes-
eventos ou organizações14. Segundo os autores,
mo tempo, os eventos são conectados pelos ato-
existe uma longa tradição nas Ciências Sociais e
res que são seus membros”. Portanto existem dois
especialmente na Sociologia no estudo da partici-
caminhos complementares para observar uma rede
de filiação: por um lado, como atores conectados
por eventos; por outro lado, eventos conectados
12 De modo bem resumido, de acordo com o Glosario de por atores. “Analiticamente isso significa que po-
análisis de redes sociales (LISTA REDES, 2001), as deno- demos estudar as conexões entre os atores, ou as
minações e características das matrizes são as seguintes: a
conexões entre os eventos, ou ambas” (idem, p.
matriz de incidência é uma “matriz binária resultante de
uma matriz de atores x atores que mostra os atores nas filas 295).
e as relações nas colunas, indicando a presença ou ausência Segundo Pizarro (2005b, p. 14), de um ponto
de uma relação para cada ator; uma matriz na qual a série de
de vista metodológico, o estudo de grupos identi-
atores é a mesma nas filas e nas colunas se chama de matriz
de modo 1; no caso de que a série de atores nas filas e nas fica-se com o de relações de pertencimento: “um
colunas é diferente se denomina matriz de modo 2”. A ma- indivíduo I pertence (ou não) a um grupo G. Os
triz de filiação é um tipo especial de matriz e que será métodos desenvolvidos para o estudo desse tipo
explicada mais detalhadamente adiante. de relações são de uma enorme importância teóri-
13 Em termos técnicos, da matriz-base gera-se uma matriz ca e metodológica, porque colocam a questão [...]
bipartite, que é uma matriz de modo 1, que por sua vez é da homogeneidade entre entidades e relações den-
dicotomizada, ou seja, transformada em uma matriz que tro desse tipo de análise”.
indica somente a presença ou não de uma instituição finan-
ceira, grupo ou conglomerado na diretoria das associações Os dados analisados – as instituições financei-
de bancos. A partir dessa matriz gera-se a matriz de filiação. ras que compõem o comando das associações de
14 Segundo Wasserman e Faust (1994, p. 291), esse tipo bancos na América Latina – são relações de
de rede também é chamada de merbership network ou pertencimento, ou seja, a relação de indivíduos –
hypernetwork. no caso instituições financeiras – com coletivos
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FONTE: o autor.
O sociograma seguinte (Figura 1) permite longo do texto, a posição geométrica das associa-
visualizar a participação desses grupos e conglo- ções e das instituições financeiras é arbitrária, bem
merados nas diretorias das associações de ban- como o comprimento das linhas, que indicam ape-
cos. Nos sociogramas que serão apresentados ao nas a existência de uma relação.
FONTE: o autor.
NOTA: os círculos representam os grupos e conglomerados financeiros; os quadrados representam as associações de
bancos, aqui identificadas pelo país onde estão localizadas e pela respectiva sigla, quando foram consideradas mais de
uma entidade no país. O nome completo das entidades de classe encontra-se no Quadro 1, anexo.
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O sociograma acima revela a existência de dois de centralização bancária podem afetar o controle
subgrupos entre as instituições que estruturam a patrimonial de algumas instituições financeiras
rede transassociativa. Um deles, formado por três mencionadas na Tabela 1, com repercussões na
conglomerados ou grupos com operações locali- participação nas entidades de classe. Em 2006, o
zadas especialmente na América Central: UNO, Bankboston passou parte de suas operações no
BAC e Banistmo. O outro é integrado por conglo- Cone Sul para o grupo brasileiro Itaú, que poderá
merados ou grupos financeiros internacionais, assim ampliar seu raio de participação em direto-
especialmente com sede nos Estados Unidos rias associativas para três ou mais países. No fi-
(Citibank, JP Morgan e BankBoston), Canadá nal do mesmo ano, o grupo Banistmo, com sede
(Scotiabank) e Europa (Santander, BBVA e ABN- no Panamá e posicionado na diretoria de três as-
AMRO). sociações, passou para o controle do conglome-
rado HSBC (no momento da pesquisa, a operação
O primeiro grupo parece ter um importante
ainda deveria ser confirmada pelas autoridades
papel na direção e na conexão entre as associa-
reguladoras, o que deverá ocorrer em 2007), am-
ções centro-americanas, enquanto a conexão des-
pliando assim a possibilidade de participação des-
sas com as demais processa-se especialmente por
se conglomerado europeu nas associações de ban-
meio do Citibank e do BBVA (caso do Panamá) e
cos na América Latina (já ocupa posições em quatro
do mesmo Citibank com o Scotiabank (caso da
associações no Brasil e uma na Argentina). Por
associação da Costa Rica).
sua vez, no final de 2006, o grupo Citibank ex-
Três grupos ou conglomerados apresentam o pandiu sua presença na América Central com a
maior grau de centralidade (outdegree), ou seja, compra do grupo UNO, que integra a diretoria de
participam da direção do maior número de asso- três entidades de classe na região e também está
ciações: o estadunidense Citibank, que integra o presente na diretoria da Felaban. O grupo norte-
comando de 13 entidades de classe, em dez paí- americano adquiriu também o Banco Cuscatlán,
ses, com intensa participação nas associações do importante instituição financeira com sede em El
Brasil (quatro casos); os espanhóis Santander e Salvador e que participa da diretoria de duas as-
BBVA (Banco Bilbao Vizcaya Argentaria), ambos sociações de classe (em El Salvador e na Costa
presentes em sete países, em igual número de Rica). Nessa perspectiva, poderá ampliar-se a
entidades de classe, incluindo a Asociación de posição dos grupos financeiros internacionais na
Bancos de la Argentina (ABA) e a Asociación de rede transassociativa.
Bancos de México, e o primeiro atuando igual-
Identifico a seguir o grau em que as associa-
mente em duas entidades no Brasil, enquanto o
ções de bancos recebem a participação dos dez
BBVA está ausente nesse país. É importante lem-
grupos ou conglomerados com maior centralidade
brar que os três grupos também apresentavam o
(Tabela 3)15.
maior grau de centralidade na rede no ano de 2000.
O conglomerado ABN-AMRO concentra sua
atuação em quatro associações de classe no Brasil
e está presente também nas entidades da Colôm-
bia e do Paraguai. A presença em associações de
três países é garantida pelo BankBoston (Argenti-
na, Chile e Peru), pelo Scotiabank (México, Chile
e Costa Rica) e pelo JP Morgan Chase (México, 15 A partir da matriz que contém os dados de toda rede,
Argentina e Brasil). criou-se uma matriz específica para os dez grupos selecio-
nados, em que se observa o grau de centralidade das insti-
É importante lembrar que movimentos recen- tuições financeiras e das associações (outdegree e indegree,
tes (final de 2006 e começo de 2007) no processo respectivamente).
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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 31-56 JUN. 2007
FONTE: o autor.
NOTA: O nome completo das entidades de classe está no Quadro 1, anexo.
41
REPRESENTAÇÃO DE CLASSE DO EMPRESARIADO FINANCEIRO NA AM. LATINA
É importante mencionar que a presença desses ações com as quais cada uma conecta-se e a den-
grupos ou conglomerados estende-se a 20 associ- sidade dos vínculos, considerando o número de
ações das 24 pesquisadas e atingem 16 dos 17 pa- instituições financeiras que estabelece a relação
íses considerados. No entanto, eles têm uma parti- entre cada par de associações18. O resultado está
cipação reduzida na Federación Latinoamericana de na matriz de filiação, anexa, cuja leitura necessita
Bancos (Felaban), entidade de cúpula do sistema de alguns esclarecimentos.
formal de representação dos bancos no continente,
Os números representam as instituições finan-
pois somente um deles (Grupo UNO) participa da
ceiras que conectam duas associações que se
diretoria dessa federação.
entrecruzam nas linhas e colunas; a diagonal da
Embora não seja possível desenvolver nos li- matriz indica o número de instituições presentes
mites deste texto, é importante indicar que algu- na diretoria da entidade de classe, isto é, o núme-
mas associações devem ser consideradas de ma- ro total de cargos. Examinando a linha 1, pode-se
neira diferenciada pelo significado que podem ter observar que a Asociación de Bancos de Argenti-
enquanto entidades agregadoras de outras, como na (ABA) conecta-se de maneira intensa, especi-
é o caso da Federación Latinoamericana de Ban- almente com as associações existentes no Brasil:
cos (Felaban), que reúne a quase totalidade das sete instituições financeiras de sua diretoria tam-
associações aqui mencionadas e representa for- bém estão presentes na diretoria da Associação de
malmente os bancos e outras instituições finan- Brasileira de Bancos Internacionais (ABBI); com
ceiras do continente. Da mesma forma, a Confe- a Associação Brasileira de Bancos de Investimen-
deração Nacional das Instituições Financeiras to e Desenvolvimento (Anbid) são cinco mem-
(CNF), órgão de cúpula da representação de clas- bros comuns e quatro com a Federação Brasileira
se dos vários segmentos do sistema financeiro no de Bancos (Febraban). Ao mesmo tempo, quatro
Brasil17. instituições que estão na ABA também estão no
comando da Asociación de Bancos y Entidades
V. CONEXÕES ENTRE AS ASSOCIAÇÕES DE
Financieras de Chile (Abefc), e três compartilham
BANCOS
a diretoria da Asociación de Bancos de Perú
Os dados e as análises desenvolvidas até aqui (Asbanc) e da Asociación de Bancos de México
destacaram as instituições financeiras, indicando (ABM).
em que medida elas estão presentes nas diretorias
Os dados sugerem que a ABA ocupa uma po-
das entidades de classe. Constatei um número re-
sição significativa na estrutura da rede
lativamente significativo de instituições ocupando
transassociativa, pois está conectada a várias as-
espaço diretivo em pelo menos duas entidades e
sociações, com alto grau de entrelaçamento de sua
um conjunto que se destaca por integrar o co-
diretoria (três ou mais instituições financeiras) e
mando associativo em três ou mais países e inte-
parece exercer importante papel nas interconexões
grado por dez grupos/conglomerados financeiros
entre as entidades de classe do setor financeiro
– a maioria dos quais com sede nos Estados Uni-
no Brasil com as congêneres de outros países de
dos ou na Europa.
grande relevância econômica, especialmente o
No passo seguinte, central na análise, identifi- México e o Chile. Observe-se que as diretorias
co as conexões que se estabelecem entre as enti- das associações desses dois países (ABM e Abefc)
dades de classe a partir da presença comum em estão interconectadas por três instituições finan-
suas diretorias de uma ou mais instituições finan- ceiras.
ceiras. A análise desenvolve-se a partir da matriz
A seguir (Tabela 4) reúno alguns dados conti-
de filiação, cujos significado e relevância foram
dos na matriz de filiação e agrego outros deriva-
indicados. Esse procedimento permitiu identificar
dos da mesma por meio de procedimentos utiliza-
quais são as associações que estão conectadas,
dos pela análise de redes sociais.
qual é o alcance em termos do número de associ-
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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 31-56 JUN. 2007
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REPRESENTAÇÃO DE CLASSE DO EMPRESARIADO FINANCEIRO NA AM. LATINA
O número de associações com as quais cada apenas uma instituição (intensidade 1), embora em
uma interconecta-se é um dado relevante, mas é termos qualitativos possa ser significativa se
possível também verificar com que intensidade estabelecida por algum dos grupos ou conglome-
esse vínculo realiza-se. Nesse sentido, interpre- rados de maior centralidade na rede (por exem-
ta-se que quanto maior o número de instituições, plo, o Citibank, o Santander e o Bilbao Vizcaya).
grupos ou conglomerados financeiros com Nessa linha interpretativa, considero como signi-
pertencimento comum a duas associações, mai- ficativo o vínculo que se constitui a partir da pre-
or será o vínculo que se estabelece entre elas sença de dois grupos, conglomerados ou institui-
(Tabela 5). Em termos quantitativos, considero ções financeiros (conexão de intensidade 2) (cf.
baixa a intensidade da conexão estabelecida por Tabela 5 e Figura 3).
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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 31-56 JUN. 2007
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REPRESENTAÇÃO DE CLASSE DO EMPRESARIADO FINANCEIRO NA AM. LATINA
Como se pode observar, é expressivo o núme- no Brasil) e outras restringem suas conexões de
ro de associações que se conectam pela presença intensidade 2 a entidades do próprio país, como é
de suas diretorias de duas ou mais instituições. o caso da ABBC e da CNF (Brasil).
Em muitos casos, as conexões com essa intensi-
Associando o critério de conexão de intensi-
dade estendem-se a várias associações, chegando
dade 2 com o alcance regional de pelo menos dois
a mais de cinco, cujos exemplos expressivos são
países, pude identificar 14 associações de ban-
a Asociación de Bancos y Entidades Financieras
cos, que seriam mais expressivas na formação da
de Chile (Abefc), a Febraban e a ABA.
rede latino-americana aqui mencionada
Em termos do significado latino-americano da (identificadas pelo país): Chile, Argentina (ABA),
rede, é necessário levar em consideração a diver- Brasil (Febraban, Anbid, Andima e ABBI), Peru,
sidade dos países das associações conectadas. Paraguai, Panamá, Venezuela, Costa Rica, Méxi-
Muitas delas vinculam-se com entidades de cinco co, Nicarágua e El Salvador.
ou mais países, como a Abefc (oito países) e a
A seguir, avanço a análise da rede a partir de
ABA (sete países), enquanto algumas alcançam
um critério mais estrito de conexão entre as asso-
apenas um país, como a Asociación de Bancos
ciações: a existência de pelo menos três elos co-
Privados de Ecuador (ABPE) e a Asociación Ban-
muns (intensidade 3 ou mais). Os resultados apre-
caria y de Entidades Financieras de Colombia
sentam-se na Tabela 6 e podem ser visualizados
(Asobancaria, que se vincula a três associações
na Figura 4.
TABELA 6 – REDE TRANSASSOCIATIVA: INTENSIDADE DE CONEXÃO 3 ENTRE AS ASSOCIAÇÕES DE
BANCOS (AMÉRICA LATINA, 2006)
Febraban
Andima
Anbid
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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 31-56 JUN. 2007
Esse recorte da rede apresenta as associações (ABA), do Chile, do Peru e do México. A partir
conectadas de maneira mais intensa em termos desse sociograma ampliou-se a visualização, com
quantitativos, ou seja, pela presença comum em a inclusão de todas as conexões entre essas asso-
suas diretorias de três a nove grupos ou conglo- ciações de maior centralidade, ou seja, também
merados financeiros. Elas constituem o núcleo aquelas que se estabelecem a partir de uma e duas
central da rede e está formado por associações instituições financeiras (Figura 5)19. O resultado
localizadas no Brasil (especialmente Febraban, é indicativo da intensidade das conexões dentro
ABBI e Anbid) e pelas associações da Argentina desse núcleo central.
Febraban
Andima
Anbid
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REPRESENTAÇÃO DE CLASSE DO EMPRESARIADO FINANCEIRO NA AM. LATINA
rede, constituído pelas associações de classe com um papel central nesse processo, como in-
maior grau de conexão (três ou mais vínculos dicam os dados apresentados.
comuns), e que inclui entidades de classe do Bra-
2. Considero que é possível ocorrer uma atu-
sil, da Argentina, do México, do Chile e do Peru.
ação coordenada desses grupos na defini-
A partir de um grau menor de conexão (dois vín-
ção de estratégias comuns para as associa-
culos comuns), constitui-se um grupo de associ-
ções de bancos na América Latina. Ao mes-
ações de classe em oito países (Panamá, El Salva-
mo tempo, a rede transassociativa cria pos-
dor, Nicarágua e Costa Rica, que formam um sub-
sibilidade de articular posicionamentos e
grupo na rede, e os sul-americanos Venezuela,
ações entre várias associações, mesmo que
Colômbia, Equador e Paraguai); finalmente, po-
não existam relações formais entre elas. Por
deríamos falar de um grupo periférico de associ-
meio dos vínculos criados, as associações
ações que se posicionam na rede com apenas uma
podem mobilizar-se em âmbito continental
conexão em comum.
para a defesa dos interesses do setor finan-
O alcance e o significado dessa rede podem ceiro, inclusive em circunstâncias nacionais
ser discutidos à luz da literatura internacional que específicas. Ademais, podem atuar de ma-
analisa as redes sociais, especialmente as de natu- neira coordenada com outras organizações
reza corporativa20 e também redes de poder que de natureza ideológica e política que estão
vinculam elites burocráticas, políticas e sob influência direta ou indireta dos grupos,
empresarias, a exemplo do estudo realizado por conglomerados ou instituições financeiras
Pizarro (2005a) sobre a transição política espa- de maior centralidade na rede. Assim, na aná-
nhola. lise da estrutura e dinâmica das associações
de classe do setor financeiro e seu possível
1. Estudos sobre as diretorias cruzadas no uni-
papel nas discussões e implementações de
verso empresarial (interlooking
reformas financeiras e outras políticas eco-
directorates) enfatizam as redes enquanto
nômicas na América Latina, parece neces-
um componente importante do sistema de
sário ter presente a rede transassociativa aqui
comunicação no mundo corporativo, pois
apresentada. Em que medida esse potencial
tais diretorias oferecem um grande poten-
de articulação e coordenação torna-se efeti-
cial para o intercâmbio de informações. Em
vo e em que medida as associações são
nosso caso, um grupo, conglomerado ou
mobilizadas de acordo com os interesses tá-
instituição financeira que atua simultanea-
ticos e estratégicos dos grupos e conglo-
mente em várias associações, em diferen-
merados de maior centralidade são questões
tes países, incrementa seu nível de infor-
em aberto, que exigem uma investigação
mação sobre a dinâmica das relações e or-
específica.
ganização dos interesses de classe em cada
país e da relação que estabelecem com os 3. A possibilidade de estabelecer redes dessa
respectivos governos e outros setores em- natureza é um elemento que indica e ao
presariais, ao mesmo tempo que estimula a mesmo tempo reforça as assimetrias de
troca de informações entre as associações poder existentes no sistema financeiro em
das quais participa. Visto dessa perspecti- benefício de poucos grupos ou conglome-
va, considero que existe um grande poten- rados, alguns regionais mas especialmente
cial de intercâmbio de informações na es- aqueles com sede nos Estados Unidos e na
trutura de representação de classe do setor Europa. O processo de centralização finan-
financeiro na América Latina, que permiti- ceira em curso não parece alterar significa-
ria subsidiar análises e definições de ação tivamente esse quadro, na medida em que o
corporativa e política a partir de uma visão recuo de algumas instituições internacionais
mais ampla. Grupos financeiros internacio- é compensado pela expansão e pela conso-
nais e alguns poucos locais desempenham lidação de outras congêneres e são poucos
os grupos ou conglomerados financeiros
latino-americanos que têm ampliado de ma-
neira significativa suas operações no conti-
20 Inspirado principalmente nas observações de Mintz e
nente, embora deva-se prestar especial aten-
Schwartz (1985) sobre as redes corporativas. ção a eles (o Banco Itaú seria um caso a
48
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 31-56 JUN. 2007
mencionar aqui). Enquanto os grupos ou dos pela metodologia utilizada, incluindo os re-
conglomerados financeiros internacionais cursos de visualização, e especialmente dimensões
ocupam uma posição central na rede qualitativas do contexto histórico na qual a rede
transsassociativa, as instituições financeiras transassociativa está inserida. Nessa perspectiva,
latino-americanas nem de perto parecem este trabalho é parte de um projeto maior que pre-
ocupar espaço semelhante na estrutura de tende utilizar esse procedimento metodológico na
representação de classe do setor nos países análise da estrutura e da dinâmica da representa-
capitalistas dominantes. ção de classe dos setores sociais dominantes, no
caso representado pelo empresariado e pela bur-
4. Os dados obtidos sugerem ainda que o es-
guesia bancário-financeira na América Latina, vin-
paço da representação de classe desse setor
culada às demais dimensões analíticas menciona-
na América Latina encontra-se em grande
das no início do trabalho.
parte transnacionalizado e nele os grupos
internacionais encontram mais um caminho Finalmente, enfatizo que a análise aqui realiza-
para internalizar seus interesses, a partir das da é considerada um ponto de partida para a com-
associações de classe regionais (nacionais) preensão da dinâmica e da estrutura de represen-
– interesses que assim ganham tação de classe dos interesses do empresariado e
representatividade e legitimidade nas nego- da burguesia bancário-financeira na América La-
ciações internas com o governo e com ou- tina. As associações estão inseridas em uma rede
tros segmentos empresariais e sociais. relativamente densa de conexões, grande parte
delas realizadas pela presença de alguns poucos
5. Embora não seja possível, pelas razões
grupos financeiros internacionais, e sua atuação
indicadas, comparar plenamente os dados
deve ser analisada considerando essas
da pesquisa de 2006 com a realizada para o
interconexões e suas implicações. No entanto, creio
período de 2000, parece importante sinali-
que é fundamental levar em conta o contexto mais
zar para o fato de a rede transassociativa,
amplo em termos continentais e regionais em que
nos termos em que foi definida, apresentar-
cada entidade atua. A formação da rede vincula-se
se nos dois períodos, indicando, portanto,
aos processos de abertura e de desregulamentação
certa estabilidade. Além disso, embora te-
financeiras que, em ritmos e graus diversos, fo-
nha-se constatado alterações na posição
ram adotadas pelos governos da região, no bojo
ocupada por alguns grupos ou conglome-
das políticas neoliberais ao longo dos anos 1980 e
rados, aqueles de maior centralidade no en-
1990. A rede transassociativa estrutura a repre-
lace entre as associações de bancos são os
sentação de classe de maneira transnacionalizada21,
mesmos nos dois períodos (Citibank,
com as posições centrais ocupadas por poucos
Santander e Bilbao Vizcaya). A constatação
grupos ou conglomerados financeiros. Elemen-
da presença de três conglomerados centro-
tos históricos que incluam também o papel que
americanos em 2006 é importante mas não
desempenham as demais classes e forças sociais
tenho elementos seguros para comparar com
são fundamentais para uma compreensão melhor
a pesquisa do ano 2000, pois para esse ano
do tema.
não foi possível incluir todos os países des-
sa região e informações mais detalhadas das
instituições financeiras.
Estou consciente de que é possível ampliar a 21 Discussão que pode ser aprofundada à luz do que
análise e explorar mais as possibilidades ofereci- sugere Oliveira (2006).
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REPRESENTAÇÃO DE CLASSE DO EMPRESARIADO FINANCEIRO NA AM. LATINA
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REPRESENTAÇÃO DE CLASSE DO EMPRESARIADO FINANCEIRO NA AM. LATINA
52
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 31-56 JUN. 2007
OUTRAS FONTES
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ANEXOS – REPRESENTAÇÃO DE CLASSE DO EMPRESARIADO FINANCEIRO NA AMÉRICA LATINA: A REDE TRANSASSOCIATIVA NO ANO
54
DE 2006
QUADRO 1 – ASSOCIAÇÕES DE BANCOS INCLUÍDAS NA PESQUISA (AMÉRICA LATINA, 2006)
FONTE: o autor.
NOTAS:
1. A associação resultou da fusão da Asociación de Bancos Argentinos (ADEBA) com a Asociación de Bancos de la Republica Argentina (ABRA) em 1999.
2. A sede da Federação localiza-se em Bogotá.
3. Para facilitar a identificação das Associações adotou-se o nome abreviado do país, identificando-se a entidade no caso do Brasil, da Argentina e da Felaban.
4. A Asociación de Bancos de Uruguay, que atuava em 2000, não foi incluída em 2006 pois estava sem operar neste período.
REPRESENTAÇÃO DE CLASSE DO EMPRESARIADO FINANCEIRO NA AM. LATINA
QUADRO 2 – REDE TRANSASSOCIATIVA: INSTITUIÇÕES, GRUPOS OU CONGLOMERADOS FINANCEIROS PRESENTES NA DIRETORIA DE DUAS OU MAIS
ASSOCIAÇÕES DE BANCOS. CARGOS OCUPADOS (AMÉRICA LATINA, 2006)
FONTE: o autor.
NOTA: Códigos/cargo: 1 = Presidente; 2 = Vice-presidente; 3 = Secretário; 4 = Tesoureiro; 5 = Diretor; 6 = Outro.
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 31-56 JUN. 2007
55
MATRIZ DE FILIAÇÃO – REDE TRANSASSOCIATIVA: CONEXÕES ENTRE AS ASSOCIAÇÕES DE BANCOS PELA PRESENÇA COMUM DE INSTITUIÇÕES FINANCERIAS
56
NAS RESPECTIVAS DIRETORIA (AMÉRICA LATINA, 2006)
FONTE: o autor.
NOTA: os números indicam o total de instituições financeiras que conectam duas associações; a diagonal da Matriz indica o número de instituições que fazem parte da diretoria da entidade
(relação da associação com ela mesma). Casas sem número indicam ausência de conexão (os zeros foram suprimidos para facilitar a leitura da matriz).
REPRESENTAÇÃO DE CLASSE DO EMPRESARIADO FINANCEIRO NA AM. LATINA
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 259-263 JUN. 2007
ABSTRACTS
259
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 28: 267-271 JUN. 2007
RÉSUMÉS
STRUCTURE DE LA REPRÉSENTATION DE LA CLASSE DE L’ENTREPRENEUR
FINANCIER EN AMERIQUE LATINE: LE RÉSEAU TRANSASSOCIATIF EN L’AN 2006
Ary Cesar Minella
Ce travail analyse la structure de la représentation de la classe de l’entrepreneur financier en Amérique
latine et a pour objectif d’identifier, au long de l’année 2006, les connexions qui naissent entre les
associations des banques à partir de la présence partagée des conglomérats ou des groupes financiers
travaillant simultanément dans l’administration de plusieurs organisations, dans plusieurs pays. Notre
hypothèse est la formation de réseaux transassociatifs. Il a été pris en compte 24 associations, dans
17 pays, et 229 postes au total. Les données ont été collectées dans les pages web des organisations,
sur le courrier électronique et par contact téléphonique. Il a été adopté la méthodologie de l’Analyse
de Réseaux Sociaux et une part des résultats ont été comparés aux données disponibles pour l’année
2000. Constats: a) un grand nombre de connexions entre les organisations; b) centralisation sur le
réseau de dix conglomérats ou groupes financiers travaillant dans des associations de banques dans
trois pays ou plus, surtout Citibank et les espagnols Santander et Bilbao Vizcaya; d) les associations
présentant le plus grand nombre de connexions se trouvent en Argentine, au Chili, au Brésil, au
Costa Rica, au Mexique, au Nicaragua, au Panama, au Paraguay et au Pérou. Nous avons conclu
qu’une grande part de la structure de représentation de la classe de l’entrepreneur financier en
Amérique latine est transnationale, ce qui renforce l’hypothèse de la formations de réseaux
transassociatifs, d’où naît la discussion sur la portée et la raison de ce réseau à la lumière de la
littérature internationale.
MOTS-CLÉS: entrepreneur financier; réseaux transassociatifs; associations de banques; structure
de classe; conglomérats et groupes financiers; système financier.
* * *
267