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HISTÓRIA E PARADIGMAS RIvAIS

Ciro Flamarion Cardoso

questão e uma escolha

N .stc limiar do século XXI, vivemos segundo muitos uma crise de


.ivilização, simbolizada talvez em forma adequada pela maneira
I til 11que se encara hoje em dia a dupla conceitual cultura/civilização.
Foi no século XVIII que filósofos franceses e alemães começaram
11 1111li '~nr O termo cultura, de início restrito a assuntos agrícolas, para
I 1I IÍ' S • ao progresso material e mental da humanidade: a "cultura da
'I 1111"I roporcionava, portanto, uma metáfora para a "cultura de si
1111 1110", numa tradição que desembocaria, no século XX, na formula-
110 11111'01 'ológica do homem como um animal autodomesticado - a
Idl li, hcm .xposta pelo arqueólogo Gordon Childe, de que "o homem
111 I' I Hi I róprio".'
,'" tunro franceses quanto alemães estiveram presentes na ges-
I 11 111 do cone 'ito de cultura - que seria adotado pela nascente
li I plllltl antropológica em 1871 através de E.B. Tylor.ê no Brasil
1111111111 IdHIOl'i,ldorcs se dão conta, segundo creio, de uma divergência
1/111I 11I1I1>~11lI 'S Ic o século XVIII mas de forma mais clara poste-
11111111 nu-, ," .stnbcl cria entre as maneiras francesa e alemã de
11111111111';1 , '1IIçno .ntr as noções de ultura c civilização.
NII ('IIVIlI' r nn "su, a 'ivilil'.a '50, t rrno sem dúvida ainda mai
111111 11111'0do que V\lIIUlfI, roi ViSI!1 rrndi .ionulm '111 • numa I rsp -
tiva evolucionista e otimista, As civilizações seriam "altas culturas" vantagem de evitar o anticientificisrno obscurantista tão presente em
aracterizadas pela urbanização, a escrita, o desenvolvimento das ciên- muitos dos cultores da autodenominada.Acee História (ao verem na
cias, a metalurgia, o surgimento de um poder separado do parentesco -iência uma manifestação do poder entendido à maneira de Nietzs-
(o Estado), o desenvolvimento da divisão social do trabalho e das chc). Treitler recomenda que raciocinemos sobre a história humana
diferenças de status.etv:«: indivíduos e grupos - e outros traços ainda,
já que houve inúmeras teorias, assim corno muitas divergências a ".,. não como se fosse um ponto central em avanço que elimina
respeito de como definir a civilização, O que me importa, aqui, é que tudo à sua vol ta enquanto se move, mas sim, mais de acordo com '
a civilização era vista como uma forma superior de cultura, a culminação a tentativa revolucionária de Oarwin - ainda-não de todo exitosa
de etapas sucessivas como, por exemplo, no caso de Lewis Henry -, reorientando o enfoque do historiador das propriedades mo-
Morgan (1818-1881), selvajaria-barbárie-civilização: e tal culminação dais de gru pos para a efetiva variação existente no seio das próprias
era considerada positivamente.' ' coisas (... )".6
Na vertente alemã, cultura designou habitualmente os costumes
específicos de sociedades 'individualmente tomadas, em especial os A formulação acima parece-me adequada para sintetizar a ambi-
modos de vida de mudança muito lenta (rurais ou tribais) que serviam , () central da Nova História, já que ela é a "história em migalhas",
de base à coesão social, em oposição à civilização definida como urbana, pl ocupada centralmente com a diversidade dos objetos e a alteridade
cosmopolita e rápida em suas-transformações: sendo a -primeira valo- vulrural, entre sociedades e dentro de cada uma delas,
rada positivamente, IDas não assim a segunda, Tais idéias viriam a Assim, a escolha, neste capítulo inicial de um livro que tem a
corporificar-se sobretudo na obra monumental que o etnólogo alemão I~I'tensão de mapear seletivamente o estado atual da disciplina histó-
Gustav Klemm dedicou à história cultural da humanidade." Diga-se de I H'II de um modo que se espera será útil aos estudantes, professores e
passagem que ignorar esta oposição básica de perspectivas entre as pt'/iqui adores que atuam no setor dos estudos históricos, consiste em
visões francesa e alemã dificulta, entre outras coisas, o entendimento ulorar, até por razões de economia de espaço, uma perspectiva macro-
da corrente paramarxista conhecida como Escola de Frankfurt. I •,)ri ia: ap~esentar a disciplina histórica hoje a partir da oposição entre'

Uma das opções possíveis para definir o deslocamento de para- dOIS paradigmas polares, chamando-os de "iluminista" e "pós-rnoder-
, digma na área das humanidades- e das ciências sociais que se liga, em 110":, respectivamente, A escolha oposta seria partir da própria historio-
nosso século, a um processo mais ou menos longo cuja fase decisiva p,1 "Ia, em forma empírica, o que levaria sem dúvida a enfatizar a
parece ter sido 1968-1989 consistiria em vê-Io como uma vitória do di crsidade, não as identidades e oposições mais centrais, No meu
,corte interpretativo de origem alemã sobre o de origem francesa, 1011 " o que se perde em detalhe e o risco que se corre de minimizar

sintetizando o que muitos pensadores contemporâneos vêem como o I di/" .rcnças são compensadós, segundo creio, por maior clareza no
fim de uma longa fase na história dos homens e suas visões de mundo, lell' Illt: às questões maiores de tipo epistemológico e teórico, Seja
corneçada, com o Renascimento e intensificada com o lIuminismo: c 1111'" for, nos capítulos seguintes do livro, a variedade e a diversidade
donde a designação usual deste fim de século como inaugurando um I (I d .vidarnente apreciadas,

período pós-moderno, Alguns autores, mais radicalmente, encaram a


questão central como sendo o colapso iminente da civilização qua
civilização; ou seja, o fim de uma fase ainda mais longa, que se vinha ( ) pn ra lígma "iluminista"
desenvolvendo há uns cinco milênios, É o que pensava, já em 1971, o
antropólogo Paul Bohannan.' () 1 ar ••digma ora ameaçado em sua hegemonia ou, segundo os cul-
1011 Illtlil) radi ais da Nova História, já destronado pode ser chamado
É evidente que tal mudança de paradigma não deixou de afetar
a história, entendendo neste caso esta última (um termo polissêmico) 11 "rnud 'mo" ou "iluminisca". Opôs-se, neste século, durante várias
como a disciplina histórica. E o fez num sentido bem caracterizado 11 (' IdllS o '(HYl bastante su essa, ao historicisrno em suas várias verten-
metaforicarn nt pelo historiador nort -americano da músi 'ti I) 'o I in -luin lo nqu 'Ias de Bcncdctto roce e R. . ollingwaod - e
111 1111lodo 'SI ri! 1IJl1 'l1l ' h .rrn n uri o ou int .rpr 'cativo qu tal 01'-
Trcitl 'r, partidário do nfoquc hcrrn .nôuti ; t .ndo SUII 1111"1 d()J'1I n
le IlIe PIOPIIJ'"IVli, I' 10 e-m 110m' dll J"n1;iÍ() ,do progr 'SsO humano, '111
uma perspectiva que pretendia estender ao~ es~_u_~_Q~ ~ºcjªiLQJnétodo 3. Que as mudanças conduzem a estados periódicos de equilíbrio
científico. Em história, o marxismo (ou um certo marxismo, já que eu relativo, cuja característica não é (...) a ausência de qualquer
, não incluiria aqui, por exemplo, a Escola de Frankfurt, a meu ver inte- mudança, mas sim a duração relativa de suas 'formas' e 'relações
recíprocas'(hoje expressaríamos isto mais precisamente com as
grante do paradigma "pós-moderno") e o grupo chamado dos Annales no
palavras: da estrutura do sistema) ."~
período 1929-1969 foram suas vertentes mais influentes e prestigiosas.
Os historiadores filiados a este paradigma - cujo domínio sobre
Mesmo se raramente realizada na prática em forma adequada,
os estudos históricos foi máximo entre talvez 1950 e 1968, mas nunca
devido à séria dificuldade que envolve para o pesquisador, a ambição
total - escrevem uma história que pretendem científica e racional.
do marxismo é, então, a reunião num único movimento do pensamento
Seu ponto de partida na produção de conhecimentos é, no mínimo,
dos enfoques genético e estrutural das sociedades' com efeito trata-se
hipotético (a "história-problema" dos Annales), às vezes hipotético-de-
de obter uma visão ao mesmo tempo holística (es~ru tural) e dinâmica
dutivo (se bem que isto raramente se pratique com rigor, mesmo
(relativa ao movimento, à transformação) das sociedades humanas,
porque muitos historiadores carecem de uma formação que a tanto os
como bem entendeu J erzy Topolski.'?
habilite), sempre racionalista. Acreditava-se que, fora de tal atitude
O conhecimento que se pretende conseguir basear-se-á num
básica, o saber histórico não responderia às demandas surgi das da práxis
modelo epistemológico que difere tanto do que formula o sujeito do
social humana no que tange à existência e à experiência dos seres
conhecimento como passivo, limitando-se a refletir a realidade exte-
humanos no tempo, nem seria adequado no enfoque da temporal idade
rior, quanto do que limita ao sujeito todo o aspecto ativo no processo
histórica como objeto. As tendências filosóficas fundadoras vinham dos
do conhecimento. Tal modelo é chamado de teoria modificada do reflexo,
séculos XVIII e XIX - sendo este último aquele em que a história
a qual postula, entre o sujeito que conhece e aquilo que é conhecido,
surgiu como disciplina reconhecida acadêmica e profissionalmente.
a mediação da prática (trabalho, práxis, produção: devendo tais termos
Viram-se reforçadas, no século XIX e neste, pelo emprego de modelos
entender-se em sua acepção mais ampla)." No caso específíco da
macro-históricos e teorizantes: estes podiam ser distintos e até opostos
história, a conseqüência desta teoria do conhecimento é que, como os
entre si, mas voltavam-se sempre para a inteligibilidade, a explicação,
processos passados não podem transformar-se, nós os conhecemos
a expulsão ou pelo menos a delimitação do irracional, do acaso, do
Através de transformações constantes de suas imagens consecutivas,
subjetivo. Exemplifícam tais modelos o evolucionismo (em diversas
.m função das mudanças que intervêm na práxis atual. Deve notar-se
modalidades), o marxismo, o weberianismo, algumas das vertentes
que .isto nã~ se confunde com o relativismo dos historicistas, já que a
estruturalistas. Trata-se de uma história analítica, estrutural (e mesmo
rcoria marxista do conhecimento é um realismo (o objeto do conheci-
macroestrutural), explicativa (na prática, ainda em casos como o de
mento histórico não é constituído pelo sujeito: a práxis atual intervém
Weber que pretendia praticar uma "ciência da compreensão", e não
na apro.priação cognitiva de algo que existe por si mesmo e pode ser
"da explicação") - sendo estes alguns dos-aspectos centrais de sua
conhecido): trata-se, mais exatamente, da concepção da verdade cien-
racionalidade, sua cientificidade assumida. 7
t f~cacomo limite. absoluto a que tendem verdades relativas ou parciais
Permitir-me-ei resumir muito a apresentação dos elementos essen-
(",IJO ~lcance maior ou menor depende do tipo de conhecimento
ciais deste paradigma em suas manifestações mais influentes entre os
histórico que permite a prática social de cada época ou fase. Outrossim,
historiadores - o marxismo e o grupo dos Annales -, posto que em
() ,~tudo d~s estruturas presentes, com afinalidade de orientar a práxis
diversas ocasiões, como autor ou co-autor, já me pronunciei a respeito. H
O 'tal. relativamente a elas, conduz à percepção de fatores formados no
A visão marxista da história foi adequadamente sintetizada por
pns~<ldo, cujo ~onheci.mento é útil para a atuação na realidade de hoje.
Adam Schaff nos pontos seguintes, nos quais, segundo afirma, o
,inm, a teoria marxista do conhecimento implica necessariamente
marxismo estabelece:
umu vinculação epistemológica dialética entre presente e passado, Um
"1. Que a realidade social é mutável,
I VIO I· [can hcsneaux pretendeu extrernar esta relaçâo, interpretan-
2. Que esta mudança é submetida li I 'is ujo r ·fI .xo S o !lS
do " lll:diaç1[o do trabalho, da prática e da produção no processo do
I 'is dinUmi 'a~ da 'j n 'ia (hiAtÔl'i'u), ruuh '11)1 mro 'orno Algo que deve significar pôr a história - estrita e
história - estrita e pragmaticamente - a serviço direto de uma anterior e que não há como transformar in totum num período curto por
simples atos de vontade. Assim, as estruturas em questão impõem
militância política qualquer, desde que rev~ Iu~lOnana
' " e p~pu Iar. 12
limites ao que é ou não possível em cada momento.
Deve notar-se que a preocupação holística do marxismo ,tra,n~-
cende, mesmo, a esfera estritamente huma~a, Natureza e história O impacto do marxismo sobre os historiadores profissionais não
humanas aparecem como subsistemas da realidade do mundo, a~bos se fez sem dificuldades; e estas não foram principalmente teóricas ou
em movimento dialético autodeterminado mas, por outr,o lado" VI?~U-
lados um ao outro. É assim que a principal contradição dialética
acadêmicas. Eis aqui o que diz, sobre o caso francês, Le Roy Ladurie:
,
"A influência marxista foi capital e ao mesmo tempo bastante
reconhecida pelo materialismo histórico marxis~a é a que ~e esta~elece
oculta, Simplesmente porque, há cinqüenta anos, ser marxista na
entre o homem (sócio-historicamente determinado: daí a teona das
universidade francesa não era bem visto, sobretudo se houvesse
classes sociais, no caso das sociedades pós-tribais) e a natureza, e s~ preocupação em fazer carreira." 16
resolve no desenvolvimento das forças produtivas. As outras co~tradl-
ções centrais ligam, como se sabe: a dinâmica das forças pro,dutI:,as ao Segundo Geoffrey Barraclough, que não era marxista:
i I
caráter conservador das relações de produção e a determinação em
I
última instância pela base econômica à autonomia relativa dos d!v~rso~ "A influência crescente do marxismo deve-se principalmente ao
níveis da superestrutura, Da análise integrada dessas contradições e fato de que oferecia a única base verdadeiramente sa tisfatória para
que surgem conceitos fundamentais como: modo de produção, forma- um ordenarnento racional dos dados complexos da história da
ção econôrnico-socia'I , c Iasses SOCIaIs.
' , 13 . ,_" ' humanidade," 17
Além de ser uma corrente evolucionista em sua Visão da história
humana - um dos esforços' maiores dos marxistas do século XX foi no Em contraste, o mesmo historiador acha, sobre os Anna!es:
sentido de mostrar, a meu ver com sucesso, que se trata de um
evolucionismo complexo, multilinear, que não exclui estagnações e "O que é preciso sobretudo lembrar a propósito desta nova con-
retrocessos ao contrário do que ocorria na vulgata stalinista _,14 o cepção da história, e que mais contribuiu para que fosse ampla-
marxismo fala correntemente de leis (tendenciais) da história, atinen- mente aceita, é que não procurava impor um novo dogma, nem uma
t~s às formas de relacionar-se dos diferentes níveis do social em nova filosofia da história, mas sim convidava os historiadores a que
movimento, e das sociedades com a natureza. A possibilida,de disto mudassem seus modos de trabalhar e seus métodos; ela não os
amarrava a uma teoria rígida, mas sim abria-Ihes novos horizontes, "18
vem de que, por não ser o devir social planejado em sua totalidade -
ou seja não sendo a história algo que os homens façam "segundo uma
vontade coletiva e um plano coletivo" -, "as colisões entre as inúmeras De fato, mais do que da revista Anna!es, trata-se daquilo que Eric
Hobsbawm chamou de nouve!!evague da historiografia francesa: a revista
vontades e ações individuais criam no campo da história um estado de
, " " 15 foi núcleo e ponto de encontro, mas há historiadores da maior impor-
coisas muito semelhante ao rmperante na natureza inconsciente .
tância, como Ernest Labrousse, que foram periféricos em relação à
Assim sendo, é possível ao mesmo tempo reconhecer que na,hi~t?ri~
orientação do grupo dirigente do periódico."
humana os participantes têm consciência; e que o curso da história e ~
Baseando-me em síntese de minha autoria já antiga, eis aqui o
governado por leis objetivas e cognoscíveis, Outra razã? disto é ~ fa~o
que vejo como pontos básicos quanto à tendência ora em foco:
) de os homens não poderem escolher livremen te -'-- COJ1lindependência . r
das circunstâncias - as suas forças produtivas, pois toda força produ-
I, A crença no caráter cien tífico da his tória, que no en tanto é uma
tiva é o produto de uma atividade anterior (e as forças produtivas
ciência em construção: isto conduziu, em especial, à afirmação da
evoluem com relativa lentidão), Em outras palavras, em cada momen-
ne ssidade de passar de uma "história-narração" a uma "história-pro-
to, as lutas sociais que determinam a configuração que terá a ~'Ociedade
1>1 'ma" mediante a formulação de hipóteses de trabalho,
estudada, incluindo os aspectos mais conscientes e voluntános dessas
2, O d .ba ' .rlti O permanente com as ciências sociais, sem
lutas não se travam no vácuo, livres de determinações, mas, pelo con-
r' 'ollh .• 'r fronr ·jrrtll '111'1" 'bs qu . S 'jnm 'S riras ,ti ~fjnitivas; s ndo
trário, n interior d uma delimita ão s rutural herdada Ia história
"FII

menos estruturada que tais ciências, a história delas importou proble- sofrer considerável mudança de rumos, além de baixar de nível. A
máticas, conceitos, métodos e técnicas, incluindo, desde 1930, a segunda é que, embora a expressão Nova História seja aplicada com
quantificação sistemática e o~uso de modelos em certas áreas - cada freqüência a Bloch, Febvre e sucessores imediatos merecidamente,
vez mais numerosas - de estudos históricos, movimento ampliado aqui a reservarei exatamente aos Annales posteriores a 1969, já que a
ainda pela generalização dos computadores. tendência diferente que a revista desde então passa a simbolizar
3. A ambição de formular uma síntese histórica global do social, escolheu chamar a si mesma de Nova História (escolheu também
explicando a vinculação existente entr~ técnicas, economia, poder e reivindicar uma continuidade com os Annales de Bloch, Febvre e
mentalidades, mas também as oposições e as diferenças de ritmo e fase Braudel na qual não acredito).
entre os diferentes níveis do social. A comparação das características gerais do grupo dos Annales com
4. O abandono da história centrada em fatos isolados e também a concepção histórica do marxismo permite notar sem dificuldade
uma abertura preferencial aos aspectos coletivos, sociais e repeti tivos numerosos e importantes pontos comuns, em grande parte explicáveis
do sócio-histórico, substituindo a anterior fixação em indivíduos, elites pela "influência oculta do marxismo" de que fala Le Roy Ladurie em
e fatos "irrepetíveis": daí o interesse maior pelas temáticas econômi- passagem que citei anteriormente. Eis aqui os principais:
cas, demográficas e relativas às mentalidades coletivas.
5. Uma ênfase menor do que no passado nas fontes escritas 1. O reconhecimento da necessidade de uma síntese global que
(embora elas continuem sendo as mais usadas, no ~onjunto, pelos explique tanto as articulações entre os níveis que fazem da sociedade
historiadores, sem excluir os dos Annales), favorecendo a ampliação do humana uma totalidade estruturada quanto as especificidades no
uso da história oral, dos vestígios arqueológicos, da iconografia etc. desenvolvimento de cada nível.
6. A tomada de consciência da pluralidade dos níveis da tempo- 2. A convicção de que a consciência que os homens de determi-
ralidade: a curta duração dos acontecimentos, o tempo médio (e nada época têm da sociedade em que vivem não coincide com a
múltiplo) das conjunturas, a longa duração das estruturas; além de que realidade social da época em questão.
o próprio tempo longo, estrutural, é diferencial em seus ritmos depen- 3. O respeito pela especificidade histórica de cada período e
dendo de quais estruturas se trate (o mental, por exemplo, muda mais sociedade (por exemplo, as leis econômicas só valem, em princípio,
lentamente do que o econômico, e este mais do queo técnico). para o sistema econômico em função do qual foram elaboradas).
4. A aceitação da inexistência de fronteiras estritas entre as
7. A preocupação com o espaço, p,!iI)1eirgpor meio da tradicional
ciências sociais (sendo a história uma delas), se bem que o marxismo
ligação com a geografia humana; depois, através da história, ainda mais
seja muito mais radical quanto à unidade delas.
espacialmente pensada, inaugurada com os estudos de mares e ocea-
5. A vinculação da pesquisa histórica com as preocupações do
nos: o Mediterrâneo de FernandBraudel, o Atlântico de Frédéric
presente.
Mauro, o Atlântico e o Pacífico de Pierre e Huguette Chaunu etc.; e,
6. Alguns dos membros do grupo dos Annales - mas nem todos,
o tempo todo, a sólida tradição francesa da história regional.
nem a maioria - aproximaram-se à noção marxista da determinação
8. A história vista como "ciência do passado" e "ciência do
.rn última instância pelo econômico."
presente" ao mesmo ternpo..a história-problema é uma iluminação do
presente, uma forma 'de cons~iência que permite ao historiador - Há, na verdade, muito maior compatibilidade entre o marxismo
homem de seu tempo -, bem como aos seus contemporâneos a que , as idéias do grupo dos Annales do que do primeiro co~ tendências
se dirige, uma compreensão melhor das lutas de hoje, ao mesmo tempo e
supostamente marxistas, como as de LouisAlthusser seguidores ou as da
que o conhecimento do presente é condição sine qua non da cognosci- .hamada Escola de Frankfurt. Mas há também diferenças, A mais impor-
bilidade de outros períodos históricos.P [Unte é, provavelmente, a pouca inclinação teórica dos historiadores dos
IImzttl(/.\' e o fato de não disporem de uma teoria da mudança social.P
Talvez seja bom recordar aqui duas coisas. A primeira é o fato de Passando agora às críticas de que foi objeto o paradigma que acabo
que, neste momento, estou falando dos Annales exclusivamente de d • r 'IHlfl1ir, sohr .rudo ap(ls 1 68, deve notar-se que minha opção, ao
1929 até 1969: ao deixar Braudel a direção da revista, ela '0111 'ÇO\l :1 /(H"lllllllr 'SI' '1'1 11I1o, fui': 'OHl que se disrill(1;:lm as obj õcs ao pa-

H I)
.,-, mais especialmente a teoria 'quântica da física, no sentido de
radigma como um todo daquelas mais específicas dir.igid,as ao mar- demonstrar a impossibilidade de sustentar, hoje em dia, as noções de
xismo. O grupo dos Annales, refratário em grande medida as. tomadas causalidade, objetividade científica, determinação ou realismo. Isto,
de posição explicitamente teóricas, foi com menor freqüência al~o de no entanto, foi feito em formas que mostram deficiência de informa-
disputas do tipo que aqui mais me interessa (e, q~ando o f~l, t~l ção; em especial da parte dos historiadores, vítimas às vezes de sua
ocorreu da parte de marxistas, configurando debates intraparadigmã- falta de preparo científico e filosófico, que os faz embarcar nas canoas
ticos, não entre paradigmas). que lhes pareçam ir no sentido por eles pretendido, sem verificar se
Um primeiro grupo de críticas ao paradigma."ilumi~is:a" em seu estão ou não furadas: com efeito, é freqüente que esgrimam argumen-
conjunto tem um caráter amplo -- filosófico e episternolôgico --~qu~, tos envelhecidos, além de conhecidos só de segunda mão. Assim, por
até certo ponto, deriva de um abandono dos pontos de referência exemplo, boa parte dessa argumentação pretensamente científica ou
filosóficos até então preferidos (a alternativa: Hegel e Marxde um lado baseada na ciência apóia-se na Escola de Copenhague da filosofia da
ou K;nt do outro), inseridos no grande âmbito do racionalismo moder- ciência, que há umas décadas dava a impressão de representar 'a
no em favor de outros que são serni-racionalistas (Karl Popper, Noam interpretação ortodoxa em matéria de teoria quântica, mas hoje em dia
Chomsky) ou irracionalistas (Friedriéh Nietzsche, Martin Heidegger faz água por todos os lados, razão pela qual suas posições indeterrni-
e, no campo da filosofia da ciência, P. Feyerabend e Thoma~ K~hn). nistas, subjetivistas e anti-realistas em nada ajudariam já a embasar a
Tal arcabouço filosófico é usado em oposição ao eVOIUClOnlSmO e linha de discussão pretendida." Às vezes a coisa é ainda pior: a crítica
à noção de progresso que, em outro nível, apóia-se em argumentos à ciência e sua objetividade parece referir-se a uma ciência à maneira
tirados da história do século XX -- armas químicas e atômicas, o de Newton ou de Laplace, o que, como é óbvio, carece de sentido neste
nazismo com seus fornos crematórios e câmaras de gás, guerras mun~ final de século XX em que ninguém sustenta posições assim.
diais e genocídios 'em áreas mais restritas, destruição do mei.o a~bien- É evidente que, por razões ideológicas, mesmo cientistas naturais
te, uso das tecnologias modernas (incluindo as de comunicação) no podem usar a ciência, no debate com o paradigma de que estamos
sentido da desumanização e da massificação etc. -- e resulta na pro- tratando, em especial com o marxismo, inadequadamente. jacques
posta de um abandono da idéia de progresso ligado à desilusão ~adi:al Monod, prêmio Nobel de Biologia, ataca, por exemplo, a teoria mar-
com uma história recente que estaria mostrando que a modernização, xista do reflexo, não somente reduzindo-a à forma que tinha no século
o racionalismo, a ciência (com freqüência, aliás, confundida com a XIX, sem levar em conta suas modificações e correções posteriores
tecnologia, que é coisa bem diferente) não foram fatores de liber:ação (que ao parecer desconhece), mas também pretendendo que progres-
e felicidade, e sim, pelo contrário, geraram monstros. Este conjunto os científicos de nosso século invalidariam quaisquer teorias episte-
de críticas desemboca, metodologicamente, na contestação da possi- mológicas do reflexo:
bilidade de explicação racional do social, do humano, que não passaria
de uma ilusão cientificista desprovida de conteúdo efetivo, mas per- "... os progressos da neurofisiologia e da psicologia experimental
niciosa porque em torno dela se constituiria um saber terrorista a começam a revelar-nos alguns dos aspectos, pelo menos, do fun-
cionamento do sistema nervoso. O bastante para que seja eviden-
serviço do poder (agora entendido à maneira nietzscheana) e evac~a-
te que o sistema nervoso central não pode, sem dúvida nem deve,
dor de outros saberes. No plano temático, em função do antenor,
entregar à consciência uma informação que não esteja codificada,
objeta-se ao marxismo e aos Annales ia ausência ou insuficiência de suas
transposta, enquadrada em normas preestabelecidas: em suma,
preocupações com o indivíduo, o subjetivo, devido a uma obsessão pelo assimilada e não simplesmente restituída".2s
que .....
é estrutural e transindividual, e .com o poder: no âmbit~. do
marxismo, por limitar-se este a uma teona da tomada do poder político, ra, esta interpretação contém implicitamente uma falácia to-
sendo insuficientes suas indicações acerca da noção mesma de poder; mada como postulado: a de que qualquer codificação signifique neces-
no caso dos Annales, como resultado indesejável de suas polêmicas snrium ntc não somente uma seleção, mas sim uma deformação da
contra uma história tradicional de corte político-rnilitar.ê' 'oisa .odifi .ada. ( que não é a opinião dos especialistas acerca da
Às vezes se tentou usar a ciência contemporânea -- na v rdadc, 1l"('0I1S('/'\lÇI () du 'SUl/rura 10 mundo r 'ai no "r .bro cios s r s vivos;
a inr rprc a ão d 'Ia por d t .rrninada corrente da filosofin dn ci n 'in

~,i
1111 II\ ~ ~ __ ~
II _
holísticas do social, no que vem sendo chamado de "fim da história"
muito especialmente no cérebro dos primatas e, mais ainda, no do
(entenda-se: tanto a história que os homens fazem, se .se pretender
primata humano.ê"
.perceber nela algum sentido, quanto a história que os historiadores
Pode destacar-se, ainda, alguma supersimplificação deformadora
escrevem, entendidacorno uma explicação global do social em seu
em outras críticas específicas ao marxismo. Um bom exemplo é a
movimento e em suas estruturaçõesj.ê" A melhor resposta a tal desafio
questão da determinação em última instância dos níveis superestru-
seria, é claro, produzir uma teoria holística do social que, escapando à
rurais pela infra-estrutura. Quase sempre, tal discussão trata Marx e
parte fundamentada das críticas feitas às teorias disponíveis, desse
Engels como se fossem perfeitos imbecis que teriam pretendido ver a
conta das sociedades de hoje - o que a qualificaria também para o
base econômica, absurdamente, como uma espécie de glândula capaz
entendimento das sociedades passadas. Por que isto não ocorreu
de gerar idéias e instituições, ao não considerar; entre outros pontos,
ainda?
os esclarecimentos de Engels acerca da diferença entre forma e con-
Parece-me que, nesse particular, as ciências sociais, entre elas a
teúdo das superestruturas, ocasião em que diz com todas as letras que,
história, estão numa situação análoga à das ciências naturais por volta
no tocante ao "político, jurídico, filosófico, teológico", o que há é:
de 1890. Naquela época, haviam-se já acumulado críticas numerosas e
"... um material que se formou independentemente, por irrespondíveis às teorias vinculadas a uma visão newtoniana do univer-
obra do pensamento de gerações anteriores e que arravessou so. Mas só a partir de 1900, com a teoria quântica e depois a relativi-
no cérebro dessas gerações sucessivas um processo próprio dade, um novo paradigma começaria a esboçar-se. Os últimos anos do
e independente de evolução".27 século XIX caracterizaram-se, então, por um mal-estar teórico e epis-
temológico entre os cientistas naturais, similar ao dos cientistas sociais
Isto não quer dizer que inexistam críticas válidas à noção marxista da atualidade: com o agravante, para estes últimos, de que as teorias
da determinação em última instância pela base: mas derivam de algo disponíveis caducaram sobretudo porque o próprio objeto central -
muito diferente, ou seja, do fato de que hoje é impossível ver o "ideal" as sociedades humanas contemporâneas - mudou muito intrinse-
e o "material" como /oci de uma metáfora topográfica; e, portanto, não camente. Ou melhor, o que nos leva ao cerne do problema: ainda está
há como separar de fato "base" de "superestrutura". As forças produ- mudando radicalmente, mas em um processo que, se já revela alguns
tivas, por exemplo, implicam necessariamente e ao mesmo tempo o de seus aspectos e potencialidades, longe está de haver chegado ao fim
ideal e o material; e o mesmo se pode dizer do que Engels chamava de c portanto de manifestar todas as suas conseqüências. Vivemos com
"esferas ideológicas que flutuam ainda mais alto no ar: a religião, a um pé num mundo ainda presente mas em vias de superação (o das
filosofia etc.". 2R Tem razão o arqueólogo Lamberg- Karlovsky ao afirmar primeiras revoluções industriais, com suas concentrações fabris e ur-
acerca da dicotomia material/ideal: b~~as, com sua .ênfase na palavra escrita, com suas lutas sociais espe-
(ficas e conhecidas) e o outro pé num mundo que ainda está nascendo
"Tal dicotomia falseia a sua relação dialética. A construção (no qual o computador, ao generalizar-se em conjunto com elementos
de sentido e o uso de símbolos é, inerentemente, um t cnológicos como o fax, os processos digitais de armazenagem e
assunto que implica a construção de interesses políticos e omunicação de informações e a robótica, poderá perfeitamente tornar
econômicos, enquanto as preocupações de uma economia anacrônicas as concentrações fabris e urbanas; em que a primazia da
política são, inerentemente, conflitos sobre significados e palavra escrita vê-se contestada; em que as lutas sociais mudam de
símbolos."29
fOI"/:,a e de objetivos). Como teorizar, nestas condições, sobre as
o desafio maior que enfrenta o paradigma de que estou tratando sociedades vistas holisticamente, se elas estão em pleno devir para se
é outro, porém, que vai além do marxismo tomado isoladamente, ao ~orn~l:em "outras", se bem que no quadro, ainda, do capitalismo? A
afetar qualquer visão holística do social; e tem a ver muito diretamente Inabilidade, até o momento, de o fazer, eis o que mais dá força às
com os historiadores, por referir-se ao sentido ou ausência de sentido con . 'pçõ 'S ti, dissolu 50 da história em múltiplas histórias e do
111>:(1)10M dos gflln I 'I' IOIt1"I/(IIlIS históricos orno a Revolução Francesa.
da história. Refiro-me às afirmações, correntes hoje em dia, dá impos-
sibilidade de surgimento de novas ideolo ia lobais novas t .orias

~,.~ I~I ~~~ ~ ~I~~~ JI


A perspectiva do historiador deveria t~rná-Io imu~e a mais este "A história é um discursomutável e problemático - ostensiva-
"fim da história" - em função da prospendade de pos-guerra, que mente a respeito de um aspecto do mundo, o passado -, produ-
durou umas três décadas, não ouvimos falar de outro fim da história, zido por um grupo de trabalhadores cujas mentes são de nosso
especificamente o conto do fim das crises cap.italistas,.o qu~ desde o tempo (em grande maioria, em nossa cultura, historiadores assa-
primeiro choque do petróleo, tornou-se uma piada ~ h~Je esta de t~do lariados) e que fazem seu trabalho em modalidades mutuamente
esquecido? -, além de que o fato mesmo da ausencia de sol.uçao a reconhecíveis que são posicionadas epistemológica, ideológica e
problemas como o desemprego, a miséria, a exploração social e a praticamente; e cujos produtos, uma vez em circulação, estão
punção de recursos de certas partes do mundo em .proveit~ ~e outras, sujeitos a uma série de usos e abusos logicamente infinitos mas
através de mecanismos renovados (serviço de dívida, política de pa- que, na realidade, correspondem a uma variedade de bases de
tentes) ou antigos (guerra do Golfo), não poderá deixar de susci~ar poder existentes em qualquer momento que for considerado, as
quais estruturam e distribuem os significados das histórias ao
teorias, ideologias e utopias de luta, a médio prazo, que nece~sana-
Iongo de um espectro que vai. do dommante
. . I.."33
ao margma
mente precisarão levar em consideração ~ mundo. em ~eu :o?Junto.
Mas a inexistência, por enquanto, de teonas globais satisfatórias sem
Por que chamar de pós-moderna uma concepção da história (ou
dúvida torna difícil a defesa de uma perspectiva holística, sem a qual
melhor, das histórias) como a de Jenkins? Não só nem principalmente
não há como propor uma mudança cabal do estado de soisas imperante
porque tal autor assim a considera. Sobretudo porque corresponde bem
em direção a um futuro distinto. Certos historiadores de esquerda,
: definição do que seria a posição pós-moderna segundo os que a
como Josep Fontana, acham que a volta a um marxismo depurado
assumem. Com efeito, para j.F. Lyotard, o pós-modernismo se carac-
bastaria.!' Não o creio. As transformações (tanto do social mesmo
\ .riza pela "morte dos centros" e pela "incredulidade em relação às
quan to das ciências sociais) -acumuladas de ~ns do século ~I~ até ~g~ra
111 .tanarrativas". O primeiro ponto, se aplicado à história-disciplina,
são suficientemente, a meu ver, para garantir que a nova visao holística
I 'varia a afirmar que os pretensos centros (entenda-se: lugares de onde
e potencialmente renovadora das sociedades humanas. que vier a ~urgir
, ' fala) a partir dos quais se afirmariam as diversas posturas diante da
num futuro próximo terá muitos elementos do marxismo e, mais em
111 .srna não são legítimos ou naturais, mas sim ficções arbitrárias e
geral, do "paradigma iluminista"; mas será uma teoria nova, diferente.
pnssa eiras, articuladoras de interesses que não são universais: são
Construí-Ia supõe, antes de mais nada, combater de frente cerras
I cmpre particulares, relativos a grupos restritos e socialmente hierar-
tendências perversas da atualidade. Uma delas é a indiferença diante
quizados de poder (em outras palavras: não há História; há histórias
dos direitos humanos criada por um ciclo de progressiva quebra dos
"ti ," c "para" os grupos em questão). O segundo ponto significa que,
padrões de conduta civilizada que perduraram da Revolução Francesa
110 m LI ndo em que agora vivemos, qualquer" metadiscurso", qualquer
até 1914, fenômeno estudado por Eric Hobsbawm. A outra é a ofensiva
1 -oria global, tornou-se impossível de sustentar devido ao colapso da
neoconservadora e neoliberal de que fala Pablo González Casanova, a
('I IlÇ~1 nos valores de todo tipo e em sua hierarquização como sendo
qual, aproveitando-se da conjuntura mundial da atualidade, co~seg~e
univ .rsais, o que explicaria o assumido niilismo intelectual contempo-
impor um "tabu epistemológico" a problemas como os da dominação
I 1\ 'O, xim seu relativismo absoluto e sua convicção de que o conhe-
e da exploração, declarados inexistentes como objetos legítimos de
\'IUI 'lHO se reduz a processos de semiose e interpretação (hermenêu-
estudo e debate." '
1 i('II) impossíveis de ser hierarquizados de algum modo que possa
!,Ii'\ .nd .r ao consenso."

o paradígma "pós-moderno" N:l0 é difícil perceber o embasamento filosófico de uma concep-


'10 d .ssas: Nictzsche e Heidegger (aliás numa versão elaborada por
A definição mais explícita acerca do que seria a história-disciplina ('P l'olloS s 'U~ 01110, entre outros, Foucault, Deleuze e Derrida),
WillJ\ msr 'in,~.í
no interior do paradigma de que agora vou tratar é talvez a de Keith
t\poiltndo-m ' no ar ILI ólogo [can-Claudc Gardin, passo agora ao
jenkins, que vê sua própria posição a respeito como cética e irônica:
<1111' I ('rinl))o' nspc .tos .cntrais da t .nd n 'ia h 'rrll n 'uci a nas iôn-
II1 Ij()(·jnid (I) 11 dunlid H!v 11:1(\11' '1':[11'1111111'11; ( ) o lugllr do suj .iro

1I
de escolher entre elas. São todas válidas se satisfizerem aos critérios
(como ator social e como observador do social); (3) um~ r~~isão dos
do autor e daqueles que com ele concordarem.f
critérios de validação; (4) a inevitabilidade de uma multlphcldade de
Particularmente influentes sobre os historiadores foram as refle-
interpretações para cada objeto estudado. . xões relativas às formas da representação histórica, sendo esta última
Em primeiro lugar, então, os modernos partidários de uma con-
P?st~~ada como elemento constitutivo por excelência do pensamento
cepção hermenêutica dos estudos sociais - inc~uindo a histór~a -
histórico. A pergunta central a ser formulada seria: que formas, prévias
retomam, com um novo discurso, uma velha bandeira dos neokantlanos
a qualquer conteúdo específico, o saber histórico recebe de sua estru-
do fim do século passado e começo do século XX: a ~oção de q~e o
tura literária, de sua textualidade ideologicamente condicionada (ou
comportamento humano ~ seus resultados são essencialmente. dife-
se se preferir, daquilo que Foucault chama de episternes)? Respon-
rentes dos fenômenos estudados pelas ciências naturais, o que Impe-
d.endo-a, chegar-se-ia à noção de que a reconstrução do labor profis-
diria qualquer aproximação metodológica a estas últimas. E verdade
sional empreendido pelos historiadores a partir das "formas de repre-
que a própria ciência é, muitas vezes, impugnada em si, reduzida a
s~ntação", dos "níveis de discursividade", das "epistemes" mostraria
mero discurso terrorista do poder, evacuador de "saberes alternativos".
a inexistência, no conhecimento que produzem, de um caráter cientí-
Mas o mais importante é, na verdade, em se tratando do social, a defesa
fico, objetivo, racional. Por conseguinte, seria recomendável abandonar
de um enfoque baseado na compreensão (leia-se, na linguagem de
o a.nalítico, o estrutural, a macroanálise, a explicação - ilusões cienti-
hoje: interpretação, hermenêutica, crítica cultural etc.). O postulado
ficls~as - e_m f~vor da. hermenêutica, da micro-história, da valorização
implícito é uma nova encarnação da inefável "natureza humana": não
das interaçoes intencionalmente dirigidas, da concepção da história
mais o homo [aber, nem o homo oeconomicus, e sim o homo simbolicus.
c?mo sendo narrativa e literária." Esta posição toma como postulado
O segundo aspecto básico consiste em, a partir do anterior afirmar
tido como evidente por si mesmo - o que está longe de ser verdade
ser desejável, no campo do humano ou social, levar-se em conta o papel
- a .idéia de que "discurso" e "realidade humana" (individual ou
dos indivíduos e dos pequenos grupos, com seus respectivos planos,
coletiva) são grandezas incomensuráveis: o primeiro falaria por tal razão
consciências, representações (imaginário), crenças, valores, desejos.
sempre sobre si mesmo, a pretexto de falar sobre a segunda.
Num outro nível, o do observador, seria preciso reconhecerquerecm
Qual pode ser a origem do avanço do paradigma pós-moderno
sua subjetividade, faz parte integrante daquilo que es .uâa-- conduza
progressivamente visível ao longo do período 1968-1989? Em, ou tra
isto ou não a recomendar alguma inefável "empatia" com os indivíduos
ocas!ão, ocupei-me do assunto numa perspectiva histórico-social.ê"
ou grupos tomados como objeto (ponto sobre o qual não há consenso
AqUI, _vou tratar mais especificamente dos aspectos intelectuais da
entre os defensores da autóproclamada Nova História).
questao.
Como conseqüência, são postas em dúvida e rechaçadas as formas
. Alex Callinicos mostrou que, visto de certo ângulo, o pós-moder-
de validação do conhecimento antes usuais. Neste ponto, as posições
nismo revela-se como resultado da trajetória pessoal de intelectuais
possíveis variam bastante, indo da subjetividade do autor individual
que podem ser considerados da "geração de 1968" no decorrer da
ou de um leitor implícito igualmente individual às posições de grupos
d~cada de. t2.7Q:_de portadores de esperanças revolucionáriasdesilu-
de pessoas diversamente designados: "comunidade interpretativa",
didas, muitos deles passaram ao abandono da crença na possibilidade
"comunidade textual", "sociedade discursiva", Em qualquer hipótese,
de uma transformação social global; daí, ao apoio entusiástico a movi-
tratar-se-ia de um processo hermenêutico de interpretação, no caso da
mentes parcializados de luta ou reivindicação (feminismo, regionalis-
história tomado de empréstimo de preferência a uma certa antropolo-
mo, ,~l~OVlf~ent~ ga'y, ecol~gismo, movimento negro etc.), associado a
gia, com maior freqüência a de Clifford Geertz ou alguma outra
l~.n t~entl.smo mal-exphcado; vários, indo além, desembocaram por
vertente de culturalismo relativista. Em posições extremas pode ocor-
fim ~1<~SOCial-democracia, no neoconservadorismo ou no neoliberalis-
rer a simples recusa de qualquer validação como desnecessária, impos-
1111): I. 'ti pro .csso o orreu tanto no Ocidente quanto no antigo bloco
sível ou indesejável.
HO 'l:tlISI'Q, m .srno ,IIlC~S de 1989: recorde-se, por exemplo, a trajetória
Todo o anterior, agindo em conjunto, conduz inevitavelmente a
ti: Agn 's 11 ·11'I', ti ' IIS 'ÍI"ln cI 'G org Luká s a musa do pós-rnoder-
um relativismo radical: as interpretações são necessariamcnri múlti-'
nu 1Il0, sol» 111 10 J' t\li h ap)8 I .ixar o S '\I p~lís.JI)
I Ias a rcsp ito de um lado tema; c in .xistcm formas a' itt'Ív'is Ic

.,
Ainda mais relevante, sem dúvida, é ver no pós-modernismo uma
questões. Ou, ao fazê-lo, podem depois recuar. Darei como exemplo
das reações possíveis à percepção, no âmbito das ciências sociais, das
o mea culpa de um deles ao reconhecer as insuficiências daquilo que
conseqüências da dimensão semiótica do social.
chama a "estética de um realismo simplista" (que vincula ao método
O século XIX, no seu final, e principalmente o nosso século,
da "descrição densa" de Geertz), ao denunciar o fato de que tende a
assistiram à descoberta da existência e da presença generalizada de
tornar a história politicamente "domesticada" e inofensiva, bem como
numerosas programações sociais do comportamento. Muito do que as
:a proporcionar uma arrogante boa consciência aos historiadores com
pessoas fazem está programado por sua sociedade: sem isto, nenhum
base na "empatia" que alguns deles pretendem estabelecer com as
comportamento poderia ser identificado como pertencente a uma
pessoas e grupos pequenos do passado que estudarn.f Outro exemplo
dada classe de ações e assim ser compreendido. Na medida em que os
ude quado é o de Giovanni Levi ao tratar da "rnicro-história" e das
cientistas sociais e filósofos se deram conta desta descoberta essencial,
distâncias que deve tomar em relação às opções derivadas de Geertz.
alguns trataram de deduzir dela uma conseqüência da maior importância:
Diz Levi que, enquanto a antropologia interpretativa tende a ver um
todas as representações humanas de todos os tipos são simbolicamente
significado homogêneo nos signos e sinais socialmente difundidos, o
mediadas. Em outras palavras, o conhecimento humano em todas as suas
historiador os vê como ambíguos, no sentido de comportarem múl-
formas tem a ver com linguagens (no sentido semiótico: verbais tanto
Iiplas representações socialmente diferenciadas e fragmenradas."
quanto não-verbais) e processos de significação (sernjoses). Outra forma de escapar a uma antropologia como a de Geertz tem sido
Como entender tal constatação? Há duas formas possíveis de o buscar o apoio na posição antropológica mais dinâmica ou processual
fazer. A mais radical - que é a do pós-modernismo - consiste em li ' MarshaIl Sahlins: os "signos em ação" (fala, mensagem), em relação
afirmar que os processos de semiose e as linguagens são o que de fato 110 sistema de signos (a "língua" em Ferdinand de Saussure) , podem
existe. Não há, "lá fora", além deles, uma realidade cognoscível em si; ,~ 'jzl reproduzir, seja mudar o significado original."
nem há de fato um "sujeito" social ou histórico, seja individual, seja Outrossim, há muitas vezes um desejo, na Nova História, de ser
coletivo (o "sujeito" aparece meramente como "topologia estrutural 11 porta-voz de uma visão que seria a do "homem comum", do "homem
de significantes"). A outra maneira possível de encarar a questão não 1111 rua", das "massas inarticuladas", ainda que tal engajamento com
leva, ao contrário da primeira, a que se descarte o racionalismo e o "eu" /'Il'qüência prefira enfocar as minorias discriminadas em lugar das
individual ou coletivo, o sujeito; mas sim à sua reconstrução à base da uiniorias exploradas. "
consideração da existência das programações, linguagens e semioses, Passando agora às críticas de que o paradigma tem sido alvo,
e de sua interpretação." No primeiro caso, ocorre um achatamento ('0111 .ccrnos pelas questões filosóficas mais gerais, Ao tratar do moder-
culturalista do mundo em "serniose" e em "texto", relativisticamente uismo como problema filosófico, Robert.Pippin chega à conclusão de
(e culturalmente) interpretados: é a posição pós-moderna. 1/11 ' os pós-estruturalistas e pós-modernistas, apesar de toda-a atenção
Alguns batizam esta opção de enfoque como uma visão "simbó- '111: pr starn a coisas como linguagem, texto, desejo, psicanálise,
lico-realista" da teoria social. Se todo conhecimento é uma construção I', 11 'J'() ctc., não souberam resolver os problemas que atormentaram os
simbólica, cada uma com o seu modelo próprio de articulação, então o I H'IISII(Jores que, pioneiramente, formularam em pleno séculoXIX uma
que forma uma comunidade, o que a constitui como comunidade, é a 'I 1ica radical da modernidade; nem mesmo conseguiram' livrar-se
forma específica de "social idade" baseada em linguagens e grades de ('/'('( ivarncnte das problemáticas próprias do modernismo - coisa que
leitura das mesmas partilhadas por seus membros. Em lugar de uma 1IIIIlb "m demonstra Callinicos, O anti-racionalismo típico dacorrente :
sociedade global - nível que, se existiu alguma vez, desapareceu no I' V:;I, .s se acompanha de certo desleixo teórico e metodológico (e
mundo pós-moderno da desarticulação social -, teríamos grupos IIH'HIlIO, () que é cspccialrnenre grave no caso de historiadores, quanto
numerosos e diversos, interesses também variados, subculturas. Isto Ii '" 1 i('11 dtts fOI tcs). s pós-modernos costumam, com efeito,ser mais
foi criticado como sendo uma "cultura do narcisismo" e ajudaria a Ipoll ri i 'os ' r' tóri Os do que argu men cativos: abundam em seus
explicar, por exemplo, o surgimento da "ego-história"."! li' ~ I ()S IS li fi nnllç() 'S apres nradas orno se fossem axiomãticas c au to-
Convém notar, neste ponto, que os cultores da Nova I Iistória I 111('111 "1'1,11 () S "O to 'Ill'iio d 'lllollstrndns - '011 o S bastasse dizer
nem sempre se alinham a uma posição ortodoxa ou litril'n n stas 11
I" 1"
li' li) , 11 VI'. <1" '1'0"'" , 1
1l111l):I '
pOSIÇ o ~"N
••. , .m Jl) "/'11110 S i prco 'lIpllllJ

IH
com a refutação detalhada e rigorosa das posições contrári.as. Foucault, no sentido de uma síntese abrangente, já que, sem eles, a própria
por exemplo, declarou certa vez que, diante dos que alOd~ que~em tentativa pós-moderna de buscar um novo significado histórico para
falar do homem, com suas formas de reflexão "torpes e desviadas ~ seus objetos estaria condenada à dispersão e à irrelevância, por limi-
mas ele não demonstra que o sejam -, convém refugiar-se num nso tar-se a uma "contraposição abstrata" entre as condições de vida atuais
filosófico "de certa forma silencioso": algo bem mais cômodo, por certo, e as alternativas histórico-temporais relembradas, sem que as relações
do que uma refutação com argumentos! Há para~oxos e aporias inso- entre elas sejam esclarecidas integradamente.w Vê-se que o último
lúveis em muitas das posições pós-modernas. Assim, por exemplo, no ponto é uma crítica à "história em migalhas" quando se torna exclusiva.
caso da "desconstrução". Sendo os pontos de partida, no caso (por Em artigo de grande interesse, David Carr, na esteira de autores
exemplo em Derrida), a negação de um sujeito agente e d~ qualquer como Paul Kripke, Keith Donnellan ou Donald Davidson, mas usando
relação referencial entre discurso e realidade,. por que. o discurso da argumentos filosóficos tomados da mesma linha invocada pelos pós-
desconstrução seria mais aceitável, teria maror autondade do que modernos (em especial Husser! e Heidegger), opôs-se à visão- típica
qualquer outro dos discursos e escritas, no j~go dos sig~ificant~s,que por exemplo de Paul Ricoeur e HaydenWhite - que, a partir da
se multiplicam até o infinito? E como conciliar a negaçao do sujeito e I roblemática da representação da realidade, postula uma descontinui-
do homem com um método hermenêutico relativista que, na prática, dade radical entre a narrativa e o mundo real físico ou humano (neste
descamba para o subjetivismor" • .aso, que é o que interessa a Carr, individual ou coletivo). Mostrou,
Poder-se-ia invocar também, contra muitos membros da corrente I rimeiro para a vida dos indivíduos, depois para a das coletividades
atual o fato de caírem no velho "façam o que eu digo, não o que eu humanas, que a idéia central de que as narrativas distorcern a realidade,
faço", Assim, embora Jenkins afirme que todos os discursos históricos por ser a estrutura discursiva daquelas incomensurável com esta, é
se ligam a bases hierarquizadas de poder, procurar-se-ia em vão em seu .quivocada: as narrativas são condição intrínseca, sine qua non, dos
livro um esclarecimento de qual é, afinal, a base de poder de seu processos da própria vivência humana individual ou coletiva. Em outras
próprio discurso.f? E não se trata de uma exceçã?, A denúncia d~ palavras, a função narrativa "é prática antes de ser cognitiva ou estéti-
ciência e do racionalismo como terrorismos a serviço do poder esta ru", razão pela qual, longe de poder negar-se qualquer relação entre o
longe de significar que os pós-modernos, uma vez e~castelados, e.m discurso narrativo e a realidade, a narrativa histórica mantém relações
posição de poder, sejam mais tolerantes na prática, devido ao relativis- 1\ .cessárias e estreitas com o seu objeto social real. Eis aqui uma parte
mo que em tese pregam, do que aqueles que criticam e combatem. ti ' suas conclusões:
jõrn Rüsen aponta três deficiências centrais no pensamento
. histórico pós-moderno (ou seja, na Nova História). Acha que a oposição "Voltando aos textos narrativos como artefatos literários - fictícios
à teoria e a um "enquadramento dos fenômenos históricos dentro de ou históricos -, tratei de demonstrar (...) que tais narrativas devem
direcionamentos temporais globais" acaba relegando alguns dos pro- ser consideradas, não como um desvio da estrutura de eventos que
blemas caros aos próprios pós-modernos - devastação da natureza, narram, muito menos como uma deformação ou uma transformação
radical deles, e sim como uma extensão de suas características
armamentismo, aperfeiçoamento das técnicas de dominação, por
primárias. (...) ...não estou de acordo em que «forma narrativa seja
exemplo - a um "limbo de fenômenos'; como q~e naturali~a~os; ~s
algo que se produz nesses gêneros literários (ficção e história) para
quais, livres da crítica e da resistência (enfraquecld~s pela .eli.mmaçao impor-se a LImarealidade não-narrativa (... )."49
dos contextos sociais globais), podem grassar "muito mais Impune-
mente". Também lhe parece que a vivência da alteridade na opção J\ importância da argumentação de Carr é principalmente a de
pelo quotidiano e pela micro-análise - mais em geral, pela visão ant~o- I'ollll>a r o r I tivisrno extremo dos pós-modernos, para os quais o
pológico-cultural-pode descambarfacilmente par~ "u~a c~ltur~ his- ' ij'lIifi .ado do s cial é visto como um "texto" abordado num relativis-
tórica que supervaloriza os sentimentos e com isso cal no irracionalisrno 11\0 culruralm .ntc onte tualizado, já que cada interpretação cria um
e no misticismo", tendo abandonado os instrumentos críticos da razão. IIOVO signifi '~Id() c , ;lllsim S .ndo, o orrc uma rclativização completa de
Por fim, combate a tendência a negligenciar o "trabalho teórico de lod IIi [11\ r:\ I '/rOI jus, '11 'li fudilil .orno sim pl 's símbolos d .sprovidos d '
apreensão conccitual da vivência históri a .on o um todo", os esforços lodo ('0111 ('(Ido 1I1111l'I 1111.

~o simbólico como dimensões necessárias e legítimas da análise histó-


Note-se ainda que, na crítica a Clifford Geertz - mais avançada
hoje em dia nos Estados Unidos e na Europa do que os brasileiros ?~
~I.ca, e~~essos unilaterais - e também os havia no paradigma
iluminista - a meu ver se configuram como modismos ou como
costumam pensar -, diversos antropólogos e outros cien tistas sociais
re~ultados da luta ideológica que, pelo contrário, serão passageiros, Em
deram aulas válidas de teoria e método. Um deles em especial- Roger
ml/n~a opinião, como foi explicado, é inevitável que surjam, a curto ou
Keesing - mostrou que a cultura pode ser, entre outras coisas, um
me~lO prazo, um o,u mais paradigmas explicativos globais, já que as
modo de mascarar e sustentar poderes e privilégios, de ocultar a
razoes que os suscitaram no passado, os graves problemas sociais e
exploração e a opressão. Apontou também que é preciso sempre
m~ndiais sem resolver, exigirão que se renovem os horizontes utópicos
I perguntar quem cria e define os significados culturais; e com que
orientadores, amanhã, de lutas sociais menos parcializadas e mais
finalidade. 50
c~erentes do que as de hoje: as quais serão, no entanto, bastante
diferentes das lutas de ontem, já que, por mais que ainda no âmbito
do capitalismo, as sociedades humanas sofreram e continuam sofrendo
Conclusão transformações de enorme alcance.
Em seu artigo sobre a micro-história, Giovanni Levi afirma que, Aquilo, porém, em que me recuso firmemente a acreditar é que
erros ~ ~xageros passados justifiquem erros e exageros atuais de signo
nela,
.ontrano ".Em outras palavras, não creio que estejamos obrigados a
"...mostra-se uma relação entre os sistemas normativos e a p_ass~r~o ngor formal e muitas vezes ilusório do cientificismo para algo
liberdade de ação criada para os indivíduos por aqueles tuo limitado quanto uma "busca interpretativa culturalmente contex-
espaços que sempre; existem e pelas inconsistências inter- t uada", uma hermenêutica que se esgote em si mesma. As ciências
nas que fazem parte de quaisquer (...) sistemas norma- s()ci~is, entre elas a história, não estão condenadas e escolher entre
tivos".51 t :ortas deterministas da estrutura e teorias voluntaristas da consciên-
('1<1,~obretudo considerando tais posturas em suas modalidades unila-
Esta proposta de método ou estratégia de pesquisa não só me
t .rars e, polares; nem a passar de uma ciência freqüentemente mal
parece perfeitamente razoável como, também, em nada seria incom-
l'()nduz~da ~ comprometida com teorias defeituosas da causação e da
patível com as posições básicas do paradigma que chamei de "ilumi-
d, .tcrrrunaçao e com uma análise estrutural unilateral- às evanescên-
nista"; mesmo porque achar as "inconsistências internas" e "espaços"
('Ias da "desconstrução" e ao império exclusivo do relativismo e da
mencionados supõe levar em conta os "sistemas normativos" mais
111 i .roanálise.
globais. O mesmo não ocorre, porém, com as considerações sobre
narrativa e discursividade que aparecem no mesmo artigo.
Num livro sobre as mulheres no Egito faraônico, Gay Robins
constata que o feminismo contemporâneo - e, portanto, uma visão
ou visões feministas da história - só pôde surgir devido ao "valor
crescente atribuído ao indivíduo como uma entidade separada", em
lugar de vê-Ia principalmente como uma parte da máquina social
"dotada de lugar e função prescritos'I.f O que de modo algum significa
I
que, uma vez surgida, a história da mulher precise ser caudatária de
~IIIIIIIIII I
um individualismo extremado como o da atual "cultura do narcisismo"
I

(mesmo hoje, muitas vezes já não o é, felizmente).


O que estou querendo dizer é que, no caso da Nova História,
como neste capítulo tomamos a expressão, alguns de seus aspectos
vieram para ficar; entre eles a ampliação considerável dos objetos e'
cstrató ias de pesquisa e a reivindicação do individual, do ubjctivo,

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