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HISTÓRIA DA

AMÉRICA I

1
História da SOMESB
América I Sociedade Mantenedora de Educação Superior da Bahia S/C Ltda.

Presidente ♦ Gervásio Meneses de Oliveira


Vice-Presidente ♦ William Oliveira
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2
Sumário
DO POVOAMENTO ÀS CIVILIZAÇÕES PRÉ-
COLOMBIANAS: A AMERICA DOS AMERICANOS

POVOAMENTO E DIVERSIDADE DOS POVOS AMERICANOS

Teorias acerca do Povoamento da América ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 07

Evolução Pré-Histórica dos Povos Americanos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 09

Os Povos Nômades e Semi-Nômades ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 12

As Sociedades Agrícolas ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 14

Atividade Complementar ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 19

A MESO-AMÉRICA

A Civilização Maia ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 20

O Surgimento da Civilização Asteca ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 23

Cultura e Sociedade Astecas ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 24

Apogeu e Declínio da Confederação Asteca ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 26

Atividade Complementar ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 29

DAS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS À CONQUISTA


EUROPÉIA: A USURPAÇÃO DA AMÉRICA

A CIVILIZAÇÃO ANDINA

O Surgimento da Civilização Inca ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 31

Estado e Sociedade Incas ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 34

A Cultura Andina ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 37

Apogeu e Declínio do Império Inca ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 39

Atividade Complementar ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 42

3
Sumário

História da
América I O ENCONTRO E A CONQUISTA EUROPÉIA

Da Expansão Européia ao Encontro: a Questão do Outro ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 43

A Conquista Espanhola da América ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 48

Estado e Igreja no Projeto Colonizador ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 55

Rumo ao Mundo Colonial ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 62

Atividade Complementar ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 69

Atividade Orientada ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 70

Glossário ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 71

Referências Bibliográficas ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 73

4
Apresentação da Disciplina

Caro (a) aluno (a),

Olá!

Vivemos em um continente vasto e diversificado culturalmente,


com uma História rica e milenar: a América. São justamente os passos
iniciais desta história americana que trabalharemos agora.
A disciplina História da América I fora planejada para, no seu
estudo, refletir sobre os primeiros habitantes do continente americano
e suas etapas de desenvolvimento sócio-cultural até o auge desta
evolução histórica autóctone: as chamadas “altas culturas” pré-
colombianas maia, asteca e inca. Estas civilizações, que atingiram
grande sofisticação em diversos ramos das artes e ciências, foram,
no século XVI, conquistadas pelos europeus que aqui chegaram e
estranharam o encontro com povos de cultura tão diferente da sua.
Este encontro e sua conseqüência - A Colonização - marcaram a ferro
e fogo a História da América e seus efeitos ainda estão presentes em
nossos dias, sendo indispensável sua compreensão para entendermos
as raízes das sociedades americanas contemporâneas e seus
distintos processos de (sub)desenvolvimento e modos de viver.
Espero que esta disciplina, fazendo uma alusão ao período da
“descoberta”, lhe guie por este oceano de povos e culturas, e que este
“encontro” tenha o resultado oposto ao daquele período: em vez de
estranhamento, vontade de se aproximar; em lugar de incompreensão
e genocídio, o nascimento de uma nova identidade do que é ser
americano.

Boa Viagem!

Lucas de Faria Junqueira

5
História da
América I

6
DO POVOAMENTO ÀS CIVILIZAÇÕES PRÉ-
COLOMBIANAS: A AMÉRICA DOS AMERICANOS

POVOAMENTO E DIVERSIDADE DOS PVOS AMERICANOS

TEORIAS ACERCA DO POVOAMENTO DA AMÉRICA

O ponto de partida para o estudo da História da


América Pré-Colombiana (ou seja, aquela anterior à
conquista européia) passa, necessariamente, em
conhecermos o processo de povoamento do continente.
É sabido que o berço da evolução humana é o
continente africano, tendo os primeiros hominídeos lá surgido
há milhões de anos. Existem registros arqueológicos que
comprovam esta evolução, bem como a difusão (há cerca
de 1milhão de anos) da presença dos antepassados da
humanidade ao redor do Velho Mundo (formado pela Eurásia
e África), tendo o homem atingido o estágio de Homo sapiens
sapiens – como somos atualmente – por volta de 50 mil
anos atrás (PINSKY, 2003, p. 23).
Pelo contrário, não há registros
da presença de hominídeos na
América anterior ao Homo sapiens
sapiens moderno, o que invalida
qualquer teoria sobre a evolução
autóctone do homem americano. Daí
surgem duas questões básicas que
precisamos elucidar: quando e
como o homem chegou no
continente americano?
Nas últimas décadas tem
havido consenso, entre os
pesquisadores da pré-história
americana, de que os primeiros
povoadores do continente chegaram
durante a última glaciação
(terminada há 10 mil anos), vindos
pelo estreito de Bering. Entre 40.000
e 30.000 a.C., as águas retidas nas
geleiras continentais baixaram o
nível do mar 80 m, suficiente para
transformar o estreito de Bering em
istmo (CHAUNU, 1969, p. 16).

7
Formara-se na região do
estreito e das ilhas Aleutas um
subcontinente, denominado
História da “Beríngia”, por onde vieram os
América I caçadores siberianos – do ramo
étnico mongólico ou proto-mongólico
– seguindo as manadas de bisões
que atravessaram de Bering para o Alasca.
Com efeito, as Pesquisas arqueológicas
têm alcançado datações cada vez mais antigas
dos sítios arqueológicos espalhados pelo
continente americano. Algumas datações, segundo
Ciro Flamarion Cardoso, já giram em torno de
20.000 a 25.000 anos atrás (CARDOSO, 1996,
pp. 16-17). Porém, não podemos considerar
sensatamente uma homogeneidade migratória
para a América. Não fora apenas uma única
migração ou etnia que povoara tão extenso
continente.
Estão em voga, nos últimos anos, teorias
acerca de sucessivas ondas migratórias que, em
períodos e locais distintos, alcançaram as terras
americanas. A primeira onda, acima exposta, fora
pelo estreito de Bering há 40 ou 30 mil anos. Após
esta leva de caçadores siberianos, outras migrações atingiram
irregularmente o continente até a chegada dos conquistadores ibéricos: mongolóides
(também por Bering), australianos (melanésios e polinésios, navegando pelo Pacífico Sul),
bem como em épocas mais recentes, os Vikings, que colonizaram a Groenlândia entre os
séculos X-XVI d.C. Afora estas, existem ainda teorias sobre povoadores europeus e africanos
que teriam chegado a terras americanas há mais de 10.000 anos, contudo carentes de
fundamentos mais sólidos. Entretanto, aqui no Brasil (Minas Gerais) fora encontrado um
fóssil feminino com caracteres negróides. Segundo os testes realizados, esta mulher teria
vivido há cerca de 11.500 anos. O fóssil ganhou o nome de Luzia. De qualquer sorte, mais
pesquisas e achados precisam ser efetivados para que possamos defender um povoamento
africano da América, pois apenas um fóssil não caracteriza, necessariamente, uma migração
pelo Atlântico em épocas tão remotas (Luzia poderia ter integrado de algum modo uma
migração de grupos asiáticos, ou mesmo que a conclusão dos pesquisadores quanto à sua
origem esteja equivocada).
Com o desenvolvimento da navegação pelo Pacífico, as migrações podem ter se dado
com certa intensidade em períodos de instabilidades sociais (guerras) ou desastres naturais
nas ilhas polinésias. Assim como se espalhavam pelos arquipélagos de todo o Pacífico,
seria normal que alguns grupos acabassem por alcançar a América.
Deste modo, o feito da chegada de Cristóvão Colombo ao continente americano, em
1492, parece não muito grande. Entretanto, como afirmou Pierre Chaunu (CHAUNU, 1969,
p. 17), o mérito de Colombo não fora alcançar a América, e sim retornar dela...
Assim, podemos afirmar que o povoamento da América fora heterogêneo e se dera
em períodos distintos. Somente esta heterogeneidade étnica pode explicar, ao lado do
relativo isolamento dos povos americanos, a grande diversidade lingüística – cerca de duas
mil e seiscentas línguas – à época da conquista européia do Novo Mundo.
A grande antiguidade do povoamento da América coloca novas questões acerca do
estágio cultural de desenvolvimento dos povoadores e primeiros americanos, das quais
trataremos agora.
8
EVOLUÇÃO PRÉ-HISTÓRICA DOS POVOS AMERICANOS

A rigor, boa parte da história dos povos pré-colombianos pode ser descrita como
“pré-história”, dado que o critério para a entrada na era “histórica” é o surgimento da escrita,
processo relativamente tardio na América e que teve pouca difusão até a conquista ibérica
(os Incas, por exemplo, não chegaram a conhecer a escrita). Entretanto, por ora nos
ocuparemos em estudar a evolução tecno-cultural dos povos do continente e sua
diversificação ao longo do tempo-espaço americano até o desenvolvimento da agricultura.
Primeiramente, temos que perguntar: a qual etapa “pré-histórica” pertenciam os primeiros
migrantes e, posteriormente, seus descendentes, já americanos?
A maioria dos pesquisadores concorda que os primeiros habitantes da América
pertenceram ao período Paleolítico, ou seja, tinham uma cultura material rudimentar, baseada
na pedra toscamente lascada:

“O homem penetrou na América vivendo à base de plantas e animais


selvagens. A princípio, os primitivos habitantes possuíam toscos
instrumentos de pedra lascada. Há cerca de dez mil anos [...] nota-se a
presença no continente americano dos chamados paleoíndios, nômades,
caçadores de grandes animais, que possuíam artefatos de pedra lascada
mais aperfeiçoados, como o propulsor de dardos e pontas de lança
habilmente lascadas.” (AQUINO, 2000, pp. 38-9)

Efetivamente, a evolução
cultural dos povos americanos
passara pelas etapas “clássicas” da
pré-história, como no Velho Mundo
(desde pelo menos o Paleolítico
Superior), porém não concomitante e
em ritmo diferenciado em relação à
evolução observada neste. Houve
relativo atraso na América quanto às
mudanças tecnológicas. O quadro ao
lado faz a comparação cronológica
entre as etapas pré-históricas no
Velho Mundo e na América.

9
Já no período do Paleolítico
Superior americano (entre 11.000 e 7.000
a. C.), a tecnologia lítica (em pedra) fora
História da se aperfeiçoando e se diversificando entre
América I os distintos grupos humanos, aliada a um
processo de gradual especialização dos
modos de subsistência. A maior parte
deste desenvolvimento se deu
independentemente da influência do Velho
Mundo, principalmente quanto aos aperfeiçoamentos menos remotos. As
representações de pontas líticas ao lado ilustram a especialização alcançada
no período.
Note-se que a diferença entre as pontas
comprova a alta especialização dos grupos
paleoíndios, dedicados cada qual a atividades
que iam da pesca à caça de grandes animais.
Esta especialização se deu em meio a
mudanças climáticas no continente, que
contribuíram para diversificar os modos de
vida na América.

Entre oito e seis mil a.C. completou-se o recuo das geleiras para os pólos e iniciara-
se uma fase quente e seca, que modificara definitivamente o meio-ambiente americano.
Em muitas áreas ocorrera a extinção dos grandes mamíferos (como os mamutes, hoje
somente encontrados nos museus de História Natural), impondo meios de subsistência
diversos da caça especializada, como a pesca de mariscos, coleta (especializada ou não)
de vegetais e animais, etc.
Nesta época, em certas regiões, florestas substituíram os campos abertos, enquanto
em outras ocorrera um processo de desertificação, contribuindo para a maior especialização
e regionalização cultural dos grupos humanos. Temos como exemplo da influência do meio
sobre a evolução e diferenciação cultural dos grupos, o particular modo de vida dos esquimós
do extremo norte do continente, baseado principalmente na caça especializada dos
mamíferos marinhos (focas e leões-marinhos). O período do Mesolítico americano (iniciado
em algumas partes entre 8.000 e 7.000 a.C.), resultado das transformações ambientais e
da evolução tecno-cultural dos diversos grupos americanos, assistiu à continuidade da
especialização e regionalização das técnicas líticas, agora ainda mais aperfeiçoadas
(microlitos).
Os modos de subsistência, adaptando-se às mudanças do meio ambiente, alcançaram
alto grau de especialização, a ponto de podermos proceder a uma classificação destes:
nas áreas de florestas, a caça e coleta vegetal predominavam; no litoral, a coleta de moluscos
(abundantes após a elevação do nível dos mares em direção às plataformas continentais),
pela sua regularidade, permitiu, inclusive, a sedentarização de determinadas populações,
tendo os sambaquis – restos arqueológicos de conchas e demais alimentos, formando
pequenos montes, encontrados nos litorais do Pacífico e do
Atlântico – como testemunhas deste processo; a caça
especializada de grandes mamíferos continuou predominante
principalmente em regiões de planaltos da América do Norte;
coexistiram também distintas especializações de caça e pesca
marinha e fluviail, como as dos esquimós (AQUINO, 2000, pp.
40-41; CARDOSO, 1996, pp. 28-30).

10
Em um processo lento e gradual, iniciara-se em algumas regiões a domesticação
rudimentar de vegetais (derivada da coleta especializada dos mesmos), dando origem aos
primórdios da agricultura na América – e a entrada na era do Neolítico. Este processo de
transição da coleta para a agricultura incipiente, iniciado no continente entre 7.000 e 4.000
a.C., possibilitara a prática do modo de vida sedentário que sustentava populações maiores
do que as praticantes de formas pré-agrícolas de subsistência.
A sedentarização que a Revolução Neolítica proporcionou trouxe como complemento
a maior complexidade na organização social em relação aos grupos pré-agrícolas. Porém,
o que nos interessa agora é perceber os antecedentes do processo. Até o momento, nos
furtamos em tratar da organização sócio-econômica dos grupos primitivos americanos, o
que faremos agora, resumidamente.

Revolução Neolítica: sua concepção está ligada principalmente


ao surgimento da agricultura, porém engloba também um conjunto de
invenções – como polimento da pedra, cerâmica, tecelagem – que
transformaram lentamente o modo de vida dos povos.

Organização social dos povos pré-agrícolas


Os pioneiros povoadores e habitantes da América pertenciam a pequenos grupos
nômades, onde o parentesco era a base social comunitária. Denominamos esta forma
organizativa de bando. Em termos sociológicos, cada bando “é sobretudo uma associação
residencial de famílias nucleares ou restritas, segundo um sistema exogâmico e virilocal
(os homens de um bando devem buscar esposas em outros bandos, e estas vêm residir no
bando dos maridos)” (CARDOSO, 1996, p. 31).
A baixa produtividade das técnicas primitivas impossibilitava a subsistência de
grandes populações em um mesmo território, sendo os bandos formados por poucas
dezenas de pessoas. Tinham como fundamentos econômicos a divisão do trabalho por
sexo – homens caçavam coletivamente, mulheres coletavam vegetais e pequenos animais
individualmente –, bem como o direito de uso comunitário do território e seus recursos.
A cultura material dos bandos era restringida pelo nomadismo, sendo bastante
rudimentar. Não havia estratificação social, tendo apenas idade e sexo como elementos
diferenciadores. O “poder” advinha do prestígio pessoal, circunscrito ao bando, não existindo
consequentemente linhagens hereditárias. Diversos bandos, espalhados por um território
alargado, mantinham relações entre si, integrando uma “tribo dialetal”, sem, contudo haver
controle político institucionalizado entre eles.

Organização social dos povos agrícolas pré-urbanos


Foram justamente o progresso técnico-cultural (domesticação de plantas e animais)
e a conseqüente elevação da produtividade que permitiram a sedentarização e uma
organização sócio-econômica mais complexa, caracterizada pelo aparecimento de
especializações funcionais (principalmente religiosas ou guerreiras). Neste estágio os
núcleos populacionais cresceram para algumas centenas, formando tribos (ou aldeias) com
centenas de pessoas diretamente relacionadas em termos produtivos, sendo coletivo o
direito ao usufruto dos recursos. O parentesco continua tendo papel central nas relações
sociais, porém indo já na direção da constituição de famílias alargadas – ou clãs – que
apresentavam linhagens, ainda não hierarquizadas entre si. O prestígio (ou poder), oriundo

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de funções exercidas, é legitimado pelo culto aos antepassados, sendo os
“mais velhos” os detentores do saber necessário à reprodução do grupo.
A passagem do estágio de tribo/aldeia para o de chefia fora
História da caracterizado pelo surgimento de hierarquia entre as linhagens. Esta
América I hierarquização levou, aqui e ali, a um gradual processo de criação de
instituições políticas, com a hereditariedade do cargo de chefe numa única
linhagem. A partir de então, existiram tendências à criação de uma corte, maior
especialização do trabalho (como categorias de artesãos) e primórdios de estratificação
social, porém não em classes (era ainda o parentesco a base social). As chefias poderiam
conter diversas tribos, formando às vezes confederações, onde o poder era escalonado do
chefe central aos chefes menores de cada aldeia.

Primeiras formas de organização social dos povos americanos:


Bandos: Pequenos grupos nômades, ausência de agricultura e
especialização do trabalho.
Tribos: Grupos maiores (sedentarizados ou semi-sedentarizados),
praticantes da agricultura, maior produtividade, inícios da especialização
funcional, surgimento das linhagens.
Chefias: População alargada, plenamente sedentarizada início da
hierarquia de linhagens e do processo de estratificação social, surgimento
de instituições políticas, que dariam origem à formação de Estados na
etapa urbana.

As formas de organização tratadas até aqui não foram experimentadas igualmente


pelos diversos povos do continente americano. Havia mescla de modos de vida e
heterogeneidade sócio-cultural entre grupos de regiões diferentes. A generalização embutida
nestes modelos serve muito mais para demonstrar semelhanças do que apontar diferenças,
bem como descrever, em lugar de explicar.
Lembramos, ainda, que a existência de uma classificação das formas sociais
primitivas não deve levar-nos a um pensamento evolucionista linear. Por mais que os povos
agrícolas, até a constituição de sociedades estratificadas, tenham passado – em algum
sentido – pelos estágios acima descritos, os diferentes modos de vida coexistiram na
América, não somente até a chegada dos conquistadores europeus. Ainda hoje certos povos
(poucos é verdade) preservam seus estilos de vida nômade ou semi-nômade, abaixo
estudados.
OS POVOS NÔMADES E SEMI-NÔMADES
O modo de vida nômade é o mais primitivo dos meios de associação comunitária
conhecido. O povoamento da América fora iniciado por grupos nômades, sendo que mesmo
após a Revolução Neolítica e a chegada dos europeus no continente eles eram encontrados.
Seu nomadismo representava uma adaptação a ambientes difíceis de sobreviver,
como os desertos do norte do atual México, onde a agricultura não prosperava. A subsistência
advinha da caça e coleta, que poderiam ser especializadas ou não. Tanto sua cultura material,
como organização social, eram, geralmente, as características dos bandos: rudimentares e
relativamente simples.
Pela baixa densidade de suas populações, ficavam os nômades em situação de
desvantagem em relação aos semi-sedentários ou já sedentários, perdendo desta forma
territórios e podendo cair em escravidão por guerras. Entretanto, especialmente na Meso-

12
América, povos guerreiros nômades vindos do norte (conhecidos como chichimecas)
invadiram e conquistaram aldeias e cidades, mesclando-se aos povos conquistados e
absorvendo sua cultura sedentária.
À época da conquista, no final do século XV e inícios do XVI, os povos que
permaneciam nômades habitavam somente regiões (marginais) livres da influência direta
das “altas culturas” pré-colombianas. Podemos citar como exemplos de povos nômades os
chichimecas, habitantes dos desertos mexicanos; os povos pampas, no território da atual
Argentina; os nativos das planícies do centro dos atuais Estados Unidos da América, que
se deslocavam seguindo as manadas de bisões; e parte dos grupos esquimós.
Os povos semi-nômades (ou semi-sedentários, se preferir), eram mais numerosos
que os totalmente nômades, e estavam em um estágio de organização social mais complexo
e diversificado. Viviam em comunidades maiores, formando tribos ou aldeias, tendo as
características sócio-culturais destas, descritas anteriormente. Praticavam a agricultura
rudimentar, principalmente por meio da coivara, disseminada também pelos nativos
brasileiros, como os povos Tupi. Este começo da agricultura fora marcado pela
transumância e complementaridade em relação à subsistência advinda da caça e coleta.
Assim como o ocorrido com o nomadismo, o semi-sedentarismo representava uma
bem sucedida estratégia de adaptação ao ambiente habitado – geralmente de florestas
tropicais – fraco em termos de produtividade agrícola (CHASTEEN, 2001, p. 28). Num
contexto de abundância de terras, era mais fácil se mudar periodicamente – quando os
solos perdessem produtividade – para novas terras, do que insistir em permanecer nas de
solos desgastados. Neste sistema agrícola, a caça, pesca e coleta vegetal também se
beneficiavam com a mudança de territórios. A cerâmica esteve presente em parte destes
povos semi-sedentários, porém só se desenvolveu plenamente com o sedentarismo.
Abaixo temos um mapa identificando as densidades demográficas e os povos que
habitavam a América à época de chegada de Colombo. As áreas em branco e algumas
“pouco manchadas” representam os povos nômades e semi-nômades.

Os povos nômades e semi-


nômades tenderam, ao longo do último
milênio, a sofrerem cada vez maior
influência dos povos sedentários, sendo
absorvidos (ou absorvendo, como nos
casos de Toltecas, Mistecas e Mexicas)
por estes, através de guerras e
escravização ou por assimilação do
modo de vida agrícola sedentário. Neste
sentido, o processo de colonização
européia fora o ápice (certo que trágico
e mortificante) de uma história anterior
de sobrepujamento sócio-cultural
destas formas de vida comunitárias
primitivas. Não obstante, temos que ter
em conta que o impacto da conquista e
da colonização européia fora
particularmente drástico entre os povos
não sedentários, pela incompatibilidade
maior entre seu modo de vida e o
empreendido pelos colonizadores na
América.

13
AS SOCIEDADES AGRÍCOLAS
A Revolução Neolítica na América iniciara-se com atraso em relação ao
História da Velho Mundo. Acredita-se que a primeira atividade agrícola tenha ocorrido há
América I cerca de 10 mil anos, na região de Jericó, próximo do Mar Morto (PINSKY,
2003, p. 45). Para a América, a transição da caça e coleta para a agricultura
começara entre 7.000 e 4.000 a.C., primeiramente na Meso-América, depois
na Zona Andina.
Há controvérsias em torno da invenção independente da agricultura na América, e pela
multiplicidade ou não dos focos no continente. Tratam-se de questões ainda não totalmente
resolvidas. Em geral, a opinião de que houve um desenvolvimento autóctone da agricultura no
continente americano prevalece atualmente. Alguns problemas resultam desta proposição,
principalmente a respeito da “origem botânica de certas plantas e à prioridade geográfica de
sua domesticação” (CARDOSO, 1996, p. 36). Por exemplo, a primeira planta
comprovadamente domesticada na América – a cabaça (Lagenaria siceraria) – não tinha (ou
ainda não se descobriu) antecedentes no continente. Ademais, era cultivada, por volta de
7.000 a.C., tanto na Meso-América como no Sudeste Asiático. Outras plantas como o algodão,
que parece ter sofrido hibridação entre espécies americanas e do Velho Mundo, bem como o
amendoim – típico da América, mas encontrado em sítios neolíticos chineses – apontam para
certa conexão entre o desenvolvimento agrícola entre as duas margens do Pacífico.
As primeiras espécies vegetais domesticadas na América – na região meso-americana
, além da cabaça, algodão e amendoim, foram: o abacate, a abóbora, o feijão, a pimenta, o
cacau e o milho (AQUINO, 2000, p. 41; CARDOSO, 1996, p. 37). Além dos vegetais, na
Meso-América foram domesticados uma espécie comestível de cão e o peru. Posteriormente,
tivemos na Zona Andina (na costa pacífica), em cerca de 5.000 a.C., a domesticação da
batata, da quinoa, e do feijão, assim como do lhama o mais importante animal dos Andes.
Além destes, dos principais focos de surgimento da agricultura, em data e região específicas
não determinadas domesticara-se a mandioca na América do Sul, base alimentar dos povos
semi-sedentários que habitavam o
território do atual Brasil. As influências
e permutas entre os núcleos agrícolas
ainda são pouco conhecidas e
comprovadas.
Dentre as espécies vegetais
domesticadas, três delas se
destacaram, cada qual em uma região,
a ponto de podermos distinguir
“complexos agrícolas” baseados nelas:
na Meso-América, temos o milho como
alimento preponderante; nos Andes, a
batata exercera papel fundamental na
alimentação (sendo diversas as
espécies cultivadas); na América ao
leste das Cordilheiras a mandioca
prevalecia como principal gênero
plantado pelos indígenas. Perceba as
áreas contidas nos “complexos” e a
difusão destes pelo continente.

14
Devemos notar que, na América, a domesticação de plantas fora muito mais rica do
que a de animais, pela ausência de grandes mamíferos na fauna holocena do continente,
contribuindo mais decisivamente para a sedentarização e economia dos povos pré-
colombianos.
Durante milênios, desde os primórdios da domesticação das plantas, fora se
concretizando a “Revolução Neolítica”, que engloba, além do desenvolvimento da agricultura,
a gradual sedentarização, maior especialização do trabalho e, num estágio avançado,
instituições políticas estatais e urbanização. Como dito, fora lento este processo,
contradizendo o sentido que poderia ter a expressão “Revolução Neolítica”, indicando rápidas
transformações no modo de vida dos povos que a experimentaram. Inicialmente o cultivo
incipiente e rudimentar (poderíamos dizer, experimental) complementava a subsistência.
Somente de forma gradual o percentual alimentar advindo da agricultura ultrapassou a coleta
e caça na dieta dos povos, não sendo um processo automático. O que não invalida o
caráter revolucionário da agricultura.
Durante todo o período anterior à descoberta da agricultura, o homem ficou à mercê
da natureza, tendo um papel “passivo” em relação a ela. A partir do momento em que
começou a cultivar vegetais e domesticar animais, passou a obrar ativamente na produção
de seu sustento, não mais dependendo de uma natureza provedora (ou seja, da
disponibilidade no meio ambiente de animais caçáveis e plantas para coleta). Este processo
fora revolucionário na medida em que libertara a humanidade da dependência em relação
ao meio natural, podendo crescer demograficamente a partir do desenvolvimento de seu
trabalho produtivo (neste sentido, a Revolução Industrial, milênios depois, representará nova
etapa de dominação pelo homem do meio natural). Claro está que ainda hoje esta “liberdade”
do homem em relação ao meio ambiente é relativa, na medida em que dependemos de
fatores climáticos para uma boa colheita (secas ou enchentes continuam a destruir plantações
mundo afora).
A plena sedentarização, advinda do desenvolvimento agrícola, fora o ápice do
processo de diferenciação cultural dos povos pré-colombianos. Enquanto alguns
permaneciam nômades, com formações sociais muito rudimentares, a partir de 2.000 a.C.
quando a agricultura estava consolidada como modo de vida na Meso-América –, tribos
cada vez maiores apresentavam crescentes divisões sociais e do trabalho, bem como
primórdios de urbanização.
O crescimento das forças produtivas permitiu não só o aumento populacional como
também excedentes de produção. Estes excedentes, quando apropriados via tributo em
nome da coletividade por um chefe, permitiram que este os canalizasse para a manutenção
de homens que trabalhavam na construção de templos ou obras relacionadas com a
agricultura (irrigação). Como exemplo deste estágio transitório para a configuração do Estado
e de uma sociedade estratificada em classes, temos a descrição de Ciro Flamarion Cardoso
da cultura chibcha (território da atual Colômbia) quando da conquista espanhola:

“Eram politicamente uma confederação tribal com dois chefes


supremos [de caráter político sacerdotal], o Zipa de Bogotá e o Zaque de
Tunja. Havia chefes menores, constantemente em guerra uns com os outros.
[...] A agricultura, o artesanato e o comércio apresentavam desenvolvimento
considerável. Havia feiras nos povoados. [...] Os grupos sacerdotal e
mercantil eram bem diferenciados.” (CARDOSO, 1996, p. 46)

15
Fica claro que a chefia (ou e foram fundamentais para a produção do
governo) esteve intimamente excedente apropriado pelos dirigentes.
ligada com a função religiosa. A Porém o esquema “hidráulico” se aplica
História da partir do momento em que os muito mais apropriadamente na constituição
América I chefes político-sacerdotais das cidades-Estados da Mesopotâmia do
requisitaram o trabalho coletivo que em relação à Meso-América.
para a construção dos templos, Por volta de 1200 a.C. surgira o que
e tributos para a manutenção dos mesmos, se considera como a primeira “civilização”
abriu-se espaço para uma definitiva divisão do americana: a dos Olmecas, na região do
trabalho. Enquanto a maioria trabalhava nestas Golfo do México. No período entre 1200 e
obras, uma pequena parcela da população 900 a.C. emergiram os primeiros centros
(pertencente à linhagem senhorial ou nobreza cerimoniais olmecas, como San Lorenzo e
a ela ligada) dirigia o andamento das La Venta (GENDROP, 1998, p. 15). Não
construções, administrava os templos e se constituíam ainda cidades propriamente
apropriava da renda dos tributos. Parte desta ditas, porém já possuíam organização social
renda era utilizada para pagamento de hierarquizada, ao nível de chefias e
artesãos especializados e confederações tribais, tendo
funcionários empenhados em como líderes os integrantes
diversas funções. Estava da classe sacerdotal.
consolidando-se o No período
complexo templo-palácio: olmeca se consolidara
sumo-sacerdote e monarca parte importante da
encarnados num só corpo. tradição cultural meso-americana,
Ademais, a religião sendo considerada a “cultura
proporcionava legitimidade aos mãe” da região: aparecem a
reis, posto que era em prol dela escrita hieroglífica e o
que solicitavam o trabalho dos calendário (astronomia), o culto
súditos, além de em muitos ao jaguar, a arquitetura
casos governarem por piramidal dos templos, o
“vontade divina” (ou jogo ritual com bolas de
encarnarem eles mesmo as borracha, etc. Cultivavam, já
divindades, à moda dos faraós com obras hidráulicas, o
egípcios ou imperadores incas). milho, feijão e abóbora. Em
O complexo templo-palácio termos religiosos, fora
(por mais que seja uma ultrapassado o estágio simples
generalização esquemática) do xamanismo e do culto aos
pareceu ser uma pré-condição para antepassados, surgindo
o surgimento das cidades. É divindades (como o “homem
bastante ilustrativo, neste sentido, jaguar”) que terão longa
o fato de que a primeira cidade da influência na religiosidade pré-
Meso-América, Teotihuacán, ter sido colombiana.
um centro cerimonial de destaque, assim como A cultura olmeca se difundira por
muitas outras cidades da região, como por extensa área na Meso-América, seguindo
exemplo, as maias. Daí denominarmos de o rastro dos comerciantes que buscavam a
teocracia a primeira forma estatal de governo. grandes distâncias materiais como o jade.
As obras para aperfeiçoamento da Outras culturas contemporâneas (e
agricultura (canais de irrigação, diques, posteriores) se desenvolveram sob graus
represas, etc.) certamente exigiram um elevado variados de influência olmeca (como a
grau de organização (sob comando do chefe), zapoteca, de Monte Albán, ou a maia).

16
O início da era cristã (I milênio d.C.) marca o final da preponderância olmeca e a
entrada na “era clássica” das civilizações meso-americanas, com a crescente hierarquização
social, desenvolvimento agrícola e urbanístico e florescimento das cidades-Estado
teocráticas.
Teotihuacán (localizada num vale do Planalto Central mexicano), considerada como
primeira cidade do continente americano, representou um passo além dentro de um processo
milenar de desenvolvimento da civilização na América. Constituída urbanisticamente por
volta de 100 d.C., a partir de quatro aldeias, fora verdadeira metrópole teocrática – a “Cidade
dos Deuses” –, atingindo em seu apogeu (séculos V a VII) 85.000 habitantes, além de irradiar
sua influência até a (atual) Guatemala (CARDOSO, 1996, p. 65; SOUSTELLE, 1997, p. 10).
Durante séculos Teotihuacán fora verdadeira capital religiosa e centro de peregrinação,
tendo como principais templos, as pirâmides do Sol e da Lua, com 63 e 43m de altura,
respectivamente. Seus comerciantes detinham o controle do comércio e transformação da
obsidiana (espécie de pedra), matéria-prima de suma importância na Meso-América, dada
a ausência de uma metalurgia empregada na fabricação de instrumentos agrícolas e armas
– neste sentido, segundo Paul Gendrop, podemos considerar que a tecnologia meso-
americana jamais ultrapassou o estágio equivalente ao “Neolítico” (GENDROP, 1998, p.
16).

Aproximadamente em 750 d.C., Teotihuacán fora destruída e incendiada, sem que


tenhamos dados que confirmem as hipóteses levantadas para sua derrocada (revoltas
camponesas ou ataque externo). Outras culturas se desenvolveram por esta época, como a
zapoteca de Monte Albán (abandonada em 950, após a invasão dos mistecas) e a totonaca
(que conheceu seu apogeu entre os séculos VII e X), que receberam influência de Teothuacán.
Antes de tratarmos das “altas culturas” da Meso-América (maia e asteca), vamos
fixar o que vimos até aqui com a atividade complementar.

Texto Complementar

O Continente Meridiano

“Entre p 71º grau norte e o 56º grau sul, em mais de 15.000 km de NNO ao SSE, a
América, este duplo continente meridiano, fracamente inclinado em relação a uma
verticalidade perfeita, forma, de uma a outra bacia polar, um anteparo entre dois oceanos –
o Atlântico prolongado pelo Índico, de uma parte, o oceano Pacífico, da outra. [...]
Porque é uma barreira – desesperante ao longo de 30.000 km de costas atlânticas,
com sinuosidades sem fim desenrolando-se a atravessar o caminho ideal que leva da Europa

17
à Ásia – é que a América foi achada, explorada e grosseiramente apanhada
nas malhas da Europa no decurso dos três primiros decênios do século XVI,
em ritmo insensato, jamais igualado. Este obstáculo, na verdade, é responsável
História da pela conquista, entendida como uma modalidade particular de ocupação do
América I solo. A América deixou desde a muito de ser uma barreira, mas não deixou de
conservar a marca desta conseqüência, em certo momento essencial, do seu
radical meridianismo.
O alongamento no sentido dos meridianos – a América nunca tem mais de 4.000 a
5.000 km de largura na latitude do Amazonas ou na fronteira dos Estados Unidos-Canadá –
soma, ainda, seus efeitos às distâncias americanas. [...] As mudanças de clima e de
vegetação somam os seus efeitos às distâncias. Em parte nenhuma são mais rápidas do
que nos 2.200 km em vôo, que separam o sul polar do Lavrador, do norte tropical da Flórida
neste incrível gargalo das isotérmicas que é a frente atlântica da grande república americana.
Esta estrutura meridiana explica, sem dúvida, que tenha havido, não duas Américas
como o afirmam os geógrafos, mas três continentes: uma América tropical, e de um e do
outro lado uma América do norte e uma América do sul. Três mundos que, até o meado do
século XIX, até a revolução dos transportes marítimos, quase se ignoram. Compreende-se
que essas Américas tivessem evoluções independentes, que comunicassem entre si durante
muito tempo através da Europa. Para uma navegação submetida ao regime dos ventos, o
caminho mais curto entre Boston e Buenos Aires passa tão logicamente pela Europa quanto
a escala do Brasil se recomenda no antigo caminho marítimo de Lisboa à Índia pelo Cabo.
Considerando-se este estado de coisas, muitas anomalias dos pactos coloniais perdem a
sua nocividade. [...]
O alongamento da América contribui, ainda hoje, para esculpir dois traços estruturais
marcantes: vocação para a vida atlântica e dificuldade em se realizar como um todo.
O meio geográfico é tanto mais constrangente quanto mais se remota no tempo. O
meridianismo da América influiu de maneira decisiva no passado pré-colombiano. Conjugado
com a sua imensidão, contribuiu para a compartimentação e para o isolamento das civilização
que aí se sucederam.”
CHAUNU, Pierre. A América e as Américas. Lisboa – Rio de Janeiro: Edições
Cosmos, 1969, pp. 13-15.

CARDOSO, Ciro Flamarion S. América pré-colombiana. São Paulo: Brasiliense, 1996.

18
Atividades
Complementares
1. Identifique e descreva as teorias que tratam do povoamento da América, bem
como as fases “pré-históricas” americanas.

2. Relacione as formas de organização social com os estágios de desenvolvimento


tecno-cultural até a sedentarização dos grupos americanos.

3. Disserte sobre o processo que levaria da sedentarização até o surgimento do


Estado teocrático e da urbanização na Meso-América.

19
A MESO-AMÉRICA
História da
América I A CIVILIZAÇÃO MAIA
Durante o longo
processo de configuração da
zona que atribuímos como
sendo de cultura maia, o
desenvolvimento deste povo
teve contornos semelhantes e -
em diversos períodos sob
influência decisiva – daqueles
vislumbrados anteriormente,
como dos Olmecas ou de
Teotihuacán. Para facilitar a
compreensão das fases
históricas e suas localizações
no espaço regional maia,
apresentamos o mapa ao lado.
Os pesquisadores da civilização maia dividem sua história basicamente em três
fases: pré-clássica (1.800 a.C.- 200 d.C.), clássica (entre os séculos II e X) e pós-clássica
(séculos X a XVI). Note-se que o critério para considerar o segundo período como “clássico”
não se dá somente pelo “esplendor” alcançado, e sim pela difusão de uma cultura própria
maia na época.
Assim como ocorria nas regiões mexicanas por volta de 1500 a.C., nas Terras Altas
(zona meridional guatemalteca) aldeias agrícolas se cristalizavam, tendo como cultivo
principal o milho. Possuíam uma cerâmica sofisticada e sinais de estratificação social.
Acredita-se que os povoadores do território maia provinham do oeste dos Estados Unidos
(GENDROP, 1998, p. 23).
Séculos depois, este processo de sedentarização levara ao surgimento de centros
cerimoniais na área maia meridional (600 a.C. a 150 a.C.), sendo que dois grandes centros
se destacam: Izapa e Kaminaljuyú. A partir de então a sedentarização se disseminou pelas
Terras Baixas (zona central maia), formando novos centros que marcaram a fase pré-clássica
da cultura maia. Entretanto, não se pode falar ainda em uma cultura maia propriamente dita,
sendo notável a influência da cultura olmeca, por exemplo.
Fora em Tikal, por volta de 200 a.C., onde se iniciara um cerimonialismo monumental,
que se desenrolara ininterruptamente durante mais de um milênio, fazendo deste sítio a
maior cidade do mundo clássico maia. Entretanto, o caráter urbano deste e de outros centros
cerimoniais é contestado por parte dos estudiosos. Segundo estes, os centros cerimoniais
serviriam a numerosas aldeias circundantes, sem que houvesse grande aglomeração urbana.
Assim, apenas quando da ocorrência dos cultos é que os centros recebiam a massa
camponesa, que após as celebrações e comercialização nos mercados retornariam às
suas aldeias, permanecendo como residentes apenas a classe sacerdotal e seus
funcionários, responsáveis pela manutenção dos complexos monumentais. Uma explicação
para a falta de grandes aglomerações que caracterizariam centros urbanos poderia ser a
baixa produtividade agrícola (onde se utilizava largamente a coivara, nos moldes dos
indígenas brasileiros), em solos pobres da floresta tropical que domina o ambiente na
América Central. De qualquer sorte, indubitavelmente em período posterior fica evidente a

20
formação de cidades para além dos complexos cerimoniais,
tendo então influência do urbanismo mexicano.
Sendo ou não cidades, os centros religiosos se
expandiram, tendo como topo da estrutura social os
sumo-sacerdotes – halach-uinic –, que detinham um
poder, às vezes rotativo, distribuindo os altos cargos
entre uma nobreza hereditária, sacerdotal, comercial
e militar. Abaixo destes havia os guerreiros, artesãos
e demais funcionários, que por sua vez estavam
hierarquicamente acima dos camponeses (base do
sistema, que sustentava a grandiosidade religiosa) e
do “povo miúdo”, ocupado em funções não
especializadas. Restavam ainda os escravos,
obtidos como prisioneiros de guerra (GENDROP,
1998, p. 44).
A terra era cultivada coletivamente ao nível das
aldeias, que pagam, enquanto comunidade, os tributos
para a manutenção dos centros. Estes eram unidades
políticas independentes (não formavam confederações),
apenas tendo os grandes centros certa influência sobre os menores que os
circundavam. As trocas culturais (difusão de estilos) se davam entre os centros, seguindo
as rotas comerciais. Neste sentido, temos como produtos de destaque comercial a
obsidiana, o jade, as plumas dos pássaros tropicais (admiradas pela nobreza como
ornamento), a manufatura de tecidos, cerâmica policromada e o cacau – artigo de luxo que
servia como moeda de troca corrente.
Em termos culturais, percebe-se que a religião dominava todas as esferas da vida.
Influenciada pelas tradições olmeca e de Teotihuacán, comprovadas no culto ao deus jaguar,
temos um grande panteão divino, sendo que cada deus era cultuado em determinados
cerimoniais. Destaca-se enquanto divindade dominante o deus do fogo – Itzamna. Outros
deuses como Chac – deus da chuva – e o deus do milho eram também importantes. Entre
os Maias a astronomia (que tinha um sentido místico) se desenvolveu consideravelmente,
possibilitando a confecção de dois calendários notáveis, sendo um de caráter religioso e
outro civil/administrativo (servindo para precisar as épocas do plantio e colheita do milho,
bem como para datação de reinados). Ambos os calendários se encontravam a cada ciclo
de 52 anos, demonstrando a visão cíclica de mundo. A matemática também se desenvolveu
concomitantemente com a astronomia (e a administração), sendo os Maias um dos primeiros
povos a ter concebido o “zero” (ausência de valor).
A arquitetura era essencialmente religiosa, destacando-se a pirâmide como
construção preponderante. Enormes blocos de rocha eram transportados por um sistema
de rolagem sobre toras, pois os Maias, assim como os demais povos pré-colombianos,
desconheciam a roda (talvez pela falta de grandes animais de tração, mesmo motivo para
a não utilização de arados).

“No conjunto, a arquitetura maia preocupava-se mais em distribuir


grandes massas em espaços descobertos, desprezando o interior dos
edifícios: os templos que coroavam as pirâmides eram pequenos, escuros,
com cobertura de madeira ou em falsa abóbada” (CARDOSO, 1996, p. 70).

21
O objetivo simbólico da arquitetura religiosa era
o de dissolver a individualidade dos fiéis em meio à
massa dos espectadores, frente à monumentalidade
História da dos templos. Fazê-los sentirem-se pequenos diante
América I de algo maior: a coletividade dominada pelo poder
das divindades. Os grandes espaços das praças,
característicos dos centros cerimoniais, também
eram palcos do tiangui – ou mercado a céu aberto – e dos jogos
ritualísticos com a bola de borracha.
Quanto à escultura, destacam-se os relevos dos
templos e principalmente as estelas (rochas monolíticas),
onde gravavam-se as cenas dinásticas, religiosas,
guerreiras, etc., e as datas e dizeres da escrita hieroglífica,
só parcialmente decifrada. Nas artes, a cerâmica também
tinha papel de destaque, sendo no período clássico de
alto nível, principalmente a relativa à religião.

Por volta do século X, a área civilização clássica da região central


maia, onde despontavam como centros preponderantes Tikal, Palenque e
Copan – o “triângulo maia clássico” – fora gradualmente abandonada.
Não se conhece bem as causas deste declínio, porém acredita-se que
fora devido ao esgotamento dos pobres solos (pressionados pela
demografia), provocando emigrações rumo à região setentrional
(península de Yucatán), ou por conta de revoltas camponesas contra o
sistema tributário.
A zona cultural maia, contudo, não desaparecerá, sendo deslocado
o eixo de influência para centros periféricos, que não mais demonstrariam
o esplendor dos tempos clássicos. A partir de então sofrera crescente
influência dos novos rumos da região mexicana, militarizada pelas
invasões de povos guerreiros nômades do norte e pelas constantes
guerras entre as cidades-Estado. A mexicanização cultural dos Maias
pode ser percebida pela transferência do poder da classe sacerdortal
para a militar, inclusive com cidades agora sendo circundadas por
muralhas, antes inexistentes. Os sacrifícios humanos também se
tornariam maciços, nos moldes toltecas (e depois astecas), que
dominaram centros importantes como Chichén Itzá. Foi neste estado
das coisas que os espanhóis encontraram a região à época da
conquista.

22
O SURGIMENTO DA CIVILIZAÇÃO ASTECA
Assim como as civilizações anteriores, os Astecas (povo mexica) herdaram o acúmulo
das tradições culturais dos povos meso-americanos. Fizeram parte de um processo
civilizatório milenar, representando uma síntese cultural do cadinho formado por todas as
contribuições das civilizações da região.
Vimos como por volta do século X o mundo clássico da Meso-América entrara em
um período de instabilidade, iniciado pelas quedas de Teotihuacán e Monte Albán, seguidas
do declínio maia. Dois povos vindos da zona setentrional assumiram posição de destaque
no contexto de migrações e guerras do período: Toltecas e Mistecas.
Abrira-se uma nova fase da civilização meso-americana, marcada pela mescla entre
traços guerreiros dos povos nômades chichimecas (Toltecas, Mistecas e posteriormente
Mexicas), com novas concepções religiosas, e as tradições urbanas e religiosas já existentes
na região. Ocorreram transformações urbanísticas (maior difusão e acentuação do
urbanismo, para além dos centros cerimoniais), religiosas, arquitetônicas, artísticas, bem
como notável progresso da metalurgia (principalmente por influência misteca) e da agricultura
de regadio (aumento da produtividade pela irrigação).
Os Toltecas, chegados à região do Planalto Central na segunda metade do século
IX, estabeleceram sua capital – Tula – ao norte de Teotihuacán, absorvendo sua cultura
remanescente. Tiveram grande prestígio e influência por toda a Meso-América, sendo
marcante sua presença entre os Maias. Tula transformou-se em importante centro de um
império que cobrava tributos de diversas cidades e controlava importantes rotas comerciais.
Já os Mistecas, após conquistarem a região de Oaxaca (Monte Albán),
estabeleceram-se em Cholula. Aí floresceu rica civilização de artesãos especializados (como
os ourives), que deram um passo além no progresso material meso-americano, sendo
fundamentais para as transformações urbanísticas do último período pré-colombiano desta
parte da América.
Entretanto, outra vez ocorreria um período de instabilidade pelas terras da Meso-
América, com a pressão da migração de novas levas chichimecas que destruíram Tula em
1224 a.C., ocasionando um vazio de poder que levou as diversas cidades-Estados a
disputarem a hegemonia entre si. Fora neste ambiente conturbado em que os Mexicas
fizeram sua aparição no Planalto mexicano.
Saídos da legendária Aztlán (daí a denominação asteca) nas margens setentrionais
da Meso-América no século XI, irromperam pela região século seguinte, sendo repelidos
pelos povos que lá habitavam. Conseqüentemente foram se refugiar no Vale mexicano, em
ilhas da zona pantanosa a oeste
do lago Texcoco, onde, segundo
a tradição, fundaram sua capital
– Tenochtitlán – em 1325
(SOUSTELLE, 1997, p. 17).
Em menos de dois
séculos, a cidade iniciada com
choupanas de bambu se
transformaria numa metrópole de
200 mil pessoas, plenamente
urbanizada, com canais, praças,
mercados, templos, pirâmides,
palácios, lojas e residências,
estendendo-se pelas margens
circunvizinhas com as quais se

23
comunicava por estradas e pontes. Abaixo temos um mapa contendo a zona
de influência que atingiu a civilização asteca.

História da CULTURA E SOCIEDADE ASTECAS


América I
A cultura asteca, como dito acima, esteve marcada pelas influências
dos povos meso-americanos com quem entrou em contato, e às quais mesclou
com suas próprias tradições. Entre estas últimas destaca-se sua língua: o
nahuatl. Comum aos povos recém chegados ao Vale, era um idioma rico e versátil. Muitos
textos astecas (redigidos com a escrita pictográfica característica) sobreviveram à destruição
espanhola, demonstrando o valor estético da literatura mexica.
Em termos religiosos, percebemos claramente a mistura entre seus deuses tribais
(e guerreiros) e os das civilizações meso-americanas (agricultores). Seu panteão era
dominado por Uitzilopochtli – divindade solar da guerra, circundado por inúmeros deuses
que representavam constelações e estrelas (a religião tribal asteca era essencialmente
astral). Por outro lado, divindades como Tlaloc – deus da água e da chuva, de origem
teotihuacana – tinha papel igualmente relevante:

Da mesma forma com que o grande sacerdote de Uitzillopocchtli e o


de Tlaloc ocupavam com autoridade equivalente os dois postos mais elevados
na hierarquia sacerdotal, também o grande Templo de Tenochtitlán era
encimado por dois santuários: o de Uitzilopochtli, vermelho e branco, e o de
Tlaloc, azul e branco. Desse modo, a religião astral dos guerreiros e a religião
agrária dos povos sedentários fundiam-se por assim dizer, reconciliadas na
síntese asteca (SOUSTELLE, 1997, p. 70).

Outro exemplo de tentativa de “conciliação”


entre os aspectos guerreiros e agrícolas fora a
adoção de Quetzalcoatl – a benevolente serpente
emplumada de Teotihuacán – que, no entanto,
recebera nova roupagem astral (deus do planeta
Vênus), representando juntamente com Xolotl (deus
cão) a noção de morte e ressurreição. A presença
da astrologia, ligada à religião, também se comprova
pelo calendário cíclico nos mesmos moldes dos
Maias.

Como era comum no mundo pré-colombiano, a religião dominava as demais esferas


da vida entre os Mexicas. Tomemos como exemplo a guerra. A cosmogonia asteca (ou
povo do Sol, como eles mesmos se viam) impelia-os para que mantivessem irrigadas de
“água preciosa” – sangue humano – o Sol, a Terra e todas as divindades, sem a qual a
engrenagem do mundo deixaria de funcionar. Daí decorriam as guerras sagradas e os
sacrifícios humanos. Além das finalidades positivas para o Estado, como conquista territorial,
imposição de tributos e a livre passagem de seus comerciantes, a guerra tinha a função

24
proeminente de garantir-lhes prisioneiros para os sacrifícios. Quando
consolidaram a maior parte das conquistas (meados do século XV)
tiveram os soberanos que inventar a “guerra florida” – torneio para
fornecimento de vítimas para os deuses.
No campo da arquitetura, assim como nas civilizações meso-
americanas que a precederam, dominava o caráter religioso, tendo
a pirâmide como principal forma monumental. Porém, os Astecas
inovaram ao conceber a pirâmide do teocalli, que tinha em seu cume
dois templos acoplados. Infelizmente os palácios (assim como a
arquitetura urbana de Tenochtitlán) foram destruídos pelos
conquistadores espanhóis, restando apenas os depoimentos
dos cronistas e os sítios arqueológicos como registros. Devido
ao caráter militarista do Estado, a construção de fortalezas nas
fronteiras perfazia importante elemento da arquitetura
monumental, sendo que as torres destes redutos fortificados
se destacavam.
Quanto às demais artes, destacaram-se pela perfeição da escultura em pedra, pelos
baixo-relevos, mosaicos de pedra e pela cerâmica com motivos negros sobre fundo
alaranjado ou vermelho. A metalurgia (principalmente do ouro e da prata) suscitou admiração
entre os espanhóis (ávidos por metais preciosos), entretanto tinha pouca aplicação prática
– a agricultura, por exemplo, permaneceu em estado lítico.
A sociedade Asteca atingiu elevada hierarquização, sendo regida por estruturas
complexas e comandada por um Estado com aparelho administrativo e judiciário
desenvolvido. O modo de vida dos diversos grupos sociais diferia amplamente entre si. No
topo da pirâmide social estava uma nobreza crescentemente hereditária (tlatoque),
encabeçada pela família real. Ao lado desta havia uma nobreza funcional de origem militar
(tecutli), que permitia a ascensão dos guerreiros de destaque, caracterizando uma
mobilidade social. Categorias especializadas como as dos comerciantes (ligados ao
comércio exterior) e dos artesãos formavam corporações e organizações específicas. A
base da sociedade era integrada por diversas categorias populares rurais e urbanas, assim
como por um tipo de servidão considerada pelos cronistas espanhóis como “escravidão”.
A célula social básica dos Astecas era o calpulli, “comunidade residencial com direitos
comuns sobre a terra e uma organização interna de tipo administrativo, judiciário, militar e
fiscal” (CARDOSO, 1996, p. 77). A estrutura fundiária esteve atrelada aos dois pólos sociais:
as comunidades de um lado e a nobreza e o Estado do outro. Assim, existiam três formas
gerais de propriedade de terra: a comunal, pertencente ao calpulli, subdividida em terras
de cada linhagem e as efetivamente comunais; a dos nobres, advinda das conquistas,
alienável entre eles e transmissível por herança (porém não se configurando como
propriedade privada, sendo concessão como pagamento das funções sacerdotais, militares
ou administrativas exercidas, podendo ser revogada pelo não cumprimento das mesmas);
e as pertencentes ao Estado, para manutenção da casa real, dos templos e da administração
militar e civil.
A forma de governo entre os Astecas era a de uma monarquia (ou chefe tribal – tlatoani)
hereditária, sendo um dos integrantes da família real eleito por uma assembléia. Era o
monarca auxiliado por conselhos que exerciam funções administrativas e militares. Havia
uma rede de administradores que fiscalizavam a cobrança dos tributos tanto internamente
como pelas diversas províncias (ou cidades-Estado subjugadas) espalhadas pela extensa
área de hegemonia asteca.
Em termos econômicos, temos a agricultura como base da produção da riqueza. Era
praticada no lago Texcoco uma forma de cultivo sobre pequenas ilhas artificiais,
denominadas chinampas. Eram constituídas por estruturas de juncos e árvores que

25
mantinham firme o fértil lodo
pantanoso onde se cultivavam
História da diversos gêneros como o milho,
América I o feijão, a pimenta e o tomate.
Os animais domesticados
foram o peru e uma espécie de
cão. A economia interna era complementada
pelo comércio com as zonas tropicais, de
onde vinhas pedras, plumas, cacau (que
também funcionava como base monetária) e
diversos outros produtos.

APOGEU E DECLÍNIO DA CONFEDERAÇÃO ASTECA


Após a fundação de Tenochtitlán (1325), os Astecas iniciaram seu período dinástico
(1375) e viviam submissos em relação à cidade de Azcapotzalco. Porém, em 1434, o quarto
soberano asteca, Itzcoatl, aliou-se a Nezaualcoycotl (rei de Texcoco, outra cidade vassala),
derrotando e destruindo sua dominadora Azcapotzalco. Os dois soberanos vencedores,
em um lance de sabedoria política, tomaram como aliada uma cidade pertencente à tribo
de Azcapotzalco: Tlacopan. A partir de então estava fundada a “Tríplice Aliança” entre
Tenochtitlán, Texcoco e Tlacopan, que dominaria vastas extensões da Meso-América até a
chegada dos espanhóis (SOUSTELLE, 1997, p. 19).
Logo, a preponderância militar de Tenochtitlán se afirmara dentro da Aliança, enquanto
Texcoco se transformava em metrópole das artes, literatura e direito. Desde a morte de
Nezaualcoycotl (1472) consolidara-se a hegemonia mexica, pois o soberano asteca passara
a determinar a sucessão do trono em Texcoco, bem como tratara o rei de Tlacopan não
mais como aliado, e sim como vassalo.
Abrira-se uma série de conquistas, sob o comando militar dos soberanos astecas e
seus oficiais, que comandavam os contingentes das três cidades. Cada rei mexica procurava
expandir seu domínio, subjugando inúmeras cidades ao pagamento de tributo. Entretanto, o
domínio sobre estas era mais econômico-militar do que político, posto que a maior parte
das cidades conquistadas mantivesse governo próprio, configurando exceção apenas
aquelas que mais se opunham à autoridade mexicana, que recebiam administradores
astecas. Deste modo, o período de domínio asteca não deve ser considerado propriamente
como “império”, pois era: “na verdade um mosaico de alianças, confederações, relações
tributárias, implicando povos numerosos, heterogêneos e imperfeitamente submetidos”
(CARDOSO, 1996, p. 77). Muitas das “conquistas” tinham que ser novamente realizadas,
pois as revoltas contra os tributos obstavam o permanente controle dos mexicas, bem como
havia enclaves nunca submetidos ao poder de Tenochtitlán, como Tlaxcala.
A relação entre a capital asteca e as demais cidades baseava-se no controle de
suas “políticas externas” e principalmente na cobrança dos tributos. Estes variavam de cidade
para cidade, sendo os produtos e quantidades destinados aos cofres astecas determinados
pelo tamanho e produção locais de cada uma. Algumas destas cidades, localizadas em
pontos estratégicos e nas fronteiras “imperiais”, tinham como tributo a manutenção das
fortalezas e tropas nelas situadas.
Quando da conquista espanhola (1519-1521), o domínio tributário mexicano estendia-
se por 38 “províncias”, entidades antes econômicas do que políticas, fiscalizadas cada uma
de suas cidades por funcionários astecas – os calpixques – encarregados do registro e
transporte dos tributos.

26
Após menos de um século de poder
asteca, a chegada de Hernán Cortez, chefe da
expedição espanhola que explorava a costa do
Golfo do México, pôs fim à última civilização
autóctone da Meso-América. As causas da
derrota asteca se devem a diversos fatores.
Enquanto Cortez, ao longo de 1519, colhia
informações sobre o domínio mexicano, os
Astecas nada sabiam sobre os espanhóis. Fora
o líder espanhol hábil em explorar o rancor das
cidades subjugadas pelo tributo, que sugava suas
riquezas e homens destinados aos sacrifícios que
banhavam de sangue os templos astecas.
Soube Cortez trazer para si o apoio dos
descontentes e unir os rivais dos Astecas,
principalmente Tlaxcala, que forneceram seus guerreiros na luta contra Tenochtitlán. Porém,
a luta não se iniciara nos primeiros contatos entre mexicas e espanhóis. Montezuma II,
soberano asteca à época, acolheu os espanhóis, pois acreditava ser Cortez a encarnação
do deus Quetzalcoatl, que segundo a lenda retornaria para governar os mexicas. As palavras
do rei ilustram esta crença: “Sejai bem-vindo, nosso senhor, de volta a vosso país e entre
vosso povo, para vos sentar sobre vosso trono, do qual fui o detentor por algum tempo em
vosso nome” (SOUSTELLE, 1997, p. 103). Permanecera Montezuma como refém dos
espanhóis até estes iniciarem os saques ao tesouro e massacres dos nobres. Então veio a
luta, que congregava espanhóis, com sua tecnologia militar superior, e os rivais indígenas,
no cerco à Tenochtitlán, que, além disto, sofrera com uma epidemia de varíola, que dizimara
parte de sua população. Em 13 de agosto de 1521, fora a capital tomada e arruinada pelos
conquistadores.

Texto Complementar:

A Visão Asteca da Conquista

“O primeiro traço fundamental da visão Asteca da Conquista é o que se poderia


descrever como quadro mágico no qual esta haveria de desenvolver-se Os astecas afirmam
que, alguns anos antes da chegada dos homens de Castela, houve uma série de prodígios
e presságios anunciando o que haveria de acontecer. No pensamento do senhor
Moecuhzoma, a espiga de fogo que apareceu no céu, o templo que se incendiou por si
mesmo, a água que ferveu no meio do lago, a voz de uma mulher que gritava noite adentro,
as visões de homens que vinham atropeladamente montados numa espécie de veados,
tudo isso parecia avisar que era chegado o momento, anunciado nos códices, do regresso
de Quetzalcóatl e dos deuses. [...]
A dúvida a respeito da identidade dos homens de Castela subsistiu até o momento
em que, já hóspedes dos astecas em Tenochtitlan, perpetraram a matança do templo maior.
O povo em geral acreditava que os estrangeiros eram deuses. Mas quando viram seu modo
de comportar-se, sua cobiça e sua fúria, forçados por esta realidade mudaram sua maneira
de pensar: os estrangeiros não eram deuses, mas popolocas, ou bárbaros, que tinham
vindo destruir sua cidade e seu modo de vida.
As lutas posteriores da Conquista, registradas pelos historiadores indígenas,
testemunham o heroísmo da defesa. Mas a derrota final, ao ser narrada nos textos astecas,
já é depoimento de um trauma profundo. A visão final é dramática e trágica. Pode-se ver

27
isto claramente no seguinte “canto triste” ou icnocuícatl:

Nos caminhos jazem dardos quebrados;


os cabelos estão espalhados,
História da Destelhadas estão as casas,
América I incandescentes estão seus muros.
Vermes abundam por ruas e praças,
e as paredes estão manchadas de miolos arrebentados.
Vermelhas estão as águas, como se alguém as tivesse tingido,
e se bebíamos, eram água de salitre.
Golpeávamos os muros de adobe em nossa ansiedade
e nos restava por herança uma rede de buracos.
Nos escudos esteve nosso resguardo,
mas os escudos não detêm a desolação...

As palavras anteriores encontram novo eco na resposta dos sábios


aos doze franciscanos chegados em 1524:

Deixem-nos, pois, morrer,


deixe-nos perecer,
pois nossos deuses já estão mortos!

Muitas outras citações poderiam acumular-se para mostrar o que foi


o trauma da Conquista para a alma indígena. (...) a experiência do povo
que, após resistir com armas desiguais, viu-se a si mesmo vencido.”

Leon-Portilha, Miguel. A conquista da América Latina vista pelos índios. Petrópolis:


Vozes, 1984, pp. 16-18. In: PINSKY, Jaime [et al.]. História da América através de textos.
São Paulo: Contexto, 2001, pp. 28-30.

História através de Documentos

Abaixo, temos um relato de Tenochtitlán, à época da conquista, feito pelo espanhol


Bernal Diaz del Castilo:

“Nesta grande cidade [...] as casas se erguiam separadas umas das outras,
comunicando-se somente por pequenas pontes levadiças e por canoas, e eram construídas
com tetos terraceados. Observamos, ademais, os templos e adoratórios das cidades
adjacentes, construídos na forma de torres e fortalezas e outros nas estradas, todos caiados
de branco e magnificamente brilhantes. O burburinho e ruído do mercado [...] podia ser
ouvido até quase uma légua de distância [...] Quando lá chegamos, ficamos atônitos com a
multidão de pessoas e a ordem que prevalecia, assim como com a vasta quantidade de
mercadoria [...] Cada espécie tinha seu lugar particular, que era distinguido por um sinal. Os
artigos consistiam em ouro, prata, jóias, plumas, mantas, chocolate, peles curtidas ou não,
sandálias e outras manufaturas de raízes e fibras de juta, grande número de escravos homens
e mulheres, muitos dos quais estavam atados pelo pescoço, com gargalheiras, a longos
paus. O mercado de carne vendia aves domésticas, caça e cachorros. Vegetais, frutas,
comida preparada, sal, pão, mel, massas doces, feitas de várias maneiras, eram também
lá vendidas. Ouros locais na praça eram reservados à venda de artigos de barro, mobiliário
doméstico de madeira, tais como mesas e bancos, lenha, papel, canas recheadas com

28
tabaco misturado com âmbar líquido, machados de cobre, instrumentos de trabalho e
vasilhame de madeira profusamente pintado. Muitas mulheres vendiam peixe e pequenos
“pães” feitos de uma determinada argila especial que eles achavam no lago e que se
assemelhavam ao queijo. Os fabricantes de lâminas de pedra ocupavam-se em talhar seu
duro material e os mercadores que negociavam em ouro possuíam o metal em grãos, tal
como vinha das minas, em tudo transparentes, de forma que ele podia ser calculado, e o
ouro valia tantas mantas, ou tantos xiquipils de cacau, de acordo com o tamanho dos tubos.
Toda a praça estava cercada por “piazzas” sob as quais grandes quantidades de grãos
eram estocadas e onde estavam, também, as lojas para as diferentes espécies de bens.”

MEGGERS, Betty J. América pré-histórica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972, pp.
96-97. In: PINSKY, Jaime [et al.]. História da América através de textos. São Paulo:
Contexto, 2001, pp. 21-22.

GENDROP, Paul. A civilização maia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1998.
SOUSTELLE, Jacques. A civilização asteca. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1997

Atividades
Complementares
1. Uma das justificativas para a colonização da América pelos europeus era de que
eles estavam retirando da barbárie e inferioridade os nativos americanos. Após a leitura
sobre as complexas estruturas sociais e riqueza material das civilizações maia e asteca,
construa um texto contrapondo esta idéia de que os povos pré-colombianos não tinham
uma cultura sofisticada.

29
2. Descreva a religiosidade das Maias e Astecas e sua visão de mundo.

História da
América I

3. Como se configurava o poderio Asteca sobre as regiões conquistadas, e qual


sua conseqüência para a queda frente aos espanhóis?

30
DAS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS À
CONQUISTA EUROPÉIA: A USURPAÇÃO DA
AMÉRICA.
A CIVILIZAÇÃO ANDINA

O SURGIMENTO DA CIVILIZAÇÃO INCA


Assim como se dera com os Astecas, os Incas herdaram as tradições culturais e
conhecimentos técnicos das civilizações andinas que os precederam. O núcleo cultural pré-
colombiano da Zona Andina compreendia partes dos atuais Peru e Bolívia, englobando
posteriormente porções do Equador, Chile setentrional e noroeste da Argentina.
Em meados do IV milênio a.C., pequenas aldeias de pescadores da costa do Pacífico
iniciaram a domesticação de plantas como a abóbora, a vagem e o algodão. A
sedentarização destes povos fora facilitada pelo suprimento regular que a pesca lhes
proporcionava, processo ao qual a agricultura veio se juntar, permitindo um aumento na
população das aldeias. Estas se situavam nos férteis vales dos rios que descem das
cordilheiras, formando verdadeiros oásis em meio aos desertos da costa oeste da América
do Sul. Na mesma época, povos interioranos dos Andes iniciaram o cultivo da pimenta, do
amaranto e da quinoa, bem como domesticaram a cobaia (porquinho-da-índia) e o lhama
(FRAVE, 1998, p. 8).
Entre 2500 e 1500 a.C.
apareceram os primeiros
templos, destacando-se o
santuário de Chuquitanta, na
costa central peruana. A
construção de grandes edifícios
religiosos em pedra, como o das
Mãos Cruzadas, em Kotosh
(1500 a.C.) evidencia um
processo de organização social
análogo ao descrito sobre os
Olmecas e seus centros
cerimoniais. O desenvolvimento
agrícola e o conseqüente
crescimento populacional
proporcionaram vilarejos de até
mil pessoas, que circundavam os
centros cerimoniais da costa,
sob chefia dos sacerdotes.
A primeira cultura que se
difundira pela Zona Andina fora a
de Chavin (nome do principal sítio
arqueológico), por volta de 900

31
a.C. Configurou-se como um estilo artístico, religioso e arquitetônico que
rompera o isolamento anterior, sem, contudo, acreditar-se que formara um
“império” militar, e sim que se expandira por proselitismo (CARDOSO, 1996,
História da p. 88; FRAVE, 1998, p. 9). Prevaleceu o culto ao jaguar ou puma (influência
América I meso-americana?), presente em representações gravadas em pedra, na
cerâmica, pintadas sobre construções ou impressas em lâminas de ouro. Por
esta época difundira-se o cultivo de um tipo mais produtivo de milho, bem
como os primórdios da irrigação.
O progresso tecnológico seguia seu curso, aliado à organização social mais
elaborada, com as chefias tornando-se governos de pequenos Estados regionais. Por volta
da época de Cristo, surgiam novas culturas que desenvolveram-se rumo à urbanização. No
litoral norte florescera a cultura Mochica, onde a irrigação ampliava-se, a metalurgia dava
um grande passo à frente, trabalhando-se o ouro, a prata, o cobre e ligas destes metais,
além da sofisticação da cerâmica. Há indícios da existência de reis e de uma nobreza,
sendo clara a forte estratificação social. No sul da costa desenvolveram-se as culturas de
Nazca e de Paracas, que apresentavam estilos próprios, destacando-se as técnicas
mortuárias, com tumbas onde múmias eram enterradas com jóias, cerâmica, tecidos etc.
Contudo, fora nos planaltos do centro-sul da
Cordilheira que surgiram as primeiras cidades propriamente
ditas. A partir do século VIII d.C. duas delas se destacavam:
Tiahunaco e Huari. A primeira, situada às margens do lago
Titicaca, expandira-se em direção ao sul, influindo sobre todo
o planalto boliviano (FRAVE, 1998, p. 10). Sua arquitetura
de imponentes edificações administrativas ou cerimoniais,
construídas com megalitos de até 100 toneladas, demonstra
a presença de um Estado organizado. Destaca-se entre suas
ruínas a Porta do Sol, apresentada na figura ao lado. Os
excedentes agrícolas necessários para a realização destas
obras foram alcançados pelo desenvolvimento de terraços
para o cultivo e canais de irrigação. Populações das aldeias
e pequenas cidades vizinhas estavam a ela subordinadas,
sendo que a influência era pautada pela atração de seu centro
cerimonial.
Huari, estabelecida no vale médio do Mantaro,
também se caracterizava como importante centro urbano,
tendo preponderância econômica e militar por extensa área ao norte. Tinha influência da
cultura tiahuacana, porém parece ter sido marcadamente militarista, o que é atestado pelas
ruínas de fortificações e pela abundância de guerreiros e prisioneiros presentes em suas
decorações murais.
Tanto Tiahuacano como Huari declinaram antes do século XII (por motivos pouco
conhecidos), não sem antes difundirem sua cultura e urbanismo por extensas regiões
andinas. Abrira-se a partir de então um vazio de hegemonia, tendo inúmeras cidades-Estado
se desenvolvido e entrado em choque entre si.
No século XIII, tomaria a dianteira no processo de unificação política, formando o
primeiro grande império nos Andes, a civilização Chimu. Segundo Henri Frave, o império
erigido por esta civilização fora comandado por soberanos que dispunham de um poder
absoluto e teocrático, tendo comandado grandes obras de irrigação nos vales de Moche e
Chimaca. O alcance destas obras foi tal que, à sua época, alcançaram uma área irrigada
maior que a atual, possibilitando o sustento de populações mais numerosas do que as do
presente (FRAVE, 1998, p. 12). Sua capital, Chan-Chan, cidade de adobe, foi o maior

32
centro urbano da Zona Andina Central, tendo a sua população
possivelmente alcançado 80.000 habitantes, numa área entre 17 e 22
km² (CARDOSO, 1996, p. 97).
Os Chimus atingiram elevado grau de sofisticação, por
exemplo, na metalurgia (vide figura ao lado), bem como na tecelagem
e na cerâmica, tendo inclusive realizado a produção em série em
suas atividades artesanais. Seu império estendeu-se ao longo de
1.200 km do litoral, de Nepeña, ao sul, até os limites do atual Equador,
ao norte. Construíram fortalezas nas áreas conquistadas e
estabeleceram um estrito sistema administrativo e tributário que
influenciara os Incas. Estes, em seu movimento expansionista, se
chocariam com o império chimu, o que seria fatal para o último, eliminando
um poderoso obstáculo para o desenvolvimento da hegemonia incaica na
Zona Andina.
Enquanto os Chimus iniciavam sua expansão, seus algozes, os Incas,
ainda uma pequena tribo, chegavam à bacia do Cuzco, no interior do
Peru meridional. Estabeleceram-se próximos a três tribos já fixadas
na região, às quais se confederaram. Inicialmente, possuíam um papel
inferior no jogo de forças entre as tribos. A organização da confederação
repousava sobre a existência de duas metades em pé de desigualdade.
De um lado estavam os ocupantes iniciais da região, que detinham o poder
político-religioso (Hanan); de outro estavam os Incas, que por sua vez detinham a primazia
militar (Hurin). No curso do século XIV, os chefes guerreiros incas (os sinchis) empreenderam
saques nas cidades vizinhas à confederação, aumentando o prestígio desta, bem como o
seu próprio no seio da entidade. A relação de forças pendera a favor dos Incas, quando Inka
Roka apoderou-se pela violência do controle da confederação, destituindo as autoridades
de Hanan, acumulando suas funções. O culto do Sol, ligado ao ancestral mitológico da tribo
(Manko Kapaq) foi imposto a todos os aliados. Gradualmente, a subordinação dos aliados
tendeu à construção de um Estado unitário, pela perda de suas autonomias.
Inka Roka, o primeiro soberano inca, chefiou diversas expedições que incorporaram
uma dezena de aldeias periféricas, processo consolidado e alargado no reinado de
Wiraqocha Inka, terceiro rei de Cuzco. A partir de então, o Estado inca levaria adiante sua
expansão, empreendida em parte como resposta às ameaças e tentativas de invasão de
outros povos, como os Chanka. Fora contra os Chanka que se configuraria o império inca,
quando da vitória sobre estes levada a cabo por Pachakuti, em 1438. Pachakuti, considerado
o fundador do império, conquistara as praças fortes chankas, estabelecendo a hegemonia
incaica sobre o conjunto dos planaltos peruanos. O expansionismo inca teria que se chocar
com outro, o dos Chimus. O filho de Pachakuti, Tupa Yupanki, fora designado pelo pai para
combater os Chimus. Precipitando suas tropas em direção ao litoral, dominou o vale do
Monche, tomando a metrópole Chan-Chan e obrigando seu soberano a capitular. As forças
incas em seguida partiram em direção ao norte, conquistando Quito e Manta, no atual
Equador.
De volta a Cuzco (1470), para onde levou as riquezas da aristocracia chimu e os
conhecimentos desta brilhante civilização, que marcaria a cultura inca posterior, Tupa Yupanki
forçou a renuncia de seu pai, tornando-se imperador. Estava concretizado o poder de Cuzco
sobre a Zona Andina, que nos cinqüenta anos posteriores seria alargado e conformaria o
maior império americano anterior à conquista européia do qual temos conhecimento.

33
ESTADO E SOCIEDADE INCAS
O Estado inca fora a maior estrutura política do mundo pré-colombiano,
que em seu apogeu controlava quase um milhão de quilômetros quadrados
História da (FRAVE, 1998, p. 25). Porém, para compreendê-lo, precisamos nos voltar
América I primeiramente para a base tradicional comunitária dos Andes: o ayllu.

A comunidade de aldeia – o ayllu


O ayllu, ou aldeia andina, era o cerne da vida sócio-econômica característica da
região, formado por famílias vinculadas por parentesco sem, contudo, constituiram-se em
clãs ou linhagens. Havia a tendência à endogamia e a um sistema de descendência paralela,
sendo paterna para os homens e materna para as mulheres. A família representava a célula
ou unidade produtiva, sendo constituída pelos pais e filhos celibatários. O casamento tinha
papel destacado dentro da sociedade, pois marcava a entrada do casal na vida adulta,
quando recebiam um lote para cultivar e o homem a partir de então estaria sujeito à prestação
de trabalho: a mita.
As terras da comunidade (marka) eram divididas entre o pastoreio e a agricultura.
As destinadas ao pastoreio eram de usufruto coletivo, onde cada família criava suas alpacas
e lhamas (que forneciam carne, leite e lã). Já as terras agrícolas eram partilhadas em lotes
familiares. Tal partilha não configurava propriedade privada, e sim apenas de usufruto, sendo
designada pelo líder do ayllu – o kuraka. Este subdividia as terras a cada ciclo agrícola, a
partir das unidades familiares: caso se constituíssem novas famílias, estas recebiam novos
lotes (assim como estes reintegravam-se ao fundo comum com o desaparecimento do núcleo
familiar). O kuraka era considerado o fundador do grupo e tinha seu poder respaldado pela
waka, ou divindade tutelar da comunidade.
O desenvolvimento do ciclo agrário era condicionado pela ajuda mútua entre os
vizinhos na ocasião da semeadura e da colheita. Esta reciprocidade – ou ayni – fortalecia
os laços comunitários, e o fruto da ajuda que cada família recebia era restituído aos
colaboradores dando-se a parte que correspondia ao trabalho de cada um. Outras formas
de auxílio eram prestadas às viúvas, doentes ou velhos, cujos campos eram cultivados por
todos os homens válidos do ayllu, assim como os recém-casados tinham a casa construída
pelo conjunto da aldeia.
Ao kuraka eram prestados trabalhos por todos os homens do ayllu, seja no pastoreio
ou no cultivo de seus campos. Esta fora a única forma de tributação conhecida nos Andes:
a prestação de trabalho (mita) – conhecida como corvéia na Europa. O kuraka tinha ao seu
dispor uma força de trabalho contínua, formada por rodízio entre os homens adultos da
aldeia, que além do cultivo e pastoreio, incluía entre os serviços a tecelagem e aqueles
referentes ao atendimento de seu grupo doméstico. Os prestadores destes serviços tinham
seu sustento a cargo do kuraka enquanto durasse o trabalho. Os excedentes advindos da
mita colocavam o chefe em condição privilegiada frente à comunidade, porém ele estava
intricado em uma rede de relações consuetudinárias que o obrigavam a redistribuir parte
do que era gerado pelo trabalho, principalmente para o sustento dos órfãos, viúvas, doentes
e velhos (waqchas), ou em caso de más colheitas, quando dava acesso aos estoques gerados
pela mita.
Entretanto, não podemos extrapolar considerando a estrutura do ayllu como igualitária
ou “socialista” como antigamente se pensava. A reciprocidade e redistribuição se davam
assimetricamente entre os membros da aldeia. Nem o kuraka nem a waka (que também
detinha terras cultivadas coletivamente) distribuíam a totalidade dos produtos gerados pelo
trabalho que recebiam. As famílias mais próximas do chefe (ou poderosos denominados

34
kapa) eram beneficiadas na redistribuição, ocasionando uma diferenciação social na
comunidade. Esta elite, que tinha modos de vida distintos do restante da aldeia, mantinha-
se fechada pelo casamento endogâmico. Abaixo dos kapas estavam os camponeses
comuns (puriq) ou papamikuqs – “comedores de batata” (em alusão ao pouco acesso que
tinham ao consumo de alimentos como o milho), vindo em seguida os waqchas, que não
tinham mais condições de se sustentar, ficando dependentes do kuraka.
Em termos regionais, havia no mundo andino uma estrutura política de chefias que
hierarquizava os ayllus, tendo um kuraka proeminente que dominava kuraka menores,
formando confederações ou “reinos”. Havia o mesmo sentido de prestações e reciprocidade
entre os kuraka, pois esta estrutura reproduzia aquela interior dos ayllu. Assim, chefes e
divindades regionais exploravam o trabalho de diversas aldeias, inclusive fundando colônias
nos diversos ecossistemas dos Andes (o mesmo se dava internamente nos ayllu, pois as
famílias recebiam lotes em altitudes diferentes, para permitir a variedade dos cultivos). Este
sistema “colonial” inibia a existência normal de um comércio de trocas, pois cada povo
tinha internamente acesso a produtos tanto do litoral como dos planaltos e montanhas
andinas. Ocorria inclusive a reciprocidade do acesso aos ecossistemas, sendo que chefias
dos planaltos trocavam terras com as do litoral, o que não impedia que houvesse imposição
pela força.

O Estado imperial
Toda esta estrutura piramidal hierárquica entre os ayllu e kuraka fora adotada pelo
império inca. Fora a expressão máxima assumida por esta forma tradicional de poder:

“O império inca era somente uma espécie de enorme


confederação de confederações, organizando em escala nunca
vista nos Andes tais operações e exigindo trabalho nas terras do
Inca e do Sol, espécies de super-kuraka e super-waka, mas fiéis
ao padrão usual” (CARDOSO, 1996, p. 101).

Contudo, a dimensão e estrutura imperial do Estado incaico não devem ser


desprezadas. A começar pelo seu símbolo maior: o Inca. Tal termo se refere mais estritamente
ao imperador e seu império do que ao povo “inca” – ou de Cuzco – como um todo
(CHASTEEN, 2001, p. 30). O soberano, ao assumir o poder, se apresentava como “órfão e
pobre”, ou seja, um waqcha, renegando seus genitores e família. Abria mão de sua herança
em proveito dos irmãos preteridos na sucessão, a fim de formar seu próprio domínio e
linhagem. Deste modo, cada reinado formava uma nova linhagem imperial (panaka) que
recebia a herança do soberano e cultivava sua memória e feitos. Quando chegaram os
espanhóis em Cuzco, encontraram 11 linhagens imperiais, correspondentes aos 11
imperadores que governaram o império (FRAVE, 1998, pp. 51-52).
A sucessão não se dava pelos padrões europeus de hereditariedade: o imperador
estava fora e acima das teias de parentesco; deste modo, da mesma forma que não tinha
predecessores, não podia ter sucessores. Após a morte (ou deposição) do imperador abria-
se uma disputa entre os pretendentes: filhos, irmãos, sobrinhos, todos lutavam para
alcançarem a franja escarlate – maskapaicha – o emblema imperial. Esta disputa
transformava as panakas em facções hostis, despedaçando a etnia inca. Apenas o mérito
elevava o pretendente ao posto de imperador, pois o poder tinha de ser conquistado.
Concluído o embate entre os litigiantes, era o vencedor investido do poder pelo grande
sacerdote, transformando-se em Inca – “Filho do Deus Sol”. Isto configurava o império como
uma monarquia teocrática, sendo o imperador considerado como um mediador privilegiado
nas relações deste mundo com o mundo sobrenatural. Tiveram os imperadores cada vez

35
maior controle sobre a hierarquia sacerdotal,
tendo Wayna Kapaq assumido o posto de
sumo sacerdote e não mais se
História da considerando como representante sagrado
América I do Sol, mas sua encarnação.
Em termos administrativos o império
era dividido em quatro quadrantes – daí seu
nome: Twantinsuyu, ou “quatro terras”. O imperador tinha
um conselho formado por quatro membros – os apu – que
representavam e eram responsáveis por cada seção do
Twantinsuyu. Abaixo dos apu estavam os governadores
provinciais – tukriquq – que residiam nas cidades principais de cada
província, sendo o elo que unia o poder imperial às chefias locais. Cada
quadrante era subdividido por um sistema decimal (10 mil, mil, cem e dez)
de “famílias”, com funcionários que fiscalizavam cada um dos degraus do
sistema. Entre os funcionários subalternos dos tukriquq achavam-se os
tipukamayoqs, encarregados de registrar o efetivo das populações
sujeitas à corvéia e o transporte dos produtos frutos dela. Este registro se
dava por meio de cordinhas com nós – os kipus. Assim, o Estado tinha
controle (inclusive realizando censos populacionais avançados para
a época) sobre o contingente de trabalhadores prestadores de
trabalho – a mita – em suas terras e rebanhos, garantindo a posse de
excedentes que eram canalizados para Cuzco, alimentando o brilho e luxo da capital.
Mesmo a redistribuição da produção advinda da mita, nos moldes de reciprocidade,
não encobria a apropriação realizada pela etnia incaica. Isto se observa por dois elementos.
O primeiro se configura pela quase exclusividade detida pelos incas no exercício dos cargos
religiosos e administrativos. Inicialmente estes postos eram confiados aos membros das
linhagens imperiais e dos ayllu de Cuzco que gravitavam em torno do monarca. No entanto,
a etnia não se conformou numa “classe dirigente”, posto que os cargos e prerrogativas não
fossem hereditários, assim como as terras doadas pelo imperador como pagamento aos
serviços prestados eram apenas para usufruto, estando impedidas de serem alienadas ou
passadas hereditariamente. Ademais, no início do século XVI a burocracia começara a
receber elementos de outras etnias, assim como a própria etnia inca fora se estendendo,
englobando primeiro as tribos da confederação, depois as aldeias conquistadas mais
próximas e antigas. O poder do soberano também era mantido mediante o apoio das chefias
locais, que ganharam cargos a partir de Wayna Kapaq (FRAVE, 1998, p. 61).
O segundo elemento que demonstrava a preponderância dos Incas no império, bem
como a ação transformadora do Estado em relação às práticas tradicionais fora a criação
ou expansão de categorias de dominação específicas. Uma delas era composta pelos
mitmaq. Estes advinham de populações que pela sua insubordinação eram deslocadas
parcialmente para outras regiões do império, postas em meio a etnias que lhes eram hostis,
posto que fossem obrigadas a dividir a terra com tais “forasteiros”. Os mitmaq, ao tempo
que recebiam novas terras e pastagens, carregavam pesadas obrigações para com o
Estado.
Outra categoria era a dos yana ou “dependentes perpétuos”. Estes servos ligavam-
se exclusivamente ao imperador ou pessoas importantes dentro da máquina estatal, como
chefes guerreiros ou altos funcionários, os quais eram presenteados pelo soberano com
um yana. Sua origem remonta às tradições precedentes de servidão que existiam no mundo
andino, porém fora imensamente alargada pelo império. Estes grupos de servos, segundo
a tradição, vinham de uma população próxima de Cuzco onde ocorrera uma violenta revolta,

36
sendo castigados com a servidão perpétua, passada hereditariamente para um de seus
filhos. Não eram escravos em si, podendo ter bens e exercerem importantes funções dentro
do governo e no serviço prestado ao imperador. De qualquer forma, fora um contingente
atrelado ao Estado e submisso aos desígnios deste.
Além dos mitmaq e yana havia uma terceira categoria com status específico: a aqlla.
Era fruto do recrutamento de moças muito jovens, quase crianças, encerradas nos
monastérios do Sol, onde eram educadas por mulheres incas mais velhas. Após a
puberdade, algumas eram tomadas como esposas subsidiárias do imperador, enquanto
outras eram dadas pelo mesmo em sinal de gratidão a personalidades de destaque.
Entretanto, a maioria delas continuava a viver nos monastérios, em estrita castidade, a
serviço do culto solar. Além das funções religiosas, tinham um papel econômico importante,
trabalhando na fiação e tecelagem da lã resultante dos rebanhos do Sol. Formavam,
juntamente com os mitmaq e yana, uma considerável força de trabalho a serviço permanente
do Estado.
Por fim, com o passar dos anos, a sociedade sob domínio do Estado Imperial
começava a sofrer transformações pela ação do mesmo, perdendo em parte os velhos
valores comunitários e dirigindo-se rumo a uma sociedade de classes cada vez mais
estratificada:

“A ordem social que o Estado tendia a desenvolver manifestava


claramente seu caráter estratificado ao redor de Cuzco, onde a etnia
inca se erigia em classe ociosa, graças aos numerosos dependentes
que satisfaziam suas necessidades. [...] Era apenas questão de tempo
a transformação de um Império tradicional em um grande Estado
moderno.” (FRAVE, 1998, p. 50)

A CULTURA ANDINA
A cultura inca fora marcada pela influência das civilizações andinas precedentes. A religião
fora a prova disto. Os povos andinos tinham por costume a adoração de grutas ou montanhas,
transformadas em santuários (habitat das waka ou divindades tutelares). Tinham os Incas seu
próprio santuário, a caverna “umbilical” de onde saíram os antepassados mitológicos da etnia –
Manko Kapa e seus irmãos. A lenda afirma que Pachakuti – o fundador do império – retornou a
esta caverna situada em Paqariqtampu e saiu pelo mesmo orifício que dera passagem aos
antepassados míticos.
Quando subjugavam novos territórios e povos, os Incas costumavam respeitar suas
divindades. Entretanto, impunham o culto ao deus Sol – Inti, sendo esta a religião do Estado.
Configurava-se como elemento de justificação do poder imperial, haja vista ser o Inca o “Filho
do Sol”. Porém, a adoração ao Sol não fora inovação dos Incas, a Porta do Sol de Tiahuanaco
o atesta. A inovação estava em transformá-lo em culto oficial do Estado e difundi-lo por todo o
império.
Uma prática de poder exercida pelos imperadores era o “aprisionamento” dos ídolos
que representavam as waka dos ayllu, na capital Cuzco. Assim como em relação aos filhos dos
kuraka, que eram levados para Cuzco com o fito de serem educados pelos Incas, a posse da
waka era um seguro contra revoltas e contestações. Existiam também sacrifícios humanos,
remota tradição andina, sendo, entretanto, mais comum os sacrifícios de animais, como os
lhamas.
A arquitetura também recebera as influências anteriores. Cuzco, com seus inúmeros
palácios (cada imperador devia erguer seu próprio, onde posteriormente sua múmia era

37
depositada), casas,
templos e a fortaleza de
Sacsahuaman, exemplifica
História da a arquitetura monumental
América I incaica (interessante notar
que o traçado original da
cidade era um desenho de
puma). Todas estas obras eram possíveis
através da mita, que era prestada por
milhares de camponeses recrutados para
a consecução das monumentais
construções de grandes blocos de pedra.
Porém, provavelmente onde mais se
exigia o trabalho forçado coletivo era nas
obras hidráulicas e de construção das estradas que ligavam todo o império, de norte a sul.
Ainda nisto os Incas copiaram civilizações como a dos Chimus, que à época de seu império
construíram uma rede de estradas que interligava seu território, bem como inúmeras obras de
regadio de grande porte. Mais uma vez o mérito inca reside em aperfeiçoar estes
empreendimentos, ao dispor de numerosa mão-de-obra nunca antes vista.
Diversos entrepostos – os tampu – foram construídos como albergues para os
funcionários do Estado de passagem, bem como para servirem de bases para o correio
imperial. Em cada tampu ficavam os chaski que corriam até o próximo entreposto levando
as mensagens determinadas, sendo um sistema eficiente de comunicação para o seu tempo.
As estradas entrecortavam as montanhas e vales, possuindo inúmeras pontes pênsils.
Grandes arquitetos, os Incas foram, também, grandes construtores de cidades,
acelerando o processo de urbanização. A justificativa ideológica para a dominação imperial
residia numa “missão civilizadora” – mesmo argumento que posteriormente utilizaram os
espanhóis. Assim, deveriam difundir o urbanismo e as obras de regadio que o
complementavam. Tambo Colorado, Machu Picchu, Ollantaytambo, entre outros sítios
arqueológicos, exemplificam o esforço inca em difundir a vida urbana.

38
Num relevo como o das Cordilheiras dos Andes, a irrigação por regadio em terraços
era indispensável para a manutenção dos centros urbanos. Estas obras de elevada
engenharia arquitetônica já eram praticadas pelos
povos precedentes, porém no período inca
atingiram seu ponto máximo. A agricultura, base da
economia, tinha como principais gêneros
produzidos a batata, o milho, a quinoa e a oca (um
tubérculo). A preparação da terra era feita com um
bastão de semear com apoio para o pé (taclla), que
não somente perfurava como revolvia o solo.
Nas demais artes como a cerâmica, a pintura,
a escultura e a metalurgia, houve poucas inovações
em relação às tradições andinas. Entretanto, mais
uma vez souberam os Incas sintetizar as diversas
contribuições dos povos que conquistaram (porém de
modo desigual, pois em determinados ramos, como
a escultura e a cerâmica, sua qualidade estética fora
inferior). Fora a metalurgia a arte mais desenvolvida
no mundo andino (mais importante centro metalúrgico
pré-colombiano), onde eram trabalhados o ouro, a
prata e o cobre (que era ligada ao estanho para a
obtenção do bronze). Desenvolveram inclusive a
platina, que a Europa só conhecera por volta de
1730 (FRAVE, 1998, p. 85). Ao lado temos
estatuetas cerimoniais que ilustram a metalurgia
incaica.
APOGEU E DECLÍNIO DO IMPÉRIO INCA
O império inca se desenvolveu por questões internas e
externas. Afora as campanhas militares causadas por ataques de
povos vizinhos, que resistiam à ascensão inca (como os Chanka),
ocasionando guerras de conquista, a política interior em Cuzco
impelia os incas a um estado quase permanente de guerra. Pois,
como vimos, o pretendente a soberano tinha que “merecer” o trono,
e a forma mais usual de merecimento era a vitória em campo de
batalha. Aliado a isto, a guerra era um elemento de ascensão social
dentro da sociedade imperial. Como exigiam dos povos conquistados
a prestação de serviço militar, diversos chefes guerreiros incentivavam
a realização de campanhas militares que lhes davam prestígio e cargos
dentro da hierarquia militar e social, o mesmo ocorrendo com a nobreza de
Cuzco. Assim, a guerra configurava-se como indispensável para a coesão
do império.
No reinado de Wayna Kapaq, as conseqüências do expansionismo
imperial e da política guerreira seriam fortemente sentidos. O império se
estendera longe e rápido demais para que as estruturas administrativas e
a diplomacia garantissem sua integridade. Havia muitos povos que
deveriam permanecer submetidos ao controle de Cuzco. Quando das
derrotas de Wayna Kapaq frente às ferozes etnias setentrionais, a
credibilidade do projeto imperial se abalara, desencadeando insurreições autonomistas.
Para contornar o estado belicoso do norte, o imperador transferiu a sede do poder
político para a região, construindo Tumipampa, novo centro administrativo do império. Isto

39
em muito desagradara à elite cuzquenha, ciosa de suas prerrogativas de poder
estatal. Afastar-se das intrigas geradas pelas panaka fora inclusive um dos
motivos que levaram Kapaq a transferir a capital, o que teria conseqüências
História da desintegradoras após sua morte.
América I Falecido em 1528, abrira-se novamente a luta pela sucessão entre dois
filhos de Wayna Kapaq: Ataw Wallpa e Waskarr. Tendo como base de apoio o
norte, Ataw Wallpa tinha um poderoso exército situado ao redor de Quito. Já
Waskarr dispunha do respaldo das etnias do sul do império e reuniu para si o apoio dos
descontentes com a mudança da capital. A guerra civil, entremeada com revoltas
autonomistas, estava em plena atividade em abril de 1532, quando chegaram os espanhóis
em Tumbes.
Chefiados por Francisco Pizarro, aproveitaram os espanhóis os conflitos e intrigas
incas. Cada lado da disputa pelo trono via o outro como o principal inimigo, deixando os
estrangeiros em segundo plano. Enquanto isso, Pizarro tratava de conseguir o apoio das
etnias descontentes com a hegemonia inca, angariando tropas para lutar com as forças
imperiais. Atraiu Ataw Wallpa para uma emboscada na cidade de Cajamara: ao adentrar a
praça principal com suas tropas, fora Wallpa surpreendido pelo fogo dos canhões e pelo
assalto da cavalaria e dos cães espanhóis, que causaram pânico e muitas mortes entre os
adversários, conseguindo aprisionar seu líder. Já Waskarr caíra prisioneiro das forças do
irmão, sendo assassinado. Apesar do pagamento do resgate em troca da soltura do então
empossado imperador Ataw Wallpa, fora ele também morto pela influência dos aliados
nativos de Pizarro (agosto de 1533). A partir de então a anarquia se abatera sobre o império,
que se desintegrava, tanto pela ação dos kuraka que se emancipavam, como por uma revolta
dos yana que assassinavam seus senhores Incas.
Em novembro de 1533, eram os espanhóis recebidos em Cuzco por Manko Inca,
recentemente feito imperador. Este, em 1536, se rebelara contra o domínio estrangeiro e
iniciara a guerra de reconquista que findara com a sua morte, em 1545. Após o fracasso da
tentativa de reconquista, refugiaram-se os Incas na região de Vilcabamba (vertente oriental
dos Andes), de onde ainda opuseram certa resistência aos espanhóis, sendo, entretanto,
definitivamente vencidos em 1572, com o assassinato de Tupa Amarru, último dos
imperadores desta etnia que governava o outrora mais poderoso Estado da América pré-
colombiana.

Texto Complementar

A Unidade das Altas Culturas pré-colombianas

“Entendemos por Altas Culturas Pré-colombianas as civilizações americanas


localizadas no México atual, na região norte da América Central e na faixa que se estende
desde a Colômbia até o Chile, acompanhando a orla marítima do oceano Pacífico.
Um observador atento poderá perceber de imediato que as regiões acima assinaladas
como Altas Culturas, compreendendo respectivamente a Confederação Asteca, as Cidades-
Estado maias e o Império inca, são zonas onde hoje impera o “subdesenvolvimento”,
enquanto a América de língua inglesa, localizada fora desse mapa, parece ter-se
“desenvolvido”. Por que o norte se desenvolveu e o sul se subdesenvolveu? Por que as
regiões outrora mais “ricas” são hoje as mais pobres? Ou, por que as regiões antes mais
“pobres” são hoje as mais poderosas economicamente?
A ideologia colonialista resolveu, aparentemente, o problema, remetendo-o ao estigma
da inferioridade racial do índio americano e do negro escravo, à miscigenação racial, aos

40
impedimentos geográficos e a outras teorias mais ou menos exóticas. Essas teorias têm
em comum a premissa de que o continente americano necessitou da presença do branco
europeu para penetrar na história dos povos civilizados, e afirmam que quanto mais nos
aproximamos desse modelo capitalista mais seremos “felizes”. Como os colonos ingleses
construíram na América do Norte uma sociedade “à imagem e semelhança” da européia,
seu desenvolvimento foi muito mais rápido que o nosso, reafirmam tais teorias.
Essa explicação leva a um raciocínio formal assustador: se no passado os povos
americanos não foram capazes de se desenvolverem sem a tutela dos europeus, hoje, em
pleno século XX[I], continuam precisando da tutela dos mais desenvolvidos para mostrarem
o caminho da superação do subdesenvolvimento.
Mas a ciência moderna tem sido incapaz de provar efetivamente a suposta
inferioridade americana, ou ainda de demonstrar que o fator geográfico é determinante
para o desenvolvimento econômico. Não podemos aceitar a existência de povos inferiores
ou sem história (nós, latino-americanos) e de povos com história (as sociedades capitalistas
avançadas). Esse dualismo é artificioso e não explica a realidade.
A história tem demonstrado que o desenvolvimento de uns está condicionado ao
subdesenvolvimento de outros. Comprovou que o capitalismo destrói os antigos modos de
produção onde for necessário para seu crescimento, mas mantém estruturas pré-capitalistas
quando as considera necessárias.
Está claro para a história que todos os povos são potencialmente iguais, mas não
basta simplesmente dizer isso. Para abandonar explicações metafísicas, devemos inserir
os povos nas estruturas sócio-econômicas, no terreno das particularidades regionais, nas
diferentes formas de desenvolvimento, nas formações sociais.”
Peregalli, Enrique. A América que os europeus encontraram. Campinas/São
Paulo: Ed. da UNICAMP/Atual, 1986, pp. 7-9. In: PINSKY, Jaime [et al.] História da América
através de textos. São Paulo: Contexto, 2001, pp. 12-13.

História através de documentos

Os conquistadores europeus ficaram impressionados com a cidade de Cuzco ao


descobri-la, em 1533, chegando a afirmar que era “digna de ser vista na Espanha”. Abaixo
temos uma descrição dela (que fora completamente destruída posteriormente, restando
poucas ruínas) feita pelo espanhol Sancho de La Hoza.

“Ela está repleta de palácios senhoriais, pois nela não vive qualquer pessoa pobre.
Cada senhor ali constrói a sua casa, mesmo não tendo que residir nela permanentemente.
A maioria dessas habitações é feita de pedras, outras têm a metade de sua fachada desse
material. Há também muitas casas de tijolos, e elas estão dispostas em boa ordem, ao
longo de ruas entrecruzadas regularmente, muito estreitas, todas pavimentadas, e sulcadas
no meio com por uma calha de pedra. O único defeito dessas ruas é serem estreitas, pois
de cada lado da calha há lugar somente para um cavaleiro. Essa cidade está situada na
encosta da montanha, estendendo-se até a planície. A praça, quase inteiramente plana, é
quadrada e pavimentada. Em torno dela há quatro casas que são as principais da cidade:
estas são pintadas e construídas em pedras entalhadas.”

In: FAVRE, Henri. A Civilização Inca. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 65.

41
Seção Estante do Historiador:

História da
América I

PINSK, Jaime [et al.] História da América através de textos. São Paulo: Contexto,
2001

Atividades
Complementares
1. Destaque as causas da expansão imperial inca, tanto internas como externas.

2. Como era a estrutura do Estado Inca em seus diversos níveis?

3. Explique o processo de conquista espanhola e o conseqüente desmoronamento


do império inca.

42
O ENCONTRO E A CONQUISTA EUROPEIA

DA EXPANSÃO EUROPÉIA AO ENCONTRO: A QUESTÃO DO OUTRO

A chegada dos europeus ao continente


americano fora um dos mais importantes
acontecimentos da história humana, pois
mudara para sempre as sociedades de
ambos os lados do Atlântico, e integrara ao
mundo europeu porções de terras
infinitamente maiores que todo o Ocidente
europeu. Mas para compreendermos os
motivos que levaram os ibéricos a
“descobrirem” o continente americano,
precisamos entender o que se passava no
Velho Mundo.

A Europa à época do encontro

O período dos descobrimentos fora uma etapa de um processo de expansão da


atividade mercantil na Europa que se iniciara nos séculos precedentes. Entre o ano mil e
1492 – data da primeira viagem de Cristóvão Colombo à América – ocorrera uma conjunção
de fatores que possibilitaram um empreendimento comercial deste porte.
Em certas partes da Europa do século XII ocorrera um aumento na produção agrícola,
que possibilitara um renascimento urbano, sendo aqui e ali edificados pequenos centros
populacionais (os burgos) onde se desenvolviam mercados para trocas de alimentos,
produtos artesanais e mercadorias vindas de outras regiões. Tudo isto em meio à
predominância dos campos e das relações (e mentalidade) feudais. Fora somente através
dos séculos que o movimento urbano-comercial ganhara vulto, se alastrando pelo interior
do continente.

“A expansão agrícola foi possível graças à abertura de novas regiões


cultivadas, com a derrubada de florestas, a secagem de pântanos e o incentivo da
expansão comercial. Esta resultou de vários fatores. Dentre eles, a crescente
existência de produtos agrícolas não consumidos nos grandes domínios rurais que
constituíam excedentes econômicos passíveis de troca. Outros fatores foram a
especialização de funções, demandando a compra de bens não produzidos em
cada domínio rural, e a busca de produtos destinados ao consumo de luxo da
aristocracia. As cidades começaram a crescer e a se transformar em ilhas de relativa
liberdade, reunindo artesãos, comerciantes e mesmo antigos servos que tentavam
encontrar aí uma alternativa de vida, fugindo dos campos.” (FAUSTO, 2000, pp. 19-
20).

43
Os centros de difusão dos novos modos de vida situavam-se nos dois
extremos da Europa: o Mediterrâneo, principalmente italiano, e o Norte, com
as cidades da Liga Hanseática. Entre eles havia ainda a região do Noroeste
História da europeu (Flandres, sudeste da Inglaterra, Normandia, etc.) que além das trocas
América I comerciais se firmava pela função produtora e industrial. Gradualmente, o
circuito mercantil, onde se destacavam as cidades italianas de Florença,
Gênova e Veneza, crescia em importância e se desenvolviam as práticas de
trocas monetárias, bem como surgiam famílias de banqueiros (LE GOFF, 1991, pp. 8-9).
Os produtos mais valorizados deste circuito não eram produzidos na Europa: vinham do
Oriente Asiático, através dos mouros (muçulmanos) que controlavam as rotas comerciais e
a navegação no Mar Mediterrâneo. Assim, para terem acesso a tais produtos – as especiarias
– os demais europeus tinham que se sujeitar aos preços pedidos pelos comerciantes das
cidades italianas, que intermediavam o comércio mouro com a cristandade.
Fora para escapar desta dependência em relação ao acesso às especiarias que os
ibéricos se lançaram nas aventuras marítimas. Mas, até constituírem as condições
necessárias para alcançarem seus objetivos, tiveram antes que passar por um processo de
centralização política que culminara na formação de seus Estados Nacionais. Pois um projeto
complexo e caro como uma expedição rumo ao Oriente exigia organização e capitais
suficientes, que nenhum mercador individualmente detinha.
É ilustrativo da indispensabilidade de um Estado centralizado para a realização das
viagens marítimas o fato de o pioneiro em tal empreitada – Portugal – ter sido o primeiro
Estado Nacional moderno, consolidado a partir da Revolução de Avis (1383-1385). Lisboa,
nos séculos XIX e XV, integrava, como entreposto, o circuito comercial europeu, porém
com papel secundário. Sua burguesia crescia em prestígio, e quando da disputa sucessória
ao trono, que o rei de Castela reivindicava, apoiou, juntamente com as classes populares, o
filho bastardo de Pedro I – Dom João, conhecido como Mestre de Avis – levando-o ao
poder. Assim, a Revolução teve um caráter de luta pela independência, resultando na
formação do Estado lusitano.
A partir de então, a monarquia e burguesia lusitanas compartilharam o projeto de
expansão marítimo-comercial visando alcançar o Oriente e suas riquezas, que teve como
marco importante a conquista de Ceuta (1415) no extremo noroeste da África. Seguiram-se
sucessivas expedições rumo ao sul da costa, que estabeleceram feitorias e contatos com
as nações africanas. Este processo se prolongaria por todo o século XV, culminando com a
famosa Viagem de Vasco à Índia, em 1497-1499 (SARAIVA, 1999, p. 144). Contribuíram
para o sucesso do expansionismo luso, além da centralização política, a favorável posição
geográfica e a tradição de navegação em mar aberto (possível pela existência dos
conhecimentos técnicos necessários para tanto).
A Espanha, concomitantemente com os acontecimentos em Portugal, realizava seu
processo de centralização política, forjado na luta de Reconquista ibérica contra os mouros
(que Portugal já tinha expulsado de seu território):

“Dois dos vários pequenos reinos cristãos da península emergiram


gradualmente como líderes da reconquista. De longe, o mais importante foi
o centralmente localizado reino de Castela, cujos domínios acabaram
englobando grande parte da Península Ibérica e, quando unidos aos reinos
menores de Aragão, Leão e Navarra, assentaram a base política da Espanha
moderna.” (CHASTEEN, 2001, p. 32).

44
Fora justamente o fim das lutas contra os mouros, com a queda de Granada em
janeiro de 1492, que possibilitara aos Reis Católicos darem seu aval para a expedição que
o navegador Cristóvão Colombo há anos solicitava sem resultados. Note-se que, tendo
Colombo partido para sua aventura no mesmo ano em que se consolidara a Reconquista,
estava para Espanha (e para ele próprio) muito presente a “Mentalidade de Cruzada” que
marcaria a visão ibérica no encontro com os nativos americanos.
Colombo e os índios

O genovês Cristóvão Colombo, havia décadas, tentava empreender uma expedição


que alcançasse o Oriente pelo Oeste do Atlântico. Buscou inicialmente o apoio português,
porém Portugal estava demasiado ocupado em seu avanço rumo ao Sul da costa africana
para mudar seus planos. Circulou ainda pelos reinos do Norte – França e Inglaterra – a
procura de parceiros. Não existia ali, ainda, quem se interessasse pelo seu projeto. Decide
então solicitar o auxílio espanhol, tendo, entretanto que esperar mais seis anos até que a
queda de Granada desse a oportunidade sonhada (CHAUNU, 1969, p. 62).

Nascido em Gênova – Itália, em 1451 -,


formado nas artes náuticas em sua terra natal e
principalmente em Portugal, por influência de sua
mulher, Filipa Moniz Perestrelo, participara da
colonização lusa na ilha de Madeira. Após as glórias
da descoberta da América, e de um governo efêmero
no Novo Mundo (e mais três viagens atlânticas)
terminou seus dias na Espanha, em maio de 1506,
praticamente no ostracismo, sem saber que
descobrira um novo continente.

Com efeito, livres do combate frente aos mouros, puderam os Reis Católicos apostar
num plano que o genovês considerava infalível. Esperava encontrar o Grande Can, soberano
de uma China rica e exuberante, como afirmavam os textos de Marco Pólo. Para a Espanha,
a idéia do navegador interessava, dado o controle lusitano das rotas africanas.
Tinha-se que encontrar outro modo de chegar ao Extremo Oriente.
Além disso, terminada a conquista Ibérica, a expansão marítima
parecia um prolongamento natural de um povo que passava
por um grande crescimento demográfico. Para tanto (e
talvez pouco crentes no sucesso de Colombo) firmaram
os Reis com ele um contrato: a Capitulações de Santa Fé,
em abril de 1492. Concediam ao genovês “os títulos e cargos
de almirante, vice-rei, governador e capitão-geral de todas
as terras e ilhas que descobrisse ou por outros fossem
descobertas cumprindo suas determinações” (AQUINO,
2000, p. 90). Além destes, teria Colombo participação
nos lucros provenientes das riquezas encontradas, bem
como do comércio que por ventura se realizasse. Era, de
fato, uma excelente proposta, compatível com os
riscos de uma viagem rumo ao desconhecido.

45
Partira a expedição, composta de três embarcações – Santa Maria
Pinta e Nina – em agosto de 1492, do porto espanhol de Palos. Após dois
meses de navegação, tempo suficiente para que a tripulação ficasse
História da impaciente com a demora em encontrar terra firme, avistaram uma ilhota das
América I Bahamas conhecida pelos índios Taínos (povo Arawak, semi-nômades do
Caribe) como Guanahani. Era o dia 12 de outubro. Os primeiros contatos
entre europeus e indígenas (assim denominados, pois Colombo acreditava
estar próximo da Índia) foram amistosos. Batizou o genovês a ilha de San Salvador – dando
início ao processo simbólico de tomar posse do que encontrava. Não parou por aí:

“Colombo desce à terra numa barca decorada com o


estandarte real, acompanhado por dois de seus capitães, e pelo
escrivão real, munido de seu tinteiro. Sob os olhares dos índios,
provavelmente perplexos, e sem se preocupar com eles Colombo
faz redigir um ato. ‘Ele lhes pediu que dessem fé e testemunho de
que ele, diante de todos, tomava posse da dita ilha – como de fato
tomou – em nome do Rei e da Rainha, seus senhores...’”
(TODOROV, 1999, pp. 33-34)

Interessava ao Almirante saber dos nativos a respeito do Grande Can, bem como da
existência de ouro na região. A descoberta de metais preciosos era, provavelmente, o
primeiro objetivo de quase todos os envolvidos na empreitada, e fora com as promessas
de encontrar tais riquezas que o genovês convencera os Reis e marinheiros a embarcar na
aventura. Porém, precisamos enquadrar a busca por riqueza num quadro maior, pois ao
menos para Colombo, o ouro não era um fim em si mesmo. Era um homem essencialmente
religioso:
“A expansão do cristianismo é muito mais importante para
Colombo do que o ouro, e ele se explicou sobre isso,
principalmente numa carta destinada ao papa. [...] A vitória universal
do cristianismo é o que anima Colombo, homem profundamente
piedoso (nunca viaja aos domingos), que justamente por isso
considera-se eleito, encarregado de uma missão divina [...]”
(TODOROV, 1999, pp. 11-12)

Ademais, era um homem de seu tempo, imbuído dos valores cristãos enraizados na
cultura medieval, mais fortes ainda no mundo ibérico. A conquista esteve situada justamente
neste período de mudança das mentalidades dos séculos XV e XVI (Reforma Protestante,
Renascimento, Humanismo, etc.), onde a busca de riquezas coexistia lado a lado com o
desejo de expansão da fé cristã – pois não eram objetivos excludentes:

“Pode-se dizer, simplificando até a caricatura, que os


conquistadores espanhóis pertencem, historicamente, à época de
transição entre uma Idade Média dominada pela religião e a época
moderna, que coloca os bens materiais no topo de sua escala de
valores. Também na prática, a conquista terá estes dois aspectos
essenciais: os cristãos vêm ao Novo Mundo imbuídos de religião,
e levam, em troca, ouro e riquezas.” (TODOROV, 1999, p. 50)

46
Podemos perceber estes princípios (ligando riqueza e fé) em relação a dois pontos
no pensamento de Colombo. O primeiro seria o de que para ele, as riquezas obtidas pela
conquista deveriam ser empregadas em uma cruzada para libertar a Terra Santa, como fez
transparecer aos Reis, pois desejava “ver os benefícios de minha atual empresa consagrados
à conquista de Jerusalém” (TODOROV, 1999, p. 12). Não era o único a pensar coisas do
gênero. Havia uma crença difundida na Europa, de que existia no coração da África um
reino cristão que resistia às influências do mundo “bárbaro” à sua volta. A descoberta deste
reino, chamado de Preste João, fora objetivo de inúmeras incursões portuguesas pelo interior
africano. Não era completamente falsa esta “lenda”, pois na Etiópia desenvolveu-se em
tempos remotos uma forma de cristianismo com particularidades nativas, motivo pelo qual
fora poupada pelos países europeus quando da partilha da África em fins do século XIX,
mantendo sua autonomia.
Outro meio de se averiguar a fé do Almirante era a respeito da concepção quanto
aos indígenas. O modo de vida rudimentar dos povos do Caribe encontrados por Colombo
fez com que tivesse, num primeiro momento, uma visão idílica dos mesmos. Outra crença
comum na Europa tratava da existência de um paraíso terrestre, onde não havia pecado.
Colombo acreditava que encontraria este paraíso em suas expedições. Ao topar com os
Taínos, nus, “sem maldade” (ou malícia, pois trocavam suas pepitas de ouro por qualquer
coisa que lhes era entregue), com uma cultura extremamente rudimentar em termos materiais,
pensara que tivesse encontrado os habitantes deste paraíso. Para ele, assim como para os
portugueses que aportaram no Brasil, os indígenas eram considerados como uma “folha em
branco”, pois para os conquistadores, eles não tinham “fé, lei, ou rei” (GIUCCI, 1993). Era o
“mito do bom selvagem” em plena criação. Baseados em seu eurocentrismo, não podiam
conceber a existência de uma cultura alternativa em relação à européia. Como os nativos
eram considerados desprovidos de cultura, a grande obra civilizadora da colonização seria
retirá-los deste estágio primitivo de vida, catequizando-os, ou seja, trazendo tais povos para
a civilização cristã.
Porém, esta forma de encarar os indígenas foi rapidamente se alterando. De uma
perspectiva assimilacionista (desejo de trazer os nativos para sua cultura, pois seriam “iguais”
– leia-se humanos – aos europeus, somente faltando que fossem educados para ingressar
na civilização), passa para uma outra perspectiva, de desconsiderá-los como humanos,
incompatíveis com um tratamento civilizado. Isto se dá no momento em que ocorrem os
primeiros choques entre europeus e nativos. Os índios Caraíbas, por exemplo, desde o
começo vão hostilizar os estrangeiros. Daí prevalecera um sentimento de alteridade
(diferença) entre ambos os elementos envolvidos. Passa-se a negar a humanidade dos
nativos, descambando para uma ideologia escravagista, pois se eram “bárbaros” os nativos,
tratava-se de reduzi-los à escravidão. A idéia de escravizá-los surge ainda na primeira
viagem, porém será mais claramente defendida a partir da segunda (1493-1494). Os
monarcas espanhóis resistiram à idéia de escravização dos nativos: preferiram súditos à
escravos.
Acreditando estar próximo da Ásia, Colombo continuou sua marcha para o Oeste.
Descobrira novas ilhas, que denominou “Santa Maria de la Concepción, Fernandina, Isabela
e Joana. Nesta última, a atual Cuba, constatou-se a existência de ouro. Antes de retornar à
Europa, a frota atingiu o norte do Haiti, que recebeu o nome de La Española e onde se
fundou o forte de Navidad” (AQUINO, 2000, p. 90).
Assim terminara o primeiro episódio dos contatos Europa-América na era moderna.
Em sua volta ao continente europeu, passara o Almirante por Portugal, onde foi recebido
pelo Rei D. João II, em março de 1493. Neste encontro, o monarca lusitano afirmara que as
terras descobertas pertenciam a Portugal, devido às bulas papais e tratados firmados

47
anteriormente. Teve, deste modo início a disputa diplomática entre ambos os
países ibéricos, mediada pela Igreja. A querela teve como desfecho o famoso
Tratado de Tordesilhas (7 de junho de 1494), que partilhara o mundo entre
História da portugueses e espanhóis, cabendo aos primeiros as terras à leste da linha
América I imaginária que passava (de pólo a pólo) a 370 léguas a oeste das Ilhas de
Cabo Verde, e aos segundos todas as terras da outra margem da linha (oeste)
divisória. Temos que ressaltar o caráter arbitrário deste Tratado, que excluía
os demais países europeus (sem considerarmos todos os outros ao redor do mundo) da
partilha, o que gerara protestos como os de Francisco I, monarca francês: “Gostaria que
espanhóis e portugueses me mostrassem onde está o testamento de Adão que dividiu o
mundo entre Espanha e Portugal” (AQUINO, 2000, p. 92).
Enquanto as coroas ibéricas lutavam entre si pela posse das terras descobertas,
Colombo, em abril de 1493, teve acolhimento triunfal em Barcelona, onde, cheio de prestígio,
logo conseguira apoio para uma segunda viagem atlântica, que de fato dera a partida para
a conquista, propriamente dita, do continente americano.
A CONQUISTA ESPANHOLA DA AMÉRICA

“Eles chegaram. Eles tinham a Bíblia, nós tínhamos a terra.


Eles nos disseram: ‘Fechem os olhos e rezem’.
Quando abrimos os olhos, eles tinham a terra
e nós tínhamos a Bíblia.”

Desmond Tutu, Prêmio Nobel da Paz.

De Colombo à Conquista das Altas Civilizações Americanas

A segunda expedição de Cristóvão Colombo marcara o início da colonização das


terras americanas pelos europeus, que se estabeleceram e começaram a explorar a mão-
de-obra nativa, origem de tantos males ao longo dos séculos de domínio colonial.
Fora esta empreitada muito superior em termos de preparo e contingente envolvido:
17 navios e cerca de 1.200 a 1.500 homens (CHAUNU, 1969, p. 65). Partira de Cádiz a 25
de setembro de 1493. Alcançara, em tempo recorde, a 3 de novembro, as Antilhas. Ainda
pensando estar na costa asiática, Colombo prossegue descobrindo novas ilhas, como Porto
Rico. No contato com os indígenas, fica sabendo da existência de ouro, e não se cansara
de procurar o Eldorado. O contato com os Caraíbas é bem menos amistoso do que com os
Arawak. Os primeiros confrontos se desenvolvem, tendo os Caraíbas, notáveis índios
flecheiros, resistido à estada dos europeus em suas ilhas. Ao chegar em La Española,
constata Colombo que o forte de Navidad havia sido destruído, e seus defensores
exterminados. A partir daí se delineara as duas visões sobre os nativos, divididos entre
“bons” e “maus” selvagens, e a conseqüente atitude frente a eles: catequese e/ou guerra e
escravização.
A colonização de São Domingos se inicia em 1494, com a fundação de outro núcleo
de povoamento, batizado com o nome de Isabela (em homenagem à Rainha), bem como a
exploração do interior da ilha em busca dos metais preciosos. Segue Colombo a tentativa
de encontrar a civilização do Grande Can, que ele acredita estar próxima. Explora a costa
cubana, bem como a Jamaica. De volta à La Española toma contato com a difícil situação
da empresa colonizadora, da qual ele era o responsável, como Vice-Rei. O choque cultural,
as epidemias (principalmente a sífilis, disseminada pelas violências sexuais), assim como
a mortificante rotina de trabalho na agricultura ou na mineração de aluvião exterminaram os

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nativos Arawak, que passaram a resistir aos abusos espanhóis. A servidão, originada pela
necessidade de conseguir força de trabalho principalmente para a mineração, tinha requintes
de crueldade. Aos que não conseguissem atingir as cotas estabelecidas de ouro, o castigo
chegava até ao corte das mãos (vide gravura abaixo).

A situação econômica se agravava dia após dia, pois os conquistadores se


recusavam ao trabalho braçal, alegando terem vindo para a América atraídos pela riqueza
fácil. O pouco de ouro que fora arrancado dos Arawak, ou mesmo dos rios, não compensava
os pesados gastos na montagem do empreendimento. Os parcos rendimentos e o governo
infeliz de Colombo levaram a Coroa a conceder licenças para descobrir e comerciar com
as novas terras aos que as solicitassem, quebrando os monopólios do Almirante fixados
em 1492. Em seu retorno à Espanha (1494), teve Colombo que reivindicar a manutenção
de suas prerrogativas, o que consegue com dificuldade, pois seu prestígio estava abalado.
O fracasso do seu comando (e o comando em si, que afastava seus opositores do governo
colonial) desagradava a muitos na Corte. A redução gradual do ouro antilhano remetido à
Metrópole (que se exaurira completamente na segunda década do século XVI) e a falta de
substitutos rentáveis na exploração, indicavam o ocaso da era colombiana da colonização.
O desprestígio de Colombo pode ser vislumbrado pela demora no preparo da sua
terceira expedição (cerca de dois anos), que contou apenas com oito navios. Saída da
Espanha em maio de 1498, tal expedição continuava tendo como objetivo alcançar o Oriente
asiático. Certo que navegando pela região central da América jamais conseguiria o
navegador genovês encontrar o destino pretendido. Porém, ao menos a navegação junto
às terras continentais, na costa venezuelana, conseguira Colombo, mesmo que não soubesse
avaliar corretamente tal feito.
Ao aportar em São Domingos, encontrara um ambiente pior do que havia deixado
quando do retorno à Espanha. Enfrentou uma revolta de parte dos colonos, que culminara
com sua prisão e remessa à Europa. Teve que se defender das acusações contra seu
governo, sendo perdoado pelos Reis Católicos. Entretanto, as grandes notícias da exploração
de novas terras e riquezas, que chegavam aos ouvidos da realeza, fizeram com que fossem
revogadas as prerrogativas colombianas estabelecidas nas Capitulações de Santa Fé. O
tamanho da descoberta de Colombo acabara jogando contra ele, posto que tornasse
inconveniente à Coroa a manutenção de seus privilégios. A partir de então, passaria apenas
a ser tratado como Almirante, não mais como Vice-Rei. Era o início do fim. Conseguira

49
ainda realizar mais uma viagem à América (1502-1504), quando velejou
próximo ao litoral do Panamá e de Honduras, bem como bordejou diversas
ilhas antilhanas, retornando em seguida ao Velho Mundo. Despojado de suas
História da glórias por não ter cumprido o objetivo máximo de alcançar o reino chinês e
América I suas incalculáveis riquezas (por mais que pensasse estar próximo de fazê-
lo), morreu na Espanha quase esquecido por todos.
Entretanto, a grande obra de Colombo – qual seja a de inserir o vasto
continente americano na civilização ocidental – se perpetuaria pelos séculos. Se ele não
chegara a crer na descoberta do novo continente, outros navegadores o fizeram.
Impulsionados pelo desejo de tomar parte das riquezas do Oriente, como Portugal vinha
fazendo com lucros fabulosos, os monarcas espanhóis concederam inúmeras licenças a
navegadores de diversas origens, que se empenharam em completar a promessa
colombiana de comerciar com a China e Cipango (nome dado ao Japão à época) via oeste
do Atlântico. Entre estes aventureiros dos mares, podemos citar “Alonso de Ojeda, Pedro
Alonso Nino, Vicente Yáñes Pinzón, Diego de Lepe” (AQUINO, 2000, p. 94) e Américo
Vespúcio. Este último entrou para a História ao ter seu nome associado ao continente
descoberto – a América. Integrando diversas expedições que percorreram as costas
americanas, Vespúcio (que serviu também a Portugal) tinha plena consciência de se tratar
de um Novo Mundo que se desdobrava a cada légua percorrida de litoral.
O mérito maior do florentino Vespúcio fora o de ser um grande propagandista de
suas viagens. Tinha o costume de realizar descrições do que vira nas expedições às quais
fazia parte, publicando seus escritos pela Europa. Correspondia-se inclusive com o
conterrâneo Lourenço de Médice, um dos mais destacados homens das finanças e comércio
europeus de sua época. Publicou a obra Mundos Novus, na qual estavam contidos seus
relatos. Tomara conhecimento desta o geógrafo alemão Martin Waldseemüller, que por sua
vez escrevera Cosmographie Introductio, onde propôs o nome de América às terras descritas
por Vespúcio, como ficou exposto no mapa-múndi que ilustrava seu livro (AQUINO, 2000, p.
94). A partir de então se generalizou (em mapas e escritos) a denominação América para
designar o Novo Mundo aberto à sanha colonizadora européia, cada vez mais conhecido
pelos navegadores, sendo a viagem de Fernão de Magalhães, que contornara América do
Sul e alcançara o Pacífico (1519-1522), um marco da navegação mundial.

50
Nas primeiras décadas do século XVI, as Antilhas já tinham sentido todo o peso da
exploração colonial. Suas riquezas minerais tinham se esvaído, bem como as populações
nativas dizimadas pelo contato e dominação espanhola. O vazio demográfico deixado fora
tão grande, que certas ilhas foram praticamente abandonadas pelos colonos, pois não havia
mais braços indígenas para trabalhar. Cem anos depois, esta brecha fora ocupada por
outros estados europeus, como Inglaterra, França e os Países Baixos.
Com o declínio caribenho-antilhano, tiveram os espanhóis que explorar novas terras
para suprir as demandas cada vez maiores do mercado europeu e do Estado espanhol,
elevado ao status de grande potência da Europa durante o primeiro século de colonização.
Inicialmente, a direção do processo colonizador fora conferida aos colonos no Novo Mundo.
Inúmeros aventureiros partiram das bases caribenhas para explorar o litoral continental. Logo
tomavam conhecimento da existência de impérios e riquezas ainda por conquistar. E não
se tratava de pouca coisa...
Estimativas apontam para uma população total da América, à época da conquista,
da ordem de 40 a 80 milhões de habitantes (CHAUNU, 1969, p. 67). Afora o enorme
contingente de braços para explorar, eram os espanhóis atraídos pelos boatos de grandes
tesouros para serem saqueados. Animados por estas notícias, organizavam grupos não
superiores a poucas centenas de pessoas, e rumavam na direção dos sonhados Eldorados,
como moscas no açúcar. Os líderes (ou capitães) destes empreendimentos eram
denominados adelantados. Estes firmavam um contrato (capitulación) com as autoridades
coloniais para explorar e conquistar os territórios e riquezas que encontrassem desde que
pagassem o quinto real (imposto de 20%).
Assim, as expedições eram empreendimentos privados (na História do Brasil, os
correspondentes às capitulações e adelantados foram as Capitanias Hereditárias e os
Capitães-donatários). A Coroa espanhola estava assaz ocupada com as disputas dinásticas
européias para poder atuar diretamente na conquista americana. Por terem esta natureza
privada, tais investidas sofriam a concorrência de outros adelantados, que disputavam os
tesouros e glórias das conquistas, inclusive matando-se uns aos outros – Cortez, por exemplo,
teve que abandonar Tenochtitlán para combater o concorrente Narváez, que tinha chegado
ao litoral mexicano vindo de Cuba (SOUSTELLE, 1997, p. 104).

51
Os casos de Hernán Cortez e Francisco Pizarro ficaram famosos por
terem atingido as zonas centrais pré-colombianas (México e Peru), e deles já
tratamos anteriormente. Porém, iguais a eles, muitos outros tentaram a sorte
História da pelo interior do continente, por vezes perecendo pela resistência imposta pelos
América I nativos.
Deste modo, foram múltiplos os focos de irradiação da conquista, que
teve como bases iniciais La Española e Cuba. Posteriormente, certas regiões
no continente funcionaram como trampolins para explorações de áreas mais afastadas.
Uma destas que servira de apoio para novas partidas fora o território do atual Panamá.
Conhecida primeiramente por Verágua, depois por Castilla del Oro, fundaram-se aí as
primeiras cidades de colonização européia no continente: Santa María la Antigua (1509) e
Panamá (1519) (AQUINO, 2000, p. 96). Esta tendência à formação de núcleos urbanos
pelos espanhóis fora uma das marcas que distinguem a colonização destes em relação
aos portugueses (juntamente com a interiorização do povoamento urbano), mais preocupados
com a construção de engenhos litorâneos (HOLANDA, 1998, pp. 95-110). Era uma estratégia
de dominação erguerem-se centros urbanos, algo já praticado inclusive pelos Incas nos
Andes.
Do Panamá partiram expedições ao norte e ao sul, como as de Gil González Dávila,
que conquistou a Nicarágua (1522), a de Juan
Vásquez de Coronado, que se apossou da
hoje Costa Rica (1524), bem como as que se
dirigiram rumo à América do Sul, via Pacífico,
como a de Francisco Pizarro (1531).
Mais ao norte, a partir da expedição de
Hernán Cortez (1519) e a conseqüente
conquista da Confederação Asteca, que
desmoronara como um castelo de cartas
pelas alianças do espanhol com os rivais dos
Astecas, o caminho para a dominação
européia estava aberto. Também Cortez
fundara cidades: primeiramente Vera Cruz, no
litoral do Golfo do México, ponta de lança para
o interior, e após se apoderar de Tenochtitlán,
sobre suas ruínas ergueu a Cidade do México.
Completou este primeiro ciclo urbano-europeu
na Nova Espanha (denominação do México
durante o período colonial) a fundação de
Acapulco. Deste foco colonizador, expandira-
se a dominação para o sul (atuais Honduras,
El Salvador e Guatemala, na década de vinte),
norte (basicamente onde hoje existe a
Califórnia) e oeste (pelo Pacífico, apoderando-
se os espanhóis das Ilhas Molucas e das
Filipinas, o que abrira o comércio oriental aos
castelhanos).
Completara a época da conquista o avanço espanhol rumo à América do Sul,
principalmente com a expedição de Pizarro, porém secundado pela concorrência que sofrera
de outros conquistadores, que se espalharam por toda a costa do pacífico e pelos planaltos
andinos. À altura de meados do século XVI, a rápida e mortífera conquista espanhola estava
consolidada, faltando apenas a ocupação de áreas (como a região platina e o sul do Chile)
marginais que pouco a pouco foram sendo incorporadas ao domínio colonial.

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Os povos americanos sentiram de formas diferenciadas o peso da dominação
estrangeira. Ela fora especialmente atroz para os povos que ainda cultivavam seus modos
de vida nômades e semi-nômades. O extermínio dos Arawak o comprova, bem como dos
Tupi da costa brasílica.
As exigências européias em relação aos nativos passavam primeiramente pela sua
sedentarização. Era impossível dar continuidade a qualquer atividade econômica se a mão-
de-obra fosse instável ou móvel. O próprio fato de ter que se sedentarizar desestruturava
seu modo de vida e desarticulava suas comunidades, pois o nomadismo tinha papel
importante na reprodução dos grupos. O trabalho imposto, seja nos canaviais da América
portuguesa, seja na mineração antilhana, agredia seus princípios. Não havia na América a
lógica da acumulação que é a base do modo de produção capitalista (assim como a
propriedade privada, desconhecida, a rigor, na América pré-colombiana). Os europeus
ficavam abismados com a intolerância indígena ao trabalho contínuo. Anteriormente,
caçavam, plantavam ou colhiam somente o indispensável para a subsistência.
A partir da chegada dos conquistadores, deveriam trabalhar o suficiente não só para
sua subsistência, como também para gerar excedentes que pudessem ser apropriados
pelos dominadores. Claro que a isso se opunham os nativos. Por que trabalhariam para os
brancos vindos de longe se o meio ambiente e a agricultura incipiente garantia sua
sobrevivência? Daí a imposição do trabalho forçado, em todas as suas variantes.
Outros elementos culturais contribuíram para indispor os indígenas ao trabalho
requisitado. Um exemplo conhecido é o de que, para muitos dos povos semi-nômades, o
serviço na lavoura era exclusivamente feminino (os homens só faziam a derrubada da mata).
Obrigar um índio a trabalhar de sol a sol numa lavoura como a da cana-de-açúcar era humilhá-
lo severamente. Muitos fugiam ou preferiam a morte à realização de tarefas femininas. Desta
feita, a existência destes povos onde o contato com o europeu se dava ficara tão reduzida
que se criaram vazios demográficos já nos primeiros anos da colonização. A desarticulação
de suas comunidades, o trabalho pesado, as doenças e as guerras dizimaram os semi-
nômades do litoral brasílico e das ilhas antilhanas.
Estes vazios demográficos explicam em grande parte a necessidade da mão-de-
obra africana, trazida em massa para a América – algo em torno de 12 milhões de escravos
trazidos ao longo do período colonial (CHASTEEN, 2001, p. 41). Os escravos se
concentraram no continente americano justamente onde não havia mais trabalhadores
disponíveis, mortos pela sanha européia.
De outra forma sentiram os indígenas das zonas centrais das civilizações pré-
colombianas (México e Andes). Apesar de também sofrerem com as guerras, epidemias e
a dominação, esta se enquadrara em termos já conhecidos por estes nativos. Os Astecas e
seus confederados já extraiam excedentes das comunidades camponesas – os calpulli.
Assentada a poeira da guerra de conquista, os espanhóis se utilizaram das formas anteriores
de apropriação na Meso-América. O trauma da dominação fora mais brando, posto que a
vida comunitária tradicional fora muito menos desarticulada. Os adelantados e demais
conquistadores receberam repartimientos (comunidades indígenas) onde prevalecera a
encomienda. Esta fora a forma encontrada de subjugar os nativos ao trabalho forçado sem
recorrer à escravidão.
A justificação da encomienda (cujo termo significa “confiados”), qual seja a de
assegurar a evangelização das comunidades, dificilmente se concretizava. Aos
conquistadores interessava riqueza, não a catequese de indígenas com os quais pouco se
importavam (claro que havia exceções, infelizmente daquelas que confirmam a regra).
Os abusos no tratamento dos nativos sujeitos à encomienda, que faziam os religiosos
clamarem por maior rigidez no controle e fiscalização da evangelização, pouco abalava o
poder dos adelantados, que “tornaram-se como os nobres europeus, vivendo do trabalho

53
de lavradores servis que entregavam parte da colheita como um tributo regular”
(CHASTEEN, 2001, p. 46).
Outras formas de trabalho forçado coexistiram na América colonial, como
História da o requerimiento (autorização para escravizar aqueles que se recusavam a
América I escutar pregação), que fora empregado principalmente na produção das
minas da Nova Espanha. Para a Zona Andina, a forma empregada de
exploração do trabalho nativo seguia o mesmo modelo da mexicana: utilizar
as formas precedentes de tributação. Aqui a servidão se dava através da antiga mita:

“Os espanhóis utilizaram-na amplamente, após


introduzirem modificações segundo seus interesses.
Consistia em impor o trabalho a indígenas escolhidos por
sorteio em suas comunidades. Em geral, esse trabalho
compulsório era por quatro meses, durante o índio mitayo
recebia um salário.” (AQUINO, 2000, p. 112).]

Durante as quatro primeiras décadas desde a chegada de Colombo ao Novo Mundo,


o poderio dos colonos privilegiados se mantivera praticamente intocado, tendo ao seu dispor
grande quantidade de mão-de-obra para exploar. A supremacia dos adelantados tendera a
se enfraquecer (porém, não completamente) e a dar lugar à presença direta do Estado
espanhol no governo dos territórios dominados, na medida em que afloravam as riquezas
da América, principalmente aquelas vindas do subsolo: o ouro e a prata. Encerrava-se assim,
a segunda fase colonial, onde o poder dos potentados era praticamente ilimitado, dando
lugar ao mundo colonial de estruturas administrativas que visavam ao controle pela Coroa
da vida sócio-econômica dos seus súditos além mar.
Razões da vitória
São muitas as razões que possibilitaram a uns poucos milhares de europeus
conquistarem dezenas de milhões de nativos em um vasto e rico continente como era a
América. Abaixo apresentamos as consideradas principais.

O primeiro elemento que destacamos e que efetivamente dava aos europeus


uma superioridade importante frente aos povos americanos é a sua tecnologia bélica.
As armas de fogo (os mosquetes), desconhecidas na América, tinham um poder de
destruição a longa distância que era incomparável a qualquer armamento indígena.
Afora isto, o estrondo e a fumaça dos canhões espantavam os americanos, que
associavam-nos a um poder sobrenatural. Provocavam um verdadeiro terror psicológico
entre os indígenas. A metalurgia empregada nas espadas e lanças européias também
não tinha concorrentes na América, sendo muito mais mortificantes. O uso de
armamentos defensivos (escudos, armaduras, etc.) protegia os espanhóis frente a uma
massa de nativos que lutavam praticamente desnudos, bem como acentuavam o caráter
divino dos europeus. O emprego dos cavalos igualmente espantava os ameríndios,

Por sorte dos espanhóis, havia um conjunto de lendas e crenças nativas que
colocavam os mesmos como divindades, e resignaram muitos a se submeterem à
conquista sem luta.

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Aliado às crenças anteriormente citadas, para os americanos, seus monarcas
tinham um caráter divino ou semi-divino, fazendo com que, em caso de morte ou
captura destes, a moral para prolongar a resistência sofria pesada baixa.

Os espanhóis beneficiaram-se ainda da experiência adquirida nas Antilhas


antes do embate com os Estados americanos, o que dava-lhes a vantagem de já
conhecerem certas crenças e parte do imaginário e estrutura política dos povos
sedentários, através também de informantes e de contatos iniciais que
possibilitavam traçar estratégias de invasão. Ao contrário, os nativos nada sabiam
dos europeus, e se viam surpreendidos frente a um inimigo desconhecido e a priori
superestimado (por conta das lendas, etc.).

Souberam bem os conquistadores explorar as dissidências indígenas entre


os povos submetidos ao domínio dos grandes Estados tributários, bem como seus
inimigos históricos.

O relativo isolamento (e nenhuma forma de solidariedade frente a um inimigo


externo) entre a Meso-América e a Zona Andina possibilitou a manutenção do
elemento surpresa na invasão ao Peru, mesmo sendo mais de uma década posterior
à invasão estrangeira das terras mexicanas.

No caso dos incas, as disputas dinásticas dividiram e enfraqueceram as


chances de resistência e vitória.

Por último, o alastramento de epidemias para as quais os nativos não


possuíam anticorpos dizimara populações inteiras. No cerco que sofrera Tenochtitlán,
a cidade passara por uma destas epidemias que matavam e debilitavam muitos
homens que poderiam estar em campo de batalha, caso não tivesse ocorrido. Pizarro
também fora precedido por um surto que ceifou cerca de 300.000 vidas na Zona
Andina.

ESTADO E IGREJA NO PROJETO COLONIZADOR


No projeto da colonização, Estado e Igreja atuaram lado a lado para assegurar o
êxito do empreendimento. Pois este, em princípio, tinha a dupla finalidade de trazer riquezas
à Coroa ao mesmo tempo que novas ovelhas para o rebanho católico. À mentalidade
predatória dos colonos se somava o desejo de milhares de missionários que vieram para a
América para converter os gentios à fé no deus único cristão.
A administração colonial

Nos primeiros decênios da conquista e subseqüente colonização a Coroa tivera papel


reduzido. As expedições e a dominação inicial dos nativos subjugados se deram através
da iniciativa privada de aventureiros e adelantados. Ao Estado cabia funcionar com árbitro
das disputas entre os conquistadores e conceder as capitulaciones. Pouco propensa à
despender capitais na empresa que ainda pouco gerava em retorno, estava a Coroa

55
espanhola mais preocupada com a política européia. Bastava a ela
regulamentar a atuação dos colonos, sempre visando à receita dos tributos.
Para tanto bastava a criação da Casa de la Contratación, instalada em Sevilha
História da desde 1503. Tinha este órgão a finalidade de fiscalizar o comércio das Índias
América I Ocidentais (à falta da conquista da verdadeira Índia no Oriente, denominaram
a área colonial americana desta forma), regulando as frotas mercantes, os
contratos das Companhias de comércio, etc.
A guinada no sentido de um papel mais efetivo de controle estatal colonial se dera
em decorrência das riquezas que afloravam das conquistas das zonas centrais pré-
colombianas. Pois a lógica administrativa seguia a lógica econômica. O atraso de dois
séculos e meio na criação do Vice-Reinado do Rio da Prata em relação ao da Nova Espanha
o atesta. As áreas periféricas, desprovidas de metais preciosos, pouco importavam para a
Coroa. Fora somente quando a exploração do gado dos pampas platinos passou a elevada
monta que se constituíram lá as instituições já seculares no Peru e México (outro objetivo
fora frear o contrabando pela Colônia de Sacramento).
A partir de então, foram sendo criadas instituições burocráticas tanto na Metrópole
quanto na Colônia. O Conselho das Índias, criado por Carlo V em 1524 (três anos após a
queda de Tenochtitlán), tinha a atribuição de órgão supremo “sobre todas as questões
coloniais, fossem de natureza judicial, legislativa, militar ou eclesiástica” (AQUINO, 2000, p.
120). Somavam-se às instituições metropolitanas máximas (a Casa e o Conselho) os juízes
de residência e os visitadores, enviados para a América para fiscalizar a administração na
Colônia.
A máquina burocrática no continente americano era, por sua vez, constituída por
diversos níveis administrativos. As altas autoridades eram os Vice-Reis que (como o nome
indica) administravam os Vice-Reinados. A criação destes seguiu o desenvolvimento
econômico colonial: Vice-Reinado da Nova Espanha (1535), do Peru (1543), de Nova
Granada (1717, desmembrado do Peru), e do Rio da Prata (1776). Nas áreas periféricas
foram constituídas (como na Venezuela, Flórida, Cuba, etc.) as capitanias gerais.
Note-se que a transição constituída pela substituição dos adelantados pelas estruturas
administrativas estatais não se dera de forma pacífica. O poder que tinham aqueles estava
enraizado nas áreas sob seu domínio, tendo, por exemplo, ocorrido uma guerra civil no
Peru entre a aristocracia dos conquistadores e as tropas comandadas pelo primeiro Vice-
Rei, Blasco Núñes de Vela, que morrera ao longo do conflito, em 1546. Vencida a resistência
dos potentados locais, estes se encastelaram nas instituições que acabavam por reger na
prática a dominação sócio-política colonial: as audiências e os cabildos.
As audiências, criadas a partir de 1511 (CHAUNU, 1969, p. 128), permaneceram
como importantes centros de poder nas terras americanas. Inicialmente, estavam restritas
às funções judiciais de tribunais de última instância na América, porém com o tempo
passaram a assumir funções administrativas, inclusive substituindo os Vice-Reis em caso
de seus impedimentos. Eram as audiências integradas por “ouvidores nomeados pelo rei,
com funções vitalícias” (AQUINO, 2000, p. 120). Os cargos em repartições administrativas
(como as alfândegas) sob jurisdição das audiências eram adquiridos mediante compra,
gerando consideráveis rendas para elas. Tal mercantilização de cargos teve como
conseqüências a corrupção e desvios de conduta, pois os compradores dos mesmos
careciam obter o retorno sobre o investimento, bem como objetivavam enriquecer às custas
de suas prerrogativas.
Já os cabildos tinham funções análogas às audiências (às quais estavam
subordinados), porém exerciam seu comando a nível local. Eram as câmaras municipais,
responsáveis por legislar e administrar, além de funcionarem como tribunais judiciais.
Formados pelos regedores, que integravam a elite crioula local e reproduziam seu domínio

56
através da eleição anual, baseada na escolha de seus sucessores, conformavam os cabildos
a base estrutural do poder na América colonial espanhola. Esta estrutura repartida de poder
colonial fora o germe da posterior fragmentação da América Latina em diversos países
quando o processo de independência se desdobrara na região.

O Sistema colonial
Tendo em vista a rivalidade entre as monarquias absolutistas e o pensamento
econômico vigente na Europa durante os séculos XVI a XVIII, o empreendimento colonial
deveria ficar circunscrito ao país do qual derivava. Num sentido macroeconômico, referimo-
nos ao sistema colonial. Fernando Novais sintetizou o que significara a colonização:

“Nos Tempos Modernos [...], tal movimento se processa travejado


por um sistema específico de relações, assumindo assim a forma
mercantilista de colonização, e esta dimensão torna-se para logo essencial
no conjunto da expansão colonizadora européia. Noutras palavras, é o
sistema colonial do mercantilismo que dá sentido à colonização européia
no período que medeia entre os Descobrimentos Marítimos e a Revolução
Industrial.” (NOVAIS, 1998, p. 14).

A expansão comercial dos séculos que precederam à colonização sofrera a influência


estatal a partir da formação dos Estados Nacionais, posteriormente transformados em
monarquias absolutistas. Daí em diante, o Estado passara a empreender políticas de estímulo
ao comércio e à produção – o mercantilismo. A colonização, assim, se configurara como
uma das facetas do mercantilismo, na medida em que os empreendimentos marítimos, dos
quais ela fora conseqüência, visavam o acúmulo de riquezas pelos países que os dirigiam.
Para assegurar o domínio do comércio colonial, as coroas ibéricas estabeleceram o
exclusivismo do mesmo, através dos monopólios comerciais. Procuravam na adoção destas
medidas excluírem os concorrentes estrangeiros da apropriação das riquezas geradas pela
colonização e pelo comércio Metrópole-Colônia.
Haja vista o objetivo maior de acumulação da riqueza, que sustentava o luxo das
Cortes e a estrutura burocrática, e sendo na época a riqueza associada aos metais preciosos
– ouro e prata – bem como tendo os espanhóis a fortuna de encontrar reservas nunca antes
vistas desses metais em sua área colonial, o mercantilismo espanhol teve como
característica principal o metalismo.
Para fazer valer os monopólios, a Metrópole espanhola instituíra o sistema das frotas
de galeões. Duas vezes por ano partiam de Sevilha (posteriormente de Cádiz) inúmeros
galeões abarrotados de manufaturas (tecidos e quinquilharias), gêneros alimentícios (trigo,
azeite e vinhos) e tudo o mais que necessitassem os colonos. As frotas foram estabelecidas
para afastar o risco de ataques dos piratas e corsários (principalmente ingleses e franceses)
que infestavam os mares atlânticos. Tinham também finalidades fiscais, pois os produtos
americanos eram obrigados a passar nas alfândegas para embarcar nos navios que
compunham as frotas de retorno à Espanha. O sistema era complementado com a instituição
de portos únicos (Sevilha depois Cádiz, na Espanha; Havana, Vera Cruz, Cartagena e Porto
Belo, na América). Aos demais portos americanos era vedado o comércio.
Às restrições de trânsito comercial estrangeiro, somava-se a proibição do
estabelecimento de outros europeus em terras coloniais espanholas. Porém, ao menos por
um período de sessenta anos, houve tolerância para com a presença de portugueses. Este
período se originara com a unificação política da Península Ibérica, quando a Coroa lusitana
passara a pertencer aos reis espanhóis, ficando a Espanha senhora de praticamente todos
os domínios coloniais americanos. Temos como exemplo da ingerência portuguesa no
comércio colonial espanhol as suas atividades na região platina e do Alto Peru:

57
“A União Ibérica (1580-1640) constituiu-se em um período profícuo
para a presença portuguesa nas terras castelhanas do Vice-Reinado do
Peru, dedicando-se os lusos sobretudo ao comércio. O objetivo primordial
História da não poderia deixar de ser outro senão o escoamento da prata, tendo em
América I vista o regime mercantilista da época. Ademais, no Brasil colônia ainda
não haviam sido descobertas reservas de metais preciosos. A atração
exercida pelas riquezas de Potosí impelia os luso-brasileiros a adentrarem
pelo estuário do Prata, fixando-se desde o porto portenho às terras do Alto
Peru e Lima.” (JUNQUEIRA, 2005, p. 16)

Terminada a União Ibérica, com a volta da independência portuguesa, tiveram os


lusos que fundar, na margem esquerda do Rio da Prata, a Colônia de Sacramento (1680).
Fora Sacramento um foco constante de contrabando realizado por portugueses e ingleses.
Pois, apesar de toda a rigidez do sistema colonial imposto à América, a realidade se
incumbia de abrir brechas para o contrabando. Em regiões periféricas da colonização (como
a platina) a falta de recursos para arcar com os altos preços que atingiam os produtos
metropolitanos fazia com que os colonos abraçassem o contrabando (realizado por qualquer
europeu, desde que cobrasse preços accessíveis) como meio de abastecimento, à revelia
do sistema colonial exclusivista. Os ingleses foram pródigos em burlar as restrições do
Pacto Colonial, inundando a América espanhola com suas manufaturas.

Ademais, a incapacidade espanhola em suprir adequadamente as necessidades dos


colonos fez com que a Coroa concedesse permissões (asientos) de comércio a estrangeiros –
quase sempre ingleses – por determinados períodos (principalmente ao longo do século XVIII,
por conta das constantes guerras em que se envolvia a Coroa espanhola). Os asientos
desnudaram a situação crônica em que se vira a Espanha, duzentos anos após o início da
colonização. O apego ao metalismo, pela enxurrada de ouro e prata que grassava pelo país,
acabara por desestimular o desenvolvimento das manufaturas. Em conseqüência, os espanhóis
exerciam apenas o papel de intermediários entre os países produtores de manufaturas (como a
Inglaterra e os Países Baixos) e a colônia americana. No final das contas, a riqueza extraída das
Américas acabava por se dirigir aos demais países europeus que se dedicavam à produção

58
cada vez maior de manufaturados, proporcionando neles a acumulação primitiva que
posteriormente os impulsionaria para o desenvolvimento e a industrialização, permanecendo
ambos os países ibéricos à margem do processo industrializante.
A economia colonial deveria complementar a metropolitana. Para tanto, procuravam os
metropolitanos barrar o desenvolvimento de manufaturas ou a produção de gêneros que
competissem com os existentes no Velho Mundo, que ocasionassem uma redução da
necessidade de importação colonial. Por outro lado, estimulavam a produção dos gêneros
tropicais voltados para a exportação.
O sistema produtivo implementado fora o de plantation, realizado em grandes
propriedades (as haciendas) dedicadas à monocultura. A força de trabalho empregada era a
mão-de-obra indígena, onde esta estava disponível. Em locais em que a população nativa havia
sido exterminada, como em Cuba, tratara-se de importar os escravos africanos. Os produtos
cultivados nas plantations eram principalmente o açúcar, o cacau (que possibilitou a invenção
do chocolate na Europa) e o tabaco. Mas a exportação americana incluía ainda ervas como o
mate e grande quantidade de couros, pois o gado fora introduzido no Novo Mundo em 1500-
1510 e se disseminara rapidamente, ocupando os espaços vazios deixados pelo genocídio
nativo (No Brasil, a pecuária empurrava os indígenas cada vez mais para regiões remotas,
fugindo do contato com os portugueses).
Porém, a grande jóia das exportações americanas sempre fora o fruto das minas
peruanas de Potosí (prata) e das mexicanas (ouro e prata). A expansão da produção agrícola só
se dera com o arrefecimento da produtividade mineradora, no século XVII. Até então, o que
interessava à Metrópole era a enorme extração das riquezas metálicas. No começo da
colonização, ouro e prata representavam mais de 90% do valor das exportações, e mesmo
ainda no século XVIII nunca ficaram abaixo de 75% ou 80% do total remetido à Espanha
(CHAUNU, 1969, p. 82).

59
A Igreja Católica
Ao lado da conquista temporal da América, pelas armas, esteve
presente a conquista espiritual, pela Bíblia. No rastro dos adelantados que
História da submetiam os americanos ao poder espanhol, milhares de religiosos se
América I encarregavam de incluir as populações sobreviventes ao rebanho católico.
Estado e Igreja foram, de certa forma, “sócios” na empresa colonial.
Mas que isto, a Igreja fizera parte da estrutura burocrática ibérica, através do
Patronato. A nomeação para os cargos eclesiásticos era atribuição dos reis e seus
conselhos, sendo inclusive os nomeados pagos pelo Estado como qualquer funcionário
integrante da máquina administrativa. Disto derivava a imoralidade característica do clero
secular tanto na Metrópole como na colônia. As
nomeações para a alta hierarquia eclesiástica se davam
por critérios políticos, pois postos como o de bispo,
garantiam prestígio e riqueza aos indicados. Muitos
“religiosos” foram grandes comerciantes e detinham
considerável papel na dominação sócio-política da
América.
Ao contrário dos sacerdotes do clero secular, que
pouco se importavam com a fé de seus rebanhos, o
contingente formado pelos frades e monges, das
diversas ordens religiosas, se dedicava à evangelização
dos nativos. Para tanto, tiveram que adaptar suas
práticas e criar estratégias para efetivar seu intento de
substituir o “paganismo” americano pela doutrina católica.
A primeira tarefa que deveria ser empreendida
era garantir que os nativos entendessem a mensagem dos religiosos. Ensinar o latim, o
espanhol ou o português seria por demais complicado (além de demorado), e afastaria os
indígenas da conversão. O meio de atração dos rebanhos para as pregações do Evangelho
fora o aprendizado pelos religiosos das línguas americanas e a tradução, para estas, dos
textos bíblicos. Nas zonas centrais da colonização, México e Peru, funcionaram como línguas
veiculares de conversão respectivamente a nahuatl e a quéchua nativas. No Brasil ficara
conhecida como ‘’língua geral” (baseada no Tupi) a forma de comunicação entre os jesuítas
e os ameríndios.
As principais ordens religiosas do clero regular na
América foram as dos dominicanos, franciscanos,
agostinhos e jesuítas. Eram os frades (ou freis) os
responsáveis pelo corpo-a-corpo com os indígenas, que
recebiam os sacramentos cristãos (batismo, catequese e
extrema-unção) e aprendiam a doutrina cristã. Afinal de
contas, a evangelização dos povos americanos fora a
justificativa ideológica para a colonização. Urgia afastar os
nativos do paganismo e idolatria com os quais foram
associadas as crenças ameríndias. Para consolidar a
conversão (e mostrar a supremacia da religião européia)
os templos indígenas (entre outras construções) foram
destruídos, e sobre eles construídas as catedrais e igrejas
coloniais (como exemplo, a Catedral da Cidade do México
fora erguida em cima da grande Pirâmide do Sol asteca).

60
A difusão da religião católica acompanhava a expansão dos núcleos urbanos tanto
no litoral como no interior, pois todo município tinha sua igreja matriz e outras que a
coadjuvavam (as inúmeras igrejas coloniais do Centro Histórico de Salvador são
testemunhas do processo).

Mais independentes que o clero secular em relação ao controle estatal, os frades


missionários foram, por vezes, inconvenientes para a as autoridades e colonos espanhóis.
Enquanto que em torno das cidades e campos das zonas centrais da colonização geralmente
trabalhavam lado a lado com o Estado na submissão dos nativos, nas áreas periféricas
atuavam quase sempre à parte do conjunto colonizador na evangelização dos semi-nômades.
Constituíram as reduções ou missões (aldeamentos habitados por indígenas que viviam e
trabalhavam sob tutela destes religiosos) que em alguns casos se chocaram com colonos e
autoridades coloniais. Nas missões, pretendiam proteger os nativos da servidão (ou
escravidão) imposta pela atuação predatória dos colonizadores. Estes, interessados no
suprimento da mão-de-obra indígena, protestavam e confrontavam os religiosos, visando à
exploração das populações dos aldeamentos e reduções.
O caso extremo do conflito gerado pela oposição missionários versus colonos/Estado
fora o dos Sete Povos das Missões, na região platina. Organizado pelos jesuítas, o conjunto
formado pela grande massa de índios Guarani aldeados atingira considerável organização
política e econômica, inclusive produzindo excedentes agrícolas que atiçavam a cobiça dos
seus opositores. À Coroa desagradava a existência de um núcleo considerável de
povoamento (composto por dezenas de milhares de índios) que estava alheio ao seu domínio,
temendo a constituição de um Estado dentro do Estado (CHAUNU, 1969, p. 133). Após
quase dois séculos de permanência (1585-1768) fora destruída por forças coloniais a grande
obra missionária dos jesuítas na região platina.
Mesmo com sua destruição, se considerarmos a longo prazo a experiência
missionária com os Guarani, os Sete Povos das Missões possibilitara a preservação de
costumes e da língua guarani, ainda hoje falada no Paraguai.
O papel dos missionários, além do trabalho nas missões, fora o de protestar contra
os abusos dos colonos na exploração dos indígenas tanto pela encomienda como pela
mita. Na América espanhola o maior defensor de um tratamento mais digno aos indígenas
fora o frei Bartolomé de Las Casas (1474-1566). Las Casas, anteriormente dotado de uma
encomienda onde observava as mortes pelas doenças e pelo trabalho forçado dos indígenas,
se convertera em defensor dos mesmos através da influência da Ordem Dominicana, à
qual passou a fazer parte. Durante anos escreveu textos atacando a exploração colonial
das populações nativas, conseguindo, em meados do século XVI (após vencer o debate
com seu opositor, Juan Sepúlveda), convencer as autoridades metropolitanas a abolir

61
gradualmente a encomienda. Através dos impostos cobrados pelo governo
sobre os encomienderos, esta acabaria por cair em desuso, sendo abolida
definitivamente em 1719 (AQUINO, 2000, p. 112).
História da
“Esta [a encomienda] acabará por se extinguir por si própria. É
América I
caso arrumado ao dobrar do século XVII para o XVIII. Foi substituída
em quase toda a parte por um conjunto de formas de exploração
diferentes, sem ligação histórica com ela. [...] As novas formas – as
que ainda hoje quase em toda parte asseguram as bases econômicas
de dominação das classes oriundas da consagração da Independência
– decorrem da espoliação das comunidades indígenas e da
constituição de uma estrutura latifundiária de propriedade individual,
transposição caricatural da que a Reconquista havia instalado na
Espanha do Sul.” (CHAUNU, 1969, p. 102)

A ingerência dos jesuítas (a mais poderosa das ordens religiosas) na América,


rivalizando com os poderes dos potentados locais e do Estado, acabou por resultar em sua
expulsão tanto do Brasil como da América espanhola na segunda metade do século XVIII.

RUMO AO MUNDO COLONIAL


Que mundo colonial foi este surgido a partir das cinzas das civilizações pré-
colombianas e do influxo da dominação européia? A resposta para esta questão é complexa,
porém desde logo podemos afirmar uma coisa: fora um Novo Mundo, marcado pela junção
dos modos de vida nativos com a civilização cristã imposta pelos colonizadores.
Contudo, evidente que havia uma assimetria entre os colonizadores e os povos
submetidos ao seu domínio, marcada pela hegemonia dos primeiros sobre os segundos.
Foram transplantados para as Índias Ocidentais os valores e costumes europeus, que
deveriam se sobrepor (e quando possível apagar) ao modo de vida dos nativos americanos.
A tal processo podemos chamar de transculturação (que pressupõe trocas culturais entre
as partes envolvidas, porém com hegemonia de uma delas – no caso americano, a européia-
formando sociedades novas).
A hegemonia exercida pelos ibéricos pode ser constatada nas inúmeras facetas das
sociedades coloniais em gestação. Já analisamos o papel da Igreja no processo de
submissão cultural dos nativos aos valores cristãos. Com o passar das gerações, os povos
latino-americanos abraçaram verdadeiramente a religião Católica (o fato de que atualmente
os países da região constituem boa parte do contingente de fiéis o comprova, sendo inclusive
o Brasil o país com o maior número de católicos do mundo), bem como o governo de
monarcas que reinavam por um direito divino.
Contudo, a religiosidade latino-americana escapara à padronização da Igreja. A
mescla de contribuições indígenas, africanas e européias dava à espiritualidade dos
americanos novos tons que destoavam dos preceitos de Roma. O bem enraizado sincretismo
religioso dos baianos de hoje, para os quais os santos católicos se confundem com os
orixás africanos é um exemplo. Além deste, a profusão de santidades “americanizadas”,
como a Virgem de Guadalupe (de feições indígenas), padroeira do México, e a Nossa
Senhora Aparecida (representada por uma Virgem Maria negra), padroeira do Brasil,
também servem de exemplos.
Não obstante, a Igreja procurava coibir os desvios e castigar os hereges. Tribunais
da Santa Inquisição foram instalados em cidades como Lima desde o século XVI. Uma lista
de livros proibidos na América era mantida pela Inquisição, que também se preocupava em

62
restringir as influências judaicas entre os americanos, perseguindo aqueles apenas
superficialmente convertidos (cristãos-novos).
O exercício da hegemonia da Igreja Católica, que reforçava a predominância dos
valores europeus, se deu também pelo fato de que ela monopolizava a educação na América.
Universidades foram criadas nos centros urbanos espanhóis do Novo Mundo (a primeira,
em São Domingos, data de 1538), sendo que ao findar-se o período colonial, havia mais de
vinte delas espalhadas pela América espanhola (HOLANDA, 1998, p. 98). Ao contrário, o
desleixo português com a educação no Brasil colonial
fizera com que o ensino superior somente aí chegasse
com a vinda da Família Real em princípios do século
XIX. Sendo a educação um dos mais fortes elementos
de conformação cultural, é claro que contribuíra para o
enquadramento americano na civilização ocidental,
mesmo que o acesso à educação fosse restrito aos
privilegiados (e homens, pois na sociedade patriarcal
latino-americana era vedado o ingresso de mulheres nas
universidades: elas tinham apenas duas alternativas – o
casamento ou a vida religiosa).
Os centros urbanos onde estavam localizadas as
universidades reforçavam a hegemonia cultural dos
europeus. Pois estes, sempre que podiam, nelas
residiam. A urbanização (como antes de dera com os
Incas) possibilitava a fixação e controle dos ibéricos
pelas regiões circunvizinhas. As cidades coloniais
abrigavam os órgãos administrativos e suas
autoridades, bem como formavam verdadeiras ilhas de
cultura européia em meio à imensidão indígena
(CHASTEEN, 2001, pp. 63-65).
A economia que gravitava em torno dos núcleos urbanos (que canalizavam as
atividades comerciais) era baseada na agricultura. As haciendas, além da produção para a
exportação, também se dedicavam a abastecer as populações citadinas e o comércio inter-
regional colonial que as zonas mineradoras necessitavam. Gradualmente as encomiendas
se extinguiam, dando lugar a formas de exploração da força de trabalho nativa muitas vezes
não menos degradantes. Os indígenas que ainda viviam em suas comunidades trabalhavam
as terras dos latifundiários, formando um contingente dependente que era (mal) pago por
seus serviços.
Aos poucos, a evolução da economia
colonial e o desenvolvimento das relações de
trabalho não servis provocaram a
desarticulação das comunidades (os calpulli
mexicanos ou os ayllu andinos), pois o avanço
das fronteiras agrícolas e a ganância dos
latifundiários fizeram com que estes se
precipitassem sobre as terras comunais. A
partir de então, os indígenas trabalhariam
individualmente as terras das haciendas ou
tornar-se-iam arrendatários de lotes nas
mesmas. Este processo de “peonização” da
população indígena ou mestiça, iniciado no
século XVI, e acelerado no XIX, persiste até
os dias de hoje (CHAUNU, 1969, p 103).

63
Entretanto, as comunidades notadamente de traços indígenas se
conservaram nas zonas mais periféricas onde o latifúndio e a exploração
colonial não as atingiram em tempos coloniais. Afora estas áreas marginais,
História da a miscigenação fora (e é) uma das marcas das sociedades latino-americanas.
América I À população indígena veio se somar a migração européia e a africana que
conformavam cada vez mais uma sociedade mestiça. Aos novos contingentes
vindos de fora, contribuíra para a miscigenação o fato de que o desastre
demográfico do primeiro século da colonização reduzira a população ameríndia pré-
colombiana a uma fração do que era antes que as doenças e o trabalho mortificante a
exterminasse. Daí a predominância étnica branca na maior parte da América Latina, se
bem que com graus variados de mistura do sangue ameríndio e (em menor proporção)
negro.
A própria realidade colonial levava os europeus a se relacionarem com as índias,
posto que as espanholas representassem apenas um décimo da migração chegada na
América. Da exploração sexual à formação de famílias ibero-americanas fora um passo.
Da união entre estes dois elementos resultara a grande miscigenação latino-americana à
qual se juntaria o elemento negro. Com o tempo, um maior número de espanholas
desembarcara na América, porém apenas atenuara os casamentos inter-étnicos.
A estrutura racial tendia a seguir a hierarquia social – brancos nascidos na Espanha
no topo, escravos negros chegados da África no degrau mais baixo, tendo entre os extremos
uma enorme gama elementos inter-étnicos. Para manter a hierarquia social e impedir a
ascensão de mestiços, índios e negros, as metrópoles instituíram um verdadeiro sistema
de castas:

“Para exercer o controle sobre as sociedades coloniais latino-


americanas, as Coroas ibéricas classificavam as pessoas em categorias
fixas, legais, semelhantes às castas indianas, mais ou menos segundo a
raça. A casta de uma pessoa era anotada no registro batismal e pessoas de
castas inferiores eram legalmente impedidas de se tornar sacerdotes,
freqüentar a universidade, usar seda, possuir armas e muitas outras
restrições. Alguém de descendência totalmente européia ocupava uma
categoria no sistema e alguém de descendência totalmente africana ocupava
outra. Mas o filho de europeu com africano pertencia a uma terceira categoria:
meio europeu, meio africano, logicamente. Havia uma quarta categoria para
o filho de pai europeu e mãe indígena, e uma quinta para uma criança cujos
pais fossem indígena e africano. E os povos indígenas tinham uma categoria
própria, a sexta. Mas isso era só o começo.” (CHASTEEN, 2001, p. 73)

Ao longo do tempo estas categorias foram se multiplicando, pelos relacionamentos


sexuais (ilegais) entre elas, formando até dezesseis ou mais classificações, que confundiam
as distinções e pressionavam o sistema, mas isso é assunto para a disciplina História da
América II...
Assim, grosso modo, os brancos nascidos na Espanha (chapetones) estavam em
vantagem frente aos seus descendentes nascidos na América (os crioulos) que por sua vez
estavam acima dos demais: mestiços, índios e negros. Fora esta estrutura a que perdurara
durante a época de dominação da Espanha sobre suas posses americanas.

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As outras Américas – noções preliminares
Vimos até aqui como fora o desenvolvimento da colonização ibérica. Porém, no século
XVII, a colonização da América teria novos agentes europeus, pois ingleses, franceses e
holandeses iniciaram a montagem de suas colônias nas áreas não ocupadas por Espanha
e Portugal. Desta forma, teve começo a conformação das duas Américas que tanto se
distinguiriam no decorrer dos séculos – a América Latina (ibérica) e a América do Norte (de
colonização francesa e inglesa).
Franceses e ingleses estiveram presentes na América desde o século XVI, atuando
como piratas e corsários nos saques aos navios espanhóis. Porém somente no século
seguinte puderam iniciar seus primeiros movimentos migratórios, muito tímidos no começo.
As áreas para as quais se dirigiram (e depois colonizaram) foram:

A América do Norte, grande espaço vazio (parcamente povoado pelos


indígenas) aberto à colonização européia. Os espanhóis, mais preocupados em
extrair as riquezas mexicanas e peruanas, pouco se interessaram pelos territórios
norte-americanos, ocupando de forma precária apenas a Flórida, bem como o oeste
continental, praticamente onde hoje é o território da Califórnia.

Parte das Antilhas, abandonada pelos espanhóis (ou de pouca presença


dos mesmos) após os primeiros decênios da colonização.

Posteriormente, seria ocupada a região das Guianas, na costa da América


do Sul próxima às Antilhas, outro espaço americano esquecido pelos espanhóis.

A colonização levada a cabo pelos ingleses, que fugiam da instabilidade política e


das guerras religiosas na Inglaterra, fora em muitos aspectos distinta daquela realizada por
espanhóis e portugueses. Tinham objetivos diferentes e utilizaram formas outras de trabalho
que não o indígena, pois não tiveram à sua disposição a massa de ameríndios encontrada
pelos espanhóis, e somente ao longo do século XVII lançaram mão do trabalho escravo
africano (nas plantations), nos moldes que os portugueses o fizeram no Brasil e os espanhóis
no Caribe.
O desenvolvimento da colonização de povoamento na América do Norte, ocupada
por ingleses e franceses, explica em grande parte a desigualdade verificada na evolução
histórica dos dois grandes blocos em que se divide a América. Explicar este desenvolvimento,
bem como entender as causas das disparidades americanas, são tarefas a serem cumpridas
também em América II.
À guisa de conclusão
A história da América até aqui estudada permite que façamos um balanço do período
que vai do seu povoamento, a dezenas de milhares de anos atrás, até a conformação da
colonização ibérica do continente.
Fora esta parte do globo habitada por povos que se desenvolveram (longe da
influência do Velho Mundo) ao longo do tempo e do espaço de formas particulares,
apresentando grande diferenciação sócio-cultural quando aqui aportaram os europeus.
O encontro entre a Europa e a América marcara para sempre a História humana,
sendo certamente o maior evento da Era Moderna. Ambas as partes em contato em muito
se transformaram (principalmente a América) após a chegada de Cristóvão Colombo, em
1492, às terras americanas.

65
Incorporada à expansão da cristandade e ao circuito mercantil europeu,
a América colonial significara um salto em direção ao desenvolvimento das
forças produtivas capitalistas, possibilitado pelo acúmulo de riquezas pela
História da Europa Ocidental.
América I O mundo colonial exercera forte influência em diversos aspectos da
vida dos povos do Velho Mundo. A título de exemplo, citemos um não
comentado anteriormente, a alimentação: gêneros nativos da América, como
a batata, o cacau, o milho e o tomate se difundiram mundo afora, assegurando uma
diversificação adicional importante na pauta alimentar das populações não-americanas.
Esta fora apenas uma das diversas facetas do alcance que tomara a descoberta da América
para a evolução histórica rumo à História Contemporânea.

Texto Complementar

“Suas Maneiras são Decentes e Elogiáveis”

“Tudo começou com Cristóvão Colombo, que deu ao povo o nome de Índios. Os
Europeus, homens brancos, falavam com dialetos diferentes, e alguns pronunciavam a
palavra “Indien”, ou “Indianer”, ou “Indian”. Peaux-rouges, ou “redskins” (peles vermelhas),
veio depois. Como era costume do povo receber estrangeiros, os tainos da ilha de São
Salvador presentearam generosamente Colombo e seus homens com dádivas e trataram-
nos com honra.
“Tão afáveis, tão pacíficos, são eles” escreveu Colombo ao rei e à rainha da Espanha,
“que juro a Vossas Majestades que não há no mundo uma nação melhor. Amam a seus
próximos como a si mesmos, e sua conversação é sempre suave e gentil, e acompanhada
de sorrisos; embora seja verdade que andam nus, suas maneiras são decentes e
elogiáveis.”
Claro que tudo isso foi tomado como sinal de fraqueza, se não de barbárie, e Colombo,
sendo um europeu bem intencionado, convenceu-se de que o povo poderia “ser posto a
trabalhar, plantar e fazer tudo que é necessário e adotar nossos costumes”. Nos quatro
séculos seguintes (1492-1890), vários milhões de europeus e seus descendentes tentaram
impor seus costumes ao povo do Novo Mundo.
Colombo raptou dez de seus amistosos anfitriões tainos e levou-os à Espanha, onde
eles poderiam ser apresentados para se adaptarem aos costumes do homem branco. Um
deles morreu logo depois de chegar, mas não antes de ser batizado cristão. Os espanhóis
gostaram tanto de possibilitar ao primeiro índio a entrada no céu, que se apressaram em
espalhar a boa nova pelas Índias Ocidentais.
Os tainos e outros povos arawak não relutaram em se converterem aos usos religiosos
europeus, mas resistiram fortemente quando hordas de estrangeiros barbudos começaram
a explorar suas ilhas em busca do ouro e pedras preciosas. Os espanhóis saquearam e
queimaram aldeias; raptaram centenas de homens, mulheres e crianças e mandaram-nos
à Europa para serem vendidos como escravos. Porém a resistência dos arawak deu origem
a que os invasores fizessem uso de armas de fogo e sabres, trucidando centenas de milhares
de pessoas e destruindo tribos inteiras, em menos de uma década após Colombo ter pisado
na praia d são Salvador, a 12 de outubro de 1492.”

BROWN, Dee. Enterrem meu coração na curva do rio. São Paulo: Círculo do
Livro; Melhoramentos, s/d, pp. 19-20.

66
História através de Documentos

Décima segunda objeção de Juan Ginés de Sepúlveda na disputa com Bartolomé


de Las Casas sobre a legitimidade da conquista da América.

Valladolid, 1550/1551.
“Contra o que se diz a intenção de Alexandre papa em sua bula foi que primeiro
pregassem o Evangelho àqueles bárbaros e depois de feitos cristãos fossem sujeitos aos
reis de Castela, não quanto ao domínio das coisas particulares nem para torna-los escravos
nem tirar seus domínios, mas somente quanto à suprema jurisdição com algum razoável
tributo para a proteção da fé e ensino de bons costumes e bom governo, e que assim
declarou outra bula de Paulo terceiro, digo que a intenção do papa Alexandre, como se vê
claramente pela bula, foi que primeiro os bárbaros se sujeitassem aos reis de Castela e
depois lhes fosse pregado o Evangelho. Porque assim foi feito desde o princípio por instrução
dos Reis Católicos, que se ajustaram à intenção do papa sendo vivo o dito pontífice nove ou
dez anos depois que deu a bula. E sabendo a maneira que lá se tinha na conquista, como
souberam todos os papas que depois aqui sucederam e a aprovaram, não somente não se
opondo, mas dando bulas, faculdades e indulgências cada um deles para as igrejas catedrais
que aqui foram sendo escolhidas, e para bispados e mosteiros. Porque a bula de Paulo III
não foi dada senão contra os soldados que sem autoridade do príncipe faziam estes bárbaros
escravos e muitos outros agravos, e os tratavam como bestas, e por isso nela disse que os
havia de tratar como a homens e próximos, pois eram animais racionais. Dizer, pois, como
se diz, que não devem ser sujeitados no princípio e sim depois de feitos cristãos, está fora
de toda razão. Porque se por uma causa, a saber, para proteção da fé e para que não a
deixem e caiam em heresias é lícito sujeitá-los, por que não será mais lícito por duas, a
saber, por esta, e primeiro por outra mais necessária, para que não impeçam a pregação
nem a conversão dos que crerem e para eliminar a idolatria e maus ritos? Digo antes que,
se devesse haver distinção entre estes dois tempos, que demoraria mais dizer que deviam
estar sujeitos até lhes ter pregado e tirado a idolatria e convertido à fé católica e, feito isto,
que é o que pretende a Igreja, deixá-los na liberdade e domínio com que primeiro estavam,
mas não deixar de sujeitá-los no princípio para não lhes fazer violência nem agravos, embora
por seus pecados e idolatrias mereçam ser privados, e depois de deixada a idolatria e
recebida a fé, fazer-lhes violência e tirar deles os domínios para que não deixem a fé; seria
castigá-los pelo que não fizeram, que é contra a lei divina e natural [...] E digo mais: concordar
que depois de feitos cristãos devem se sujeitar aos reis de Castela como seus primeiros
príncipes é contradizer tudo o que tem dito para evitar a guerra. Porque se os reis de Castela
têm direito, como ele diz, de sujeitar daquela maneira depois de feitos cristãos, é certo que,
se eles não querem dar obediência, com justiça poderão ser forçados a isso e para isso é
necessária a guerra. Logo, com justiça se lhes podia fazer guerra por causa menor do que
a que nós dissemos. E isto é destruir com sua confissão tudo o que antes dissera. De modo
que, considerando bem isto e todo o resto que escreve o senhor bispo [Las Casas], destina-
se a provar que todas as conquistas que até agora foram feitas, embora tenham sido
guardadas todas as instruções, foram injustas e tirânicas, e confirmar o que escreveu em
seu Confesionario, que mais verdadeiramente poderia ser chamado de libelo infamatório
de nossos reis e nação, como pareceu aos Conselhos de Sua Majestade; e para que o
Imperador se persuada a não fazer doravante nenhuma conquista, no que sua Majestade
não faria o que deve, nem seria cumprido o mandamento de Cristo sobre a propagação da
fé, como está delegado pela Igreja, nem aqueles miseráveis povos que não estão
conquistados se converteriam. Porque não tendo que sujeitá-los, não iriam soldados para
garantir os pregadores a sua custa, como até agora foram, nem à custa do rei, porque tem

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outras coisas mais necessárias em seu reino em que gastar, e suas rendas
não bastam nem para as coisas daqui. E mesmo que quisesse fazer as
despesas e enviar soldados, não acharia homem que quisesse ir tão longe,
História da embora lhe desse trinta ducados por mês, pois agora correm todo perigo e
América I gasto pelo lucro que esperam das minas de ouro e prata e da ajuda dos índios,
depois de sujeitados. E se alguém dissesse que todos os gastos seriam pagos
pelos índios, pois se faz em seu proveito, está claro que não fariam isso senão
à força e vencidos pela guerra, o que é voltar ao início. E assim os pregadores não iriam, e
se fossem não seriam recebidos, mas tratá-los-iam como trataram no ano passado na Flórida
os que foram enviados sem gente de guerra, por este mesmo parecer e indução do senhor
bispo. E mesmo que não os matassem, não faria tanto efeito a pregação em cem anos
como se faz em quinze dias depois de sujeitados, tendo eles liberdade de pregar
publicamente e converter o que quiser, sem temor do sacerdote nem do cacique. Tudo isso
é o contrário nos que não estão sujeitados. E é verdade que o senhor bispo pôs tanta
diligência e trabalho em fechar todas as portas da justificação e desfazer todos os títulos
em que se fundamenta a justiça do Imperador que deu não pequena ocasião aos homens
livres, mormente os que leram seu Confesionario, de pensarem e dizerem que toda a sua
intenção foi dar a entender a todo mundo que os reis de Castela contra toda a justiça e
tiranicamente têm o domínio das Índias; mas que lhes dá aquele título tão leviano e sem
fundamento, para cumprir com Sua Majestade, que pode fazer bem e mal mais do que
nenhum outro. Concluindo, portanto, digo que é lícito sujeitar estes bárbaros desde o princípio
para eliminar suas idolatrias e os maus ritos, e para não poderem impedir a pregação e
mais fácil e mais livremente poderem se converter, e para que depois disto não possam
voltar atrás nem cair em heresias e com o contato dos cristãos espanhóis sejam mais
confirmados na fé e percam os ritos e costumes bárbaros. Com estas respostas parece-
me que satisfaz as objeções e argumentos do senhor bispo e dos que seguem sua opinião
[...]
Deo Gratias.”
In: SUESS, Paulo (org.). A Conquista Espiritual da América Espanhola. Petrópolis:
Vozes, 1992, pp. 540-542.

1492 – a Conquista do paraíso (1492 – conquest of paradise). Direção de Ridley


Scott, 1992, Estados Unidos/França/Espanha, 140 min. Este interessante filme narra a
epopéia de Cristóvão Colombo até a chegada no Novo Mundo e o conseqüente conflito
com os habitantes da América.

68
TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a questão do outro. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.

Atividades
Complementares
1. Descreva as etapas da conquista espanhola da América e suas conseqüências
para os nativos.

2. Em linhas gerais, como se configurara o sistema colonial?

3. Faça um quadro sobreposto da estrutura sócio-política da América Espanhola.

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Atividade
História da
América I
Orientada
Caro aluno,

Chegou a hora de iniciarmos a fixação do conteúdo estudado ao longo


da disciplina. As atividades propostas, de cunho avaliativo, devem ser
realizadas com atenção e zelo, para que, efetivamente, cumpram os objetivos
para as quais foram formuladas.

Etapa 1 Organize um quadro-resumo em forma de cartaz das etapas pré-históricas


América, desde o povoamento até o surgimento das sociedades agrícolas e apresente-o
em sala de aula. Esta atividade deverá ser feita em grupo.

Etapa 2 Elabore um texto dissertativo sobre as características sócio-políticas e


econômicas das Altas Culturas Pré-Colombianas (mínimo de 30 linhas). Esta atividade deverá
ser feita individualmente.

Etapa 3 Elabore um plano de aula sobre a conquista da América. Esta atividade


deverá ser feita em dupla, seguindo um dos modelos de plano de aula que será
disponibilizado na tutoria 3.

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Glossário

ADELANTADO – O título de Adelantado existia anteriormente na Península


Ibérica, quando se referia às autoridades que, em nome do Estado, governavam os territórios
por eles conquistados aos mouros na época da Reconquista. Para a América, designava
as pessoas que recebiam os direitos sobre o território, a mão-de-obra e as riquezas
conquistadas na expansão da área colonial.

ADOBE – Tijolo seco ao sol.

ALUVIÃO – Mineração nos leitos dos rios.

CADINHO – Vaso resistente ao fogo para fundir minérios. Aqui toma este sentido
de junção de culturas diversas.

COIVARA – Prática de se ater fogo para limpar um terreno.

CONSUETUDINÁRIO – Regras baseadas no costume.

COSMOGONIA – Parte da cosmologia, que trata especificamente da criação e


formação de um mundo em particular. Entretanto, na cosmogonia há regência dos deuses.

CRIOULO – (em espanhol, criollo): Indivíduo de descendência espanhola nascido


no Novo Mundo.

ENCOMIENDAS – Tendo suas origens na Espanha, a encomienda fora instituída


na América desde Colombo (1495). Tratava-se de trabalho coletivo de uma comunidade
indígena colocado a serviço de um particular enquanto este vivesse. Em troca da concessão
recebida, este devia pagar tributos à Coroa, além de dar assistência material e religiosa à
comunidade, o que dificilmente se cumpria.

EUROCENTRISMO – Modo de compreender a realidade que enquadra todos


os povos de outras partes do mundo a partir da experiência européia. Tudo que não for
semelhante à civilização e cultura européia, ou que não se ajuste a seus costumes e valores
é visto como inferior.

EXOGÂMICO – Famílias, clãs e tribos onde o casamento se dá entre membros


vindos de fora do grupo.

IDÍLICO – Visão romanceada, amorosa, bucólica.

MITA – Tributação pelo Estado exigida em trabalho.

PALEOLÍTICO – Período mais antigo de desenvolvimento cultural humano. A


periodização da pré-história tem como critério principal o desenvolvimento da indústria lítica
(trabalho em pedra), sendo que o Paleolítico é seguido de Mesolítico e Neolítico.

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PROSELITISMO – Catequese.

TEOCRACIA – Sistema de governo em que o poder político está


História da fundamentado no poder religiosos.
América I
TRANSUMÂNCIA – Mudança periódica de habitat quando o
sustento da colheita terminava, obrigando à procura de novas fontes de
alimentação, sendo o retorno realizado na época de nova colheita.

VIRILOCAL – Relativo à masculinidade. A relação entre parceiros


se dá pela permanência homem em seu grupo, ao qual deve se integrar a
mulher.

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Referências
Bibliográficas
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Janeiro: Record, 2000.

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73
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74
Anotações

75
História da
América I

FTC - EaD
Faculdade de Tecnologia e Ciências - Educação a Distância
Democratizando a Educação.
www.ftc.br/ead

76
www.ftc.br/ead

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