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18BJ.11O: 82-32S-0122-e
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Uma das opções possíveis para definir o deslocamento de para- dOIS paradigmas polares, chamando-os de "iluminista" e "pós-rnoder-
, digma na área das humanidades- e das ciências sociais que se liga, em 110":, respectivamente, A escolha oposta seria partir da própria historio-
nosso século, a um processo mais ou menos longo cuja fase decisiva p,1 "Ia, em forma empírica, o que levaria sem dúvida a enfatizar a
parece ter sido 1968-1989 consistiria em vê-Io como uma vitória do di crsidade, não as identidades e oposições mais centrais, No meu
,corte interpretativo de origem alemã sobre o de origem francesa, 1011 " o que se perde em detalhe e o risco que se corre de minimizar
sintetizando o que muitos pensadores contemporâneos vêem como o I di/" .rcnças são compensadós, segundo creio, por maior clareza no
fim de uma longa fase na história dos homens e suas visões de mundo, lell' Illt: às questões maiores de tipo epistemológico e teórico, Seja
corneçada, com o Renascimento e intensificada com o lIuminismo: c 1111'" for, nos capítulos seguintes do livro, a variedade e a diversidade
donde a designação usual deste fim de século como inaugurando um I (I d .vidarnente apreciadas,
menos estruturada que tais ciências, a história delas importou proble- sofrer considerável mudança de rumos, além de baixar de nível. A
máticas, conceitos, métodos e técnicas, incluindo, desde 1930, a segunda é que, embora a expressão Nova História seja aplicada com
quantificação sistemática e o~uso de modelos em certas áreas - cada freqüência a Bloch, Febvre e sucessores imediatos merecidamente,
vez mais numerosas - de estudos históricos, movimento ampliado aqui a reservarei exatamente aos Annales posteriores a 1969, já que a
ainda pela generalização dos computadores. tendência diferente que a revista desde então passa a simbolizar
3. A ambição de formular uma síntese histórica global do social, escolheu chamar a si mesma de Nova História (escolheu também
explicando a vinculação existente entr~ técnicas, economia, poder e reivindicar uma continuidade com os Annales de Bloch, Febvre e
mentalidades, mas também as oposições e as diferenças de ritmo e fase Braudel na qual não acredito).
entre os diferentes níveis do social. A comparação das características gerais do grupo dos Annales com
4. O abandono da história centrada em fatos isolados e também a concepção histórica do marxismo permite notar sem dificuldade
uma abertura preferencial aos aspectos coletivos, sociais e repeti tivos numerosos e importantes pontos comuns, em grande parte explicáveis
do sócio-histórico, substituindo a anterior fixação em indivíduos, elites pela "influência oculta do marxismo" de que fala Le Roy Ladurie em
e fatos "irrepetíveis": daí o interesse maior pelas temáticas econômi- passagem que citei anteriormente. Eis aqui os principais:
cas, demográficas e relativas às mentalidades coletivas.
5. Uma ênfase menor do que no passado nas fontes escritas 1. O reconhecimento da necessidade de uma síntese global que
(embora elas continuem sendo as mais usadas, no ~onjunto, pelos explique tanto as articulações entre os níveis que fazem da sociedade
historiadores, sem excluir os dos Annales), favorecendo a ampliação do humana uma totalidade estruturada quanto as especificidades no
uso da história oral, dos vestígios arqueológicos, da iconografia etc. desenvolvimento de cada nível.
6. A tomada de consciência da pluralidade dos níveis da tempo- 2. A convicção de que a consciência que os homens de determi-
ralidade: a curta duração dos acontecimentos, o tempo médio (e nada época têm da sociedade em que vivem não coincide com a
múltiplo) das conjunturas, a longa duração das estruturas; além de que realidade social da época em questão.
o próprio tempo longo, estrutural, é diferencial em seus ritmos depen- 3. O respeito pela especificidade histórica de cada período e
dendo de quais estruturas se trate (o mental, por exemplo, muda mais sociedade (por exemplo, as leis econômicas só valem, em princípio,
lentamente do que o econômico, e este mais do queo técnico). para o sistema econômico em função do qual foram elaboradas).
4. A aceitação da inexistência de fronteiras estritas entre as
7. A preocupação com o espaço, p,!iI)1eirgpor meio da tradicional
ciências sociais (sendo a história uma delas), se bem que o marxismo
ligação com a geografia humana; depois, através da história, ainda mais
seja muito mais radical quanto à unidade delas.
espacialmente pensada, inaugurada com os estudos de mares e ocea-
5. A vinculação da pesquisa histórica com as preocupações do
nos: o Mediterrâneo de FernandBraudel, o Atlântico de Frédéric
presente.
Mauro, o Atlântico e o Pacífico de Pierre e Huguette Chaunu etc.; e,
6. Alguns dos membros do grupo dos Annales - mas nem todos,
o tempo todo, a sólida tradição francesa da história regional.
nem a maioria - aproximaram-se à noção marxista da determinação
8. A história vista como "ciência do passado" e "ciência do
.rn última instância pelo econômico."
presente" ao mesmo ternpo..a história-problema é uma iluminação do
presente, uma forma 'de cons~iência que permite ao historiador - Há, na verdade, muito maior compatibilidade entre o marxismo
homem de seu tempo -, bem como aos seus contemporâneos a que , as idéias do grupo dos Annales do que do primeiro co~ tendências
se dirige, uma compreensão melhor das lutas de hoje, ao mesmo tempo e
supostamente marxistas, como as de LouisAlthusser seguidores ou as da
que o conhecimento do presente é condição sine qua non da cognosci- .hamada Escola de Frankfurt. Mas há também diferenças, A mais impor-
bilidade de outros períodos históricos.P [Unte é, provavelmente, a pouca inclinação teórica dos historiadores dos
IImzttl(/.\' e o fato de não disporem de uma teoria da mudança social.P
Talvez seja bom recordar aqui duas coisas. A primeira é o fato de Passando agora às críticas de que foi objeto o paradigma que acabo
que, neste momento, estou falando dos Annales exclusivamente de d • r 'IHlfl1ir, sohr .rudo ap(ls 1 68, deve notar-se que minha opção, ao
1929 até 1969: ao deixar Braudel a direção da revista, ela '0111 'ÇO\l :1 /(H"lllllllr 'SI' '1'1 11I1o, fui': 'OHl que se disrill(1;:lm as obj õcs ao pa-
H I)
.,-, mais especialmente a teoria 'quântica da física, no sentido de
radigma como um todo daquelas mais específicas dir.igid,as ao mar- demonstrar a impossibilidade de sustentar, hoje em dia, as noções de
xismo. O grupo dos Annales, refratário em grande medida as. tomadas causalidade, objetividade científica, determinação ou realismo. Isto,
de posição explicitamente teóricas, foi com menor freqüência al~o de no entanto, foi feito em formas que mostram deficiência de informa-
disputas do tipo que aqui mais me interessa (e, q~ando o f~l, t~l ção; em especial da parte dos historiadores, vítimas às vezes de sua
ocorreu da parte de marxistas, configurando debates intraparadigmã- falta de preparo científico e filosófico, que os faz embarcar nas canoas
ticos, não entre paradigmas). que lhes pareçam ir no sentido por eles pretendido, sem verificar se
Um primeiro grupo de críticas ao paradigma."ilumi~is:a" em seu estão ou não furadas: com efeito, é freqüente que esgrimam argumen-
conjunto tem um caráter amplo -- filosófico e episternolôgico --~qu~, tos envelhecidos, além de conhecidos só de segunda mão. Assim, por
até certo ponto, deriva de um abandono dos pontos de referência exemplo, boa parte dessa argumentação pretensamente científica ou
filosóficos até então preferidos (a alternativa: Hegel e Marxde um lado baseada na ciência apóia-se na Escola de Copenhague da filosofia da
ou K;nt do outro), inseridos no grande âmbito do racionalismo moder- ciência, que há umas décadas dava a impressão de representar 'a
no em favor de outros que são serni-racionalistas (Karl Popper, Noam interpretação ortodoxa em matéria de teoria quântica, mas hoje em dia
Chomsky) ou irracionalistas (Friedriéh Nietzsche, Martin Heidegger faz água por todos os lados, razão pela qual suas posições indeterrni-
e, no campo da filosofia da ciência, P. Feyerabend e Thoma~ K~hn). nistas, subjetivistas e anti-realistas em nada ajudariam já a embasar a
Tal arcabouço filosófico é usado em oposição ao eVOIUClOnlSmO e linha de discussão pretendida." Às vezes a coisa é ainda pior: a crítica
à noção de progresso que, em outro nível, apóia-se em argumentos à ciência e sua objetividade parece referir-se a uma ciência à maneira
tirados da história do século XX -- armas químicas e atômicas, o de Newton ou de Laplace, o que, como é óbvio, carece de sentido neste
nazismo com seus fornos crematórios e câmaras de gás, guerras mun~ final de século XX em que ninguém sustenta posições assim.
diais e genocídios 'em áreas mais restritas, destruição do mei.o a~bien- É evidente que, por razões ideológicas, mesmo cientistas naturais
te, uso das tecnologias modernas (incluindo as de comunicação) no podem usar a ciência, no debate com o paradigma de que estamos
sentido da desumanização e da massificação etc. -- e resulta na pro- tratando, em especial com o marxismo, inadequadamente. jacques
posta de um abandono da idéia de progresso ligado à desilusão ~adi:al Monod, prêmio Nobel de Biologia, ataca, por exemplo, a teoria mar-
com uma história recente que estaria mostrando que a modernização, xista do reflexo, não somente reduzindo-a à forma que tinha no século
o racionalismo, a ciência (com freqüência, aliás, confundida com a XIX, sem levar em conta suas modificações e correções posteriores
tecnologia, que é coisa bem diferente) não foram fatores de liber:ação (que ao parecer desconhece), mas também pretendendo que progres-
e felicidade, e sim, pelo contrário, geraram monstros. Este conjunto os científicos de nosso século invalidariam quaisquer teorias episte-
de críticas desemboca, metodologicamente, na contestação da possi- mológicas do reflexo:
bilidade de explicação racional do social, do humano, que não passaria
de uma ilusão cientificista desprovida de conteúdo efetivo, mas per- "... os progressos da neurofisiologia e da psicologia experimental
niciosa porque em torno dela se constituiria um saber terrorista a começam a revelar-nos alguns dos aspectos, pelo menos, do fun-
cionamento do sistema nervoso. O bastante para que seja eviden-
serviço do poder (agora entendido à maneira nietzscheana) e evac~a-
te que o sistema nervoso central não pode, sem dúvida nem deve,
dor de outros saberes. No plano temático, em função do antenor,
entregar à consciência uma informação que não esteja codificada,
objeta-se ao marxismo e aos Annales ia ausência ou insuficiência de suas
transposta, enquadrada em normas preestabelecidas: em suma,
preocupações com o indivíduo, o subjetivo, devido a uma obsessão pelo assimilada e não simplesmente restituída".2s
que .....
é estrutural e transindividual, e .com o poder: no âmbit~. do
marxismo, por limitar-se este a uma teona da tomada do poder político, ra, esta interpretação contém implicitamente uma falácia to-
sendo insuficientes suas indicações acerca da noção mesma de poder; mada como postulado: a de que qualquer codificação signifique neces-
no caso dos Annales, como resultado indesejável de suas polêmicas snrium ntc não somente uma seleção, mas sim uma deformação da
contra uma história tradicional de corte político-rnilitar.ê' 'oisa .odifi .ada. ( que não é a opinião dos especialistas acerca da
Às vezes se tentou usar a ciência contemporânea -- na v rdadc, 1l"('0I1S('/'\lÇI () du 'SUl/rura 10 mundo r 'ai no "r .bro cios s r s vivos;
a inr rprc a ão d 'Ia por d t .rrninada corrente da filosofin dn ci n 'in
~,i
1111 II\ ~ ~ __ ~
II _
holísticas do social, no que vem sendo chamado de "fim da história"
muito especialmente no cérebro dos primatas e, mais ainda, no do
(entenda-se: tanto a história que os homens fazem, se .se pretender
primata humano.ê"
.perceber nela algum sentido, quanto a história que os historiadores
Pode destacar-se, ainda, alguma supersimplificação deformadora
escrevem, entendidacorno uma explicação global do social em seu
em outras críticas específicas ao marxismo. Um bom exemplo é a
movimento e em suas estruturaçõesj.ê" A melhor resposta a tal desafio
questão da determinação em última instância dos níveis superestru-
seria, é claro, produzir uma teoria holística do social que, escapando à
rurais pela infra-estrutura. Quase sempre, tal discussão trata Marx e
parte fundamentada das críticas feitas às teorias disponíveis, desse
Engels como se fossem perfeitos imbecis que teriam pretendido ver a
conta das sociedades de hoje - o que a qualificaria também para o
base econômica, absurdamente, como uma espécie de glândula capaz
entendimento das sociedades passadas. Por que isto não ocorreu
de gerar idéias e instituições, ao não considerar; entre outros pontos,
ainda?
os esclarecimentos de Engels acerca da diferença entre forma e con-
Parece-me que, nesse particular, as ciências sociais, entre elas a
teúdo das superestruturas, ocasião em que diz com todas as letras que,
história, estão numa situação análoga à das ciências naturais por volta
no tocante ao "político, jurídico, filosófico, teológico", o que há é:
de 1890. Naquela época, haviam-se já acumulado críticas numerosas e
"... um material que se formou independentemente, por irrespondíveis às teorias vinculadas a uma visão newtoniana do univer-
obra do pensamento de gerações anteriores e que arravessou so. Mas só a partir de 1900, com a teoria quântica e depois a relativi-
no cérebro dessas gerações sucessivas um processo próprio dade, um novo paradigma começaria a esboçar-se. Os últimos anos do
e independente de evolução".27 século XIX caracterizaram-se, então, por um mal-estar teórico e epis-
temológico entre os cientistas naturais, similar ao dos cientistas sociais
Isto não quer dizer que inexistam críticas válidas à noção marxista da atualidade: com o agravante, para estes últimos, de que as teorias
da determinação em última instância pela base: mas derivam de algo disponíveis caducaram sobretudo porque o próprio objeto central -
muito diferente, ou seja, do fato de que hoje é impossível ver o "ideal" as sociedades humanas contemporâneas - mudou muito intrinse-
e o "material" como /oci de uma metáfora topográfica; e, portanto, não camente. Ou melhor, o que nos leva ao cerne do problema: ainda está
há como separar de fato "base" de "superestrutura". As forças produ- mudando radicalmente, mas em um processo que, se já revela alguns
tivas, por exemplo, implicam necessariamente e ao mesmo tempo o de seus aspectos e potencialidades, longe está de haver chegado ao fim
ideal e o material; e o mesmo se pode dizer do que Engels chamava de c portanto de manifestar todas as suas conseqüências. Vivemos com
"esferas ideológicas que flutuam ainda mais alto no ar: a religião, a um pé num mundo ainda presente mas em vias de superação (o das
filosofia etc.". 2R Tem razão o arqueólogo Lamberg- Karlovsky ao afirmar primeiras revoluções industriais, com suas concentrações fabris e ur-
acerca da dicotomia material/ideal: b~~as, com sua .ênfase na palavra escrita, com suas lutas sociais espe-
(ficas e conhecidas) e o outro pé num mundo que ainda está nascendo
"Tal dicotomia falseia a sua relação dialética. A construção (no qual o computador, ao generalizar-se em conjunto com elementos
de sentido e o uso de símbolos é, inerentemente, um t cnológicos como o fax, os processos digitais de armazenagem e
assunto que implica a construção de interesses políticos e omunicação de informações e a robótica, poderá perfeitamente tornar
econômicos, enquanto as preocupações de uma economia anacrônicas as concentrações fabris e urbanas; em que a primazia da
política são, inerentemente, conflitos sobre significados e palavra escrita vê-se contestada; em que as lutas sociais mudam de
símbolos."29
fOI"/:,a e de objetivos). Como teorizar, nestas condições, sobre as
o desafio maior que enfrenta o paradigma de que estou tratando sociedades vistas holisticamente, se elas estão em pleno devir para se
é outro, porém, que vai além do marxismo tomado isoladamente, ao ~orn~l:em "outras", se bem que no quadro, ainda, do capitalismo? A
afetar qualquer visão holística do social; e tem a ver muito diretamente Inabilidade, até o momento, de o fazer, eis o que mais dá força às
com os historiadores, por referir-se ao sentido ou ausência de sentido con . 'pçõ 'S ti, dissolu 50 da história em múltiplas histórias e do
111>:(1)10M dos gflln I 'I' IOIt1"I/(IIlIS históricos orno a Revolução Francesa.
da história. Refiro-me às afirmações, correntes hoje em dia, dá impos-
sibilidade de surgimento de novas ideolo ia lobais novas t .orias
1I
de escolher entre elas. São todas válidas se satisfizerem aos critérios
(como ator social e como observador do social); (3) um~ r~~isão dos
do autor e daqueles que com ele concordarem.f
critérios de validação; (4) a inevitabilidade de uma multlphcldade de
Particularmente influentes sobre os historiadores foram as refle-
interpretações para cada objeto estudado. . xões relativas às formas da representação histórica, sendo esta última
Em primeiro lugar, então, os modernos partidários de uma con-
P?st~~ada como elemento constitutivo por excelência do pensamento
cepção hermenêutica dos estudos sociais - inc~uindo a histór~a -
histórico. A pergunta central a ser formulada seria: que formas, prévias
retomam, com um novo discurso, uma velha bandeira dos neokantlanos
a qualquer conteúdo específico, o saber histórico recebe de sua estru-
do fim do século passado e começo do século XX: a ~oção de q~e o
tura literária, de sua textualidade ideologicamente condicionada (ou
comportamento humano ~ seus resultados são essencialmente. dife-
se se preferir, daquilo que Foucault chama de episternes)? Respon-
rentes dos fenômenos estudados pelas ciências naturais, o que Impe-
d.endo-a, chegar-se-ia à noção de que a reconstrução do labor profis-
diria qualquer aproximação metodológica a estas últimas. E verdade
sional empreendido pelos historiadores a partir das "formas de repre-
que a própria ciência é, muitas vezes, impugnada em si, reduzida a
s~ntação", dos "níveis de discursividade", das "epistemes" mostraria
mero discurso terrorista do poder, evacuador de "saberes alternativos".
a inexistência, no conhecimento que produzem, de um caráter cientí-
Mas o mais importante é, na verdade, em se tratando do social, a defesa
fico, objetivo, racional. Por conseguinte, seria recomendável abandonar
de um enfoque baseado na compreensão (leia-se, na linguagem de
o a.nalítico, o estrutural, a macroanálise, a explicação - ilusões cienti-
hoje: interpretação, hermenêutica, crítica cultural etc.). O postulado
ficls~as - e_m f~vor da. hermenêutica, da micro-história, da valorização
implícito é uma nova encarnação da inefável "natureza humana": não
das interaçoes intencionalmente dirigidas, da concepção da história
mais o homo [aber, nem o homo oeconomicus, e sim o homo simbolicus.
c?mo sendo narrativa e literária." Esta posição toma como postulado
O segundo aspecto básico consiste em, a partir do anterior afirmar
tido como evidente por si mesmo - o que está longe de ser verdade
ser desejável, no campo do humano ou social, levar-se em conta o papel
- a .idéia de que "discurso" e "realidade humana" (individual ou
dos indivíduos e dos pequenos grupos, com seus respectivos planos,
coletiva) são grandezas incomensuráveis: o primeiro falaria por tal razão
consciências, representações (imaginário), crenças, valores, desejos.
sempre sobre si mesmo, a pretexto de falar sobre a segunda.
Num outro nível, o do observador, seria preciso reconhecerquerecm
Qual pode ser a origem do avanço do paradigma pós-moderno
sua subjetividade, faz parte integrante daquilo que es .uâa-- conduza
progressivamente visível ao longo do período 1968-1989? Em, ou tra
isto ou não a recomendar alguma inefável "empatia" com os indivíduos
ocas!ão, ocupei-me do assunto numa perspectiva histórico-social.ê"
ou grupos tomados como objeto (ponto sobre o qual não há consenso
AqUI, _vou tratar mais especificamente dos aspectos intelectuais da
entre os defensores da autóproclamada Nova História).
questao.
Como conseqüência, são postas em dúvida e rechaçadas as formas
. Alex Callinicos mostrou que, visto de certo ângulo, o pós-moder-
de validação do conhecimento antes usuais. Neste ponto, as posições
nismo revela-se como resultado da trajetória pessoal de intelectuais
possíveis variam bastante, indo da subjetividade do autor individual
que podem ser considerados da "geração de 1968" no decorrer da
ou de um leitor implícito igualmente individual às posições de grupos
d~cada de. t2.7Q:_de portadores de esperanças revolucionáriasdesilu-
de pessoas diversamente designados: "comunidade interpretativa",
didas, muitos deles passaram ao abandono da crença na possibilidade
"comunidade textual", "sociedade discursiva", Em qualquer hipótese,
de uma transformação social global; daí, ao apoio entusiástico a movi-
tratar-se-ia de um processo hermenêutico de interpretação, no caso da
mentes parcializados de luta ou reivindicação (feminismo, regionalis-
história tomado de empréstimo de preferência a uma certa antropolo-
mo, ,~l~OVlf~ent~ ga'y, ecol~gismo, movimento negro etc.), associado a
gia, com maior freqüência a de Clifford Geertz ou alguma outra
l~.n t~entl.smo mal-exphcado; vários, indo além, desembocaram por
vertente de culturalismo relativista. Em posições extremas pode ocor-
fim ~1<~SOCial-democracia, no neoconservadorismo ou no neoliberalis-
rer a simples recusa de qualquer validação como desnecessária, impos-
1111): I. 'ti pro .csso o orreu tanto no Ocidente quanto no antigo bloco
sível ou indesejável.
HO 'l:tlISI'Q, m .srno ,IIlC~S de 1989: recorde-se, por exemplo, a trajetória
Todo o anterior, agindo em conjunto, conduz inevitavelmente a
ti: Agn 's 11 ·11'I', ti ' IIS 'ÍI"ln cI 'G org Luká s a musa do pós-rnoder-
um relativismo radical: as interpretações são necessariamcnri múlti-'
nu 1Il0, sol» 111 10 J' t\li h ap)8 I .ixar o S '\I p~lís.JI)
I Ias a rcsp ito de um lado tema; c in .xistcm formas a' itt'Ív'is Ic
.,
Ainda mais relevante, sem dúvida, é ver no pós-modernismo uma
questões. Ou, ao fazê-lo, podem depois recuar. Darei como exemplo
das reações possíveis à percepção, no âmbito das ciências sociais, das
o mea culpa de um deles ao reconhecer as insuficiências daquilo que
conseqüências da dimensão semiótica do social.
chama a "estética de um realismo simplista" (que vincula ao método
O século XIX, no seu final, e principalmente o nosso século,
da "descrição densa" de Geertz), ao denunciar o fato de que tende a
assistiram à descoberta da existência e da presença generalizada de
tornar a história politicamente "domesticada" e inofensiva, bem como
numerosas programações sociais do comportamento. Muito do que as
:a proporcionar uma arrogante boa consciência aos historiadores com
pessoas fazem está programado por sua sociedade: sem isto, nenhum
base na "empatia" que alguns deles pretendem estabelecer com as
comportamento poderia ser identificado como pertencente a uma
pessoas e grupos pequenos do passado que estudarn.f Outro exemplo
dada classe de ações e assim ser compreendido. Na medida em que os
ude quado é o de Giovanni Levi ao tratar da "rnicro-história" e das
cientistas sociais e filósofos se deram conta desta descoberta essencial,
distâncias que deve tomar em relação às opções derivadas de Geertz.
alguns trataram de deduzir dela uma conseqüência da maior importância:
Diz Levi que, enquanto a antropologia interpretativa tende a ver um
todas as representações humanas de todos os tipos são simbolicamente
significado homogêneo nos signos e sinais socialmente difundidos, o
mediadas. Em outras palavras, o conhecimento humano em todas as suas
historiador os vê como ambíguos, no sentido de comportarem múl-
formas tem a ver com linguagens (no sentido semiótico: verbais tanto
Iiplas representações socialmente diferenciadas e fragmenradas."
quanto não-verbais) e processos de significação (sernjoses). Outra forma de escapar a uma antropologia como a de Geertz tem sido
Como entender tal constatação? Há duas formas possíveis de o buscar o apoio na posição antropológica mais dinâmica ou processual
fazer. A mais radical - que é a do pós-modernismo - consiste em li ' MarshaIl Sahlins: os "signos em ação" (fala, mensagem), em relação
afirmar que os processos de semiose e as linguagens são o que de fato 110 sistema de signos (a "língua" em Ferdinand de Saussure) , podem
existe. Não há, "lá fora", além deles, uma realidade cognoscível em si; ,~ 'jzl reproduzir, seja mudar o significado original."
nem há de fato um "sujeito" social ou histórico, seja individual, seja Outrossim, há muitas vezes um desejo, na Nova História, de ser
coletivo (o "sujeito" aparece meramente como "topologia estrutural 11 porta-voz de uma visão que seria a do "homem comum", do "homem
de significantes"). A outra maneira possível de encarar a questão não 1111 rua", das "massas inarticuladas", ainda que tal engajamento com
leva, ao contrário da primeira, a que se descarte o racionalismo e o "eu" /'Il'qüência prefira enfocar as minorias discriminadas em lugar das
individual ou coletivo, o sujeito; mas sim à sua reconstrução à base da uiniorias exploradas. "
consideração da existência das programações, linguagens e semioses, Passando agora às críticas de que o paradigma tem sido alvo,
e de sua interpretação." No primeiro caso, ocorre um achatamento ('0111 .ccrnos pelas questões filosóficas mais gerais, Ao tratar do moder-
culturalista do mundo em "serniose" e em "texto", relativisticamente uismo como problema filosófico, Robert.Pippin chega à conclusão de
(e culturalmente) interpretados: é a posição pós-moderna. 1/11 ' os pós-estruturalistas e pós-modernistas, apesar de toda-a atenção
Alguns batizam esta opção de enfoque como uma visão "simbó- '111: pr starn a coisas como linguagem, texto, desejo, psicanálise,
lico-realista" da teoria social. Se todo conhecimento é uma construção I', 11 'J'() ctc., não souberam resolver os problemas que atormentaram os
simbólica, cada uma com o seu modelo próprio de articulação, então o I H'IISII(Jores que, pioneiramente, formularam em pleno séculoXIX uma
que forma uma comunidade, o que a constitui como comunidade, é a 'I 1ica radical da modernidade; nem mesmo conseguiram' livrar-se
forma específica de "social idade" baseada em linguagens e grades de ('/'('( ivarncnte das problemáticas próprias do modernismo - coisa que
leitura das mesmas partilhadas por seus membros. Em lugar de uma 1IIIIlb "m demonstra Callinicos, O anti-racionalismo típico dacorrente :
sociedade global - nível que, se existiu alguma vez, desapareceu no I' V:;I, .s se acompanha de certo desleixo teórico e metodológico (e
mundo pós-moderno da desarticulação social -, teríamos grupos IIH'HIlIO, () que é cspccialrnenre grave no caso de historiadores, quanto
numerosos e diversos, interesses também variados, subculturas. Isto Ii '" 1 i('11 dtts fOI tcs). s pós-modernos costumam, com efeito,ser mais
foi criticado como sendo uma "cultura do narcisismo" e ajudaria a Ipoll ri i 'os ' r' tóri Os do que argu men cativos: abundam em seus
explicar, por exemplo, o surgimento da "ego-história"."! li' ~ I ()S IS li fi nnllç() 'S apres nradas orno se fossem axiomãticas c au to-
Convém notar, neste ponto, que os cultores da Nova I Iistória I 111('111 "1'1,11 () S "O to 'Ill'iio d 'lllollstrndns - '011 o S bastasse dizer
nem sempre se alinham a uma posição ortodoxa ou litril'n n stas 11
I" 1"
li' li) , 11 VI'. <1" '1'0"'" , 1
1l111l):I '
pOSIÇ o ~"N
••. , .m Jl) "/'11110 S i prco 'lIpllllJ
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com a refutação detalhada e rigorosa das posições contrári.as. Foucault, no sentido de uma síntese abrangente, já que, sem eles, a própria
por exemplo, declarou certa vez que, diante dos que alOd~ que~em tentativa pós-moderna de buscar um novo significado histórico para
falar do homem, com suas formas de reflexão "torpes e desviadas ~ seus objetos estaria condenada à dispersão e à irrelevância, por limi-
mas ele não demonstra que o sejam -, convém refugiar-se num nso tar-se a uma "contraposição abstrata" entre as condições de vida atuais
filosófico "de certa forma silencioso": algo bem mais cômodo, por certo, e as alternativas histórico-temporais relembradas, sem que as relações
do que uma refutação com argumentos! Há para~oxos e aporias inso- entre elas sejam esclarecidas integradamente.w Vê-se que o último
lúveis em muitas das posições pós-modernas. Assim, por exemplo, no ponto é uma crítica à "história em migalhas" quando se torna exclusiva.
caso da "desconstrução". Sendo os pontos de partida, no caso (por Em artigo de grande interesse, David Carr, na esteira de autores
exemplo em Derrida), a negação de um sujeito agente e d~ qualquer como Paul Kripke, Keith Donnellan ou Donald Davidson, mas usando
relação referencial entre discurso e realidade,. por que. o discurso da argumentos filosóficos tomados da mesma linha invocada pelos pós-
desconstrução seria mais aceitável, teria maror autondade do que modernos (em especial Husser! e Heidegger), opôs-se à visão- típica
qualquer outro dos discursos e escritas, no j~go dos sig~ificant~s,que por exemplo de Paul Ricoeur e HaydenWhite - que, a partir da
se multiplicam até o infinito? E como conciliar a negaçao do sujeito e I roblemática da representação da realidade, postula uma descontinui-
do homem com um método hermenêutico relativista que, na prática, dade radical entre a narrativa e o mundo real físico ou humano (neste
descamba para o subjetivismor" • .aso, que é o que interessa a Carr, individual ou coletivo). Mostrou,
Poder-se-ia invocar também, contra muitos membros da corrente I rimeiro para a vida dos indivíduos, depois para a das coletividades
atual o fato de caírem no velho "façam o que eu digo, não o que eu humanas, que a idéia central de que as narrativas distorcern a realidade,
faço", Assim, embora Jenkins afirme que todos os discursos históricos por ser a estrutura discursiva daquelas incomensurável com esta, é
se ligam a bases hierarquizadas de poder, procurar-se-ia em vão em seu .quivocada: as narrativas são condição intrínseca, sine qua non, dos
livro um esclarecimento de qual é, afinal, a base de poder de seu processos da própria vivência humana individual ou coletiva. Em outras
próprio discurso.f? E não se trata de uma exceçã?, A denúncia d~ palavras, a função narrativa "é prática antes de ser cognitiva ou estéti-
ciência e do racionalismo como terrorismos a serviço do poder esta ru", razão pela qual, longe de poder negar-se qualquer relação entre o
longe de significar que os pós-modernos, uma vez e~castelados, e.m discurso narrativo e a realidade, a narrativa histórica mantém relações
posição de poder, sejam mais tolerantes na prática, devido ao relativis- 1\ .cessárias e estreitas com o seu objeto social real. Eis aqui uma parte
mo que em tese pregam, do que aqueles que criticam e combatem. ti ' suas conclusões:
jõrn Rüsen aponta três deficiências centrais no pensamento
. histórico pós-moderno (ou seja, na Nova História). Acha que a oposição "Voltando aos textos narrativos como artefatos literários - fictícios
à teoria e a um "enquadramento dos fenômenos históricos dentro de ou históricos -, tratei de demonstrar (...) que tais narrativas devem
direcionamentos temporais globais" acaba relegando alguns dos pro- ser consideradas, não como um desvio da estrutura de eventos que
blemas caros aos próprios pós-modernos - devastação da natureza, narram, muito menos como uma deformação ou uma transformação
radical deles, e sim como uma extensão de suas características
armamentismo, aperfeiçoamento das técnicas de dominação, por
primárias. (...) ...não estou de acordo em que «forma narrativa seja
exemplo - a um "limbo de fenômenos'; como q~e naturali~a~os; ~s
algo que se produz nesses gêneros literários (ficção e história) para
quais, livres da crítica e da resistência (enfraquecld~s pela .eli.mmaçao impor-se a LImarealidade não-narrativa (... )."49
dos contextos sociais globais), podem grassar "muito mais Impune-
mente". Também lhe parece que a vivência da alteridade na opção J\ importância da argumentação de Carr é principalmente a de
pelo quotidiano e pela micro-análise - mais em geral, pela visão ant~o- I'ollll>a r o r I tivisrno extremo dos pós-modernos, para os quais o
pológico-cultural-pode descambarfacilmente par~ "u~a c~ltur~ his- ' ij'lIifi .ado do s cial é visto como um "texto" abordado num relativis-
tórica que supervaloriza os sentimentos e com isso cal no irracionalisrno 11\0 culruralm .ntc onte tualizado, já que cada interpretação cria um
e no misticismo", tendo abandonado os instrumentos críticos da razão. IIOVO signifi '~Id() c , ;lllsim S .ndo, o orrc uma rclativização completa de
Por fim, combate a tendência a negligenciar o "trabalho teórico de lod IIi [11\ r:\ I '/rOI jus, '11 'li fudilil .orno sim pl 's símbolos d .sprovidos d '
apreensão conccitual da vivência históri a .on o um todo", os esforços lodo ('0111 ('(Ido 1I1111l'I 1111.
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