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Geografia

Geografia Agrária

Aldo Dantas
Rosana Silva de França
Sara Raquel Fernandes Queiroz de Medeiros
Geografia Agrária
Aldo Dantas
Rosana Silva de França
Sara Raquel Fernandes Queiroz de Medeiros

Geografia

Geografia Agrária

2ª Edição

Natal – RN, 2011


Governo Federal
Presidenta da República
Dilma Vana Rousseff

Vice-Presidente da República
Michel Miguel Elias Temer Lulia

Ministro da Educação
Fernando Haddad

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN


Reitora
Ângela Maria Paiva Cruz

Vice-Reitora
Maria de Fátima Freire Melo Ximenes

Secretaria de Educação a Distância (SEDIS)


Secretária de Educação a Distância Secretária Adjunta de Educação a Distância
Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo Eugênia Maria Dantas

FICHA TÉCNICA

COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS EDITORAÇÃO DE MATERIAIS


Marcos Aurélio Felipe Criação e edição de imagens
Adauto Harley
Anderson Gomes do Nascimento
GESTÃO DE PRODUÇÃO DE MATERIAIS Carolina Costa de Oliveira
Luciana Melo de Lacerda Dickson de Oliveira Tavares
Rosilene Alves de Paiva Heinkel Hugenin
Leonardo dos Santos Feitoza
Roberto Luiz Batista de Lima
PROJETO GRÁFICO
Rommel Figueiredo
Ivana Lima

Diagramação
REVISÃO DE MATERIAIS Ana Paula Resende
Revisão de Estrutura e Linguagem Carolina Aires Mayer
Eugenio Tavares Borges Davi Jose di Giacomo Koshiyama
Janio Gustavo Barbosa Elizabeth da Silva Ferreira
Jeremias Alves de Araújo Ivana Lima
Kaline Sampaio de Araújo José Antonio Bezerra Junior
Luciane Almeida Mascarenhas de Andrade Rafael Marques Garcia
Thalyta Mabel Nobre Barbosa
Módulo matemático
Revisão de Língua Portuguesa Joacy Guilherme de A. F. Filho
Camila Maria Gomes
Cristinara Ferreira dos Santos
IMAGENS UTILIZADAS
Emanuelle Pereira de Lima Diniz
Acervo da UFRN
Janaina Tomaz Capistrano
www.depositphotos.com
Priscila Xavier de Macedo
www.morguefile.com
Rhena Raize Peixoto de Lima
www.sxc.hu
Encyclopædia Britannica, Inc.
Revisão das Normas da ABNT
Verônica Pinheiro da Silva

Catalogação da publicação na fonte. Bibliotecária Verônica Pinheiro da Silva.

Dantas, Aldo.
Geografia Agrária / Aldo Dantas, Rosana Silva de França e Sara Raquel Fernandes Queiroz de Medeiros.
– 2. ed. – Natal: EDUFRN, 2011.
190 p.: il.

ISBN: 978-85-7273-890-3

Disciplina ofertada ao curso de Geografia a Distância da UFRN.

1. Geografia. 2. Agrária. 3. Agricultura. I. França, Rosana Silva de. II. Medeiros, Sara Raquel Fernandes
Queiroz de. III. Título.

CDU 91
D192g

© Copyright 2005. Todos os direitos reservados a Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – EDUFRN.
Nenhuma parte deste material pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização expressa do Ministério da Educacão – MEC
Sumário

Apresentação Institucional 5

Aula 1 Bases teórico-conceituais da questão agrária 7

Aula 2 Agricultura e modo capitalista de produção 21

Aula 3 Estrutura agrária e produção do espaço agrário brasileiro 35

Aula 4 Os conflitos sociais no campo brasileiro 51

Aula 5 Reforma agrária brasileira 67

Aula 6 Agricultura e sustentabilidade 89

Aula 7 Agricultura e a questão ambiental 101

Aula 8 Espaço rural e espaço urbano 117

Aula 9 Transformações recentes no espaço rural 129

Aula 10 As políticas agrícolas e a agricultura familiar 143

Aula 11 Agricultura e energia 157

Aula 12 Agricultura e trabalho 171


Apresentação Institucional

A
Secretaria de Educação a Distância – SEDIS da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte – UFRN, desde 2005, vem atuando como fomentadora, no âmbito local, das
Políticas Nacionais de Educação a Distância em parceira com a Secretaria de Educação
a Distância – SEED, o Ministério da Educação – MEC e a Universidade Aberta do Brasil –
UAB/CAPES. Duas linhas de atuação têm caracterizado o esforço em EaD desta instituição: a
primeira está voltada para a Formação Continuada de Professores do Ensino Básico, sendo
implementados cursos de licenciatura e pós-graduação lato e stricto sensu; a segunda volta-se
para a Formação de Gestores Públicos, através da oferta de bacharelados e especializações
em Administração Pública e Administração Pública Municipal.
Para dar suporte à oferta dos cursos de EaD, a Sedis tem disponibilizado um conjunto de
meios didáticos e pedagógicos, dentre os quais se destacam os materiais impressos que são
elaborados por disciplinas, utilizando linguagem e projeto gráfico para atender às necessidades
de um aluno que aprende a distância. O conteúdo é elaborado por profissionais qualificados e
que têm experiência relevante na área, com o apoio de uma equipe multidisciplinar. O material
impresso é a referência primária para o aluno, sendo indicadas outras mídias, como videoaulas,
livros, textos, filmes, videoconferências, materiais digitais e interativos e webconferências, que
possibilitam ampliar os conteúdos e a interação entre os sujeitos do processo de aprendizagem.
Assim, a UFRN através da SEDIS se integra o grupo de instituições que assumiram o
desafio de contribuir com a formação desse “capital” humano e incorporou a EaD como moda-
lidade capaz de superar as barreiras espaciais e políticas que tornaram cada vez mais seleto o
acesso à graduação e à pós-graduação no Brasil. No Rio Grande do Norte, a UFRN está presente
em polos presenciais de apoio localizados nas mais diferentes regiões, ofertando cursos de
graduação, aperfeiçoamento, especialização e mestrado, interiorizando e tornando o Ensino
Superior uma realidade que contribui para diminuir as diferenças regionais e o conhecimento
uma possibilidade concreta para o desenvolvimento local.
Nesse sentido, este material que você recebe é resultado de um investimento intelectual
e econômico assumido por diversas instituições que se comprometeram com a Educação e
com a reversão da seletividade do espaço quanto ao acesso e ao consumo do saber E REFLETE
O COMPROMISSO DA SEDIS/UFRN COM A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA como modalidade
estratégica para a melhoria dos indicadores educacionais no RN e no Brasil.

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


SEDIS/UFRN

5
Bases teórico-conceituais
da questão agrária

Aula

1
Apresentação

N
esta primeira aula, iniciaremos os estudos referentes à disciplina Geografia Agrária,
na qual discutiremos as bases teórico-conceituais da agricultura. Nesse sentido, você
estudará elementos como: o contexto histórico do desenvolvimento da agricultura, a
relação latifundiário/camponês e suas transformações marcantes ao longo do tempo histórico,
em especial, as relações que perpassam o escravismo, o feudalismo e, principalmente, o
capitalismo. Destacaremos as principais correntes de pensamento que tratam da relação
existente entre o camponês, o latifundiário e o modo de produção capitalista; por fim, os
conceitos fundamentais para o estudo, a saber: questão agrária, questão agrícola, renda da
terra, renda diferencial e renda absoluta.

Objetivos
Conhecer os conceitos pertinentes ao tema, tais como:
1 questão agrária, questão agrícola, renda da terra, renda
diferencial e renda absoluta.

Discutir as bases teóricas da agricultura.


2
Compreender as abordagens teóricas referentes à
3 reprodução do camponês e do latifundiário e suas
relações com o capitalismo.

Aula 1 Geografia Agrária 9


Abordagens
teóricas da agricultura

A
s teorias que abordam a temática da agricultura trazem a discussão do contexto
histórico, para entendermos melhor como ocorreu o processo de dominação dos meios
de produção. Essa fundamentação é primordial para compreendermos como ocorrem
as relações entre a terra e o trabalho, no capitalismo. A título de comparação, faremos uma
Sedentarização explanação dessas relações no sistema feudal de produção. Outra discussão teórica será as
contradições do capitalismo, que cria e recria novas relações de trabalho para manter-se como
Movimento de
sedentários, ou sistema de produção.
seja, aquele que tem
habitação fixa.

Contexto histórico da agricultura


Nômade
A agricultura é uma atividade milenar que passou por várias transformações ao longo do
Tribos ou povos
tempo. Nesse sentido, vale destacar um pouco da evolução histórica que envolve o percurso
que estão sempre a
deslocar-se em busca da agricultura e dos atores sociais nela envolvidos.
de alimentos,
pastagens etc. Um dos atores envolvidos é o camponês, que não deve ser entendido apenas como
produtor de sua própria subsistência, mas aquele que possui relação direta com a terra.

O camponês surge com a sedentarização dos seres humanos no espaço geográfico, ou


Neolítico
seja, com a fixação do ser humano, que deixa de ser nômade e passa a fixar-se em determinados
Termo de origem
lugares, principalmente, nas margens dos rios.
grega (neo = novo
e lítico = pedra).
No entanto, no período Neolítico, iniciaram-se novos modos de relacionamento entre os
Refere-se ao período
histórico em que a seres humanos e a natureza, em que os seres humanos passaram a interferir de forma ativa no
pedra recebe nova ambiente, cultivando plantas, domesticando e criando animais. Dessa forma, os seres humanos
forma de tratamento:
começaram a produzir sua própria alimentação. As comunidades desse período praticavam a
antes lascada, passou a
ser polida. A chamada coleta de frutos, a caça e a pesca, mas durante muito tempo fizeram pouco uso da agricultura
idade da pedra e da criação de animais como forma de produzir alimentos.
polida compreende o
período entre 10 mil No período das grandes civilizações agropecuárias (egípcia, mesopotâmia, persa,
a 4.000 a. C.
hindu, romana, chinesa, grega, asteca, inca, maia etc.), como mostra Figura 1, houve uma
modificação decisiva de como os grupos humanos se organizavam no espaço geográfico,
dinamizando a divisão do trabalho no interior das civilizações. Com a evolução das relações
Divisão do trabalho
sociais dentro das civilizações, ocorreu o aparecimento de grupos sociais diferenciados, o que
Especialização do ampliou a divisão social do trabalho, fazendo surgir os trabalhadores especializados (ferreiros,
trabalho cooperativo
em tarefas ou
carpinteiros, mercadores, guerreiros, sacerdotes, pastores etc.). Além disso, ocorreu também
papéis específicos e o desenvolvimento técnico, principalmente na agricultura, tendo impacto decisivo na produção.
delimitados. Cabe ressaltar que com a expansão das cidades houve a ampliação da produção de alimentos,

10 Aula 1 Geografia Agrária


uma vez que era preciso abastecê-las, gerando a necessidade da ampliação do território e
consequentemente a necessidade de um exército permanente para ampliar e controlar os
novos espaços conquistados.

Figura 1 – Primeiras civilizações mundiais

Fonte: <http://www.iejusa.org.br/civilizacoesantigas/imagens/mapa3.jpg>.
Acesso em: 22 abr. 2009.

Com a evolução das relações de poder dentro dessas civilizações e o aumento do território,
especificamente o império romano, deu-se a implosão a partir das invasões “bárbaras” e a
explosão a partir de movimentos instaurados dentro do próprio império, por exemplo, os
conflitos entre alguns generais romanos. Como consequência principal da dissolução do
império romano, podemos citar um evento ímpar na história da humanidade, o êxodo urbano,
ou seja, a migração das pessoas para o campo, dando início, assim, a um novo sistema de
produção de característica essencialmente agrícola – o Feudalismo.

No período do século V ao XV, predominaram as relações feudais de produção, ou seja,


o chamado feudalismo, definido por Goff (1984) como um sistema baseado em vínculos de
homem a homem em que uma classe de guerreiros – os senhores – subordina uns aos outros
por uma hierarquia de vínculos de dependência, dominando a massa campesina que explora
a terra e lhes fornece o viver.

Segundo Kautsky (1998), o mundo medieval constituía uma cooperativa completamente


ou quase totalmente autosuficiente, que não produzia apenas seus próprios produtos de
consumo pessoal, como também construía sua própria casa, seus próprios móveis, utensílios
domésticos, ferramentas, curtiam o couro, preparava o linho e a lã, além de fabricar suas
próprias roupas, sapatos etc. Com o desenvolvimento da indústria e do comércio e o processo
de urbanização, aumentou a demanda por produtos agrícolas e de uso pessoal na Europa.

Aula 1 Geografia Agrária 11


Figura 2 – Deveres do suserano e do vassalo.

Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/_VrXwiKWjecE/ScPQxDcZqjI/AAAAAAAAGMs/
jIOyGgNKshU/s320/Feudalismo1.jpg>. Acesso em: 22 abr. 2009.

Tal fato gerou a crise no sistema cooperativo feudal, que não tinha capacidade de suprir
as demandas, principalmente nos núcleos urbanos, causando a dissolução da indústria rural
doméstica, o que gerou uma migração da indústria rural de subsistência para os núcleos
urbanos europeus.

No entanto, com a crise do Feudalismo, ocorre a formação dos Estados Nacionais e novas
práticas econômicas são efetivadas, ocorre o aumento do consumo e produção européias.
Dessa forma, novas relações de produção emergem com o florescimento do Capitalismo.
Com a expansão marítima comercial, metrópoles como Inglaterra, Portugal e Espanha
transformaram as colônias de exploração em grandes plantations de produtos agrícolas, como a
Acumulação cana-de-açúcar, o algodão, o fumo etc. Essa exploração definiu a divisão internacional do
primitiva
trabalho entre os continentes africano, americano e asiático e foi importante para a acumulação
Expressão que primitiva do capital para os países da Europa Ocidental, sobretudo a Inglaterra, principal
designa as primeiras
potência econômica até a Primeira Guerra Mundial.
acumulações de
riquezas (ou capitais)
que levaram ao
Desde então, o Capitalismo tem se expandido e as mudanças nas relações de trabalho
surgimento do e no modo de vida da sociedade, tanto na cidade quanto no campo, são evidentes e geram
capitalismo. grandes discussões, em especial, destacaremos as repercussões do Capitalismo na
agricultura. A terra, tida como fonte natural de vida, passa a ser vista como fonte de lucro
com o advento do Capitalismo.

12 Aula 1 Geografia Agrária


A agricultura sob o capitalismo:
abordagem teórica
O estudo acerca da agricultura na perspectiva do Capitalismo é um tema gerador de
muitas discussões e correntes de pensamento. Cabe discutir aqui as principais correntes
que procuram explicar as mudanças no campo advindas com esse sistema. Deve-se também
destacar que todos os autores concordam com o processo de generalização progressiva em
todos os ramos e setores de produção, no campo ou na cidade, o assalariamento constitui
traço fundante do modo de produção capitalista.

Na realidade, ocorrem discordâncias teóricas em relação à interpretação desse processo


de generalização progressiva de todos os setores de produção e do assalariamento. Nesse
sentido, há duas correntes de pensamento. Na primeira, os autores dizem que ocorre um
processo de homogeneização com a formação do operariado único num pólo e a classe
burguesa no outro. Para a segunda corrente, o processo é contraditório e heterogêneo, nele
se expande o assalariamento e o trabalho familiar.

Em relação às duas correntes citadas, destaca-se outra corrente de pensamento,


os seguidores da chamada teoria clássica explicam o processo de generalização das
relações produtivas capitalistas por duas vias em que se dá a destruição dos camponeses
e a modernização dos latifúndios. O primeiro se dá pela diferença interna provocada pelas
contradições da inserção do campesinato no mercado capitalista. O segundo decorre com
a introdução das máquinas e insumos modernos, tornando os latifundiários capitalistas
do campo. Esse processo de mudanças tecnológicas no campo ficou conhecido como
modernização conservadora, uma vez que a estrutura social praticamente não sofreu alterações.

Relações feudais?
Dentro da discussão teórica, cabe destacar os estudos que apontam que os camponeses e
os latifundiários são na realidade evidências da permanência de relações feudais de produção.
Para essa corrente de pensamento, houve uma penetração das relações capitalistas no
campo. Essa penetração é explicada com o rompimento das estruturas políticas tradicionais
de dominação. Segundo essa corrente, apenas uma reforma profunda por meio da distribuição
de terra provocaria transformações no momento em que a luta camponesa poderia destruir o
latifúndio e os vestígios feudais e, assim, ocorreria a substituição pela propriedade camponesa
ou capitalista.

Aula 1 Geografia Agrária 13


O capitalismo cria e recria
as relações não-capitalistas
Ainda no plano teórico, vale destacar mais uma corrente de pensamento que defende que
o próprio Capitalismo é o gerador das relações capitalistas e não-capitalistas. O Capitalismo
é entendido como contraditório, uma vez que ocorre a criação e recriação das relações não-
capitalistas de produção, ou seja, relações em que não existe trabalho assalariado. Para essa
corrente, a relação capitalista ocorre com a construção de dois elementos: o capital produzido
e o trabalhador despossuído dos meios de produção.

Entendem esses autores que esse processo contraditório do desenvolvimento capitalista


decorre do fato de que a produção do capital nunca é, ou seja, nunca decorre de relações
especificamente capitalistas de produção, fundadas, pois, no trabalho assalariado e no
capital. Para que a relação capitalista ocorra é necessário que seus dois elementos centrais
estejam constituídos, o capital produzido e os trabalhadores despojados dos meios de
produção (OLIVEIRA, 1995, p. 11).

As relações não-capitalistas são necessárias à reprodução do capital e ao processo de


sua reprodução ampliada do capital. Nesse processo contraditório, as relações antigas de
produção são redefinidas e subordinadas à reprodução do capital. Segundo os seguidores
dessa corrente, o processo contraditório de desenvolvimento do capitalismo se dá no sentido
da sujeição da renda da terra ao capital. Dessa forma, o capital subordina o campesinato,
especula a terra, comprando-a e vendendo-a e sujeitando o trabalho nela realizado.

Leia o fragmento do texto e, em seguida, responda a atividade.

A expansão do Capitalismo no campo se dá primeiro e fundamentalmente


pela sujeição da renda territorial ao capital. Comprando a terra, para explorar
ou vender, ou subordinando a produção de tipo camponês, o capital mostra-se
fundamentalmente interessado na sujeição da renda da terra que é a condição
para que ele possa sujeitar também o trabalho que se dá na terra. Por isso, a
concentração ou a divisão da propriedade está fundamentalmente determinada pela
renda e renda subjugada pelo capital. No Brasil o movimento do capital não opera
de modo geral no sentido entre a separação entre a propriedade e a exploração
dessa propriedade nem a separação do burguês e os proprietários grandes e
pequenos. Podemos citar como exemplo os agricultores familiares do sul do
Brasil que continuam proprietários da terra e dos instrumentos que utilizam no seu
trabalho. Ele não é um assalariado de ninguém. Como podemos dizer que o capital

14 Aula 1 Geografia Agrária


instituiu a sujeição do seu trabalho, dominando-o? Nem há sujeição formal (não
existe vínculo trabalhista) nem há sujeição real (o capital não precisa apropriar-
se da terra para retirar sua renda) do trabalho ao capital nesse caso, deixando
clara a sujeição da renda da terra ao capital. Esse é o processo que se observa
claramente em nosso país, tanto em relação à grande propriedade quanto em
relação à propriedade familiar de tipo camponês. (MARTINS, 1983, p. 174/176).

Atividade 1
Como o Capitalismo consegue apropriar-se da renda da terra sem
1 apropriar-se diretamente dela, ou seja, sem comprá-la?

Do ponto de vista das “abordagens teóricas”, como você analisa o


2 processo de expansão do capitalismo no campo e as consequências
desse processo para as classes sociais envolvidas.

Aula 1 Geografia Agrária 15


O agrário e o agrícola
O que é questão agrária e qual é a sua relação com a questão agrícola? A questão agrária
tem conteúdo político e social e a questão agrícola está relacionada à produção de gêneros
alimentícios. Em outras palavras, como diz Graziano da Silva (1980, p. 11):

[...] a questão agrícola diz respeito aos aspectos ligados às mudanças na produção
em si mesma: o que se produz, onde se produz e quando se produz. Já a questão
agrária está ligada às transformações nas relações de produção: como se produz, de
que forma se produz. No equacionamento da questão agrícola, as variáveis importantes
são a quantidade e os preços dos bens produzidos. Os principais indicadores da questão
agrária são outros: a maneira como se organiza o trabalho e a produção; o nível de renda
e emprego dos trabalhadores rurais; a produtividade das pessoas ocupadas no campo etc.

Cabe destacar, como diz Graziano da Silva (1980), que a questão agrária e a questão
agrícola estão internamente relacionadas, sendo que muitas vezes suas crises ocorrem
simultaneamente, mas nem sempre isso é uma condição necessária, pois muitas vezes a
resolução do problema agrícola pode servir para agravar a questão agrária. Discutiremos
melhor a respeito desta relação entre agrícola e agrária, nas próximas aulas.

Uma categoria fundamental para os estudos da questão agrária é a chamada renda da


terra, que representa um lucro extraordinário, suplementar, permanente, que ocorre tanto no
campo como na cidade – também é denominada de renda territorial ou renda fundiária. Sendo
a renda da terra um lucro extraordinário, fruto do trabalho excedente, esta constitui-se na
Mais-valia fração da mais-valia. A renda da terra em sua forma mais desenvolvida no modo de produção
Conceito desenvolvido
capitalista é sempre sobra acima do lucro, ou seja, constitui-se num lucro excedente.
por Karl Marx. Refere-se
ao trabalho não pago
No entanto, a renda da terra sob o modo capitalista de produção é resultante da renda
ao trabalhador, isto é, diferencial e da renda absoluta.
na exploração exercida
pelos capitalistas sobre RENDA DIFERENCIAL RENDA ABSOLUTA
seus assalariados. [...] decorre da diferença entre o preço individual de produção do
capital particular que dispõe de uma força natural monopolizada e [...] é aquela que resulta do monopólio da
o preço de produção do capital empregado no conjunto do ramo terra por uma classe ou fração de classe,
de atividade considerado. As causas da renda diferencial são três: e desapareceria caso as terras fossem
sendo que as duas primeiras (renda diferencial I) independem nacionalizadas. Assim, a renda absoluta
do capital. São elas: a diferença de fertilidade (natural) do solo é resultante da elevação dos preços de
e da localização das terras. Essas duas podem atuar em sentidos produção desses gêneros, principalmente
opostos. A terceira causa (renda diferencial II) é oriunda dos por ação dos monopólios. Isso porque os
investimentos de capital no solo para melhorar a sua produtividade proprietários fundiários só permitem a
e/ou localização.” utilização de suas terras quando os preços
de mercado ultrapassam os seus preços
Para ficar claro, lembremos que a Renda diferencial I independe do de produção”
capital. As terras que são férteis naturalmente e têm sua localização
privilegiada, por exemplo, a Zona da Mata Nordestina, as áreas de No caso da renda absoluta, podemos citar
terra roxa no Paraná em Santa Catarina etc. como exemplo os grandes especuladores
latifundiários que colocam suas terras
No caso da renda diferencial II, lembremos que esta é dependente para produzir quando os preços estão
do capital, por exemplo, nas áreas de solos pobres, como o Cerrado acima da média.
brasileiro e grande parte dos solos amazônicos.
Quadro 1 – Rendas diferenciada e absoluta
Fonte: adaptado de Oliveira (1995, p. 74-75).

16 Aula 1 Geografia Agrária


Figura 3 – Feira Livre de Caicó, RN.
Fonte: <http://www.fja.rn.gov.br/imaterial/patrimonioimaterial/docs/fichas/feira_livre_
mercado_29_07_manha05.jpg>. Acesso em: 22 abr. 2009.

Atividade 2
Faça uma pesquisa em seu município evidenciando a questão agrícola.
1 Especifique os tipos de renda existentes.

Faça uma pesquisa na feira de seu município e identifique os produtos


2 agrícolas produzidos em seu município.

a) Liste os produtos agrícolas encontrados.

b) De acordo com o assunto abordado na aula, identifique se esses


produtos são produzidos por relações tipicamente capitalistas ou
relações não-capitalistas de produção.

Aula 1 Geografia Agrária 17


Leitura complementar
MARTINS, J. de S. Os camponeses e a política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu
lugar no processo político. Petrópolis: Vozes, 1983.

Para esta aula, merece destaque o capítulo V sobre a sujeição da renda da terra ao
capital e ao novo sentido da luta pela reforma agrária. Nesse capítulo o autor analisa as
relações capitalistas de produção, as contradições entre renda da terra e o capital, como
se dá a apropriação da renda da terra pelo capital e as diferenças entre concentração da
propriedade e a do capital.

Figura 4 – O autor José de Souza Martins.

Fonte: <http://www.estadao.com.br/suplementos/>. Acesso


em: 29 set. 2009.

Resumo
Nesta aula, aprendemos as bases teóricas do Capitalismo, com ênfase nas
principais correntes de pensamento que tratam da relação existente entre o
camponês, o latifundiário e o modo de produção capitalista. Destacamos ainda
os conceitos fundamentais para o estudo, tais como: questão agrária, questão
agrícola, renda da terra, renda diferencial, renda absoluta e renda de monopólio.

18 Aula 1 Geografia Agrária


Autoavaliação
Elabore uma seqüência histórica (semelhante a uma linha do tempo) com as
principais abordagens da agricultura e associe aos conceitos de: mais-valia,
acumulação primitiva, renda da terra, questão agrária e agrícola.

Referências
GOFF, Jacques Le. A civilização do ocidente medieval. Lisboa: Estampa, 1984.

LEAKEY, Richard. A evolução da humanidade. São Paulo: Melhoramentos, 1982.

MOURA, Margarida Maria. Camponeses. 2. ed. São Paulo: Ática, 1988. (Série Princípios).

OLIVEIRA, A. U. de. Modo capitalista de produção e agricultura. 4. ed. São Paulo: Ática.
1995. (Série Princípios).

SILVA, José F. Graziano da. O que é questão agrária. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1980.

Aula 1 Geografia Agrária 19


Anotações

20 Aula 1 Geografia Agrária


Agricultura e modo
capitalista de produção

Aula

2
Apresentação
Nesta segunda aula, daremos continuidade e aprofundamento à aula 1 (Bases
teórico-conceituais da questão agrária). Discutiremos o desenvolvimento e a evolução da
agricultura no modo capitalista de produção, em especial, as transformações na agricultura
ao longo das fases do capitalismo concorrencial e monopolista.

Objetivos
Saber as bases teóricas que consolidaram o capitalismo
1 como sistema hegemônico no tocante a agricultura.

Entender o funcionamento do capitalismo e sua relação


2 com a agricultura.

Compreender como se deu o desenvolvimento da agricultura


3 durante o capitalismo concorrencial e monopolista.

Aula 2 Geografia Agrária 23


Introdução: sobre o Capitalismo
No capitalismo concorrencial, a agricultura desenvolveu-se de duas formas: a agricultura
capitalista, baseada no trabalho assalariado e nos arrendamentos, e a agricultura baseada
nas formas de produção não-capitalistas, em que se destaca a produção de mercadorias
camponesas e o escravismo, os quais se desenvolveram articulados com o comércio capitalista.

A fase do capitalismo monopolista se deu com a crise no final do século XIX. Especialmente
na agricultura inglesa e européia, ocorreu o crescimento da produção e a queda da renda.
Essa fase caracteriza-se pelo desenvolvimento da mecanização do campo, fusão de grandes
empresas nos países desenvolvidos e fundação de grandes bancos, ou seja, concentração
e centralização de capitais. Ainda nessa fase, a agricultura desenvolveu-se no aumento da
produtividade do trabalho e no contexto de baixa geral de seus preços, criando assim as
condições de acumulação, da efetivação dos monopólios industriais.

Agricultura e modo
capitalista de produção
Força de trabalho
Como vimos na aula 1, o capitalismo é produto de um processo contraditório e seu
Capacidade dos
desenvolvimento é produto desse processo de reprodução ampliada do capital, ou seja, o modo
trabalhadores para
produzir riquezas. capitalista de produção não se restringe apenas à produção de mercadorias, mas também inclui
Karl Marx explica que a sua circulação e troca, quer seja por dinheiro quer por mercadoria.
a compra e venda da
força de trabalho é uma O capitalismo, na realidade, está em constante desenvolvimento e expansão. Seu princípio
característica básica do
básico é representado por D – M – D’, ou seja, dinheiro compra mercadoria e força de trabalho
capitalismo. A força de
trabalho do trabalhador para gerar mais dinheiro, ou seja, lucro. Esse é o princípio da reprodução ampliada do capital.
é uma mercadoria No entanto, reprodução do capital também se dá de forma simples, ou seja, M – D – M, sem a
que o capitalista
geração de excedente em dinheiro, ou melhor, lucro. Nesse esquema, produz-se apenas para
compra e que gera as
riquezas. Porém, essa garantir a sobrevivência.
mercadoria (a força
de trabalho) gera mais Para entender o processo de desenvolvimento do capitalismo no tocante à agricultura,
riqueza do que quanto é importante compreender se esta se desenvolveu nas duas diferentes fases ou etapas do
ela mesma vale.
capitalismo, nas quais se destacam o capitalismo concorrencial e o monopolista.

24 Aula 2 Geografia Agrária


Capitalismo concorrencial
A agricultura nessa etapa desenvolveu-se de duas formas: agricultura capitalista baseada
Arrendamento
no trabalho assalariado e nos arrendamentos e a agricultura baseada nas formas de produção
não-capitalistas em que se destaca a produção de mercadorias camponesas e o escravismo, É o aluguel de terras para o
plantio e criação de animais
os quais se desenvolveram articulados com o comércio capitalista. Na Europa ocidental e no
mediante o pagamento de
nordeste dos Estados Unidos, predominavam as relações tipicamente capitalistas, enquanto nas uma renda em mercadoria
colônias de exploração, maior parte da Ásia, na África e na América, predominavam as relações ou em dinheiro.

não-capitalistas de produção, mas, contraditoriamente, havia uma articulação territorial em


que o capitalismo se expandia dirigida pelos países centrais europeus.
Despotismo oriental
Com o desenvolvimento industrial e urbano, especialmente nos países europeus, a
Sistema de produção
agricultura foi adaptando-se às novas relações de poder e às leis do mercado capitalista. asiático em que a
agricultura era a base da
economia com regime de
servidão coletiva submetida
ao Estado, representado

O capitalismo concorrencial: pelas figuras do imperador,


rei ou faraó. Sistema
caracterizado por grandes

o comércio e as formas comunidades agrícolas.

comunitárias de produção Companhias das


Índias Orientais

As Companhias das Índias


O capitalismo durante o processo de dominação colonial não destruiu integralmente Orientais foram três
as comunidades nativas existentes. Na realidade, após a dominação do trabalho pela força organizações distintas
o capitalismo utilizava as formas de produção das comunidades para produzir mercadorias com objetivos comerciais
no Sueste asiático,
ou transformava os produtos típicos das comunidades em mercadorias. Desse modo, o de origens francesa,
capitalismo submeteu os povos da Ásia, América e da África aos seus interesses comerciais, holandesa e inglesa:
extraindo os seus excedentes para a realização da acumulação primitiva do capital. Nesse
momento, você deve está perguntando: como aconteceu isso? Esse processo foi homogêneo?
Bem, vamos tentar entender como o capitalismo expandiu-se no continente asiático, africano,
americano e europeu.

Na Ásia, o capitalismo submeteu os povos que viviam sob o despotismo oriental,


apropriando-se dessa forma de produzir através da Companhia das Índias Orientais. Nas
comunidades que viviam do despotismo oriental, combinavam-se a manufatura e a agricultura,
que as tornavam autossuficientes e portadoras de todas as condições de produção e
reprodução dos excedentes. O trabalho excedente pertencia à comunidade superior, ou na
forma de tributo ou de trabalho coletivo. No entanto, os comerciantes capitalistas europeus
desestruturaram essas relações através das relações com o Estado e os comerciantes que

Aula 2 Geografia Agrária 25


aos poucos envolveram a comunidade superior no comércio, aumentando os tributos sobre
a comunidade e quebrando o sistema autossuficiente.

Na África, assim como na Ásia, também houve o processo de aceleração da


mercantilização. Esse período foi marcado pelo tráfico de escravos, principalmente do século
XVII ao XIX, estendendo-se de Senegal a Moçambique. A inserção da África no processo de
desenvolvimento do capitalismo se efetivou fundamentalmente com o tráfico negreiro. Após a
proibição do tráfico, as comunidades africanas voltaram-se para produção de matérias-primas
e produtos agrícolas tropicais de exportação.

No continente americano, houve o processo de dominação dos povos indígenas, o


qual se deu por meio da manutenção da estrutura comunitária, destinando os excedentes
aos espanhóis. Durante a economia colonial, os indígenas americanos foram explorados
através da apropriação do excedente, quer pela via fiscal ou pela via de suas relações com
o monopólio comercial, ou, ainda, pelo aparelho eclesiástico e das ordens religiosas.

Portanto, a economia colonial fundou-se em duas bases: na articulação com as formas


comunitárias submetidas ao comércio internacional e na produção por parte das colônias
de produtos tropicais baseada no trabalho escravo. Vale salientar que a produção escravista
expandiu-se pelo mundo, principalmente na América, sendo o escravo a própria mercadoria.

Com o fim do tráfico de escravos, o capital procurou novas formas de dominação dos


povos de todo o mundo. No Brasil, destacou-se o colonato como uma alternativa para superar
a crise do trabalho escravo, substituindo o escravo e caracterizando-se como trabalho livre. A
mudança na forma de produzir baseada no colonato objetivava preservar e ampliar a economia
voltada para exportação de produtos tropicais para a Europa capitalista.

Na Europa, as formas comunitárias de produção foram abolidas em detrimento das


formas capitalistas de produção, isso transformou os servos em trabalhadores assalariados e
os grandes proprietários de terra em agricultores essencialmente capitalista, subordinando a
agricultura à reprodução do capital e transferindo as decisões que se davam no espaço rural
para o espaço urbano.

Atividade 1
Como o capitalismo se apropriou das formas de produção nas
1 comunidades nativas?

Comente a afirmação: os tributos sobre as comunidades nativas


2 acarretaram a quebra do sistema autossuficiente.

26 Aula 2 Geografia Agrária


Transformações na agricultura:
o crescimento, a concorrência e
a crise européia
Nesse período, aumentava a produção e crescia a produtividade das terras nos países
europeus. Esse período de prosperidade, segundo Kautsky (1998), durou até o último quartel
do século XIX, período em que os preços dos alimentos cresceram bastante na Europa. No
entanto, o período de prosperidade trouxe consigo o próprio estrangulamento da produção
agrícola e a queda dos preços dos alimentos trouxe a concorrência dos produtos importados no
seio de uma economia mundializada pela indústria de exportação. O baixo preço dos produtos
importados e a concorrência dos produtos agrícolas se deram em função dos menores gastos
de produção e de exploração, em relação a custos e à exploração dos países europeus a que
os trabalhadores estavam submetidos em outras partes do mundo.

Paralelamente à crise agrícola, desenvolvia-se a industrial capitalista e o crescimento das


cidades, principalmente os centros europeus, mudando a relação campo-cidade a partir da qual
a agricultura transformava-se e adequava-se a novos sistemas, como: a rotação de culturas
que aboliu o pousio, pois a rotação de cultura permitia a produção agrícola o ano inteiro; outro Pousio
fator importante foi a alteração da base alimentar da população, ampliando a produção de carne Descanso da terra,
em relação à produção das matérias-primas industriais, como lã, algodão etc. No seio desse evitando a perda
total de nutrientes e
processo, temos o desenvolvimento da indústria, o crescimento das cidades, a introdução da
desgaste do solo.
máquina na agricultura, modificando e ampliando a divisão do trabalho, tanto nos territórios
centrais como nos países periféricos do capitalismo, especialmente em relação a terra.

Aula 2 Geografia Agrária 27


Nas colônias do continente americano e da Austrália, a terra não era propriedade privada
de ninguém, era propriedade coletiva. Nessas nações, não havia renda da terra a pagar ou a
cobrar, fato exatamente contrário à agricultura inglesa. Além disso, em muitas áreas, os solos
eram bastante férteis como, por exemplo, o solo massapé, terra roxa e solos aluviais das
margens dos rios, dispensando investimentos e gastos com adubação. As produções dessas
colônias cresceram e geraram o agricultor especializado em um único produto. Tal fato abriu
caminho para a mecanização em função da falta de mão-de-obra. Outro fator importante é a
intensificação da imigração, que provocava a redução dos salários agrícolas e a efervescência
da agricultura capitalista nesses lugares.

Em contrapartida, podemos citar um caso especial em que se efetivou uma agricultura


competitiva possibilitada pela abolição dos escravos e pela Homestead Act, ou seja, Lei de
colonização estadunidense (EUA), assinada em 1862, que permitia a concessão gratuita de
Acres terra para propriedades acima de 160 acres. Como conseqüência, houve uma grande migração
Unidade de medida para o oeste, conhecida como “marcha para o oeste” no citado país.
de superfície agrária,
utilizada em países Como esses eventos nos territórios periféricos pressionaram a política de produção
como Inglaterra e
de massa e preço baixo de vários países, as colônias pressionaram a agricultura da Europa
EUA, equivalente a
0,4 ha ou 4.000 m 2 industrial, principalmente da Inglaterra. Com isso, a agricultura européia e os chamados
landlords (senhores de terra) entram em crise, sendo obrigados a reduzir suas rendas devido
à pressão da concorrência dos produtos importados. As consequências da crise da agricultura
européia são diversas, mas destaca-se uma forte tendência à fragmentação do solo e exploração
do campesinato europeu pelo capital. O campesinato entra em crise profunda, nem mesmo
alternativas como o cooperativismo foi totalmente eficaz. Tais acontecimentos apontavam o
novo rumo da agricultura, ou seja, a sua industrialização, que se deu principalmente na fase
do capitalismo monopolista.

Atividade 2
Quais as principais características da agricultura na fase do capitalismo
1 concorrencial?

Faça um esboço das principais diferenças existentes entre os


2 continentes asiático, africano, americano e europeu durante a fase do
capitalismo concorrencial.

Pesquise e escreva um texto explicitando as causas e os benefícios do


3 Homestead Act para os Estados Unidos.

28 Aula 2 Geografia Agrária


Capitalismo monopolista
Com a crise no final do século XIX, especialmente na agricultura inglesa e européia,
ocorre o crescimento da produção e a queda da renda. As potências industriais européias
passam a produzir e exportar manufaturas e importar produtos agrícolas de outras nações
que se tornaram fornecedoras do mercado europeu. Essa concorrência, como foi citado,
provocou a queda dos preços na Europa e ao mesmo tempo provocou a intensificação da
agricultura européia, que passou a produzir mais para recuperar-se da queda dos preços,
levando, contraditoriamente, à superprodução e baixa geral dos preços. Esse processo do
plano imperialista do capitalismo criou uma separação internacionalizada entre os setores
agrícolas e industriais, acompanhada da queda histórica dos preços das matérias-primas e
subida contínua dos preços dos produtos manufaturados.

Durante a fase do capitalismo monopolista, caracterizada pelo desenvolvimento da


mecanização do campo, ocorreu a fusão de grandes empresas nos países desenvolvidos
e a fundação de grandes bancos, ou seja, concentração e centralização de capitais. Nessa
fase, a agricultura desenvolveu-se no aumento da produtividade do trabalho e no contexto de
baixa geral de seus preços, criando, assim, as condições de acumulação, da efetivação dos
monopólios industriais. A agricultura desenvolveu-se em duas vias: no consumo de produtos
industrializados de preços altos, como máquinas e equipamentos, e na venda de sua produção
de preços baixos. Dessa forma, foi inevitável o endividamento constante, sendo a figura do
Estado, na maioria das vezes, o financiador da dívida.

Vale salientar que o próprio capitalismo promoveu a industrialização da agricultura e a


geração da agroindústria. No entanto, como a rentabilidade do capital no campo não é alta, o
monopólio industrial implantou-se na circulação, subordinando consequentemente a produção.

Em relação ao campesinato, ocorreram modificações significativas na fase monopolista do


capital, em que o trabalho desenvolvido por eles foi altamente produtivo e ultra-especializado,

Aula 2 Geografia Agrária 29


este trabalhador encontrava-se permanentemente endividado no banco e pressionado
pelos encargos fiscais do Estado. O trabalho tornou-se intenso e muitas vezes o camponês
necessitava entregar parte do processo do trabalho para trabalhadores de empreitada ou até
mesmo entregar a colheita para os monopólios industriais.

No caso brasileiro, notamos claramente a presença do capital monopolista no campo. Essa


onipresença do capital no campo tem aumentado ao longo do processo histórico, na produção
agropecuária, e, principalmente, controlando o processo produtivo através de financiamentos,
venda de insumos, controlando a comercialização etc.

Podemos constatar em relação à renda do produtor rural que o pequeno agricultor,


principalmente, nas áreas mais estruturadas, encontra-se preso duplamente, por um lado, pela
compra de insumos agrícolas, por outro, pela venda de sua produção. As duas situações são
controladas por oligopólios ou monopólios. Essas articulações entre os pequenos agricultores
e os monopólios ou oligopólios acontecem entre grandes redes de supermercados e pequenos
agricultores ou cooperativas, outras vezes por agroindústrias, do tomate, do fumo etc. Além
desses casos, podemos citar as CEASAs (Central de Abastecimentos S/A), criadas para beneficiar
o pequeno agricultor, acabaram beneficiando os grandes e médios intermediários e uma minoria
de grandes cooperados. Essa articulação tem modificado a função da pequena agricultura, por
um lado, os pequenos agricultores passam a produzir essencialmente para o mercado, deixando
de ser agricultores de subsistência voltados para a produção de grãos básicos (feijão, arroz,
mandioca etc.) e passando a produzirem “culturas de rico” (maçã, uva, soja, trigo etc.), ou seja,
nesse momento o pequeno produtor passa a ser controlado pelo mercado.

Mesmo com a diminuição da importância da pequena agricultura como ofertante de


gêneros alimentícios, paralelamente, ela ganha importância como reserva de mão-de-obra
para os grandes latifundiários que assalariam esses agricultores.

Segundo Oliveira (1995), na fase da agricultura sob o capitalismo monopolista é realizado


o monopólio da produção, ou seja, a circulação fica subordinada à produção e o camponês
ao capital, com intuito de obter a renda da terra. O camponês transforma-se ao longo do
processo histórico e, contraditoriamente, persiste no sistema capitalista, que cria e recria as
condições para sua reprodução. Portanto, o conceito de renda da terra torna-se essencial
para a elucidação dessa sujeição do camponês e dos setores capitalistas agrícolas em relação
aos grandes monopólios capitalistas.

Atividade 3
Elabore um quadro comparativo demonstrando as diferenças e semelhanças
entre o camponês da fase do capitalismo concorrencial e o camponês da fase do
capitalismo monopolista.

30 Aula 2 Geografia Agrária


Leitura complementar
KAUSTSKY, Karl. A questão agrária. Tradução de Otto Erich Walter Mass. Brasília: Linha
Gráfica, 1998.

Livro clássico escrito em 1898, destinado aos estudiosos das áreas humanas e sociais,
analisa o desenvolvimento, as políticas e a evolução da agricultura na sociedade capitalista.
Para esta aula, merece destaque o capítulo IV que trata da agricultura moderna em que é
discutida a divisão do trabalho, o sistema de adubação da terra, a ciência na agricultura e a
introdução da máquina na agricultura.

Figura 1 – Karl Kautsky, autor do livro


Fonte: http://einestages.spiegel.de/hund-images/2007/12/18/4/5429
29df593682c7ca20ab9999ef43f6_image_document_large_featured_
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Resumo
Nesta aula, estudamos as bases teóricas do capitalismo e sua relação com o
desenvolvimento da agricultura, você estudou especificamente a evolução da
agricultura durante as fases capitalista concorrencial e capitalista monopolista.

Aula 2 Geografia Agrária 31


Autoavaliação
Quais foram as principais tendências do capitalismo concorrencial e monopolista?
Explique como o capitalismo se consolidou como sistema hegemônico.

Referências
KAUSTSKY, Karl. A questão agrária. Tradução de Otto Erich Walter Mass. Brasília: Linha
Gráfica, 1998.

OLIVEIRA, A. U. de. Modo capitalista de produção e agricultura. 4. ed. São Paulo: Ática.
1995. (Série Princípios).

SILVA, José Graziano da. O que é questão agrária. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.

Anotações

32 Aula 2 Geografia Agrária


Anotações

Aula 2 Geografia Agrária 33


Anotações

34 Aula 2 Geografia Agrária


Estrutura agrária e produção
do espaço agrário brasileiro

Aula

3
Apresentação

N
esta aula, estudaremos a respeito das origens da concentração da terra no Brasil desde
o período colonial até a atualidade, demonstrando suas causas e consequências. Para
isso, levaremos em consideração o processo histórico, ou seja, a relação entre os
espaços geográficos periféricos e centrais do sistema capitalista.

Objetivos
Entender as diferenças na relação capitalista entre os
1 países periféricos e os países centrais no que se refere à
estrutura agrária.

Conhecer as origens da concentração fundiária brasileira


2 e suas causas e consequências.

Compreender que a estrutura agrária de um território


3 (país, estado, município) está diretamente relacionada à
sua estrutura social, política e econômica.

Aula 3 Geografia Agrária 37


A relação centro-periferia e
suas repercussões na estrutura
agrária brasileira
Vários estudos revelam que a questão da propriedade da terra no Brasil e da situação das
pessoas que nela trabalham ou dela precisam para trabalhar é uma situação bastante grave,
geradora de desigualdade social, uma vez que a concentração de terra tem expulsado milhares
de pessoas do campo para a cidade, provocando uma série de problemas socioambientais.
Além disso, os grandes capitalistas latifundiários muitas vezes se apropriam de extensões de
terra com vistas a usá-la como reserva de valor para especulação, sem nenhuma atividade
produtiva propriamente dita.

38 Aula 3 Geografia Agrária


A estrutura agrária nos países periféricos tem relação direta com os países centrais ou
desenvolvidos. Para entender a estruturação e ocupação do solo em relação ao uso da terra
no Brasil e nos países periféricos, é preciso considerar o desenvolvimento desigual do capital
entre os territórios.

Para Milton Santos (1982), a combinação espacial entre centro e periferia no sistema Relação
mundial deve considerar três aspectos especiais: centro-periferia

Constitui-se
a) aquelas forças que promovem a modernização e operam no centro do sistema não historicamente como
alcançam a periferia ao mesmo tempo; existe um efeito decrescente definido da distância. resultado da forma pela
Isso poderia explicar a acumulação histórica capitalista, as variações entre países e as qual o progresso técnico
propaga-se na economia
desigualdades regionais dentro dos países; mundial. O centro são
economias que as técnicas
b) alguns pontos do espaço são alcançados por novas forças, enquanto outros não recebem capitalistas de produção
penetram primeiro.
tais impactos. Sem dúvida, esses impactos não se dão ao acaso, sendo dirigidos do centro
A periferia são economias
do sistema em termos de máxima produtividade; cuja produção permanece
inicialmente atrasada do
c) as forças emitidas nos centros ou polos mudam à medida que alcançam a periferia, ou ponto de vista tecnológico
e de sua organização.
seja, para se entender a reprodução dos espaços geográficos agrários deve-se levar em
consideração as diferenças socioespaciais.

Segundo o estudioso Porto Gonçalves (2004), a reprodução ampliada do capital que


opera na agricultura atual está pautada em dois pilares:

 no uso de um modo de produção de conhecimento próprio do capital, que se traduz na


supervalorização da ciência e nas técnicas ocidentais;

 na expansão das áreas de terras cultivadas.

O primeiro pilar prediz que a agricultura desenvolvida nos países periféricos em geral
constitui-se num apêndice dos países centrais, que dominam as técnicas modernas, a
implementação de insumos e o desenvolvimento de tecnologia. No que se refere à expansão
das áreas cultivadas, destaca-se o seu crescimento devido a fatores estruturantes, como o
desenvolvimento dos transportes para circulação de mercadorias e a melhoria nas condições
de armazenamento, acondicionamento e nas comunicações. Nos últimos 40, ocorreu uma
grande expansão das áreas cultivadas, permitindo a incorporação de novas áreas agrícolas ao
mercado mundial, tendo como principais agentes financiadores o Banco Mundial, o Estado
e as multinacionais e transnacionais, repercutindo na estrutura agrária e fundiária do espaço
geográfico mundial.

Aula 3 Geografia Agrária 39


Origem da concentração
de terras no Brasil
Capitanias A concentração de terras no Brasil teve início com a divisão do território em capitanias
hereditárias hereditárias, definidas por Portugal em plena fase do desenvolvimento do capitalismo
Grandes lotes de concorrencial europeu, estabelecendo embrionariamente a relação centro-periferia do sistema
terras, que foram capitalista em que a capitania passou a ser colônia (ou seja, espaço periférico) e a metrópole
doadas para nobres e
pessoas de confiança do
(no caso, Portugal) passou a ser centro. Cabe lembrar que nesse período Portugal era uma
rei. Estes que recebiam das grandes potências mundiais.
as terras, chamados de
donatários, tinham a
função de administrar,
colonizar, proteger e
desenvolver a região.

Figura 1 – Localização das capitanias hereditárias

Fonte: <http://historiando.files.wordpress.com/2007/04/capitanias-hereditarias.gif>.
Acesso em: 29 set. 2009.

No período colonial, os portugueses instituíram os grandes domínios através da Sesmaria,


apontada como a célula básica da reprodução colonial. O Brasil inicia suas atividades econômicas
logo após o surto do extrativismo, baseado nas grandes lavouras, ou seja, na grande propriedade.
Sistema sesmarial Logo, o açúcar torna-se a base econômica do sistema sesmarial. Como destaca Guimarães
Sistema baseado na (1963), a colônia tem sua base política apoiada em duas instituições – a sesmaria e o engenho,
sesmaria, ou seja, que se transformam na unidade econômica da coroa portuguesa.
latifúndio colonial
geralmente baseado no A terra, nesse período, pertencia à coroa portuguesa e era doada seguindo os critérios
trabalho escravo que
estabelecidos pelo Rei, que obedecia na realidade a uma discriminação econômica (a condição
deveria contribuir para
ocupação econômica da social definia quem receberia a doação da terra). Os beneficiados, seguindo essa lógica,
América portuguesa. deveriam possuir os meios adequados para se instalarem na terra concedida. A legislação
sesmarial ordenava que as terras doadas deveriam seguir um tamanho padrão de três léguas de
comprimento por uma légua de largura (SILVA, 1980), mas essa lei não foi respeitada devido,

40 Aula 3 Geografia Agrária


entre outros motivos, à vastidão do território brasileiro e à impossibilidade de controle por
parte da coroa portuguesa. Através da sesmaria, na condição de posse da terra surgiram os
grandes domínios, que com a introdução do açúcar se transformaram em grandes domínios
na produção para exportação. O sistema sesmarial representou o início da concentração
fundiária brasileira quando a sua base estava sustentada nos grandes domínios, conforme
aponta Andrade (1996, p. 44):

A doação de terras em sesmarias – embora estas não dessem o domínio, mas tão somente
a posse ao seu titular – provocou um processo de ocupação e apropriação das mesmas,
sob a égide da grande propriedade, e definiu um processo de dominação do latifúndio
que ainda hoje subsiste no País.

Esse cenário ficou caracterizado pela distribuição desigual da terra. De um lado, grandes
glebas pertencentes aos Senhores, classe composta por nobres e burgueses; de outro lado,
pequenos lotes de terra adquiridos por meio da posse ilegal pelos sujeitos sem recursos que
se reproduziam à margem das necessidades de suprimentos da grande propriedade onde
se utilizava mão-de-obra escrava em suas lavouras. Segundo Andrade (1996), os sujeitos
se instalavam em áreas menos acessíveis através da posse e implantavam roças e currais,
ao passo que esses posseiros, ao terem suas terras apropriadas pelos Senhores, tinham
duas alternativas: tornarem-se foreiros do Senhor ou migrarem para outra área mais distante,
efetivando uma agricultura predatória.

A estrutura agrária brasileira foi definida pelos interesses dos colonizadores, segundo o
qual a grande propriedade constituía fundamental importância para atender os interesses
e fornecer produtos ao mercado europeu:

O essencial da estrutura agrária brasileira legada pela colônia se encontrava assim


como que predeterminada no próprio caráter e nos objetivos da colonização. A grande
propriedade fundiária constituiria a regra e elemento central e básico do sistema
econômico da colonização, que precisava desse elemento para realizar os fins a que se
destinava. A saber, o fornecimento em larga escala de produtos primários aos mercados
europeus (PRADO JÚNIOR, 1987, p. 48).

Com o fim do sistema sesmarial, nos anos de 1820, emerge a chamada fase áurea
do posseiro; com a suspensão do regime Sesmarial, em 1822, por falta de uma legislação,
ocorre a expansão das pequenas propriedades através da posse. Esse período chega ao fim
com a jurisdição da Lei de Terras, em 1850, que consolida a grande propriedade através
da legitimação das posses, formação de um mercado de trabalho com o fim do tráfico de
escravos e criação do Imposto Territorial Rural (ITR). A Lei de Terras determina, a partir de
sua data de regulamentação (1854), a compra como única forma de aquisição das terras
devolutas (SILVA, 1997). Dessa forma, as terras adquiridas ilegalmente, e/ou através das
posses, são regularizadas. “O projeto foi elaborado tanto para regularizar a situação daquelas
propriedades que tinham sido ilegalmente adquiridas, como também, ao mesmo tempo, para
estender o controle governamental sobre as terras em geral” (COSTA, 1985, p. 146). Essa
legislação tornou mais difícil o acesso a terra daqueles sujeitos que não tinham condições

Aula 3 Geografia Agrária 41


de adquiri-la por meio da compra, ou seja, os sujeitos sem prestígio ou sem recursos que
compõem a pequena propriedade.

Na realidade, a Lei de Terras, além de legalizar as propriedades adquiridas por meio das
sesmarias e das posses, representou um regime de propriedade estratégico dos grandes
fazendeiros, que asseguraram o controle político sobre a transição do trabalho escravo para
o trabalho livre, conforme pontua Martins (2004, p. 5):

O regime de propriedade de 1850 tinha por objetivo criar mecanismos de interdição à livre
posse da terra e, portanto, criar meios institucionais de gestação de uma superpopulação
relativa à disposição das grandes fazendas. Desse modo, assegurar que o fim da
escravidão não seria também o fim da grande lavoura de exportação.

Nesse quadro, vale salientar que a Lei de Terras, considerada um marco jurídico de
mudanças à escravidão, é substituída pela superexploração da força de trabalho, aumentando
as desigualdades e solidificando o latifúndio. Com a constituição de 1891, a responsabilidade
e legislação das terras públicas passam a pertencer aos estados, o que torna mais fácil a
expansão dos latifúndios na manipulação do poder político através de uma rede de relações
Coronelismo determinadas pelo coronelismo e a formação das oligarquias (MONTEIRO, 2001).
Conjunto de ações
políticas de latifundiários
Sob a ótica do monopólio, os grandes proprietários garantiram seus domínios baseados
(chamados de coronéis) num regime de propriedade, que mais do que atender seus objetivos e privilégios gerava uma
em caráter local, regional massa de trabalhadores rurais dependentes.
ou federal, onde se aplica
o domínio econômico e Dessa forma, podemos dizer que as raízes da estrutura agrária dos países periféricos –
social para a manipulação
eleitoral em causa própria
em específico o espaço agrário brasileiro – foi e ainda continua sendo delineado no processo
ou de particulares. histórico na produção e reprodução do capital entre centro e periferia do sistema capitalista.

Oligarquias Atividade 1
Oligarquias são grupos
fechados e pequenos que
detêm o controle do poder,
geralmente formadas por
Explique como se deu o processo de concentração de terras no Brasil. A política
familiares de grandes agrária do presente sofre conseqüência deste processo? Por quê?
proprietários.

Como o sistema sesmarial procedeu na formação das oligarquias e


1 coronelismo?

Pesquise um pouco mais sobre a lei de terras, e relacione com os


2 problemas agrários atuais.

42 Aula 3 Geografia Agrária


Estrutura agrária
e estrutura fundiária
A relação entre os proprietários, os agricultores e a terra utilizada é conceituada, pelos
estudiosos, como estrutura agrária e estrutura fundiária. A expressão estrutura agrária é
usada em sentido amplo, significando a forma de acesso à propriedade da terra e à exploração
da mesma, indicando as relações entre os proprietários e os não proprietários, a forma como
as culturas se distribuem pela superfície da Terra (morfologia agrária) e como a população se
distribui e se relaciona com meios de transportes e comunicações (habitat rural).

No sentido restrito, usado pela FAO e por vários órgãos oficiais e paraoficiais, a expressão
estrutura agrária corresponde apenas ao estudo das formas de acesso à propriedade da terra
e à maneira como esta é explorada, tendo, assim, grande importância as relações existentes
entre proprietários e trabalhadores agrícolas não proprietários. A estrutura fundiária é apenas a
forma de acesso à propriedade da terra e a explicação da distribuição da propriedade, sendo seu
estudo de grande importância, porque dela vai depender a melhor compreensão da estrutura
agrária e dos fatores que presidem a formação da morfologia agrária e do habitat rural.

Para entender a estrutura agrária brasileira, é importante entender os problemas


metodológicos em relação à classificação das propriedades rurais, uma vez que o INCRA
(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística) possuem distintas unidades de medidas. Para o IBGE, segundo os Censos
Agropecuários, a unidade básica é o estabelecimento, definido como unidade administrativa
onde se processa uma exploração agropecuária. Os censos classificam os estabelecimentos
segundo a condição principal do produtor (proprietário, parceiro, arrendatário e ocupante).
O INCRA realiza o cadastro de imóveis rurais como sendo a unidade básica de medida; o imóvel
rural é definido como prédio rústico de área contínua, qualquer que seja sua localização, que
se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou
agroindustrial. O cadastro leva em consideração os imóveis rurais segundo a situação jurídica
dos declarantes (proprietários e/ou titulares de direito real e/ou titulares da posse), podendo
um mesmo indivíduo pertencer a várias situações.

O cadastro de imóveis rurais classifica-se em quatro categorias: minifúndio, empresa


rural, latifúndio por exploração e latifúndio por dimensão. Para essa classificação, é essencial
entender o conceito de módulo rural, que é derivado do conceito de propriedade familiar,
e, sendo assim, é uma unidade de medida, expressa em hectares, que busca exprimir a
interdependência entre a dimensão, a situação geográfica dos imóveis rurais e a forma e as
condições de seu aproveitamento econômico.

Outra categoria importante é o módulo fiscal, definido como unidade de medida expressa
em hectares, fixada para cada um dos municípios brasileiros a partir de critérios tais como o
tipo de exploração predominante e a renda média obtida nesse tipo de exploração. No conjunto
do território nacional, o tamanho dos módulos fiscais varia entre 5 e 110 hectares.

Aula 3 Geografia Agrária 43


Atividade 2
Quais as definições de propriedade familiar?
1
O que o Incra considera como imóvel rural?
2

A concentração da
propriedade da terra
O processo de concentração da terra difere da concentração de capital, ou seja, a terra
é um meio de produção específico monopolizado por uma classe detentora dos meios de
produção. Cabe salientar que a terra não é um meio de produção criado pelo trabalho humano;
portanto, a terra não tem valor, e sim preço, o qual foi produzido pelo capitalismo. Os grandes
capitalistas, ao se apropriarem de grandes extensões de terra, utilizam essa terra como reserva
de valor para especular e apropriar-se de sua renda.

[...] a concentração da terra não é igual à concentração do capital; ao contrário, revela a


irracionalidade do método que retira capital do processo produtivo, imobilizando-o sob a
forma de propriedade capitalista da terra. Já a concentração do capital é aumento de poder
de exploração, é aumento da capacidade produtiva do trabalhador; é aumento, portanto,
da capacidade de extração do trabalho não-pago, da mais-valia (OLIVEIRA, 1995, p. 80).

Agora, preste bastante atenção no texto a seguir, porque ele será utilizado para responder
a próxima Atividade.

44 Aula 3 Geografia Agrária


A concentração da propriedade da terra

A questão da propriedade da terra no Brasil e da situação das pessoas que nela trabalham ou
dela precisam para trabalhar é hoje extremamente grave. O Censo Agropecuário de 1975 revelou
que 52,3% dos estabelecimentos rurais do país têm menos de 10 ha e ocupam tão somente a
escassa área de 2,8% de toda a terra utilizada. Em contrapartida, 0,8% dos estabelecimentos
têm mais de 1.000 ha e ocupam 42,6% da área total. Mais da metade dos estabelecimentos
agropecuários ocupam menos de 3% da terra e menos de 1% dos estabelecimentos ocupa quase
metade da terra. Se levarmos em conta que, provavelmente, muitos dos grandes proprietários
têm o domínio de mais de uma propriedade, estaremos em face de uma concentração fundiária
ainda maior. Além disso, a propriedade da terra vem se tornando inacessível a um número
crescente de lavradores que dela necessitam para trabalhar e não para negociar.

Os estabelecimentos registrados nos dados censitários incluem os que são dirigidos por
lavradores que não têm a propriedade da terra (arrendatários, parceiros autônomos e
posseiros). Em 1950, apenas 19,2% dos lavradores não eram proprietários dos seus
estabelecimentos rurais. Em 1975, essa porcentagem tinha subido para 38,1%; em 1950, para
cada lavrador não proprietário havia 4,2 que eram proprietários. Em 1975, para cada lavrador
não proprietário havia apenas 1,6 proprietários. Esses números constantes dos censos oficiais
não incluem aqueles que são trabalhadores rurais propriamente ditos e, portanto, sem terra
(assalariados permanentes, assalariados temporários, parceiros subordinados), mas somente
os responsáveis pelos estabelecimentos.

Se analisarmos a situação em relação aos pequenos produtores agrícolas, verificamos que


a situação é mais grave ainda. Em 1975, para cada lavrador proprietário havia um lavrador
não proprietário da terra. No que se refere aos estabelecimentos com menos de 10 ha, que
constituem mais da metade das unidades de produção do país, notaremos que para cada
lavrador proprietário há 1,3 lavradores não proprietários. Desde 1950 essa proporção vem se
agravando, o que indica que um número crescente de lavradores não tem terra e para consegui-la
deve pagar uma renda ou invadi-la.

Além disso, devemos considerar os milhares de lavradores que tiveram que sair da terra – seja
terra própria, seja terra arrendada, seja terra ocupada. Entre 1950 e 1970, as oportunidades
de trabalho para terceiros na agropecuária (assalariados e parceiros subordinados) caíram em
cerca de um milhão e meio de empregos.

O estrangulamento da pequena agricultura, por sua vez, está intimamente associado à


expansão das pastagens. Em 1970, os estabelecimentos agropecuários com mais de 20 ha
tinham 54,6% da sua área tomada por pastos e apenas 8,5% por lavouras. Já os pequenos
produtores, com estabelecimentos com menos de 20 ha, dedicavam 54,1% de suas terras à
lavoura e 21,1% à pecuária. Dados oficiosos indicam que há hoje no país cerca de 40 milhões
de imigrantes, muitos dos quais obrigados a sair do seu lugar de origem devido principalmente
à concentração da propriedade da terra, à extensão das pastagens e à transformação nas
relações de trabalho na lavoura.
(MARTINS, 1991, p. 43-45).

Aula 1 Geografia Agrária 45


Atividade 3

Quais são as consequências da concentração de terra exposta pelo autor?


1
Visite a página do Ministério da Agricultura <www.agricultura.gov.br>,
analise e escreva suas conclusões a respeito dos dados sobre a estrutura
2 agrária brasileira. Observação: para encontrar esses dados, siga essa
seqüência dos links: 1º Estatísticas – 2º agricultura brasileira em número
– 3º anuário 2005 – 4º concentração agrária – 5º estabelecimentos e
área para grupos de área total.

Faça uma leitura do gráfico levando em consideração os conceitos


discutidos na aula e registre suas conclusões.
3
Utilização das Terras
Brasil
(ha)
375 000 000
350 000 000
325 000 000
300 000 000
275 000 000
250 000 000
225 000 000
Censos
200 000 000
1970
175 000 000 1975
150 000 000 1980
125 000 000 1985
100 000 000 1995-1996
75 000 000
50 000 000
25 000 000
-
Área total Lavoura Lavoura Lavoura em Pastagem Pastagem Matas Matas Produtivas
permanente temporária descanso natural plantadas naturais plantadas não
utilizadas

Figura 2 – Gráfico de utilização das terras no Brasil


Fonte: Censo agropecuário - IBGE.1995-96.

46 Aula 3 Geografia Agrária


Leitura complementar
GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro séculos de latifúndio. São Paulo: Fulgor, 1963.

O autor faz uma abordagem histórica sobre os quatro séculos de latifúndio e a estrutura
social que tem permitido o latifúndio subsistir. Para esta aula merece destaque os capítulos
X e XI. O capítulo X trata da estrutura agrária no século XX e o capítulo XI evidencia o cenário
econômico e social na perspectiva da estrutura agrária no período pós 1964.

Figura 3 – O autor Alberto Passos Guimarães

Fonte: <http://www.iteral.al.gov.br/sala-de-imprensa/noticias/a-um-passo-de-
guimaraes/image_mini>. Acesso em: 29 set. 2009.

Resumo
Nesta aula, examinamos a estrutura agrária brasileira desde suas origens, causas
e consequências socioterritorias. Destacou-se o processo histórico e a relação
entre os espaços geográficos periféricos e centrais do sistema capitalista.

Autoavaliação
De que maneira a estrutura agrária de um território está diretamente relacionada
à sua estrutura social, política e econômica? Cite exemplos.

Aula 3 Geografia Agrária 47


Referências
ANDRADE, Manuel Correia de. A questão da terra na primeira república. In: SILVA, Sergio S.;
SZMRECSÁNY, T. (Org.). História econômica da primeira república. São Paulo: Hucitec/
FAPESP/ABHE, 1996. p. 143 – 153. (Coletânea de textos apresentados no I Congresso Brasileiro
de História Econômica/USP).

COSTA, Emilia Viotti da. Política de terras no Brasil e nos Estados Unidos. In: ______.
Da monarquia à república: momentos decisivos. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.

GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro séculos de latifúndio. São Paulo: Fulgor, 1963.

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. O desafio ambiental. Organizador Emir Sader. Rio de
Janeiro: Record, 2004.

INSTITUTO BRASILEIR DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Disponível em: <www.ibge.


gov.br>. Acesso em:

INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA. Disponível em:


<http://www.incra.gov.br/>. Acesso em: 13 maio 2009.

KAUSTSKY, Karl. A questão agrária. Tradução de Otto Erich Walter Mass. Brasília: Linha
Gráfica, 1998. 588 p.

OLIVEIRA, A. U. de. Modo capitalista de produção e agricultura. 4. ed. São Paulo: Ática,
1995. (Série Princípios).

MARTINS, José de Souza Martins. Expropriação e violência: a questão política no campo. 3.


ed . São Paulo: Hucitec, 1991. 182 p.

MARTINS, José de Souza. Impasses sociais e políticos em relação à reforma agrária e à


agricultura familiar no Brasil. Disponível em: <http://nead.org.br/artigodomes>. Acesso em:
5 jan. 2004.

MONTEIRO, Denise Mattos. Terra e trabalho em perspectiva histórica: um exemplo do sertão


nordestino (Portalegre - RN). Historia econômica & Historia de empresas, ano IV, n. 2,
p. 7-33, 2001.

PRADO JUNIOR, Caio. A questão agrária no Brasil. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. 188p.

SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem. São Paulo: Hucitec, 1982.

SILVA, José Graziano da. Estrutura agrária e produção de subsistência na agricultura


brasileira. São Paulo: Hucitec, 1980.

SILVA, Ligia Osório. As Leis agrárias e o latifúndio improdutivo. São Paulo em Perspectiva,
v. II, n. 2, p. 115–125, abr./jun. 1997.

48 Aula 3 Geografia Agrária


Anotações

Aula 3 Geografia Agrária 49


Anotações

50 Aula 3 Geografia Agrária


Os conflitos sociais
no campo brasileiro

Aula

4
Apresentação

N
esta aula serão abordados os conflitos sociais no campo brasileiro e sua evolução
histórica, quando serão destacadas as causas e consequências desses conflitos de
luta pela terra e por melhores condições de vida e trabalho. Nesse sentido, também
se destaca a questão política e o papel do Estado frente às reivindicações dos sujeitos sociais
envolvidos na questão agrária, uma vez que, como veremos nesta aula, o Estado em muitos
momentos buscou conter os avanços dos movimentos sociais, quer seja de forma repressiva,
quer seja ignorando a situação.

Objetivos
Conhecer o surgimento e evolução histórica dos conflitos
1 sociais no campo brasileiro.

Compreender que os principais problemas associados à


2 questão agrária estão ligados às relações econômicas e
políticas regidas pelo Estado.

Entender as consequências socioterritoriais causadas


3 pelos conflitos sociais no contexto brasileiro.

Aula 4 Geografia Agrária 53


Histórico dos conflitos
sociais no campo
Os conflitos sociais no campo brasileiro constituem uma das marcas do desenvolvimento
e do processo de ocupação do campo. Na realidade, para entender esse processo precisamos
compreender o processo de ocupação e apropriação do território.

Os povos indígenas foram os primeiros a conhecer a fúria dos colonizadores. A história


registra o genocídio desses povos, que participaram de muitas histórias de massacres no
campo, como pontua Oliveira (1988, p. 15): “O território capitalista brasileiro foi produto
de conquista e destruição do território indígena. Espaço e tempo do universo cultural índio
foram sendo moldados ao espaço e tempo do capital”. A luta dos povos indígenas não cessou
nunca na história brasileira.

A violência no campo não é recente. A história está repleta de casos e tentativas de romper
com o sistema fundiário e as injustiças sociais no país. No período da escravidão, destaca-se
Quilombo a luta dos quilombolas. Dentre esses quilombos, Palmares, situado em Alagoas, foi o grande
Sistema comunitário exemplo de luta, resistência e destruição. No entanto, o fim da escravidão não foi suficiente para
de vida na floresta para acabar tais lutas e injustiças sociais. Destaca-se a luta sangrenta de Canudos (1893-1897), no
onde iam os negros
que conseguiam fugir
sertão da Bahia, que segundo Martins (1981), envolveu o exército e milhares de camponeses.
da escravidão, ou seja, O saldo foi de cinco mil mortos, com severas derrotas às forças militares.
território negro livre
no seio do latifúndio
branco europeu.

Figura 1 – Arraial de Canudos


Fonte: Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.passeiweb.com/saiba_mais/fatos_historicos/
brasil_america/imagens/canudos_conselheiro_casa.jpg>. Acesso em: 15 maio 2009.

Além da Guerra de Canudos, temos a Guerra de Contestado, nas regiões do Paraná e


Santa Catarina, nos anos de 1912 a 1916. Este conflito também envolveu o exército e deixou um
saldo de cerca de três mil mortos (MARTINS, 1981). Outra luta de caráter importante consistiu
na luta dos colonos nas fazendas de café, onde as greves eram reprimidas pelos capangas
armados. Os fazendeiros de café reagiam com repressão armada. As greves ocorriam devido
ao não pagamento do salário, tentativa de redução de pagamento, castigos, multas etc.

Como podemos notar, são vários os exemplos de luta dos trabalhadores do campo por
melhores condições de vida e trabalho, ou melhor, nas palavras de Oliveira (1988, p 22),

54 Aula 4 Geografia Agrária


o século XX tem sido rico em exemplos de luta pela terra, e dois processos têm atuado
no sentido de soldar o movimento dos camponeses no Brasil. De um lado, a tentativa do
resgate da condição de camponês autônomo frente à expropriação, representada pelos
posseiros e sua luta contra os fazendeiros grileiros. De outro, o movimento originado na
luta dos camponeses parceiros ou moradores contra a expropriação completa no seio
do latifúndio, que os transformava em trabalhadores assalariados.

Os processos descritos acima de luta no campo delinearam os conflitos sociais durante


o século XX. Exemplos desses processos foram a revolta de Trombas e Formoso, em Goiás, a
Guerrilha de Porecatu, no Paraná, e a formação das Ligas Camponesas no Nordeste brasileiro
(OLIVEIRA, 1988). Cabe destacar que é com as Ligas Camponesas, nas décadas de 1950 e
1960, que a luta camponesa ganha dimensão nacional. Segundo Fernandes (1996), as Ligas
Camponesas surgiram na década de 1940, sendo dependentes do PCB (Partido Comunista
Brasileiro), que foi considerado ilegal pelo governo em 1947. Dessa forma, as Ligas Camponesas
são violentamente reprimidas por pistoleiros e capatazes ou pelos próprios fazendeiros, que se
sentiam ameaçados com as invasões. Esse movimento ressurge na década de 1950 no estado
de Pernambuco e se expande por vários estados nordestinos. Durante os anos de 1950/60
ocorreram diversos conflitos no Brasil, conforme podemos perceber na Figura 2:

Maranhão – vales do Itapecuru, Pindaré e


Mearim – posseiros, luta por terra

Paraíba – região de Sapé


– foreiros

Pernambuco – limite
agreste/mata – foreiros;
mata – luta por melhores
salários e leis trabalhistas

Goiás – Formoso e
Trombas – posseiros – Bahia – zona do cacau –
luta por terra; Pires do melhores salários e leis
Rio – arrendatários trabalhistas

Minas Gerais – Triânculo Mineiro –


arrendatários (luta por não elevação
Paraná – Porecatu – luta das taxas de arrendamento); Vale do
por terra; Sudoeste Rio Doce – luta por terra
(Francisco Beltrão, Pato
Branco) – posseiros – Rio de Janeiro – Baixada
luta por terra da Guanabara – posseiros
– luta por terra
São Paulo – regiões
Rio Grande do Sul – diversas; melhores
acampamentos do salários e leis
Master – luta por trabalhistas; Santa Fé
terra; Encruzilhada do Sul – resistência de
do Sul, Sarandi, arrendatários à
Camaquã etc. expulsão

Figura 2 – Principais áreas de conflito no Brasil nos anos de 1950/60


Fonte: Medeiros (1989, p. 41).

Aula 4 Geografia Agrária 55


Agora, vamos realizar uma atividade para você retomar um pouco o conteúdo. Caso tenha
alguma dúvida, volte a sua leitura ou avance mais um pouco para responder o que se pede.

Atividade 1
Justifique a frase: “A formação do Brasil foi feita através da destruição de muitas
1 nações indígenas” (OLIVEIRA, 1988, p.56).

56 Aula 4 Geografia Agrária


Faça uma leitura do gráfico (Figura 3) e comente, de forma analítica, acerca dos
2 assassinatos de trabalhadores rurais e sua relação com os conflitos fundiários.

Figura 3 – Assassinatos de trabalhadores rurais relacionados aos conflitos fundiários, Brasil, 1964-2000

Fonte CPT e MST, disponível em: <www.scielo.br/img/revistas/rep/v26n4/07f2.gif>. Acesso em: 26 maio 2009.

Aula 4 Geografia Agrária 57


Na década de 1960 surge, no sul do país, o Movimento dos Agricultores Sem-Terra
(MASTER), que inicia as invasões nas grandes fazendas e permanece nelas através de
acampamentos, efetivando, assim, a territorialização da luta pela terra naquele espaço.
Entretanto, em 1964 o golpe militar mina todos os movimentos sociais formados, inclusive
as Ligas Camponesas – seus líderes foram presos, perseguidos ou “desapareceram”. Nesse
período deu-se início a um grande número de assassinatos no campo brasileiro. Ao tomarem o
poder, os militares afastam os principais interessados pela reforma na estrutura agrária brasileira
e os movimentos sociais foram exterminados, sendo permitida apenas a existência de pequenas
organizações de produtores rurais que praticamente não possuíam representatividade. Os
latifundiários ficaram, portanto, beneficiados nessa situação de repressão.

A repressão militar em si mesma abrira as portas para a ação violenta dos grandes
proprietários de terra, através de seus capatazes e pistoleiros, em centenas de pontos
no país inteiro, na certeza de que eram impunes e, além disso, aliados da repressão na
manutenção da ordem [...] Nunca na história do Brasil o latifúndio foi tão poderoso no
uso da violência privada e nunca as forças armadas foram tão frágeis em relação a ele
quanto durante o regime militar (MARTINS, 1999, p. 83).

Durante o período militar, em meados dos anos 70, a Igreja cria a as Comunidades Eclesiais
de Base (CEB´s) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) que, mesmo com a repressão, continuariam
o trabalho na articulação de novos movimentos, tão logo terminasse a ditadura militar. Em meio
a toda essa repressão nasce, em 1979, o movimento mais organizado do país, o Movimento
dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), sendo institucionalizado em 1985 (FERNANDES, 1996).

Figura 4 – Organização dos Trabalhadores Sem-Terra Figura 5 – Bandeira do MST

Foto: Sebastião Salgado. Disponível em: <http://www.vermelho.org.br>. Fonte: <http://www.seresteros.com>. Acesso em: 26 maio 2009.
Acesso em: 26 maio 2009.

58 Aula 4 Geografia Agrária


Vale salientar que os anos 1980 são marcados por fortes conflitos em que a violência e o
número de assassinatos no campo cresceram bastante. Segundo Oliveira (1988), praticamente
em todos os estados brasileiros havia conflitos pela terra, sendo registrados 1.363 conflitos entre
os anos de 1980 e 1981. O número de famílias envolvidas chegou a 365 mil, o que em números
absolutos representa aproximadamente 1.194 mil pessoas envolvidas diretamente em conflitos.

Nos anos de 1985 e 1986 ampliaram-se os conflitos armados e, em apenas dois anos,
foram mortos 524 trabalhadores. Tal aumento do número de mortos teve conexão direta
com o processo de desenvolvimento da implementação e início do PNRA (Plano Nacional
de Reforma Agrária) e surgimento da UDR (União Democrática Ruralista), que passaram a
fazer a defesa dos latifundiários. Nesse período concentram-se conflitos na região Norte (em
especial na região do Bico do Papagaio, na Amazônia, na região sudeste do Pará) e no Nordeste
(principalmente no Maranhão). O uso da violência se generalizou principalmente nas áreas de
fronteira (OLIVEIRA, 1988).

No seio desse processo o Estado buscou desarticular os movimentos, em alguns


momentos de forma repressiva e em outros ignorando a questão. De uma forma ou de outra,
o Estado buscou conter os avanços dos movimentos sociais. Entretanto, a sociedade civil tem
apoiado e tem conseguido forças para mudar esse cenário.

De forma geral, nos anos de 1980 surgem novos personagens gerados pela expulsão de
seringueiros de suas áreas (que se tornaram pastagens), na construção de usinas hidrelétricas,
pela expulsão de milhares de trabalhadores agrícolas devido à modernização do campo etc.
Dessa forma, intensificou-se a luta pela terra e pela reforma agrária (este tema será analisado
na próxima aula).

Nos anos 1990 até a atualidade um dos movimentos que mais se destacou entre vários
outros pela articulação nacional foi o MST, com a participação de milhares de trabalhadores
rurais e com a ocupação de terras ociosas ou públicas, o que tem forçado o Estado a realizar
políticas redistributivas e de (re)socialização dos sujeitos envolvidos. Abordaremos mais
detalhadamente o assunto na próxima aula.

Aula 4 Geografia Agrária 59


Atividade 2
Faça um levantamento da estrutura da distribuição de terra de seu município. O
1 levantamento dos dados pode ser realizado no IBGE ou no INCRA. Entre muitos
dados significativos, você pode coletar:

a) número de áreas ocupadas pelas propriedades e/ou estabelecimentos;

b) relação de trabalho e número de trabalhadores;

c) condições de trabalho no campo e remuneração recebida;

d) local de residência dos trabalhadores e a condição das mesmas.

60 Aula 4 Geografia Agrária


Visite o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de sua cidade para saber como andam
2 as relações entre trabalhadores e patrões. Pesquise sobre a existência ou não de
conflitos no campo na sua região e qual estágio de evolução se encontram. Procure
saber, também, se ocorrem (ou já ocorreram) greves de trabalhadores na região e
o porquê de suas ocorrências.

Se possível, visite um acampamento ou assentamento rural e discuta com os seus


3 membros o porquê de sua luta. Em seguida, escreva o relato de sua experiência.
Caso não haja um acampamento próximo, pesquise na internet depoimentos de
assentados e descreva-os aqui.

Aula 4 Geografia Agrária 61


Leituras complementares
MEDEIROS, Leonilde Servolo de. História dos movimentos sociais no campo. Rio de Janeiro:
FASE, 1989. 215 p.

É interessante ler, em especial: o capítulo II, que trata da emergência e consolidação das
organizações de trabalhadores rurais entre 1945 e 1964; o capítulo III, sobre a atomização das
lutas; e o capítulo IV, sobre como os trabalhadores rurais recuperam espaço na cena política.

Figura 6 – Leonilde Servolo de Medeiros


Fonte: http://www.fazendeiro.com.br/noticias/images/30-09_g.jpg

GUERRA de Canudos. Direção de Sérgio Rezende. [s.l.]: Columbia TriStar Pictures, 1997.

Sinopse do filme:

Em 1893, Antônio Conselheiro (um monarquista assumido) e seus seguidores


começam a tornar um simples movimento em algo grande demais para a
República, que acabara de ser proclamada e decidira enviar vários destacamentos
militares para destruí-los. Os seguidores de Antônio Conselheiro apenas defendiam
seus lares, mas a nova ordem não podia aceitar que humildes moradores do
sertão da Bahia desafiassem a República. Assim, em 1897, esforços são reunidos
para destruir os sertanejos. Estes fatos são vistos pela ótica de uma família, que
tem opiniões conflitantes sobre Conselheiro.

62 Aula 4 Geografia Agrária


Neste filme, observe os problemas sociais e a violência (legitimada pelo estado, via forças
armadas) que ocorrem em decorrência da questão fundiária. A luta pela terra é retratada através
do movimento de conquista pelo direito de propriedade das terras já ocupadas.

CABRA marcado para morrer. Direção de Eduardo Coutinho. [s.l.]: Globo Vídeo, 1984.

Sinopse do filme:

O filme é uma narrativa semidocumental da vida de João Pedro Teixeira, um líder


camponês da Paraíba, assassinado em 1962. Foi interrompido em 1964, em razão
do golpe militar, e recomeçado 17 anos depois, recolhendo os depoimentos dos
camponeses que trabalharam nas primeiras filmagens. Conta a história das Ligas
camponesas de Galileia e de Sapé e a vida de João Pedro através das palavras de
sua viúva, Elizabeth Teixeira, que conta sobre a sua vida nesses vinte anos, assim
como a de seus filhos, separados dela desde dezembro de 1964.

Neste filme, teremos uma ideia real dos movimentos das ligas camponesas. O retrato da
violência é dramático. A exclusão é narrada, demonstrando o lado perverso da ausência de
uma reforma agrária no Brasil.

Resumo
Nesta aula, estudamos os principais conflitos sociais no campo brasileiro,
tematizando suas causas e consequências. Destaca-se a questão política e o
papel do Estado frente às reivindicações dos trabalhadores do campo.

Aula 4 Geografia Agrária 63


Autoavaliação
Elabore um quadro identificando os principais conflitos sociais ocorridos no
campo brasileiro, as medidas tomadas pelo Estado em relação a estes conflitos
e as causas e consequências socioterritoriais.

Modelo:
CONFLITO AÇÃO DO ESTADO CAUSA E CONSEQUÊNCIA

Referências
FERNANDES, Bernardo M. MST: movimento dos trabalhadores rurais sem terra: formação e
territorialização em São Paulo. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1996. 285 p.

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A Geografia das lutas no campo. São Paulo: Contexto;
EDUSP, 1988. (Coleção repensando a Geografia).

MARTINS, J. de S. Os camponeses e a política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu


lugar no processo político. Petrópolis: Vozes, 1981.

______. O poder do atraso: ensaios de sociologia da história lenta. 2. ed. São Paulo: Hucitec,
1999. 174 p.

64 Aula 4 Geografia Agrária


Anotações

Aula 4 Geografia Agrária 65


Anotações

66 Aula 4 Geografia Agrária


Reforma agrária brasileira

Aula

5
Apresentação

N
esta aula, estudaremos o tema da reforma agrária no Brasil, tratando as principais
dificuldades para sua implantação. O debate sobre a reforma agrária não é novo, mas
nos anos mais recentes muitas políticas de reforma agrária foram desenvolvidas pelo
Estado. Nesse cenário, destaca-se a participação dos movimentos sociais reivindicatórios da
luta pela terra, como os sindicatos de trabalhadores rurais e o Movimento dos Trabalhadores
Rurais – MST, que tem se revelado bastante forte pela articulação nacional. Veremos, nesta
aula, quais são as necessidades e estratégias utilizadas pelos movimentos sociais de acordo
com suas especificidades regionais e a as políticas de reforma agrária realizadas pelo Estado,
em que se destacam os assentamentos rurais.

Objetivos
Entender os percursos da reforma agrária brasileira e as
1 principais dificuldades para sua implementação.

Compreender as organizações sociais e suas vertentes em


2 relação à reforma agrária dentro de suas territorialidades.

Analisar as políticas de reforma agrária realizadas pelo


3 Estado.

Aula 5 Geografia Agrária 69


O contexto da
reforma agrária brasileira

O
debate da reforma agrária no Brasil não é novo. Entretanto, na atualidade ele ganha uma
nova roupagem, muito distinta da que teve nos períodos anteriores (por exemplo, nos anos
de 1950). Esse debate estava ligado, em geral, ao caminho da industrialização brasileira.
Temia-se que a agricultura viesse a constituir um obstáculo ao processo de industrialização,
porque não aumentaria a produtividade dos trabalhadores nela ocupados. Isso significava, por
um lado, que o setor agrícola não responderia em absoluto às necessidades alimentícias e às
matérias-primas de que a indústria necessitaria, assim como os níveis de renda da população
agrícola também não aumentariam, impossibilitando a criação de um mercado interno.

A reforma agrária tinha como objetivo principal solucionar as crises agrárias e agrícolas
pelas quais o país passava. Em suma, a reforma agrária objetivava alterar a estrutura de posse
no uso da terra no Brasil, com intuito de promover o desenvolvimento mais rápido das forças
produtivas no campo. O lema principal da reforma era: “é preciso acelerar a penetração das
relações capitalistas de produção na agricultura brasileira”. Com isso, entregar os latifúndios
para os camponeses suprimiria as relações pré-capitalistas e aumentaria a produção, derivando
o fim da ociosidade nos latifúndios.

No entanto, estudos realizados sobre a reforma agrária no Brasil nesse período mostraram
que não houve redistribuição de terra. Pelo contrário, aumentou a concentração da propriedade;
concomitantemente, aumentou a miserabilidade no campo. Entretanto, a estrutura agrária
brasileira não constituiu um empecilho à industrialização no país. Nesse sentido, podemos
dizer que o desenvolvimento das relações de produção capitalista no campo brasileiro teve
grandes avanços na solução da questão agrícola em detrimento da questão agrária, que, ao
Fordista-keynesiano contrário, foi agravada.
periférico
Nesse contexto, foi criado em 1963 a Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Nos anos de 1930 a
Agricultura (CONTAG), órgão máximo do sindicalismo brasileiro que, nos anos da ditadura
1970 prevaleceu, nos
países capitalistas, militar, sofreu grandes repressões e foi acusada pelos críticos de colocar “panos quentes” e
esse modelo que apagar incêndios nas questões agrárias por não exercer uma luta mais objetiva e reivindicatória
combinava consumo
dos problemas do campo. Porém, para alguns a CONTAG acumulou importantes vitórias,
e produção em massa
e caracterizava-se pela mesmo no período militar, sabendo recuar e avançar dependendo da conjuntura política.
regulação de mercado
de trabalho e pelo Segundo Linhares e Teixeira da Silva (1999), o período dos anos de 1950, baseado no
Estado interventor. modelo fordista-keynesiano periférico, a chamada substituição de importação, de relativo
bem-estar social, mas restrito a trabalhadores industriais urbanos, são características
principais do desenvolvimento regional desse momento. Em paralelo, a questão agrária é
Ethos identificada com a questão nacional na luta contra o atraso e pela soberania nacional; o binômio
Caráter cultural e social de minifúndio-latifúndio, com vínculo de dependência e prestígio distanciado do novo ethos da
um grupo ou sociedade.
produtividade industrial. Identifica raízes históricas na questão agrária brasileira.

70 Aula 5 Geografia Agrária


No período militar se dá a extensão do modelo fordista-keynesiano ao mundo rural, com
a criação de mecanismos mitigadores de bem-estar social para os trabalhadores rurais, como
o FUNRURAL - Fundo de Apoio ao Trabalhador Rural e o direcionamento para a industrialização
no campo; com o surgimento dos CAIs (Complexos Agroindustriais), a política implementada
para a pequena produção agrícola é restringida ao máximo, lançando os camponeses para as
chamadas fronteiras agrícolas. Simultaneamente, incentiva grandes projetos pecuaristas e de
madeireiros nessas áreas.

Cabe ressaltar que, durante o regime militar, os movimentos, manifestações, atos ou


tentativas de organização dos trabalhadores rurais eram imediatamente identificados como
subversivos, tornando-se caso de polícia. Foram tempos de fortes embates, como pode ser
observado nos versos de Thiago de Mello (1974):

O tempo é de cuidado, companheiro.


É tempo sobretudo de vigília.
O inimigo está solto e se disfarça,
mas como usa botinas, fica fácil
distinguir-lhe o tacão grosso e lustroso
que pisa as forças clara da verdade
e esmaga os verdes que dão vida ao chão

(Canto de companheiro em tempos de cuidados).

A ausência de reforma agrária intensifica o desemprego no campo, inclusive nas áreas


tradicionais de pequena produção consolidada, como nas regiões Sul e Sudeste do país,
inviabilizando o exercício da cidadania plena e fortalecendo a miséria no campo; mas, ao
mesmo tempo, ocorre a politização sobre a questão agrária. A nova paisagem rural brasileira,
tendo como atores principais os CAIs, integram-se ao sistema econômico mundial capitalista
através dos insumos, das patentes e do consumo, derivando a ampliação e concentração de
capital e aumentando a exclusão no campo.

Com o fim da ditadura militar, democratização do país e a promulgação da Constituição


de 1988, marcava-se um novo capítulo na política brasileira e no contexto internacional com a
adoção do neoliberalismo. Nesse período, foi estabelecido o PNRA, Plano Nacional de Reforma
Agrária, e criado o MIRAD, Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário, constituído
de políticos e especialistas e com o objetivo de assentar um milhão e quinhentas mil famílias de Lobby
trabalhadores rurais. Isso estava assegurado na Constituição de 1988, que define claramente
Grupo de pressão
o uso da terra como função social. Ao mesmo tempo, consolidava-se um dos mais poderosos
na esfera política,
lobbies de proprietários de terra do país, a UDR – União Democrática Ruralista, constituída de grupo de pessoas
políticos da direita brasileira, que era ligada a grandes grupos industriais, principalmente dos ou organizações que
tentam influenciar,
CAIs. A UDR, através de seus lobbies no Congresso e no Senado Federal, exercia influência
aberta ou secretamente,
em votações fundamentais direcionadas à reforma agrária. as decisões do poder
público em favor de
seus interesses.

Aula 5 Geografia Agrária 71


Como você deve ter percebido, a reforma agrária envolve vários setores e classes sociais,
o que se constitui num entrave, pois o que para alguns seria a solução, para outros é um
problema. Além disso, a reforma agrária não se remete apenas à redistribuição de terra, como
pontua Martins (2003, p. 42):

[...] a reforma agrária não é apenas redistribuição de terra, mas redistribuição de


oportunidades de reinserção ou de inserção no sistema econômico, forma de atenuar ou
neutralizar as forças que tendem a dele expulsar ou descartar os inaproveitáveis de uma
economia crescentemente seletiva e crescentemente dominada e regulada pela lógica
do mercado e do lucro.

Atividade 1

Em que consiste a reforma agrária?


1
Comente a relação entre a constituição de 1988 e as mudanças que
2 ocorreram no cenário da reforma agrária brasileira.

72 Aula 5 Geografia Agrária


A reforma agrária
e os contrastes regionais
A reforma agrária brasileira é uma questão complexa, que desde a colonização tem sido
relegada a segundo plano. Além disso, devemos considerar os diferentes aspectos regionais
brasileiros. Graziano da Silva (1980) expõem alguns aspectos que diferenciam e explicam,
de certa forma, os motivos das reivindicações dos trabalhadores rurais de acordo com as
especificidades regionais. Para isso, o autor utiliza a regionalização proposta pelo geógrafo
Pedro Pinchas Geiger, que divide o Brasil em três grades regiões: Amazônia, Nordeste e Centro-
Sul (Figura 1). Na disciplina Geografia Regional do Brasil, você pode aprofundar ainda mais a
proposta de regionalização de Geiger. Vamos, agora, destacar alguns aspectos da análise de
Graziano da Silva.

Na região Centro-Sul do país, o ponto central das lutas e reivindicações parece ser
o cumprimento da legislação trabalhista (salário mínimo, domingo remunerado, férias,
indenização etc.). Estas reivindicações estão contextualizadas no processo de informalidade
que passa essa classe, pois a maioria dos trabalhadores rurais não tem carteira assinada.
Assim, embora exista o Estatuto do Trabalhador Rural e uma legislação complementar,
elas soam insuficientes. Em outras palavras, além de pouco, o que existe em benefício do
trabalhador rural não é cumprido. O não cumprimento da legislação, segundo os próprios
líderes, deve-se à fraqueza dos sindicatos brasileiros.

Em relação à região Nordeste, com exceção das zonas do Brasil Central e da zona
litorânea pertencente a esta região, destaca-se a luta dos pequenos rendeiros contra os
proprietários de terra. Assim como os trabalhadores em geral, sua reivindicação específica
é o cumprimento da legislação existente, embora os rendeiros também reivindiquem a
aplicação da legislação agrária consubstanciada no Estatuto da Terra e textos complementares.
Entretanto, as normas do Estatuto da Terra constituem um sonho, pois a grande maioria dos
contratos de parceria e arrendamento no Brasil desrespeita a lei, tanto no que se refere às
condições especiais não permitidas, quanto à porcentagem máxima cobrada do parceiro, além
dos preços dos arrendamentos das terras. Desse modo, os trabalhadores rurais nordestinos
são obrigados a vender sua produção aos proprietários, a se abastecer nos armazéns destes,
a prestar serviços gratuitos aos proprietários etc.

Aula 5 Geografia Agrária 73


N

O L
OCEANO
PACÍFICO
S
OCEANO
ATLÂNTICO
Amazônia
Nordeste ESCALA
Centro-Sul 0 500
Km

Figura 1 – Mapa com as grandes regiões ou complexos regionais brasileiros.


Fonte: Becker (1972).

Nas zonas de expansão de fronteira agrícola na região Norte e Centro-Oeste, a luta dos
Grilagem posseiros se dá contra a grilagem de suas terras, que é uma das maneiras pelas quais as
Falsificação de grandes propriedades ampliam seus domínios. O que os posseiros da Amazônia reivindicam
documentos que se dá não são apenas terras, mas que as terras deixem de ter valor. Em outras palavras, a resistência
quando uma pessoa
dos posseiros contra os grileiros é uma luta contra a utilização da terra para fins não-produtivos,
(grileiro) consegue várias
procurações falsas de seja como reserva de valor, seja como meio de acesso a outras formas de riqueza (minério,
pessoas desconhecidas, madeira de lei etc.). Hoje, a luta dos posseiros é um dos mais profundos questionamentos à
geralmente camponeses
propriedade capitalista de terra no Brasil.
que assinam os papéis
para seus “patrões”. Com
A regionalização das reivindicações específicas dos trabalhadores rurais brasileiros não
estes documentos falsos,
é realizada a compra significa, em totalidade, a existência de uma unidade de um plano mais geral. O centro da
de várias propriedades questão é que todos os grupos de trabalhadores rurais pertencentes às regiões dependem,
vizinhas, como se fosse
em maior ou menor grau, da venda de sua força de trabalho para sobreviver, seja por não
um grande loteamento.
disporem dos meios de produção insuficientes ou por não possuírem nada para vender além
de sua força de trabalho.

74 Aula 5 Geografia Agrária


Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem-Terra – MST
Uma das grandes novidades no cenário político e social brasileiro foi o fortalecimento do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, o MST, na década de 1990. Ele surgiu como
um forte movimento social autônomo, desvinculado de partidos políticos e de governos, num
momento de refluxos das organizações sindicais e de partidos de esquerda como PT, PDT, PC
do B e PCS, em plena crise de desemprego que assolava o país nesse período. Na sua essência,
nega a cartilha neoliberal, o latifúndio brasileiro e os conservadores da política brasileira. Além
disso, faz duras críticas à atuação das duas maiores forças sindicais brasileiras – a CUT e a
força sindical – por não atuarem de forma concisa nas questões econômicas e, principalmente,
na questão agrária do Brasil.

O MST tem mostrado grande organização e mobilidade invejável a qualquer organização


social, pois consegue mobilizar, em um só protesto, trabalhadores de várias partes do Brasil,
sempre acatando as orientações centrais do movimento. Isso causa na direita reacionária
brasileira um imenso temor; ela passa a exigir do governo dura repressão pela força policial e
pela lei, criminalizando-o. Além disso, usam a mídia para denegrir a imagem deste movimento
perante a opinião pública brasileira, comparando o MST à guerrilha zapatista, no México, e Guerrilha zapatista
às Ligas camponesas; a direita reacionária defende a existência uma verdadeira guerrilha civil Movimento que se
no campo e solicita a atuação repressiva do exército contra esse movimento. inspirou na luta de
Emiliano Zapata
Para João Pedro Stédile (1997), o MST é um movimento de massa de caráter sindical; (líder dos embates
pela reforma agrária
mas também é um movimento popular, porque as reivindicações não se esgotam na terra,
mexicana) contra o
sendo um movimento que briga contra o Estado e o latifúndio. Para estes homens, a reforma regime autocrata de
agrária não é apenas uma forma ou via de desenvolvimento: a reforma agrária é considerada Porfirio Diaz, que
encadeou a Revolução
uma necessidade primordial dos trabalhadores. Tem intuito de reduzir a concentração da terra,
Mexicana em 1910.
mudando a forma de sua utilização e tendo como algumas das finalidades a diminuição do
êxodo rural e a construção de uma cidadania plena através da democratização das condições de
trabalho e do acesso à terra. Para a maioria dos pensadores de esquerda, a estrutura fundiária
é herança do passado colonial do país, que mantém características injustas e atrasadas. Não
é possível, de forma alguma, pensar em desenvolvimento justo com a presença do latifúndio.
Contrapondo-se a essa ideia, temos o pensamento da direita brasileira, que considera a
estrutura fundiária justa e democrática. Como exemplo, podemos citar a UDR, que diz que
os conflitos do campo são uma síntese de agitadores de esquerda e de ideólogos urbanos;
esses conflitos, inclusive, lançariam sobre o campo os restos de desempregados das cidades
fantasiados de sem-terra.

Aula 5 Geografia Agrária 75


A principal reivindicação dos trabalhadores rurais é uma reforma agrária que não pulverize
antieconomicamente a terra, e sim uma redistribuição de renda, de poder e de direitos em que
surjam novas formas alternativas como as cooperativas e multifamiliares. Em resumo, não
anseiam a mera distribuição de pequenos lotes, o que apenas os habilitaria a continuarem sendo
mão de obra barata para os grandes proprietários, como também almejam uma mudança na
estrutura política e social no campo.

A reforma agrária também tem um objetivo de romper com o monopólio da terra,


permitindo, assim, que se apropriem do seu próprio trabalho. Para isso, torna-se necessário
eliminar o latifúndio e sua função parasitária da terra, desde o caso daqueles que deixam a terra
à espera de valorização imobiliária até os que a utilizam para repassar um recurso financeiro
para os pequenos produtores rurais.

Apesar de uma regionalização desigual nos país, não é possível ignorar o desenvolvimento
econômico pelo qual o campo brasileiro passou, principalmente nas últimas décadas. Como
consequência dessas transformações e do desenvolvimento, os trabalhadores rurais não se
limitam a reivindicar somente a reforma agrária parcial. Eles reivindicam uma reforma que
leve em consideração questões como preços mínimos, comercialização, crédito e assistência
técnica voltadas para os pequenos produtores, uma vez que as políticas agrícolas estão voltadas
para os grandes latifundiários e engendradas numa tríplice aliança entre indústria, banco e
grandes proprietários de terra. Tal fato se justifica porque o crédito é utilizado para comprar
mercadorias como tratores, colheitadeira, defensivos químicos etc. Além disso, os bancos
preferem grandes financiamentos, ou seja, os grandes fazendeiros – os bancos e a indústria
formam uma aliança crucial para a reprodução do capital no campo.

Atividade 2

Justifique: “As normas do Estatuto da Terra constituem um sonho”.


1
Fale sobre o surgimento do MST e o papel deste movimento na luta
2 pela terra.

76 Aula 5 Geografia Agrária


Cenário recente da
questão agrária brasileira: marco
jurídico e política de assentamento
A partir de 1985, com a redemocratização ou período da Nova República (1985-1989),
as desapropriações se tornam um dos objetivos prioritários para o plano do governo. Nesse
período é lançado o PNRA, como foi dito anteriormente, que estabelece zonas prioritárias
com fins de reforma agrária. No entanto, as desapropriações foram ocorrendo de maneira
não sistemática e não planejada, uma vez que se adotou a desapropriação emergencial. Esse
sistema de desapropriação emergencial retirou a flexibilidade do poder público em desapropriar
outros imóveis dentro de uma área prioritária, uma vez que nas desapropriações emergenciais
a área prioritária coincidia com a área de possível desapropriação por interesse social (LEITE
et. al, 2004, p.39).

Aula 5 Geografia Agrária 77


Você sabia?
Nova República é o nome do período da História do Brasil que se seguiu ao fim
da ditadura militar. É caracterizado pela ampla democratização política do Brasil
e sua estabilização econômica. Usualmente, considera-se o seu início em 1985,
quando, concorrendo com o candidato situacionista Paulo Maluf, o oposicionista
Tancredo Neves ganha uma eleição indireta no Colégio Eleitoral, sucedendo o último
presidente militar, João Figueiredo. Tancredo não chega a tomar posse, vindo a
falecer vítima de infecção hospitalar contraída na ocasião de uma cirurgia. Seu
vice-presidente José Sarney assume a presidência em seu lugar. Sob seu governo
é promulgada a Constituição de 1988, que institui um Estado democrático e uma
república presidencialista, confirmada em plebiscito em 21 de abril de 1993.

No PNRA, a reforma agrária aparecia como prioridade do governo. O plano objetivava


assentar 7 milhões de trabalhadores rurais sem-terra ou com pouca terra no prazo de 15 anos.
Para isso, contava com a participação da CONTAG, que apoiava a Nova República. No entanto,
alguns segmentos apresentavam resistência à operacionalização do plano, uma vez que havia
interesses em sua concretização. A resistência à proposta se deu em diferentes segmentos,
em que o MST fez oposição e continuou a organizar as ocupações de terra. Outros segmentos
de oposição foram os representantes da classe fundiária, que organizaram um encontro para
discutir as diretrizes do PNRA e fundaram um grupo para defender os interesses da classe – a
União Democrática Ruralista, UDR (MEDEIROS, 2003).

O PNRA teve sua proposta derrotada pelos proprietários representados pela UDR, que
logo polarizaram o combate ao plano, defendendo o direito de propriedade – se necessário,
inclusive, com uso da força. Com isso, os resultados do PNRA foram poucos, uma vez que na
Nova República foram assentadas apenas 83.687 famílias.

Para garantia de condições de investimento na terra, foi criado, nesse momento,


o Programa de crédito Especial para Reforma Agrária – PROCERA (MEDEIROS, 2003). O
PROCERA foi criado em 1985, no governo José Sarney, pelo Conselho Monetário Nacional,
com o objetivo de aumentar a produção e produtividade agrícola dos assentamentos de reforma
agrária. O programa visava a plena inserção do assentado no mercado, objetivando permitir a
sua emancipação, ou seja, a independência da tutela do governo. O PROCERA foi o responsável
pelos financiamentos e instalação de infraestrutura nas áreas de assentamentos.

No período de transição do final dos anos 1980 e início dos anos de 1990, o poder
judiciário fora o ator principal no comando da questão agrária brasileira, uma vez que havia uma
imprecisão em definir o latifúndio improdutivo. Em 1993, é aprovada a Lei 8.629, que definiu que
a propriedade que não cumprisse sua função social era passível de desapropriação, adotando
critérios de tamanho para essa desapropriação, em módulos fiscais (sendo passíveis de
desapropriação as propriedades acima de 15 módulos fiscais), banindo da lei o termo latifúndio.

78 Aula 5 Geografia Agrária


No governo de Fernando Henrique Cardoso, inicialmente a questão agrária perde lugar
na discussão, uma vez que o Plano Real era o centro do debate político e econômico. Mas
logo a questão agrária retoma lugar de destaque, devido à ação violenta e o crescimento
do número de eventos em que a polícia legitimada pelo Estado combatia os movimentos.
Dentre esses movimentos, destacou-se a luta travada entre a polícia e os militantes do MST
em Corumbiara (Rondônia), em 1995, e Eldorado dos Carajás (Pará), em 1996. Esse último
resultou no massacre de 17 trabalhadores. Tal evento foi filmado e teve repercussões em todo
o mundo, gerando protestos em vários organismos nacionais e internacionais. A questão
agrária retoma a discussão – inclusive para o âmbito da sociedade – e o MST intensifica as
mobilizações; outras entidades como os sindicatos, a Igreja e órgãos não-governamentais
também pressionam a desapropriação de terras.

Figura 2 – Primeira página do Jornal do Brasil de sexta-feira,


19 de abril de 1996, retratando o Massacre de Eldorado dos Carajás.
Fonte: <http://www.jblog.com.br/hojenahistoria.
php?blogid=57&archive=2008-04>. Acesso em: 20 maio 2009.

O MST organiza marchas nacionais por reforma agrária, emprego e justiça, reunindo milhares
de trabalhadores. Essas medidas têm repercussões na mídia e nas primeiras páginas de jornal.

Como consequência direta da efervescência da questão agrária aludida pelo MST, dos
sindicatos de trabalhadores rurais e outros mediadores, o governo cria, em 1997, o Ministério
de Desenvolvimento Agrário (MDA) para retomar a iniciativa política e reduzir as ações do MST,
principalmente nas ocupações de terras. Assim, o governo estabelece uma série de medidas
provisórias, decretos e leis complementares que modificam o modo pelo qual o poder executivo
agia em relação aos conflitos. Essas medidas foram tomadas para agilizar as desapropriações
de terra e para acalmar os ânimos dos trabalhadores “sem-terra”, em especial dos movimentos
liderados pelo MST.

Além disso, foram criadas algumas regulamentações para acelerar a realização dos
assentamentos rurais, dentre as quais:

 agilização do rito sumário;

 vistoria das terras, acompanhada de representantes sindicais;

 redução de juros compensatórios de 12% para 6% ao ano para desapropriações;

Aula 5 Geografia Agrária 79


 descentralização do Poder Federal, que passa a atribuir, também, à União e ao Estado a
realização de funções antes exercidas apenas por ele, para realização das desapropriações
e formação de assentamentos rurais.

Sob a ótica da descentralização iniciada no segundo mandato do governo FHC, as


medidas governamentais se consolidam com o programa “Agricultura familiar, reforma agrária
e desenvolvimento local para um novo mundo rural”, realizado em 1999, ficando conhecido
como “Novo mundo rural”. Esse programa firmou parcerias com estados e municípios,
principalmente na negociação de terras e infraestrutura.

Uma dos aspectos derivado desses arranjos é avaliada por Medeiros (2003, p. 57), em
que o assentado passa a ser visto como “empreendedor”, devendo ajustar-se ao mercado
competitivo. Daí derivam inúmeras críticas sobre esse modelo de reforma agrária, que alguns
denominam de reforma agrária de mercado ou reforma negociada, que se caracteriza pelo
caráter produtivista.

Ao longo dos últimos 20 anos, em linhas gerais, assim tem-se dado a instalação de
assentamentos rurais via políticas públicas, sejam esses assentamentos do INCRA ou do
Estado, através do Programa Cédula da Terra e do Banco da Terra. A intensificação da luta
pela terra pelos trabalhadores rurais que assumem a identidade de sem-terra faz com haja
a expansão dos assentamentos rurais em todo o país. A maior parte dos assentamentos
rurais foram criados pelo governo Federal, mas há também assentamentos conduzidos pelos
governos estaduais e municipais, em menor escala. Vale salientar que em algumas áreas do
Brasil há, também, assentamentos extrativistas (em especial na região Norte), preservando
as formas tradicionais de utilização dos recursos naturais.

Os assentamentos rurais representam uma mudança na organização do espaço do campo.


Esses novos territórios, apesar da dispersão e da não contiguidade, significam o repovoamento
do espaço rural.

Para finalizar, é importante ressaltar que as lutas por terra resultaram na criação de uma
quantidade relativamente maior de assentamentos rurais em relação aos períodos anteriores, e
que os números da Tabela 1 foram objeto de intensa disputa entre governo e movimentos sociais.

Tabela 1 - Assentamento de famílias por período de governo

PERÍODO FAMÍLIAS ASSENTADAS


1964/1984 (regime militar) 77.465
1985/1989 (governo José Sarney) 83.687
1990/1992 (governo Collor de Mello) 42.516
1993/1994 (governo Itamar Franco) 14.365
1995/2002 (governo Fernando Henrique) 579.733*
2003/2005 (governo Lula) 245.061
*Exclui famílias que tiveram acesso à terra por meio do Banco da Terra e Crédito Fundiário, num
total de 55.302.

Fonte: INCRA/MDA. Adaptado de Medeiros (2003, p.74).

80 Aula 5 Geografia Agrária


Atividade 3
Faça uma leitura do Quadro 1- Principais conflitos envolvendo a questão agrária e
1 escreva suas principais conclusões.

  1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Conflitos de Terra*
Ocorrências de
152 277 174 366 495 659 752 777 761 615
Conflito
Ocupações 599 593 390 194 184 391 496 437 384 364
Acampamentos 65 64 285 150 90 67 48
Total Conf. Terra 751 870 564 625 743 1.335 1.398 1.304 1.212 1.027
Assassinatos** 38 27 20 29 43 71 37 38 35 25
Pessoas Envolvidas 662.590 536.220 439.805 419.165 425.780 1.127.205 965.710 803.850 703.250 612.000
Hectares 4.060.181 3.683.020 1.864.002 2.214.930 3.066.436 3.831.405 5.069.399 11.487.072 5.051.348 8.420.083

Conflitos Trabalhistas
Ocorrências de
14 16 21 45 147 238 236 276 262 265
Trabalho Escravo
Assassinatos 1 4 1 2 3 1
Pessoas Envolvidas 614 1.099 465 2.416 5.559 8385 6.075 7.707 6.930 8.653
Ocorrências de
Superexploração
56 28 33 25 22 97 107 178 136 151
e Desrespeito
Trabalhista
Assassinatos 5 1 2 1
Pessoas Envolvidas 366.720 4.133 53.441 5.087 5.586 6.983 4.202 3.958 8.010 7.293

Conflitos pela Água


Nº de Conflitos 14 20 60 71 45 87
Assassinatos 2
Pessoas Envolvidas 14.352 48.005 107.245 162.315 13.072 163.735
Outros ***
Nº de Conflitos 279 69 50 129 52 2 8
Assassinatos 4
Pessoas Envolvidas 109.162 164.909 62.319 106.104 43.525 250 3.660

Total
Nº de Conflitos 1.100 983 660 880 925 1.690 1.801 1.881 1.657 1.538
Assassinatos 47 27 21 29 43 73 39 38 39 28
Pessoas Envolvidas 1.139.086 706.361 556.030 532.772 451.277 1.190.578 975.987 1.021.355 783.801 795.341
Hectares 4.060.181 3.683.020 1.864.002 2.214.930 3.066.436 3.831.405 5.069.399 11.487.072 5.051.348 8.420.083

Quadro 1 - Principais conflitos envolvendo a questão agrária

Fonte: Setor de Documentação da Secretaria Nacional da CPT, 15/03/2008.

*Ocorrências de conflitos: número de famílias despejadas, expulsas, com pertences destruídos, que sofreram ação de milícia privada.
**Assassinatos: está separado nos grandes eixos: Terra, Trabalhista, Água.
*** Outros: Conflitos em Tempos de Seca.

Aula 5 Geografia Agrária 81


Analise e redija um pequeno texto acerca do trecho abaixo encontrado na obra Morte
2 e Vida Severina:

Funeral de um lavrador
Esta cova em que estás
Com palmos medida
É a conta menor
Que tiraste em vida
É de bom tamanho
Nem largo nem fundo
É a parte que te cabe
Deste latifúndio
Não é cova grande
É cova medida
É a terra que querias
Ver dividida [...]
(João Cabral de Melo Neto, 1965)

Leia o texto elaborado pelas entidades de movimentos membros do Fórum Nacional de


Reforma Agrária e responda a Atividade 4 a seguir.

82 Aula 5 Geografia Agrária


Carta da Terra
(em defesa da reforma agrária e da agricultura familiar)

As organizações que compõem o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo
– acreditando na urgência da democratização do acesso à terra e à água – defendem a realização
de uma ampla reforma agrária e o fortalecimento da agricultura familiar, pois só elas garantirão
o direito ao trabalho para a população rural, historicamente excluída, e a produção de alimentos
para o mercado interno, estruturando o caminho para a soberania alimentar do nosso país.

As entidades do Fórum defendem, por isso, a criação e a implementação de um Plano Nacional de


Reforma Agrária e a construção de alternativas de desenvolvimento rural sustentável e solidário
para o Brasil, que alterem radicalmente o atual modelo de desenvolvimento agropecuário,
excludente, predatório e concentrador de terra, renda e poder. Com este objetivo, lutam para:

1) a desapropriação dos latifúndios como o caminho constitucional para garantir a função


social da terra; uma legislação que limite o tamanho das propriedades rurais através
de emenda constitucional e o confisco integral de todas as terras onde houver trabalho
escravo, exploração de trabalho infantil, cultivo de plantas psicotrópicas e daquelas usadas
para práticas de contrabando ou adquiridas mediante práticas ilegais;

2) o respeito aos direitos humanos no campo, combatendo todas as formas de violência


e o fim da impunidade; o reconhecimento e a demarcação das terras das comunidades
indígenas e das áreas de remanescentes de quilombos; a criação de reservas extrativistas; a
formulação de políticas públicas que respeitem a organização sociocultural e as formas de
apropriação e uso dos recursos naturais destes povos e de populações como os ribeirinhos,
seringueiros, quebradeiras de coco e outras;

3) o planejamento da produção familiar que leve em consideração as diversidades regionais,


sua viabilidade e sustentabilidade econômica, social e ambiental com linhas de crédito
de custeio e investimento acessíveis, com programas de seguro agrícola e de serviços
de assistência técnica pública, gratuita e de qualidade e com garantia de preços mínimos
justos e de comercialização da produção;

4) a implantação de agroindústrias populares nos municípios do interior, nas diversas formas


cooperativas e associativas, para as quais sejam destinados prioritariamente os recursos
públicos, para melhorar a renda das famílias e promover um processo de interiorização
do desenvolvimento e da economia solidária;

5) a produção de sementes pelos próprios agricultores e agricultoras, inclusive com incentivos


às iniciativas populares de resgate às sementes crioulas, como forma de garantir as sementes
como patrimônio da humanidade. Para tanto, combatem o patenteamento de seres vivos e a
liberação da produção comercial e uso de sementes transgênicas, indutoras de monopólio
que destrói a soberania dos agricultores e são nocivas ao meio ambiente e à saúde humana;

Aula 1 Geografia Agrária 83


6) o desenvolvimento e a disseminação de novas técnicas agrícolas não agressivas ao
meio ambiente, implantando sistemas agropecuários sustentáveis que eliminem o uso de
agrotóxicos; a preservação dos recursos hídricos e a democratização do acesso a fontes
e mananciais de águas como bens públicos e patrimônio da sociedade;

7) a melhoria e o fortalecimento do sistema previdenciário baseado na seguridade social, pública


e universal, permitindo o acesso e a permanência dos trabalhadores e trabalhadoras rurais
no Regime Geral da Previdência Social, garantindo uma vida digna à população do campo;

8) a implementação das diretrizes operacionais para a educação básica – aprovadas pelo


Conselho Nacional de Educação – nas escolas no campo, localizadas prioritariamente nos
projetos de assentamentos, comunidades e distritos rurais, reforçando a utilização de
práticas educativas que tenham como referência a terra e a água, a organização e a cultura
do campo, facilitando o acesso às escolas, combatendo o analfabetismo e garantindo o
direito de todos à educação de qualidade em todos os níveis;

9) a garantia de igualdade de oportunidades e direitos para mulheres e jovens que


corrijam discriminações decorrentes de práticas e sistemas sociais injustos, buscando
sua inclusão social a partir de ações afirmativas para que seu potencial organizativo
e suas habilidades produtivas sejam aproveitados na construção de alternativas de
desenvolvimento e de soberania;

10) a elaboração de políticas públicas específicas para cada região do País, sobretudo para
as que sofrem com condições climáticas adversas; com ênfase ao desenvolvimento de
políticas de convivência com o semiárido brasileiro, especialmente o nordestino (onde
se concentra o maior número de agricultores e agricultoras familiares) que, submetido
ao esgotamento dos recursos naturais, a práticas clientelistas históricas e a tecnologias
inadequadas, fica à mercê de programas compensatórios, fazendo-se urgente uma
política de desenvolvimento sustentável para o mesmo.

Nesta luta pela reforma agrária e em defesa da agricultura familiar, as entidades e


movimentos sociais signatários desta querem fortalecer a solidariedade entre os povos do
continente latino-americano através da construção de mecanismos justos de cooperação e
comercialização. Posicionam-se, por isto, contrários à criação da Área de Livre Comércio
das Américas (ALCA), que representa o monopólio comercial estadunidense, inclusive das
multinacionais do setor de alimentação, e que vem sendo imposta, concretizando um modelo
oposto às históricas lutas populares pela democratização da terra, das riquezas e do poder. A
continuidade deste tipo de negociações e acordos requer a realização de um plebiscito como
forma de diálogo e participação ampla da população nos mesmos.

As entidades esperam ainda que os órgãos públicos, em todos os níveis de governo,


sejam estruturados e organizados para viabilizarem o Plano Nacional de Reforma Agrária,
implementando as políticas públicas definidas para sua área de atuação.

Brasília, 23 de abril de 2003.


Fonte: <http://www.cptnac.com.br/>. Acesso em: 21 maio 2009.

84 Aula 1 Geografia Agrária


Atividade 4
Agora, responda:

a) Você concorda com o documento? Justifique sua resposta.

b) Quais medidas você considera mais importantes ou primordiais para


solucionar a problemática agrária?

Leituras complementares
MEDEIROS, Leonilde Servolo de. Reforma agrária no Brasil: história e atualidade da luta pela
terra. São Paulo: Perseu Abramo, 2003. (Coleção Brasil Urgente).

A obra debate sobre a reforma agrária e a complexidade das relações que geraram
os demandantes de terra – que continuam a ter essa demanda na ordem do dia, num país
urbanizado e industrializado. Para esta aula é interessante ler os capítulos 2, 5 e 6. O capítulo
2 trata da origem do debate sobre a reforma agrária no Brasil, a política fundiária do governo
militar e das bases legais para a reforma agrária. O capítulo 5 mostra os resultados das ações
fundiárias nos anos de 1980-1990 e a experiência dos assentamentos rurais e o capítulo 6
analisa a atualidade da reforma agrária.

VIDAS secas. Direção de Nelson Pereira dos Santos. [s.l]: Sino Filmes, 1963. Baseado no
livro Homônimo de Graciliano Ramos.

Sinopse: No paupérrimo Nordeste brasileiro, uma família vive sem esperanças no futuro
por causa da seca e miséria que assolam suas vidas. Uma das grandes obras-primas do cinema
brasileiro.

É relevante observar as condições de vida do agricultor no nordeste brasileiro, em que


as péssimas condições de trabalho, além dos problemas naturais – como as seca – são
agravadas pela estrutura fundiária concentrada em grandes propriedades de terra (causa maior),
acarretando na expulsão do homem do campo para a cidade. Deixa evidente a necessidade de
uma política de redistribuição de terra no Brasil.

Aula 5 Geografia Agrária 85


Resumo
Você estudou nesta aula os caminhos e descaminhos da reforma agrária no Brasil
tomando como referência os anos de 1950 até os tempos recentes, uma vez que
recrudesceram os movimentos sociais de luta pela terra, embates e conflitos
que pressionaram o Estado à tomada de medidas para a realização da reforma
agrária. Além disso, você verificou os contrastes regionais brasileiros em relação
às reivindicações dos trabalhadores rurais, a organização e expansão do MST e
as políticas efetivas recentes para a reforma agrária brasileira.

Autoavaliação
Explique, de maneira resumida, o percurso da reforma agrária no Brasil.
1
Quais as principais dificuldades na implementação da reforma agrária no Brasil?
2
Destaque as principais políticas de reforma agrária promovidas pelo Estado brasileiro
3 entre meados dos anos 1970 e 1990.

De que maneira os contrastes regionais dificultaram o processo de reforma agrária?


4
Como o MST, uma organização social, promoveu e se inseriu neste contexto de
5 reforma agrária?

86 Aula 5 Geografia Agrária


Referências
BECKER, Bertha. Crescimento econômico e estrutura espacial do Brasil. Revista Brasileira
de Geografia, Rio de Janeiro, v. 34, n. 4, p. 101-116, 1972. Disponível em: <http://biblioteca.
ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-%20RJ/RBG/RBG%201972%20v34_n4.pdf>.
Acesso em: 7 out. 2009.

LEITE, Sergio et al. Impactos dos assentamentos: um estudo sobre o meio rural brasileiro.
Brasília: Instituto de Cooperação para a agricultura: NEAD; São Paulo:

UNESP, 2004. 392 p.

LINHARES, Maria Yedda Leite; SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Terra prometida: uma
história da questão agrária no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1999.

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A Geografia das lutas no campo. São Paulo: Contexto;
EDUSP, 1988. (Coleção repensando a Geografia).

MARTINS, José de Souza. O sujeito da reforma agrária. In: J. S. (Coord.). Travessias: a vivência
da reforma agrária nos assentamentos. Porto Alegre: UFRGS, 2003. p. 11-52.

MARTINS, J. de S. Os camponeses e a política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu


lugar no processo político. Petrópolis: Vozes, 1981.

MEDEIROS, Leonilde Servolo de. Reforma agrária no Brasil: história e atualidade da luta pela
terra. São Paulo: Perseu Abramo, 2003. (Coleção Brasil Urgente).

STÉDILE, João Pedro. Questão agrária no Brasil. São Paulo: Atual, 1997.

Anotações

Aula 5 Geografia Agrária 87


Anotações

88 Aula 5 Geografia Agrária


Agricultura e sustentabilidade

Aula

6
Apresentação

N
esta aula, você estudará o tema Agricultura e sustentabilidade em que discutiremos
a necessidade de repensar um novo modelo agrário-agrícola, uma vez que o meio
ambiente tem sofrido diversos impactos, apresentando sinais de esgotamento. Você
verá que a continuidade do modelo vigente apresenta limitações ecológicas na medida em que
se intensifica o uso de práticas agrícolas prejudiciais aos ecossistemas. Nesse sentido, tem-se
buscado novas formas baseadas na sustentabilidade dos recursos naturais. Veremos nesta
aula os fundamentos da Agroecologia e as alternativas, as dificuldades e as vantagens para o
desenvolvimento rural sustentável.

Objetivos
Compreender as mudanças na agricultura no contexto da
1 sustentabilidade.

2 Entender os fundamentos da Agroecologia.

Conhecer alternativas que possibilitem a implantação do


3 desenvolvimento rural sustentável.

Aula 6 Geografia Agrária 91


Agricultura e sustentabilidade

A
nalisando o processo de evolução tecnológica da agricultura, podemos observar que
várias práticas e tecnologias foram desenvolvidas no sentido de melhorar o padrão de
produtividade e diminuir as restrições ambientais a atividade agrícola. A expansão do
uso de fertilizantes, adubos, herbicidas, pesticidas e fungicidas há décadas é motivo de críticas
de ambientalistas, de órgãos ligados à saúde e de sindicatos de trabalhadores, principalmente,
rurais. Nesse sentido, tem-se buscado novas alternativas de produção uma vez que o meio
ambiente tem apresentado sinais de esgotamento. A continuidade do modelo vigente de
consumo exacerbado apresenta limitações ecológicas na medida em que se intensifica o uso
de práticas agrícolas prejudiciais aos ecossistemas.

Um dos marcos políticos mais relevantes que intensificou as práticas agrícolas predadoras
foi a Revolução Verde concebida pelos Estados Unidos, no período pós-Segunda Guerra
Mundial, em que os países receberam um “pacote tecnológico” que visava combater a fome,
a miséria nos países subdesenvolvidos, entretanto o que se assistiu foi a acentuação dos
problemas socioambientais nos países beneficiados com essa política. O pacote tecnológico
era constituído de novas técnicas de cultivo, equipamentos, fertilizantes, agrotóxicos, etc. Tal
política aumentou à distância entre os grandes agricultores e os pequenos agricultores que
não tiveram condições de competir com o novo modelo de produtividade.

Nos anos de 1980, inicia-se uma discussão na opinião pública e, principalmente, nos
países desenvolvidos sobre temas ambientais impactantes resultantes da Revolução Verde, da
agricultura moderna, do efeito estufa, da poluição industrial, do desflorestamento entre outros.
Com isso, questionava-se até que ponto ou até quando os recursos naturais suportariam o
ritmo do crescimento econômico, tecido pelo Industrialismo e pela própria humanidade. Dessa
forma, consolidou-se um novo paradigma: o da sustentabilidade.

92 Aula 6 Geografia Agrária


Desenvolvimento sustentável
e sustentabilidade
A origem do debate sobre o desenvolvimento sustentável tem sua origem no debate
realizado na Conferência de Estocolmo em 1972, que se consolida na ECO-92, realizada em
1992 no Rio de Janeiro. O conceito de desenvolvimento sustentável mais referenciado é o de
Brundtland. Esse diz que o desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz as necessidades
das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas
próprias necessidades. Este novo estilo de desenvolvimento se pauta numa nova ética, na qual
os objetivos econômicos estão subordinados às leis de funcionamento dos ecossistemas e o
respeito à dignidade humana e a melhoria da qualidade de vida da sociedade.
Relatório
No final dos anos de 1980, precisamente em 1987, foi publicado o Relatório de Brundtland de Brundtland
chamado de “Nosso Futuro Comum” que ajudou a disseminar o ideal de um desenvolvimento
Documento elaborado
sustentável para diferentes setores da sociedade, entre eles a agricultura. A conferência pela Comissão Mundial
das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e o Meio Ambiente (ECO-92) reafirmou essa sobre Meio Ambiente.
ideia, apresentando o desenvolvimento sustentável como aquele que é capaz de garantir as A ministra da Noruega
Gro Harlem Brundtland
necessidades das gerações futuras.
foi indicada pela ONU
para estudar as questões
Nesse sentido, é imprescindível pensar uma agricultura permeada pelo desenvolvimento
ambientais e, também,
sustentável para romper com o modelo agrário-agrícola atual baseado na monocultura. Na tentativa chefiou a Comissão
de romper com essa lógica, algumas técnicas têm sido desenvolvidas. Nos últimos anos, cresce Mundial sobre Meio
Ambiente, sendo assinado
a discussão em torno da sustentabilidade, ou seja, promover a exploração de áreas ou o uso de
em 1987 o documento
recursos planetários (naturais ou não) de forma a prejudicar minimamente o equilíbrio entre final desses estudos que
o meio ambiente e as comunidades humanas e da biosfera que dele dependem para existir. chamou-se Nosso Futuro
Comum ou Relatório de
Vale salientar que a sustentabilidade depende de três variáveis interdependentes e Brundtland. Esse propõe
dependentes entre si, proporcionando a diminuição de impactos ambientais aos ecossistemas o desenvolvimento
sustentável e apresenta
agrário, urbano etc. O tripé da sustentabilidade é composto pelas variáveis social, econômico
uma série de medidas
e ambiental representadas no diagrama abaixo: que devem ser
promovidas para alcançar
o desenvolvimento
sustentável.

Social
Ecomômico

Ambiental

Figura 1 – Tripé da Sustentabilidade

Aula 6 Geografia Agrária 93


O desenvolvimento sustentável é um modelo que pode ser utilizado para produção e
reprodução dos espaços agrícolas, que visa atenuar os impactos socioambientais. Nesse
sentido, um dos ramos científicos que tem gerado bastante discussão é a Agroecologia.

Agroecologia
A Agroecologia é uma ciência que surgiu na década de 1970, como forma de estabelecer
uma base teórica para viabilizar uma agricultura alternativa, que aparece da necessidade de
mudar as técnicas modernas que causam diversos impactos ao solo com o uso intensivo de
agrotóxicos, fertilizantes, máquinas pesadas e sementes de alta produtividade, etc.

No campo cientifico existem várias definições para Agroecologia, mas podemos dizer
baseado em Servilha Guzmmán e González Molina (apud CAPORAL; COSTABEBER, 2001,
p. 37) que:

A Agroecologia corresponde a um campo de estudos que pretende o manejo ecológico


dos recursos naturais, para – através de uma ação social coletiva de caráter participativo,
de um enfoque holístico e de uma estratégia sistêmica – reconduzir o curso alterado da
coevolução social e ecológica mediante um controle das forças produtivas que estanque
seletivamente as formas degradantes e espoliadoras da natureza e da sociedade.
Agroecossistema
A Agroecologia trabalha levando em consideração que os agroecossistemas são unidades
Unidade de trabalho fundamentais de pesquisa, levando em consideração os ciclos minerais, as transformações
no caso de sistemas
energéticas, os processo biológicos, as relações socioeconômicas e ambientais de forma
agrícolas que difere
fundamentalmente dos integrada. Ela é uma ciência que visa alcançar a sustentabilidade ecológica, social, econômica,
ecossistemas naturais cultural, política e ética. Essa é uma proposta de desenvolvimento sustentável.
por ser regulado pela
intervenção humana Além da Agroecologia existem outras manifestações de agricultura alternativa como a
na busca de um
Biodinâmica, a Ecológica, a Orgânica, a Regenerativa, a Permacultura entre outras. No entanto,
determinado propósito.
não podemos confundir a Agroecologia enquanto disciplina científica ou ciência como apenas
uma prática ou um estilo de agricultura.

Na Agroecologia, a busca da sustentabilidade é uma meta nos sistemas agroecológicos


que traça estratégias de minimização do uso de fontes artificiais de energia por fontes
naturais, ou melhor, a Agroecologia visa interpretar, entender e intervir nos agroecossitemas
de forma a favorecer o seu fluxo energético de água e nutrientes, mantendo-o e, se possível,
incrementando-o (BOEMEKE, 2001).

94 Aula 6 Geografia Agrária


Podemos listar alguns recursos ecológicos de produção agrícola e incrementação dos
sistemas como: o uso de biofertilizantes, caldas elaboradas com ingredientes naturais orgânicos
e químicos da propriedade ou da região, adubos de baixa solubilidade como o calcário e fosfatos
naturais, adubos verdes, o sal mineral caseiro, o plantio direto, o pastoreio rotativo, cortinas
vegetais, entre outros. A Agroecologia baseia-se no manejo racional dos agroecossistemas.

No entanto, a difusão dos sistemas agroecológicos encontra dificuldades para


implantação, observa-se que a agricultura orgânica se apropria melhor nos sistemas de
organização familiar de produção, uma vez que estes, na maioria das vezes, possuem estruturas
de produção diversificadas. Já para os produtores patronais, de grandes propriedades, as
dificuldades são maiores para a regra de diversificação da produção do agroecossistema. Além
disso, nessas propriedades ocorre forte interação com o mercado, fato este que se reflete no
processo de adoção de tecnologias que visam sempre os ganhos imediatos de produtividade,
independentemente do modo de produção.

Vale salientar, que a organização da produção social é um componente importante para


se analisar quando nos referimos ao custo de conversão para a agricultura orgânica com
bases agroecológicas. Nesse sentido, necessita-se de acréscimo na demanda de trabalho
para a implantação desse sistema. No caso da produção familiar, este custo de conversão não
é percebido, pois não há desembolso financeiro, diferentemente da produção empresarial
que terá custos para realizar a conversão. Dessa maneira, pode ser observado que os custos
presentes no processo de transição para modelos agroecológicos dificultam o desenvolvimento
efetivo para grande parte dos agricultores, mesmo considerando os preços dos produtos
agroecológicos que a rede de consumo está disposta a pagar.

Aula 6 Geografia Agrária 95


Atividade
Você concorda com o tripé da sustentabilidade? Por quê?
1

Social
Ecomômico

Ambiental

Em que consiste a Agroecologia? Aponte suas vantagens e algumas dificuldades


2 para efetivá-la.

96 Aula 6 Geografia Agrária


Qual é a relação entre desenvolvimento sustentável e Agroecologia?
3

Pesquise e aponte as diferenças entre a agricultura tradicional e a produção com


4 princípios agroecológicos. Cite exemplos. Para responder à questão sugerimos
consultar os sites: www.mda.gov.br, www.nead.org.br, www.rts.org.br entre
outras fontes.

Aula 6 Geografia Agrária 97


Leitura complementar
Para aprofundamento desta aula, leia o texto “O paradigma da sustentabilidade” da página
53 à página 81. No texto, o autor Ronaldo G. de Lima discute os princípios da sustentabilidade
e da Agroecologia como tendências importantes para a sustentabilidade do planeta.

ETGES, Virginia Elisabeta (Org.). Desenvolvimento rural: potencialidades em questão. Santa


Cruz do Sul: EDUNISC, 2001. 139 p.

Resumo
Nesta aula, estudamos o tema Agricultura e sustentabilidade em que é
evidenciada a importância de repensar um novo modelo de agricultura baseada
na sustentabilidade dos recursos naturais. Destacamos o desenvolvimento
sustentável e os fundamentos da Agroecologia que se baseiam no manejo racional
dos agroecossistemas.

98 Aula 6 Geografia Agrária


Autoavaliação
O que é desenvolvimento sustentável? Qual é a sua importância para o equilíbrio
1 social, econômico e ambiental?

Retome as suas respostas às questões na atividade desta aula. Verifique se você


2 conseguiu desenvolver a ideia de desenvolvimento rural sustentável, ou seja, o
desenvolvimento da agricultura sustentável economicamente viável e socialmente
aceitável, uma vez que não é possível separar os componentes do problema agrário,
socioeconômico e ecológico que demonstram complicações sociais, políticas e não
apenas técnicas, até porque não são as técnicas que estabelecem os limites para a
transição de um novo modelo agrícola. Não é possível defender mudanças ecológicas
no setor agrícola sem defender mudanças similares em outras áreas da sociedade
que estão inter-relacionadas. Elabore um texto contextualizando as possibilidades
para o desenvolvimento rural sustentável.

Referências
BOEMEKE, L. Rogério. Agroecologia: uma proposta em construção. In: ETGES, Virginia
Elisabeta (Org.). Desenvolvimento rural: potencialidades em questão. Santa Cruz do Sul:
EDUNISC, 2001. 139 p.

CAPORAL, Francisco Roberto; COSTABEBER, J. Antonio. Agroecologia e desenvolvimento rural


sustentável: perspectivas para um nova extensão rural. In: ETGES, Virginia Elisabeta (Org.).
Desenvolvimento rural: potencialidades em questão. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2001. 139 p.

VIANA, Gilney Amorim; SILVA, Marina; NILO, Diniz. O desafio da sustentabilidade: um debate
socioambiental no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001.

Aula 6 Geografia Agrária 99


Anotações

100 Aula 6 Geografia Agrária


Agricultura e a questão ambiental

Aula

7
Apresentação

N
esta aula, você estudará o tema agricultura e a questão ambiental, em que são
evidenciados os principais impactos ambientais rurais intensificados pela agricultura
moderna – baseada principalmente na monocultura, que vem utilizando novas
técnicas de produção em que se destacam o uso de máquinas, adubos, irrigação, agrotóxicos
e fertilizantes. Destaca-se também o desenvolvimento da engenharia genética e introdução
dos transgênicos e suas possíveis repercussões no meio ambiente. Além disso, você verá os
impactos ambientais causados pela agricultura predatória nos principais biomas brasileiros.

Objetivos
Analisar o uso das novas tecnologias no campo e suas implicações
1 ambientais.

2 Saber os principais impactos ambientais rurais.

Compreender os impactos ambientais no campo surgidos com a


3 engenharia genética e suas consequências para os ecossistemas.

Aula 7 Geografia Agrária 103


Agricultura e meio ambiente

O
espaço rural caracteriza-se pela heterogeneidade, que se traduz na existência do rural
tradicional, do rural moderno, do rural global muitas vezes num mesmo espaço social
e geográfico. Tal característica deve-se, entre outros fatores, a sua formação social. No
entanto, destacaremos os processos evolutivos na utilização de novas técnicas na agricultura
Impactos
em relação ao uso do solo dos quais derivam vários impactos ambientais.
ambientais

Desequilíbrio Os agroecossistemas, em geral, exibem uma biodiversidade bem menor que os


provocado por um ecossistemas naturais devido à agricultura moderna enfatizar a monocultura em detrimento da
choque, um “trauma
agricultura tradicional, que utiliza uma grande variedade de espécies sem o uso de agrotóxicos. É
ecológico”, resultante
da ação dos seres sabido que o uso de pesticidas, herbicidas e fertilizantes de origem química mudou drasticamente
humanos sobre o as bases da agricultura tradicional. Com isso, ocorreu um aumento na produtividade das lavouras
meio ambiente.
com auxílio de máquinas e equipamentos que foram adaptados às tecnologias de plantio. Esse
processo se deu efetivamente nos países desenvolvidos, os quais iniciaram a modernização
agrícola e passaram a utilizar em 1874 o primeiro composto orgânico – DDT (abreviatura
para dichloro-diphenyl-trichloro-ethane) – na agricultura e pecuária; essas passaram por uma
mudança estrutural drástica a partir do uso e convivência com a Química.

Paralelamente, no mesmo ano, 1874, os ambientalistas inauguraram a primeira unidade


de conservação do planeta nos EUA: o Parque Nacional de Yellowstone. A ideologia na criação
dessas unidades era proteger os “lugares selvagens e belos” dos próprios homens e das
atividades humanas para o deleite do homem moderno. Essa prática de criação de áreas e
unidade de conservação, apesar de várias críticas, teve e continua tendo importância para a
conservação da diversidade biológica e manutenção de determinados ecossistemas.

Entretanto, em relação ao DDT, em 1939, foram descobertas por Paul Muller suas
propriedades inseticidas. A aplicação do DDT para combater insetos rendeu-lhe o prêmio Nobel
da Química em 1948. O composto químico era uma arma para combater o inseto causador
da malária. No entanto, anos depois se descobriu que todos os compostos organoclorados
possuem propriedades cancerígenas e apresentam grande estabilidade química e alta toxidade.

Organoclorados: são compostos de carbono de cadeia acíclica contendo cloro,


podendo conter um anel aromático. Devido a sua ação cancerígena, inúmeros
de seus compostos foram banidos e outros tiveram suas estruturas modificadas
em vários países, inclusive o Brasil.

104 Aula 7 Geografia Agrária


Vale salientar que as novas técnicas se disseminaram pelo planeta, ampliando as
possibilidades de plantio em regiões de solo e climas, antes considerados inadequados. Nos
países subdesenvolvidos, em especial o Brasil, a agricultura era rudimentar, voltada para
produção e exportação de alimentos. O uso de novas técnicas e de defensivos químicos é
introduzido após a 2ª Guerra Mundial, quando os Estados Unidos promoveram a Revolução
Verde através de um pacote tecnológico que continha os equipamentos, insumos e defensivos
favorecendo a agricultura intensiva.

No entanto, com o tempo foi ficando evidente o custo da Revolução Verde. A exploração
da terra e seu aproveitamento máximo aliado à falsa ideia da infinidade de recursos naturais
na perspectiva de lucro rápido resultaram numa degradação ambiental intensa, quer seja na
contaminação dos solos e da água, quer seja no envenenamento dos trabalhadores agrícolas,
contaminação dos alimentos, empobrecimento da terra etc. Além disso, podemos destacar
outros aspectos negativos do ponto de vista social, uma vez que para adquirir o pacote
tecnológico da Revolução Verde os produtores deveriam dispor de capital ou de empréstimo
bancário. Dessa forma, o pequeno produtor foi expelido do mercado.

Nos anos de 1970/80, desenvolveu-se um intenso movimento crítico no que se refere à


Revolução Verde quanto ao uso de agrotóxicos e produtos químicos utilizados na atividade
agrícola. Nesse contexto, originou-se um movimento para promoção da agricultura orgânica e
da Agroecologia. Cabe destacar que a Revolução Verde, segundo Porto Gonçalves (2004), deve
ser entendida no contexto da geopolítica da Guerra Fria, ou seja, os países capitalistas centrais,
principalmente os Estados Unidos, implantaram-na com o intuito de conter movimentos
políticos no campo de cunho socialista e expandir o capitalismo no campo com a venda
de equipamentos, máquinas, insumos, fertilizantes etc. Deve-se lembrar que as empresas
agroquímicas e de equipamentos em geral têm suas sedes, em sua quase totalidade, nos
países europeus centrais, EUA e no Canadá.

Com isso, o atual modelo agrário-agrícola engendrado pelo sistema de produção de


sistema capitalista não é apenas uma questão técnica/ecológica, mas gira em torno de como
equacionar as dimensões econômicas e socioambientais para reduzir os impactos ambientais
no espaço geográfico, especificamente no espaço rural (GONÇALVES, 2004).

Atividade 1

Quais as implicações socioambientais provocadas pela Revolução Verde?

Aula 7 Geografia Agrária 105


Problemas ambientais rurais

Figura 1 – A insustentabilidade planetária

Fonte: <http://4.bp.blogspot.com/>. Acesso em: 15 dez. 2009.

Os impactos ambientais da agricultura manifestam-se com maior intensidade nos solos;


estes constituem um recurso com grande potencial de renovação, pois a perda de parte do solo
é compensada no processo de intemperismo sofrido pelas rochas que forma continuadamente
novos solos. Na atualidade, o uso inadequado do solo pela agricultura baseada na monocultura
utiliza grandes quantidades de defensivos agrícolas e fertilizantes e tem provocado sérios
danos ao meio ambiente.

A produção de espécies vegetais uniformes (soja, trigo, cana-de-açúcar, entre outros)


nos grandes latifúndios favorece o desenvolvimento de grande quantidade de espécies
invasoras – as pragas – que se alimentam desses produtos. É o caso da lagarta da soja,
do besouro bicudo do algodão, bactérias como os ácaros dos mamoeiros, o cancro cítrico
dos laranjais, as pragas dos cafezais, fungos que atacam o trigo e o milho e as pragas que
infestam os canaviais. Nas monoculturas, as pragas proliferam rapidamente e, para conter
a proliferação de tais manifestações, os latifúndios utilizam cada vez mais agrotóxicos, que
prejudicam tanto a saúde humana quanto o meio ambiente na contaminação dos solos e dos
lençóis freáticos, rios etc. Esses agrotóxicos são chamados também de defensivos agrícolas
(ROSS, 2001).

A aplicação frequente e intensa de agrotóxicos contamina os solos, tornando-o estéril


devido à eliminação microbiana, e ainda são usados herbicidas para o controle de ervas
daninhas ou mato, que se reproduzem mais rapidamente que as espécies cultivadas. Esses
herbicidas são tão tóxicos quanto os agrotóxicos, causando desequilíbrio na biodiversidade
dos ecossistemas.

Outro problema diz respeito à irrigação, que constitui uma prática bastante desenvolvida,
mas que deve ser planejada e acompanhada por outras práticas. O objetivo fundamental da
irrigação é levar água aos cultivos, possibilitando a produtividade e boa qualidade. Segundo

106 Aula 7 Geografia Agrária


a ONU (2000), cerca de 70% da água consumida mundialmente, incluída a desviada dos
rios e a bombeada do subsolo, é utilizada para a irrigação. No entanto, a irrigação provoca
diversos impactos ambientais, tais como modificação do meio ambiente, salinização do solo,
contaminação dos recursos hídricos, consumo exagerado da disponibilidade hídrica da região,
consumo exagerado de energia e problemas de saúde pública.

Além desses problemas ambientais, o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança


Climática) alerta que o mundo precisa reduzir seus gases causadores de efeito estufa para
estabelecer o equilíbrio da terra. A preocupação do IPCC é justificável, pois o efeito estufa
afetará todo o planeta e, de forma desproporcional, os países pobres, que de acordo com as
projeções científicas serão os mais atingidos por catástrofes naturais e problemas ambientais
como ciclones tropicais, chuvas torrenciais, escassez de água, doenças e degradação dos solos.
Esses países são mais vulneráveis devido à falta de recursos. Além disso, poderá ocorrer a
redução de colheitas e várias mudanças na produção agrícola. O Brasil seria um dos países
mais afetados devido às suas condições climáticas, edáficas e continentais.

Transgênicos e biotecnologia

Figura 2 – Transgênicos

Fonte: <http://ingeniosoft.blogdiario.com/img/transgen.jpg>. Acesso em: 15 dez. 2009.

Transgênicos são organismos que, mediante técnicas de engenharia genética, contêm


material genético de outros organismos. Os transgênicos, segundo os especialistas, causam
uma erosão genética, ou seja, reduzem a diversidade de plantas cultivadas.

Os defensores dos transgênicos argumentam que eles podem trazer benefícios ecológicos
em função de necessitarem de menor quantidade de aplicação de agrotóxico. Em contrapartida,
a maioria dos ambientalistas sustenta que os transgênicos deverão dinamizar o processo de

Aula 7 Geografia Agrária 107


erosão genética devido à priorização de determinadas espécies em detrimento da biodiversidade
genética. Além disso, deixam os produtores agrícolas reféns de companhias transnacionais
(por exemplo, Monsanto Estadunidense) que controlam as tecnologias e patentes tanto na
produção de sementes geneticamente modificadas quanto dos insumos necessários para
fazê-las produzir. O quadro a seguir sintetiza os principais cultivos transgênicos mundiais.

Tabela 1 – Principais cultivos transgênicos no mundo

Os principais cultivos transgênicos no mundo


(em milhões de hectares)
Produto Área cultivada
Soja tolerante a herbicida 36,5
Milho Bt resistente a insetos 7,7
Canola tolerante a herbicida 3,0
Milho tolerante a herbicida 2,5
Algodão Bt resistente a insetos 2,4
Algodão tolerante a herbicida 2,2
Algodão Bt tolerante a herbicida 2,2
Milho Bt tolerante a herbicida 2,2
Fonte: Internacional Service for the acquisition of
Agribiotech Applicaions (ISAAA) 2002

Segundo Lawrence (2008, p. 260), “a área de plantio de transgênicos no mundo tem


crescido bastante; a área plantada com transgênicos cresceu 12% em 2007, com valores
globais chegando a 700 milhões de dólares”. A autora, em seu artigo, chama atenção para o
crescimento brasileiro, que em 2007 ultrapassou os EUA em novas áreas de plantio. A Índia
continuou seu rápido crescimento, seguida de perto pelo Paraguai, África do Sul e Uruguai.
Em oposição, na Austrália as áreas com cultivos transgênicos continuam em queda.

Mudança de porcentagem
desde 2006
6% USA 57.7
6% Argentina 19.1
30% Brasil 15.0
15% Canadá 7.0
63% Índia 6.2
9% China 3.8
30% Paraguai 2.6
29% África sul 1.8
25% Uruguai 0.5
NA Filipinas 0.3
–50% Australia 0.1
0 10 20 30 40 50 60
Área de colheita transgênica em 2007 (milhão hectare)

OBS: O crescimento percentual da área plantada entre 2006 e 2007 está mostrado na coluna da esquerda. As barras
à direita evidenciam as áreas de cultivo de transgênicos, ou seja, representam a área ocupada pelos transgênicos
em hectares.

Figura 3 – Crescimento da área plantada e ocupada pelos transgênicos entre 2006 e 2007

Fonte: Lawrence (2008, p. 260).

108 Aula 7 Geografia Agrária


O gráfico demonstra o crescimento percentual da área plantada entre 2006 e 2007,
mostrado na coluna da esquerda. O que é enfatizado no artigo é que o Brasil está adotando a
tecnologia avançada para desenvolver o cultivo assim como os EUA, sem testar os efeitos dos
transgênicos na saúde humana e nos ecossistemas.

Entretanto, cabe lembrar que durante a RIO-92 foi assinada a Convenção Internacional
sobre Diversidade Biológica (CDB), ratificada por mais de 170 países, que reconhece os riscos
advindos da engenharia genética e ressalta o relevante papel que tem o acesso e transferência
de tecnologia entre os países signatários da Convenção para a conservação e uso sustentável
da biodiversidade, de modo que o uso de recursos genéticos não venha a causar danos
ambientais significativos.

Agricultura, tecnologia
e meio ambiente no Brasil

No Brasil, o início da influência dos seres humanos sobre o meio ambiente começa a
partir da chegada dos portugueses. Antes da ocupação do território brasileiro, as sociedades
indígenas que aqui habitavam sobreviviam basicamente da exploração dos recursos naturais
em harmonia com a natureza.

No Brasil, o predomínio da padronização dos cultivos, ou seja, o plantio de uma única


espécie tem causado desequilíbrio nas cadeias alimentares preexistentes, que se tornaram
verdadeiras pragas com o desaparecimento de seus predadores naturais (pássaros, cobras,
sapos, aranhas etc.). Esse padrão tem levado a utilização de agrotóxicos em grande quantidade,
ocasionando a seleção natural dos seres imunes ao veneno; com isso, os agricultores são
forçados a aplicar venenos cada vez mais potentes. Tal fato causa doenças para aqueles que
manipulam e aplicam esses venenos e para aquelas que consomem os alimentos contaminados,
e causa poluição dos solos, empobrecendo-os ao impedir a proliferação de microrganismos
fundamentais para sua fertilidade. Outro impacto danoso causado pela agricultura brasileira
é a erosão do solo, provocada principalmente pelo mau uso dele, tal como o revolvimento
do solo antes do cultivo, desagregando-o e facilitando o carreamento dos minerais pela água

Aula 7 Geografia Agrária 109


das chuvas. A perda de milhares de solos agricultáveis todos os anos é um dos mais graves
problemas enfrentados pela agricultura brasileira. Isso ocasiona graves impactos ambientais
nos biomas brasileiros. São eles: amazônico, cerrado, mata atlântica, caatinga etc.

Todos os grandes domínios brasileiros foram e estão sendo afetados pela expansão e
intensificação das atividades agrícolas baseados no manejo inadequado da terra. Os estudos
indicam que são perdidas 25 toneladas/ano de solo por hectare, muito acima dos índices
mundialmente considerados razoáveis, os quais variam entre 3 e 12 toneladas/ano. Atualmente,
esse processo alcança novas fronteiras ecológicas intensificado pelas novas tecnologias
da informática e da engenharia genética na produção de alimentos, principalmente pelas
agroindústrias, modificando profundamente as paisagens ambientais no Brasil.

No cenário brasileiro, um dos produtos agrícolas que tem se destacado é a soja, maior
produto de exportação e de área plantada. Ela tem avançado nas novas fronteiras agrícolas
(conforme Figura 4), principalmente no cerrado e na Amazônia, sendo o estado de Mato Grosso
o principal produtor. Entretanto, a monocultura da soja, assim como a pecuária, tem provocado
vários problemas ambientais nos domínios dos biomas brasileiros. O desmatamento no Brasil
é um reflexo do avanço da agropecuária. A derrubada da vegetação tem dado lugar a campos
para a agropecuária. Na Amazônia, o desmatamento, como pode ser visto na Figura 5 e na
Figura 6, tem sido uma constante preocupação que desperta vários estudos sobre o uso da
terra, uma vez que as florestas têm sido substituídas pela pecuária extensiva, plantio de grãos
e agricultura de corte e queima.

Figura 4 – Produção de soja brasileira em 2006


Fonte: IBGE.

110 Aula 7 Geografia Agrária


Taxa de Desmatamento Anual na Amazônia Legal
35000
30000
25000

Km2/ano
20000
15000
10000
5000
0
88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04 05 06 07 08
(a) (b) (b) c
Ano

Consolidado Estimativa

Figura 5 – Evolução da taxa de desmatamento de 1988 a 2008


(a: média 1977 a 1988; b: média 1992 a 1994; c: estimativa)

Fonte: INPE, Relatório PRODES, 2008.

ÁREAS DESMATADAS
OCEANO OCEANO
1950 - 1960 ATLÂNTICO
1980 - 2000 ATLÂNTICO

0 360 Km 0 360 Km

Figura 6 – Expansão do desmatamento na Amazônia

Fonte: IBGE (2003).

Os impactos ambientais no setor agrícola são mais intensos nos grandes latifúndios
monocultores e nas agroindústrias e com menor intensidade na pequena produção.
Por todos os impactos ambientais causados pela agricultura, torna-se relevante pensar um
novo modelo de produção agrícola que priorize a sustentabilidade ambiental, pois os recursos
naturais estão se exaurindo.

Aula 7 Geografia Agrária 111


Atividade 2
Quais são as principais preocupações sobre a introdução dos transgênicos na para
1 sociedade e quais são os possíveis impactos ambientais provocados pela transgenia?

Faça uma leitura do texto a seguir e indique quais são os principais impactos
2 causados pelo aquecimento global na agricultura brasileira.

Estudo avalia impacto do aquecimento global na agricultura

O aquecimento global poderá provocar uma mudança significativa no mapa


da agricultura brasileira, gerando a redução de áreas produtoras e prejuízos
econômicos de cerca de R$ 7,4 bilhões em 2020 e de R$ 14 bilhões em 2070.

Os resultados fazem parte do estudo “Aquecimento Global e Cenários Futuros da


Agricultura Brasileira”, que avalia o impacto do aumento da temperatura sobre
a agricultura em 2020, 2050 e 2070. A pesquisa avaliou as seguintes culturas:
algodão, arroz, feijão, café, cana-de-açúcar, girassol, mandioca, milho e soja.
Coordenado por Hilton Silveira Pinto, do Centro de Pesquisas Meteorológicas
e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Universidade de Campinas
(Unicamp), e Eduardo Delgado Assad, da Embrapa Informática Agropecuária,
o trabalho contou com a colaboração de 19 pesquisadores e com o apoio da
Embaixada do Reino Unido.

O estudo avalia que, se nada for feito para mitigar os efeitos das mudanças
climáticas ou adaptar as culturas para a nova situação, deve ocorrer uma migração
da produção agrícola para regiões que hoje não são de sua ocorrência em busca
de condições climáticas melhores. Os autores, todavia, lembram que a agricultura
pode ter um papel importante na mitigação e na adaptação aos impactos das
mudanças climáticas.
Fonte: <http://www.embrapa.br/imprensa/noticias/2008/agosto/2a-semana/
estudo-avalia-impacto-de-aquecimento-global-na-agricultura/>. Acesso em: 19 out. 2009.

Com base em seus conhecimentos, que medidas poderiam ser adotadas para
3 minimizar os impactos ambientais na agricultura brasileira?

112 Aula 7 Geografia Agrária


Leitura complementar
GONÇALVES, Carlos Walter. O desafio ambiental. Rio de Janeiro: Record, 2004.

É interessante você ler, em especial, o capítulo 13 – Quais são as implicações ambientais


específicas do atual modelo agrário/agrícola? E o capítulo 14 – Como o complexo oligárquico
agroquímico “absorveu” pós-revolução Verde?

Resumo
Nesta aula, você estudou os impactos ambientais na agricultura fazendo um
percurso no contexto mundial e brasileiro. Discutimos os problemas ambientais
rurais, a introdução de novas tecnologias no campo, o uso intensivo de
agrotóxicos, os transgênicos e os impactos ambientais rurais, destacando-se a
situação dos biomas brasileiros.

Autoavaliação
Com base em tudo o que foi discutido nesta aula, responda às seguintes questões.

a) Explique os principais impactos ambientais causados pela modernização da


agricultura.

b) Quais são as consequências e possíveis danos socioambientais trazidos


com o desenvolvimento da engenharia genética na agricultura, utilização
de práticas agrícolas baseadas na monocultura e o uso de agrotóxicos e
fertilizantes no campo?

Aula 7 Geografia Agrária 113


Referências
GONÇALVES, Carlos Walter Porto. O desafio ambiental. Rio de Janeiro: Record, 2004.

LAWRENCE, Stancy. Brazil surpasses US in new transgenic crop plantings. Revista Nature
Biotechnology, v. 26, n. 3, mar. 2008. Disponível em: <http://www.nature.com/nbt/journal/
v26/n3/index.html>. Acesso em: 8 abr. 2009.

ROSS, Jurandir L. Sanches. Geografia do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2001.

Anotações

114 Aula 7 Geografia Agrária


Anotações

Aula 7 Geografia Agrária 115


Anotações

116 Aula 7 Geografia Agrária


Espaço rural e espaço urbano

Aula

8
Apresentação
Nesta aula, você estudará o tema Espaço rural e urbano no que se refere a sua conceituação,
constituição e evolução histórica. Destacamos as mudanças socioespaciais no transcorrer do
tempo em sua evolução na relação cidade-campo.

Objetivos
1 Saber os conceitos sobre rural e urbano.

Entender as dificuldades metodológicas na conceituação


2 e definição desses espaços.

Analisar a evolução histórica e as principais mudanças na


3 relação cidade-campo.

Aula 8 Geografia Agrária 119


O rural e o urbano
A contraposição existente entre o rural e o urbano origina-se há mais de 5.500 anos,
ou seja, desde a Antiguidade, emergida pelas condições políticas e sociais que permitiram a
divisão socioespacial do trabalho. A história da divisão do trabalho conduziu a um contínuo
desenvolvimento das formas de produção da existência do homem.

No período medieval, os limites físicos entre a cidade e o campo eram evidentes nas
cidades muradas. As cidades nas sociedades tradicionais segundo Giddens (2000, p. 560),
eram na maioria pequenas e normalmente muradas e suas muralhas destinavam-se à defesa
militar, realçavam a separação entre a comunidade urbana e o campo.

Para Lefebvre (2001b, p. 29), a separação entre a cidade e o campo toma lugar entre as
primeiras e fundamentais divisões do trabalho (a biológica e a técnica) e completa:

A divisão social do trabalho entre a cidade e o campo corresponde à separação entre o


trabalho material e o trabalho intelectual, e, por conseguinte entre o natural e o espiritual.
À cidade incumbe o trabalho intelectual: funções de organização e de direção, atividades
políticas e militares, elaboração do conhecimento teórico (filosofia e ciências). [...] O campo,
ao mesmo tempo realidade prática e representação, vai trazer as imagens da natureza, do
ser, do original. A cidade vai trazer as imagens do esforço, da vontade, da subjetividade, da
reflexão, sem que essas representações se afastem de atividades reais. Dessas imagens
confrontadas irão nascer grandes simbolismos. (LEFEBVRE, 2001b, p. 29).

A cidade e o campo têm se constituído um dos mais significativos temas de interesse de


historiadores, sociólogos, antropólogos, economistas e geógrafos. Conforme Corrêa (1989,
p. 40), este interesse se explica, por duas razões: primeiro, da crença empirista de que cidade
e campo constituem as duas metades em que a sociedade pode ser dividida e analisada; e
segundo, da crença marxista de que a cidade e campo são dois termos de uma contradição
em torno da qual a história se faz.

Como entender na atualidade o que é rural e o que é urbano? Como qualificar o rural e o
urbano, sabendo-se que esses espaços têm passado por uma série de mudanças e têm gerado
debate entre os estudiosos que passam a falar de um novo rural no Brasil e do chamado rurbano?

Silva (1996) em seus estudos sobre o rurbano, ou seja, fusão do rural e do urbano
demonstra em suas análises a tendência à urbanização do campo e a inserção de atividades
não-agrícolas no campo ligadas ao lazer, à prestação de serviços e a indústria (conforme a
aula Transformações recentes no espaço rural)

No entanto, observa-se que a falta de definição do que é urbano, do que é cidade, do que
é rural é um embate. Dessa forma, destacamos alguns teóricos que assim definem:

120 Aula 8 Geografia Agrária


“Urbano designaria então uma forma especial de ocupação do espaço por uma
população, a saber o aglomerado resultante de uma forte concentração e de uma
densidade relativamente alta, tendo como correlato previsível uma diferenciação
funcional e social maior” (CASTELLS, 2000, p. 40)

“[...] distinção entre a cidade, realidade presente, imediata, dado prático-sensível,


arquitetônico – e por outro lado o ‘urbano’, realidade social composta de relações
a serem concebidas, construídas ou reconstruídas pelo pensamento” (LEFEBVRE,
2001b, p. 49).

“A noção de urbano (oposta à rural) pertence à dicotomia ideológica sociedade


tradicional/sociedade moderna, e refere-se a uma certa heterogeneidade social
e funcional, sem poder defini-la de outra forma senão pela sua distância, mas
ou menos grande, com respeito à sociedade moderna (CASTELLS, 2000, p. 47).

Como se pode perceber, vários autores discutem e tentam definir o que é rural é o que
é urbano e suas especificidades territoriais, econômicas e sociais. Além disso, ainda há uma
questão metodológica na definição do que vem a ser urbano e rural.

Atividade 1

Pesquise e discuta os parâmetros utilizados pelo IBGE na definição do que é


urbano e do que é rural no Brasil e estabeleça uma comparação com outros
países. Sugerimos consultar os sites: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cidade e www.
ibge.gov.br entre outras fontes disponíveis.

Aula 8 Geografia Agrária 121


Critérios utilizados
para definir o rural e o urbano
As discussões a respeito do que é rural e do que é urbano são importantes para
compreendermos a dinâmica do mundo. Um dos critérios utilizados pelos países como
Reino Unido, África do Sul, Tunísia e Brasil declaram como urbanos os residentes em áreas
com certa forma de administração como as sedes municipais brasileiras, utilizando limites
estabelecidos oficialmente.

Outro critério utilizado diz respeito à densidade demográfica, ou seja, o número de


habitantes por quilômetro quadrado, as áreas rurais serão sempre menos densamente
povoadas que as urbanas. No entanto, a densidade demográfica não se apresenta homogênea
na cidade. Reside aí um problema, pois considerar uma densidade como urbana é muito amplo
e indefinido, uma vez que os recenseamentos tomam por referência os domicílios. Dessa
maneira, existem centros urbanos, de urbanidade intensa, como os centros da cidade que
apresentam baixa densidade demográfica. Nesse contexto, não dá para considerar densidade
demográfica como sinônimo de urbanismo (ENDLICH, 2006).

O urbano e o rural também podem ser definidos pela natureza das atividades econômicas,
ou melhor, nessa visão o rural está vinculado às atividades primárias e o urbano reúne
percentual significativo em relação à ocupação da população em atividades secundárias e
terciárias. Esse critério é utilizado em países como o Peru e a Itália.

Os três critérios apresentados são exemplos estabelecidos e citados na literatura da


Geografia, da Arquitetura e da Sociologia entre outras Ciências, poderíamos citar outros
critérios referentes aos aspectos morfológicos e ao modo de vida dos habitantes. No entanto,
todos os critérios apresentam insuficiências na correspondência à atual realidade rural e urbana.

122 Aula 8 Geografia Agrária


Na Geografia é fundamental pensar a dimensão espacial na definição de rural e do urbano.
Ao discutir espaço, seja urbano ou rural, é sempre necessário pontuar que o espaço apresenta
especificidades decorrentes de sua construção histórica e passíveis a mudanças estruturais,
econômicas, sociais, sendo que no âmbito local devem-se mostrar as diferentes espacialidades.

a b

Figura 1 – a: O urbano no rural e b: O rural no urbano

Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/_BCoJvVCAYtE/SrPa82CY8I/AAAAAAAABbk/WlnLpg2y054/s400/modernidade+no+sert%C3%A3o.bmp>; <http://3.bp.blogspot.


com/_OPvhib1dciI/SkDeq1iZpmI/AAAAAAAALh0/HEJvJl3mMdY/s400/Carro%C3%A7a.jpg>. Acesso em: 13 dez. 2009.

A evolução geral
do campo e da cidade
No decorrer da formação e ocupação territorial, a sociedade está em constante mudança
que reflete diretamente na organização espacial e, consequentemente, nas relações humanas.
Na atualidade, uma das questões mais relevantes é sobre o rural e o urbano tanto no meio
acadêmico quanto nos órgãos de gestão pública na definição de políticas.

Ruy Moreira, renomado geógrafo pesquisador das mudanças espaciais, principalmente no


Brasil, demonstra em suas análises que são três as formas históricas da relação cidade-campo
enquanto modo de organização espacial das sociedades no tempo: cidade e campo numa
sociedade de cultura rural; cidade e campo numa cultura de divisão territorial de trabalho; e
cidade e campo numa sociedade de cultura urbana. Caracterizaremos cada momento a seguir:

1) A cidade e o campo numa sociedade de cultura rural – Essa fase diz respeito ao
surgimento da cidade no contexto da história geral, marcada pela presença de uma
economia de base rural. Nesse contexto, o trabalho é uma atividade rural e não urbana,
ou seja, pertence ao universo rural e não urbano.

Aula 8 Geografia Agrária 123


2) A cidade e o campo da divisão capitalista do trabalho e das trocas – Fase caracterizada
pelo nascimento do capitalismo e da divisão social do trabalho que viabiliza normas de
organização e da produção das trocas, criando a cidade e o campo que hoje conhecemos,
ou seja, à cidade cabe a função dos setores secundário e terciário e, ao campo cabem as
funções relacionadas ao setor primário. Estabelecem-se entre esses espaços, relações de
interdependência em que a cidade e o campo se relacionam através da troca entre produtos
secundários e terciários por produtos primários.

3) A cidade e o campo da cultura urbana - Essa fase se caracteriza pela instalação da


indústria no campo em que se formam os complexos agroindustriais, ocorrendo uma
espécie de fim da divisão de trabalho, técnica e territorial que recria relações entre os
setores que eram até então separados.

Atividade 2

Comente dois conceitos estudados a respeito do rural e do urbano.


1
Tomando como referência os conceitos estudados, como você
2 caracterizaria seu município em relação à urbanidade e a ruralidade.

Elabore um quadro sinótico, caracterizando o espaço do campo e


3 da cidade.

124 Aula 8 Geografia Agrária


Leitura complementar
SPOSITO, M. Encarnação Beltrão; WHITACKER, Arthur Magon (Org.). Cidade e campo: relações
e contradições entre urbano e rural. São Paulo: Expressão Popular, 2006. 248 p.

Para orientar seus estudos, leia o texto “O urbano e o rural em Henri Lefebvre” da página 53 à
página 64 e, também, o texto “Reflexões em torno do urbano no Brasil” da página 65 à página 80.

Resumo
Nesta aula, discutimos os conceitos de espaço rural e urbano, assim como os
critérios de delimitação desses espaços. Destacam-se as mudanças socioespaciais
no transcorrer do tempo em sua evolução em relação cidade-campo.

Autoavaliação
Elabore um texto, apontando as dificuldades encontradas na definição dos
espaços rural e urbano, considere:

a) critérios utilizados na delimitação do rural e do urbano;

b) dimensão espacial;

c) três formas históricas da relação cidade-campo, apontadas por Ruy Moreira.

Aula 8 Geografia Agrária 125


Referências
CASTELLS, Manuel. O processo histórico de urbanização. In: ______. A questão urbana. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 2000. p. 39 – 126.

CORRÊA, Roberto Lobato. A rede urbana. São Paulo: Ática, 1989. (Série Princípios).

ENDLICH, Ângela Maria. Perspectivas sobre o urbano e o rural. In: SPOSITO, M. Encarnação
Beltrão; WHITACKER, Arthur Magon (Org.). Cidade e campo: relações e contradições entre
urbano e rural. São Paulo: Expressão Popular, 2006. p. 11-31.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Porto


Alegre: Editora Globo, 1975.

GIDDENS, Anthony. As cidades e o desenvolvimento do urbanismo moderno. In: ______.


Sociologia. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000. cap. 17. p. 559-594.

LEFEBVRE, Henri. A cidade do capital. Rio de Janeiro: DP&A, 2001a.

LEFEBVRE, Henri. O direito a cidade. São Paulo: Centauro. 2001b.

SILVA, José Graziano da. O novo rural brasileiro. Campinas: Unicamp, 1996.

SPOSITO, M. Encarnação Beltrão; WHITACKER, Arthur Magon (Org.). Cidade e campo: relações
e contradições entre urbano e rural. São Paulo: Expressão Popular, 2006. 248 p.

Anotações

126 Aula 8 Geografia Agrária


Anotações

Aula 8 Geografia Agrária 127


Anotações

128 Aula 8 Geografia Agrária


Transformações recentes
no espaço rural

Aula

9
Apresentação
Nesta aula, você estudará as transformações recentes no espaço rural em que se
destaca a pluriatividade, ou seja, a inserção de atividades não-agrícolas no campo. Nesse
contexto, discutiremos o percurso da pluriatividade desde sua origem no cenário europeu e
sua repercussão no Brasil.

Objetivos
Saber as transformações no campo e suas implicações
1 socioespaciais no território brasileiro.

Relacionar as mudanças na agricultura brasileira às novas


2 atividades econômicas inseridas no campo.

Analisar as perspectivas socioeconômicas e os impactos


3 causados pelas novas atividades.

Aula 9 Geografia Agrária 131


Transformações
recentes no espaço rural

N
a atualidade, o mundo rural no Brasil não é mais restrito às atividades agropecuárias
e agroindustriais. Essas atividades dividem espaço com outras atividades ligadas ao
turismo, prestação de serviços e até indústria ficando difícil para os estudiosos do
“mundo agrário” delimitar onde começa ou termina o rural e o urbano (conforme discutimos
na aula 8 - Espaço rural e espaço urbano).

Segundo Graziano da Silva (1996), o mundo rural é maior que o mundo agrícola. O
mundo rural incorpora atividades novas tais como, os hobbies ou pequenos empreendimentos,
transformando-as em negócios rentáveis multiplicando os pesque-pague (figura 1), os sítios
de lazer, as casas de campo, fruticulturas, floriculturas, além de hotéis-fazenda (figura 2),
campos de golfe etc.

A área rural brasileira não se restringe mais à agropecuária e à agroindústria [...] Agora, a
agropecuária moderna e a agricultura de subsistência dividem espaço com um conjunto
de atividades ligadas ao lazer, à prestação de serviços e até à indústria, reduzindo cada
vez mais os limites entre o rural e o urbano do país. [...] Os mais de mil pesque-pague
espalhados por chácaras e sítios em todo o Brasil, por exemplo, utilizados como lazer
pela classe média urbana, já são responsáveis por 90% do destino dos peixes de água
doce criados em cativeiro. (SILVA, 1996, p. 48-54).

No Brasil, em meados da década de 1990, começam a se tornar evidentes algumas


transformações na cidade e no campo, tanto em si próprias como nas suas inter-relações. O
campo não pode mais ser considerado o espaço preponderante da produção agropecuária,

132 Aula 9 Geografia Agrária


pois o processo de ocupação e uso do solo passa por crescentes mudanças com o aumento
dos conteúdos urbanos no meio rural e diversificação das atividades produtivas. Nesse
sentido, cabe destacar o desenvolvimento da pluriatividade no Brasil. A pluriatividade pode
ser entendida como:

Um fenômeno através do qual membros das famílias que habitam o meio rural optam
pelo exercício de diferentes atividades, ou mais rigorosamente, optam pelo exercício
de atividades não-agrícolas, mantendo a moradia no campo e uma ligação, inclusive
produtiva, com a agricultura e a vida no espaço rural (Schneider, 2003, p. 48).

Figura 1 – Pesque-pague Cachimbo, em São José dos Pinhais/PR

Figura 2 – Hotel-Fazenda em Sabará/MG

Aula 9 Geografia Agrária 133


Origem da pluriatividade
Na discussão sobre a pluriatividade se destaca duas noções: agricultura de tempo parcial
(do inglês part-time farming) e de pluriatividade (do francês pluriativité) surgidas nos anos
de 1940, mas tomou grande notoriedade a partir dos anos de 1970. Entretanto, é objeto de
discussão entre os especialistas europeus se a pluriatividade como relação de trabalho na
agricultura é nova ou antiga.

As duas noções supracitadas surgem no mesmo momento, mas não são idênticas, o
conceito de pluriatividade é de longe mais adequado à dinâmica agrícola atual, uma vez que
o trabalho agrícola é pautado na descontinuidade temporal, pois não existe correspondência
entre tempo de trabalho e de produção, uma vez que essa dinâmica depende da natureza
não nos permitindo afirmar que a outra atividade signifique dedicação em tempo parcial à
agricultura. Ao contrário, a dinâmica sazonal do trabalho agrícola permite uma combinação
de atividade familiar de tempo integral. Portanto, a noção de pluriatividade é mais significativa
para compreendermos esse fenômeno que vem ocorrendo na agricultura.

Cabe salientar que o interessante é notar a diversificação das formas de organização


e dinâmica da agricultura familiar, suas estratégias de reprodução: assalariamento urbano,
transformação industrial ou artesanal das atividades agrícolas ou o desenvolvimento do terciário
(serviços, lazer) no espaço rural; e não entre a discussão sobre qual o melhor termo a ser
utilizado. O fundamental é compreender que as múltiplas atividades praticadas pelas famílias
rurais representam uma estratégia de reprodução dessas famílias em que especialização é
negada, como salienta Carneiro (1994 apud ALENTAJANO, 2001, p. 151):

Como resultado de um processo historicamente datado que começa com o estabelecimento


de um modelo ideal de exploração agrícola, se apoiando sobre a especialização da
produção (e do trabalho) e sobre a produtividade, a pluriatividade dos tempos modernos
se distingue daquela que era praticada durante o período da proto-industrialização. Nesses
termos, ela é recriada por uma parte da produção rural para afrontar as crises geradas
pela modernização da agricultura, como o demonstram os sociólogos, os economistas,
os agrônomos.

As transformações na agricultura familiar e a


pluriatividade no contexto europeu
A agricultura européia (ocidental) apresenta um caráter marcadamente familiar consolidado
no século XX, e indicava uma tendência de homogeneização ligada ao capital apresentando alta
mecanização e integração ao mercado de capitais. Tal acontecimento acarretou a especialização
dos agricultores. Entretanto, nos anos de 1970 uma parcela significativa dos agricultores resistia
a essa tendência. Nos anos de 1980, uma crise de superprodução levou esses agricultores a
diversificarem sua produção e suas atividades.

134 Aula 9 Geografia Agrária


A mudança que está ocorrendo na agricultura européia desde os anos de 1970 tem como
causas a dependência dos agricultores ao mercado, a preocupação da sociedade com as
questões ambientais, a busca por uma melhor qualidade de vida e renda complementar, entre
outras. Esta mudança de paradigma impulsiona a pluriatividade transformando os ramos da
Famílias monoativas
atividade agrícola de monoativa para pluriativa.
São aquelas em que
As análises feitas na Europa e no Brasil sobre a pluriatividade no campo estão relacionadas a força de trabalho
com a crise do modelo fordista de produção e a emergência desde os anos de 1970 do familiar é empregada
somente nas atividades
mundo flexível de produção que reestrutura e estrutura o espaço geográfico mundial. Como
agropecuárias, mas
exemplo, podemos destacar a desconcentração urbano-industrial que dinamiza as relações no não estão isentas de
campo, principalmente nos espaços rurais das pequenas propriedades levando esses espaços outras fontes de renda,
como aposentadoria
a pluriatividades como uma saída para a reprodução do capital e a sobrevivência desses
e pensões.
pequenos agricultores.

A pluriatividade no Brasil
As discussões em torno da questão da pluriatividade ou agricultura parcial no Brasil é
limitada e recente. Segundo Alentajano (2001), essas discussões começam na Europa na década
de 1980 e no Brasil começa em meados de 1990. Na realidade há uma série de controvérsias a
cerca da pertinência da utilização desses termos (pluriatividade e agricultura em tempo parcial).

Uma primeira controvérsia aparece no debate europeu para definir o tempo em que
a pluriatividade em tempo parcial predomina no mundo agrário. Para alguns especialistas
a pluriatividade sempre foi uma característica do campesinato, na realidade o que estaria
ocorrendo é um fortalecimento dessa prática. Para outros especialistas é uma novidade no
campesinato, uma vez que não se trataria de uma multiplicidade de atividades em função da
precariedade do acesso aos mercados em conjunto com as estratégias que ainda têm em
comum, a não ser a negação da moderna agricultura familiar: da espacialização e especialização.

A agricultura brasileira concentra a modernização nas grandes propriedades, diferente


dos países europeus onde se tornou uma agricultura familiar moderna. A inexistência no Brasil
desse processo de modernização da agricultura familiar impede de usar o termo pluriatividade,
no sentido de renascimento de uma prática camponesa típica como no sentido da negação da
modernização/especialização. Segundo Alentajano (2001), existem dois aspectos fundamentais
que comprometem o uso da noção de pluriatividade para a realidade brasileira:

1 – o reconhecimento de que o padrão de modernização se baseou, fundamentalmente,


na grande agricultura patronal e ampliou o poderio da grande propriedade no campo
brasileiro não elimina o fato de que se constituiu uma parcela significativa de agricultores
familiares e que entres esses, surgiu uma expressiva parcela de pluriativos;
2 – deve-se considerar também que mesmo os setores da agricultura familiar não
atingidos diretamente pela modernização agrícola, no sentido de se tornarem produtores
modernos, foram indiretamente, atingidos por esse processo, seja do ponto de vista
social, econômico ou ideológico, o que nos permite dizer que sua inserção na sociedade
sofreu significativas transformações (ALENTAJANO, 2001, p. 151-152).

Aula 9 Geografia Agrária 135


Outro ponto importante a ser levado em consideração é o ambiente necessário para o
aumento da pluriatividade. As análises feitas no Brasil e no continente europeu confirmam o
desenvolvimento da pluriatividade ao processo recente urbano/industrial difuso como elemento
basilador do modelo flexível de produção que acarretaria a pluriatividade no campo.

Associar a pluriatividade à industrialização difusa no Brasil segundo alguns autores fica


complicado, pois o modelo flexível de produção baseado no urbano/industrial é bastante
concentrado nas regiões sudeste e sul.

O trabalho realizado por Graziano da Silva e Del Grossi (1997 apud ALENTAJANO, 2001)
revela que a região sudeste apresenta uma maior pluriatividade no meio rural corroborando a
afirmação anterior. Entretanto, a região sul do Brasil possui a maior população em pequenas
propriedades e apresenta um espaço industrial desconcentrado, revelando uma baixa
pluriatividade conforme os dados que seguem:

Tabela 1 – População rural ocupada segundo setor de atividade principal que exerce; Brasil e regiões 1995
(1000 pessoas).

REGIÃO AGRICOLA NÃO-AGRICOLA TOTAL % NÃO AGRÍCOLA


Norte 137 50 187 27
Nordeste 6774 1730 8504 20
Sudeste 2817 1254 4071 31
Sul 2750 66 3416 19
Centro-oeste 841 230 1072 21
Brasil 13320 3930 17249 23
Fonte: Graziano da Silva e Del Grossi (1987 apud ALENTAJANO 2001, p. 154).

A tabela 01 reafirma que, na realidade, a pluriatividade em todas as regiões brasileiras


no campo, como aponta Schneider (1993), diminui a dicotomia entre rural-urbano. Esse novo
cenário pode ser compreendido pelo incremento do emprego não-agrícola no campo. Ao
mesmo tempo, aumentou a massa de desempregados, inativos que mantêm residência rural.

A situação atual mostra que as ocupações essencialmente agrícolas são as que geram
menor renda e que o número de famílias ocupadas em atividades agrícolas está diminuindo,
pois estas não conseguem sobreviver apenas com as rendas advindas da agricultura. Da
mesma forma, as famílias pluriativas, ou seja, que combinam atividades agrícolas e não-
agrícolas, também estão passando por um processo de redução, causado pela queda da
renda das atividades agropecuárias. Neste contexto, as famílias rurais brasileiras estão se
tornando cada vez mais não-agrícolas, obtendo sua sobrevivência de transferências sociais
(aposentadorias e pensões) e de atividades não-agrícolas (SILVA, 1996).

Outro fator importante a destacar é que as ocupações agrícolas mais genéricas, como
trabalhador rural e empregado agrícola, que empregam os trabalhadores com menor grau de
qualificação vêm diminuindo nos últimos anos, ao contrário das ocupações rurais não-agrícolas que
apresentam considerável crescimento. Cabe salientar que um terço das atividades não-agrícolas
geradas nos anos de 1980 a 1990 estão ligadas às ocupações de baixa qualificação como
empregados domésticos, ajudantes de pedreiro e prestadores de serviços diversos.

136 Aula 9 Geografia Agrária


Parte da força de trabalho agrícola (homens e mulheres de meia idade e sem qualificação
profissional) tem se tornado excedente devido à reestruturação produtiva e às novas tecnologias,
exercendo um papel determinante na reprodução do capital, pois parte dessa mão de obra
torna-se exército de reserva, funcionando como uma força produtiva sazonal no período de
colheitas, corte de cana-de-açúcar, por exemplo, e outras atividades. Entretanto, mesmo em
regiões que predominam grandes propriedades, a pluriatividade se desenvolve sem ocorrer à
democratização do acesso a terra.

Atividade 1
Quais são os fatores determinantes para o desenvolvimento da
1 pluriatividade no Brasil?

Justifique a frase: “a pluriatividade em todas as regiões brasileiras no


2 campo diminui a dicotomia entre rural-urbano”

Aula 9 Geografia Agrária 137


A pluriatividade nos assentamentos rurais
De forma geral, a pluriatividade é ainda pouco relacionada com a realidade dos
assentamentos rurais de reforma agrária sendo preciso e extremamente importante estudar
a temática, pois hoje é inegável o avanço da pluriatividade nesses espaços. Um exemplo é a
formação de cooperativas que diversificam o trabalho nesses espaços. Alentajano (2001) mostra
em uma pesquisa realizada em dois assentamentos no Rio de Janeiro a dinâmica econômica
através da integração associativa com o mercado, levando famílias à realização da pluriatividade.
Esta se tornou fundamental para a reprodução dessas famílias através do aumento da renda. Nos
casos pesquisados, as famílias pluriativas apresentam-se em maior número do que as famílias
monoativas e a média da renda também é maior nas famílias pluriativas do que nas monoativas.

As pesquisas e estudos recentes têm mostrado que a pluriatividade está em expansão


no campo em geral, principalmente nas pequenas propriedades e no caso dos assentamentos
rurais brasileiros, a pluriatividade também tem se realizado como uma forma importante de
reprodução social. Com isso, vários estudos apontam a necessidade para reavaliação da reforma
agrária brasileira, uma vez que não é levada em consideração a perspectiva pluriativa, ou
seja, diversificação de atividades como se os assentamentos apresentassem, exclusivamente,
atividades essencialmente agrícolas.

No mundo atual, as mudanças no campo político, econômico e social que vêm ocorrendo
indicam um novo estilo de vida em que as inovações nos setores de comunicação e transporte
mudaram as noções e as distâncias físicas conhecidas. A informática e a microeletrônica
possibilitam novas formas de organização industrial. Vários autores como, por exemplo,
Graziano da Silva (1996), Eli da Veiga, Alentajano (2001) e Porto Gonçalves (2004) apontam
a emergência de um novo paradigma produtivo tanto para agricultura como para a indústria,
pois as novas tecnologias estão alterando as formas de organização do trabalho e redefinindo a
localização espacial. O que temos assistido é um rearranjo espacial em que indústrias, atraídas
pelos benefícios fiscais e estimuladas pelo desenvolvimento das telecomunicações, têm se
instalado no campo em busca de melhores condições de produção e trabalho. O campo se
industrializa e se urbaniza na visão de vários autores.

Cabe destacar que as políticas voltadas para o campo ainda são muito incipientes e
direcionam-se para a melhoria das condições básicas de transporte, comunicação, saúde e
habitação. As áreas rurais apresentam outras necessidades, como definição ou zoneamento
de áreas industriais e de moradia, estabelecimento de áreas de preservação ambiental etc.

138 Aula 9 Geografia Agrária


Atividade 2
Leia o fragmento abaixo e construa um texto crítico relacionando-o com a realidade
1 no campo brasileiro.

Empreendimentos melhoram a vida dos agricultores do sertão piauiense.

23 jul. 2009

Filho de um agricultor de Ipiranga do Piauí, um dos muitos municípios castigados pela


seca no estado, José Francisco da Silva, 30 anos, já estava acostumado com sua sina. Ano sim,
ano não, ele arrumava a mala e partia em busca de trabalho nos canaviais de Minas Gerais ou
São Paulo. “Não era fácil, não. Além do trabalho duro, tinha a saudade da família”, diz ele, que
é casado e pai dos pequenos Tailan, 5 anos, Tainá, 7, e Tatiane, 12. O ano em que ficava junto
à família, vivia do seguro-desemprego, porque trabalho em Ipiranga é coisa rara. Em julho de
2007, no entanto, sua sorte virou.

A cidade, distante 280 quilômetros de Teresina, ganhou uma pequena fábrica para
beneficiamento de castanha do caju e José Francisco foi um dos 36 moradores que conseguiram
ocupação por lá. “Ganho por volta de R$ 450 por mês. É menos do que recebia na cana, mas
vale mais a pena”, conta. “Agora, já dá para fazer planos para o futuro. Quero dar conforto aos
meus filhos e ficar perto deles.” Sua mulher, Maria da Cruz, 30 anos, que só tinha trabalhado
como empregada doméstica, ainda antes de se casar, foi contratada pela unidade, gerenciada
por uma cooperativa dos trabalhadores rurais de Ipiranga. Com seus ganhos, vai engordar a
renda da família em mais R$ 250.
Fonte: <http://www.fbes.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=4602&Itemid=62>. Acesso em: 21 out. 2009.

Justifique a frase: “A pluriatividade é consequência das novas relações de poder


2 engendrado pelo modelo flexível de produção que se intensificou a partir de 1970”.

Aula 9 Geografia Agrária 139


Leitura complementar
ALENTAJANO, Paulo Roberto Raposo. Pluriatividade: uma noção válida para a análise da
realidade agrária brasileira? In: TEDESCO, João Carlos. Agricultura familiar: realidades e
perspectivas. 3. ed. Passo fundo, RS: UPF, 2001. 405 p.

Resumo
Nesta aula, você estudou as transformações recentes no espaço rural em que
se destaca a pluriatividade no campo. Nesse contexto, faz-se um percurso sobre
a origem da pluriatividade e seu desenvolvimento no campo brasileiro em que
se destaca o dinamismo e as relações estabelecidas com as novas atividades.

Autoavaliação
Com base em tudo o que foi discutido nesta aula, responda às seguintes questões.

a) A pluriatividade no campo brasileiro está relacionada com a desconcentração


industrial e urbana? Justifique.

b) Qual é a relação entre pluriatividade e a agricultura familiar brasileira?

140 Aula 9 Geografia Agrária


Referências
ALENTAJANO, Paulo Roberto Raposo. Pluriatividade: uma noção válida para a análise da
realidade agrária brasileira? In: TEDESCO, João Carlos. Agricultura familiar: realidades e
perspectivas. 3. ed. Passo Fundo, RS: UPF, 2001. 405p. Leia, em especial, para esta aula
o capitulo 4 que trata das novas relações de trabalho no campo brasileiro, destacando a
pluriatividade nas diversas regiões do país.

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. O desafio ambiental. Rio de Janeiro: Record, 2004.

SILVA, José Graziano da. O novo rural brasileiro. Campinas: Unicamp, 1996.

SCHNEIDER, Sérgio. O desenvolvimento agrícola e as transformações da estrutura fundiária nos


países do capitalismo avançado: a pluriatividade. Reforma agrária, v. 24, n. 3, set./dez. 1993.

SCHNEIDER, Sérgio. A pluriatividade na agricultura familiar. Porto Alegre: Editora da


UFRGS, 2003.

Anotações

Aula 9 Geografia Agrária 141


Anotações

142 Aula 9 Geografia Agrária


As políticas agrícolas
e a agricultura familiar

Aula

10
Apresentação

N
esta aula, você vai estudar a agricultura familiar e as políticas agrícolas, destacando-se
um pouco da história das políticas agrícolas brasileiras até a criação e desenvolvimento
do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Na aula,
você verá o conceito de agricultura familiar e analisaremos os rebatimentos do PRONAF na
agricultura face às políticas atuais no que se refere a sua origem, objetivos e tendências.

Objetivos
Analisar o papel do Estado em relação às políticas
1 agrícolas no Brasil.

Entender a questão conceitual que envolve a agricultura


2 familiar.

Analisar o Programa Nacional de Fortalecimento da


3 Agricultura Familiar, com ênfase na sua origem, objetivos
e tendências.

Aula 10 Geografia Agrária 145


Contexto das
políticas agrícolas no Brasil

A
Política agrícola política agrícola brasileira ao longo de sua história tem beneficiado os grandes
É o conjunto de
latifundiários. Segundo Manuel Correia de Andrade (1979), os grandes latifundiários
providências de amparo à sempre obtiveram apoio e auxílio governamentais concedidos através de crédito
propriedade da terra que subsidiado, de assistência agronômica, da organização da comercialização e da garantia de um
se destina a orientar, no
interesse da economia
preço mínimo compensador para seus produtos agrícolas. Ao contrário, o pequeno agricultor
rural, as atividades nunca usufruiu de uma política agrícola dessa magnitude, ficando na maioria das vezes a mercê
agropecuárias, seja no do mercado espoliativo ligado ao setor bancário.
sentido de garantir-lhes
o pleno emprego,
A partir da Segunda Guerra Mundial, a agricultura brasileira passou a ser vista como a
seja de harmonizá-los
com o processo de solução para o desenvolvimento do capitalismo e, ao mesmo tempo, lhe foi atribuída a tarefa
industrialização do país. de abastecer os centros urbanos e equilibrar a balança de pagamentos através da exportação
e valorização de produtos agrícolas nobres (café, soja, cana-de-açúcar, algodão, trigo etc.)
em detrimento dos produtos agrícolas considerados ordinários (feijão, milho, mandioca etc.).
Esse modelo, que já vinha sendo praticado desde o período colonial em que a exportação de
alguns produtos nobres já era estimulada, deixava a revelia a agricultura de subsistência. As
políticas no campo, de uma forma geral, beneficiavam os grandes latifundiários que dispõem
de capital, bens e outras garantias para a obtenção de crédito.

No período militar, a política de crédito no Brasil mantinha-se nos mesmos moldes


anteriores e estava voltada para os grandes latifundiários, indústrias e os complexos
agroindustriais (CAIS). Vale salientar que a política econômica adotada pelos governos militares
relegou para segundo plano as questões de natureza social, uma vez que nesse período os
salários dos trabalhadores menos qualificados foram diminuídos, com reajustes abaixo da
inflação. É possível observar também que não mereceram atenção os programas relacionados

146 Aula 10 Geografia Agrária


com saúde, educação e habitação popular, o que implicou a elevação dos índices de pobreza
e desigualdade social no país.

Ainda no período militar, destacou-se o Estatuto da Terra (promulgado em 1965)


que previu uma política de investimentos na pequena agricultura através da instalação de
cooperativas, numa tentativa de tornar eficiente e economicamente viável a pequena agricultura
no Brasil. Na realidade, os investimentos feitos durante o período militar não correspondeu
às premissas do Estatuto, ao contrário, o que ocorreu foi uma concentração de terra e o
empobrecimento do pequeno agricultor, beneficiando a elite agrária brasileira.

No entanto, observou-se com essas políticas um descompasso com a realidade


socioambiental brasileira, causando vários impactos como: erosão do solo, contaminação
hidrográfica, forte êxodo rural, empobrecimento dos pequenos agricultores, urbanização
descontrolada, conflitos no campo.

Nos anos seguintes, não se observa avanço nas políticas agrícolas, pelo contrário, nos
anos de 1980 o modelo de desenvolvimento entra em crise acentuando as disparidades sociais
devido a, entre outros fatores, má distribuição de renda e ao baixo nível de crescimento do país.

Nas últimas décadas, tem-se destacado uma série de políticas compensatórias para tentar
minimizar as desigualdades e os efeitos da pobreza. Entre essas medidas, pode-se citar o vale
gás, bolsa-escola, bolsa-família. Em relação às políticas agrícolas, faz-se necessário implementar
políticas estruturais que beneficiem os trabalhadores rurais. Nesse contexto, o Programa Nacional
de Agricultura Familiar, criado em 1996, parece ser um marco no qual faremos uma análise. No
entanto, inicialmente faremos uma leitura conceitual sobre o que é agricultura familiar.

Agricultura familiar:
questão conceitual
Uma discussão notável no cenário político atual diz respeito à definição da agricultura
familiar. No campo teórico, existe um vasto debate acerca da temática, nesta aula destacaremos
algumas concepções importantes sobre a problemática. Primeiramente, pontuaremos os
estudos teóricos acadêmicos e, em seguida, destacaremos a questão política e a agricultura
familiar no campo das políticas públicas.

Carneiro (1999), ao estudar o problema conceitual em torno da agricultura familiar, monta


uma série de premissas para abordar ou determinar uma noção de agricultura familiar e ressalta
a complexidade no processo de diferenciação das várias categorias que formam a agricultura
familiar. Tal complexidade se dá devido à intensificação da exploração capitalista. A autora
chama atenção para a existência de outras categorias de agricultores familiares que não estão

Aula 10 Geografia Agrária 147


necessariamente ligados à atividade agrícola, os quais ela denomina os neo-rurais, ou seja,
os agricultores que se enquadram no projeto “novo rural brasileiro”, com a implementação de
novas atividades no campo, e os recém-assentados rurais, de origem urbana, que representam
uma fração da população beneficiada pela política de assentamentos. De acordo com Carneiro
(1999), a integração ao mercado é apenas uma das características da agricultura familiar
contemporânea, em que

As estratégias familiares vão depender, além do capital econômico disponível, obviamente,


das condições de mercado (de trabalho, sobretudo) – do patrimônio familiar, ou seja, das
capacidades (individuais e coletivas) existentes para enfrentar a situação de queda do
rendimento familiar e, então, inovar ou reinventar a tradição (CARNEIRO, 1999, p. 339).

Em concepção semelhante, Wanderley (2003) ressalta que a agricultura familiar não pode
ser pensada apenas como uma categoria produzida pelas políticas públicas, especialmente a
partir da criação do PRONAF. A agricultura familiar insere-se numa perspectiva evolutiva de
continuidade e ruptura das formas tradicionais de produção

Compreende-se, assim, a agricultura familiar (Figura 1) como uma categoria genérica e


heterogênea, que engloba as demais categorias, e mesmo fragilizada pela ação do capital, firma-se
e evolui conjuntamente com a história das relações econômicas, sociais e, principalmente, na
construção de novas territorialidades no campo, como a implantação de assentamentos rurais.
Na realidade, a agricultura familiar é um conceito genérico que combina propriedade e trabalho,
assumindo no tempo e no espaço uma diversidade de formas sociais, em que a família é
proprietária dos meios de produção, sendo que as transformações trazidas com a modernização
não representam uma ruptura com as categorias pré-existentes (WANDERLEY, 1999).

Figura 1 – Mulheres agricultoras

Fonte: <http://www.mda.gov.br/portal/>. Acesso em: 14 jul. 2009.

148 Aula 10 Geografia Agrária


A trajetória do PRONAF
e a agricultura familiar
De um modo geral, pode-se dizer que até o início da década de noventa não existia
nenhum tipo de política especial para o segmento da agricultura familiar, sendo essa atividade,
inclusive, uma definição conceitual bastante imprecisa, uma vez que a mesma era tratada de
distintas formas (pequena produção, produção familiar, produção de subsistência etc.).

No entanto, em 1996, no governo Fernando Henrique Cardoso, foi criado o Programa


Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) com o objetivo de aumentar
a capacidade produtiva e melhorar a qualidade de vida dos agricultores familiares. Para o
PRONAF, a agricultura familiar é definida como uma forma de produção em que predomina a
interação entre gestão, utilizando-se o trabalho familiar que pode em algumas ocasiões, ser
complementado pelo trabalho assalariado.

O PRONAF surgiu na década de 1990, sendo dois fatores apontados como essenciais
para a sua criação: o primeiro diz que o PRONAF é elaborado em resposta a uma forte pressão
e reivindicação dos trabalhadores rurais, que se organizaram em marchas nacionais e em
outros movimentos de grande pungência; o outro refere-se ao desenvolvimento de pesquisas,
fruto da união da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) com o
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que definem com maior precisão
a agricultura familiar.

Contudo, institucionalmente, o PRONAF foi uma política que teve início no governo de
Itamar Franco, com a criação, em 1994, do Programa de Valorização da Pequena Produção
Rural (PROVAP), que subsidiava crédito com taxas de juros acessíveis, concedidas pelo BNDES.
Em 1995, o PROVAP foi reformulado e, no ano seguinte, foi operacionalizado o PRONAF, que
se divide basicamente em três modalidades: crédito rural, infra-estrutura e serviços municipais
e capacitação.

Em 1999, o PRONAF foi incorporado ao Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA),


que criou em suas instâncias, uma secretaria própria para a agricultura familiar Secretaria
de Agricultura Familiar (SAF). Em relação ao público beneficiário, o programa divide-se em
quatro grupos ou tipos de agricultores familiares: Grupo A – assentados pelo programa de
reforma agrária; Grupo B – agricultores com baixa produção e pouco potencial de resposta
produtiva; Grupo C – agricultores com exploração intermediária, mas com potencial de
resposta produtiva; Grupo D – agricultores estabilizados economicamente. Além desses
grupos, pode-se dizer que o programa ainda se encontra em construção e outros grupos ou
subgrupos têm sido criados, como o Grupo E, e outras linhas de financiamentos destinados
à mulher e ao jovem. Os financiamentos do PRONAF têm crescido bastante no contexto
brasileiro tanto para custeio quanto para investimento no atendimento das demandas regionais
conforme a distribuição na tabela 1.

Aula 10 Geografia Agrária 149


Tabela 1 – Valor financiado pelo PRONAF segundo finalidade do financiamento por região brasileira – 2006.

Custeio Investimento Total


Brasil e Grandes
Regiões Em Em Em
Em % Em % Em %
R$ milhões R$ milhões R$ milhões
Norte 156,8 4,3 405,9 11,4 562,7 7,9
Nordeste 385,3 10,7 1.478,9 41,6 1.864,2 26,0
Sudeste 863,8 23,9 526,9 14,8 1.390,7 19,4
Sul 1.989,7 55,2 930,5 26,1 2.920,2 40,8
Centro- Oeste 211,8 5,9 216,5 6,1 428,3 6,0
BRASIL 3.607,4 100,0 3.558,7 100,0 7.166,1 100,0

Fonte: IBGE (2008).

Em relação à mão-de-obra empregada, há uma divergência entre as instituições públicas


e sindicais, no que se refere ao trabalho permanente utilizado na agricultura familiar, uma
vez que, segundo a FAO e o INCRA, a agricultura familiar apresenta apenas um empregado
permanente. Para o PRONAF, a agricultura familiar é a aquela que apresenta até dois
Módulo rural
empregados permanentes, cultivando área inferior a quatro módulos rurais. Por fim, para a
É uma unidade de medida Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (CONTAG), a agricultura familiar não contrata
equivalente à área
força de trabalho permanente, e se realiza em menos de quatro módulos rurais. Na agricultura
necessária para suprir
a subsistência de uma familiar, a diversidade e a desigualdade na distribuição dos estabelecimentos, como também
família. Essa unidade de a heterogeneidade da produção, caracterizam o desenvolvimento do setor. A Secretaria de
medida é determinada
Agricultura Familiar, criada pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário, separa os agricultores
pela interdependência
entre a dimensão, situação familiares em três grupos:
geográfica dos imóveis
rurais, forma e condição a) os que estão integrados ao mercado, classificados como capitalizados;
de seu aproveitamento.

b) os descapitalizados ou em fase de transição, que possuem algum nível de produção para


o mercado;

c) os assalariados agrícolas e não-agrícolas, que moram no campo e têm quase toda


produção agropecuária voltada ao autoconsumo.

Segundo pesquisa do Ministério de Desenvolvimento Agrário, o primeiro grupo responde


por 71% do valor da produção familiar, representando cerca de 800.000 estabelecimentos;
o segundo é responsável por 19% do valor da produção familiar, formado por 1.400.000
estabelecimentos e o último produz 10% do valor da produção familiar e corresponde à cerca
de 1.900.000 estabelecimentos, o que significa dizer que a maioria dos agricultores não está
inserida no mercado e que sua produção é para suprir as suas necessidades.

Os estudos da FAO/INCRA, em 1995/6, revelam que 85,2% dos estabelecimentos


pertencem a agricultores familiares, que ocupavam uma área equivalente a 30,5% da área
total do campo, recebiam 25% do crédito destinado à agricultura e respondiam por 37,9%

150 Aula 10 Geografia Agrária


do valor bruto da produção agropecuária no país. Esses dados indicam que certos fatores,
principalmente no que se refere ao esforço familiar, permitiram aos agricultores a superação
das barreiras e problemas estruturais na geração de renda e na produção de alimentos e de
matérias-primas. O mesmo estudo também registra a expulsão de mais de um milhão de
trabalhadores, no período compreendido entre 1985 a 1995, que se traduz em conflitos agrários
e tensão social no campo e nas cidades. A partir desse estudo, pode-se afirmar que a agricultura
brasileira está assentada em dois modelos de produção agrícola: o patronal e o familiar.

Nesse sentido, podemos ressaltar a importância da agricultura patronal, que gera


divisas para nosso país essenciais na balança de pagamentos, mas é preciso desmitificar
e desmascarar o mito segundo o qual os grandes produtores são os responsáveis pela
maior parte da produção agrícola. Mito que tem levado a escolha de políticas públicas
voltadas para os grandes proprietários, os CAIS, as agroindústrias, crédito, assistência
técnica, preço mínimo entre outros. Dessa forma, esse modelo de política está ligado às
oligarquias regionais ao invés de se ligar aos pequenos agricultores, provocando o êxodo
rural e conflitos no campo. O mito de que a agricultura patronal é mais adequada, sendo
responsável pela maior parte da produção de alimentos e viável economicamente não
corresponde à realidade, pois os dados têm mostrado que 80% da produção total agrícola
é produzida pelos pequenos e médios produtores (OLIVEIRA, 2002). O Brasil é o país que
apresenta maior concentração de renda do mundo, em todos os setores da economia, por
isso é fundamental uma reforma agrária mais ampla amparada por uma política agrícola
eficaz, principalmente para a agricultura familiar.

Atividade
Analise a tabela a seguir e faça uma relação com a trajetória do PRONAF e a
1 agricultura familiar

Tabela 2 – Evolução dos municípios atendidos pelo PRONAF Brasil 2002/2002 – 2006/2007.

Ano Agrícola Municípios com crédito


2001/2002 4.640
2002/2003 4.867
2003/2004 5.227
2004/2005 5.342
2005/2006 5.362
2006/2007 5.387

Fonte: IBGE (2008).

Aula 10 Geografia Agrária 151


Leia o fragmento de texto abaixo, em seguida, responda:
2
Agricultura Familiar e Tecnologia no Brasil

Nos últimos anos, as medidas de política passaram a reconhecer a importância da


importância da agricultura familiar, principalmente por programas de crédito como o PRONAF.
Mas é preciso reconhecer que o crédito ajuda, mas não é tudo. Sem tecnologia o agricultor
familiar não consegue manter-se competitivo, e não conseguirá sobreviver. Esta de fato é uma
das prioridades da Embrapa. A questão que se coloca é de que tecnologia estamos falando.
Existe uma tecnologia apropriada para agricultores familiares?

O estudo do perfil da agricultura familiar revela que uma diversidade tão grande de
sistemas produtivos, de estratégias de produção e sobrevivência, de condições estruturais e
disponibilidade de recursos que seria impossível pensar em desenvolver tecnologias para os
agricultores familiares. Além disso, os que pensam em tecnologia apropriada se esquecem que
vivemos em um mundo no qual o ritmo das transformações sociais, econômicas e tecnológicas
é vertiginoso, e que a tecnologia apropriada de hoje será inútil amanhã, quando provavelmente
começar a ser difundida entre os agricultores.

No Brasil os agricultores familiares, mesmo os que podem ser economicamente viáveis,


enfrentam a restrição do tamanho da propriedade. Neste sentido, tecnologia apropriada para
os agricultores familiares são aquelas que permitem a intensificação da geração de valor
agregado em pequenas áreas, a redução da restrição colocada pela disponibilidade de mão-
de-obra familiar e a exploração das vantagens organizacionais associadas à base familiar. Isto
dá sentido à idéia de tecnologia para agricultura familiar. Em grande medida, essa tecnologia já
existe, não requer maior esforço de pesquisa, e precisa apenas ser adaptada e disponibilizada.

Ao lado do esforço de adaptação é preciso reconhecer que a agricultura familiar


não pode ficar fora dos avanços que vêm sendo desenvolvidos pelas redes de pesquisa,
incluindo a biotecnologia (transgênicos), a informática e os novos processos de gestão e
monitoramento da produção, como por exemplo o controle da florescimento e maturação de
frutos, micro irrigação etc. Deve incluir também pesquisas e medidas de política que reduzam
os custos da agricultura orgânica e incentivem a indústria rural. Não se trata, portanto, de
defender a existência de um processo espontâneo e menos ainda baseado unicamente em
conhecimentos seculares de agricultores sábios, transmitindo conhecimentos de pai para
filho em comunidades rurais isoladas.

A apologia de formas precárias de organização, eqüitativas na pobreza, soaria romântica se


não levasse a resultados desastrosos. Insistir na produção familiar de milho, feijão e mandioca
com base na tradição alimentar de nosso povo é ignorar, antes de mais nada, as mudanças nos
hábitos alimentares da população, e subestimar os impactos decorrentes do avanço realizado
pela pesquisa agrícola. É muito provável que a tentativa de impor “filtros tecnológicos” tenha
como primeira vítima a própria agricultura familiar.

152 Aula 10 Geografia Agrária


A preocupação legítima com a agricultura familiar tem custos e demanda investimentos
públicos em pesquisa; em programas de capacitação em gestão da produção e de negócios
(“empreendedorismo no campo”); no apoio às formas de organização que melhor aproveitam
suas vantagens em explorar novos mercados de produtos e serviços, agrícolas e não-agrícolas;
e na provisão de recursos para formação de capacidade produtiva. Aí sim a experiência dos ex-
agricultores familiares bem sucedidos que estão espalhados pelo Brasil poderá se multiplicar.
Fonte: adaptado de: Buanain e Silveira (2003, extraído da Internet).

a) Quais são as medidas necessárias para o pleno desenvolvimento da agricultura familiar?

b) Quais os tipos de tecnologias devem ser desenvolvidos para o segmento da agricultura


familiar?

c) Pesquise e relate em um pequeno texto a respeito da situação da agricultura familiar em


seu município.

Leitura complementar
OLIVEIRA, Ariovaldo. Umbelino. de. O campo brasileiro no final dos anos de 1980. In: STÉDILE,
João Pedro (Org.). A questão agrária hoje. 3. ed. Porto Alegra: UFRGS, 2002. 322 p.

O livro reúne uma série de textos que buscam elementos de (re)leitura da questão agrária,
sendo assim uma referência importante para a reformulação e entendimento das políticas de
desenvolvimento.

Resumo
Você estudou nesta aula a respeito das políticas agrícolas brasileiras e sua
importância. Nesse contexto, você viu a questão conceitual sobre a agricultura
familiar e as políticas agrícolas mais recentes em que se destaca o desenvolvimento
do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e suas
repercussões socioterritoriais.

Aula 10 Geografia Agrária 153


Autoavaliação
Com base em tudo o que foi discutido nesta aula, responda às seguintes questões.

a) A concentração de renda brasileira é uma das maiores do mundo, assim


como a concentração de terras. Elabore um texto enfatizando a importância
de uma política pública agrícola para combater ou reverter esse quadro.

b) Qual o papel do estado nas políticas agrícolas no Brasil? Analise


historicamente as políticas agrícolas implementadas pelo Estado brasileiro.

c) Cite os conceitos de agricultura familiar.

d) Qual a relação do PRONAF com o desenvolvimento da agricultura familiar


brasileira?

Referências
ANDRADE, Manuel Correia de. Agricultura e capitalismo. São Paulo: Ciências Humanas,
1979. 115 p.

BUANIN, Antonio Márcio; SILVEIRA, José Maria da. Agricultura familiar e tecnologia no Brasil.
Jornal da Unicamp, ed. 217, jun. 2003. Disponível em: <http://www.unicamp.br/unicamp/
unicamp_hoje/ju/junho2003/ju217pg02.html>. Acesso em: 29 out. 2009.

CARNEIRO, Maria José. Agricultura familiar e pluriatividade: tipologias e políticas. In: COSTA,
L. F. Carvalho; BRUNO, Regina; MOREIRA; J. Roberto (Org.). Mundo rural e tempo presente.
Rio de Janeiro: Mauad, 1999. p. 325-344.

IBGE. PNAD. NEAD. Estatísticas do Meio Rural. 2008.

OLIVEIRA, A. U. de. O campo brasileiro no final dos anos de 1980. In: STÉDILE, João Pedro
(Org.). A questão agrária hoje. 3. ed. Porto Alegra: UFRGS, 2002. 322 p.

WANDERLEY, Maria Nazaré Baudel. A Agricultura familiar no Brasil: um espaço em construção.


Revista Reforma Agrária, [S.l.], n. 2/3, p. 37-57, mai./dez. 1995. (Agricultura familiar).

_______. Raízes históricas do campesinato brasileiro. In: TEDESCO, João Carlos. (Org.).
Agricultura familiar: realidades e perspectivas. 2. ed. Passo Fundo: EDIUPF, 1999. p. 21-55.

______. Agricultura familiar e campesinato: continuidades e rupturas. Revista Estudos


sociedade e agricultura, CPDA, n. 21, 2003.

154 Aula 10 Geografia Agrária


Anotações

Aula 10 Geografia Agrária 155


Anotações

156 Aula 10 Geografia Agrária


Agricultura e energia

Aula

11
Apresentação

N
esta aula, você estudará as políticas energéticas e sua relação com a agricultura. Verá também
o Proálcool e suas novas perspectivas que se inserem na política do biodiesel implantada
recentemente no Brasil. Além disso, analisaremos o Programa Nacional de Produção e Uso
de Biodiesel – PNPB, suas perspectivas e efetivação tanto nos segmentos da agroindústria como da
agricultura familiar. Destaca-se também o panorama atual do biodiesel no Brasil.

Objetivos
Conhecer as políticas energéticas e sua relação com a agricultura.
1
Compreender a necessidade e desenvolvimento de fontes de energia
2 alternativas consorciadas com a indústria e com a agricultura.

Analisar as perspectivas e os desafios dos biocombustíveis e sua


3 relação com a agricultura familiar.

Aula 11 Geografia Agrária 159


Agricultura e energia
Biodiesel
Os problemas ambientais globais estão diretamente ligados à matriz energética vigente,
Bicombustível
derivado de biomassa provenientes dos combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo) têm produzido consequências
renovável para uso em graves à dinâmica ambiental planetária, como o aumento da temperatura, poluição hidrológica,
motores a combustão poluição pedológica, poluição atmosférica, destruição da fauna e flora, etc. Este cenário
interna com ignição
por compressão ou, apresenta várias possibilidades e necessidades de pensarmos uma nova matriz energética
conforme regulamento estruturada e planejada em bases sustentável e viável socialmente, economicamente e
para geração de ambientalmente. Nesse sentido, a produção de biocombustíveis a partir de produtos agrícolas,
outro tipo de energia,
que possa substituir tem sido apontada como uma das alternativas para reduzir a devastação ambiental.
parcial ou totalmente
combustíveis de origem Deste modo, é preciso uma política agrícola que insira a produção dos biocombustíveis
fóssil. (Lei n. 11.097, de no viés da sustentabilidade para não repetirmos os mesmo problemas causados pelas medidas
13 de setembro políticas como a do Proálcool, criado durante o governo militar. Com isso, traçaremos um
de 2005).
breve retrospecto do Proálcool e de suas novas perspectivas que se inserem na política do
Oligarquia Biodiesel implantada recentemente no Brasil.
Significa,
literalmente, governo de
poucos. As oligarquias
são grupos sociais
que detêm o domínio
da cultura, da política
e da economia de um
O Proálcool
país, e que exercem
esse domínio no
atendimento de seus O Programa Nacional do Álcool foi criado em 1975, na ditadura militar, durante o governo
próprios interesses Ernesto Geisel para diminuir importação de combustíveis (gasolina, óleo diesel). Entretanto, o
e em detrimento das
projeto do Proálcool recebeu muitas críticas pelos diversos setores da sociedade como a que
necessidades das
massas populares enfatiza que o álcool produzido só foi utilizado para substituir a gasolina, em vez de substituir
(Fonte: http:// o óleo diesel usado pelos transportes coletivos e de carga, uma vez que o óleo diesel é muito
pt.wikipedia.org/wiki/
mais poluente que a gasolina. Outra critica bastante contundente, é a de que o Proálcool não
Oligarquia)
incluiu os pequenos agricultores e apenas os grandes proprietários ligados às oligarquias
Vinhoto regionais. Desse modo, esse projeto contribuiu na ampliação e concentração de terras, ainda
É o resíduo contribuiu para a extinção de varias áreas de produtos de subsistência como o feijão, mandioca,
pastoso e malcheiroso milho etc. Nesse contexto, também podemos destacar as questões ambientais, que segundo
que sobra após a
destilação fracionada do especialistas, a queimada efetivada nas lavouras de cana-de-açúcar provoca emissão de gases
caldo de cana-de-açúcar como CO2, metano entre outros. Tais gases emitidos provocam danos à saúde humana,
(garapa) fermentado, principalmente problemas respiratórios e outras consequências como empobrecimento dos
para a obtenção do
etanol (álcool etílico). solos, poluição dos corpos d’água causada pelo vinhoto que é despejado nos rios in natura
pelas agroindústrias, exterminando várias espécies lacustres. Além dos fatores citados,
Espécies
Lacustres destaca-se a exploração do trabalho nas lavouras de cana-de-açúcar.

Seres que vivem Apesar dos problemas citados, no momento atual, o país vive um grande crescimento
em águas doces de da produção dos canaviais na tentativa de criar uma fonte alternativa de energia. O plantio
lagos e lagoas.

160 Aula 11 Geografia Agrária


avança nas grandes regiões brasileiras e não apenas em áreas tradicionais. Ao contrário do que
ocorreu nos anos 1970, quando o governo encontrou no álcool a solução para enfrentar a crise
do petróleo. A produção de açúcar é um segmento de iniciativa privada, segmento esse que
acredita que o álcool assumirá papel relevante na questão energética no Brasil. Desse modo,
as perspectivas de elevação do consumo do álcool se somam a um momento favorável para o
aumento das exportações do açúcar, e o resultado é o início de uma onda de crescimento sem
precedentes para o setor sucroalcooleiro conforme gráficos 1 e 2 que seguem:

Rendimento
Evolução da área e produtividade de cana-de-açúcar − Brasil Área Plantada
Área Colhida

10 90

9 80
8 70
7

Toneladas por ha
60
Milhões de ha

6
50
5
40
4
30
3
2 20

1 10

0 0
2004
2000

2006
2003
2002

2005

2008
2001

2007
1994
1984

1990

1996
1993

1999
1983

1992
1985

1998
1986

1995
1980

1988
1989
1977

1982

1991

1997
1987
1981
1979
1978
1975
1976

Gráfico 1 – Evolução da área e produtividade da cana-de-açúcar brasileira

Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA.

Evolução da produção brasileira de álcool.

30

25

20
Milhões de m3

15

10

5
2002/03
2003/04
2000/01
1982/83

1992/93

2004/05
2005/06
1983/84
1953/54
1952/53

1962/63
1963/64

1993/94

2008/09
2006/07
1972/73
1964/65

1995/96
1949/50

1965/66

1984/85
1985/86

1994/95
1955/56

1998/99
1954/55

1969/70

1999/00

2001/02
1996/97
1956/57

1966/67

1968/69

1989/90
1990/91
1980/81

1986/87

1988/89
1948/49

1958/59

1960/61

1979/80
1959/60

1976/77
1950/51

1970/71

1991/92
1978/79
1975/76
1961/62

1971/72

2007/08
1981/82
1967/68

1973/74

1997/98
1957/58

1987/88
1951/52

1977/78
1974/75

Gráfico 2 – Evolução da produção brasileira de álcool

Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA.

Aula 11 Geografia Agrária 161


O biodiesel
O biodiesel no Brasil passou a ser estudado na década de 1920 e ganhou destaque nos
anos de 1970 com a criação do Pró-óleo – Plano de Produção de Óleos Vegetais para Fins
Energéticos, que surgiu no início da primeira crise do petróleo. Nos anos de 1980, passou para
Programa Nacional de Óleos Vegetais para Fins Energéticos, que visava substituir até 30%
Colza do óleo diesel, apoiado na produção de soja, amendoim, colza e girassol. No entanto, esse
É uma planta, programa sofreu uma desaceleração devido à estabilização do preço do petróleo, a entrada do
cujas sementes se Proálcool e os altos custos na produção e processamento das oleaginosas.
extraem o azeite
de colza, utilizando As pesquisas e uso do biodiesel retornam ao cenário recente devido à necessidade
também na produção
de biodiesel.
de buscar uma nova matriz energética, pois as questões ambientais colocam em xeque a
sustentabilidade do padrão atual.

Na produção do biodiesel podem ser utilizadas várias matérias-primas, dentre as


principais matérias utilizadas para produção do biodiesel estão oleaginosas como o algodão, o
amendoim, o dendê, o girassol, a mamona, o pinhão manso e a soja. São também consideradas
matérias-primas para biocombustíveis os óleos de descarte, as gorduras animais e os óleos já
utilizados em frituras de alimentos. As oleaginosas apresentam características específicas de
acordo com o solo, o clima e as tecnologias utilizadas. No quadro abaixo, podemos visualizar
algumas características de acordo com as regiões produtoras.

Produtividade Porcentagem Ciclo Rendimento


Regiões Tipo de
Espécie (tonelada
(toneladas/ha) de óleo de vida produtoras cultura
óleo/ha)

MT, GO
Algodão 0,86 a 1,4 15 Anual MS, BA e Mecanizada 0,1 a 0,2
MA
Amendoim 1,5 a 2 40 a 43 Anual SP Mecanizada 0,6 a 0,8
Intensiva
Dendê 15 a 25 20 Perene BA e PA MO 3a6
GO, MS,
Girassol 1,5 a 2 28 a 48 Anual SP, RS e PR Mecanizada 0,5 a 0,9
Intensiva
Mamona 0,5 a 1,5 43 a 45 Anual Nordeste MO 0,5 a 0,9
Pinhão Nordeste e Intensiva
manso 2 a 12 50 a 52 Perene MG MO 1a6

MT, PR, RS,


Soja 2a3 17 Anual GO, MS, Mecanizada 0,2 a 0,4
MG e SP

Quadro 1 – Caracterização das principais oleaginosas com potencial para produção de biodiesel no Brasil

Fonte: adaptada de Meirelles (2003 apud BIODIESEL..., 2007, p.30).

162 Aula 11 Geografia Agrária


Figura 1 – Potencialidade brasileira para produção de oleaginosas

Fonte: adaptada de Meirelles e Zoneamento de risco climático, MAPA (2003 apud SEBRAE, 2007, p.31).

Em 2002, o Governo Federal lançou o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel


(PNPB), cujo objetivo principal em termos técnicos (econômico e ambiental) é obter uma
produção sustentável e seu uso no mercado brasileiro. Como objetivo específico a inclusão social
e o desenvolvimento regional direcionado para agricultura familiar. Para alcançar esses objetivos
esta política terá vários ministérios trabalhando em sintonia, além de suas autarquias federais.

O etanol produzido através da cana-de-açúcar pode ser uma das alternativas para a
diminuição da emissão de gases e partículas que comprometem o geossistema planetário e a
saúde humana. A cana-de-açúcar sempre foi e, ainda, continua sendo um produto importante
para o Brasil, desde o processo de colonização de exploração implantada pelos países europeus
(Portugal, Holanda, Inglaterra).

Atualmente, a cana-de-açúcar tem suscitado debates calorosos a respeito do seu


uso como combustível potencial para enfrentarmos a crise ambiental e social que assola a
sociedade mundial, e, em especifico, a sociedade brasileira. Com isso, aliado a políticas de
incentivo nota-se o crescimento da produção de cana-de-açúcar ao longo dos últimos anos
conforme gráfico 1.

Aula 11 Geografia Agrária 163


No período da ditadura militar, nos anos de 1975, foi implantado o Proálcool com o intuito
de tornar o país independente na produção de energia, projeto que não teve grande sucesso,
mas deixou um legado tecnológico considerável. Claro que este projeto intensificou a crise no
campo brasileiro, devido à política governamental, priorizando os grandes latifundiários em
detrimento da valorização do pequeno agricultor.

Atividade 1

Quais são os objetivos do Proálcool e o do PNB?


1
Destaque os principais impactos socioambientais provocados
2 pelo Proálcool.

164 Aula 11 Geografia Agrária


Programa Nacional de Produção
e Uso de Biodiesel – PNPB
O Governo Federal para atingir os objetivos propostos pelo Programa Nacional de
Produção e Uso do Biodiesel integrado à agricultura familiar utilizará alguns instrumentos,
dentre esses destacam-se:

 a criação de mercado compulsório;

 a isenção fiscal total ou parcial de tributos federais;

 padronização do ICMS;

 subsídios financeiros e etc.

Além desses instrumentos, o governo criou uma legislação específica para dar suporte
e segurança jurídica ao projeto e garantir a demanda da parte do biodiesel produzido no país,
independente do custo de produção e de transação. Além disso, o governo federal determinou
um prazo para introdução do biodiesel no mercado brasileiro; prazo que inicia em 2008 e vai
até 2012. Nesse intervalo de tempo, será obrigatório o uso de 2% do biodiesel ao óleo diesel e
a partir de 2013 será obrigatório o uso de 5%. Outra medida anunciada pelo governo se dá no
âmbito fiscal, a criação da Lei n.116/2005 que dispõem sobre a desoneração total ou parcial
dos tributos federais sobre o biodiesel (PIS, PASEP E COFINS). A proposta inicial de isenção
do governo resume-se conforme a tabela abaixo:

Tabela 1 – Isenção fiscal para a produção de oleaginosas

REDUÇÃO MATÉRIA-PRIMA SETORES E REGIÃO DESTINADA

31% Palma e mamona Agronegócio nas regiões norte, nordeste e semi-árido

68% Qualquer Oleaginosas Todas as regiões brasileiras

100% Palma e mamona Regiões norte, nordeste e semiárido.

Fonte: adaptado de Garcia Junior e Romeiro (2009, p. 64).

Em relação à tributação estadual o governo estabeleceu uma alíquota de 12% para o ICMS
(Imposto sobre circulação de Mercadorias e Serviços) em todo o território brasileiro. No que
se refere à agricultura, o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) criou instrumentos
para o financiamento da produção de oleaginosas as quais foram inseridas ao PRONAF
(Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) que se subdivide em: PRONAF
biodiesel, PRONAF agroindústria, PRONAF infraestrutura e por último o PRONAF diversificação,
capacitação, assistência técnica e extensão rural, inovação e insumos. Além dessas medidas, o
governou criou o Programa Financeiro a Investimentos em Biodiesel para grandes investidores,

Aula 11 Geografia Agrária 165


no qual será financiado pelo BNDES e, também, criou o selo combustível social que será
concedido pelo MDA aos produtores agroindustriais de biodiesel.

O PNPB tem gerado amplo debate na agricultura brasileira se constituindo tema relevante
da economia. No entanto, cabe destacar que o projeto tem sido alvo de diversas críticas
em que podemos citar alguns fatores positivos e fragilidades. Entre os fatores positivos,
considera-se que o projeto é viável socioeconomicamente e ambientalmente e, ainda, insere
a agricultura familiar ao agronegócio, possibilitando novas relações entre o setor industrial
e os produtores familiares. No que se refere às fragilidades, destaca-se a ausência de uma
política especifica de apoio a organização da produção ligada a agricultura familiar (GARCIA;
ROMEIRO, 2009). Portanto, o PNPB abre oportunidades tanto para o setor agrícola como
para o setor industrial e há também possibilidades de abertura de novos mercados em escala
local e global, tanto em bens quanto em tecnologias, pois o Brasil é pioneiro no setor de
biocombustíveis. No país são apontados diversos benefícios com a produção de biodiesel,
conforme podemos visualizar na figura abaixo:

NORTE NORDESTE
O biodiesel pode ser a solução Associado a um programa de
para o isolamento energético de assentamentos sustentáveis,
regiões longínquas na Amazônia, possibilita a geração de emprego e
onde gasta-se normalmente até renda para a população rural,
o equivalente a 3 litros de diesel através da ricinocultura.
para transportar 1 litro.

SUDESTE
CENTRO-OESTE O biodiesel ajuda a
Cerca de 50% dos transportes melhorar a qualidade
de carga são feitos por de vida nos grandes
rodovias. Com o biodiesel, centros urbanos. Assim
essa atividade pode tornar-se como no Sul, a soja
mais barata e ecológica. parece ser a oleginosa
de maior potencial.
SUL
Com a queda do consumo de
óleos de soja, a produção de
biodiesel pode equailizar os
déficits do óleo de soja nos
mercados convencionais.

Figura 2 – Benefícios do Biodiesel

Fonte: <http://www.petrobio.com.br/images/mapa.gif>. Acesso em: 22 out. 2009.

166 Aula 11 Geografia Agrária


Panorama atual
do biodiesel no Brasil
A produção de biodiesel ainda é incipiente no Brasil quando comparada a outros países,
mas as políticas ligadas ao biocombustível têm sido bastante estimuladas financeiramente
com várias linhas de crédito, tanto para o setor industrial quanto para a agricultura familiar.

Um problema do biodiesel é garantir sua competitividade perante o óleo diesel de petróleo,


tendo em vista os elevados custos de produção do biocombustível. O Ministério da Agricultura
aponta que as atuais tecnologias de fabricação de bioenergia ainda dependem muito da cotação
do barril de petróleo. Exceto pelo caso do álcool, outros biocombustíveis só devem se viabilizar
se os preços internacionais do petróleo se mantiverem altos. No Brasil, uma das principais
vantagens competitivas em relação a outros países é a perspectiva de incorporação de áreas à
agricultura de energia sem competição com a agricultura de alimentos, além da possibilidade
de múltiplos cultivos no mesmo ano.

Atividade 2

Escreva uma análise sobre a política do Proálcool e dos Biocombustíveis.


1
Descreva as vantagens e desvantagens da atual política do biodiesel.
2

Aula 11 Geografia Agrária 167


Leitura complementar
GARCIA JUNIOR, Ruiz; ROMEIRO Ademar Ribeiro. Governança da cadeia produtiva do biodiesel
brasileiro. Revista de Política Agrícola, ano XVIII, n. 1, jan./mar. 2009.

O texto trata de questões atuais sobre as políticas desenvolvidas para o biodiesel brasileiro,
evidenciando as potencialidades e fragilidades da agricultura em relação ao desenvolvimento
do setor energético.

Resumo
Nesta aula, você estudou a questão energética e sua relação com a agricultura,
destacando-se as políticas energéticas do Proálcool e do Programa Nacional
de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB). Nesse sentido, foram discutidas as
perspectivas e os desafios da política do biodiesel e sua efetivação nos segmentos
da agroindústria e da agricultura familiar. O panorama atual do biodiesel no Brasil
também foi destacado.

Autoavaliação
Com base em tudo o que foi discutido nesta aula, responda às seguintes questões:

a) Quais foram os benefícios e fragilidades do Proálcool desenvolvido durante o governo


militar? Quais são as perspectivas atuais do programa?

b) Em que consiste o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel – PNPB? Qual é a


relação do programa com a agricultura familiar e a questões ambientais?

c) Qual é relação entre o desenvolvimento energético no Brasil e o desenvolvimento da


agricultura?

168 Aula 11 Geografia Agrária


Referências
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA. Anuário estatístico
da agroenergia. Brasília, DF, 2009. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/>. Acesso
em: 22 out. 2009.

GARCIA JUNIOR, Ruiz; ROMEIRO Ademar Ribeiro. Governança da cadeia produtiva do biodiesel
brasileiro. Revista de Política Agrícola, ano XVIII, n. 1, jan./mar. 2009.

SEBRAE. Biodiesel. Brasília, 2007. Disponível em: <http://www.biodiesel.gov.br/docs/Cartilha_


Sebrae.pdf>. Acesso em: 22 out. 2009.

Anotações

Aula 11 Geografia Agrária 169


Anotações

170 Aula 11 Geografia Agrária


Agricultura e trabalho

Aula

12
Apresentação
Nesta aula, estudaremos as relações de trabalho no campo. Para tanto, faremos um
breve histórico do trabalho rural no Brasil e, em seguida, destacaremos as relações de trabalho
propriamente ditas. Veremos, também, as relações de gênero e a participação da mulher no
trabalho agrícola.

Objetivos
1 Entender as relações de trabalho no campo brasileiro.

Conhecer a organização da produção brasileira no


2 contexto das relações de trabalho no campo.

3 Analisar a participação da mulher no trabalho agrícola.

Aula 12 Geografia Agrária 173


Retrospecto do
trabalho rural no Brasil
Atualmente, vimos que o trabalho humano é fruto de várias transformações que o mundo
passou no último século, esse é fruto das relações econômicas, sociais e políticas.

O mundo rural não é mais um espaço isolado sobre o qual se desenvolve um conjunto de
atividades agropecuárias. O isolamento não mais existe, pelo menos em grande parte do território
nacional. Estamos caminhando em direção a uma sociedade de forte complementaridade
urbano-rural. Nesse contexto, torna-se interessante resgatarmos um pouco da história do
trabalho rural no país para compreendermos quem são os atores responsáveis por importante
parte da riqueza gerada no campo brasileiro.

O tipo de colonização que foi empregada no país marcou profundamente as relações


de trabalho, os colonizadores vieram com o objetivo de enriquecimento rápido à custa da
exploração dos recursos naturais e do trabalho (inicialmente indígena e, no segundo momento,
escravo africano).

O Brasil colônia foi marcado pela grande propriedade, pela monocultura de exportação e
o trabalho escravo. Nesse contexto, outras formas de exploração da natureza como a pecuária
extensiva e as pequenas lavouras constituíram-se como atividades marginais, subordinadas a
economia colonial que originaram a agricultura familiar de subsistência.

Nas ultimas décadas do século XX, constituí-se o mercado de trabalho brasileiro capitalista
formado por trabalhadores livres, trabalhadores escravos recém libertos e imigrantes europeus.
A mão de obra imigrante foi importante e permitiu o desenvolvimento da cafeicultura e de
outras atividades agrícolas e não-agrícolas.

Atualmente, temos diferentes relações de trabalho no campo e caracterizaremos as


relações mais significativas que se dão no campo brasileiro.

174 Aula 12 Geografia Agrária


Relações de trabalho
no campo brasileiro
Segundo Oliveira (2002), as relações de trabalho no campo brasileiro têm caráter
dual e contraditório. Essas relações estão pautadas em características capitalistas (trabalho
assalariado) e não-capitalistas (parceria, trabalho familiar camponês etc). Este caráter
contraditório e dual do capitalismo é essencial para sua produção e reprodução, pois os
capitalistas passam a não investir capital na contratação de mão de obra remunerada, ou seja,
trabalho assalariado utilizado em suas propriedades e nas áreas de expansão agrícola. Dessa
maneira, os capitalistas passam utilizar relações de trabalho não-capitalistas para acumular
capital, como exemplo, podemos citar a parceria e o arrendamento. Essas duas formas de
trabalho são muito utilizadas nas áreas de fronteira.

Na prática, o capitalista do grande proprietário contrata alguns parceiros para desmatar


parte de suas terras, recebendo pelo trabalho parte da madeira retirada e o direito de cultivar a
terra por dois a três anos e, logo depois, semeia capim para seu rebanho. Esse tipo de relação
permite que o capitalista adquira capital sem utilizar relações de trabalho essencialmente
capitalista como pontua Oliveira (2002, p. 48):

[...] o processo de desenvolvimento desigual e contraditório do capitalismo particularmente


no campo é que estamos diante da sujeição da renda da terra ao capital o que significa
dizer que o capital não expande de forma absoluta o trabalho assalariado sua relação de
trabalho típica, por todo canto e lugar, destruindo de forma total e absoluta o trabalho
familiar camponês. Ao contrário, ele o capital, o cria e recria para que sua reprodução
seja possível, e com ela possa haver também o aumento, a criação de mais capitalista.

Portanto, o desenvolvimento capitalista no campo brasileiro é movido por suas


contradições. Esse, portanto, é essencialmente contraditório e desigual, significando dizer
que para que seu desenvolvimento seja possível ele tem que aparentar aspectos contraditórios
para sua reprodução.

Aula 12 Geografia Agrária 175


A transformação dos
agricultores em capitalistas
A transformação dos agricultores em capitalistas do campo teve início na fase do
capitalismo comercial (mercantilismo). Cabe ressaltar que esse processo continua a existir
desde seus primórdios, através das tecnologias ligadas ao campo (máquina, fertilizantes,
sementes selecionadas, agrotóxicos, transportes e etc.) essas tecnologias estão à disposição
das famílias, criando possibilidade para aumentar sua produção gerando um excedente. Esse
excedente será vendido, aumentando a renda dos trabalhadores do campo. Tal fato permitirá
que os trabalhadores adquiram mais novas tecnologias, produzam mais, acumulem mais.
Esse processo permite que os agricultores, que antes produziam apenas sua subsistência,
empreguem trabalhadores assalariados em suas terras. Nesse caso, as famílias passam
a exercer outras funções, não essencialmente agrícolas na administração dos bens,
comercialização dos produtos, tornando-se assim, capitalistas.

A organização da produção da
agricultura brasileira e relações de trabalho
Na organização da produção da agricultura, podemos evidenciar 4 relações que se
destacam na literatura brasileira em relação ao trabalho no campo, são elas: o latifúndio, a
unidade familiar produtora de mercadorias, a unidade familiar de subsistência e a empresa
agropecuária capitalista, incluindo os complexos agroindustriais - CAIs.

1) O latifúndio – São grandes extensões de terra voltadas para a produção agrícola para o
mercado interno e, principalmente, para o externo. Nessas grandes propriedades, a força
de trabalho é diversificada classificando-as em: trabalho assalariado, parceiro, morador
ou agregado, boia-fria ou diarista e o arrendatário.

a) Trabalhador assalariado – Trabalhador rural que recebe salário mensal em dinheiro para
prestar serviço nas propriedades. Este trabalhador pode possuir vínculo trabalhista.
Relação de trabalho tipicamente capitalista.

176 Aula 12 Geografia Agrária


b) Parceiro – Trabalhador que mediante um acordo realizado entre ele e o proprietário da
terra utiliza a propriedade dividindo a produção com o dono da terra. As formas mais
usuais são a meia, a terça, a quarta entre outros. Esse tipo de parceria predomina nas
lavouras temporárias.

c) Morador ou agregado – Trabalhador rural que vive em grandes propriedades com sua
família, produzindo para subsistência e prestando serviço para o proprietário da terra.

d) Boia-fria ou diarista – Trabalhador rural temporário assalariado, geralmente não possui


vínculo empregatício.

e) Arrendatário – Trabalhador que aluga ou arrenda a terra de um proprietário mediante


pagamento em dinheiro, prestação de serviço ou em mercadorias. Este se divide em
pequenos arrendatários que se assemelham aos parceiros, predominando o trabalho
familiar e os grandes arrendatários que usam tecnologia, trabalho assalariado e grandes
extensões de terras.

2) A unidade familiar produtora de mercadorias – A produção é realizada por pequenos


proprietários e arrendatários, visando abastecer o mercado e prevalecendo o trabalho
familiar. Entretanto, há eventual contratação de mão de obra complementar mediante
salários. Vale destacar que essas unidades passam por dificuldade devido à concorrência
da grande empresa capitalista. Em muitos casos para a sobrevivência da unidade utiliza-se
trabalho infantil (conforme o gráfico 1) e feminino em jornadas exaustivas.

3) A unidade familiar de subsistência - Unidade característica por pequenos proprietários


ou minifundiários, pequenos arrendatários, parceiros, moradores ou agregados, posseiros.
O trabalho empregado é familiar visando apenas à sobrevivência, ou seja, a supressão das
necessidades básicas da unidade. Uma das características da unidade é a venda da força
de trabalho temporariamente para complementar a renda em lavouras temporárias nos
grandes plantios.

4) A empresa agropecuária capitalista incluindo os CAIs – A partir dos anos 1950/60,


observa-se o processo de industrialização da agricultura brasileira. Nessa fase, a
agricultura brasileira mecaniza-se e passa a fornecer matérias-primas para as indústrias.
Nesse momento, verifica-se a passagem do complexo agrocomercial para o complexo
agroindustrial, ou seja, os CAIs que são implementados através de investimentos
estrangeiros. As relações de trabalho capitalista expandem-se na agricultura e em outros
setores, estimulando mão de obra especializada não-agrícola como tratorista, técnico
agrícola, administrador, operador de máquinas etc.

Aula 12 Geografia Agrária 177


Distribuição das crianças de 10 a 14 anos que trabalham,
segundo sua situação de domicílio
60,00

50,00

Percentual (%)
40,00

30,00

20,00

10,00

0,00
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Urbana Rural

Gráfico 1 – Distribuição das crianças de 10 a 14 anos de idade por situação de ocupação e local de residência

Fonte: PNADS (1995). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/TRABIN1.HTM>. Acesso em: 22 out. 2009.

Na atualidade, a agricultura mundial encontra-se subordinada a agroindústria. Para


alguns especialistas, a agricultura tradicional está sendo substituída pela indústria. Os dados
apresentados pelos diversos estudos mostram que o pessoal ocupado na agricultura brasileira
concentra-se nas propriedades de até 99 ha, conforme podemos observar no gráfico 2.

4,2%

GRUPOS DE ÁREA
15,0%
De 0 a 9 ha

40,8% De 10 a 99 ha

De 100 a 999 ha
40,0%
De 1.000 ou mais

Gráfico 2 – Pessoal ocupado na agropecuária por grupo de área dos estabelecimentos

Fonte: IBGE (2004 apud MAGNOLI, 2005).

178 Aula 12 Geografia Agrária


Atividade 1

1 Caracterize as relações de trabalho no campo brasileiro.

No seu município quais são as relações de produção da agricultura que


2 mais se destacam entre as destacadas na aula? Caracterize as relações
de trabalho predominantes.

Aula 12 Geografia Agrária 179


Gênero e relações
de trabalho na agricultura
No meio rural, as desigualdades de gênero não se inscrevem num conjunto de outras
desigualdades sociais. As más condições de vida e de acesso à políticas públicas, principalmente
nas regiões mais pobres do país, acentuam as desigualdades específicas de gênero. Nesse
sentido, embora afete todos os moradores das áreas rurais, a falta de infraestrutura atinge,
em especial, as mulheres. Contudo, a participação da mulher no trabalho tem se acentuado
conforme podemos visualizar nas tabelas (01 e 02).
Tabela 1 – Indicadores de participação econômica de mulheres e homens.

Mulheres e homens no mercado de trabalho:


indicadores de participação econômica – Brasil

Sexo e datas PEA (milhões) Taxa de atividade Porcentagem na PEA


Mulheres

1990 22,9 39,2 35,5

1993 28,1 47,0 39,6

1995 30,0 48,1 40,4

1998 31,3 47,6 40,7


Homens

1990 41,6 75,3 64,5

1993 42,9 76,0 60,4

1995 44,2 75,3 59,6

1998 45,6 73,6 59,3

Fonte: FIBGE, PNAD

Tabela 2 – Evolução histórica das atividades femininas segundo faixa de idade


Taxas de atividades femininas segundo faixas de idade

Faixas de idade 1970 1980 1990 1998

10 a 14 anos 6,5 8,4 10,6 11,4

15 a 19 anos 23,6 31,3 41,4 41,6


20 a 24 anos 27,7 38,5 52,9 61,6
25 a 29 anos 23,1 36,3 52,7 64,5
30 a 39 anos 20,1 35,1 54,7 66,4
40 a 49 anos 19,5 30,7 49,5 62,6
50 a 59 anos 15,4 21,5 34,5 46,6
60 anos e mais 7,9 7,5 11,5 19,1
Total 18,2 26,6 39,2 47,5

Fonte: UNICEF/IBGE,FIBGE/Censo e PNADs

180 Aula 12 Geografia Agrária


O trabalho feminino de forma geral, seja no campo ou na cidade, apresenta crescimento e
embora ainda haja um longo caminho para equilibrar socialmente as relações entre homens e
mulheres, entre a cidade e o campo, podemos dizer que nos últimos anos várias medidas foram
tomadas para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores rurais. Políticas que se constituem
como respostas aos movimentos sociais dos trabalhadores. Podemos citar políticas especificas
como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) mulher.

No entanto, tais políticas consideradas importantes ainda são insuficientes diante as


desigualdades sociais existentes no país, muitas dessas políticas ainda estão em fase de
implementação e não podem ainda ser avaliadas criticamente. Nesse contexto, os movimentos
de mulheres rurais são importantes e constituem uma unidade de luta na garantia dos direitos
conquistados e na mudança de concepção de trabalhadoras rurais como atores sociais e políticos.

Atividade 2
1 Leia o poema a seguir e, em seguida, responda o que se pede.

Açúcar
(Poema de Ferreira Gullar, 1963)

O branco açúcar que adoçará meu café


nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre

Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.

Este açúcar veio


da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira,
dona da mercearia.

Este açúcar veio


de uma usina de açúcar de Pernambuco
ou no Estado do Rio
e tampouco fez o dono da usina.

Aula 12 Geografia Agrária 181


Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.

Em lugares distantes, onde hospital


nem escola,
homens que não sabem ler e morrem de fome
aos 27 anos
plantaram e colheram a cana
que viraria açúcar.

Em usinas escuras,
homens de vida amarga
e dura
produziram
este açúcar
branco e puro
com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.

a) Caracterize a relação de trabalho exposta no poema?

b) Ferreira Gullar escreveu em 1963 o poema Açúcar, em que expõe a exclusão social e as
precárias condições de trabalho nas usinas de açúcar. Nas relações de trabalho no campo
ainda é possível detectar essas situações? Justifique.

182 Aula 12 Geografia Agrária


Caracterize a participação da mulher no campo e explicite uma política pública
2 específica para a mulher.

Aula 12 Geografia Agrária 183


Leitura complementar
OLIVEIRA, A. U. de. Modo capitalista de produção e agricultura. 4. ed. São Paulo: Ática.
1995. (Série Princípios).

Essa obra é importante para entender mais sobre o desenvolvimento do capitalismo e


sua relação com a agricultura. Para melhor entendimento desta aula, leia o capítulo 5 que trata
das relações de produção na agricultura sob o capitalismo.

O autor: Ariovaldo Umbelino de Oliveira

Fonte: http://www.iea.usp.br/iea/imagens/ariovaldooliveira.jpg

Resumo
Nesta aula, você estudou as relações de trabalho na agricultura, destacando a
organização da produção da agricultura brasileira e as formas de trabalho no
campo. Nesse contexto, você viu também a transformação do agricultor em
capitalista e o aumento da participação feminina no trabalho agrícola.

184 Aula 12 Geografia Agrária


Autoavaliação
Com base no estudado e discutido nesta aula, responda às seguintes questões:

a) Descreva as relações de trabalho que predominam na agricultura brasileira?

b) Relate o processo de transformação dos agricultores em capitalistas.

c) Faça uma análise da participação da mulher no trabalho agrícola.

Referências
ANDRADE, Manuel Correia de. Agricultura e capitalismo. São Paulo: Ciências Humanas,
1979. 115 p.

OLIVEIRA, A. U. de. Modo capitalista de produção e agricultura. 4. ed. São Paulo: Ática.
1995. (Série Princípios).

_______. O campo brasileiro no final dos anos de 1980. In: STÉDILE, João Pedro (Org.). A
questão agrária hoje. 3. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2002. 322 p.

ROMEIRO, Juan Ignácio. Questão agrária: latifúndio ou agricultura familiar. São Paulo:
Moderna, 1998.

Anotações

Aula 12 Geografia Agrária 185


Anotações

186 Aula 12 Geografia Agrária


Anotações

Aula 12 Geografia Agrária 187


Anotações

188 Aula 12 Geografia Agrária


Esta edição foi produzida em mês de 2012 no Rio Grande do Norte, pela Secretaria de
Educação a Distância da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (SEDIS/UFRN).
Utilizando-se Helvetica Lt Std Condensed para corpo do texto e Helvetica Lt Std Condensed
Black títulos e subtítulos sobre papel offset 90 g/m2.

Impresso na nome da gráfica

Foram impressos 1.000 exemplares desta edição.

SEDIS Secretaria de Educação a Distância – UFRN | Campus Universitário


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9 788572 738903

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