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História de um não-debate:

a trajetória da teoria
marxista da dependência
no Brasil*
Fernando Correa Prado

Doutorando em Economia Política Internacional na


Universidade Federal do Rio de Janeiro.

I. Introdução

O debate sobre a dependência na América Latina


foi imenso. Nos anos 1960 e 1970, um conjun-
to de intelectuais e militantes, de variada origem e
filiação política, tratou do tema da dependência, ge-
ralmente utilizando este conceito como característica
central de suas análises sobre as regiões periféricas,
em particular a região latino-americana. Se no início
da década de 1950 a questão do desenvolvimento foi
colocada no centro do debate mundial, com impac-
*
Esta é uma versão reduzida de
um texto originalmente escrito tos significativos para a esfera política e intelectual da
para o seminário “Teoria mar- América Latina, a partir de meados de 1960 o mote
xista da dependência no Brasil:
de Ruy Mauro Marini aos dias de
da dependência já começa a ganhar espaço, tornando-
hoje”, realizado no dia 04 de no- -se um conceito em disputa, carregado de diferentes
vembro de 2010 como parte do matrizes teóricas e políticas.
II Curso sobre Conjuntura - Marxis-
mo latino-americano, Imperialismo,
De fato, é possível dizer que a vitalidade das análi-
e a conjuntura político-econômica ses sobre a dependência latino-americana surgiu pre-
de nosso continente, organizado cisamente dos inúmeros debates realizados em torno
pelo jornal Brasil de Fato e Esco-
la Nacional Florestan Fernandes.
ao assunto, impulsionados pela conjuntura específica

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pela qual passava a América Latina – tribuições vinculadas ao marxismo e à


que, entre tantas expressões, vivia o im- luta revolucionária latino-americana.
pacto da Revolução Cubana em 1959; Tais contribuições, além de terem sido
era palco da ideologia nacional-desen- alvo da censura e da perseguição polí-
volvimentista; assistia a ascensão das tica, sofreram um sistemático trabalho
lutas de massas, interrompida no Brasil de deturpação intelectual, no qual o
pelo golpe de 1964, que forçou o exílio ex-presidente e sociólogo Fernando
de vários intelectuais para a Argentina, Henrique Cardoso teve um papel cen-
México e, principalmente, Chile, país tral, contando também com a conivên-
que, por sua vez, logo viveria a chegada cia de diversos intelectuais de peso e
de Salvador Allende e a Unidad Popu- com uma tenaz inércia intelectual, que
lar ao poder, sendo ainda o país sede da apenas recentemente tem sido rompi-
Comissão Econômica para a América da. No Brasil, foi se construindo uma
Latina (CEPAL) e também do Centro espécie de “pensamento único” sobre
de Estudios Socioeconómicos (CESO) o tema da dependência centrado em
da Universidad de Chile, dois núcleos grande medida na perspectiva defendi-
importantes de análises sobre o subde- da por Cardoso, de tal modo que se fir-
senvolvimento e a dependência; tudo mou um relativo desconhecimento – e
isso numa América Latina que tam- até mesmo deformação – das contribui-
bém foi protagonista das lutas travadas ções inscritas na tradição marxista, den-
mundialmente em 1968.1 tro da qual estariam as obras de Andre
Pois bem, o amplo debate sobre a Gunder Frank, Theotônio dos Santos,
dependência existiu e foi riquíssimo, Vânia Bambirra e, principalmente, Ruy
repercutiu em diversos intelectuais no Mauro Marini. Revelar em linhas gerais
mundo todo, gerou uma base teórica e
histórica firme para construir uma in-
terpretação crítica do papel da América
Latina dentro do sistema mundial capi- 1. Sobre a conjuntura do debate sobre a depen-
talista e, claro, contribuiu para pensar dência, ver o primeiro capítulo do livro Teoría de
caminhos políticos adequados de supe- la dependencia: una anticrítica, de Vania Bambirra
(1978), texto nunca publicado em português. So-
ração das contradições características bre o impacto das idéias da CEPAL há uma longa
da condição periférica e dependente. bibliografia, da qual se pode mencionar Bielschowsky
Isso ocorreu na maioria dos países da ([org.], 2000) e Rodríguez (1981). Igualmente sobre a
revolução mundial de 1968 há muita bibliografia; para
América Latina e também em outras um panorama geral e uma visão pouco comum, ver
partes do mundo, pelo menos até o fim Wallerstein (1989). Sobre os trabalhos que se nutri-
ram das discussões no CESO, talvez os mais repre-
da década de 1970. No Brasil, porém,
sentativos sejam: Theotônio dos Santos (1966, 1967,
essa história foi diferente. 1968, 1970, 1973, 1978); Ruy Mauro Marini (1969,
Aqui, na verdade, houve um não- 1972, 1991 [1973], 1974, 1976), Vânia Bambirra
(1970, 1974, 1978 [1973]), Andre Gunder Frank
-debate, e em seu lugar existiu uma
(1974 [1967], 1971, 1973 [1969]), Orlando Caputo e
leitura unilateral em relação às con- Roberto Pizarro (1970) e Basso et al. (1972).

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como isso foi produzido e reproduzido ca e prospectiva da teoria marxista da


em diversas e influentes publicações é a dependência, como uma das possíveis
principal intenção deste artigo. formas de se apropriar das ferramentas
Para tanto, na sequência será apre- teóricas adequadas para a compreensão
sentado primeiramente o começo do do papel da América Latina no atual sis-
que se pode chamar de verdadeiro tema mundial capitalista.
“boicote” intelectual à teoria marxista Antes de seguir, cabe dizer que este
da dependência, apontando algumas trabalho forma parte de um crescente
referências de textos em que Cardoso esforço de recuperação do pensamento
busca pautar sistematicamente o deba- crítico latino-americano, reflexo da con-
te sobre o tema no Brasil. No terceiro juntura específica da América Latina na
ponto, o artigo passa a mostrar outras última década. Tal recuperação pode
referências também reveladoras de ser visualizada em diversos livros, te-
como o bom debate nunca se deu entre ses, dissertações, monografias e artigos
vários importantes intelectuais brasilei- realizados no Brasil ultimamente, em
ros, assinalando que, na mais indulgen- grande medida como fruto do traba-
te das hipóteses, existe uma “inércia lho de professores e militantes que, em
intelectual” no sentido de levar adian- contraposição à avalanche neoliberal,
te a repetição das interpretações ofe- seguiram defendendo e divulgando o
recidas pela pluma nada balanceada pensamento crítico latino-americano.2
de Cardoso. A quarta seção sobre a
“inércia intelectual” e “as ressonâncias
atuais” é aberta com um resumo das II. A criação do “pensamento
principais críticas cunhadas em torno único” sobre a dependência
à obra de Andre Gunder Frank, Theo-
tônio dos Santos e Ruy Mauro Marini, Salvo exceções que confirmam a regra,
críticas estas que, como se verá também até poucos anos atrás era precisamente
nessa parte, seguem repetidas sempre através das mãos de Fernando Henri-
que possível, isso quando não se criam que Cardoso que se podia “conhecer”
novas críticas insustentáveis. Por fim, acadêmica e politicamente os estudos
no que seria uma conclusão provisória sobre a dependência na América Lati-
– já que este tipo de trabalho de “lim- na. Vários artigos de Cardoso, em geral
par o terreno do debate” é coletivo e, publicados com o apoio institucional
claro, não termina aqui –, apontamos do Centro Brasileiro de Análise e Pla-
algumas consequências políticas do his- nejamento (CEBRAP) e republicados
tórico não-debate teórico sobre a estru- em livros que tiveram várias edições
tura dependente e periférica do Brasil em plena ditadura militar, trataram
dentro do sistema mundial capitalista, de oferecer um panorama do “estado
deixando em aberto a necessidade de dos estudos sobre a dependência”, de
seguir e ampliar a recuperação críti- modo que o debate sobre a dependên-

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cia foi sendo sistematicamente pauta- plena ditadura militar. Sem contar ou-
do pelos seus escritos. Nas décadas de tras reproduções em diferentes livros
1970 e 1980, enquanto vários livros de e compilações fora do Brasil – México,
Andre Gunder Frank, Vânia Bambirra, Argentina, etc. –, vale lembrar também
Theotônio dos Santos e Ruy Mauro
Marini eram proibidos pela censura, as
idéias de Cardoso circulavam livremen-
2. Ao final de sua tese Nildo Ouriques acertadamen-
te pelo Brasil. 3 te apontou o seguinte (1995, p. 234): “El colapso del
Diversos textos do Fernando Hen- neoliberalismo hará con que nuevos enfoques sobre
rique Cardoso se prestaram para esta viejos problemas – integración económica, cultural,
política; carácter del estado, etc. – una vez más ga-
tarefa de delimitar o espaço do debate nen relevancia, abriendo así amplios espacios para el
brasileiro em torno à noção de depen- pensamiento crítico”. De fato, mesmo considerando
dência. Entre esses textos, ao menos apenas publicações no Brasil, nos últimos dez anos é
notável o crescente interesse pelo tema da depen-
três artigos merecem destaque, pois ti- dência. Sem chance de esgotar as referências aqui, e
veram ampla circulaação e mencionam seguramente deixando de lado importantes trabalhos,
é possível lembrar a seguinte bibliografia: Traspadini
diretamente autores como Theotônio
(1999); Sader ([org.] 2000); Santos (2000); Martins
dos Santos, Andre Gunder Frank e Ruy (2003; 2006); Traspadini e Stédile ([org.] 2005); Wag-
Mauro Marini: “Notas sobre o estado ner (2005); Amaral (2005); Luce (2007); Carcanholo
(2008); Bonente e Correa (2008); Bueno e Seabra
atual dos estudos sobre dependência”,
(2009); Vargas (2009); e Castelo ([org.], 2010).
“As contradições do desenvolvimento- 3. Para dar apenas alguns exemplos, após Marini ter
-associado” e “As desventuras da Dia- publicado no México Subdesarrollo y revolución,
em 1969, Dialéctica de la dependencia, em 1973, e
lética da Dependência”, este último El reformismo y la contrrevolución. Estudios sobre
escrito em conjunto com José Serra. Chile, em 1976, além de ter organizado antologias
O primeiro artigo mencionado – fundamentais, escrito artigos para as revistas críticas
mais importantes de seu tempo – Pensamiento críti-
“Notas...” – foi apresentado inicial- co, Monthtly review, Les temps modernes, entre ou-
mente num Seminário realizado em tras – e também contribuído em vários jornais pelo
setembro de 1972 em Dakar sobre mundo, o primeiro livro dele publicado legalmente
no Brasil foi América Latina: dependência e integra-
“Estratégias para o Desenvolvimen- ção, de 1992. Enquanto isso, os textos de Cardoso
to da África e América Latina”, sob o circulavam facilmente através dos órgãos de difusão
patrocínio do Instituto Africano de do CEBRAP e seus livros eram publicados com am-
pla divulgação: Dependência e desenvolvimento em
Desenvolvimento e Planificação. Em América Latina, publicado em espanhol em 1969 –
dezembro de 1972 este mesmo texto foi escrito originalmente em 1967 –, saiu no Brasil já em
publicado na Revista Latinoamericana de 1970 pela Editora Difusão Européia do Livro; Políti-
ca e desenvolvimento em sociedades dependentes:
Ciencias Sociales da Facultad Latinoame- ideologias do empresariado industrial argentino e
ricana de Ciencias Sociales (FLACSO) brasileiro, publicado em 1971 pela Zahar; O modelo
político e outros ensaios, publicado originalmente
e, no ano seguinte, além de uma publi-
em 1972 pela Bertrand Brasil em sua coleção “Cor-
cação nos Estados Unidos sob o título po e Alma”, dirigida pelo próprio Cardoso; e, para
“Dependence revisited”, o mesmo tex- ficar apenas na década de 1970, em 1975 é publicado
Autoritarismo e democratização, lançado por Paz e
to fez parte do Caderno CEBRAP n°11
Terra, numa coleção da qual o próprio Cardoso tam-
– ou seja, fora publicado no Brasil em bém fazia parte do conselho editorial.

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que o mesmo artigo foi publicado, no duzido com outro título muito mais
ano de 1976, no livro América Latina: en- direto: “As novas teses equivocadas”6.
saios de interpretação econômica, coorde- Originalmente este texto foi apresenta-
nado por José Serra (1976). E em 1980, do na Conferência Internacional sobre
momento prévio da chamada “abertu- “Sociologia del desarrollo y desarrollo:
ra democrática”, o artigo em questão dependencia y estructuras de poder”,
fez parte também da coletânea de ar- organizado pela Fundação Alemã para
tigos organizada pelo próprio Cardoso o Desenvolvimento Internacional e
intitulada As idéias em seu lugar. Ensaios realizado em Berlim em novembro de
sobre as Teorias do Desenvolvimento, sen- 1973. Logo em seguida foi publicado
do que nessa última versão o artigo na revista Estudos CEBRAP, outro meio
aparece adaptado da edição em inglês: de difusão desta instituição acadêmica,
“A dependência revisitada”. Em suma, mais especificamente em seu número
um texto de amplíssima divulgação. 8, de 1974. No ano seguinte, em 1975,
Neste artigo, Cardoso apenas começa este texto foi novamente republicado,
sua crítica a Andre Gunder Frank e a desta vez como artigo do livro Autori-
Ruy Mauro Marini, mas já demonstra tarismo e democratização. Dirigido agora
certa capacidade de inverter argumen- a um público que, em grande medida,
tos para melhor criticá-los. Em seu co- desconhecia a obra de Marini – quase
mentário a Frank – na verdade apenas nada dele havia sido publicado no Bra-
o nomeia, mas não cita nem faz a me- sil –, Cardoso adotou o segundo títu-
nor referência a alguma obra dele –, lo, muito mais eficaz ao seu propósito
Cardoso deixa aberta uma falsa crítica de atacar as contribuições de Gunder
que viria a ser futuramente a afirmação Frank, Theotonio dos Santos e Marini,
mais recorrente, apesar de incorreta, alvos constantes de suas críticas.
sobre os autores da vertente marxista Como se verá adiante, as chamadas
da teoria da dependência: de que para “teses equivocadas” deram base para
eles “o capitalismo na periferia é in- uma postura comum entre muitos in-
viável”. Em relação a Marini, trata de telectuais, não obstante o fato que as
resumir a tese de “Dialética da depen- críticas às supostas “teses equivocadas”
dência: a economia exportadora”4, mas simplesmente não tinham sustenta-
inverte o argumento de Marini e assim ção na obra dos autores a quem eram
cria outra falsa polêmica em torno à dirigidas. Segundo Cardoso (1975),
função da superexploração do trabalho autores como Andre Gunder Frank,
e da mais-valia relativa.5 Theotonio dos Santos e Ruy Mauro
O segundo artigo antes mencionado Marini defenderiam que “o desen-
foi inicialmente publicado com o títu- volvimento capitalista na periferia é
lo de “As contradições do desenvolvi- inviável”; “o capitalismo dependente
mento dependente associado”, mas o está baseado na exploração extensiva
mesmo texto foi posteriormente repro- da mão-de-obra e preso à necessida-

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de de sub-remunerar o trabalho”; “as 4. A referência exata utilizada por Cardoso é: “Rui


Mauro Marini, ‘Dialéctica de la dependencia: la eco-
burguesias locais deixaram de existir
nomía exportadora”, Sociedad y desarrollo, CESO,
como força social ativa”; “a penetração vol. I, n. 1, Santiago, março de 1972.” Aqui é impor-
das empresas multinacionais leva os tante sublinhar que esta é a primeira versão do ensaio
Dialética de la dependencia, sendo que após o golpe
Estados locais a uma política expansio- de 1973 no Chile tornou-se praticamente impossível
nista”; e “o caminho político do Con- encontrar um exemplar da revista Sociedad y desar-
tinente está frente a uma encruzilhada rollo em qualquer biblioteca chilena, e menos ainda
no Brasil. A primeira publicação do ensaio completo
– ‘socialismo ou fascismo’”. Tais seriam se deu em 1973 no México, pela Editorial ERA. Neste
as “teses equivocadas”, supostamen- caso, Cardoso utiliza a versão naquele momento dis-
te defendidas por aqueles autores. Na ponível, que recém começava a circular. Mais adiante
ficará patente como outros autores, escrevendo já a
crítica de Cardoso, porém, é patente finais da década de 1970 e com pleno acesso à edição
a falta de rigorosidade, pois o artigo mexicana de Dialéctica de la dependencia, fazem refe-
transforma citações, não faz referências rência àquela primeira versão publicada em Sociedad
y desarrollo, apesar do quase impossível acesso que
a textos, utiliza expressões inventadas se poderia ter desse material.
como se fosse dos autores em questão, 5. Em sua “Memória”, Marini (2005, p. 91-92) co-
entre outras artimanhas de uma crítica menta este texto de Cardoso nos seguintes ter-
mos: “Lançado à circulação, meu ensaio provocou
injusta. A leitura minimamente atenta reações imediatas. A primeira crítica veio de Fer-
desse artigo é capaz de notar a superfi- nando Henrique Cardoso, em comunicação feita ao
Congresso Latino-Americano de Sociologia (onde
cialidade da maioria das críticas nele te-
eu recém apresentava o meu texto completo), que
cidas. No entanto, e apesar de tudo, foi se realizou em Santiago, em 1972, e publicada na
precisamente neste artigo onde se esta- Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales. De-
fendendo com zelo a posição que conquistara nas
beleceram as noções mais recorrentes
ciências sociais latino-americanas, e que ele acredi-
relacionadas àqueles autores criticados. tava, ao parecer, ameaçada pela divulgação do meu
A crítica que Cardoso vinha formu- texto, e referindo-se ainda ao artigo que saíra em
Sociedad y Desarrollo, que não incluía a análise do
lando, com especial atenção a Marini, processo de industrialização, a crítica de Cardoso
chegou a seu ápice na publicação de inaugurou a série de deturpações e mal-entendidos
“As desventuras da dialética da de- que se desenvolveu em torno ao meu ensaio, con-
fundindo superexploração do trabalho com mais-
pendência”, texto escrito por Cardoso -valia absoluta e me atribuindo a falsa tese de que o
em conjunto com José Serra. De acor- desenvolvimento capitalista latino-americano exclui
do com informação dos autores, “As o aumento da produtividade. Respondi a esses equí-
vocos no post-scriptum que – com o título de ‘En
desventuras...” fora escrito em janei- torno a Dialéctica de la Dependencia’ – escrevi para
ro de 1978 enquanto eram visitantes a edição mexicana de 1973.”
do “Institute of Advanced Study” em 6. O título faz alusão ao ensaio de Rodolfo Sta-
venhagen “Siete tesis equivocadas sobre América
Princeton. Sua primeira publicação se Latina” (1973), publicado originalmente no jornal
deu naquele mesmo ano em espanhol mexicano El día em 1965. O ensaio de Stavenha-
na Revista Mexicana de Sociologia, volu- gen, contudo, é totalmente diferente do texto de
Cardoso, e, em contraste, realmente foi de fun-
me 40, número extraordinário. Este damental importância para combater as teses do
número incluía também a resposta de suposto caráter dual e feudal da América Latina,
do etapismo desenvolvimentista, das possibilidades
Marini, titulada “Las razones del neo-
revolucionárias das burguesias locais, entre outros
desarrollismo (respuesta a F.H. Cardo- temas relevantes.

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so y J. Serra)”. No Brasil, o artigo de margem a uma verdadeira “inércia”


Cardoso e Serra foi publicado na revis- intelectual, que apenas nos últimos
ta Estudos do CEBRAP, em seu núme- anos começa a ser rompida. Dado que
ro 23, de 1979, porém sem a resposta o embate específico travado entre Car-
de Marini.7 E vale lembrar ainda que, doso e Marini tem sido trabalhado ul-
além dessa publicação, parte das críti- timamente10, para o presente artigo é
cas ali formuladas ainda foram divulga- mais pertinente concentrar a atenção
das em outro artigo no Brasil, assinado nos reflexos dessa leitura unilateral,
apenas por José Serra, cujo título não para depois focar na chamada “inércia
muito criativo já remete à sua origem: intelectual”. Neste sentido, a próxima
“As desventuras do economicismo: três seção busca revelar com bastante deta-
teses equivocadas sobre autoritarismo lhe em que textos e de que forma foi se
e desenvolvimento”, publicado na re- reproduzindo o “pensamento único”
vista Dados, número 20, de 1979.8 sobre a dependência.
Apesar de laterais e puramente infor-
mativas, as considerações bibliográficas
anteriores ajudam a compreender parte III. Reflexos do “pensamento
do processo de formação de um “pen- único” sobre a dependência
samento único” no Brasil sobre o tema no Brasil
da dependência, na medida em que in-
dicam a ampla divulgação e reprodução O processo de formação do “pensa-
das críticas formuladas inicialmente mento único” no Brasil sobre a temá-
por Cardoso e logo seguidas por José tica da dependência, ademais de ter
Serra; críticas que não por acaso foram sido facilitado pela censura, que elegia
retomadas no momento prévio à anis- bem os textos publicáveis e os extirpa-
tia política.9 Durante várias gerações dos, contou também com a colabora-
de estudantes esses textos de Cardoso ção de importantes intelectuais. Nesta
(e depois com Serra) foram utilizados seção serão apresentadas algumas das
como principal fonte no Brasil para mais representativas publicações que
“conhecer” as diferentes posturas em circularam no Brasil nas décadas de
relação à dependência latino-ameri- 1970 e 1980 e que coadjuvaram nesse
cana. As opiniões críticas de Cardoso processo. A idéia é seguir apresentan-
sobre a vertente marxista da teoria da do dados bibliográficos e reproduzir
dependência, apesar de insustentáveis, seletivamente alguns trechos mais ou
eram repetidas em universidades e em menos longos de determinados escri-
núcleos de formação política. E esse tos, mas sem fazer uma análise geral
processo de instauração de um “pen- desses trabalhos e sem esgotar todas as
samento único” sobre a dependência referências que possam existir. Ainda
contou ainda com a contribuição de assim, essa primeira aproximação será
vários importantes intelectuais, dando suficiente para revelar que, não obstan-

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te o fato de procederem de intelectuais publicados pela Cepal em 1970, fundamen-


normalmente situados “à esquerda”, tados na experiência brasileira.
as críticas quase sempre seguem a li- Entretanto, devido à frustração de algumas
nha deixada por Cardoso e, em geral, tentativas reformistas em vários países, a
reproduzem equívocos e são realizadas visão da nova esquerda latino-americana e
sem nenhuma discussão profunda, ain- terceiromundista redescobria e readaptava a
da que muitas vezes sejam seguidas de
uma ampla defesa daquilo que seria a
“correta” versão da análise sobre a de-
pendência, isto é, a visão do desenvol- 7. Ao tratar das críticas de Cardoso – por certo,
em tom demasiado condescendente –, Theotônio
vimento dependente-associado ou da dos Santos assinala este episódio (2000, p. 125): “Em
interdependência elaborada por Fer- primeiro lugar, é necessário ressaltar que Fernando
nando Henrique Cardoso.11 Henrique sempre apresentou suas críticas com mui-
ta elegância e respeito, no interior de uma aventura
Para começar, vale mencionar um intelectual comum da qual participamos: a chamada
texto não tão divulgado, mas escrito por ‘teoria da dependência’. Contudo, é desagradável
um nome de peso: Maria da Conceição constatar que o Centro Brasileiro de Análise e Pla-
nejamento (CEBRAP), que ele fundou e então diri-
Tavares. Na revista Estudos CEBRAP, gia, nunca publicou a resposta contundente de Ruy
número 13, de 1975, Tavares publicou Mauro Marini às suas críticas. Pelo contrário, fez-se
um constrangedor silêncio sobre essa polêmica que
o artigo titulado “O desenvolvimento
a imprensa brasileira vem mantendo até o presente.”
industrial latino-americano e a atual A resposta de Marini somente veio a ser publicada
crise do transnacionalismo – algumas no Brasil na edição Dialética da dependência. Uma
antologia da obra de Ruy Mauro Marini, organizada
questões”, texto este que havia sido
por Emir Sader (2000).
apresentado num Simpósio sobre “As 8. Este mesmo artigo foi posteriormente incluído no
empresas transnacionais e os países re- livro The New Authoritarianism in Latin America,
mas agora com outro título, tampouco muito criati-
ceptores”. Neste artigo Tavares trata de vo: “Three mistaken theses regarding the connection
esboçar “o que parecem ser os aspectos between industrialization an authoritarian regimes”.
centrais do ‘pensamento latino-ameri- Nesta edição, Serra (1979, p. 102, nota 07) faz re-
ferência ao artigo “As desventuras da Dialética da
cano’ em matéria de industrialização dependência” como base para a seção em que discu-
em nossos países”, além de “analisar te com as teses de Marini – ou com aquilo que ele
a crise de transnacionalização” e fazer acredita que sejam as teses de Marini.
9. De fato, em “As desventuras...” os autores são
“breves considerações sobre a situação claros em seu propósito: “Oxalá possamos neste ar-
na América Latina ante a crise inter- tigo, senão propor alternativas (que seria pedir mui-
nacional” (1975, p. 8-9). Na primeira to), pelo menos colocar trancas que fechem as falsas
saídas” (1979, p.36).
parte do artigo, sobre os “traços gerais 10. Recentemente o debate entre Cardoso e Mari-
do pensamento latino-americano sobre ni começou a ser conhecido e trabalhado no Brasil.
industrialização”, em certo momento Ver, por exemplo, Wagner (2005), Vargas (2009) e
Bianchi (2010).
Tavares afirma o seguinte (Ibid., p. 11): 11. Poderia ser nomeado também Enzo Faletto, com
quem Cardoso escreveu, em 1967, Desenvolvimen-
to e dependência na América Latina, mas apenas
Os primeiros estudos empíricos mais sérios
Cardoso seguiu “desenvolvendo” sua visão de “de-
sobre ET [empresas transnacionais] foram pendência”.

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velha tese centro-periferia de Prebisch, reba- Apesar das tremendas confusões ocasiona-
tizada como relação metrópole-satélite. das por certas visões primárias da “Teoria
Passando totalmente por alto sobre as no- da Dependência” e do fato decisivo de que
vas tendências da economia internacional, a seus esforços de interpretação terminaram
partir de meados da década de 50, explica- sem status teórico afiançado e sem aprofun-
vam a acumulação nos centros pela explora- dar a análise dos subsistemas industriais de-
ção da periferia (invertendo a tese clássica) pendentes que se propunham estudar, não
e centrando-se no desempenho tradicional resta dúvida de que alguns ensaios pioneiros
dos grandes monopólios internacionais na da época tiveram uma importância funda-
extração de matérias-primas. mental de vários pontos de vista.
Entre eles sobressai o trabalho de Cardoso
E ao final desta passagem Tavares e Faletto, “Desenvolvimento e Dependência
indica uma nota de rodapé, em que na América Latina” [...]
comenta: (Ibid., p. 27): “Estamo-nos re-
ferindo, basicamente, às colocações do Neste ponto o texto de Tavares con-
tipo Gunder Frank – ‘Desenvolvimen- tinua com um resumo, agora sim, de-
to do Subdesenvolvimento’ e as várias talhado da argumentação de Cardoso
versões do ‘Intercâmbio Desigual’”. e Faletto, antes de tratar da “crise do
Além da mínima preocupação com a transnacionalismo” e das “questões e
precisão na referência e sem intenção opções na América Latina ante a crise
nenhuma de travar um verdadeiro internacional”, que constituem as ou-
debate, sobre o trecho antes citado é tras partes do artigo.
possível observar ainda que Tavares Algo parecido também foi feito por
ou ignorava – o que é difícil – ou sim- João Manuel Cardoso de Mello, mas
plesmente não considerava sério os não num artigo, e sim em sua influen-
trabalhos realizados por Theotônio dos te tese doutoral, defendida em 1975, e
Santos sobre as corporações multina- que pouco depois se tornou livro e con-
cionais, apesar desses serem pioneiros dicionou boa parte das interpretações
e muito bem fundamentados.12 inscritas na chamada “Escola da Uni-
E na sequência dos parágrafos antes camp”. Na “Introdução” de O capita-
citados Tavares complementa: lismo tardio, após discutir a “Economia
Política da CEPAL”, o texto de Cardoso
Deve-se fazer justiça, entretanto, ao esforço de Mello chega a “meados da década
de um grupo de intelectuais latino-ameri- de 60, quando a morte do movimento
canos em Santiago de Chile (entre 1965 e social nacional-desenvolvimentista fi-
1967) para caracterizar, mediante um en- cou evidente” (1998 [1982], p. 24). E
foque totalizador, o que foi chamado como a partir daí comenta o surgimento das
a nova “situação de dependência” nos pa- “Teorias da Dependência” (Idem, itáli-
drões de desenvolvimento industrial urbano cas no original):
dos maiores países da América Latina.

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A industrialização ou se abortara, ou, quan- uma crítica pontual – a de que estes au-
do tivera êxito, não trouxera consigo nem a tores seguem o “critério cepalino de pe-
libertação nacional, nem, muito menos, a riodização histórica” – e abrir caminho
liquidação da miséria. para sua própria tarefa, que seria “a de
Com isto, uma pergunta ficava no ar: por repensar a História latino-americana
que a História teria tomado outro curso, de- como formação e desenvolvimento do
fraudando esperanças que pareceram outro- modo de produção capitalista”.
ra tão bem fundadas? A resposta, no plano Vários problemas merecem ser des-
teórico, consistiu, sabemos todos, na formu- tacados do trecho acima citado, sobre-
lação das “Teorias da Dependência”, que tudo considerando que se trata de uma
nasceram, assim, para enfrentar a questão tese doutoral. Em primeiro lugar, cha-
da não industrialização-nacional. ma atenção a forma com que aborda
A filiação cepalina da idéia de “dependência o nascimento das “Teorias da Depen-
externa” é clara, pois simples decorrência dência”, pois, em contraste do que se
da concepção de desenvolvimento desigual afirma ali, não houve uma origem co-
da economia mundial capitalista, que se mum entre todos os intelectuais que
exprime na relação Centro/Periferia. Deste analisaram a dependência, sem contar
modo, não seria difícil imaginar a História que a preocupação inicial não era de
latino-americana como uma sucessão de modo algum “enfrentar a questão da
“situações de dependência”: dependência não-industrialização”.15 Também é
colonial, dependência primário-exportadora
e dependência tecnológica.
Deste ponto de vista, a primeira vertente 12. Esses trabalhos, escritos a partir de 1966, foram
da Dependência – representada pelos tra- posteriormente incorporados em Imperialismo y de-
pendencia (1978).
balhos de A. G. Frank, centrados na idéia
13. Neste ponto Cardoso de Mello faz referência a
de “desenvolvimento do subdesenvolvimen- Capitalismo y subdesarrollo en América Latina e ao
to”, que se entende nuclearmente como uma livro Economía política del subdesarrollo en Amé-
rica Latina, que fora organizado por Frank, James
contínua rearticulação de uma relação de Cockroft e Dale Johnson (1970) e no qual se inclui
exploração entre Metrópoles e Satélites – alguns artigos de Frank.
consiste, de modo cristalino, numa mera re- 14. E aqui a referência é a edição brasileira, publica-
da em 1970, de Dependência e desenvolvimento na
produção radicalizada da problemática América Latina, além do texto de Cardoso “Teoria
cepalina e, por isto, não apresenta maior da dependência ou análises concretas de situações
interesse teórico.13 de dependência?”, que havia sido publicado no pri-
meiro número da revista Estudos CEBRAP, em 1971.
Ao contrário, a formulação de F. H. Cardo- 15. Na verdade, isto nem teria sentido, pois os tra-
so e E. Faletto merece um exame cuidadoso, balhos sobre a dependência nasceram precisamente
por sua importância decisiva.14 nos países que estavam se industrializando, porém, é
claro, aprofundando sua dependência. Ademais, con-
forme indica Marini em sua “Memória” (2005, p. 66):
Em seguida Cardoso de Mello apre- “Na realidade, e contrariando interpretações cor-
senta os principais eixos da análise de rentes, que a vêem como subproduto e alternativa
acadêmica à teoria desenvolvimentista da CEPAL, a
Cardoso e Faletto, para depois fazer teoria da dependência tem suas raízes nas concep-

Comunicação&política, v.29, nº2, p.068-094 77


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Fernando Correa Prado

notável a forma com que Cardoso de acontecimentos. Segundo Frank, a estrutura


Mello descarta o debate com Andre subdesenvolvida deveria ter-se perpetuado
Gunder Frank, afirmando uma opinião nos vários países da América Latina sem
insustentável como se estivesse basea- qualquer desenvolvimento significativo das
do num argumento “cristalino”. forças produtivas ou qualquer surto de de-
Nem todos, porém, deixaram de al- senvolvimento capitalista mais estável, e
mejar uma discussão mais ampla com não haveria possibilidade de transformações
os autores que tentaram criticar. É o de envergadura enquanto não ocorresse a re-
caso, por exemplo, de Guido Mantega, volução socialista. [...]
que no também influente livro Econo- Acontece, porém, que justamente após a
mia Política Brasileira dedica todo um Segunda Guerra verificou-se um surto de
capítulo para analisar o que ele chama desenvolvimento capitalista inédito na his-
de “o modelo de subdesenvolvimento tória da América Latina [...] Não foi, como
capitalista”, que por sua vez estaria for- era de se esperar, um desenvolvimento capi-
mado por Caio Prado Jr., Andre Gun- talista independente e autônomo, mas sim
der Frank e Ruy Mauro Marini. uma expansão impulsionada pelo capital lo-
Em relação a Frank, no início Man- cal e orientada pelo capital estrangeiro, que
tega chega a fazer uma leitura minima- contou com a presença maciça de empresas
mente fiel, apesar de colocar em sua monopolistas internacionais; portanto, um
análise conceitos que o próprio Frank desenvolvimento capitalista nacional “de-
fazia questão de combater, tais como pendente e associado” [...].
economias ou regiões “atrasadas”. No À medida que as teses de Frank e outros
entanto, na medida em que avança seu autores estagnacionistas colidiam com a
estudo, junto a algumas críticas válidas expansão da acumulação e com as transfor-
a Frank – que por certo já haviam sido mações políticas verificadas principalmente
feitas por outros autores, inclusive Ma- nos anos 50 e 60 em vários países da cha-
rini e Theotônio dos Santos –, começam mada periferia, surgem, no cenário teórico
a aparecer as falsas críticas, diretamente latino-americano, novas interpretações [...]
derivadas do viés interpretativo deixa- que acreditavam na viabilidade de um de-
do por Cardoso. Por exemplo, quando senvolvimento capitalista dependente no
busca apontar as “deficiências da teoria Brasil. Trata-se dos artífices da Teoria da
do subdesenvolvimento”, em determi- Dependência, dentre os quais destacam-se
nado momento argumenta o seguinte Fernando H. Cardoso, Enzo Faletto, Anibal
(1984, p. 225-226): Quijano, Oswaldo Sunkel, Anibal Pinto,
Armando Cordova, Alongo Aguilar e ou-
O sistema analítico empregado por Frank, tros, responsáveis por um novo filão teórico
para conhecer as regiões mais atrasadas a ser explorado a partir da segunda metade
do sistema capitalista, revelou-se equívoco da década de 60, que seria decisivo para a
à medida que seu diagnóstico e previsões superação das teses estagnacionistas.
foram sendo contrariados pelo rumo dos

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História de um não-debate: a trajetória da teoria marxista da dependência no Brasil

Esta citação revela como Mantega dependente apenas elevou os salários mar-
está apegado àquela leitura guiada ginal e temporalmente para depois começar
por Cardoso, para quem Frank seria a diminuí-los novamente. [...] A realização
o defensor da “inviabilidade” do de- doméstica no “mercado interno” ainda é
senvolvimento capitalista na periferia, através da demanda de consumo final das
partidário da tendência à “estagnação”. classes alta e média-alta e através do consu-
Para demonstrar a contradição dessa mo produtivo. Contudo, ambas as classes,
crítica, basta reproduzir também uma por sua vez, são dependentes das rendas do
passagem de Frank, retirada proposital- setor externo e, cada vez mais, da sua dis-
mente de um livro que Mantega utiliza tribuição através da mediação do Estado.
como base e chega a fazer referência à Deste modo, o desenvolvimento (ou subde-
mesma página16. Numa passagem de senvolvimento) capitalista dependente do
Acumulação dependente e subdesenvol- mercado “interno” depende cada vez mais
vimento, ao tratar de forma sintética da produção e exportação de matérias-pri-
alguns processos do século XX na Amé- mas e, mais recentemente, também de pro-
rica Latina, Frank afirma (1980, p. 173. dutos industriais, cuja produção por sua vez
Itálico do original): depende da superexploração do trabalho as-
salariado extraído de uma crescente reserva
Comentamos anteriormente que a substi- industrial de trabalhadores “marginais”,
tuição de importações “decolou” durante a os quais, longe de constituírem uma fonte
crise econômica imperialista, que dificultou de demanda efetiva no mercado interno, são
a troca de matérias-primas produzidas com essenciais para a produção lucrativa, reali-
salários baixos pelas manufaturas destina- zação e acumulação de capital através da
das ao mercado de alta renda. Este dilema redução dos custos salariais.17
levou alguns países a produzirem localmen-
te bens de consumo para esse mercado de
renda alta em lugar de importá-los. Isto é, a
substituição de importações era inicialmen-
te dirigida para um mercado “interno” já
existente [...] Contudo, esse desenvolvimen-
to substituidor de importações não criou ções que a ‘nova esquerda’ – particularmente no Bra-
seu próprio mercado interno. No máximo, sil, embora seu desenvolvimento político fosse maior
a substituição de importações criou um mer- em Cuba, na Venezuela e no Peru – elaborou, para
fazer frente à ideologia dos partidos comunistas.” Ao
cado “interno” para os bens de produção menos em sua corrente marxista, essa é a origem
externos e para os investimentos estran- principal da “teoria da dependência”.
geiros. Em vez de levar a um aumento nos 16. Cfr. Mantega (1984, p. 220, nota 17).
17. E aqui Frank abre um parêntesis e indica: “Para
salários – para expandir o poder aquisitivo uma análise mais detalhada, ver Marini”. Uma pesqui-
do mercado interno, como havia ocorrido sa pertinente para a atualidade seria analisar como
e se ainda existe esta excisão entre as esferas de
na metrópole e nos países de povoamento
consumo interno; Virginia Fontes tem entrado neste
recente – este desenvolvimento capitalista tema (2010).

Comunicação&política, v.29, nº2, p.068-094 79


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Fernando Correa Prado

A longa citação anterior deixa evi- menciona, claro, a resposta de Marini.


dente que uma das críticas de Mante- Deixando atrás Mantega, mas ainda
ga a Frank é no mínimo contraditória. se atendo às consequências da linha
Afinal, Frank fala a todo momento de deixada por Cardoso e reforçada pelo
“desenvolvimento capitalista”, ainda âmbito institucional da USP, vale a
que dependente e marcado pela desi- pena mencionar um livro, direciona-
gualdade. Mas se bem que com Frank do especificamente para um público
as críticas “apenas” caem em contra- amplo, sobre “O que é Subdesenvolvi-
dição explícita. Quando sua análise mento”, publicado originalmente em
se centra em Marini os equívocos são 1980. Este livro, que faz parte da va-
muito maiores.18 De fato, são tantos os liosa série “O que é...”, foi escrito por
erros que demandaria demasiado es- Horácio González, professor argentino
paço ilustrar e corrigir cada um deles. que então lecionava na USP. O destaca-
Neste caso, quiçá seja suficiente anotar do intelectual, no meio de sua incisiva
apenas um “detalhe” característico da análise sintética sobre o “subdesenvol-
gritante falta de rigor intelectual que vimento”, que por sinal é ajudada pela
caracteriza A Economia Política Brasileira, sua excelente escrita, não deixa de de-
lembrando antes que, tal como informa dicar toda uma parte a Frank, e então
em nota de agradecimentos, o livro é repete a famosa “crítica” (1985 [1980],
uma versão de sua tese de doutorado p. 54):
em Sociologia do Desenvolvimento,
defendida na FFLCH-USP em 1981.19 [...] para Frank já está escrito o traço fatal
Que fique claro: Mantega dedica todo do subdesenvolvimento, que exclui a possi-
um capítulo e, dentro deste, um aparta- bilidade que tantos outros autores contem-
do especial para tratar de Marini, mas porâneos – como Fernando H. Cardoso
o faz tendo como base apenas a primei- – consideraram até a exaustão: a industria-
ra edição de Subdesarrollo y revolución, lização das periferias é possível nos quadros
e simplesmente não deixa nenhuma das relações de dependência. Esta possibili-
referência a Dialéctica de la dependen- dade naufraga na condenação ao subdesen-
cia!20 Numa analogia, é como se alguém volvimento de Frank.
fizesse uma tese que abordasse a obra
de Celso Furtado e não mencionasse González termina seu livro com uma
Formação Econômica do Brasil! E Mantega parte sobre “Fernando H. Cardoso e o
não ignorava a existência de Dialéctica desenvolvimento ‘fora de lugar’”, e no
de la dependencia, pois boa parte de suas último parágrafo exalta uma esperan-
críticas estão baseadas no artigo “As ça infelizmente injustificável (Ibid., p.
desventuras da dialética da dependên- 121-122. Itálicas no original):
cia”, de Serra e Cardoso, que por sua
vez tratam de criticar precisamente Dia- No momento, são cada vez mais marcan-
léctica de la dependencia – Mantega não tes as influências utopistas no pensamen-

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História de um não-debate: a trajetória da teoria marxista da dependência no Brasil

to de Cardoso, o que muito tem a ver de 1970 e inícios de 1980, convém tra-
com uma reflexão, mais do que sobre tar apenas de um texto, publicado em
a dependência, sobre os grupos de es- 1982, cujo título quase poderia ser adi-
tudiosos que reflexionaram sobre a vinhado: “Seis interpretações sobre o
dependência. Esse utopismo supõe um re- Brasil”. Para o autor, existiriam “seis
torno às fontes do pensamento latino-ame- ou sete” interpretações sobre o Brasil
ricano não acadêmico, desenvolvido fora nos últimos 50 anos, entre as quais es-
das sociologias “científicas” dos últimos 20 tava a “interpretação da superexplora-
anos, e, se Cardoso não se propõe um novo ção capitalista”, da qual fariam parte
intento de mediação e arbitragem entre dife- Gunder Frank, Marini, Theotônio dos
rentes fontes de pensamento – como infati- Santos e, menos à vontade, também
gavelmente tem feito –, é provável que possa Florestan Fernandes.22 Ao menos nesta
dar uma obra mais vigorosa e de maior peso versão original do texto, Bresser-Perei-
social. Sua proposta de pensar um “outro” ra – que sempre buscou definir sua pró-
desenvolvimento acha-se no cerne de um pria interpretação com certa distância
revigoramento do veio mais criativo do pen-
samento político latino-americano: o veio
humanístico e libertário.
18. Não é o caso de tratar aqui da sua interpretação
de Caio Prado Jr., que tampouco é primorosa.
De fato, Fernando Henrique Cardoso 19. Ainda não tivemos acesso à tese, mas seria válido
deixou uma obra de maior peso social: conferir qual o conteúdo do livro que está na tese e
o que foi incorporado posteriormente.
as consequências de oito anos como
20. Principal obra de Marini, Dialéctica de la depen-
Presidente do país, resultados certa- dencia é considerada por muitos o ponto mais alto
mente pouco utópicos, mas não se trata da formulação marxista sobre a dependência (Oso-
rio, 2004; Ouriques, 1995; Sotelo Valencia, 2005).
aqui de avaliar esse legado.
21. Após ter sido contador da primeira campanha
De volta ao percurso proposto, e che- a presidente de Fernando Henrique Cardoso, entre
gando ao fim dessa parte, convém tratar 1995 e 1998 foi Ministro da Administração Federal
e Reforma do Estado do governo de Cardoso e, no
também, mesmo que muito brevemen- segundo mandato, foi Ministro de Ciência e Tecno-
te, da interpretação sobre a teoria mar- logia por seis meses. Em 1987 havia sido Ministro da
xista da dependência feita por mais um Fazenda do governo Sarney.
22. Esta era apresentada como a quinta interpreta-
intelectual cuja influência é incontestá- ção, sendo as demais: “(1) a interpretação da vocação
vel e que, entre outras atividades polí- agrária, em conflito nos anos quarenta e cinqüenta
ticas, contribuiu diretamente ao “peso com (2) a interpretação nacional burguesa [...] (3)
a interpretação autoritário-modernizante, enquanto
social” da obra de Cardoso. Trata-se de que os intelectuais de esquerda irão se dividir em
Luiz Carlos Bresser-Pereira.21 três posições nem sempre claramente distintas: (4)
Em diversos textos Bresser-Pereira a interpretação funcional capitalista, (5) a interpre-
tação da superexploração capitalista, e (6) a inter-
procura dar uma postura própria sobre pretação da nova dependência. Finalmente, quando
as interpretações do Brasil. Para manter o regime de 1964 entra em crise, a partir de meados
a revisão no mesmo período dos traba- dos anos setenta começa a delinear-se a interpreta-
ção do projeto de hegemonia burguesa industrial”
lhos antes mencionados, ou seja, finais (1982, p. 269-270).

Comunicação&política, v.29, nº2, p.068-094 81


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das demais – não reproduz ao pé da le- em diferentes ocasiões ao longo do


tra as críticas estabelecidas por Cardo- tempo, numa mescla de textos requen-
so; em contrapartida, deixa um resumo tados, edições revistas e entrevistas fun-
bastante pobre das análises daqueles cionais.
quatro autores, o que se percebe ain- Como exemplo inicial, e seguindo
da mais quando comparado às sínteses com Bresser-Pereira, bastaria passar
que faz das outras duas “interpretações em vista em seu artigo “Do ISEB e da
de esquerda”, e conclui dizendo (1982, CEPAL à teoria da dependência”, pu-
p. 298): “entre as três interpretações de blicado em 2005 no livro Intelectuais e
esquerda, excluída a última [isto é, a política no Brasil: a experiência do ISEB.
“interpretação da nova dependência”, Neste texto, que inclui uma versão um
da qual a “contribuição fundamental” pouco remodelada do artigo original
“será realizada por Fernando Henrique acima comentado, as críticas de Bres-
Cardoso”], a da superexploração impe- ser-Pereira se refazem, agora mais pró-
rialista é a mais à esquerda e a menos ximas ao “pensamento único” sobre
plausível”. Essa é sua caracterização a dependência. Segundo ele (2005, p.
nesta versão original, mas numa ver- 218-219-220-224):
são mais nova do mesmo texto a velha
idéia da “inviabilidade do desenvolvi- [...] a teoria da dependência, em sua versão
mento” reaparece. Para tratar disso, associada e também na nacional-dependen-
melhor passar ao próximo ponto, sobre te (não na da superexploração capitalista),
como essa e outras falsas ideias sobre afirmava que a teoria do imperialismo
Frank, Dos Santos e Marini ainda res- equivocava-se ao afirmar que o centro seria
soam na atualidade. contrário à industrialização. [...]
Na teoria da dependência, estão presentes
três versões: a teoria original, marxista, a
IV. Inércia intelectual e teoria da dependência associada e a teoria
ressonâncias atuais que denominarei de nacional-dependente.
A primeira interpretação adotou um racio-
É curioso, e um pouco trágico em ter- cínio linear, muito próprio de um marxismo
mos intelectuais, notar que boa parte que se pretendia ortodoxo. Dada a impos-
daquelas críticas forjadas sobre os au- sibilidade da existência de uma burguesia
tores ligados à corrente marxista da te- nacional, não restaria alternativa para os
oria da dependência – “catastrofistas”, trabalhadores, ou para as esquerdas, senão
“estagnacionistas”, defensores da “in- trabalhar pela revolução socialista.[...]
viabilidade do desenvolvimento capi- Para as três vertentes da teoria da depen-
talista no Brasil”, etc. – não somente dência, a tendência das elites locais a se as-
foram repetidas sem critério em textos sociarem ao imperialismo estava presente,
mais recentes, mas também acabaram mas enquanto, no caso da versão da supe-
sendo sistematicamente reproduzidas rexploração imperialista, o desenvolvimento

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História de um não-debate: a trajetória da teoria marxista da dependência no Brasil

é impossível e, na vertente da dependência ainda fizeram questão de reproduzi-las


associada, só é possível de forma subordi- sempre que possível. Outros autores de
nada ou associada, na perspectiva nacional- renome e que fazem parte, em sentido
-dependente o desenvolvimento é possível amplo, da “esquerda” intelectual brasi-
porque existe sempre a possibilidade de os leira, também entraram nessa onda de
empresários e os intelectuais voltarem a se crítica às obras de Marini, Frank e Dos
associar aos trabalhadores e aos técnicos do Santos. Seguem apenas dois casos, ain-
governo em torno de questões e de uma es- da que seria possível encontrar outros.
tratégia nacional. José Luis Fiori, por exemplo, no li-
vro Estados e moedas no desenvolvimento
Ao menos aqui o projeto de grande das nações (1999), assina o texto de in-
aliança classista pregado por Bresser-Pe- trodução titulado “De volta à questão
reira e inserto em sua “perspectiva na- da riqueza de algumas nações” – um
cional-dependente” fica claro. Contudo, caminho de volta por certo muito per-
as velhas críticas voltam a tomar espaço. tinente num momento em que a “glo-
Também Guido Mantega insiste em balização” mostrava seus efeitos. Neste
republicar seus estudos pouco rigoro- texto, quando trata dos “anos 60”, Fiori
sos de quando em quando. Em 1997, faz uma menção especial às teorias da
num relatório de pesquisa para o Nú- dependência, que “interpretaram mais
cleo de Pesquisa e Publicações da Fun- fielmente o clima político e intelectu-
dação Getúlio Vargas, onde lecionava, al latino-americano dos anos 1960”
Mantega volta à carga com “A teoria da (1999, p. 30). E depois procura fazer
dependência revisitada – um balanço uma resenha breve do debate, para a
crítico”23. Apesar da distância tempo- qual se vale de um artigo de Gabriel
ral entre esta publicação e seu livro, Palma – “Dependencia y desarrollo:
nenhum dos erros de interpretação foi una visión crítica” (1987 [1981]) –, que
solucionado, e tampouco sua insensibi- segundo Fiori é um texto “clássico”24.
lidade bibliográfica foi sanada. Se em Em sua interpretação das teorias da de-
Economia Política Brasileira Mantega dei- pendência Fiori retoma os argumentos
xava de lado Dialéctica de la dependencia, de Palma, que por sua vez segue a linha
nesta ocasião ele até menciona este li- de Cardoso. De todo modo, para Fiori
vro, mas faz referência no corpo de tex- (1999, p. 31-32):
to àquela edição de 1972 em Sociedad
y desarrollo. Além disso, simplesmente
se “esquece” de colocar a referência na
bibliografia. E neste texto suas críticas 23. Texto disponível em: <http://www.eaesp.fgvsp.
br/Interna.aspx?PagId=DLMJMMTJ&ID=187>.
agora são mais diretas, apesar de segui- 24. Este texto de Palma na verdade é bastante criti-
rem insustentáveis. cável e repete os mesmos argumentos de Cardoso,
Mas não foram somente os mesmos porém trabalhados mais extensamente. Aqui não há
espaço para revisá-lo mais detalhadamente, o que é
autores que repetiram as falsas críticas e feito na versão original do presente artigo.

Comunicação&política, v.29, nº2, p.068-094 83


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O primeiro [grupo da “escola da depen- vimento. [...]


dência”], e o mais conhecido fora da Amé- O primeiro grupo, mais diretamente ligado
rica Latina, é o que tem maior dívida com ao pensamento estruturalista da CEPAL,
Paul Baran. [...] A conclusão a que chega propõe e começa a desenvolver sua reformu-
essa abordagem é que o capitalismo em lação por volta de meados dos anos 1960,
sua fase monopolista perdera sua capa- liderados por Aníbal Pinto, Celso Furtado e
cidade dinâmica e expansiva e passara a Oswaldo Sunkel. [...]
bloquear o desenvolvimento industrial dos O fracasso do projeto reformista chileno e
países atrasados. Argumentos nessa dire- o progressivo esvaziamento, nos anos 1970,
ção foram elaborados logo depois da Se- da guerrilha socialista latino-americana,
gunda Guerra, tendo sido popularizados, deram um destaque político crescente à
entretanto, apenas através da tese do “de- terceira vertente da escola da dependência,
senvolvimento do subdesenvolvimento”, situada num “justo meio” entre a tradição
elaborada pelos trabalhos de André Gun- leninista da teoria imperialista e as teses
der Frank, primeiro sobre o Brasil e depois cepalinas sobre o comércio internacional,
sobre a América Latina, e desenvolvida de cristalizada à volta da obra Dependência
forma mais ou menos fiel por Theotonio e desenvolvimento na América Latina,
dos Santos e Rui Mauri Marini, entre ou- publicada em 1970 por Fernando Henrique
tros latino-americanos.25 [...] Cardoso e Enzo Faletto.
Na visão de Frank, as relações de exploração
entre as “metrópoles” e os seus “satélites”, Novamente, as contribuições de Ma-
que articulavam a totalidade do sistema rini, Frank e Theotonio dos Santos são
econômico mundial, bloqueavam definitiva- deixadas de lado sem maior debate e,
mente a possibilidade do desenvolvimento em contraste, apresenta-se a versão de
das forças produtivas capitalistas nas regi- Cardoso como a única adequada. Por
ões mais atrasadas do sistema. Como conse- certo, mais recentemente Fiori repe-
qüência concluía, junto com Theotonio dos tiu essa postura em seu artigo “Amé-
Santos e Rui Mauro Marini, que o cami- rica Latina, um continente sem teoria”
nho do desenvolvimento latino-americano (2009), publicado em diferentes meios
deveria passar inevitavelmente por uma eletrônicos, entre os quais a Agência
revolução contra a burguesia nativa e o im- Carta Maior. Logo após ter sido publi-
perialismo que fosse capaz de encaminhar cado, este artigo recebeu uma resposta
uma estratégia de desenvolvimento socia- escrita por Nildo Ouriques, na qual
lista apoiada no aumento da participação este procura desconstruir os argumen-
popular e na conquista da independência tos em relação à suposta falta de teoria
econômica externa. [...] na América Latina, afirmando no iní-
As duas outras vertentes da escola não vi- cio: “Fiori adere ao esporte nacional
ram na dependência um fator externo que preferido pela intelectualidade paulis-
explicasse definitivamente o atraso nem ta: a crítica à interpretação marxista da
condenasse os países ao eterno subdesenvol- dependência e o elogio velado ‘a escola

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História de um não-debate: a trajetória da teoria marxista da dependência no Brasil

paulista de sociologia’, especialmente so e Enzo Faletto teriam delineado essa teo-


aquela vinculada ao nome de Fernando ria ainda nos anos 60; Paul Singer, Maria
Henrique Cardoso” (Ouriques, 2009). da Conceição Tavares e Francisco de Olivei-
E como se viu até aqui, não foi só Fiori, ra seriam outros expoentes que lapidaram
mas também vários outros intelectuais tal pensamento já na década de 70, segundo
importantes aderiram a tal “esporte”. Mantega.
Antes de terminar esta parte – que po-
deria se estender muito mais26 – e entrar Da mesma forma que Fiori, Ridenti
por fim às conclusões e nos comentários não apenas repete em livro a leitura
sobre algumas possíveis consequências de Mantega sobre a vertente marxista
políticas do “não-debate” –, resta ainda da teoria da dependência – que, como
citar alguns trechos retirados de um li- se viu, é a mesma de Cardoso e care-
vro de Marcelo Ridenti, grande conhe- ce de sustento mínimo –, mas também
cedor da luta de esquerda no Brasil, expõe essa leitura num artigo de maior
porém também adepto àquele “esporte circulação. Atinando para uma questão
nacional”. Em seu livro O fantasma da real e importante da realidade atual –
revolução brasileira, ao analisar as teses o retorno do desenvolvimentismo27
de algumas organizações revolucioná-
rias brasileiras após o golpe de 1964, Ri-
25. Até aqui, Fiori remete aos textos Capitalism and
denti comenta a influência da “teoria da underdevelopment in Latin America, de Frank, “The
dependência”, em especial de Frank, e structure of dependence”, de Theotônio dos Santos
e àquela primeira versão de Dialética de la depen-
nisso aponta em nota de rodapé (1993,
dencia, de Marini, publicada em 1972 e impossível
p. 33. Itálico no original.): de encontrar.
26. Ficaram de fora diversos artigos menos rele-
vantes que, mesmo focalizando diferentes assuntos,
Fala-se aqui em “teoria da dependência” no acabam por repetir as críticas criadas por Cardoso
sentido que a expressão foi empregada por em relação a Marini ou até mesmo criam novas crí-
Weffort, englobando autores como Gunder ticas, também insustentáveis. Por mencionar apenas
um caso, tome-se como exemplo um recente texto
Frank, Rui Mauro Marini e Theotônio dos de Pedro Henrique Pedreira Campos (2010). Neste
Santos, que não viam alternativas de cresci- texto, após fazer uma excelente caracterização his-
mento para os países subdesenvolvidos den- tórica da transnacionalização das empresas brasilei-
ras, o autor passa a discutir “o pensamento de Ruy
tro do capitalismo, sistema que nos países Mauro Marini” e neste ponto, além de manipular as
dependentes só poderia ser mantido pela citações para distorcer a análise – o que já era praxe
força bruta das ditaduras. Não confundir –, fabrica uma série de novas críticas que até mesmo
Cardoso não seria capaz de afirmar, tais como: “Ruy
essa escola com a “teoria da dependência” Mauro Marini faz uso, ainda, do famigerado modelo
a que se refere Guido Mantega, teoria que feudal, do PCB”; ou de que ele adotaria um evolucio-
negava as teses da estagnação, argumen- nismo linear, utilizaria conceitos cepalinos e tem sua
obra postulada na de Caio Prado Jr. Qualquer leitura
tando a possibilidade do desenvolvimento da obra de Marini, por mais superficial que seja, não
capitalista no Brasil e na América Latina, permite afirmar tais coisas.
27. Sobre a volta do desenvolvimentismo e uma
embora dependente e associado ao capital
crítica ao “novo-desenvolvimentismo”, ver Castelo
internacional – Fernando Henrique Cardo- ([org.], 2010).

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–, em seu artigo titulado precisamen- como este aqui fossem desnecessários.


te “Desenvolvimentismo: o retorno” Neste mesmo sentido, tampouco se
(2009), após citar uma passagem de um pode derivar daqui qualquer conclu-
“Programa” da organização política de são no sentido de que tudo que Andre
resistência à ditadura VAR-Palmares, Gunder Frank, Theotônio dos Santos,
Ridenti outra vez afirma aquela mes- Vânia Bambirra ou Ruy Mauro Marini
ma leitura manuseada, como se fosse – ou mesmo qualquer autor desta ou
um lugar-comum sem necessidade de de outra época – disseram estava ple-
maiores precisões: “Revela-se nesse namente correto e é totalmente válido
texto um desdobramento socialista do para a realidade atual. Em outras pa-
desenvolvimentismo que foi teorizado lavras, a perspectiva geral que a teoria
por autores como Gunder Frank, Rui marxista da dependência engendrou
Mauro Marini e Theotônio dos Santos, têm certa vigência precisamente pelo
que não viam alternativas de cresci- estreito vínculo com a realidade prática
mento para os países subdesenvolvidos com que foram criados; mas o inverso
dentro do capitalismo, sistema que também é verdadeiro, ou seja, devido
nos países dependentes só poderia ser àquela estreita ligação, os conceitos e as
mantido pela força bruta de ditaduras.” teorias não podem ser tratados como
Essa interpretação é como um mito: entes fixos independentes do tempo e
basta acreditar, repetir e, no tom do es- do espaço. Daí a necessidade de adotar
porte, “bola pra frente”! uma postura crítica e prospectiva frente
aos autores que conformam aquela te-
oria. Outra conclusão que não se deve
VI. Algumas conclusões sobre tomar deste escrito é a de que a obra
as consequências políticas de completa de todos os autores citados
um não-debate e revisados neste artigo seja inócua ou
desimportante. Pelo contrário, se cen-
Inicialmente, é preciso destacar o que tramos a análise em intelectuais de re-
não se deve concluir do que foi feito até nome foi precisamente pela relevância
aqui. Em primeiro lugar, não se deve de suas obras; além disso, muitos deles
concluir que seja necessário evitar toda giram em torno da intelectualidade de
e qualquer crítica à teoria marxista da “esquerda”, o que torna o conhecimen-
dependência. Sem dúvida, é imprescin- to de suas obras ainda mais necessário.
dível sempre colocar em questão esta Feitas essas advertências, fica aberta a
teoria, assim como muitas outras, exer- passagem para a pergunta mais relevan-
cendo a permanente crítica. Mas tal te: quais teriam sido as consequências
crítica, claro, deve ser o mais rigorosa políticas de todo aquele não-debate?
possível, com honestidade intelectual Fernando Henrique Cardoso imputa
e fiel aos argumentos de cada autor. a Frank, Dos Santos e Marini as teses
No mínimo, isso ajudaria a que textos sobre o “estancacionismo”, o “catastro-

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História de um não-debate: a trajetória da teoria marxista da dependência no Brasil

fismo”, a “inviabilidade do capitalismo se procura comentar. Ao contrastar a


na América Latina” e a disjuntiva “so- enorme influência – não apenas políti-
cialismo ou fascismo”, e o faz sempre ca, mas também intelectual – do então
esquivando o bom debate, o que não presidente Fernando Henrique Cardo-
impediu que muitos outros repetissem so com a perspectiva política daqueles
essas mesmas “críticas”. Nem Frank, que, condenados pela ditadura, tive-
nem Theotônio e tampouco Marini ram suas idéias vetadas, Sader pontua
poderiam ser encaixados nessas defi- (1997, p. 100-101):
nições, caso sua obra fosse examinada
de uma forma minimamente séria. No Condenado no primeiro processo da ditadu-
entanto, como era impossível, ao me- ra militar junto com Darcy Ribeiro, Theoto-
nos no Brasil, estabelecer um critério nio dos Santos e outros professores da UnB
preciso de avaliação, e isso unido à cer- [Universidade de Brasília], Marini passou
ta inércia intelectual facilmente aceita à clandestinidade como dirigente da Polop
e mantida, sobrava assim apenas uma [Organização Revolucionária Marxista-Po-
verdade a ser seguida, por sinal bastan- lítica Operária], foi preso e torturado no Ce-
te consentida por aquilo que o próprio nimar [Centro de Informação da Marinha]
Cardoso chamou nos anos 1970 de “Es- antes de se exilar no Chile e no México,
tado autoritário”. onde desenvolveu grande parte de sua car-
Se a percepção difundida por Car- reira intelectual. Seus livros, entre outros o
doso sobre as contribuições de cunho Dialética da dependência, publicado ori-
marxista à teoria da dependência tives- ginalmente no México, tiveram dezenas de
se um alcance puramente intelectual, edições, porém nenhuma no Brasil. A con-
não seria o caso de se preocupar tanto cepção hegemônica sobre a natureza do esta-
com seus equívocos. Acontece, porém, do durante o período da ditadura militar e,
que esta visão sobre a dependência es- consequentemente, sobre o que significaria
teve estreitamente ligada à sua perspec- a transição para um regime democrático foi
tiva em relação à ditadura militar no a teoria do autoritarismo, na versão de
Brasil, e parece ter sido tal perspectiva Fernando Henrique Cardoso [...]
que, no plano ideológico, dominou o A versão de FHC constituiu-se a versão mais
debate na posterior “abertura demo- desenvolvida e de maior influência durante
crática” conservadora da década 1980, o período militar no Brasil. [...] A falta de
gerando assim consequências impor- uma obra sistemática – como é o caso da de
tantes no sentido de limitar o debate Guillermo O’Donell para a Argentina – di-
político-intelectual ao plano econômi- ficulta uma concepção global das concepções
co e à postura reformista. globais de FHC sobre o Estado e o regime
Num texto titulado “Nós que amá- brasileiro instalado em 1964. A evolução
vamos tanto O Capital – fragmentos de suas teses, no entanto, é significativa da
para a história de uma geração”, Emir transformação ideológica operada no país e
Sader resume bem o processo que aqui particularmente nos meios de oposição.

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Fernando Correa Prado

Sader argumenta ainda que, ao ser Partido dos Trabalhadores (PT) vinha
praticamente a única referência, as teses adotando frente ao neoliberalismo. Ali
de Fernando Henrique Cardoso termi- argumenta, entre outros pontos, que
naram por assumir o papel de ideologia (1995, p. 207):
que sustentou a transição conservadora
no Brasil do regime ditatorial implan- En la respuesta del PT todo parece ‘resumir-
tado em 1964 à democracia formal que se’ en la búsqueda de un nuevo modelo de
se estabeleceria desde 1985. De acordo desarrollo, pero éste no es pensado a partir
com Sader, portanto, a transição à de- de las clases sociales (y de los intereses de
mocracia formal no Brasil teve como las mayorías) ni tampoco a partir de las
telão de fundo uma interpretação teó- condiciones impuestas por la dependencia,
rica que apresenta a aliança de classes sino por las necesidades de un gobierno que
como passo inicial e necessário ao cha- está sometido al diseño de la política eco-
mado “desenvolvimento”. Tratando de nómica necesaria para dar estabilidad a su
sua própria geração, Sader afirma ainda eventual gobierno.
que as análises de Cardoso num primei-
ro momento “não tiveram maior im- Através de uma revisão tanto dos
portância na esquerda”, sendo que tais textos políticos como dos escritos aca-
análises ganharam terreno apenas após dêmicos dos principais intelectuais
o aperto repressivo que se deu em 1968 ligados então ao PT – como Maria da
dentro da ditadura militar brasileira. Conceição Tavares, Paul Singer, Edu-
Segundo ele (Ibid., 110), “a importância ardo Suplicy, Aloísio Mercadante, Car-
de FHC veio depois da derrota insurre- los Nelson Coutinho e também Guido
cional à ditadura, através de sua teoria Mantega, entre outros –, o autor chega
da dependência, já num marco de opo- a algumas conclusões que viriam a se
sição institucional, hegemonizada pelo revelar muito acertadas no momento
grande capital em oposição ao Estado, de ascensão daquele partido à presidên-
tese à qual se subordinou a esquerda.” cia do Brasil, anotando ao menos cinco
E como foi possível mostrar, tal “subor- características fundamentais do debate
dinação” da esquerda brasileira, ao me- interno do maior partido de “esquer-
nos no plano ideológico, se manteve em da” da América Latina (Ibid., p. 214):
diferentes aspectos até a atualidade.
Essa subordinação foi lucidamente a) ocurre una creciente ‘institucionalizaci-
descrita por Nildo Ouriques em sua ón’ de la izquierda bajo el discurso de de-
tese doutoral, mencionada em nota fensa de la democracia; se olvida que en una
logo no início deste escrito. Após a verdadera democracia deberían coexistir
elaboração de uma história crítica da en conflicto los polos opuestos de la so-
teoria marxista da dependência, Ouri- ciedad burguesa: las clases populares y las
ques dedica um capítulo à avaliação dos dominantes; b) la sumisión de las reformas
caminhos táticos e estratégicos que o estructurales a la ‘necesidad de estabilizar

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História de um não-debate: a trajetória da teoria marxista da dependência no Brasil

la economía’; o sea, las primeras sólo son to mundial a partir da década de 1970,
posibles cuando la segunda ya es una reali- e a forte herança de um marxismo pura-
dad; c) el desplazamiento de la reflexión del mente acadêmico –, Ouriques (Ibid., p.
campo de la economía política y de su críti- 188) assinala também, mas sem traba-
ca hacia el ‘fácil’ terreno de la formulación lhar a fundo, o “carácter profundamen-
de la política económica; d) el abandono te antidemocrático del debate acerca
gradual de la perspectiva antiimperialista de la dependencia ocurrido en Brasil,
y revolucionaria como un objetivo del plan que permitió conocer apenas la visión
económico; e) la tecnocratización del discur- weberiana acerca de la dependencia, re-
so económico de la izquierda que cada día se presentada fundamentalmente por los
parece más al de la clase dominante. trabajos de Cardoso o la contribución
de Furtado.” Na verdade, quase sem-
Em seu trabalho Ouriques revelou a pre representada por Cardoso.
tendência – presente não apenas no PT, Foi precisamente este caráter do de-
mas também em “otras regiones tan dis- bate brasileiro sobre a dependência,
tintas de la realidad que observamos en marcado por um “pensamento único”
Brasil” – ao “regreso del desarrollismo e por uma “inércia intelectual”, que o
como fundamento teórico y político” de presente artigo buscou revelar. Neste
parte del “pensamiento de izquierda y caminho, foi possível estabelecer tam-
progresista en la región”, não obstante o bém um amplo mapeamento bibliográ-
fato de que “muchos estudios acerca de fico para as pesquisas sobre o tema, que
la dependencia afirmaban que una polí- cada vez mais crescem em quantidade
tica de reformas sin estrategia revolucio- e qualidade no Brasil. E ainda que um
naria de ruptura con el poder burgués trabalho como este seja sem dúvida in-
constituye la ‘antesala de la contrarrevo- suficiente – pois um debate que envol-
lución’” (Ibid., p. 218 e 228). ve interpretações teóricas sobre o Brasil
Ao recordar outros elementos de ex- e a América Latina e, junto a elas, lutas
plicação de tal regresso do desenvol- práticas pela transformação da realida-
vimentismo – como a eliminação de de, obviamente não será “resolvido”
muitos quadros políticos da esquerda com meros textos –, talvez contribua
revolucionária nas mãos das ditaduras, em algo para a recuperação plena do
o avanço da contra-revolução no âmbi- pensamento crítico latino-americano.

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a trajetória da teoria marxista da dependência no Brasil
Fernando Correa Prado

Resumo tura periférica e dependente. No Bra-


O debate sobre a dependência na sil, porém, essa história foi diferente.
América Latina foi imenso. Nos anos Aqui foi se construindo uma espécie
1960 e 1970, um conjunto de intelec- de “pensamento único” sobre o tema
tuais e militantes, de variada origem da dependência centrado em gran-
e filiação política, tratou do tema da de medida na perspectiva defendida
dependência, geralmente utilizando por Fernando Henrique Cardoso, de
este conceito como característica cen- tal modo que se firmou um relativo
tral de suas análises sobre as regiões desconhecimento e até mesmo defor-
periféricas, em particular sobre a re- mação das contribuições inscritas na
gião latino-americana. Esse amplo tradição marxista, dentro da qual esta-
debate ocorreu em muitos países da riam as obras de Andre Gunder Frank,
América Latina e também em outras Theotônio dos Santos, Vânia Bambir-
partes, repercutindo em diversos in- ra e Ruy Mauro Marini. Revelar como
telectuais no mundo todo, gerando isso foi produzido e reproduzido em
uma base teórica e histórica firme diversas e influentes publicações é a
para construir uma interpretação principal intenção deste artigo.
crítica do papel da América Latina
dentro do sistema mundial capitalis- Palavras-chave
ta e ainda contribuindo para pensar pensamento econômico-social brasi-
caminhos políticos de superação das leiro – teoria marxista da dependên-
contradições características da estru- cia – debate intelectual.

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Fernando Correa Prado

Abstract pendent structure. In Brazil, however, this


The debate about dependency in Latin history was quite different. Here existed a
America was immense. In the sixties and kind of “unique thought” on dependency
seventies, a group of intellectuals of varied analysis, focused largely on the approach
origin and political affiliation adopted the produced by Fernando Henrique Cardo-
issue of dependency, often using this con- so, giving place to a relatively ignorance
cept as a central element of their analysis and even deformation of the contributions
on the peripheral regions, particularly on inserted in the Marxist tradition, within
the Latin American region. This extensive were inscribed the works of Andre Gunder
debate took place in many Latin Ameri- Frank, Theotônio dos Santos, Vânia Bam-
can countries and also in other parts of the birra and Ruy Mauro Marini. Reveal how
world, reflecting in several intellectuals it was produced and presented in several
worldwide, generating a firm theoretical influential publications is the main inten-
basis and historical interpretation about tion of this paper.
the role of Latin America within the world
capitalist system, and even helping to Key words
think about ways of overcoming political Brazilian social-economic thought – Mar-
contradictions of the peripheral and de- xist dependency theory – intellectual debate.

E-mail
fernandoprado@gmail.com

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