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IMMANUEL KANT CRITICA DA RAZAO PURA OUTROS TEXTOS FILOSOFICOS | | | | E l Seg de Marlena de Sousa Cha Bein Pas) EDITOR: VICTOR CIVITA 98 KANT experiéncia, desta, porém, como determinago dos fendmenos no espago e no tempo em: geral — e, enfim, desta determinagio, sobre a base do principio da dade sinética origivria da apercepglo, enquanto forma do entendimento em relagio com o espago € 0 tempo, formas originsrias da sensibilidade. S6 até aqui considero necesséria a divisio em parigrafos, porque tiahamos 4 ver com os conceitos elementares. Agora queremos lornar compreensivel 0 uso desses conceitos, ¢ @ exposigio podera progredir, sem a mesma divisio, num nexo continuo, di PROLEGOMENOS* “Teadugio de Tana Mari Bernkopt + Teaduid do origina seme: Proleomena su ear jeden hinge Mtaphylt ol ale Wisetchet ‘rd evfraton kone, von Immanuel Kan Riga be haan Harbrcc, 1783. Estes Prolegdmencs no sio pata serem wlilizados por aprendizes, mas por {uturos mesires € estes devem servir, nio para ordenar a exposigao de uma cién cia jA existente, mas para, antes de mais nada, inventarem eles mesmos esta cigncia. HA eruditos para os quais a histéria da filosofia (tanto da antiga como da moderna) é a sua propria filosofia; os piesentes Prolegdmienos nio foram escritos, para eles. Hles devem esperar até que aqueles, que estio empenhados em sorver das Fontes da razdo, tenham levado a cabo sua tarefa: s6 entdo terd chegado a sua vex de dar a conhecer ao mundo o seu trabalho, Na opinifo deles, entretanto, nada que j6 nao tenha sido dito pode vir a sé-o, 0 que de fato pode servir para uma segura previsio do futuro, pois, tendo © conhecimento humano divagado durante séculos de tal maneira sobre inumerdveis assuntos, nao deve ser dificil encontrar para cada obra nova uma antiga, que tenha algumas semelhangas com ela, Minha intensio 6 a de convencer a todos aqueles que consideram valer a ena ocupar-se com a metafisica: € absolutamente necessério abandonar por ‘enguanco seu trabalho, considerar tudo o que jt acontecen até agora como inexis- tente ¢ antes de mais nada langar a questo: "Sera que algo como a metalisiea & realmente possivel?”, a : ela € uma ciéncia, como é que nao obtém, como as outras ciéncias, aplau- s0 undnime e duradouro? Se ela nao é uma ciéncia, como explicar que se vanglo- rie incessantemente sob o brill de uma ciéncia e iluda o entendimento humano com esperangas nunca saciadas e nunca realizadas? E necessério, portanto, che- ‘gar-se a uma conclusio segura a respeito da natureza desta pretensa ciéncia, quer isto demonstre saber ou ignordncia, pois ela nao pode permanecer por mais tempo no pé em que esté. Parece quase ridieulo que cada ciéncia progrida sem cessar, enquanto que esta, que pretende ser a propria sabedoria, cujo oréculo cada homem consulta, continue girando num mesmo efrculo, sem dar um passo adiante. Também seus adeptos se perderam e nem se nota que aqueles, que se sen- tem suficientemente fortes para brilhar em outras ciéncias, queiram arrisear sua fama nesta, onde cada um, mesmo ignorante em tudo o mais, pretende ter o direi to de formular um julgamento decisivo, porque na verdade ainda nio existem neste pais medida & peso seguros para distinguir profundidade de palavreado superficial. 102 KANT Nio 6, pois, de se admirar que, depois de ter elaborado longemente uma cigncia ¢ esteja surpreendido com os resultados, ocorra a alguém perguntar-se: possivel tal cigncia e de que modo? Pois a razio humana gosta tanto de constru ‘que j& por inémeras vezes edificou a torre, derrubando-a depois, para verificar 0 'bom estado de seu fundamento. Nunca é tarde demais para tornar-se racional sAbio; mas ¢ dificil, em qualquer circunstincia, pdr em ago o discernimento, se ele chega tarde. CChegar a perguntar-se se uma ciéncia € possivel pressupde que se duvide da realidade da mesma. Tal diivida, porém, ofende a todos aqueles cua riqueza con- siste talvez justamente neste pretenso tesouro} assim se explica que aquele que deixa transparecer esta civida s6 encontre resistencia 4 sua volta. Alguas, orgulhosamente cdnscios de seus bens, adquiridas hé muito tempo, e por isso ‘mesmo considerados legitimos, irio, com seus compéndios metafisicos na mao, olhé-lo com desdém; outros, que nunca conseguent ver algo que nio seja idéntico ‘0 ja visto em outra parte, nao iro compreendé-lo; e tudo permanecerd as durante algum tempo, como se nada houvesse ocorrido capaz de acarretar ou de Fazer esperar uma transformagio préxima, Do mesino modo atrevo-me a predizer que o leitor, eapaz de penser por si proprio, ira, a0 ler estes Prolegémenos, nfo s6 duvidar da cincia que possui até agora, mas de ficar por conseqiiéncia totalmente convencid de que tal ciénci info poderia ter existido sem que as exigéncias aqui expressas, © nas quais se ba- seia sua possibilidade, sejam atendidas, e como isto até agora nunca aconteceu, rio ha ainda uma verdadeira metaffsica. Mas como a procura por ele nunca pode ser renunciada’ porque o interesse da razo humana universal esté intimamente centrelagado com cla, deveré o leitor admitir, que esté prestes a acontecer uma reforma completa e inevitivel, ou, mais ainda, um renascimento da metafisica segundo um plano até agora desconhecido, mesmo que se queica resist a isto por algum tempo. Desde as tentativas de Locke e Leibniz, ou, mais ainda, desde a ‘metafisica, por mais longe que remonte a sua hist6ria, ndo houve acontecimento algum que fosse mais decisivo em relagao ao destino desta ciéncia do'que a ofen- siva levada a efeito por David Hume contra ela, Ele nao trouxe luz a esta esp de conhecimento, mas despertou uma centelha, na qual se poderia ter acendido ‘uma luz, se ele tivesse encontrado uma mecha inflamavel, eujo arder fosse cuida ddosamente mantido e aumentado, ‘Hume fomou como ponto de partida um ‘nico mas importante conecito da metafisica, ou seja, o da conexdo entre causa e efeito(e, por conseguinte, 0s con- ceitos dai derivados, de forga e de agio, eic.); desafiou a razio, que pretende ter gerado este conceito em seu seio, a responder-lke precisamente com que direito ‘la pensa que uma coisa possa ter sido criada de tal maneira que, uma ver posta, possa-se depreender dai que outra coisa qualquer também deva ser posta; pois seve? Horéio *O-camponts gtr, engunno pas torent: ele porémresvala endo por toda vid. (do) PROLEGOMENOS: 103 isso € 0 que aficma o conceito de cause. Demonstrou de maneitaircefutvel ser totalmente impossivel& razo penser esta conexao a prior’ e« partir de coneetos, pois ela encerea necessidade; ni &, pois, possivel conceber que, pelo fato de uma coisa ser, outra coisa deva ser necessariamente e como scja possivelintroduzir @ priori o conceito de tal conexio, A parti dai concluiu que a razio se engana ‘completamente com este conceito a0 considerélo sua prOpria eringlo, ja que ele nid passa de um bastardo da imaginagéo, a qual, fecundade pela experiéneia, ‘colocou certas representagies sob a Ii da associagao, fazendo passar a necess dade subjetiva que dai deriva, ou sej, um hébito, por uma necessidade objetiva baseada no coahecimento. A partir dai concluiu que a razéo nfo tem a Taculdade de pensar em tais conexdes, mesmo de um modo geral, porque seus conceitos no passariam entio de simples fogSes ¢ todos os seus pretensos conhecimentos prior no seriam mais do que experiéncias comuns mal rotuladas, o que equivale ‘8 afirmar: aio hé em parte alguma enem pode haver uma metafsica.® Por mai a.€ incorreta que fosse sua conclusio, baseava-se pelo menos numa investigagio,e esta investigagio merecia certamente que os bons cé rebros de sua época se tivessem undo para dar ao problema, exposto por Hume, sma solugio talvez mais feliz, © que teria propiciado uma reforma total da ein cia, Mas 0 destino, desde hi muito desfavorivel & metafsiea, nfo permitiu que Hiume fosse eompreendido por alguém. Nao se pose deixar de sentir uma certa pena ao verificar como seus advesérios Reid, Oswald, Beattie ¢ finalmente Pris {ley no haviam pereebido nem de longe o ponto crucial da questi, pois tom ‘vam como ponto pacifico justamente aquilo de que ele duvidava, procurando demonstear, a0 contri, com ardor e muitas vezes com grande arrogincia, aqu- to que Hume jamais pensara em pr em divide, jgnorando de tal mancira 0 1 ‘cen para usna renovago que tudo permanecet no antigo estégio, como se nada tivesse acontecido, A questio nio era se 0 conceito de causa era certo, itil e indispensivel« todo o conhecimento da natureza, pos isso Hume nunca colocara em divida; mas se era coneebido a prio’ pela razio, tendo desta maneira uma verdade interior independente de toda experiéneia e, por conseguinte, wma util dade mais ampla nio limitada simplesmente aos objetos da experiéncia: a res peito disso, esperava Hume umn esclaresimento. Estava em cogitagio apenas a trigem deste conceto © ao sua utilidade indispensivel; uma vex determinada ext origem, apresentar-se-iam espontaneamente as condigdes de sua utilizagio bem como o mbito de sua aplicagéo. Mas os adversérios deste homem célebre deveriam ter penetrado, para que sua tarefa fossesalisfatoriamente cumprida, profundamente na natureza da razio ‘enquanto ela se ocapa apenas com o pensamento puro, o que Ihes era muito peno- 2 Ne obstnte, Hume denominu est mesa Motoiadesteuiva de meas e abut wn sande aloe Musca e mova tele (Yersuhe, pall, 214 da raays sea," 8 aos ma Irportancs da etal; matemsca ea cifncla da aturera alo tin gem ametade do ou val” Ete omen pela vis oi pens lade neptg ri iad des xine apres "pa pn oni cng pera a ner 9 Rs ‘ei maspedu et pt pov qu sade tamara rans rns portance [Gurls pode bar vntde ose lo objetivo de todas a sua asiragbes(W-49.A) toa KANT mento, ou seje, apelar para o entendimento humano comum. E de fato uma gran- de tvs doce pos um cntanent rea (on com eeancrce eae minim cnc ta) Mas deat oie ee es pensa ¢ se diz de refletido ¢ racional, ¢ néo quando € utilizado como oréculo, dinent con wmette qanso ontentoenoe iscieciceee vain tga cag four centodamente amas pecs eae eine Ms cxpans toriecuns paese nina enemas Seen dhrae de reorer'a cate eopete Seeagenta foe pes a en sans nudh mls 60 qos tn apc to Rls tt areas Corbet st mas ees sorte chute panera ee Maron deepsea terns ne Bese pete eee eee Ure nde poesia oe 2c wan rae ees a ee comm para qc ce tlo we prem sas pealaBch ong ss opie minapies pat Geatie tala eran oe tala: Cal © malo podon mele ben arpa wala tne sale oe abi ue pos Bete coat ees AEE Oe Rate cm {sn mane agile ganado or trtaa dr eios chee ee mesratiainiaie pee qande Wik eT a como se denomina a si mesmo, muitas vezes por antiphrasin,? néo possui absolu- tamente nenhum juizo, . is a = Confesso francament Iembranga de David Hume foi justamente o que ha persis wo campo ds Hlnste spesaive une dete eek Bi etara bem loge de dar uve esas consuade’ wos ecleae aae anid fut cae sr peeaoran ee ne So poe dat fimmelo sine’ Quasde pete oc pear eben tena, apr ete aa er tie deems ae onieon os ee poteve cpr wr pone edi nesee de eo a ae pire hems quem ssdewe spon omnes eens onset beLpocite fee sueaate oe foe os sue pula ss omada enna yon! logo Secobl que conete ieconee coke cena alam ni pe ao nnn pos consttuida dio, Procure! asseguar-me de seu nfenero,¢ como isto me fo poss > Por anise, oan (8-40 E) PROLEGOMENOS os vel realizar conforme meu desejo, ou seja, a partir de um dnico principio, passei a tratar da dedugio desses conceitos, os quais, agora tinha certeza, nao haviam sido deduzidos da experiéncia, como pensava Hume, mas originavam-se do entendimento puro. Esta deduglio, que parecia impossivel ao meu perspicaz predecessor e que a ninguém acorrera antes dele, apesar de cada um terse servido ‘esses conceitos com seguranga, sem nem sequer perguntar-se onde se baseava sua validade objetiva, esta dedugdo foi, portanto, a tarefa mais fda que jamais se empreendeu a favor da metafisica; 0 pior nisso foi, entretanto, que a metafisica, ‘ou © quanto existe dela sob este nome, nfo podia trazer-me o minimo aux is « possibilidade de uma metafisica s8 se faz presente justamente por tal dedu- ‘20. Por ter conseguido solucionar 0 problema de Hume, nfo apenas em um caso particular, mas tendo em vista todo 0 poder da razio pura, s6 assim, entio, pude favangar a passos firmes, ainda que Ientos, no sentido de determinar completa- mente ¢ de acordo com principios universsis 0 fmbito da razio pura, tanto em seus limites como em seu conteido, pois i ‘coisa da qual necessi tava a metafisica para executar seu sistema segundo um plano seguro. Receio, porém, que acontega A exposi¢do do problema de Hume, apresen: tada da manzira mais extensa possivel (a saber, a Critica da Razio Pura), 0 mesmo que acontecen ao préprio problema como foi apresentado pela primeira ver, Seré julgada incorretamente, porque nfio & compreendida; néo sera ‘compreendida, porque se tem prazer em folhicar o livro, mas néo em meditar sobre ele; nfo se quereré dispender tal esforgo, porque a obra € drida, obscura, porque 6 contréria a todos os conceitos costumeiros e por demais pormenorizada. Contessa que nao esperava ouvir de um filésofo queixas quanto a falta de popula ridade, entretenimento e comodidade, quando se trata justamente da existencia de ‘um conhecimento de alta relevincia, indispensével 4 humanidade que nao pode ser estabelecido a nfo ser segundo as mais estritas regras de uma exatidao justa, qual se seguicé, com o tempo, a popularidade, mas jamais logo de inicio. A ‘queixa s6 & justa no que se refere « uma certa obscuridade, causada em parte pela ‘extensiio do plano, que niio permite que se deixe de lado os pontos principais, dos ‘quais dependem a investigagao; propus-me entao a sanar esta queixa com estes Prolegémenos. ‘A referida obra, que apresenta 0 poder da azo pura em todo 0 seu Ambito € limites, continua sendo sempre o fundamento ao qual estes Prolegdmenos se referem como meros exercicios preliminares; pois aquela Critica deve ser, enquanto ciéncia, sistemftica e completa até os minimos detalhes, antes de se pensar em permitir que surja a metaffsica ou ter disso a mais remota esperanga. ‘Ta se esti hé muito tempo habituado a ver surgir como novos velhos e gastos cconhecimentos, retirados de suas relagdes anteriores, ¢ dar-ihes uma indumen- téria sistemética, segundo um corte qualquer, mas sob novos titulos; a maioria ‘dos leitores no estard esperando, antecipadamente, nada além disso daquela Cri ica, Estes Prolegdmenos, entretanto, levé-los-fo a ver que esta & uma ciéncia (otalmente nova, na qual ninguém antes havia pensado, da qual a simples idéia cera desconhecida e para a qual nada até agora pide ser de utilidade, a nfo ser 0 106 KANT aceno dado pelas dividas de Hume. Este também nem sequer pressentiv a possi bilidade de tal ciéneia formal, mas, para colocar seu barco em lugar seguro, levou-o até a praia (a0 ceticismo), onde poderia permanecer ¢ apodrecer; em vez disso, me & de enorme importncia dar-lhe um piloto que possa manobrar 0 barco com firmeza, de acordo com os principios seguros da arte néutieg, retirados do conhecimento do globo, ¢, munido de uma carta néutica completa ¢ de um com- paso, levé-lo para onde melhor Ihe parecer. Abordar uma ciéneia nova, isolada e nica em seu género, com 0 precon- ccito de poder juleé-la gragas a pretensos conhecimentos anteriormente adquiri- dos, apesar de ser justamente de sua realidade que se deve, antes de mais nada, dduvidar, néo leva a coisa alguma a nfo ser a erer ver em toda parte aquilo que jé era conhecido em conseqiéncia de uma certa semelhanga de expressdes; 86 que {sto tudo the deve parecer deformado, absurdo e totalmente eonfuso, porque se baseia, nfo no pensamento do autor, mas sempre #6 em seus prOprios, que se tor naram pela forga do habito uma maneira de pensar tornada natuceza, Mas & extensio da obra, na medida em que se funda na propria ciéncia e nio na sua exposigio, sua inevitivel aridez e sua exatido escoléstica passam a ser qualida- ddes_vantajosas & coisa em si, tornando-se ao livro, entretanto, bastante prejudiciais, verdade que nem a todos & dado eserever tao sutil¢ atrativamente como David Hume ou to profunda ¢ ao mesmo tempo elegantemente como Moses ‘Mendelssohn; é certo que poderia ter dado um eariter popular & minha exposigao (Como me lisonjeio) se meu intuito fosse criar um plano, recomendando a outros sua execugio ¢ nio levasse tio a sério bem ca ciéncia, que hé tanto tempo me ‘cupa; pois requeria muita constincin e no menor abnegaciio ceder 0 atrativo de ‘uma acolhida favordvel e mais répida a0 aplauso tardio, mas duradouro. Fazer planos é, na maioria das vezes, uma exuberante ocupagio do espitito, uma fanfarronice pela qual se toma ares de génio criador, ao se exigir 0 que no se pode produzir, a0 censurar 0 que nio se & capaz de fazer melhor e ao propor aquilo que nem se sabe onde encontrar, se bem que seria necessirio, para um plano sério de uma critica geral da raz20, muito mais do que se pode supor, se nao se quiser que ele se torne, como é comum, uma simples declamagio de piedo- 0s desejos. Pois a razio pura é uma esfera tao isolada, tio completamente cone- xa.em si mesma, que nio é posstvel tocar em uma de suas partes sem que se atinja todas as outras, e nada se pode fazer sem ter determinado a cada parte o seu lugar e sua influéneia sobre as outras; porque nada, a nio ser ela, poderia corcgir inte riormente nosso juizo; a validade ¢ utilidade de cada parte dependem da relagio ‘que existe entre ela e as outras na propria razio, ¢, como acontece na estratura de lum corpo organizado, a finalidade de cada um dos membros s6 pode ser deduzida do conceito completo do todo. Partindo dai, pode-se afirmar de tal Critica que ela ‘nunca sera digna de confianca, se nio estiver integralmente acabada até os mini- ‘mos elementos da razdo pura, e que, na esfera deste poder, ou se deve determinar «regular fdo ou entio nada, Mas se um simples plano que precedesse o da Critica da Razdo Pura fosse PROLEGOMENOS 107 ininteligivel, indigo de confianga e indi, tanto mais til ele seria seguindo-se-the tna ordem do tempo, Pois com isto estar-se-& apto a ter uma visio do conjunto, a ‘examinar, pega por pega, os pontos principais que importam nesta cincia e poder ispor melhor alguns detalhes da exposigio do que se podia fazer na primeira redagilo da obra. Este 6, portanto, um plano desta espécie, posterior & obra concluida, estabe- lecido em método analitc, jé que a obra propriamente dita teve que ser redigida de acordo com o méfodo sintéti, a fim de que a ppudesse mostrar todas lagSes como a estrutura de um poder particular de conhecimento fio natural, Quem ainda achar obscuro este plano que antecipo como Prolegémenos a toda metalisica futura, pensar que nao é necessirio que todos ‘estudem metafisiog, que ha alguns talentos que aleangam certo sucesso em ci cias s6lidas e mesmo profundas, as quais se aproximam mais, porém, da intuigao, este nfo conseguiré triunfar nas investigagées através de conceitos puramente deduzidos, ¢ deve entao, neste caso, aplicar seus dons intelectuais em outro obje- to; que aquele, porém, que se proponha a julgar a metafisica, ou pretenda mesmo criar uma, atenda totalmente as exigéncias aqui formuladas, quer accite minha solugio, quer a refute at6.0 fundo, colocando outra em seu lugar — pois nfo pode repeli-la; € que finalmente a tio decantada obscuridade (uma habitual desculpa para a propria comodidade e incapacidade) tenha sua utilidade, jé que todos aqueles que guardam cautcloso silencio, em se tratando de outras ciéncias, falam rmagistralmente em questies da metafisica ¢ as resolvem com ousadia, porque sua ignordneia nfo conteasta claramente com a ciéncia dos outros, mas com certeza com os verdadeiros prinefpios criticos, dos quais podemos afirmar com razio: ignavum, fucos, pecus a praesepibus arcent.* + Arbutces 1 ds coho sbano aio PROLEGOMENOS Adverténcia preliminar a respeito das peculiaridudes de todo conhecimento metafisico § 1. Dasfontes da metafisica Quando se pretende apresentar um conliecimento como ciéncia, & necess rio, antes de mais nada, poder determinar precisamente seu caréter, 0 que ela nio {fem em comum com nenhuma outra, € que Ihe é portanto, peculiar; caso contré- rio, confundem-se os limites de todas as nenhuma delas pode ser trata da profundamente de acordo com sua natureza. Quer esta peculiaridade consista na diferenga do objeto ou das fontes do contecimento, ou ainda do modo de conhecimento, de algumas destas coisas Seno de todas juntas, é sobre isso que se baseia antes de tudo a idéia da possivel ciéncia ede seu domini Primeicamente, no que se refere ds fonts de um conhecimento metafiscos ja est ito em seu coneceito que elas no podem sér empiricas. Sous prinipios (os quais pertencem no s6 seus axioms, mas seus conceftos fandamentais) nao dlevem ser tirados da experiéncia pois 0 conhecimento deve ser metafisica e nio fisico, ito & estar aléim da experiéncia. Logo, nem s experigncia externa, que é a fonte da Fisica propriamente dite, nem a interna, que € a base da Psicologia emp rica, constituem o seu fundamento. Ela é portanto, conhecimento a priori, de ‘entendimento puro ou derazio pura, Mas assim ela nao teria nada que a distinguisse da matemitica pura; ela deverd chamar-se, entio, conhecimento filséfico puro; a respeto do significado desta expresso, refiro-me na Critica da Razio Pura, p. 712.¢ seguintes,* onde std clara satisftoriamente apresentada a diferenga ente estas duas manciras do uso da razio. — Isso era o que finha a dizer acerea das fontes. mento metal § 2 Dautatca espécie de conhecimento que pode ser chamado metafisico 4) DA DIFERENCA ENTREJUIZO SINTETICO B ANALITICO BM GERAL ‘© conhecimento metaffsico deve conter juizos a priori isto exige a peculiari- dade de suas fontes. Ora, tenham os juizos a origem que tiverem ou se apresentem ‘em sua forma logica como quiserem, existe uma diferenga entre eles pelo seu con: ® xfs do aorta come ours no tat, tem como bate eg lend Welehadl 1958. (N, aE) PROLEGOMENOS: 109 teido, que fez com que sejam simplesmenteexpliativos e nada acrescentem 20 conteiido do conhecimento, ou extensives ¢ ampliem 0 conhecimento dado; os primeros podem ser denominadosjuizesanalicos eos segundos sinéticos. ~ 0s julz0s analiticos no afirmam no predicado nada que jé no tenha sido pensado no conceit do sujeito, embors com menos elarezae conseiéncie, Quan. do ea digo: todos 05 corpos sio extensos, nao tee! ampliado em nla meu con- crito de corpo, mas apenas odecompus, pois aextensio daquele conecito ja havia sido realmente pensada ants do juizo,apesar de nfo afrmada explcitaiente; 0 jufzo € pois, anaitic, Ao contritio, » proposgio: alguns corpos sio pesados. coniém algo no predicado que néo € pensado realmente no conceito geral de corpo: ela aumenta, portanto, meu conhecimento. ao acrescenta algo 0 meu coneeito, ¢ deve por isso ser denominada um juizo sintético. 18) O PRINCIPIO COMUM DE TODOS OS JUIZOS ANALINICOS £ (OPRINCibrO DE CONTRADICAO Toclos os juizos ansliticos repousam fundamentalmente sobre o principio de_ contradicio e sio por sua natureza conhecimentos a prior, sejamn os eonceitos que thes servem de matéria empirieos ow nao. Pois, tendo o predicado de um juizo analitico afirmativo sido pensado ja no conceito do sujeito, nio pode por ele ser negado sem que haja uma contradigiio; do mesmo modo, deve ser necessaria- ‘mente negado 0 seu contrério, num juzo analitico mas negativo, pelo sujeito, € isto em conseqiiéncia do principio de contradiglo. Assim acontece com as propo: igdes: cada corpo € extenso por natureza, e: neahum corpo é inextenso (simples) por natureza. Justamente por isso sio todas as proposigdes analiticas juizos a prior, ‘mesmo que seus conceitos sejam empfricos, por exemplo: ouro é umm metal amare 4 pois, para saber isso, nao preciso de outra experiéncia além do meu conceito de ouro, 0 qual contém que este corpo & amarelo ¢ 6 metal; pois iso ja const ‘© meu conceito e eu nao fiz nada a nio ser desmembré-lo, sem precisar recorrer ‘a nada além dele, (©) Julz0s SINTETICOS NeCESSITAM DE UM OUTRO PRINCICIO (QUEO DE CoNrRADICAO Existem juizos sintéticos @ posterior! cuja origem & empirica; mas existem também aqueles que so certos a priori e originamse do entendimento puro e da io totalmente diverso, embora, qualquer que seja 0 ee 1. devamn sempre derivar de acordo com o principio de coniradlgao; “pois nada pode ir contra este principio, apesar de nem tudo poder derivar dele. ‘Quero agora classificar 05 juizos sintéticos. - 1) Jufzos de experiéncia sio sempre sintéticos. Pois seria absurdo funda- ‘mentar um juizo analitico na experiéncia, ja que nfo preciso ir além do meu con- ho KANT ceito para formular um juizo ¢ nfo & necessério para isso recorrer ao testemunho da experitncia. Que um corpo & extenso & uma proposigio j estabelecia a prio- 71, ¢ nao um juizo de experiénca. Pois, antes que eu chegue & experiénca, tenho 4 todas as condigies para o meu julzo no conceito, do qual 36 posereiextrair 0 predicado de acordo com 0 principio de contradiglo e com isso torno-me Ao mesmo tempo eonsciente da necessidade do juizo, © que jamais me ensinaria « Pe) Tikos mateméticos séo em conjunto sintéticos. Esta proposgio parece ter escapado até agora aos analistas da razio humana, parece até opor-se em Finha reta a todas as suas suposiges, apesar de ser incontestavelmente certa e por ‘conseqiiéncia muito importante. Pois por se achar que #s conclusbes dos matemé- ticos seguiam todas o principio de contradigao (o que exigc a natureza de qual- ‘quer certeza apoditia), asim se chegou & persuasio de que também os principios a, isto , 0 todo & maior que ‘sua parte. Entretanto, mesmo estes principios, se validos por simples conccitos, 86 so permitidos na matemética porque podem ser repre: {que nos faz acreditar comumente que o predicado de tis j {a presente em nosso conceito e o juizo soja, portanto, analitico, é simplesmente ‘ ambigiidade da expressdo. Devernos, a saber, pensar para o conceito dado um determinado predicado e esta necessidade jé€ inerente aos conceitos, Mas a ques- tio no € 0 que devemos pensar para 0 conceito dado, mas 0 que pensamos real- ‘mente nele, apesar de obscuramente; ai fica evidente que 0 predicado esté intima mente ligado de mancira necesséria dqueles conceitos, nfo imediatamente, mas ppor meio de um intuigao que lhe deve ser acrescentada, § 3. Observagdo para a divisdo geral dos juizos ‘em analiticos e sintéticos Esta divisio ¢ indispensével no que diz respeito & ‘humano © merece por isso ser cléssica ne: dizer se ela teria considerével utilidade em outro campo qualquer. E aqui encon- {ro também a causa de 0s filésofos dogméticos terem em geral procurado as {es dos juizos metafisicos sempre apenas na propria metafisica e nunca fora dela, nas I da razio, Estes filésofos menosprezaram esta divisio que parece oferecer-se:por si mesma e como o famoso Wolff, ou 0 perspicaz. Baumgarten, ‘que Ihe seguiu as pegadas, puderam procurar a prova para o principio de razio suficiente, manifestamente sintético, no principio de contradig&o, Ao contrério ja cencontro nos Ensaios de Locke sobre o entendimento humano um aceno para esta divisio. Pois, no quarto livro, terceiro capitulo, § 9 e seguintes, depois de jé haver falado antes do diverso modo de conexio das representagdes em juizos e de suas fontes, onde ele cotoca uma delas na identidade ou contradig&o (juizos analiti 08), a outa, porém, na existéncia das representagies num sujeito Guizos sintéti- 03), confessa enfim, no § 10, que nosso conhecimento (a priori) da ltima é ‘muito restrito © quase nulo. Mas contém to pouca determinagio e regularidade ‘o que ele afirma desta espécie de conhecimento que no nos devemos adimirar que ninguém, nem mesmo o préprio Hume, tenha aproveitado a ocasido para tecer considcragdes sobre esta espécie de proposigaes. Pois tais principios universais e nao obstante determinados no podem ser aprencidos facilmente de outeas pes- ssoas que apenas os pressentiram obscuramente. Deve-se chegar a eles primeiro ‘Por reflexio propria, depois entao se pode aché-los em outro lugar, onde segura ‘mente no se teria encontrado nada antes, porque nem sequer os préprios autores y mm KANT sabiam que suas proprias observagdes tém como fundamento tal idéia. Os que ‘nao pensam nunca por si mesmos possuem, entretanto, a perspicécia de encontrar tudo, depois que thes foi mostrado, naquilo que jé havia sido dito e onde ninguém antes pudera ver. A questio geral das Prolegdmenos é, em ‘geral, possivel d metafsica? 84. Fosse real metafisica, que se pudesse afiemar como cineia, poder-se entfo dizer: aqui esté a metafisica, vés podeis aprendé-a e ela convencer-vos-é icrsitivel e invariavelmente de sua verdade; sta pergunta seria entio desneces- siria e permaneceria apenas esta outra, que se refere mais num exame de nossa perspicicia do que a prova da existéncia da coisa em si, ou seja, como € possivel @ metafsica © como comesa a razio para chegar até ela? $6 que neste caso a ‘azo nio teve tanta sorte, Nao se pode apresentar um fnieo livro, como sees ‘esse mostrando um Eucides, ¢afitmar: ito 6 metafisica, aqui encontrais 0 mais nobre objetivo desta ciéncia, o conhecimento de um ser supremo e de um mundo futuro, provados a partir de prinipios da razio pura. B certo que nos podem ser apresentadas muitas proposigdes, apoditicamente certas © nunca contestadas; mas elas sio em conjunto analiticas ¢ referem-se mais ao material ¢ 20s ins teumentos de construgio da metafisia do que & ampliagio do conhesimento, que deve ser a nossa verdadciraintengio para com ela (§ 2,€.). Mas, se apresentacdes logo também proposigdes sintéticas (por exemplo, o principio de razdo sulciente) 4que vbs nunca provastes a priori a partir da simples Fazio, como era vosso dever, ‘as que se concede com prazer vis, assim cals, quando quereis seevir-vos dela para vosso objetivo principal, em afirmagies tio inadmissveis ¢ inseguras que tna metaisica contradiz a outra para todo o sempre, que ito se refira as ped Prias afirmagGes, quer as provas,¢ com isso tra destruido sua prépria pretensio 4 um aplauso duradouro. As primeiras tentatvas de realizar tal eiéncin fora sem divida a primeira eaysa da precoce manifestagio do ceticiemo, uma mai de pensar onde a razio procede tao violentamente contra si mesma que ela m poderia fer surgido a nao ser em total desespero quanto a salistazer suas portantesaspiragdes. Pos, muito tempo antes de se comegar a interrogar melo dicamente a natureza, intertogou-se apenas a ra2i0 isolada, que jé havia sido exercitada, de certa maneira, pela experigncia comum; porque a razi0 nos esta sempre presente, as leis da natureza,entretanto, precisam ser procuradas com- mente com grande esforgo;¢ assim « metafisica flutuava como espuma, mas de tal mancira que quando uma, que se havia criado, se desfazia, imediatamente aparecia outra na superficie, que era, sempre recolhida com sofreguidio por alguns, enquanto outros, ao invés de procurarem na profundeza a causa deste i | PROLEGOMENOS 13 aparecimento, consideravam-se muito sabios porque zombavam dos baldados esforgos dos primeiros, O essencial do conhecimento matemético, puro que o distingue de todo 0 ‘outro conhecimento a priori & que ele munica deve it adiante a partir de conceitos, ‘mas sempre ¢ somente a partir da construcio de conceitos (Critica, p, 713) ‘Como, porém, ele deve ir em seus principios além do conccito e alcangar aquilo 4ue-contém a intuigo eorrespondente 40 mesmo conceit, assim nao podem nem cevem seus prineipios ser obtides por desmembramento de conceitos, isto &, analiticamente,¢ sao por isso todos sintéticas. No posso deixar de apontar aqui 0 prejuizo que constituiu para a flosofia © fato de uma observagio aparentemente tio simples e insignificante ter sido des- ccurada. Hume, quando sentiu a vocagao digna de um filésof0, ow sea, langar 0 olhar sobre todo o campo do conhecimento a priori, no qual o entendimento hu- ‘mano se arroga tio amplos dominios, eliminou irrefletidamente toda uma provin- ‘cia da mesma, na verdade « mais considerdvel, ou seja, a matemética pura, par- Lindo da suposigio de sua natureza, e par assim dizer sta constituigao, se andar «em prinepios completamente diversos isto 6, meramente no principio de contra- digo; apesar de le ndo ter feito a divisto dos prineipios tio formal ou geral ou usando as mesmas denominagSes que eu uso aqui, o fez, porém, de tal mancira ‘que equivaleria a afirmar: a matematica pura contém apenas proposigées anatiti- ‘cas, mas a metafsica, sinétieas a priori. Mas aqui ele se enganou muito e este en ‘gnno teve conseqiéncias decisivamente prejudiciais para seu coneeito, Pois, se isto nio tivesse acontecido com ele, teria ampliado sua pergunta quanto a origem de nossos juizos sintéticos, indo muito além de seu conceito metafisico de causali dade, estendendo-a sobre a possibilidade da matemétiea a priori, pois esta ele também deveria ter tomado como sintética. Neste caso, porém, nlo teria podido fundar suas proposigdes metafsicas na simples experigncia, pois sendo teria sujei- tado da mesma forma os axiomas da matematica pura A experiéncia, para o que cle era por demais perspicaz. A boa companhia que a metatisiea teria encontrado a teria assegurado contra o perigo de um mau trato indigno, pois os golpes desfe- ridos contra a dltima teriam atacaco também a primeira, o que ele nao pretendia, ‘nem podia pretender. Assim teria sido levado este homem perspicaz a considera. ses que deveriam terse (ornado anilogas ds que nos ocupam agora, mas que te- ‘iam lucrado imensamente com a inimitavel beleza de sua exposigao. Os jui2os metafisicos propriamente ditas sio todos sintticos. De ingui 03 juizos que pertencem @ mezgfisea dos ue ao propre sicos. Ente squl ‘que sao todos a, por exemplo, 0 de sariamente A metafsica os juzos, que sma, por exemplo, substincia&equilo a a im onclto puro do entendiment (como os conti na metafiles) no val ediante 4 KANT senfio pelo desmembramento de cada um dos outros conccitos empfricos, que no Bertencem & metafisica (por exemplo, o ar & um fvido eléstico, cujaelasticidade ‘io € suprimida por nenhumgrau conhecido de baixa teraperatura), que 0 conceit, ¢ no o jufzo analitico, éna verdade metafisico: pois tem algo peculiar ¢ préprio dela na produglo de seus conhecimentos a prior, 0 que deve ser diferenciado do que ela possui em comum com outros conhec- mentos do entendimento; assim é, por exemplo, a proposiglot tudo que nas ¢ sas &substincia, & constante;uma proposigio sintti Quando se reuni ea (os a priori que constituem s matéria € 0 instrumento de construgio da metafi- sica, entio € de grande valor 0 desmembramento destes conecitos. Também podem ser os mesmos expostos separadamente como uma parte especial (assim como philosophla definitive), que contém apenas proposigSes analiticas perten cents & metafisica, separadamente de todas as proposigSes sintéticas que coast tuem a prépria metaisica, Pois tais desmembramentos nao tém, de fato, em ne ‘hum lugar uma utiidade tio relevante como na metafsia, isto é, no que se tefere as proposigdes sintéticas, que devem ser produzidas daqueles conceitos previamente desmembrados, A conclusio deste parigrafo 6 pois, que a metafisca tem a ver, na verdade, com proposigées sintéticas a priori e somente estas constituem seu objetivo, para wal ela necessita certamente de alguns desmembramentos de seus conccitos, _portanto de jufz0s analiticos, mas o procedimento nada mais é como em q “quer outra espéeie de conhecimento, que procurar tornar elaros, por desmembra mento, seus conceitos. Somente a’ produgao do conhecimento a prior, tanto tigio como os conceitos, bem como, finalmente, segundo proposi bes si 4 prior, isto no conhecimento filosfico, constituem 0 contetdo essencial da metafisica, Cansados, portanto, do dogmatismo, que nao nos ensina nada, e ao mesmo tempo do ceticiimo, que de modo geral nada nos promete, ncm mesmo a trangi lidade licita da ignordncia, impelidos pela importanein do conhecimento que jul ‘Bamos possuir, ou que se nos oferece sob o titulo de razio pura, resta-nos apenas ‘uma pergunta critica, sob cuja resposta podemos regular nosso eomportamento futuro: é em geral, possivel a metafisica? Mas esta pergunta nao deve ser respo dida por objegdes céticas contra certas afirmagies de uma real metafisica (pois até agora nio consideramos nenhuma valida), porém 36, pelo conceito ainda a Razdo Pura procure tcater desta questéo sinteticamente, ou seja, propria razio pura e procurando determinar fonte os elementos bem como as leis de seu uso puro segundo prineipios. Este tra batho & arduo e exige um leitor deciido a, poco e pouco, penetra pelo pense- ‘mento num sistema que no tem como fundamento nenhum dado a nfio ser a pré- ‘em nenhum fato que procure desenvolver pria razio, e sem apoiar-ce, portant ‘conhecimento a partir de seu embrido origitrio. Os Profegdmenos devem se 20 contrério, de exercicio preliminar; devem ser mais para mostrar o que se tem | Piece eee eee PROLEGOMENOS 11s a fazer para teazer & realidade uma ciéncia, onde for possivel, ¢ ndo tentar exp6: Ja. Eles devem, pois, apoiar-se em algo que ja se conhece como digno de confian- {98 de onde se pode partir com seguranga ¢ remontar as fontes, que ainda no se ‘conhecem e cuja descoberta nfo esclarece apenas aquilo que jé se sabia, mas que apresentaréi ao mesmo tempo um conjunto de muitos conecimentos que nascem todos das mesmas fontes. O procedimento metédico dos Prolegémenos, princi- palmente daqueles que devem preparar para uma futura metafisica, serd, portan- to,analitco. Embora nio se possa admitir que a metafisica seja real como ciéneia, feliz ‘mente podemos afirmar com seguraniga que um certo conhecimento sintético puro 4 priori € real e dado, a saber, matemétiea pura e ciénela pura da natureza; ambas _contém proposigSes apoditicamente certas, seja através da simples razdo, seja através do consentimento geral adquirido pela experiéneia, ¢ apesar disso univer: salmente reconhecidas como independentes da experigneia, Possuimos, portanto, ‘40 menos algum conhecimento sintético « prior’ incontestado e nfo devemos per. guntar se ele & possivel (pois cle ¢ real), mas apenas como ele é possivel, para podermos derivar a possibilidade de todos os outros do principio de possibilidade do conhecimento dado, Questio geral dos Protegémenos; como é possivel ‘um conhecimento pela razio pura? $5 Vimos acima a considerdvel diferenga entre j : idade de proposigdes analiticas péde ser facilmente concebida, pois cla se la exolusivamente no principio de contradigfo. A possibilidade de propo as radas da experiéncia, nfo neces , pois a prépria experiéncia nada mais € do a reuniio (sitese) de pereepgdes, Restam-nos, portanto, apenas _proposigdes sintétieas @ priori euja possibilidade deve ser procurada ow invest ‘zada, porque ela deve basear-se em outros prineipios que néo 0 principio de ‘Mas no devemos aqui procurar primeiro a possibilidade de tais propo 98es, isto é perguntar se so possiveis. Ha um nimero suficiente delas e de fato io sio dadas realmente com indiscutivel certeza. Como 0 método aqui seguido ‘agora deve ser analitico, nosso ponto de partida ser& que tal conhecimento sinté tico, porém puro, da razio realmente existe, Em seguida, devemos lnvestigar 0 fundamento desta possiblidade e perguntar como 6 possivel este conhecimento, ara que possamos estar em conigdes de determinar, a partir dos principios de sua possibilidade, as condigdes de seu uso, seu mbito e seus limites. A. verda- deica tarefa da qual tudo depende, expressa com precisio escoléstica,é, pois i i 16 KANT. Como sio possivets pro Coloquei-a aeima por anior & popilaridade, em termos um pouco diferentes, ou seja, como uma questio do conhecimento pela razio pura, o que poderia fazer agora sem preuizo para o conhecimento procurado, porque, tratendo-se aqui apenas da metafision e de suas fonts, espero que, depois das edvertEncias feitas preliminarmente, todas se lembrem sempre de que, quando falamos aqui de Conhecimenta pela razio pura, nfo se testa nunca do analitico, mas unicamente do sintétiw.* Da solugdo desta tarefa depende a permanéncia ov o desaparecimento da metafisica . portanto, toda a sua existéacia. Podera alguém expor suas firma: 95es a respeito da mesma com a maior verossimilhanga, acumular conelusdes Sobre conclusies até sufocar, mas se ele no pide antes responder sat Fiamente a esta questo, entao tenho o dieito de afirmar: isto tudo nao passa de ft e infundada filosofia€ de falsa sabedoris. Falas por meio da razéo pura ete arrogas 0 direito de eriar, o mesmo tempo, conhevimento @ prior, nio somente ‘desmembrando conceitos dados, mas apresentando novas conexdes, que nfo se fundam no principio de contradigfo, ¢ que todavia julgas descobrie independen. temente de toda experiéncia; como chegas a isso, e como pretendes justificar-te de semelhantes arrogancias? Néo te pode ser concedido apelar para 0 assentimento da razio humana comum, pois esta € uma testemunha, cuja autordade repou apenas nos boatos piblicos. ‘Quodewmgue astendis mihi sic, ineredulus odt.” (Horécio.) Por indispensavel que seja a resposta a esta questio, ela & ao mesmo tempo dite, e, apesar de a principal causa de nio se ter tentado respondé-ta mais cedo residit no fato de ninguém ter jmaginado que tal coisa pudesse ser questionada, enti € uma segunda causa o fato de uma resposta satisfatria exigit uma refle- sxio muito mais continua, mais profunda e mais penosa do que a exigida, em tempo algum, pela mais extensa obra da metafisce, que desde seu aparecimento tenha prometido imoctaidade a seu autor. Também deve todo letor razodvel, Se meditar atentamente sobre as exigéncias desta tarefa, assustado a prinefpio com sua diffculdade, tomé-la por insokivel e, se nio existise realmente tal conheci- mento sintétice puro « prior, por totalmente impossive; isso eeonteceu real- ments a David Hume, apesar de ele nio se ter proposto a questéo nem de longe com tal universlidade, como acontece aqui e deve acontecer, se mister a res- posta tomnar-se decisiva para toda a metafisics. Pois como & possive, afirmava 0 perspicaz homem, que, quando me & dado um conesto, eu posse ir além do * cuando ocontecinente aanga pouco a puso. £mposiel evita que ete expe jk lisse, que ‘emontam infin da ctl, dea ser onidran nalts e pedis eq wm cate w nv0 ‘ina edcquda vet elena perigo de confsio. © modo anata egunato coro 2 snc, {alg eompletanancedirerte dew complero de proposes anaes signifi apense que pate Sagal qu anal, como te teste sid dao, ee chega i candies sob as quis somente€ pos Neste mito empcegiese feientemente apenas proposgessiniss, do que dam excplo a anne instemcae pogeria sr mehordenaminago de modo resresiv em coatepsisio cm 0 snco Gu Progesive O ermo ana & tambien ma pare pgp da Wye, e enti & a gen da verdad, ‘onrapondo-se 8 dain, scm ut © lve om conieragio eos ebecinentos a el pvenentes slo oaios oy sitios. (80 A) PO que axsim me moses, kare elo (N. do B) PROLEGOMENOS WwW mesmo e conecté-lo com um outro, que nem sequer esti contido naquele, ¢ de tal mmaneira como se pertenesse necessariamente a ele? S6 a experiéncia pode nos dar tais conexdes (assim concluiu partir daquela dificuklade que considerou lidade) e toda aquela suposta necessidade, ou, o que é a mesma coisa, nto considerado a priori, nada mais é do que um longo habito de consi dderar algo verdadeiro e dat tomar a necessicade subjetiva por objetiva. Se 0 leitor queixar-se da fadiga ¢ esforgo que Ihe causarei com a solugao desta tarefa, deverd entio tentar resolvé-la por si mesmo ¢ de maneira mais facil ‘Talvez se sinta entfo ligado Aquele que tomou, por ele, a seu encargo tarefa de tfo profunda investigagio, e deixe transparecer alguma admiragio pela facilidade que péde ser dada & exposigdo pela natureza do assunto, além disso custou um esforgo de anos solucionar esta tarefa em toda a sua universalidade (no sentido ‘em que os matemiticos usam este termo, isto é,estendendo-o a todos os casos) € poder apresenté-la Finalmente em forma analitica, como o leitor ir& encontré-ta aq “Todos os metafisicos estio, portanto, solene ¢ legitimamente suspensos de suas ccupagies, até que tenham respondido satisfatoriamente & pergunta: Como sio possivels eonhecimentos sintéticos a priori? Pois apenas nesta resposta con- sistem as credenciais, que deveriam apresentar, quando tiverem algo 2 nos dizer fem nome da razio pura; na falta delas, porém, no podem esperar mais nada, de pessoas ja tantas vezes iludidas, que a repulsa, sem qualquer investigagao ulterior do que é por eles proposto. ‘Se quiserem, ao contrério, levar adiante sua tarefa, nfo como ciéncia, mas como uma arte de persuasses salutares e convenientes ao entendimento hiumano comum, nao se Ihes pode negar, por justiga, tal missio. Utilizaréo neste caso a Jinguagem modesta de uma fé racional, admitirdo que nao thes é permitido confe turar sobre aquilo que esta além de toda a expei possivel, muito menos Saber, nas apenas adniltir algo (nko para o uso especulativo, pois devem renun lar a ele, mas unicamente para o pratico) que é possivel e mesmo indispensivel para guiar o entendimento e a vontade na vida. Somente assim poderdio merecer ‘o nome de homens ites ¢ sAbios, ¢ tanto mais ainda se renunciarem a0 de meta 0s, pois estes querem ser filésofos especulativos, © como, quando se trata de i20s a priori no se pode contentar-se com simples verossimilhangas (pois aqui lo que & conhecido a prior’ pela aficmagio & declarado como neeessério juste imente por isso), entao nao Ihes pode ser permitido jogar com suposigBes, mas sua afirmagio deve ser ciéncia, ou entio ela ndo é em geral coisa alguma. Pode-se afirmar que mesmo toda a filosofia transcendental, que precede nevessariamente toda metafisica, nada mais & do que a simples solugao completa dda questio aqui colocada, mas sinteticamente ordenada e pormenorizada, € que no houve até agora nenhuma filosofia transcendental; 0 que disso tem o nome é apenas uma parte da metafisiea; aquela ciéncia deve, porém, tornar possivel a iil tima e, portanto, preceder toda metafisica, Se, para responder a uma tiniea ques. to satisfatoriamente, € necesséria uma ciéncia totalmente nova, bem como 0 auxilio das outras, no 6 de se admirar que a solugao da mesma esteja ligada a esforgo e dificuldade e até mesmo a certa obscuridade. 18 KANT ‘Ao encaminharmo-nos agora a esta soluglo, ¢ isto pelo método analitico, no «qal pressupomos que tais conhecimentos pela razlo existem realmente, podemos feferir-nos apenas a duas eféncias do conhecimento teérico (0 tnico tratsdo aqui). ‘ou seja, matemétiea pura e ciéncia pura da natureza, pois apenas elas podem apresentar-nos os objetos na intuigio, e, se nelas ocorresse um conhecimento a prior, mostrar a verdade ou a concordéncia deste confecimento com o objeto em. conercto, isto & sua realidad i até 20 fundamento de em muito a tarefa, na qual as ‘observagdes gerais ndo se aplicam apenas aos fatos, mas até mesmo partem deles, enquanto que no método sintético devem ser deduzidas inteiramente em abstrato de conecitos. ‘Mas; para ascendermos destes conhesimentos puros a priori ¢ 20 mesmo tempo fundados a uma metaisica possivel que procuramos, ou seja, uma metatt sica como ciéncia, necessitamos daquilo que a propicia, daquilo que, como sin ples conhecimento @ prior, naturalmente dado, mas nio insuspeito quanto a sua verdade, € 0 findamento da mesma, daquilo que & elaborado sem qualquer inves. tigagio crtica de sua possibilidade, jé € denominado metafsica, com outras pala- ‘as, a disposigdo natural para tal eiéneia esté entce nossas principais questbes assim, «questo principal via em quatro cutrasqustzs €pouco& veo 1) Como 6 possivel a matemétiea pura? 2) Como & possivel a ciéncia pura da natureza? 3) Como & possivel a metafsica em geral? 4) Como € possivel a metafisica como eténcia? Vejase que, se principalmente a solugio destas tarefas deve constituir 0 con- teiido essencial da Critica, cla tem ao mesmo tempo algo peculiar, que por si merece atenglo, ou seja, levar a procurar as fontes das cigncias dadas na propria razio, para assim investigar ¢ medir pela propria agio 0 poder da razio de conliecer algo a priork, Por meio disto saem ganhando estas mesmas ciéncias. apesar de niio no que se refere a seu conteddo, mas no que diz respeito a seu uso certo ¢, no momento em que trazem luz a uma questio mais alta devido a sua ori ‘gem comum, dio ao mesmo tempo motivo a que sua prépria natureza seja melhor clucidada. PRIWEIRA PARTE DA QUESTAD TRANSCENDENTAL PRINCIPAL, Como & possivel a matemética pura? 56 ‘Aqui esté um conhecimento vasto e provado, de Ambito jf agora admirével, {que promete um erescimento ilimitado no futuro, que comporta certeza apoditica, isto 6 absoluta necessidade, nfo se baseando em nenhuma espécie de funda- rmentos de experiéncia: 6 portanto, um produto puro da razio, mas além disso i azo humana constituir totalmente a priori tal © (0?” Este poder, que ndo se apdia nem pode se apoiar em experién- clas, nao pressupée algum fundamento de conhecimento a prior, profundamente ‘cculto, mas que se poderia revelar por estas suas agdes, se se aplicasse a investi ‘gagiio dos primeiros infcios das mesmas? $7 Consideramios, porém, que todo conhecimento matemético possui esta pecu: liaridade de ter de apresentar seu coneeito primeiro na intuigdo e a priori © com isso no numa intuigio empltiea mas pura, sem © que nio Ihe é possivel avangar ‘um passo sequer; por tal motivo seus juizos npre bnuitivos, enquanto que a filosofia pode contentar-se cont jufeos discursivos de simples conceitos e expli cca sua doutrina apoditica por intuigo mas nunca pode derivé-ta dat. Esta obser- ‘vagiio com relagio a natureza da matemética dé-nos uma indicagao sobre a meita e suprema condigio de sua possibitidade: deve haver um fundamento de “uma intuipdo pura qualquer pela qual apresenta ela tod erelo € no estudo a priori, ou, como se denomina, poder const ppudermos descobrir est intuigo pura e eva possibilidade, entéo ser& possivel explicar facilmente como proposigdes sintéticas a prior! sio possiveis na matemé- ‘ica e com isto também como esta ciéncia é possivel; pois, assim como a intuigi ‘empitica torna possivel, sem dificuldade alguma, que ampliemos nosso con ‘ado por um objeto da através de novos predicados que a propria imu, ‘gio oferece, assim fard também a intuigio pura, apenas com a diferenga: no il _mo caso, seré 0 juizo sintético certo a priori e apoditico, “a posterior’ c eripiricamente certo, porque este contém apenas 0 que é encontrado ‘na intuigo casual empi ele, porém,o que deve ser encontrado necessaria- * Veja Cea 9.713. (8. do AD

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