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ESPÍRITO

CHARLES AUGUSTIN SAINTE BEUVE

Cartas ao
Trabalhador
Espírita

2013
C APÍTULO 1

Momento de
transcender

“Compensa doar de si, de seu tempo, de


sua inteligência, para construí-lo.”
1 Não desejam os louros da vitória?
Não da vitória mundana, tão frequente na história de todos.
Momento de Transcender Mas da vitória contra a própria pequenez.
É momento de definição e transcendência.
Com Jesus ou nas trevas.
Com a luz, por força de uma opção definitiva pelo belo e pelo
bem.
No calendário cósmico, soa a hora de grandes transformações. Ou a permissão interna para seguir rumo às dores necessárias
Ao longo dos séculos, não faltaram vozes a bradar e a à própria evolução.
profetizar. Chegou o momento de decidir.
Desde a antiguidade, foram frequentes os alertas. Chegou o momento de transcender.
Grandes homens deram suas vidas para a evolução, que se É preciso que as indecisões e os temores cessem.
fazia lenta, processar-se.
O que há para perder?
Foram incontáveis os abnegados, inúmeros os anônimos que
exemplificaram o bem. Algumas vantagens transitórias, pequenas discussões?

Sempre pareceu que o bem tardava, hesitava e se fazia em O que é isso perto da redenção do próprio Espírito imortal?
pequena monta. Nada, pois muito de material já se teve e foi perdido,
É que o solo estava sendo trabalhado. fatalmente perdido, na beira do túmulo.

A sensibilidade humana carecia de se sutilizar. Oh, homens, não recusem se doar à grande causa.

Mas hoje eis que o momento chega. Propaguem os valores cristãos, cantem a imortalidade da
alma, entoem o cântico da fraternidade.
Ainda um tempo, a semeadura, em labor de fadiga.
O túmulo é nada, pois vivemos e seguiremos todos adiante.
Mas o solo já se faz mais fértil.
Então, o momento é de transcender.
A humanidade, mais sensível ao bem, choca-se mais com a
dor do semelhante. Soou a hora no relógio da eternidade para quem se vincula à
Terra.
Em breve, o bem, que sempre pareceu tardar, se fará rápido e
abundante. Surgem dores coletivas, a Terra se estorce enquanto um novo
mundo surge.
Por que duvidam os que labutam na seara do Cristo?
Um mundo de fraternidade, humildade, trabalho e pureza.
Por que questionam, em vez de se entregarem com alegria no
derradeiro instante de luta forte e difícil? Compensa doar de si, de seu tempo, de sua inteligência, para

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construí-lo. Não o desperdicem.
Os cristãos se hoje são os trabalhadores da última hora, cuja Muito lamentará quem, ciente das realidades imortais, deixar
recompensa será imensa. passar a oportunidade de se fazer artífice do progresso.
Momento de transcender. Carentes de mérito, para fazer face aos equívocos do passado,
De esquecer pequenas querelas, de perdoar e ser perdoado, de aos cristãos de hoje a oportunidade é imperdível.
doar e doar-se, de pedir e receber. É preciso que seus corações vibrem esperançosos ao som da
Momento de partilhar. promessa que ecoa no éter cósmico: o amor cobre a multidão
de pecados.
Ninguém tem tanto que não careça de algo.
Momento de transcender.
Ninguém tem tão pouco que nada possa doar.
Momento de liquidar débitos pela decisão firme.
Ninguém é grande demais para não se apoiar em um amigo.
Momento de conquistar a alegria de poder recordar a própria
Jesus não recusou a ajuda do Cirineu. história sem medo ou vergonha.
Trata-se de um exemplo e de uma mensagem. Afinal, o mal foi mesmo feito e vivido.
Forte ao extremo, permitiu-se ajudar. Houve limitações e quedas.
Não imaginem que tudo podem fazer sozinhos, nem que o Mas, no momento crucial, no momento extremo, eis que a
outro é tão forte a ponto de nada precisar. redenção se fez.
Fraternidade, fraternidade é a canção, o hino que os anjos Houve disposição ao trabalho.
cantam na esperança de tocar os corações humanos.
Houve finalmente dignidade.
Para transcender, é preciso ser irmão.
Por fim, as mãos se fizeram operosas no bem.
Para ser irmão, é preciso humildade.
O coração se ajustou aos desígnios divinos.
Iguais, com talentos diversos e todos importantes.
Houve finalmente o glorioso ajuste e o cristão mereceu o seu
A irmandade no bem é o próprio motor para seguir em frente. título de seguidor do Cristo.
Ninguém avança de verdade sozinho. Momento de transcender.
Unam-se no amor do belo e do bem. É agora.
Talvez a mensagem não pareça nova, e não o é de fato. Mãos à obra.
Mas o momento é novo e propício.
Novo em sua urgência.
Novo pela fecundidade do solo.

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C APÍTULO 2

Utilidade

“Para se pacificar, para se sentir pleno,


o homem precisa se habituar a servir.”
S EÇÃO 1 Assim, homens no mundo, em seus labores e fadigas, não bus-
quem grandeza, mas utilidade.
Utilidade Onde se encontrem, por onde transitem, façam-se úteis.

A utilidade prescinde da grandeza.

Não é preciso referir-se nas conquistas e valores alheios para


se fazer útil.

Basta incorporar em si, automatizar, o hábito de servir.

Quem quiser ser o maior, faça-se o servo de todos.

Palavras do maior homem que já pisou a Terra e que se fez ser-


O homem no mundo, em sua ilusão, costuma buscar a grande- vo, em sua grandeza, para elevar os que jaziam ocultos nas pe-
za. quenezes de suas almas.

Mas o que é grande, segundo os padrões ordinários, raramen- Serviço, eis o tesouro precioso do homem que busca a reden-
te engrandece a alma. ção.

As grandezas buscadas costumam ficar para trás, em algum Pressupõe grande decisão desabituar-se de ser servido e dis-
momento da jornada. por-se ao papel de servo.

As grandes riquezas ficam na beira do túmulo. O termo, malgrado sua origem e os preconceitos que lhe são
inerentes, nada tem de indigno.
O grande poder não resiste à passagem do tempo.
Ao contrário, o que serve é o que tem utilidade.
As grandes influências, as grandes experiências e descobertas
cedo ou tarde são ultrapassadas. Já o que espera ser servido por vezes não passa de um parasi-
ta.
O grande, porque se estabelece por comparativo, nunca basta
ou sacia. O parasita não cumpre sua função no mundo.

O grande no mundo arrisca-se a apequenar a alma. Não está engrenado na extensa sinfonia de trabalho que rege
o universo.
Porque o que realmente engrandece não costuma ser valoriza-
do ou buscado.

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Para se pacificar, para se sentir pleno, o homem precisa se ha- Se, para servir, tiver de ir sob os holofotes, faça-o com modés-
bituar a servir. tia.

Sem preguiça, sem as tolices da irreflexão. Se precisar limpar locais tidos por escusos, faça-o.

Servir bem é ser útil, ser causa de progresso e libertação. Mas seja útil.

Não se humilhar sem propósito. Em todo momento, seja a fonte do bem, do consolo, da espe-
rança.
Não se fazer de tapete para ser pisado.
Que em sua presença a ignorância seja menos triste e agressi-
Mas auxiliar na construção do bem. va, a miséria cesse de desesperar, as desgraças físicas e morais
arrefeçam.
Ser professor da ignorância.
Se conquistar a alegria de quem serve pela simples alegria de
Médico dos enfermos da alma.
servir, já será a paz em você.
Pai dos órfãos.

Arrimo dos desamparados.

Luz no caminho dos que andam nas trevas.

Ser útil.

Há grande alegria no coração do homem que incorporou a uti-


lidade em sua vida.

Pela utilidade, mesmo a mais modesta, é que a alma se redime


e engrandece.

Homem no mundo, irmão amado...

Não procure o descanso e os gozos.

Não procure posições de relevo e domínio.

Faça-se útil, simplesmente, como possível e preciso.

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C APÍTULO 3

Ambiente no
Centro
Espírita

“A adoração em espírito opõe-se à adora-


ção feita segundo critérios materiais, ple-
nos das convenções humanas.”
1 Tais locais, com propriedade, podem ser chamados de casas
de Deus por excelência.
Ambiente no Centro Espírita I
Neles se processa o estudo metódico a facultar compreensão
maior das leis que regem a vida.

Esse estudo viabiliza a adoração em verdade, pois aproxima


gradualmente as crenças individuais da verdade imperecível,
sublime demais para ser apreendida, nos círculos humanos,
com a pureza desejada.

Local de adoração, de preparo para a adoração em espírito e


O centro espírita não pode se converter em um ambiente pro- verdade, os centros espíritas são pontos de intercâmbio entre
fano e nem se assemelhar a ele. os planos espiritual e material.
É necessário que seja um local alegre, pois é inconcebível que Por isso, é imprescindível se tome cuidado com a conduta ne-
a vivência do cristianismo produza tristeza e luto. les adotada.
Contudo, a alegria espírita há de ter o toque da pureza. Parece ocioso dizer, mas não o é.
Convém jamais se deixe manchar pelo alarido do mundo. Convém que a felicidade reine, mas sem a alacridade munda-
na.
Que haja abraços e beijos, mas serenos e respeitosos.
A amizade deve imperar, mas sem a permissividade tão co-
Trata-se o centro da casa de Deus, em um específico sentido.
mum aos ajuntamentos humanos.
Por certo, o Senhor da Vida tem por casa o universo, na medi-
Que haja liberdade no falar, mas sem palavras de baixo calão,
da em que deve ser adorado em espírito e verdade.
piadas desrespeitosas ou chistes ociosos.
A adoração em espírito opõe-se à adoração feita segundo crité-
O bulício ruidoso atrapalha as atividades que os mentores des-
rios materiais, plenos das convenções humanas.
envolvem.
São-lhe estranhos ou desnecessários rituais, fórmulas, posi-
Sem que se censure a palavra, é importante se cultive o silên-
ções do corpo, ladainhas, locais e horários.
cio.
Entretanto, essa falta de atavios na de adoração não impede
Sem misticismos ou fórmulas, que muito se ore no ambiente
ou exclui a existência de locais e mesmo de horários em que os
do centro.
homens se reúnam para tratar e estudar as coisas santas.

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S EÇÃO 2 cionamento dos centros espíritas, apresentam-se perante a Es-
piritualidade Superior em grave situação.
Ambiente no Centro Espíri- Grave não significa ruim, mas importante, da qual as conse-

ta II quências mais distintas podem surgir.

Essas pessoas podem se complicar grandemente caso, por su-


as querelas, causem o desânimo ou o desencanto em quem
chega ou participa de modo mais modesto.

Também, e isso é mais sério, caso sua conduta gere escânda-


los, por revelarem indignidade nas relações, de modo a colo-
car em xeque o bom nome das instituições que frequentam e
terminam por representar ante alheios olhos.
No Evangelho, há belas imagens e símbolos que merecem deti- Mas se seu comportamento logra se adequar aos propósitos
da reflexão. do Senhor da Vinha, grande será sua colheita pessoal em ter-
Fala-se em semeador que saiu a semear. mos de merecimento.

Em terrenos de diferentes calibres e qualidades que deram fru- O homem no mundo revela marcante fragilidade.
tos e produziram na conformidade de suas possibilidades. O discurso mundano anda tisnado de relevante liberalismo
Essas imagens, e com isso nada de novo se fala, representam a nos costumes, sem a necessária dose de reflexão quanto a res-
palavra do Senhor e o nível evolutivo dos seres que com ela en- ponsabilidade e consequências.
tram em contato. Sem um sustentáculo firme, um ambiente em que possa se
Entretanto, uma salutar reflexão pode ser feita sobre a espécie apegar, amizades sadias com as quais compartilhar valores,
de campo em que se constitui o centro espírita. experiências e dúvidas, é difícil que o homem comum consiga
fazer frente às tentações e seduções do século.
Se é certo que a frutificação dá-se conforme as possibilidades
de cada ser, não é menos certo que o meio é de superlativa im- Os partícipes do ideal espírita, localizados em seus centros,
portância para que o ser atinja e permaneça no estado ideal, a que lhes são os postos de trabalho, são convocados a formar e
fim de que nele a boa semente germine. sustentar pousos de luz, esclarecimento e amparo.

Os que assumem, querendo e buscando isso ou não, responsa- Se, compenetrados da gravidade da tarefa, executam-na com
bilidades pela condução e manutenção, de certo modo, do fun- esmero e boa vontade, auxiliam os Espíritos luminares a preve-
nir e impedir grandes desastres.

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Eis uma atividade na qual compensa despender importante
gama de energia.

Ela demanda dedicação e esforço, mas tudo no mundo o exi-


ge.

Qualquer que seja o caminho eleito, demandará energia tri-


lhá-lo.

Colaborar nessa tarefa superior de iluminação de almas, pela


retificação de sua visão de mundo, é o que mais se afigura útil,
necessário e meritório no presente momento.

Sem prejuízo da importância de cuidar de corpos, pois isso é


sempre necessário, mas os corpos físicos fatalmente fenece-
rão.

Já as almas que se iluminam ao contato com a belíssima men-


sagem espírita, que outra não é do que a mensagem cristã redi-
viva, assim persistem para sempre.

Trata-se de centrar forças no permanente, em detrimento do


transitório.

Assim, que se cuide e valoriza muito a Casa Espírita, pouso de


luz e hospital de almas.

O serviço que nela se realiza dá-se sob as vistas do Senhor,


que abençoa e cuida de modo especial dos que se dedicam a
esse mister tão especial e crítico.

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C APÍTULO 4

A Busca do
Divino

“É necessário fazer as pazes com Deus


para viver em harmonia.”
S EÇÃO 1 Com o tempo, o pensamento evoluiu e se refinou.

A Busca do Divino Houve momentos e movimentos de negação.

Originaram-se ora do orgulho e da arrogância humanas, des-


confortáveis ao perceberem a existência de uma ordenação su-
perior a que deveriam obedecer.

Mas também, por vezes, como negação ou reação às religiões


tradicionais, com seus dogmas.

Respeitáveis em sua essência, mas por vezes manipuladas e


mal conduzidas por alguns poderosos do momento, causaram
dor e opróbio.
Desde tempos imemoriais, o homem busca o divino. Entretanto, por inata ao homem, imprescindível à vida feliz e
equilibrada, a religiosidade persiste vitoriosa.
Nos períodos primitivos, a grandeza dos fenômenos naturais o
levava a perceber a própria fragilidade. Assume variadas formas, parece em contradição entre uma
cultura e outra, um povo e outro.
Raios, ventos, chuvas, enchentes, o mundo era ameaçador.
Mas só parece e as aparências pouco a pouco se esvanecem.
O espetáculo da natureza prodigiosa falava ao coração do sel-
vagem sobre a existência de algo superior. Permanece a essência, sem a qual o homem figura no mundo
como um pobre deserdado.
Também o fenômeno da morte dos semelhantes o enchia de
perplexidade, respeito e mesmo certo temor. Essa essência, revelada de forma superior pelo Cristo, reside
no Deus Pai.
O sentimento de religiosidade, atávico, encontrava o seu cami-
nho para a consciência que desabrochava. É o Deus bom e grande, incansável no cuidado com Seus fi-
lhos.
Foram criados ritos, fórmulas e práticas para aplacar esse Ser
superior. Estes, em sua pequenez, frequentemente reclamam de Seus
métodos.
A ausência de precisão no raciocínio, conjugada à multiplicida-
de dos fenômenos, fez com que se imaginasse a existência de Desejariam facilidades que os perderiam.
muitos deuses.
Desejariam confortos que os amolentariam.

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Repelem no coração as provas que os devem fortalecer, purifi- São vários os desdobramentos, mas uma religiosidade saudá-
car e educar. vel é a base da vida equilibrada.

Entretanto, o Senhor Cósmico a ninguém violenta e permite Ciência, filosofia e religião dão-se as mãos para tornar o ho-
que cada um encontre o seu ritmo, a sua ocasião própria. mem feliz.

O homem moderno carece de Deus. Só não há felicidade sem paz no coração.

Envolto em suas teorias, filosofia, tecnologia e vida frenética, E ninguém tem paz no coração, serenidade nos embates, caso
corre o risco de se perder de si. não se sinta um filho amado de Deus.

Vazio de propósito e sentido, abisma-se com a vida. A ciência desse amor infinito, fruto de claras e lúcidas refle-
xões, é que pacifica, asserena e acalenta.
Como o selvagem de outrora, malgrado sua sofisticação, sen-
te-se pequeno ante a grandeza e a força da vida e dos aconteci- Assim, que se filosofe, que se experiencie, pois em tudo há uti-
mentos. lidade.

A tecnologia, a ciência e as teorias de vida plena, os discursos Mas que jamais se menospreze a reflexão sobre o divino, sob
que tudo querem justificar não substituem a carência de Deus pena de o raciocínio, os debates e as reuniões se tornarem ári-
no coração do homem. das e não consolarem.

É preciso a coragem de se tornar humilde e reconhecer-se pe- Nesse afã de consolo, ninguém foi mais feliz do que o Cristo,
queno ante a majestade de Deus. em Suas reflexões sobre o Deus Pai Amoroso, por terminar
sempre com frases de esperança: ‘Vinde a mim, todos os que
Essa ciência, essa percepção da grandiosa e linda ordenação estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei’.
do Cosmo é que permite o principiar de fruir da paz.
Tomemo-lo como exemplo e nos pacifiquemos, em nossas reu-
É necessário fazer as pazes com Deus para viver em harmonia. niões.
Neste momento humano de lucidez e raciocínio, essa paz vem Sempre detidas reflexões sobre Jesus e o Deus amoroso que
da compreensão de Suas soberanas leis. Ele apresentou, com o auxílio da lucidez das lições de Kardec.
É aí que o centro espírita pode e deve achar o seu papel maior,
a fim de cumpri-lo.

Aproximar o homem do divino, harmonizá-lo com a ordena-


ção cósmica, pela análise lúcida e serena das leis morais conti-
das na Codificação.
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C APÍTULO 5

Oração

“Em orações sentidas e refletidas vincula-


mo-nos a Eles, abrimos espaços em nos-
sas vidas para que o modelo do sumo
bem nos arrebate.”
S EÇÃO 1 Muito, pois gastam longas horas em rogativas e louvores repe-
titivos.
Oração Mal, pois o coração e a mente pouco participam de tais louvo-
res.

Não falta quem, por razões místicas, identifique virtudes ide-


ais em práticas repetitivas e monocórdias, que entorpecem a
mente.

Contudo, no centro espírita, o enfoque deve ser outro.

Nem preces repetitivas sem o coração e o cérebro participan-


do.
A conexão da criatura com o Criador é a fonte de seu equilí- Nem cilícios, pois Deus não se agrada do sofrer humano.
brio.
Nem tentativa de entorpecer a consciência para produzir tran-
Trata-se de algo com profundo e ainda desconhecido potenci- ses.
al pacificador e fortificador.
Nem economia na prece, sob estranhas justificativas de racio-
No mundo, manifesta-se de variadas formas. nalidade e para evitar repetições e meros hábitos.
Em alguns núcleos, ainda vigora a necessidade de sofrer para Somos declaradamente espíritas e cristãos.
agradar a Deus.
Os que vêm nos centros espíritas sabem disso.
Raciocínio doentio este, pois pressupõe que o Deus de amor se
agrada com o sofrimento de Seus filhos. Respeitamos e acolhemos todas as religiões.

Nessa linha, nesses ambientes, tem-se o hábito de longas ladai- Identificamos virtudes em incontáveis fundadores de religiões
nhas em posições desconfortáveis. e mesmo de seitas.

Isso quando a adoração não degenera em algum gênero de cilí- Mas Jesus é nosso modelo e nosso guia.
cio.
Deus é o arquétipo primordial.
Há também os que oram muito e mal.
E Jesus é o arquétipo perfeito.

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Em orações sentidas e refletidas vinculamo-nos a Eles, abri-
mos espaços em nossas vidas para que o modelo do sumo bem
nos arrebate.

Não há razão para vergonha e nem motivo para desculpas.

Somos religiosos nos centros espíritas modernos, com essa


concepção feliz da religiosidade como forma de reconectar-se
a Deus.

Antes de iniciar e ao terminar, pelos menos, os pensamentos


em cada grupo de estudo, mediúnico ou outra denominação,
devem-se conectar a Deus e ao Cristo.

Pelo menos, pois nada impede que se ore mais.

Aliás, em ocasiões mais árduas, quando as discussões se em-


brenham por inóspitos caminhos, a saída pode residir em um
singelo convite a que se ore mais uma vez de forma sentida.

Orar como busca de orientação e forças para viver de forma


cada vez mais digna.

Sem fórmulas preconcebidas, sem rituais, mas também sem


constrangimento.

Com a satisfação tranquila e a humildade de se afirmar religio-


so e cristão

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S EÇÃO 2 Para não se amargurar com esses naturais percalços do evol-
ver, precisa de Deus.
Utilidade da Oração Essa necessidade ora não mais se acomoda e satisfaz, no imagi-
nário coletivo, com visões estereotipadas do divino.

Pouco satisfazem visões e versões preconceituosas, de um


Deus que pune, favorece e persegue.

É o momento de a necessidade ser suprida pela fé ornada de


razão.

É pretensão, e por muito tempo ainda o será, desejar a criatu-


ra entender o Criador.
O homem necessita de Deus. Como assevera a Espiritualidade Superior, essa compreensão,
esse entendimento pressupõe um sentido ainda ausente no ho-
É uma necessidade atávica e irremovível, que tem o tamanho mem imperfeito.
de seu coração.
É preciso que antes surjam as asas dos anjos, para depois nas-
Quando nas faixas da primitividade, essa necessidade com cer esse sentido a facultar a compreensão do Eterno.
pouco se sacia.
Contudo, tal não obsta a que a criatura adote o hábito de refle-
Mas, à medida que o homem evolve, sofistica seu psiquismo, tir sobre o Ser Supremo.
mais de Deus passa a carecer.
Ao contrário, hábito muito saudável esse, com o qual ela só
Por conta dessa carência, historicamente malograram todas as tem a ganhar.
tentativas de negar Deus e de afastar o homem do divino.
A observação das ocorrências do mundo o favorece.
Os embates a que se sujeita o ser humano, em seu longo pro-
cesso evolutivo, só em Deus encontram eficiente lenitivo. A leitura de obras esclarecedoras torna o Espírito a ele propí-
cio.
Um psiquismo evoluído, no sentido especial de uma afetivida-
de que se aprimora e enriquece, encontra muitas fontes de dis- Em especial, a meditação sobre a vida de Jesus constitui o
sabores no mundo. grande caminho.
São as decepções, as ingratidões, os sonhos não realizados.

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Entretanto, que jamais o homem, ao lançar mãos desses preci- Louvor.
osos recursos, olvide ou se sinta dispensado do recurso mor,
em se tratando de ligação com o divino. Ato de veneração e admiração a ser feito com a alma ungida,
dobrada sobre si mesma, em grande silêncio.
É da oração que se fala.
Propicia conexão com os eflúvios e as emanações que proce-
É dela que se cuida de modo muito carinhoso. dem do alto.

Como se afirma na Codificação, serve para louvar, pedir e agra- Hábito feliz que eleva e pacifica.
decer.
Mas não é só de louvor que se trata.
Ah, o louvor!
Pela oração, também se pode pedir e agradecer.
Como é feliz a alma que se habitua a louvar o Senhor da Vida.
O louvor é tocado de meditação e admiração pela grandeza do
Que, encantada com a grandeza das obras que revelam o Ser Senhor e pela sabedoria de Suas santas leis.
Supremo, a Ele se dirige, com modéstia, ciente de sua peque-
nez ante o Absoluto. Sempre se deve começar pelo louvor, para saber pedir e agra-
decer com propriedade, sem correr o risco de malbaratar esse
O louvor a Deus é incompatível com o bulício mundano. importante recurso.

Para ser efetivo, é ideal que se tranquilize a consciência pelo Após meditar longamente sobre a perfeição do universo, a jus-
acerto de pendências, dívidas, ódios e rancores. tiça e a bondade de Deus, a criatura naturalmente tende a ser
modesta e prudente no pedir e eloquente no agradecer.
‘Se trouxeres a tua oferta ao altar e aí te lembrares de que teu
irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali diante do altar a Sabe-se que no mundo as ocorrências materiais são importan-
tua oferta e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão, e de- tes e por vezes afligentes.
pois vem, e apresenta tua oferta’.
Ninguém haverá de receitar a quem sofre que não peça auxílio
Observação a ser entendida em sentido relativo, sob pena de ao Senhor da Vida.
se concluir que só os santos podem orar.
Que peça, mas jamais se olvide também de rogar a força neces-
Mas traz o indicativo de que no louvor a Deus está implícito o sária para viver com dignidade suas provações.
respeito a Suas leis, o cuidado com Suas obras e criaturas.
A misericórdia divina é infinita e dispõe de recursos inimagi-
Não há como louvar a Deus com propriedade e ferir o próxi- náveis no socorro de Seus filhos.
mo.

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Tais recursos e benefícios são movidos com frequência espan- Que se agradeça pelas expiações, a corrigirem o passado que
tosa em favor de quem, ao se conectar com o divino, passa a se reflete no presente.
viver retamente.
Que se agradeça pelos amores, a família, os amigos, as facilida-
Então, que se relatem dificuldades, pois nisso não há proble- des materiais e intelectuais.
ma.
A criatura humana é essencialmente frágil, em sua caminhada
Mas sem revolta ou amargura, e também sem pressa. terrena.

É preciso ciência de ser diferente o tempo dos homens e o tem- Qual criança nos primórdios da vida.
po de Deus.
Nela, nada assenta melhor do que a gratidão para com Aquele
Este se rege pelo sumo bem e pelo objetivo de potencializar o que a fez, sustenta e ampara de modo incansável.
aprendizado.

Sem qualquer crueldade, pois bem se sabe o quanto provações


incessantes podem abater.

Há mais de carinho, cuidado e ensino amoroso e gentil na Lei


do que se pode imaginar.

Então, que se peça, mas primordialmente orientação, inspira-


ção e forças para viver com dignidade e utilidade.

E finalmente que se agradeça, sempre e muito.

O homem é mais cuidado do que imagina.

Os frutos da misericórdia o sustentam incansavelmente.

Protegem-no de brilhos que o cegariam, de riquezas e facilida-


des que o amolentariam, de dificuldades que o prostrariam ao
solo.

Para seres frágeis, vigora muito mais a misericórdia do que a


justiça.

Ciente disso, que muito se agradeça.

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C APÍTULO 6

Espiritismo e
Misticismo

“...Ele traz a fé raciocinada como novida-


de e progresso.”
S EÇÃO 1 Ocorre que a verdade, embora inacessível ainda em sua pure-
za maior à humanidade terrena, também não pode, para se
Espiritismo e Misticismo sustentar, implicar contradição entre os vários meios pelos
quais se revela.

A ciência cuida das leis da matéria.

O Espiritismo trata das leis do espírito.

Tais leis se interpenetram, até porque os limites entre matéria


e espírito são fugidios no atual estágio do conhecimento huma-
no, os quais talvez ainda mais se rarefaçam.
O Espiritismo, quando considerado sob o prisma dos fenôme-
nos que o embasam, das leis que revela e desvela, não consti- Mas ciência e religião, entendida esta na forma nova que racio-
tui novidade. cina, perquire e evolui, não mais se ofendem e contradizem.

Em se tratando de leis e fenômenos naturais, sempre incidi- Ao contrário, podem dar-se as mãos.
ram e ocorreram. Mas não é só com a ciência que a Doutrina Espírita reconcilia
Entretanto, sob o enfoque de sua racionalidade, apresenta-se a religião.
inovador, renovador e purificador. Também o faz, em certa medida, em relação aos movimentos
Pela vez primeira, com acesso a todos, de modo amplo, o funci- místicos.
onamento da ordem cósmica, em seus reflexos morais, é apre- O misticismo comporta inúmeras leituras e tem grandes va-
sentada. riantes.
Não mais mistérios só revelados aos iniciados. Sua essência parece residir na junção da criatura com o Cria-
Não mais dogmas impenetráveis para justificar o injustificável dor sem intermediários.
e paralisar as inteligências perquiridoras. Na concepção religiosa tradicional, com sua hierarquia sacer-
Ele traz a fé raciocinada como novidade e progresso. dotal e ritos, todos com a finalidade de intermediar o contato
do suposto pecador com Deus, essa convivência harmônica
Com isso, permite a reconciliação entre ciência e religião. era impossível.

Ambas perquirem a verdade sob diferentes lumes. Já com o Espiritismo, que não propõe intermediários, ritos e
sacerdócios, o vínculo é possível entre misticismo e religião.

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Religião no sentido preciso e feliz de promover a religação da Pode prescindir de um sacerdócio constituído, quiçá remune-
criatura com o Criador. rado, talvez presunçoso, para intermediar o contato.

Mas o Espiritismo não só permite essa harmonia nova, como Mas não deve perder-se em quimeras, ou correr o risco de fa-
contribui com o aperfeiçoamento da própria posição mística. zê-lo, por abdicar da razão.

Surgido e sustentado como oposição aos intermediários e suas Religião e misticismo se unem para aproximar a alma do divi-
rígidas organizações, tende ele, o misticismo, a se apartar da no, na figura do Espiritismo.
racionalidade e do método.
Aquela, ao propiciar a fé raciocinada, esclarece quanto aos de-
Tudo fica ou pode ou tende a ficar em certo subjetivismo: cada veres e aponta o caminho da caridade como a rota maior e
um entende Deus a seu modo. mais bela.

Ocorre que o Criador é absoluto e imutável, de modo que não O misticismo não permite a aridez das colocações externas.
se altera conforme o gosto de quem o busca.
Influencia a alma de um modo muito peculiar, em relação às
Cada criatura O entende a seu modo, é um fato, e isso está de forças cósmicas, por encantá-la com a perspectiva de êxtases
acordo com a ordem natural das coisas e a lei do progresso. preciosos.

Ocorre que Deus rege o mundo não com base em casuísmos, Os dons da alma, em sua beleza e fulgor, notadamente na sea-
mas com base em leis perfeitas, justas, misericordiosas e imu- ra mediúnica, pressupõem uma entrega plena de intuição.
táveis.
Já não mais análise, mas síntese.
Consequentemente, Ele se revela, em certa medida, mediante
elas. Então é preciso, ao buscar o divino, refletir e sentir.

Isso possibilita que a busca do divino sem intermediários be- Essa é a junção mais feliz, a da razão e do sentimento, a tradu-
neficie-se de um cunho ou toque racional. zir-se em belos atos.

As leis divinas são reveladas pela Doutrina Espírita de forma Como se vê, a racionalidade Espírita é rica de possibilidades,
bela, encantadora e minuciosa. cuidando-se apenas para que não se torne árida, por entendê-
la em pobreza de espírito.
A meditação sobre elas, a refletirem a grandeza do Criador,
possui o condão de conduzir a alma mística a notáveis conclu- Reflitamos, sintamos e ajamos, na conformidade de seus ricos
sões. postulados e caminhemos firmes em direção à felicidade e ao
alto
Ela pode buscá-lo despida de peias e regras previamente defi-
nidas por terceiros.
22
C APÍTULO 7

Mediunidade

“Viver no mundo sem ser do mundo, eis


o desafio.”
S EÇÃO 1 Fica mais fácil trilhar o caminho reto, por vezes árduo, da re-
denção, com os constantes avisos que as almas nobres não can-
Mediunidade sam de enviar aos seus tutelados.

Esse recurso não deve ser barateado e nem incensado demais.

Que não se o barateie a ponto de despi-lo de seu caráter de coi-


sa santa: a mediunidade deve ser exercida santamente, com
recolhimento e fervor.

Por propiciar o contato com outras faixas da vida, situa-se


como uma potência da alma.

Precisa ser encarada com seriedade.


Das bênçãos de que o Espiritismo é portador, a mediunidade, Como se sabe, radica-se no físico, mas se exterioriza na confor-
em sua nova configuração, não é a menor. midade da moral de quem a porta.
Ela agora surge desataviada, não mais misteriosa e nem assus- O médium, ciente de quão influenciável é pelos seres espiri-
tadora. tuais ou incorpóreos, em dado sentido, necessita viver em esta-
do de oração.
Não se constitui em moeda de comércio, à semelhança do que
já foi no passado. Isso não implica afastamento das lutas da vida e do contato
com o semelhante.
Os médiuns espíritas, que o são de fato, não fazem de seu ta-
lento ofício rentável, segundo os padrões do mundo. Mas que haja ciência do contínuo, embora frequentemente su-
til intercâmbio que mantém com o plano espiritual.
Também da mediunidade não se utilizam para parecer podero-
sos ou especiais, dotados de dons miraculosos e com acesso a Para evitar que vire arauto da tragédia ou da loucura, do pessi-
segredos ocultos ao vulgo. mismo ou do desequilíbrio, precisa cuidar para não estabele-
cer sintonia com as faixas ou regiões infelizes do plano espiri-
Cuida-se de faculdade sublime pelo seu potencial consolador. tual.
Por meio dela, as distâncias se encurtam e os chamados mor- O médium que se acostuma à tristeza, à revolta, à falta de espe-
tos voltam ao convívio dos ditos vivos. rança, estabelece vínculos lamentáveis e passa a ser frequenta-
Os mentores podem orientar com segurança os que com eles do por entidades desgraçadas.
estão comprometidos em sua jornada terrena.
24
Não se torna inútil, mas sua sensibilidade se embota e serve Constitui tolice rematada reclamar-se de possuir os dons ra-
menos do que poderia. diantes, além de grave ingratidão.

Está escondendo, em parte, o talento que recebeu. Que os médiuns sejam jubilosos pela possibilidade de reden-
ção que em si trazem e sejam dignos.
Não se torna inútil, dissemos, pois, com esses contatos, faz-se
ponte para o socorro dos miseráveis. Dignos pela vida reta, pela conduta equilibrada e pela disposi-
ção para servir.
Mas perde em percepção, sua sensibilidade se embota e conse-
gue socorrer menos os que o rodeiam. Que se consolem pelas consolações que prodigalizem e se paci-
fiquem pela paz que proporcionem.
Os mentores o influenciam com maior dificuldade.
Pela mediunidade, os mortos comparecem diante dos vivos,
A palavra de esperança, que deveria brotar fácil de sua boca, dão-lhes notícias e alertas.
demora e ou se faz ausente.
O mundo do além-túmulo deixa de ser misterioso e imprevisí-
O médium, para bem servir, para ser considerado fiel, deve pri- vel.
mar pela oração e pela vigilância.
Mães sabem de seus filhos que as precederam no retorno à pá-
Precisa fazer-se alegre, mesmo por entre dificuldades, para tria espiritual.
que seja medianeiro da luz, da esperança e da consolação.
Irmãos se comunicam, eis que os laços de afeto não se rom-
Para que as entidades sofredoras que se lhe acerquem, para os pem e mais se afirmam.
serviços de socorro, sejam beneficiadas por seus fluidos saudá-
veis e revigorantes. Assim, a mediunidade é coisa santa.

Médiuns, alegrem-se pela oportunidade de trabalho. Mas por santa não se deve entender que deva ser trancafiada e
jazer oculta.
Não vejam nas disciplinas que se lhes sugere senão o esforço
que se espera do atleta que cobiça o podium. A vida humana é santa, quando santamente vivida.

Só que o podium que o aguarda não é o da vaidade e dos lou- A rigor, santa sempre o é, pelas oportunidades de aprendizado
ros mundanos, mas o da conquista da própria paz, pelo resga- que propicia, mesmo quando apequenada por vícios.
te dos erros do passado.
O santo se afirma no mundo, por não se corromper e por
A mediunidade é recurso sublime que não deve ser despreza- exemplificar o bem entre as tentações.
do, lamentado ou maltratado.

25
Do mesmo modo, embora as compreensíveis cautelas, que não
se use de demasiados pruridos no trato mediúnico.

O contato com o plano espiritual não deve ser privilégio de al-


guns.

Pressupõe disciplina, respeito, estudo e equilíbrio, a fim de


não se converter em espetáculo.

Mas a ela devem ter acesso todos os que se disponham às disci-


plinas e rigores necessários.

A mediunidade é um recurso de luz.

Deve ser cuidada para não apagar.

Seu lugar é em cima do alqueire, para muitos iluminar.

Nem espetáculo grandioso, exótico e chamativo.

Nem segredo vergonhoso ou perigoso.

Médiuns, sem estrépito, mas também se falsos pudores, assu-


mam suas tarefas.

Assumam-se em suas possibilidades e coloquem mãos à obra.

São convocados para servir à causa da regeneração da humani-


dade.

É uma alegria e uma responsabilidade.

26
S EÇÃO 2 Com sua sensibilidade peculiar e diferenciada, o médium dis-
põe dos melhores meios para servir nesse mister.
Mediunidade e Vícios Contudo, por navegar em águas turvas, por assim dizer, uma
vez que nem sempre tem a visão clara do rio por onde transi-
ta, precisa crescer na fé.

Se o Senhor da Vinha procedeu à seleção do trabalhador, por


certo soube o que fez.

Quanto a querer ser melhor, ter o talento mais refinado e es-


plendente para servir, constitui uma inversão da ordem natu-
ral do progresso.

É preciso ser fiel no pouco para depois receber o muito.


Os dons radiantes são emanações da alma, de cuja natureza
herdam importantes características, tal qual a água relaciona- Sempre ciente de que a responsabilidade é proporcional aos
se, em sua salubridade, com as condições de pureza da fonte. meios de que dispõe o obreiro.
Dentre os vícios ou impurezas, a prejudicar o potencial mediú- Não incensamos a vaidade, mas também não louvamos os
nico, situamos em especial a falta de fé. complexos de inferioridade pouco disfarçados em modéstia.
Por certo, a depender do contexto, inúmeros outros vícios po- A rigor, a par de certo tom de honestidade na busca do local
dem ser apontados. que lhe cabe no mundo, o complexo de inferioridade pode tra-
duzir vaidade.
Por exemplo, a preguiça, a má vontade, a vaidade e a prepotên-
cia. Por querer ser mais do que é, provável ou preferencialmente
sem esforço, reclama mais da Providência antes de começar.
Contudo, em se admitindo um razoável equilíbrio moral, sem
descurar da prudência, situamos a falta de fé como grave em- A desconfiança constitui grave impureza a prejudicar a atua-
pecilho a que o médium espírita cumpra o papel que lhe cabe ção mediúnica.
no mundo.
Após a confirmação da real existência do convite ao labor, é
Não constitui novidade que os médiuns são chamados a servir preciso entrega e só se entrega de verdade quem confia.
à causa do Espiritismo, que outra não é do que a causa do Cris-
tianismo, consistente em auxiliar na moralização da humani- Uma salutar meditação sobre a sabedoria de Deus ajuda a
dade e no combate às ideias materialistas. compreender que Ele sempre sabe o que faz, inclusive quando
envia Seus prepostos a agenciar trabalhadores.
27
Feito isso, que a disciplina e a perseverança cuidem do resto.

Disciplina no cumprimento de horários combinados em fazer


o que talvez, em um primeiro momento, não seja a atividade
eleita pelo coração.

Perseverança para seguir em frente até que, pelo labor desen-


volvido, tudo se purifique e esclareça e os resultados se façam
mais patentes.

Sempre bom ânimo, tocado de esperança, no sentido de que


Deus provê as reais necessidades de seus filhos, embora não
satisfaça suas fantasias.

Convém sempre lembrar o exemplo de Jesus, em todo setor.

No caso, arregimentou trabalhadores entre homens rudes, os


quais com o passar do tempo, burilados por Sua presença e
Seus ensinamentos, deram à luz os mais maravilhosos dons
espirituais.

Médiuns, homens dotados dos dons radiantes, como os apósto-


los não se neguem ao trabalho a pretexto de despreparo.

O preparo é feito na luta do bem e não na preguiça e na teoria


de mãos inúteis.

Força e fé, que Deus provê o necessário.

28
S EÇÃO 3 Após um longo palmilhar na linha reta, lógica e previsível da
análise, urge dela saber abrir mão, em certa medida, mas não
Mediunidade e Insegurança de todo.

Quando a intuição principia a mostrar a cara, por assim dizer,


no processo evolutivo do ser, isso costuma se dar ao influxo da
visão psíquica, em sentido lato, ou seja, da mediunidade.

Essa fase de transição tende a gerar algumas crises, causar al-


guns desconfortos e inseguranças.

Mas é um caminho incontornável rumo a processos mais rápi-


dos de aprendizado.

A imprecisão do que se sabe, sem sequer se atinar com o por-


Em diferentes circunstâncias, o mesmo sentimento pode ser a quê se sabe, como se sabe, tudo isso gera desconforto.
causa da força ou da fraqueza de um Espírito.
Compreende-se o mal estar de quem cultivou a razão por sécu-
Ao longo do tempo, mudam as necessidades e as possibilida- los, frequentemente em prejuízo do sentimento, e de repente
des. se vê convidado a uma nova forma de conhecer, perceber e
Há uma época em que o cultivo da razão surge como uma ne- sentir.
cessidade premente. As riquezas do universo são demasiado amplas para serem
A análise cartesiana, o estudo metódico e disciplinado são te- aquilatadas pelos processos ordinários da atual educação hu-
souros, ninguém o ignora. mana.

Notadamente quando o de que mais se necessita é de burilar o A partir de dado instante, e disso o atual panorama de múlti-
intelecto e aprimorar o raciocínio. plas informações dá o tom da necessidade, é preciso que algu-
mas ligações sejam feitas na mente de modo automático, pu-
Transita-se do instinto para a razão e chega um momento em lando certas etapas.
que esta precisa se afirmar.
É uma riqueza da alma, a ser cultivada com carinho, pois acele-
Entretanto, também chega a hora de gradualmente ceder espa- ra o progresso e deste, em sua maior pujança, é um genuíno
ço à intuição. pressuposto.

Não mais só análise, mas também síntese.

29
Assim, os médiuns treinam hoje uma modalidade nova de co-
nhecer e saber de súbito, com a supressão do caminho habitu-
al, que implica uma ordenada, lenta e racional construção.

A mediunidade sempre existiu, mas em breve deve se ornar de


novas luzes, plenas de promessas.

Aos médiuns não é necessário, nem se aconselha que o façam,


abdicar da razão e do crivo lógico.

Mas precisam se adaptar a uma forma nova de interagir com o


conhecimento, com os pensamentos e impressões que lhes che-
gam.

Para isso, a confiança é primordial.

E também despir-se da expectativa de não errar.

Ainda por um tempo, perplexidades e imprecisões, a convidar


ao silêncio e à observação.

Mas eis que uma fase nova chega e com o tempo haverá mais
conforto com a lide das visões psíquicas, com a manifestação
dos dons radiantes.

Cuida-se de um tema a ser mais bem explorado na sequência.

30
S EÇÃO 4 Que o ser haja gastado tempo infinito a ler, estudar e refletir
sobre a vida nos mais variados setores, seus mecanismos e
Mediunidade e Preparação mistérios.

para o Futuro Também é preciso que se evidencie a disciplina e a perseveran-


ça no cumprimento de deveres árduos, ainda quando recom-
pensas não se anunciem no horizonte.

Então, com os apetites mundanos asserenados, a mente traba-


lhada por muito estudo e a vontade forte demonstrada na dis-
ciplina do agir correto, surge o momento de trilhar um novo
caminho.

Eis que a visão psíquica se apresenta para potencializar o co-


A mediunidade, enquanto um sentido pouco utilizado na histó- nhecimento do que seguia oculto e de difícil compreensão.
ria da humanidade, constitui um recurso evolutivo de grande Tal pressupõe a segurança da fé, mas sem a pieguice inconse-
valor. quente de quem não tem disposição para refletir e trabalhar.
Por ora, embora muitas vezes explicada, mesmo de forma lon- Ao contrário, é o prêmio de quem já demonstrou constância
ga e aprofundada, ainda não foi corretamente compreendida. no estudo e no trabalho e agora vai colher os frutos.
Constitui um recurso precioso do processo evolutivo, no senti- Nesse estágio especial, passa-se da análise diretamente para a
do muito especial de que o potencializa. síntese.
Essa potencialização pressupõe alguns recursos e tesouros so- Algumas etapas tidas por normais do raciocínio são suprimi-
mados pelo Espírito, a fim de não serem queimadas etapas. das e se vai de uma vez para o resultado final.
Ela é precedida de certo enfado com as coisas do mundo. Cuida-se de uma força que vai revolucionar a forma pela qual
É preciso ao menos cansar, a ponto de arrefecer no imo do o conhecimento será adquirido no mundo.
ser, à míngua do abandono completo, da ardência dos senti- Não é algo fácil, haja vista seus pressupostos.
dos, da gula, da sexualidade muito exigente e impositiva, da
ganância, da busca do brilho e do poder. Dentre estes, não é demais afirmar a importância da bondade.
É um dos requisitos, mas há outros. Em especial no limiar dos novos recursos, estes podem se
apresentar desfocados e revelar resultados estanhos.
Há de ter sido bem trilhada a faixa da racionalidade.
31
Detalhes desconcertantes da vida alheia surgem nesse proces- É da construção do futuro que se trata.
so e é preciso respeito e cuidado.
É um chamamento ao aprimorar possível da razão e das pró-
Médiuns, convocados a participar desse imenso laboratório prias possibilidades, a fim de transcendê-las com recursos no-
em que a vida procura se aprimorar, atentem para sua respon- vos e inimagináveis, logo mais.
sabilidade.
Na fase inicial, do esforço propriamente dito, a progressão é
O médium sem disciplina de sentimentos, pensamentos e atos aritmética.
é um louco que corre em direção ao abismo.
Logo a seguir, uma vez demonstrada a própria confiabilidade,
Todos os que se candidatam a operar no intercâmbio entre os a progressão é geométrica.
dois planos da vida precisam, e isso é imperativo, estudar e es-
tudar-se. São tesouros de recursos novos que se anunciam.

O discurso da boa vontade não mais impressiona em uma soci- Compensa se dedicar a conquistá-los, pois figuram entre aque-
edade tecnológica. les que não podem ser roubados e nem destruídos.

Em geral, os homens se esforçam para adquirir competência


em suas atividades profissionais, são pontuais e dedicados.

O aguilhão da matéria os impele: temem o insucesso, o desem-


prego, a miséria.

Por que são menos dedicados aos interesses de suas almas


imortais?

Em breve tempo, suas aquisições materiais retornarão ao pó,


como seus corpos.

São nobres, não se discute.

O que lhes demonstramos é a incoerência que há em cuidar


melhor do que pouco dura em detrimento do que pode abrir
aos seus Espíritos imortais um oceano de novas possibilida-
des.

Assim, equilíbrio nas emoções, disciplina mental, estudo metó-


dico, disciplina também na conduta e entrega confiante.
32
S EÇÃO 5 Atente-se que Jesus de graça distribuiu seus dons.

Mediunidade e Jesus Nunca cobrava nada, nem reconhecimento.

Frequentemente, reclamava silêncio dos beneficiados.

Tem-se aí já o tom da mediunidade.

Primeiro, a modéstia.

O médium vaidoso e orgulhoso caminha a passos largos para


o abismo.
A mediunidade não constitui exclusividade de nenhuma cor- Ele manifesta ideias que não são suas.
rente de pensamento, etnia ou religião do mundo.
Em atenção ao potencial transformador da tarefa e da respon-
Constitui recurso evolutivo próprio do espírito humano e sabilidade que repousam em suas mãos, costuma receber assis-
como tal desabrocha. tência superior ao seu merecimento.

Onde há homens, há mediunidade. A ciência de seu papel de instrumento superiormente cuidado


para produzir a contento precisa precatá-lo contra as armadi-
Ao longo de todos os séculos, a mediunidade se fez sentir no lhas da vaidade e do orgulho.
mundo.
Segundo, o desinteresse.
Entretanto, para ser recurso de luz, precisa dar-se ao influxo
da ordenação de Jesus. Nada de aceitar pagas, ainda que dissimuladas sob a forma de
presentes.
Tal não significa seja privilégio dos cristãos, mas que o seu
uso equilibrado e luminescente, transformador, somente se Nada de buscar ou aceitar posição de realce, de figurar como
produz ao amparo das ideias de Jesus. um guru misterioso.

Sendo universais tais ideias, pois fundadas na pureza de costu- Segundo, o anonimato e o silêncio quanto ao que sabe e faz.
mes, no respeito aos desencarnados e à privacidade do próxi-
mo, no desinteresse e no amor fraterno, podem se fazer pre- Respeito aos segredos e dores alheias, cujo conhecimento lhe
sentes em todas as religiões e grupos. chega à consciência.

Contudo, nos que se denominam cristãos, em especial nos es- Jesus recomendou silêncio aos beneficiados, em inúmeras oca-
píritas, a responsabilidade é maior, pois a referência é direta. siões.

33
Silencie também o médium.

Não o silêncio envergonhado de quem acha exótico ser o que


é.

Mas silêncio quanto ao que tem a felicidade de fazer de bom.

Jesus é o modelo.

Em qualquer dúvida ou percalço, lembrar-se dEle e imitá-Lo.

Malgrado sua extrema pureza, que Lhe permitia conexão dire-


ta e constante com o Pai, Jesus tinha o cuidado de orar.

Com essa prática feliz, reabastecia-Se de energias para bem


cumprir Sua missão na Terra, sem desgastes energéticos des-
necessários.

Então, que os médiuns tratem de imitá-Lo e orem muito.

Assim se reabastecem de energias.

Também, por necessidade deles, manterão contato mais firme


com a espiritualidade superior.

Esse contato, a ser cada vez mais constante, constitui antídoto


contra todas as investidas das trevas, sempre tão constantes.

O exercício cristão da mediunidade propicia vínculos lumino-


sos, práticas caridosas e importantes reflexões.

E isso reduz o assédio das sombras internas e externas sobre o


Espírito do médium.

Então, Jesus no coração, na mente e nos atos, a fim de ser o


exercício mediúnico seguro, equilibrado e feliz

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S EÇÃO 6 Apenas não se contamina, por vibrar em esfera diferente de
ideal e de conduta.
Mediunidade e Pureza Os médiuns são convidados a imitar Jesus.

Como ele, na medida de suas possibilidades, fazer-se ponte de


luz entre o Céu e a Terra, ainda que por vezes conectando tam-
bém com o purgatório das almas sofredoras.

Para tal, também a exemplo do Mestre, não devem afetar uma


estéril pureza exterior, em detrimento da compaixão.

Não precisam se furtar aos pequenos prazeres da vida de rela-


ção, mas devem santifica-los pela moderação, pela alegria
bem posta e pela gratidão a Deus por tudo o que vivem.
A mediunidade é um recurso da luz e se destina a iluminar os
caminhos humanos. A genuína pureza vem de dentro, da identificação com os ide-
ais superiores.
Para atingir esse propósito, é preciso que se revele santa em
seu exercício. A negação de necessidades elementares implica, para quem
não está preparado para a sublimação, perda de ânimo para
Quem deseja exercer a mediunidade com Jesus, único cami- viver o necessário e um tédio corrosivo.
nho seguro em se tratando de manipulação desse recurso a
um tempo sublime e perigoso, precisa cristianizar-se. Viver no mundo sem ser do mundo, eis o desafio.
Tal pouco tem a ver com aspectos exteriores, com sisudez, ri- A tranquilidade interna que vem desse equilíbrio potencializa
tos e tolices outras. os dons radiantes.
O Senhor no mundo era feliz, como não podia deixar de ser, Sem postura de superioridade, sem falsa pureza, é fácil tomar-
haja vista sua pureza. se de compaixão por quem se descontrola nos apetites da
vida.
Por vezes melancólico, pela imensa piedade que lhe inspirava
a fragilidade humana, mas nunca depressivo ou apartado do Quanto aos dons propriamente ditos, não se cultivam, é preci-
convívio com os semelhantes. so reconhecer, no bulício do mundo.
A genuína pureza não teme jamais o contato com os sofredo- Donde ser imperativo também, como natural contraparte, o
res do corpo e da alma. gosto e o hábito da meditação e das longas leituras.

35
É preciso silêncio para notar o que vem de si e o que vem de
outrem, em se tratando de influência espiritual.

Esse silêncio interior não é o de quem teme o mundo, por se


temer, mas o de quem já controla sua relação com o mundo.

É o de quem está no controle de seus apetites, não por negá-


los, mas por vivê-los com dignidade.

Com medo, os dons radiantes não se aprofundam e aclaram.

Então, nem temor e nem entrega ao mundo, mas moderação.

Nada que Deus fez é mau; o mal vem do abuso.

36
C APÍTULO 8

Fraternidade

“Eis o sentido da fraternidade: irmãos


que se reúnem, com diferentes talentos e
possibilidades, partilham suas forças,
contam suas fraquezas, fortalecem-se no
bem e seguem juntos, de mãos dadas
pela vida afora.”
S EÇÃO 1 A disposição de confraternizar, no sentido evangélico, pressu-
põe a disposição de doar-se.
Fraternidade Partilha-se o de que se dispõe, com alegria, sem esperar retor-
no.

A alegria vem da doação.

E por doação não se entendem os bens materiais, a esmola ou


a ajuda medidas por antecipação, a fim de não representar sa-
crifício e impedir a espontaneidade que talvez exija mais do se
está disposto a dar.

Não se ignora a validade dos auxílios materiais, inclusos os


predeterminados, preciosos por sua regularidade, para que os
O ser fraterno representa um estado ainda distante da humani- envolvidos diretamente na tarefa de auxílio aos necessitados
dade em geral. se programem.
Implica algumas habilidades e vivências que não se harmoni- Mas a disposição de ser fraterno vai muito além.
zam com o egoísmo tão em voga.
Ela implica uma real disposição interna de partilhar o que se
Malgrado todo o discurso da fraternidade de que se lança tem e o que se é.
mão, o hábito de repartir ainda não se difundiu.
Isso não comporta medidas predeterminadas e imodificáveis.
Sustenta-se a necessidade da divisão dos bens e recursos, na
expectativa de que sejam os outros a fazê-lo. No clima de genuína fraternidade, é-se sobremodo espontâ-
neo e o que dita o ritmo e a intensidade do que se doa ou se
Dispor-se a viver a fraternidade, às próprias custas, pressupõe faz é a necessidade do semelhante.
grande maturidade espiritual.
Os centros espíritas devem ser células nas quais sejam cultiva-
Porque a disposição de ser fraterno não implica a troca, como das as virtudes e os valores nobres.
se poderia imaginar.
Devem servir de estufa e incubadora, para que o que ali se
Não vale, a tal título, medir os benefícios que o outro pode dar vive ganhe na sequência as ruas.
e dividir a humanidade entre os que têm e os que não têm.
Por isso, neles não devem vigorar limites precisos e distinções
Não se admite a fraternidade só entre iguais, os que trocam quiçá justificáveis em climas mais mundanos.
em semelhança de condições.
38
Quem sabe não se aparta ou é superior a quem vem aprender: Cuida-se de ambiente favorável para que notáveis curas espiri-
juntos aprendem todos. tuais se deem.

O detentor do conhecimento se enriquece de modo surpreen- É muito importante tornar atrativas as reuniões e aprazível o
dente, se disposto a tal, com a simplicidade dos raciocínios de ambiente.
quem chega desataviado e sem disfarces.
Muitos familiares desencarnados regozijam-se ao extremo
Já o ignorante se ilustra. quando percebem que seus amores na carne adentram e se fi-
xam nesses lugares abençoados.
Eis a beleza da fraternidade: todos ganham e mais feliz é
quem mais doa. Neles se desfazem velhos vínculos infelizes, difíceis nós cármi-
cos se desatam por conta de novas ideias e faixas de sintonia
Muito se fala em paz e em consciência tranquila. que se estabelecem.
Contudo, essas realidades são apenas notícia para quem ainda A alegria dessas almas reconhecidas, as dores e tragédias que
não aprendeu a ser fraterno, a doar-se de forma espontânea, foram impedidas, os novos caminhos que se abrem na vida de
simples e alegre. quem chega, tudo isso repercute de forma notável na contabili-
dade cósmica.
Grande é o júbilo da alma que se afina com o projeto divino,
com os desígnios cósmicos para ela estabelecidos. Não se trata de mensurar com rasura lucros e perdas, e com
isso matematizar o auxílio ao semelhante.
Tranquiliza-se por parar de se defender da vida, por cessar de
se economizar, sem nada de real acumular em seu favor. Mas de demonstrar com clareza que toda luz acesa no cami-
nho do próximo converte-se em clarão na própria estrada.
Ganha em ventura e calma ao entregar-se ao sabor dos recla-
mos que recebe. Quem doa, recebe à porta, instrui com paciência e sorri se en-
che de inesperadas bênçãos.
O pensamento viciado no egoísmo sempre quer estabelecer li-
mites para não ser sugado ou abusado. Eis o sentido da fraternidade: irmãos que se reúnem, com dife-
rentes talentos e possibilidades, partilham suas forças, con-
Mas, na contabilidade da vida, essa preocupação é vã e tola.
tam suas fraquezas, fortalecem-se no bem e seguem juntos, de
Que júbilo gastar a própria vida no socorro e no esclarecimen- mãos dadas pela vida afora.
to de consciências!

Como já bem se disse, o centro espírita exerce variadas fun-


ções, a exemplo de templo, escola e hospital.

39
C APÍTULO 9

Curas

“A única cura real é a retificação de ru-


mos pela iluminação dos pensamentos, a
dulcificação dos sentimentos e a retifica-
ção do proceder.”
S EÇÃO 1 Agora, com as almas mais amadurecidas pelas dores a que se
candidataram por suas livres opções, os homens estão mais ha-
Curas bilitados ao mister da iluminação.

No ministério de Jesus, as curas, nominadas de milagres, tive-


ram importante papel.

Destinaram-se em grande parte a chamar a atenção das mas-


sas para a pessoa sagrada que com eles temporariamente esta-
va.

Tratava-se de recurso necessário em época de ignorância,


para que a sociedade judaica sofresse uma comoção e tivesse
suas estruturas e crenças abaladas.
O Espiritismo se insere no grande projeto cósmico de ilumina- Por vezes, para quem um novo sistema surja, é preciso que o
ção de consciências. antigo dê mostras de fraqueza e se abale.
Ao longo dos evos, foram várias as fases e tentames nesse sen- Houve os curados do corpo e da alma.
tido.
Dentre os últimos, muitos seguiram fisicamente estropiados,
Não faltaram missionários e mártires do bem, a funcionar mas se encantaram com a mensagem cristã e retificaram seus
como professores da raça humana. caminhos.
O maior, o mestre por excelência, evidentemente foi o Senhor Ricos por belos gestos de amor, cobriram seus pecados com as
Jesus. flores das virtudes e se libertaram.
Nenhum O excedeu em poderes, sabedoria e virtudes. Já os curados do corpo seguiram, em grande parte, estrada di-
Seus ensinamentos, a um tempo ricos, simples e concisos, são ferente.
insuperáveis. A cura do corpo é sempre transitória, pois a morte física é lei
Contudo, por uma questão de lógica, a humanidade não lo- da vida.
grou toda se emocionar e seguir esses ensinos tão simples e Todos os corpos seguem no caminho da destruição e da dege-
sublimes. nerescência, embora momentaneamente recompostos por for-
O Espiritismo os revive, minudencia e explica, na era da ra- ça da intervenção de uma potência superior.
zão. Todos os curados, como é cediço, morreram a seu tempo.
41
Houve os que mais se afundaram nos vícios, sem aproveitar a Não demonizemos os centros onde elas, em sessões peculia-
oportunidade de luz que lhes surgiu no roteiro evolutivo. res, têm seu lugar.

Mais responsáveis, em face da experiência vivida, candidata- A intolerância é vício terrível, que nega valor ao que surge dife-
ram-se a importantes padecimentos redentores. rente.

Houve, por certo, quem bem aproveitou a cura do corpo para A indiferença à dor humana engendrou e engendra ainda dra-
curar de modo definitivo a sua alma. mas atrozes nos destinos individuais e coletivos.

Mas o que Espiritismo que tem a ver com as curas de Jesus? Oremos pela saúde física, busquemo-la, sempre com o impres-
cindível auxílio da medicina humana.
Sendo a continuação minudenciada de sua mensagem, sob
novo enfoque, com ela se vincula, de certo modo, em todos os Prece, passe, água fluidificada e mesmo magnetização, em ha-
aspectos. vendo domínio deste último recurso.

Também houve a fase de chamada de atenção das massas, Mas não esqueçamos que, em havendo doente genuíno, este é
com os fenômenos físicos que hoje já rareiam. o Espírito.

Como se deu na época áurea do Senhor da Luz, fenômenos ati- A única cura real é a retificação de rumos pela iluminação dos
nentes à matéria não são o primordial. pensamentos, a dulcificação dos sentimentos e a retificação do
proceder.
O essencial é que os Espíritos se iluminem ao contato com a
mensagem, retifiquem pensamentos, sentimentos e atos e se A vivência da Doutrina Espírita desfaz perigosos e tristes lia-
libertem das amarras da matéria e do primarismo das sensa- mes espirituais do passado.
ções, de modo definitivo.
Quem se anima a trabalhar no bem, a viver com dignidade,
Mas, por rareados que sejam, os fenômenos persistem. lentamente se quita com a lei divina e coloca-se ao abrigo das
maquinações de desafetos espirituais.
Por vezes se fazem patentes, às vezes se sutilizam, embora
sempre persistam, em alguma medida. Como isso ele se pacifica, seu corpo e sua mente se harmoni-
zam.
Nem superestimados e nem desvalorizados, devem ser encara-
dos em seu justo valor. Eis a cura real, a ser buscada e disseminada como prioridade
absoluta nos centros espíritas: a iluminação das consciências
É compreensível, até como decorrência do instinto de conser- pela assimilação e vivência da mensagem cristã rediviva na co-
vação, que o homem enfermo busque a cura. dificação kardequiana.
Em sendo esta possível, grande alegria se tem. Tudo o mais é instrumental e passageiro.
42
C APÍTULO 10

Afetividade

“A afetividade sincera implica disponibi-


lizar-se ao próximo, na medida de suas
necessidades, enquanto se apresentarem
estas dignas e respeitáveis.”
S EÇÃO 1 Por conta dessa transitoriedade da vida material, tão angus-
tiante, variadas crises surgem no coração humano.
Afetividade É impossível não atentar para o lento caminhar para a velhice
e o que isso implica.

Não dá para olvidar os amigos queridos, os parentes e mesmo


os simples conhecidos que se adentraram pela porta do túmu-
lo.

Surge uma dúvida inquietante a respeito de quando será a pró-


pria hora, e de quanto se está preparado para vivê-la.

Mais importante ainda, surge o questionamento a respeito da


finalidade da vida humana.
Muitos adentram a casa espírita em busca de curas e de fenô-
menos. Sem uma ideia mais clara a respeito da vida espiritual, de
tudo o que nela ocorre, de suas relações com o mundo das for-
Trata-se de um impulso natural e respeitável do ser humano. mas, o ser humano se angustia, estressa, torna-se frágil, para
A dúvida a respeito das ocorrências do pós-morte é atroz, e só além do que deseja admitir.
quem dela não compartilha a pode menosprezar, em seus efei- Quem tem a graça da fé firme nas coisas espirituais, plenamen-
tos devastadores. te esclarecido a respeito de detalhes ricos e confortadores, não
Na medida do possível, do justo e do recomendável, essa bus- chega a imaginar a angústia de quem duvida e tateia nas som-
ca encontra alguma satisfação. bras, quando aos destinos próprio e dos seus.

Funciona como um chamariz para que a criatura atente para Assim, a chegada à casa espírita é plena de expectativas e cons-
questões mais relevantes. titui um momento crítico.

Essas questões já se encontram presentes em quem vai ao cen- Quem chega, fora exceções muito raras, traz a alma desassos-
tro espírita por força de desassossego íntimo indefinível. segada.

No fundo, todos os Espíritos encarnados sabem que estão na Justamente por isso, precisa ser acolhido com afeto.
Terra de passagem e mais dia, menos dia, deverão retornar à Esse afeto nada tem de arroubos de sentimentalismo barato,
pátria espiritual. que depois não se sustentam na vivência digna e sóbria.

44
Ser afetivo não é forçar afagos e situações pouco ou nada natu- Mas nenhum método é mais valioso do que atender um irmão
rais. que sofre, angustia-se e pergunta.

A afetividade sincera implica disponibilizar-se ao próximo, na Então, nada de rigores quanto a programas e tratativas do que
medida de suas necessidades, enquanto se apresentarem estas deve ser falado aqui ou depois.
dignas e respeitáveis.
Ordem, mas também sensibilidade.
Que haja abraços, mas sempre nos estreitos limites da fraterni-
dade evangélica. Bondade e fraternidade nunca são demais, embora não se des-
conheça a necessidade de alguma disciplina.
O centro espírita não é local de encontros amorosos, de olha-
res langorosos, de requestos românticos. Na linha do afeto que se busca, constitui a sua oferta uma im-
portante forma de cura, tratamento e fixação de quem chega.
Podem estes ocorrer, é fato, na medida em que encontros de
almas se operam em todos os locais do planeta. Os que buscam a casa espírita situam-se em diferentes níveis
intelectuais e morais e suas demandas variam bastante.
Mas, em sendo assim, seu aprofundamento e efetivação deve
cercar-se de grandes cautelas, para que não se tome admira- Entretanto, no mundo terreno não há quem não careça de se
ção por amor romântico. sentir especial, distinguido e querido.

De todo modo, o ambiente, entre evangélico e hospitalar, cla- Esse cuidado com o outro é o começo da cura de suas mazelas
ma pelo mais amplo respeito. emocionais.

O amor que nele surgir, primordialmente fraterno e a clamar Os vínculos saudáveis que se estabelecem – e assim se devem
por respeito, pode evoluir, em sendo isso possível, sem empe- manter – permitem a confissão sobre dificuldades e o ouvir
ços de ordem moral, para outros tons. atento – e respeitoso, nunca é demais frisar – dos problemas
alheios.
Contudo, e não é demais frisar, que não se tome o hábito de
namorar e procurar namorado no ambiente evangélico. Também por isso, o hábito da fofoca e da crítica mordaz é de
todo desnecessário no ambiente espírita.
Lá se busca afeto, como forma de cura e redenção da indiferen-
ça e das dores do viver humano. Por certo, a imperfeição humana faz com que nem sempre se
consiga gostar de todos.
Que se cuide bastante do outro, preste-se atenção em suas ne-
cessidades. Mas a tolerância implica que se respeite a todos, entendamo-
los ou não.
É importante haver um programa a delimitar os rumos dos es-
tudos, pois o método é sobremodo relevante.
45
Assim, o afeto é a base da fixação de quem chega e de sua Cuida-se de diferença ínfima, facilmente superada com um
cura. pouco de boa vontade.

Viabiliza uma lenta libertação de mazelas humanas, de senti- A diferença genuína revela-se sempre no moral – notável é
mentos de menos valia, de violência, ingratidão e mágoas. quem consegue viver os ensinamentos espíritas, quem interna-
lizou os comandos evangélicos.
Ocorre que a mensagem espírita não se foca apenas no senti-
mento. E esse sempre encontra prazer em servir, em amparar e em
disseminar o pouco que já entende e possui.
Amai-vos é o primeiro ensinamento, mas o instruí-vos o segue
de imediato. Assim, que se cuide muito bem de quem chega, olhando-o
atentamente e prestando atenção em suas necessidades.
Que o afeto se desdobre no cuidado em ministrar conhecimen-
tos na conformidade das possibilidades intelectivas de quem Depois, sem que isso implique concessões descabidas e cedên-
chega. cia a eventuais ditadores que se apresentem, que o estudo ilu-
minativo se desenrole em clima de afetividade límpida e singe-
Sem uma rigorosa divisão em classes, à semelhança de escola- la.
res, pois tal pode importar em desestímulo a quem já estudou
alhures ou por conta própria. A receita parece muito simples, mas na verdade a vivência do
bem e do reto, a realização dos comandos evangélicos, nada
Não é viável se desvalorize o esforço individual, com uma pa- de tem complexa.
dronização improdutiva.
Exige apenas bastante boa vontade e considerável dose de dis-
Claro que a generosidade há de mesclar variados níveis de co- ciplina para se manter nos parâmetros estabelecidos.
nhecimentos, a bem de quem os ministra e com isso aprende a
doar-se, e de quem aprende, e com isso vislumbra a beleza do
estudo e desenvolve, quiçá, certa humildade quanto ao seu pa-
pel mundo.

Até porque as diferenças intelectivas na terra costumam ser


quase nada.

Quem se considera muito sábio não gastou mais do que al-


guns anos de reflexão e estudos em determinada questão.

Mas que são alguns anos em termos de existência milenar e


imortal?

46
C APÍTULO 11

Esperança

“A fé em um Deus bondoso e justo, como


o apresentado pelo Espiritismo, traz
como corolário lógico a esperança no fu-
turo.”
S EÇÃO 1 Ainda por um tempo, a vida humana será tocada de angustio-
sas experiências, o que é bem próprio do atual estágio evoluti-
Esperança vo dos que estagiam na Terra, em sua maioria.

Para viver em paz experiências torturantes, é preciso esperar.

A esperança possui alguns necessários desdobramentos.

Não há preocupação com as classificações dos filósofos a res-


peito das virtudes.

Assim, utiliza-se o termo esperança como um desdobramento


muito próximo da fé em Deus.

Ela deriva diretamente da fé em Deus e da confiança nas pró-


A esperança constitui um tesouro espiritual de superlativa im- prias forças.
portância.
A fé em um Deus bondoso e justo, como o apresentado pelo
O sofrimento despido de esperança consiste em um inferno de Espiritismo, traz como corolário lógico a esperança no futuro.
dantescas proporções.
De outro lado, sendo o Espiritismo uma religião raciocinada,
Já a situação angustiosa permeada desse sentimento, por difí- que ensina ao homem a tomar sua cruz e seguir em frente, ele
cil que se apresente, sempre parece suportável. naturalmente conclama o homem à ação.
O Espiritismo logra ornar as vidas de seus simpatizantes, co- Assim, é preciso acreditar em Deus, em Seu poder, em Sua
nhecedores e, em especial, praticantes desse dom precioso. bondade e em Sua providência.
Com ele, as vicissitudes do viver, tão próprias do atual estágio Mas é preciso igualmente acreditar nas próprias possibilida-
terreno, são colocadas em seu devido lugar. des e também nas próprias responsabilidades perante a situa-
ção que se apresenta constrangedora.
Não passam de uma tormenta passageira, nunca superior às
forças de quem as vivencia, e já destinadas a cessar, com a cer- Essa responsabilidade possui variadas implicações.
teza de um sol radioso a seguir logo adiante.
Uma delas é a da conduta cristã, ante a crença que se declara e
É horrível jornadear pelo mundo sem esperança, sem fé no os que presenciam ou testemunham os atos diários do cristão.
porvir.
Ser cristão traz graves responsabilidades evolutivas.

48
O genuíno cristão, e outra não é a condição do espírita since- Ao contrário, sucedem-se na conformidade de leis sublimes
ro, traz em si recursos preciosos e responsabilidades graves. em sua perfeição e em seu caráter de maravilhosa justiça.

Dispõe do norte seguro das palavras e dos exemplos de Jesus, Ciente, pois, de seu valor, ele tem recursos íntimos para não
que o Espiritismo clarifica e minudencia. cair, não desanimar, não desistir.

Assim, transita em suas provas com um mapa nas mãos, por Esses recursos o dotam de esperança.
assim dizer.
A dor é um evento pequeno, um trecho acidentado colocado
Sempre consegue, com um esforço não muito importante, antes de uma estrada asfaltada.
identificar a conduta mais adequada.
Vai acabar em breve.
Esse diferencial o torna infinitamente mais responsável do
que o descrente ou o que professa crenças menos claras. Esse panorama vasto da existência humana luariza a alma, dul-
cifica e conforta o coração.
De outro lado, incontáveis o observam em seus atos e opções
diárias. É feliz quem segue no mundo com o coração assim cantante
da esperança de dias que surgirão radiosos logo mais.
O exemplo que dá reflete em sua economia moral, na econo-
mia moral dos conhecidos e amigos e, por consequência, na O que são alguns pequenos percalços, quando comparados
economia moral do planeta. com a plenitude íntima própria dos seres redimidos?

Eis a cota de possibilidades e responsabilidades tão especiais A perfeita tranquilidade, feita não de ócio, mas de ação apro-
do espírita-cristão. priada e feliz, no interesse de todos, constitui um prêmio cujo
preço nunca é alto demais.
De outro lado, sua fé o fortifica.
Outro fator de esperança muito próprio do Espírita é a certeza
Ele sabe que é um Espírito imortal, com incontáveis vivências da vida futura, com uma riqueza de detalhes que nenhuma ou-
e com um futuro imortal. tra religião proporciona.

Sabe que já errou bastante no passado e também acertou. Não se trata de meras ideias, elucubrações de filósofos ou teó-
ricos.
Por isso, vivencia dificuldades destinadas a despojá-lo de seus
vícios e a testá-lo quanto a seus valores. São as próprias almas bem aventuradas que relatam a alegria
e o bem estar de que desfrutam, como consequência do amoro-
As dificuldades não constituem obra do acaso ou de um Deus so cumprimento do dever que lhes cabia no mundo.
caprichoso.

49
Elas dão detalhes, falam da facilidade de libertação das vísce-
ras, da alegria do reencontro com seus amigos, seus mentores,
todos os que as amam.

Ah, quão essa certeza, rica em detalhes, é confortadora!

Assim, espíritas bem amados, não sejam ingratos ao viver no


mundo em regime de tristeza.

Sejam dignos da crença que esposam e encham seu coração de


esperança.

Que a ciência de sua condição de filhos de um Deus amantíssi-


mo, que lhes destina as estrelas e a condição de anjos, os reple-
te de esperança.

Que o futuro já lhes surja radioso, no instante mesmo em que


atravessam as lutas terrenas destinadas a fazer surgir as asas
dos anjos que lhes estão destinadas.

E que essa esperança firme e inabalável os fortaleça na luta.

Que com ela no coração possam dar testemunhos da beleza da


condição de cristão

50
C APÍTULO 12

Confiança

“Se Deus possibilita a retomada do cami-


nho, cabe aceitar que é possível e seguro
fazê-lo.”
S EÇÃO 1 Então, estranha mas compreensivelmente, chega um momen-
to em que já reúne condições íntimas para o uso equilibrado
Confiança do talento ontem malbaratado, mas se arreceia dele, como re-
ceia seu próprio íntimo.

Aí é que precisa exercitar o autoperdão.

Se Deus possibilita a retomada do caminho, cabe aceitar que é


possível e seguro fazê-lo.

Com a lição aprendida e calcada fundo no coração, tornar-se


leve e disponível.

Nem presunçoso e nem vaidoso.

Nem medroso e nem preguiçoso.

Confiante e racional, prudente e corajoso, na justa medida de


sua razão e de seu idealismo, fazer o a que é chamado.
A confiança precisa encontrar a sua justa medida.
Nem especial por só trabalhar.
É paradoxal que, à medida que evolui e cresce em possibilida-
des, o Espírito por vezes a perde. Nem ordinário por muito recear.
No ignorante, a confiança não passa de bazófia e ilusão. Útil, finalmente.
No pervertido e no orgulhoso, revela-se na soberba pretensão E feliz pelo potencial de bênçãos que o bom trabalho, o bom
de fazer muito e muito dizer com impunidade e sem crítica. combate encerra.
Contudo, a vida trata de instruir o ignorante, aparar todas as O que temem tanto?
arestas, educar o cruel, humilhar o orgulhoso.
Errar?
Nesse processo corretivo, por vezes o Espírito passa a duvidar
demais de suas possibilidades e de seu juízo. Mas já erraram bastante e com ardor e seguiram em frente.

Porque já os usou demais de forma infeliz e muito sofreu. Hoje, retemperados e amadurecidos, eventuais erros serão me-
nores e de fácil absorção e correção.

Convidados ao bem, labutem.


52
O mérito do labor não será demais na contabilidade cósmica
eu seu favor, para que possam prescindir dele.

Onde o trabalhador perfeito no mundo?

Há os mais e os menos preparados e os mais ou menos dispos-


tos.

Deixem o juízo do preparo nas mãos da Espiritualidade Superi-


or e cuidem do fator disposição.

53
C APÍTULO 13

Virtudes em
Desuso

“Para que o imprescindível silêncio inte-


rior se faça, é necessário abrir mão do
mundo, em sua faceta ilusória.”
S EÇÃO 1 Para que o íntimo logre quedar-se em abençoado silêncio, é
preciso um afastamento emocional do rebuliço mundano.
Virtudes em Desuso O discurso moderno muito permite e quase tudo justifica.

Traição, violências, indignidades, ardências as mais diversas.

Enquanto a alma segue identificada com esse brilho ilusório


do que se agita externamente, seu íntimo persiste em tumulto.

Pode até ter atos decentes, a custo de muita força de vontade.

Mas seu interior segue ardendo, insatisfeito.

Para que o imprescindível silêncio interior se faça, é necessá-


Na atualidade, o homem do mundo raramente valoriza certas rio abrir mão do mundo, em sua faceta ilusória.
virtudes ou qualidades identificadas como femininas.
Compreender que a continência é companheira da dignidade
Em uma sociedade tecnológica, preocupada com rapidez e re- e refrear os próprios impulsos para o externo.
sultados, tudo tende a se endurecer e a se superficializar.
Quando a possibilidade de satisfação surgir, em contexto natu-
Competição parece ser a palavra de ordem. ral e digno, usufruí-la, mas sem frenesi.

Como se superar o semelhante fosse o máximo a ser consegui- Onde a vida sinalizar a continência como recurso iluminador,
do. recusar os convites do mundo.

Contudo, além de qualquer outra cogitação, o homem tem pre- É preciso muita resignação para silenciar-se na continência.
mente necessidade de conquistar em definitivo a própria inti-
E a resignação, que permite manter a paz nos embates e nas
midade.
negativas da vida, só surge plena no coração após muita medi-
Para atender essa meta superior, urgente e impostergável, sur- tação, muita reflexão a respeito da finalidade educativa da vi-
gem soberanas nos caminhos humanos algumas qualidades vência terrena.
pouco em voga.
Acomodar-se no papel de aprendiz confiante, entregar-se aos
Entretanto, ninguém há que se ilumine sem vivê-las em pro- suaves comandos que descem das esferas superiores.
fundidade.

Não há como se vencer sem silêncio interior.


55
Há algo de muito doce nesse abandono consciente, nesse sua- Convidados e qualificados para a obra de regeneração da hu-
ve cumprimento do dever, sem crises ou angústias desnecessá- manidade, exercerão o amor que cobre a multidão de pecados.
rias.
Caminharão para a paz.
A angelitude não surge de improviso, é certo.
Médiuns, emocionem-se com a perspectiva de silenciar para
Ela é construída no íntimo do ser a golpe de vontade e à custa crescer, de renunciar para se iluminar.
de esforço.
Calem em seus corações os apetites mundanos.
É preciso meditar a respeito do que se deseja ser – meditação.
O resultado será uma paz íntima imediatamente perceptível,
Resignar-se a viver o que a vida apresenta – resignação. embora os embates externos.

Trilhar docemente o caminho por vezes áspero que leva ao Não há prazer no mundo maior do que o fruído por uma alma
alto – doçura. que se pacificou.

Compreender que nem tudo o que se deseja pode ser – com-


preensão.

Abdicar do que não dá mesmo para viver – renúncia.

Conter os próprios impulsos, por vezes sadios, mas imprópri-


os no momento; por vezes viciados pelo passado errôneo –
continência.

De tudo isso, o silêncio íntimo pode surgir.

Quem logra incorporar essas qualidades habilita-se a ouvir no


íntimo o cântico dos anjos.

Que dizer dos médiuns que se disponham a trilhar esse cami-


nho difícil, é certo, mas belo e redentor?

Suas faculdades, na ausência dos ruídos e do buliço do mun-


do, hão de adquirir uma cristalinidade toda nova.

Poderão ser mais úteis e mais e melhor servir.

56
C APÍTULO 14

Amizade

“Cuida-se de sentimento que demanda


manutenção e cuidado, a fim de que não
arrefeça e nem se perverta.”
S EÇÃO 1 Por vezes, no mundo, dá-se esse título a relações que permi-
tem e propiciam negociatas e vivências indignas.
Amizade Contudo, como a evolução e o tempo a tudo transformam,
sempre chega o momento de rever o que não foi dignamente
vivido.

Por isso, urge que se cuide muito da dignidade nas relações


que se estabelecem no centro espírita.

É preciso que nele se refaçam vínculos não tão puros do passa-


do.

Quem já se uniu para perder o semelhante, para semear ideias


destrutivas, agora é chamado para a reunião construtiva.
O sentimento da amizade traduz um tipo especial de amor.
Contudo, como o passado ainda mora, em certa medida, no ín-
Como se sabe, a certa altura de seu ministério, Jesus falou aos timo dos atuais frequentadores dessa feliz instituição, eles de-
apóstolos que não mais o chamava servos, mas amigos. vem cuidar para não recair em velhos erros.
Dessa passagem, extrai-se que a amizade demanda um tempo Para que os vínculos sejam mais felizes, precisam estar aber-
para estabelecer-se, firmar-se nos corações. tos aos que chegam.
Traduz um amor não ciumento e idealmente escoimado de ar- Para que não semeiem dor e incompreensão, convém aos ami-
dências e interesses menores. gos espíritas calar a maledicência.
Funda-se na permuta de fluidos, ideias e magnetismo e susten- Para evitar o reviver de velhas chamas, que se evitem as anedo-
ta as almas afins em sua jornada. tas chulas, as palavras infelizes ou mal colocadas, e tudo o que
Cuida-se de sentimento que demanda manutenção e cuidado, não convém à sã doutrina, na feliz expressão do apóstolo.
a fim de que não arrefeça e nem se perverta. Fora os casos dos vínculos que surgem notáveis e livres de má-
No centro espírita, encontra o local ideal para seu florescimen- culas e sem violar deveres anteriormente assumidos, as amiza-
to. des não devem se perder ou conspurcar com namoricos de oca-
sião.
Irmãos nascidos em lares diferentes, mas vinculados por afini-
dades, encontram-se sob o pálio da veneranda Doutrina Espíri-
ta para refinar e purificar laços e vínculos do passado.
58
Sacerdotes da nova era, no contexto de uma doutrina renova-
dora e pura, os espíritas fazem-se amigos para transcender,
acolher e servir.

Em tudo, que se tenha em mente o exemplo do Colégio Apostó-


lico reunido em torno do Amigo Maior.

Souberam superar graves dificuldades, externas e internas,


porque arrebatados pela amizade do Senhor.

Que em tudo os espíritas sejam iguais.

Com a amizade ao Senhor Jesus vibrando na alma, desejosos


de fazer jus ao título de Seus amigos, tenham entre si os laços
da fraternidade mais santa e pura, a bem de todos o que vêm,
estão e ficam.

59
C APÍTULO 15

Amor ao
Dever

“Quem logra amar o dever não se arras-


ta no mundo como um condenado à pri-
são sem termo.”
S EÇÃO 1 Quem logra amar o dever não se arrasta no mundo como um
condenado à prisão sem termo.
Amor ao Dever Ao contrário, enche o coração de júbilo ao desempenhar as ta-
refas que lhe são próprias.

Só ama seu dever quem o compreende em sua essência, no


contexto da imortalidade.

As tarefas que o Senhor da Vida atribui a cada um de Seus fi-


lhos, em dado momento, constituem o roteiro certo de liberta-
ção.

O seu atendimento criterioso, com sacrifício do que não lhe


seja compatível, previne quedas lamentáveis e repetidos equí-
Ainda falaremos do amor vocos do passado.
Ainda, dizemos, pois dele muito se fala. O seu desempenhar atento ilumina o íntimo ao propiciar o de-
Sob variados enfoques, costuma ser tratado, mas aqui não nos sabrochar de importantes virtudes, cuja hora de vir à tona do
debruçaremos sobre suas vertentes mais conhecidas. ser imortal chegou.

Em especial, não comentaremos o amor romântico e nem o Também implica o acertamento de antigos e, por vezes, graves
amor erótico. equívocos.

Têm sua finalidade no contexto humano e são bons se vividos Importa, pois, não reclamar dos deveres que surgem exigentes
com a necessária nobreza. e incontornáveis nos caminhos humanos.

De modo particular, toca-nos comentar o amor ao dever. Eles devem antes ser recebidos como chaves de velhas alge-
mas, cura de antigos vícios, recursos para pagar importantes
Entenda-se, de início, que esse amor, como não poderia dei- dívidas, farol para iluminar novos caminhos, pontes para a es-
xar de ser, implica ligação afetiva com o seu objeto. trada ascendente.

Amar o dever é uma conquista evolutiva de peso. Que se dirá, nesse contexto feliz, da atividade mediúnica?

Compensa treinar o coração e disciplinar todas as fibras do Constitui bênção sem preço, dádiva de subido valor, tesouro
ser para despertar esse especial sentimento. maravilhoso a ser tutelado com carinho.

61
Reabre oportunidades de acerto de velhas contas, reajuste
com antigos desafetos, conúbios felizes com amores do passa-
do que retornam ao procelo da vida.

Exige sacrifícios e disciplina, mas na exata medida para que a


luz se faça no caminho do medianeiro.

Médiuns no mundo, rejubilem-se de sua eleição para o bom


combate.

Mas com a modéstia de quem é convocado ao trabalho experi-


mental para quitar contas vetustas e desenvolver potenciais,
sob a misericórdia do Senhor.

Não, nunca, privilegiados, distinguidos, separados.

Sim, sempre, felizes pela oportunidade de servir e de ser pon-


te entre os dois planos da vida, em regime de equilíbrio e mo-
déstia.

É preciso amar o dever.

Não porque ele isente de males o viver.

Mas porque viabiliza a consciência tranquila, tesouro e bênção


maior de que pode desfrutar um Espírito imortal.

62
C APÍTULO 16

Bons Hábitos
no Centro
Espírita

“É preciso refletir sobre o que se consoli-


dou, buscar ver as razões que levaram à
adoção de certos hábitos, para verificar
se ainda se justificam.”
S EÇÃO 1 Sem rigidez ou exageros, mas o recato é valor de grande impor-
tância e uma conquista evolutiva de peso.
Bons Hábitos no Centro Es- Também os cumprimentos atenciosos, sem intimidades exces-

pírita sivas, que podem despertar clichês infelizes.

Igualmente, tratar as pessoas pelo nome, buscar conhecer um


pouco de sua vida, para que se sintam valorizadas.
Vive-se uma época em que muito se questiona do que já foi vi-
vido e cultuado no passado. No passado, vizinhos se conheciam, apoiavam-se, contavam
com a assistência mútua.
Tende-se a dar de mão com hábitos e valores do pretérito.
Hoje, o convívio ruma para ambientes diferentes, mas persiste
É inerente à evolução que sempre se esteja a rever o consolida- a necessidade de ser identificado, não se tornar só mais um nú-
do e o vivido. mero.

Excessivo apego a regras antigas costuma impedir a ascensão Sempre há os que se sobressaem e são mais conhecidos.
rumo ao sublime.
Mas todos precisam ser notados e justamente valorizados, na
Contudo, o processo revisional necessita ser gradual, seletivo posição em que se colocam.
e racional.
Importa do mesmo modo não adquirir o costume das brinca-
Não se louva a rebeldia sem causa, tão só pela justificativa de deiras de mau gosto.
ser moderno ou diferente.
Não se pretende criar clima de velório, mas de respeito sadio,
É preciso refletir sobre o que se consolidou, buscar ver as ra- onde pode haver humor, mas fino e elegante.
zões que levaram à adoção de certos hábitos, para verificar se
ainda se justificam. Apelidos, referências a dificuldades físicas ou a fealdades são
francamente desnecessários.
Caso contrário, em que medida a revisão se faz necessária.
Em tudo moderação, mas palavrões são um completo despro-
Nessa linha, alguns costumes do passado persistem úteis e atu- pósito na casa espírita.
ais.
O mesmo se diz de altercações em voz exaltada.
Não há razão válida para abandoná-los.
Trata-se de cristãos a refletir sobre a doutrina do Cristo, não
Em um centro espírita, é importante cuidar para que o uso de de contendores e nem de comerciantes de feira.
roupas provocantes não se torne um hábito infeliz.
64
Não é preciso vencer; se possível convencer, mas sempre en-
tender.

A boa música é interessante para relaxar e criar clima propício


ao recolhimento.

Mas preferentemente instrumental e em volume baixo.

Ela também não deve virar uma muleta sem a qual a concen-
tração não ocorre.

Importa cultivar o espírito, com os recursos que lhe são própri-


os, e não criar falsas necessidades.

As lideranças surgem de forma natural em todos os ambien-


tes.

Mas os líderes cristãos precisam focar em servir, não em bri-


lhar.

A liderança espírita não constitui uma nobreza, uma casta


apartada, mas os mais preparados e que assim o demonstram
no convívio fraterno, desataviado e simples.

Nada há de espetacular no que falamos.

Cuida-se do óbvio: conviver com intimidade, mas sem exces-


sos ou vícios.

Respeito, sem distanciamento.

Guiar, sem parecer diferente.

Trata-se da implantação de um modo novo de convivência.

Com a elegância do passado, mas com uma simplicidade mui-


to nova.

65
C APÍTULO 17

Administração
Prudente

“Por isso, o Senhor Jesus afirmou a ne-


cessidade de seus seguidores serem man-
sos como as pombas e prudentes como
as serpentes.”
S EÇÃO 1 Quem chega invariavelmente já é entendido como candidato a
todos os postos.
Administração Prudente É dos centros espíritas que tratamos de modo especial.

E neles, em suas características de templo e educandário, é


que a prudência se faz mais necessária.

Neles, cuida-se de interesses sagrados, interesses do Senhor,


em um sentido muito especial, o de iluminação de consciên-
cias.

É bom que portas e corações estejam abertos.

Mas essa abertura pode e deve ser cautelosa.


Vivem-se na terra tempos tormentosos.
Uma coisa é permitir a palavra, discutir com serenidade com
Frutos de teorias libertárias que se tornam libertinas, por se- todos os que chegam, de forma fraterna e igualitária.
rem excessivamente colocadas e desequilibradamente vividas.
Outra, bem grave, é convidar a postos de liderança quem ain-
No momento atual, parece que a felicidade pressupõe realizar da não sinalizou a que veio.
todas as fantasias e viver todos os caprichos e desejos, à exaus-
tão. Há lobos entre as ovelhas, sempre os houve.

Frugalidade, continência e disciplina surgem desagradáveis Por isso, o Senhor Jesus afirmou a necessidade de seus segui-
aos ouvidos coletivos e individuais. dores serem mansos como as pombas e prudentes como as ser-
pentes.
Tudo é preciso realizar, e realizar agora.
Antes de dar as chaves, físicas e espirituais, da casa espírita,
As relações humanas cedo se tornam íntimas. convém conhecer quem chega.
Confidências são trocadas com grande rapidez. Entretecer longas conversas, perquirir seus hábitos e ideais.
Parece haver grande pressa para tudo. Ouvi-lo, aguardar que demonstre constância na presença, fir-
meza doutrinária, equilíbrio emocional.
Afigura-se feio esperar a maturidade de pessoas, desejos, senti-
dos e relações. Gradualmente, surgem os espaços a serem ocupados por
quem chega.

67
Se a criatura está realmente vibrando em boa faixa, ficará tran- A condução de almas, a iluminação de consciências, a gerên-
quilizada ao se sentir respeitada em seu tempo de adaptação. cia do patrimônio físico e espiritual do centro espírita são coi-
sa séria.
Líderes não se fazem em um momento.
Cuida-se de um depósito sagrado.
Eles se afirmam e demonstram no convívio, conquistam confi-
ança. Por isso, deve ser encarado com seriedade e grandes cuidados.

O espaço que vêm a ocupar é fruto de sua conquista, não um


presente que se lhes outorga.

Ao falar em lobos, não sinalizamos necessariamente má inten-


ção.

A característica lupina pode estar na vaidade, na imaturidade,


no incontido desejo de brilhar.

São instintos pervertidos e mal conduzidos que complicam a


criatura irrefletida e imatura.

A ânsia em descobrir lideranças e valores causa grande prejuí-


zo à obra do Senhor.

Há pouca coisa mais triste do que o espetáculo da destempe-


rança e do despreparo no trato das coisas santas.

Por isso, boa vontade, sempre.

Mas também cautela e discernimento.

Ninguém entrega seus valores pessoas ao primeiro que lhe


bate à porta, a fim de que os administre.

Que haja cautela semelhante com as coisas do Céu é o mínimo


que se espera.

68
C APÍTULO 18

Outras
Religiões

“Não há necessidade de atacar o outro


para se sobressair.”
S EÇÃO 1 Não se fala em indiferença quanto a posicionamentos éticos e
a uma concepção peculiar do divino.
Outras Religiões Mas de não entrar em contendas, não criticar as sinceras
opiniões religiosas dos outros.
As escolas existem em abundância no mundo.
Seus currículos variam conforme aptidões, talentos e
afinidades de professores e alunos.
De modo similar, há espaço para todas as correntes religiosas.
O Espiritismo pode auxiliá-las, mas jamais deve pretender
substituí-las.
Para isso, é preciso que os espíritas sejam modelos de
tolerância e prudência.
O Espiritismo, em sua concepção original, destinou-se a
fornecer elementos de reflexão e aprimoramento a todas as Mesmo quando convidados, que não terçam armas no terreno
correntes religiosas ou filosóficas. vão das disputas teológicas.
Por desvendar algumas leis naturais, envolvidas no processo Que cada religião defenda sua linha de pensamento e que o
de comunicação dos desencarnados com os encarnados, público delas faça juízo.
fornece elementos hábeis a tal. Não há necessidade de atacar o outro para se sobressair.
As religiões em geral teorizam sobre o pós-morte, Em tudo, recorde-se que Jesus convidou quem quisesse a
recompensas e punições. segui-Lo, mas a ninguém forçou.
Mas o fazem por vezes sem muita lógica, com base tão só em No ambiente dos centros, é muito oportuno e recomendável
ideias. que se evitem críticas às religiões alheias.
Já o Espiritismo, estribado nessa comunicação com o plano Muitos são os frequentadores ainda vinculados a
espiritual, trata do tema com propriedade e precisão inéditas. determinadas crenças organizadas e isso é normal.
Obtém o relato de Espíritos de variadas condições e, com base Convém seja a tolerância religiosa levada muito a sério em
em tais depoimentos de primeira mão, elabora um código estudos, livros, artigos, palestras e debates.
racional, crível, lógico. E a divisa maior é a caridade, que em seus desdobramentos
Na sequência de seu desenvolvimento, o Espiritismo passou a possui o respeito a opiniões díspares, respeitáveis em si
viver a fase religiosa, com marcante característica cristã. mesmas.
Mas não se deve se desprender de sua essência original.
Para tal, precisa sempre estar ornado de certa neutralidade.
70
C APÍTULO 19

Amor e
Evolução

“A plenitude surge nos caminhos huma-


nos com o gosto de cuidar e de fazer feliz
o próximo, com desprendimento.”
S EÇÃO 1 Para isso, gostos e sensações próprios do primitivismo e
mesmo dos períodos posteriores, marcados pelo vício e pela
Amor e Evolução corrupção dos costumes, precisam ser abandonados.
Nesse afã, as dores e decepções cumprem o papel de
promover o desbastar das paixões doentias.
Com os corpos que enfermam, gastam-se, envelhecem e
perecem, os apetites mais baixos também são gastos, perdem
a força.
Com experiências frustrantes, projetos não realizados e metas
não atingidas, a vaidade se cansa.
O materialismo causa enfado, o orgulho se torna vão.
Eis que aí surge vital o amor.
O amor nunca esteve tão em pauta na história da Sem amar é difícil encontrar forças para seguir adiante, por
humanidade. entre as ilusões que se despedaçam.
Houve época em que a honra e a honestidade foram cultuadas Mas o que é esse amor tão decantado?
e valorizadas, ao menos formalmente.
Para os mais primitivos, esgota-se na sensualidade que
Contudo, ao longo do tempo vem-se afirmando o discurso do enlanguesce, nos prazeres físicos que cansam sem satisfazer.
amor como meta.
O egoísta quer possuir e controlar o outro.
O amor dá sentido à vida e também viabiliza as forças
necessárias ao seu enfrentamento. Espíritos medianos querem fazer trocas.

Ainda por um tempo, no contexto das massas que habitam o Esperam de retorno tudo o que dão.
orbe, as dificuldades da caminhada serão de vulto. Mas a meta do amor que amadurece é a doação.
Envolverão dores e decepções, projetos frustrados, Jesus o representou e representa no mundo.
importantes dificuldades. A humanidade terrestre nada tinha e nada tem para Lhe
Trata-se do remédio amargo necessário para a recuperação da oferecer.
saúde. Ele de nada necessitava em Sua pureza integrada ao Criador.
Na jornada para o infinito, é preciso abandonar certos apetites Mas eis que gasta com os destinos humanos incansavelmente
grosseiros. Seu tempo precioso, Seus recursos magníficos e
Caminha-se para o sublime, para faixas transcendentes da inimagináveis.
existência imortal. Porque é da essência do bem a doação.

72
A plenitude surge nos caminhos humanos com o gosto de renúncia.
cuidar e de fazer feliz o próximo, com desprendimento. Alguns estavam prontos para segui-Lo de plano.
Então, as paixões são gastas e perdem a força. Outros se habilitaram ao longo dos séculos.
No relógio cósmico, incontáveis veem soar o momento de Mas um contingente muito significativo dá mostras de
transcender. preparação agora.
Por isso, sentem vazio e enfado em seus corações. Então, que o enfado com as coisas do mundo se converta em
À custa de reiterados golpes da vida convertida em mestra, alegria: chegou o momento da redenção.
cansaram do jogo dos sentidos. A renúncia a si mesmo já não é impossível e nem dói tanto,
Cansaram de mandar e do fogo dos brilhos mundanos. pois o tempo cuidou de desbastar as maiores causas de apego.
Mas ainda esperam retorno, pelo vício de seu sentir milenar. Resta apanhar a própria cruz, feita de serviço desinteressado,
Precisam, contudo, entender que sua felicidade doravante não de labuta animada para que o próximo seja feliz, para que o
virá de apetites satisfeitos, sensualidade, poder e glória. mundo seja melhor, sem expectativa de qualquer recompensa.
A busca disso só os deprimirá. Feito isso, seguir o Mestre é algo que já se terá feito no
coração.
O caminho, único possível para encher o coração de alegria e a
vida de sentido, é descobrir o prazer de servir.
Não se trata de conselho pueril, apartado da realidade
humana e desconhecedor de sua psicologia.
Não é aos ignorantes que se fala, não é aos adeptos satisfeitos
de variadas baixezas.
Fala-se ao cansados das decepções do mundo, aos deprimidos
em meio a conquistas habitualmente valorizadas.
A estes, cansados do mundo, resta servir no mundo para
serem felizes.
Resta-lhes o amor em sua acepção maior, o amor feito de
renúncia e de doação.
Finalmente, após longos périplos, eis que estão preparados
para ouvir e seguir o chamado que ressoa há séculos: ‘Se
alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada
dia a sua cruz, e siga-me.’
Como se vê, seguir o grande Amor sempre pressupôs
73
C APÍTULO 20

Tríplice
Aspecto

“É possível dar ênfase a um ou a outro,


conforme o objetivo que se deseja perse-
guir.
Contudo, é inócuo e deletério fazer abs-
tração de qualquer deles.”
S EÇÃO 1 divinos, a partir da razão que se satisfez com a análise dos
fatos e a doutrina deles extraída.
Tríplice Aspecto Desse modo, no presente momento tem-se o foco na religião,
na construção do sentimento de amor e na conduta reta.
Entretanto, não dá apenas para cultivar sentimentos e
esquecer as outras bases da Doutrina.
A filosofia não costuma ser esquecida e é mais fácil dela
lembrar.
Afinal, a moral nela se estriba com força e é difícil não seja
chamada à baila, uma hora ou outra.
Mas é preciso sempre seja valorizada, pois representa a razão
que previne pieguice e fanatismos.
O Espiritismo possui um tríplice aspecto bem conhecido e Contudo, o fenômeno corre o risco, em certos ambientes, de
demarcado, na forma de ciência, filosofia e religião. ser demonizado.
Tais aspectos se interpenetram e não podem ser Por fenômenos, não se entendam os físicos apenas, mas os
completamente destacados. intelectuais também.
É possível dar ênfase a um ou a outro, conforme o objetivo Por fenômenos, falamos no intercâmbio entre os encarnados e
que se deseja perseguir. os desencarnados.
Contudo, é inócuo e deletério fazer abstração de qualquer A Doutrina Espírita é a Doutrina dos Espíritos, que não
deles. devem dela ser expulsos, a pretexto de intelectualização ou
Ao longo da história, a ênfase em dado setor mudou de foco. maior segurança com o que suscita menos dúvidas e
Primeiro, a ciência focada na análise dos fenômenos e mesmo controvérsias.
em sua produção. No passado remoto, em certo momento do cristianismo
Depois, a filosofia extraída dos fatos analisados. nascente, buscou-se impedir o contato com os chamados
mortos.
Por fim, a religião, estribada na vivência das máximas de
moral oriundas dos fatos e da filosofia. Fez-se isso porque suas vozes, inclusive na modalidade direta,
da pneumatofonia, diziam verdades inconvenientes.
Tal aspecto é mais crítico, pois pressupõe a evolução moral
que permite a retificação do próprio íntimo e o encontro com Fez-se o que parecia mais fácil e confortável: calar as vozes de
Deus. alerta quanto ao desvio do caminho reto.
Viabiliza que sentimento e conduta se adequem aos estatutos Que hoje, no movimento espírita, não se repita o erro do
passado.
75
Aliás, esse erro não se cinge à simples negativa das Então, que não se demonize e nem se superestime o
comunicações, mas também a prestar atenção apenas no que fenômeno.
convém. Ele se destina a complementar os demais aspectos, não a
Frequentemente, mensagens que chamam a atenção, que substituí-los e nem a sobrepujá-los.
desnudam condutas equivocadas e recomendam sua
retificação, são atribuídas a Espíritos perturbadores.
Os que ficaram no plano espiritual têm em geral, se evolvidos,
uma visão mais clara das coisas e das ocorrências.
Tal se dá também por conseguirem ver de fora, sem interesse
direto, sem as limitações da matéria e sem o envolvimento das
paixões humanas.
Suas mensagens devem ser refletidas, não necessariamente
seguidas, mas seguramente não devem ser impedidas.
É conveniente que em todo centro haja espaço e ocasião para
que os mentores falem.
Eles representam as vozes e a tutela do Céu.
Não são perfeitos, à míngua de angelitude em seu ser.
Mas são lúcidos e suas palavras de prudência merecem ser
ouvidas.
Apenas que não se aguardem elogios constantes.
As advertências e orientações serão mais comuns.
Essas vozes funcionam como os faróis nas viagens marítimas
dos tempos antigos.
Apontam as pedras perigosas, os possíveis encalhes, as razões
de alerta.
Ao final, se houver bastante atenção, com disposição para
acertar, os marinheiros da grande viagem terrena serão
parabenizados por chegarem a bom porto.
Por terem levado a preciosa carga da mensagem cristã com
segurança, terão seu prêmio na forma de paz de consciência.

76
C APÍTULO 21

Ritos e Tradições

“Isoladamente, o homem pode adorar


onde se encontre.
Sua vida deve ser um ato de adoração e
independe de fatores externos sem os
quais isso seria impossível.”
S EÇÃO 1 Jesus afirmou que, onde houvesse dois ou mais reunidos em
seu nome, Ele estaria entre eles.
Ritos e Tradições Cuida-se do efeito multiplicador das vibrações benéficas e
equilibradas, ainda pouco compreendidas.
A reunião de vários crentes, plenos de unção, multiplica a
força de sua fé.
É inerente à humanidade o desejo de pertencer, de ser
acolhido, de fazer parte.
Mesmo os grandes homens têm essa necessidade.
Todos tiveram discípulos e seguidores, pois é árduo demais
seguir sozinho por entre os percalços do mundo.
Mas, para que as reuniões se façam, são necessários locais,
Os ritos e as tradições são importantes marcos da história com o conforto possível, embora o luxo seja desnecessário.
humana.
Para a disciplina humana, locais são tão importantes quanto
Quando se diz que o Espiritismo não tem ritos, tal não horários.
significa negar a importância deles.
Isso não significa negar a adoração em espírito e verdade.
Esse desatavio do Espiritismo é um marco na linha da
adoração a Deus em espírito e verdade. Isoladamente, o homem pode adorar onde se encontre.

Ao traçar essa meta para o futuro, Jesus sinalizou um tempo Sua vida deve ser um ato de adoração e independe de fatores
em que o Criador seria mais bem entendido em seus atributos. externos sem os quais isso seria impossível.

Por ser imaterial é que deve ser adorado em espírito. Mas e os rituais?

Disso se extrai a inocuidade de tudo o que atine à matéria, no Há variados ritos estabelecidos para marcar transições
afã de conectar-se a Ele. importantes na história humana, individual e coletiva.

Pouco importam locais, horários, posições do corpo, fórmulas, São nascimentos, casamentos, natal, ano novo, páscoa.
cantigas e cantilenas. Ninguém pensará em impedir celebrações singelas de partilha
Não se tem uma vaidosa personalidade humana, a reclamar e comunhão.
sinais exteriores de submissão, como genuflexões. Elas são necessárias para demarcar acontecimentos
Entretanto, quem negará o valor da união, do hábito e dos importantes.
horários definidos para que as criaturas se disciplinem na Orações, leituras, estudos voltados à época ou ao tema.
conexão com o Criador? Tudo isso é válido e não se questiona sua propriedade.

78
Mas que não se desvirtue o Espiritismo, como se fez com o
Cristianismo nascente, ao importar ritos do paganismo.
Que não se pretenda celebrar casamentos espíritas, com
liturgia copiada de outras agremiações religiosas.
Que o centro não vire palco de batizados à moda católica ou
protestante.
Que não se coloque a figura do Papai Noel, não se decore a
instituição com coelhinhos na época da páscoa.
Tais períodos e ocorrência devem ser marcados e celebrados,
mas com reflexões, estudos e orações.
O Espiritismo tem um incontornável aspecto de razão, de que
não convém jamais abdicar.
Ele entende a necessidade humana de certos ritos de
passagem e celebração.
Mas persiste como o prenunciador da era em que Deus deve
ser adorado em espírito e verdade.
Espírito em contraposição à matéria, a suas delimitações de
fórmula, de tempo e de espaço.
Verdade, a indicar a necessidade de estudo detido e sério,
para a cada dia mais aproximar as próprias crenças da
realidade vigorante no universo.
De tudo isso, há de sair ou surgir uma religiosidade fundada
na ética cristã, na fraternidade, na compaixão e na caridade, e
não em aspectos exteriores.

79
C APÍTULO 22

Aflições

“Espera-se dos novos cristãos uma re-


núncia mais refinada.
(...)
Espera-se que vivam com dignidade por
entre a corrupção de um mundo que es-
tertora.”
S EÇÃO 1 dizer.
Por conta disso, vive aflito.
Aflições Nessa viagem penumbrosa, por entre as ilusões do mundo, o
Evangelho é o roteiro.
Com frequência, para seguir o Mestre é preciso renunciar a
sonhos e desejos.
É preciso entrar em contendas, a fim de testemunhar o
próprio valor.
Mas o tesouro maior reside na fidelidade aos valores e
princípios evangélicos.
Essa fidelidade sempre, invariavelmente, engendra no íntimo
do ser uma paz impossível de ser descrita.
No mundo, tereis aflições, disse o Senhor.
Não se trata apenas da consciência tranquila, em si mesma
Como toda colocação bíblica, notadamente por se inserir entre muito importante.
as que demandam mais cautela, ela merece cuidadosa
interpretação. Mas também da plenitude de quem segue a rota ascendente
para o Pai.
Por certo, não significa seja o abençoado planeta tido à conta
de peculiar inferno. A certeza de estar se resgatando para a luz, após muito
jornadear nas trevas.
Não implica a negação das virtudes e da utilidade da vida
material, segundo uma concepção maniqueísta. Quem atinge essa plenitude, feita de paz e regozijo, sente-se
repletar de algo diferente.
Mas sinaliza as dúvidas com que o ser humano se debate ao
longo de sua experiência terrena. Perto desse íntimo cheio de um júbilo já celestial, as atrações
e recompensas do mundo são nada.
Ele em geral e em grande parte olvida o próprio passado,
enquanto na Terra. As aflições do caminho ficam pequenas.

Também não tem uma percepção muito clara do caminho a As renúncias necessárias pesam pouco.
trilhar. Assim, o mundo terreno, em sua posição atual, é sempre
Por isso se debate em dúvidas. afligente.

Cultiva desejos e sonhos que não se concretizam. Mas o jugo do Senhor é leve.

Acalenta até temores sem o menor fundamento. Compensa tomá-lo sobre os ombros.

Caminha no mundo às cegas ou com pouca luz, por assim Compensa identificar os próprios desejos à vivência que a

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Espiritualidade Maior traça e a vida lentamente revela.
Não procurem alhures uma paz deletéria, feita de ócio.
Não achem que em seu presente momento evolutivo
encontrarão alguma alegria nas ardências do mundo.
Renunciem a tudo isso com a mesma leveza e alegria dos
mártires.
Eles abriram mão da vida, dos bens, da família, e se
entregaram ao martírio dos circos por entre cânticos.
Felizmente, a organização social não mais comporta esses
espetáculos.
Espera-se dos novos cristãos uma renúncia mais refinada.
A renúncia das folgas, da preguiça e das discórdias.
Espera-se que vivam com dignidade por entre a corrupção de
um mundo que estertora.
Mas que o façam com alegria e paz, e não desgostosos, como
quem cumpre uma pena.

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