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cializados, tão comuns em disciplinas de de- nização, torna-se leitura obrigatória para to-

senvolvimento recente” (p. 21), permitindo- dos aqueles que pretendem avançar por este
se, contudo, aprofundar análises em torno do campo de estudo.
que denominará de modos de dizer, modos de PINTO, Milton José – Comunicação & dis-
mostrar, modos de interagir e modos de seduzir (p. curso, São Paulo, Hacker Editores, 1999,105
23). páginas.
Partindo da evidência da heterogenei-
dade dos discursos, Milton José Pinto procu-
ra mostrar a riqueza das relações estabeleci- Os novos cães de guarda
das entre o emissor, o receptor e a mensa-
gem, a tradicional tríade do processo comu- SERGE HALIMI PRETENDE denunciar, em Os novos
nicacional, mostrando as diferentes maneira cães de guarda, o que chama de jornalismo de
pelas quais cada um destes elementos consti- reverência, que seria uma característica do atu-
tutivos do discurso tem sido estudado ao al jornalismo francês. Para ele, existe uma es-
longo das décadas. Seja a capa de revistas, treita relação entre o jornalismo e o poder,
seja a obra pictórica clássica ou a embalagem que se traduz na formação de uma espécie
de produtos cotidianos como um pó para de máfia, integrada por alguns destacados
suco, todo o objeto presente na realidade profissionais que, não apenas ganham fantás-
concreta é passível de uma leitura, na medi- ticas fortunas em sua profissão, quanto se re-
da que porta, em si, um ou mais discursos. partem restritivamente os espaços, os elogios
Na perspectiva sociológica, Milton José Pinto e, evidentemente, os interesses dos diferentes
reconhece a relação entre o ideológico e o po- espaços da mídia francesa.
der (p. 40 e ss.), mas não reduz a análise a Retomando uma expressão de Paul Ni-
esta perspectiva. Sabe que a contextualização é, zan, a respeito de filósofos que, segundo ele,
no fundo, o elemento de certo modo funda- não realizavam bem a sua missão interrogati-
dor da interpretação e compreensão corretas va, Serge Halimi arvora-se numa espécie de
de qualquer discurso e por isso admite a im- corregedor da mídia de seu país, atacando
portância das mediações (p. 47 e ss.). especialmente as práticas de alguns dos no-
Para deixar bem clara a sua proposta de mes de maior referencialidade na mídia fran-
análise, o autor desenvolve algumas análises cesa, como Alain Peyrefite, Alain Touraine,
comparativas, mencionando estudos já clássi- Christine Okrent, André Rousselet, J. Clé-
cos, como os pioneiros de Eliseo Verón, pes- ment, Alain Duhamel, Michel Field, Alain
quisas que ele próprio orientou junto a alu- Minc, Anne Sinclair, Jean-Marie Cavada e ou-
nos seus, no Rio de Janeiro, e, enfim, algu- tros tantos.
mas sugestões mínimas de exercícios que po- Para ele, existe uma relação direta entre
dem ser facilmente retomados pelos leitores - o poder econômico e os jornalistas de grande
alunos em relação ao tema. notoriedade. Como, por outro lado, também
No encerramento do volume, Milton existe uma relação entre o poder econômico e
José Pinto sugere um roteiro de leituras intro- a política, termina Halimi por pretender de-
dutórias. E se apresenta alguns textos apa- nunciar a relação entre o poder econômico, o
rentemente referenciais inexistentes em livro, poder político e a mídia, o que, segundo ele,
na verdade está provocando o leitor a valer- é antiético.
se das novas tecnologias, como a rede Ora, há muito tempo – os teóricos di-
WWW, para a busca desses originais, que zem que pelo menos desde o início do sécu-
podem ser solicitados diretamente às univer- lo XIX – que esta situação existe. Ou seja, a
sidades em que foram produzidos. partir do momento em que a informação se
Por tudo isso, Comunicação & Discurso, tornou uma mercadoria, estreitaram-se os la-
graças a um texto tão cientificamente constru- ços entre o poder econômico e o poder políti-
ído quanto de leitura facilitada, por sua orga- co. Basta ler, dentre outros estudiosos brasi-

Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral 143


leiros, Ciro Marcondes Filho (Imprensa e capi- gem: mostra o ridículo de certas práticas en-
talismo, S. Paulo, Kairós, 1984), para se ter evi- tre os principais jornalistas franceses, de
denciada esta realidade. Ela pode não ser auto-louvação e entre-citações que, evidente-
a ideal, e por certo não o é. Mas daí a preten- mente, devem ser repudiadas pelos especta-
der o autor deste livro estar a denunciar uma dores e leitores destes profissionais em geral.
determinada realidade, como se ela fosse no- Mas ele próprio acaba por diminuir a força
vidade, chega quase ao ridículo. Das duas de sua denúncia quando reconhece que al-
uma: ou Halimi não se dá conta do mundo guns dos pretensamente denunciados nem
em que vive ou então continua sonhando sempre permanecem com as vantagens con-
com determinadas utopias inexistentes no denadas, bastando citar-se a situação de
mundo capitalista. Christine Okrent, demitida justamente por
Para robustecer sua denúncia, Halimi quebrar algumas das regras vigentes na mí-
pretende fazer comparações entre as práticas dia francesa.
francesas e norte-americanas, concluindo que Bem embasado teoricamente, mas sob
existiria maior autonomia na mídia dos Esta- uma ótica não sei se ingênua ou apenas es-
dos Unidos do que na francesa. É provável candalosa, o livro de Serge Halimi esgota-se
que os administradores da mídia norte-ame- em si mesmo. Sob a capa do discurso acadê-
ricana tenham maior cuidado com as emis- mico, tingido de ética indignada, nada mais
sões e as informações que divulgam. Mas encontramos que um punhado de fofocas en-
não se pode acreditar, de boa fé, que as rela- contráveis até mesmo em publicações como a
ções entre poder econômico e poder político, Caras brasileira. Se se quiser, de fato, discutir
refletindo-se sobre a relação destes com os e aprofundar as questões éticas desta convi-
jornalistas, seja diversa da realidade que vência ou, mesmo, desta conivência, talvez
ocorre na França. Observe-se que a adminis- seja melhor ler o norte-americano John Hul-
tração redacional toma muito cuidado com o teng (Os desafios da comunicação: problemas éti-
que permite ser publicado e a primeira cos, Florianópolis, UFSC, 1990), Claude-Jean
emenda à Constituição norte-americana, se Bertrand (A deontologia das mídias, Bauru,
garante a absoluta liberdade de imprensa, EDUSC, 1999) ou ainda Daniel Cornu (Ética
obriga igualmente a uma responsabilidade da informação, Bauru, EDUSC, 1998), menos
radical dos proprietários de uma empresa de panfletários e mais objetivos em suas análi-
comunicação em relação ao que divulgam. ses.
Observe-se o famoso relato de Bob Woo- HALIMI, Serge – Os novos cães de guarda,
dward e Carl Bernstein a respeito do Caso Petrópolis, Vozes, 1998, 150 páginas ■
Watergate. No entanto, todos conhecemos a
profunda centralização, os oligopólios forma-
dos pela chamada indústria cultural, na antiga
acepção de Adorno-Horkheimer, atualizada
enquanto indústria de consciências, por Enzens-
berger, focalizada em obra muito bem pes-
quisada de Armand Mattelart na década de
70 (As multinacionais da cultura, Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1976).
A impressão que se tem é que Serge
Halimi não conseguiu espaço em nenhum
segmento, nem mesmo no socialista, que de-
nuncia veementemente, reduzindo às mes-
mas práticas tanto o direitista Chirac quanto
o socialista Mitterand. Na verdade, o discur-
so trotskista de Halimi só tem uma vanta-

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