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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

CURSO DE FILOSOFIA

ENSAIO CRÍTICO AO CETICISMO

Aproximação crítica ao Ceticismo: convidando o cético para dançar ao som de Astor Piazzola.

MAURÍCIO BRUM ESTEVES

PORTO ALEGRE

2010
1. Aproximação crítica ao Ceticismo: convidando o cético para dançar ao som de
Astor Piazzola.

Primeiramente, gostaria de pedir desculpa ao auditório. Minha matriz não é filosófica, e


sim, jurídica. Sou filho do prédio onze do Direito e carrego em meu discurso um forte ranço
civilista e legalista que construí nestes quatro anos de Ciências Jurídicas e Sociais. Até o ano
passado, aliás, acreditava em um Direito Natural. Até que um Professor doutor, de Direito de
Propriedade, de cabelos compridos, Ricardo Aronne, hoje um grande amigo, adentrou na sala de
aula falando de Complexidade, Epistemologia e Caos Cientifico.

Aviso de início que tentarei ser o mais técnico possível, mas creio que não resistirei aos
encantos do discurso leigo. Com forte acento cético. Dos mais baratos possíveis. Sempre me
identifiquei com o Curinga do que com o Batman. Aliás, o Ceticismo é o tema deste ensaio.

Porque a escolha do Ceticismo? Afinal, não é Epistemologia II? Ocorre que utilizando
uma das fontes de crença, a percepção, sou levado a acreditar que os epistemólogos nutrem um
grande medo deste vilão chamado cético. Seu nome e influência foram invocados pelo professor e a
turma em todos os encontros deste semestre. Quem será este divertido vilão que trás pânico aos
epistemólogos?

Grife-se que não se trata de crença irracional e muito menos injustificada. Pelo
contrário, sou levado a crer racionalmente, e vislumbro absolutamente justificada pelo fato de ser
um observador neutro e sem preconceito que se encontra no seu primeiro mês de contato com a
filosofia. Minha percepção conclui, então, que os epistemólogos, em sua busca por verdade do
conhecimento, nutrem um medo paralisante desta famosa e influente pessoa que se chama cético.
Tal qual Perseu, que não pode olhar nos olhos da Medusa, sob pena de petrificar, os epistemólogos
esquivam-se entre espelhos e dogmáticas, da petrificante dúvida e incerteza tal qual cunhada por
Heisenberg.

Quem sabe, então, o cético não é Lúcifer, expulso do paraíso em razão de sua
característica questionadora? Será que temos espaço para Lúcifer na certeza das verdades filosóficas
ou vamos renegá-lo à “periferia” do conhecimento não científico?

Em razão de todo o exposto até aqui é que se justifica a escolha do tema. Quem será
este louco chamado Cético? ‘Recusando o totalitarismo das certezas, em proveito da liberdade de
escolha e criação, farei filosofia com rigor e, porque não, arte? Nunca artístico e sempre arteiro.’1
(Ricardo Aronne)

Vamos, então, conhecer este cético! Proponho uma dança para diminuir o clima hostil
que se percebe para com o cético. Quem sabe um tango? Astor Piazzola? ‘Convido-o a tomar o
centro do salão. Sacando a bailar...na singular e cotidiana balada para un loco...Piantao??? Veni,
vola senti...el loco berretin, que tengo para vos... (Astor Piazzola).’2

1.2 Identificando o Cético.

Cumpridas as formalidades, parte-se em busca de esclarecimentos. Primeiramente,


entretanto, faz-se necessário tecer algumas questões sobre a perspectiva standard da epistemologia.

Neste sentido, Richard Feldman:

A teoria do conhecimento, ou epistemologia, é o ramo da filosofia que trata


das questões filosóficas sobre o conhecimento e a racionalidade. Os
epistemólogos estão primariamente interessados nas questões sobre a
natureza do conhecimento e nos princípios que governam a crença racional.
Eles estão menos focados em decidir se há conhecimento ou crença racional
em casos reais, específicos. Assim, por exemplo, não é tarefa do
epistemólogos determinar se é agora razoável crer que exista vida em
outros planetas. Este é primariamente o trabalho de astrônomos e
cosmólogos. A tarefa dos epistemólgos é tentar desenvolver uma teoria
geral estabelecendo as condições sob as quais as pessoas têm conhecimento
e crenças racionais.3

De acordo com Richard Feldman, então, a epistemologia trabalha com a seguinte


proposição: Nós conhecemos uma grande variedade de coisas. Nós conhecemos essas coisas através

1
Aronne, Ricardo. Razão e Caos no Discurso Jurídico e outros ensaios de direito civil constitucional. Porto Alegre.
2010.
2
Idem.
3
Feldman, Richard. Epistemology.
das fontes: percepção, memória, testemunho, introspecção, Raciocínio e Insight Racional.

Na contramão desta proposição, o Cético sustenta que nós conhecemos muito menos, ou
nada, do que a perspectiva standard da epistemologia afirma sermos capaz. Deste modo, pode-se
afirmar que Cético é aquele que duvida, questiona e pratica suspensão de julgamentos. Para o
Cético, a resposta nunca é tão óbvia quanto parece, a não ser a dúvida. Só sei que nada sei.
Sócrates? Cético?

Trabalhando com a questão do Ceticismo, o autor Michal Williams, na obra, The


Blackwell Guide to Epistemology, inaugura seu texto reconhecendo que o Ceticismo representa um
fator de grande preocupação para a Teoria do Conhecimento. Entretanto, reconhece, em seguida,
sua crucial importância para o desenvolvimento e progresso da Epistemologia Dogmática. Afinal,
os primeiros filósofos a praticar filosofia como ciência eram reconhecidamente céticos.

O conhecimento científico nasce com dúvida e torna-se estático com a obtenção de uma
solução, de uma verdade. Cético é alguém que questiona as coisas e pratica a suspensão de
julgamentos. A dúvida e a incerteza, assim, são características marcantes do pensamento cético.

Cumpre salientar que nota marcante do Ceticismo são sua naturalidade e obviedade. Um
cético refinado não parece invocar contradições lógicas em seus argumentos, na mesma medida que
parece utilizar as mais simples e óbvias considerações para injetar dúvida e incerteza nas
proposições epistemológicas.

Para o cético, então, nós conhecemos muito menos, ou nada, do que a perspectiva
standard da epistemologia afirma sermos capaz. O Cético coloca em dúvida a existência do
conhecimento e coloca em dúvida nossa capacidade de conhecer as coisas. Afinal, dúvida e
incerteza são notas marcantes do cético.

Entretanto, não se pode esquecer que o principal objetivo da epistemologia não é refutar
o ceticismo e provar que o conhecimento existe, mas desenvolver uma teoria geral estabelecendo as
condições sob as quais as pessoas têm conhecimento e crenças racionais. Não é plausível
desenvolver uma ciência com o único objetivo de refutar teses contrárias.

Michael Williams observa que o Ceticismo é o oposto de Dogmatismo. Para o autor, se


nós entendermos dogmatismo, em seu sentido comum, como sendo uma aderência cega a
proposições previamente estabelecidas, então, de certo modo, o ceticismo é algo inerente a qualquer
tipo de conhecimento. Curioso notar, assim, que em períodos cuja necessidade de verdades e
certezas era levada extremamente a sério, vide o movimento da ciência positiva, o ceticismo se
fazia presente de modo mais intenso.4

Contextualizando a problemática epistemológica, e sua dicotomia dogmática/ceticismo,


vislumbra-se que são filhas da modernidade. São criação da razão científica, tendo como dogma a
verdade e a certeza e como sombra a incerteza como imanência. Assim como toda a construção,
então, este paradigma epistemológico é passível de desconstrução (Jacques Derrida).

A modernidade tentou apreender o mundo como um relógio. Entretanto, os primeiros


gregos, na impossibilidade flagrante de caracterizar essências, contavam histórias. “A medida que a
arte produz o mundo e o mundo produz a arte se confundem na Grécia antiga. Tanto que nos
referimos a períodos gregos como helênicos ou homéricos, quando sequer tínhamos indicações
seguras da existência do poeta Homero ou da pré-midiática, disputada e encantadora Helena de
Tróia.”

Percebe-se, portanto, que o papel dos mitos era descrever o mundo antigo na cabal
impossibilidade de apreender o mundo em um conceito. Os conceitos servem para pacificar o
espírito, enquanto os mitos o desafiam, instigando-lhe a percepção. As fórmulas, redutoras por
natureza, possuem exclusiva função de sempre garantir certeza nos resultados esperados.

Graças à dogmática, reduzimos as inúmeras possibilidades que o mundo oferece a uma


medíocre fórmula da verdade e da certeza.” ‘A lei dispensa juízes’, dizia Montesquieu, e ‘a
matemática dispensa matemáticos’, dizia Leibnitz.”5 Será que a epistemologia não anda
dispensando epistemólogos nessa faina por métodos, fórmulas e verdades? Empobrece-se, assim,
toda a grandeza de possibilidades que a incerteza possui (Heisemberg). O resultado? Um Cético
assombrando e assoviando aos ouvidos!

A dogmática leva como prêmio um Cético na bagagem, enquanto seres patológicos e


ideologizados pela modernidade. Curioso notar, que aquele que possui certezas é assombrado pela
incerteza, mas aquele que trabalha com a incerteza não é assombrado pela certeza! O que é real e o
que é ficção? Mapa e território? A ficção é mais confortável, assim como os fetiches herdados da
modernidade.

Retomando Michael Williams, a proposição aqui descrita se ratifica. O autor observa


que o Ceticismo é o oposto de Dogmatismo, e percebe que em períodos cuja necessidade de
verdades e certezas era levada extremamente a sério o ceticismo se fazia presente de modo mais
intenso.
4
Willians, Michael. The Blackwell Guide to Epistemology.
5
Aronne, Ricardo. Razão e Caos no Discurso Jurídico e outros ensaios de direito civil constitucional. Porto Alegre.
2010.
Com base no autor supracitado, pode-se concluir que o Ceticismo é a razão consciente
do dogmatismo que não tem consciência das suas limitações. Enquanto a Epistemologia continuar
trabalhando com a matriz das certezas e verdades totalitárias, o Cético se fará presente com a
ameaça da incerteza.

Por fim, cumpre salientar que o convite que fiz para um tango com cético não seria
exarado para o epistemólogos, afinal para dançar tango é preciso improviso, sensibilidade e paixão,
habilidades que o frio e calculista dogmata não possui.

Porto Alegre, 01 de setembro de 2010.

Maurício Brum Esteves

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