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Some method should be thought on for ascertaining and fixing our language forever. ...

I see no absolute necessity why


any language should be perpetually changing.
Jonathan Swift (1712)

Stability in language is synonymous with rigor mortis.


Ernest Weekley (1921)

A Linguística Histórica e Comparativa

TEXTO 5

Mateus, M.H. e Villalva, A. O Essencial sobre Linguística, Caminho, Lisboa, 2006. Pp 76- 78. ISBN: 972-21-
1777-7

A Linguística Comparada

O terceiro tipo de estudos da variação linguística analisa línguas diferentes. Este tipo de análise assenta
em bases científicas, como já ocorria na comparação entre línguas desenvolvida a partir dos finais do
século XVIII. Havia então a preocupação de identificar relações históricas entre as línguas, preocupação
a que se juntou, posteriormente, uma análise comparativa com o objetivo de estabelecer uma tipologia
linguística assente nas propriedades dos sistemas gramaticais.
Os estudos comparativos que se desenvolveram sobretudo no século XIX produziram uma
classificação genética das línguas e foram responsáveis pelo aparecimento das chamadas famílias de
línguas, frequentemente representadas por uma espécie de árvore genealógica. Na família românica,
por exemplo, o Latim é a língua-mãe, o Português é uma língua-filha e o Castelhano, o Catalão, o
Francês, o Italiano ou o Romeno são as suas línguas-irmãs. A família românica é descendente do Indo-
Europeu, que, como já foi dito, é uma língua reconstruída de que não existe qualquer vestígio material.
Esta classificação genética das línguas não é, pois, isenta de críticas e discussões. A família das línguas de
matriz indo-europeia (entre as quais se inclui o Latim) pode ser representada do modo expresso na
página seguinte.
Apesar de ser dominante em toda a Europa, a matriz indo-europeia coexiste com algumas
pequenas bolsas linguísticas de distinta natureza: o Basco resistiu à invasão indo-europeia; o Húngaro, o
Estónio e o Finlandês são línguas pertencentes à família urálica; e o Turco é uma das línguas da família
altaica. Na Ásia, línguas como o Malaio ou o Tamil, faladas na Índia, pertencem à família dravídica,
enquanto na China e no Tibete se encontram as línguas sino-tibetanas. África contém mais línguas do
que todos os outros continentes (cerca de 2000, faladas por 480 milhões de pessoas); de entre os
muitos grupos linguísticos deve realçar-se o ramo Bantu, a que pertence a maioria das línguas nacionais
de Angola e de Moçambique.
A tipologia linguística tradicional, estabelecida no início do século XIX, reconhece três tipos de
línguas com base na estrutura das palavras: línguas isolantes, em que as palavras são invariáveis e as
relações gramaticais são determinadas pela ordem de palavras (é o caso do Chinês ou do Vietnamita);
línguas flexionais, em que as palavras exibem afixos de flexão que expressam relações gramaticais (por
exemplo, o Latim ou o Português); e línguas aglutinantes, em que as palavras são construídas pela
aglutinação de unidades (como o Japonês ou o Turco). Mas muitas línguas são de tipo misto, contendo
palavras invariáveis e flexionadas, e expressando, por vezes, as categorias gramaticais através da ordem
de palavras.
A dificuldade de classificação das línguas a partir de um tão pequeno conjunto de propriedades
gramaticais acabou por conduzir ao quase abandono desta categorização. Em seu lugar, têm vindo a
surgir estudos que descrevem um determinado fenómeno linguístico (ou conjunto de fenómenos
linguísticos correlacionados) em diversas línguas, o que permite encontrar critérios de proximidade
entre línguas e conduz à identificação dos universais linguísticos.
Note-se, para concluir, que a comparação entre línguas pode contribuir para a (in) validação de
hipóteses da história e de ciências sociais como a sociologia ou a antropologia.

TEXTO 6
FROMKIN, Victoria; RODMAN, Robert, "Language and Society", Capítulo de An Introduction to
Language , 5th Edition, Fort Worth, Harcourt Brace Jovanovich, 1993 (1ª Edição: 1974), pp. 445-448.
(Adaptações e supressões de Alexandra Pinto)

A reconstrução de línguas “mortas”

O ramo da Linguística que estuda a forma como as línguas mudam, que tipo de mudanças ocorrem e
porque ocorreram é a Linguística Histórica e Comparativa: “histórica” porque estuda a evolução das
línguas e “comparativa” porque estuda as relações de diferentes línguas entre si.

Os linguistas históricos e comparativos do século XIX basearam as suas teorias na observação de


correspondências sonoras regulares entre línguas e na hipótese de que línguas com semelhanças e
diferenças sistemáticas terão descendido de uma fonte comum, isto é, deverão ser geneticamente
relacionadas.

O objetivo principal destes linguistas foi desenvolver e elucidar sobre a relação genética existente entre
as línguas do mundo. Tiveram como objetivo estabelecer as principais famílias de línguas do mundo e
definir princípios para a classificação das línguas. No entanto, o seu trabalho cresceu a partir de
pesquisas anteriores.

Já Sir William Jones, em 1786, depois de alguns anos a estudar sânscrito em Calcutá, publicou um
estudo em que dizia que esta língua possuía muitas semelhanças com o grego e o latim e que estas
semelhanças eram tão grandes que não podiam ser fruto do acaso. Sugeriu assim que estas 3 línguas
tivessem tido uma origem comum e que seria a mesma que teria dado origem ao céltico e ao
germânico.

30 anos após estas primeiras hipóteses, Franz Bopp, um linguista alemão, publicou um artigo em que
defende as semelhanças entre o sânscrito, o latim, o grego, o persa e o germânico. Ao mesmo tempo
um jovem linguista dinamarquês, Rasmus Rask, corroborava estes resultados, trazendo o arménio e o
lituâno para estes grupo de línguas aparentadas.

As investigações de Rask inspiraram um jovem linguista alemão chamado Jakob Grimm (conhecido pelos
‘Contos de Grimm’), que publicou um tratado de quatro volumes (1819 – 1822) que especificava as
similaridades regulares entre sons do sânscrito, do grego, do latim e línguas germânicas. Mais do que as
semelhanças, foi a natureza sistemática das diferenças que intrigou Grimm e os outros linguistas
comparativistas. Onde em latim ocorre um [p], em inglês, muitas vezes, ocorre um [f); onde em latim
ocorre um [t], em inglês, muitas vezes, ocorre um [8]; onde em latim ocorre um [k], em inglês, muitas
vezes, ocorre um [h].

Grimm apontou que certas mudanças fonológicas que não ocorrem em sânscrito, grego ou latim devem
ter ocorrido cedo na história das línguas germânicas. Por causa da natureza regular das diferenças, estas
regras ficaram conhecidas como as Leis de Grimm.
A importância dos cognatos na depreensão da evolução das línguas.

Cognatos são palavras em línguas aparentadas que se desenvolveram a partir da mesma raiz ancestral,
como o Inglês horn e cornu no Latim. Os cognatos, muitas vezes, embora nem sempre, têm o mesmo
significado nas diferentes línguas. A partir dos cognatos podemos observar correspondências de sons e
delas deduzir as mudanças de sons.

Indo-European Sanskrit Latin · English

*p p pitar- p pater f father


*t t trayas t tres e three
*k § sun k canis h hound
*b b No cognate b labium p lip
*d d dva- d duo t two
*g j ajras g ager k acre
*bh bh bhratar- f frater b brother
*db dh dha f fe-ci d do
*gh h vah- h veh-6 g wagon

figure 11.4 Some Indo-European sound correspondences.

O sânscrito foi a língua que sofreu o menor número de mudanças consonantais, enquanto o latim sofreu
mais, e a língua germânica conheceu quase uma reestruturação completa. Ainda, o facto de o que muda
serem os fonemas e as regras fonológicas e não as palavras individuais, resultou nas correspondências
notavelmente regulares que permitem fazer a reconstrução de grande parte do sistema sonoro do indo-
europeu.

Um grupo de linguistas jovens conhecido como os neo-gramáticos foi além da ideia de que tais
mudanças de sons representavam apenas uma tendência, e afirmou que estas leis não possuíam
nenhuma exceção. Eles viram a Linguística como uma ciência natural e, portanto, acreditaram que as
leis da mudança fonética eram leis naturais inatacáveis. (…) Ainda assim, o trabalho destes linguistas
forneceu dados e insights importantes sobre a mudança nas línguas e as razões por que tais mudanças
ocorrem.

O trabalho da Linguística do início do século XIX teve alguma influência sobre Charles Darwin, e por sua
vez, a teoria da evolução de Darwin teve uma profunda influência na Linguística e em toda a ciência.
Alguns linguistas pensavam que as línguas tinham um "ciclo de vida" e que se desenvolviam de acordo
com as leis evolucionistas. Além disso, acreditava-se que todas as línguas poderiam ser relacionadas
com um antepassado comum. Esta teoria do naturalismo biológico tem uma parte de verdade, mas é
uma simplificação de como as línguas mudam e evoluem para outras línguas.
Quando certas línguas se parecem entre si de uma forma que não pode ser atribuível ao acaso ou a
empréstimos, podemos concluir que elas estão relacionadas entre si. Ou seja, elas evoluíram através de
uma mudança linguística de uma protolíngua ancestral.

A semelhança entre o vocabulário básico de línguas como o inglês, alemão, dinamarquês, holandês,
norueguês e sueco é demasiadamente evidente para ser atribuível ao acaso ou a empréstimos entre
línguas. Concluímos, assim, que essas línguas têm um pai comum, o Proto-Germânico. Não há registos
escritos de Proto-Germânico, e certamente não há falantes nativos vivos hoje. O Proto-Germânico é
uma língua hipotética cujas propriedades foram deduzidas com base nos seus descendentes.

Foi por meio do método comparativo, tão bem concebido por Jones, Bopp, Pask e Grimm, que os
linguistas do século XIX foram capazes de iniciar a reconstrução da língua ancestral há muito perdida,
uma língua que floresceu há cerca de 6.000 anos atrás, a língua que temos vindo a chamar de indo-
europeia.

A diversidade de línguas no mundo

A maioria das línguas do mundo não pertence à família indo-europeia. Linguistas também tentaram
classificar as línguas não indo-europeias de acordo com as suas relações genéticas. A tarefa é identificar
as línguas que constituem uma família e as relações que existem entre elas.

As línguas indo-iranianas hindi e urdu são listadas como línguas distintas, mas elas são mutuamente
inteligíveis na sua forma falada e são, indiscutivelmente, dialetos de uma língua. No entanto, cada uma
usa um sistema de escrita diferente e cada uma é falada por comunidades de diferentes crenças
religiosas e nacionalidades. (hindi é falada na Índia por hindus; urdu, é falada no Paquistão por
muçulmanos). Assim, o que determina que uma língua seja diferente de outra nem sempre são fatores
linguísticos.

Por outro lado, as línguas mutuamente ininteligíveis faladas na China são muitas vezes consideradas
como dialetos, porque têm um sistema de escrita e uma cultura comuns, e são faladas dentro de uma
única fronteira política.

Muitas vezes, é surpreendente descobrir que línguas são geneticamente relacionados e quais não são.
Nepali, a linguagem do Nepal remoto, é uma língua indo-europeia, enquanto húngaro, cercado por
todos os lados por línguas indo-europeias, não é.

Não podemos também eliminar totalmente a possibilidade de que todas as línguas do mundo derivam,
em última análise, de uma única fonte, uma “proto-língua" que alguns apelidam nostrático – nostratic -
e que se encontra enterrada, se não escondida, nas profundezas do passado. (Cf., a este propósito, as
teses de Johanna Nichols, da Universidade da Califórnia, Berkeley).
Urálica é a outra grande família de línguas, além do indo-europeu, falada no continente europeu. O
húngaro, o finlandês e o estoniano são os principais representantes deste grupo.
Línguas afro-asiáticas compreendem uma grande família falada no norte da África e no Médio-Oriente.
Elas incluem as modernas línguas semíticas, hebraico e árabe, bem como línguas faladas nos tempos
bíblicos, como o aramaico, o babilónico, o cananeu e o moabita.

A família sino-tibetana inclui o mandarim, a língua mais populosa do mundo, falada por cerca de um
bilião de chineses. Esta família também inclui todos os "dialetos" chineses bem como o birmanês e o
tibetano.

A maioria das línguas da África pertence à família Niger-Congo. Estas incluem mais de novecentas
línguas agrupadas num número de subfamílias como kordofanian (região de Kordofan no Sudão) e
Atlantic-Congo. Este último inclui línguas individuais, tais como suaíli e zulu.

Igualmente numerosa, a família austronésia contém cerca de novecentas línguas, faladas numa vasta
extensão do globo, de Madagáscar, na costa da África, até o Havaí. A língua havaiana é uma língua
austronésia, como são o maori, falado na Nova Zelândia; o tagalog, falado nas ilhas Filipinas; e o malaio,
falado na Malásia e em Singapura, para mencionar apenas alguns casos.

Dezenas de famílias e centenas de línguas são, ou eram, faladas no Norte e no Sul da América. O
conhecimento das relações genéticas entre estas famílias de línguas é muitas vezes ténue, e porque
muitas das línguas estão a aproximar-se da extinção, pode haver pouca esperança de uma mais rigorosa
compreensão das famílias de línguas ameríndias à semelhança do que foi alcançado para o
conhecimento das línguas indo-europeias.

Outra forma de classificar as línguas para além da sua genética é através de certos traços linguísticos,
independentemente da família a que pertencem. Assim, é possível classificar as línguas de acordo com a
estrutura das palavras, diferenciando-se entre línguas aglutinantes, línguas isolantes e línguas flexionais
(ver texto de Mateus, M.H. e Villalva, A. – O Essencial sobre Linguística). Um outro traço usado para
distinguir línguas é a ordem básica dos elementos nas frases. Cada língua tem frases que incluem um
sujeito (S), um objeto (O), e um verbo (V), embora algumas frases possam omitir todos estes três
elementos.

Há seis ordens básicas possíveis - SOV (sujeito, objeto, verbo), SVO, VSO, VOS, OVS, OSV, que permitem
seis tipos de línguas possíveis. Aqui estão alguns exemplos de algumas das línguas de acordo com estas
classes:

SVO: inglês, francês, português, suaíli.


VSO: tagalog, irlandês (clássico) árabe (bíblico), hebraico.
SOV: turco, japonês, persa, georgiano.
OVS: apalaí (Brasil), barasano (Colômbia), panare (Venezuela).
OSV: apurinã (rio Purus, Amazonas) e xavante (Brasil)
VOS: caqchiquel (Guatemala), huave (México)

Se uma língua é SVO isso não significa que SVO seja a única ordem de palavras possível.
Yoda, o mestre Jedi do filme ‘O Regresso de Jedi’, fala um estilo estranho, mas perfeitamente
compreensível, de inglês que consegue a sua excentricidade por ser OSV (os objetos não têm
necessariamente de ser sintagmas nominais). Algumas das declarações de Yoda são:
Sick I've become.
Strong with the Force you are.
Your father he is.
When nine hundred years you reach, look as good you will not.

Para os linguistas, as muitas línguas e famílias de línguas fornecem dados essenciais para o estudo da
gramática universal. Embora estas línguas sejam diferentes de muitas formas, elas também são muito
semelhantes em muitos aspetos. As línguas dos "greenlanders", os maoris da Nova Zelândia, os zulus da
África, e os povos nativos do Norte e América do Sul todos têm sons semelhantes, regras fonológicas e
sintáticas semelhantes e sistemas semânticos semelhantes.

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