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Países com rápida transição da fecundidade

José Eustáquio Diniz Alves


Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População,
Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE;
Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

A transição da fecundidade é um dos fenômenos de mudança de comportamento de massa mais


importantes e significativos da história da humanidade. O ser humano é o único animal que
regula o número de filhos e reduz o tamanho da prole em meio ao aumento do padrão de vida
e à abundância. Nos 200 mil anos de história do Homo sapiens, a redução do número médio de
filhos ocorreu nas últimas décadas.

A despeito das “escoras culturais pronatalistas”, a taxa de fecundidade total (TFT) média do
mundo caiu de cerca de 5 filhos na década de 1960 para menos de 2,5 filhos em 2015. A TFT se
reduziu pela metade em 50 anos, mas desacelerou o ritmo de baixa e se mantem acima do nível
da taxa de reposição (TFT = 2,1 filhos por mulher). Há ainda alguns países que resistem à
desaceleração da fecundidade.

Porém, o ritmo da redução do número médio de filhos foi extremamente rápido em alguns
países. Cingapura, Coreia do Sul e Irã foram os dois países com as transições da fecundidade
mais rápida do mundo.

Cingapura – que era um país pobre até à sua independência em 1959 – tinha uma TFT de 6,6
filhos no quinquênio 1950-55 e de 6,34 filhos em 1955-60. Em apenas 20 anos a TFT de
Cingapura passou para 1,84 filhos no quinquênio 1975-80. Ou seja, em 4 quinquênios a taxa de
fecundidade passou de 6,34 filhos para 1,84 filhos (uma diminuição de 4,5 filhos na TFT). Foi a
transição mais rápida e precoce já ocorrida entre todos os países do mundo.

Coreia do Sul – que viveu uma guerra destruidora com a Coreia do Norte entre 1950-53 e saiu
em ruinas - tinha uma TFT de 6,33 filhos no quinquênio 1955-60 e passou para 1,57 no

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quinquênio 1985-90. Ou seja, a TFT passou de um nível acima de 6 filhos para um nível abaixo
de 2 filhos em 30 anos (uma diminuição de 4,76 filhos na TFT em 6 quinquênios).

O Irã – que passou pela revolução islâmica no final da década de 1970 e pela guerra com o Iraque
no início da década de 1980 – tinha uma TFT de 6,53 filhos em 1980-85 e passou para 1,97 filhos
no quinquênio 2000-05. Ou seja, a TFT que estava acima de 6 filhos caiu para menos de 2 filhos
em 20 anos (uma diminuição de 4,56 filhos na TFT em 4 quinquênios). Ainda na época do aiatolá
Khomeini se adotou medidas de universalização da saúde reprodutiva, o que possibilitou a
grande queda no número médio de filhos.

Brasil, Líbano e Costa Rica tinham TFT em torno de 6 filhos por mulher no quinquênio 1960-65
e passaram para uma TFT abaixo do nível de reposição no quinquênio 2005-10. Portanto, estes
três países tiveram uma transição da fecundidade que durou cerca de 45 anos.

Portanto, estes seis países tiveram uma transição da fecundidade muito rápida, com destaque,
principalmente, para Cingapura e Irã, que foram os países recordistas mundiais na transição de
altos níveis para baixos níveis do número médio de filhos. Uma transição de mais de 6 filhos para
menos de 2 filhos em apenas 20 anos é um acontecimento extraordinário e único. O caso da
Coreia do Sul também merece destaque, pois fez a transição da fecundidade em 25 anos.

A transição da fecundidade no Brasil, Líbano e Costa Rica, mesmo demorando 45 anos, pode ser
considerada uma mudança rápida, embora mais lenta do que nos casos excepcionais de
Cingapura, Irã e Coreia do Sul. No caso de Cingapura e Coreia do Sul cabe destacar que, além da
rapidez da transição, o limite inferior da queda foi muito baixo, com uma TFT de 1,2 filhos por
mulher, uma das menores do mundo.

Uma transição da fecundidade de 20 anos ou 45 anos é considerada rápida quando se compara


com a lenta transição que ocorreu nos países europeus e nos Estados Unidos (EUA). Em relação
a esse país, o gráfico abaixo mostra que a transição da fecundidade de altos níveis de TFT (7
filhos) para abaixo do nível de reposição demorou 180 anos (entre a população branca).

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Nos EUA a transição foi lenta nos séculos XIX e primeira metade do século XX, quando a TFT
passou de 7 filhos para cerca de 2,5 filhos, durante a grande depressão da década de 1930. Logo
após a Segunda Guerra houve um aumento da TFT americana (fenômeno do baby boom) até o
início da década de 1960 e depois uma nova queda, quando ficou abaixo do nível de reposição
no quinquênio 1975-1980, para voltar ao nível de reposição no período 1990-2010. Após 2010,
a TFT dos EUA voltou a ficar abaixo do nível de reposição. O fato é que nos EUA a queda da
fecundidade foi lenta e jamais chegou a níveis tão baixos como em Cingapura e na Coreia do Sul.

O gráfico abaixo mostra a transição da fecundidade no mundo e nas regiões. Nota-se que nos
países desenvolvidos a transição começou no século XIX e atingiu o nível abaixo da reposição no
quinquênio 1975-80. A América Latina e Caribe (ALC) tinha uma TFT de 6 filhos na década de
1950 e deve passar para menos de 2 filhos no quinquênio 2020-25, demorando, portanto, 60
anos para completar a transição. A Ásia que partiu do mesmo patamar da ALC deve atingir uma
TFT abaixo do nível de reposição no quinquênio 2030-35, portanto, 70 anos de transição. Na
África Subsaariana a TFT ainda esta próxima de 7 filhos no quinquênio 1980-85 e só deve
completar a transição no início do século XXII, demorando, portanto, cerca de 130 ou 140 anos
para passar de altos níveis para baixos níveis de fecundidade. O mundo – na média global, só
deve atingir o nível de reposição no fim do século XX.

Neste quadro global, fica claro que as transições da fecundidade de Cingapura, Irã e Coreia do
Sul são realmente excepcionais em termos de rapidez e profundidade, enquanto a transição da
África Subsaariana parte de um alto patamar, inicia de forma tardia e não deve ser profunda no
sentido de atingir níveis bem abaixo do nível de reposição.

O que todos estes dados mostram é que existem grandes diferenças na dinâmica demográfica
dos países e das regiões. As consequências sociais e ambientais também são muito diferentes e
exigem múltiplas respostas. O debate está aberto e o conhecimento da realidade demográfica
pode ajudar na busca de soluções para os problemas sociais, econômicos e ambientais.

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