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ARTIGO CIENTÍFICO
DISCIPLINA: INDÚSTRIA DE DEFESA
ALUNO: JOEL HENRIQUE FONSECA DE ÁVILA

A INFLUÊNCIA DO COMÉRCIO INTERNACIONAL DE ARMAS NA CRISE DE


SEGURANÇA DO SUDÃO E SUDÃO DO SUL

RESUMO
O trabalho buscará descrever o fluxo do comércio de armas no Sudão e Sudão
do Sul e suas consequências para a segurança interna, com os reflexos para a
população civil e para os peacekeepers da ONU e agentes humanitários diversos que
atuam nos países, desde o processo de independência até o início da Guerra Civil de
2013. Tal estudo é importante para compreender como a indústria armamentista
influencia o ambiente político e psicossocial, especialmente de Estados frágeis como
os sudaneses. Dessa forma, a pesquisa conduzirá a uma conclusão sobre a
necessidade de maior controle e regulamentação de tal comércio, para que não
continue a alimentar a insegurança e violações frequentes aos direitos humanos, no
Sudão e Sudão do Sul. A pesquisa, além da introdução, se dividirá em uma segunda
seção que tratará do processo do comércio internacional de armas no continente
africano, onde abordará o fluxo legal, o tráfico ilegal e também acordos velados de
fornecimento de armas, entre nações. A terceira seção irá expor o fluxo de armas para
o Sudão e para o Sudão do Sul, a fim de ilustrar a influência que tal comércio causa
para na instabilidade da região. A quarta seção irá analisar as consequências que tais
atividades geram para a vida dos civis e para as operações de paz e de agentes
humanitários, que atuam nos países. Por fim, serão tecidas considerações finais que
concluirão a necessidade de políticas públicas e acordos internacionais mais
assertivos para amenizar tal óbice.

Palavras Chave: Comércio Internacional de Armas; Conflitos Armados; Sudão; Sudão


do Sul.
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1 INTRODUÇÃO

O mundo vive atualmente uma ordem mundial menos estável do que a vivida
na época da Guerra Fria. Enquanto havia a bipolaridade entre Estados Unidos e União
Soviética, a maior preocupação consistia na manutenção da paz e estabilidade
internacional entre os estados, por meio de alianças ideológicas. No entanto, com o
fim da União Soviética, houve a quebra de alianças e o fim de grande parte do apoio
regional sustentado pelas potências hegemônicas, principalmente no bloco soviético.
Com isso, surgiram diversos Estados Frágeis na arena internacional. Esses estados
são caracterizados como suscetíveis a conflitos étnicos, secessão e aumento da
criminalidade. Tal contexto os levou a conflitos intra-estatais, com altíssimos custos
humanitários (SMITH; BATCHELOR; POTGIETER, 1996).
O fim da Guerra Fria criou também um grande afluxo de armas no mercado,
que foram usadas para alimentar conflitos e a corrida armamentista em diversas
regiões do globo, como por exemplo a região do Chifre Africano. Esta região localiza-
se a Leste do continente africano e contém uma quantidade significativa de estados
frágeis, como Somália, Sudão e Sudão do Sul.
A queda da União Soviética deixou estoques de armamentos disponíveis nos
antigos estados satélite soviéticos, fruto do acúmulo de arsenais derivado da corrida
armamentista. Estas armas se tornaram obsoletas, uma vez que as novas alianças
geopolíticas entre os antigos países do Pacto de Varsóvia e a Organização do Tratado
do Atlântico Norte (OTAN) conduziram à necessidade de um incremento tecnológico
no armamento desses países, para que atingissem os padrões mínimos requeridos
pela OTAN (STOHL; GRILLOT, 2009).
Com o declínio da possibilidade de conflitos interestatais e também com uma
grave crise econômica nos países do bloco soviético, o comércio de armas caiu e fez
com que as indústrias de defesa se ajustassem à nova realidade. Além disso, os
comerciantes estatais de armas precisaram lidar com a concorrência dos
exportadores de armas, que estavam ansiosos para se inserir no mercado global
(STOHL; GRILLOT, 2009).
O fim da Guerra Fria trouxe, em seu contexto, a emergência de guerras civis.
Estes conflitos, na sua grande parte ocorrendo em estados frágeis, dependem
principalmente de armamento convencional. Em muitos casos, armas individuais e
leves são as únicas usadas pelos oponentes, incluindo-se neste contexto os exércitos
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nacionais, tropas paramilitares, forças rebeldes e terroristas (STOHL; GRILLOT,


2009).
E é nesse ambiente em que ocorre o processo de independência do Sudão do
Sul. Este país é localizado onde a maior parte da segunda guerra civil sudanesa
(1983-2005) ocorreu. Ambos os lados, tanto os sudaneses como os rebeldes do sul
armaram diversas milícias tribais, tornando o conflito complexo. Porém, em janeiro de
2005, no Quênia, foi assinado um acordo de paz entre o governo sudanês e os
rebeldes do Sul (Comprehensive Peace Agreement – CPA) (LEFF; LEBRUN, 2014).
O acordo estabeleceu a implementação de um cessar-fogo permanente, a autonomia
para a região sul, a configuração de um governo partilhado em Cartum e um referendo
para decidir a independência do Sudão do Sul em seis anos (SANTOS, 2018).
Mesmo durante o período do acordo de paz, conflitos ocorreram na região
autônoma sul-sudanesa, entre os rebeldes e as tropas sudanesas. O ambiente de
conflito favorecia a cultura armamentista e o comércio de armas. A Missão da ONU
no Sudão (UNMIS) era a responsável por fiscalizar o cumprimento do CPA. Mesmo
assim, o período de autonomia do povo da região sul foi considerado como de uma
“paz frágil” (SANTOS, 2018).
Porém, com os esforços da UNMIS, em 2011, após um referendo, a população
do sul do Sudão decidiu se tornar independente (SANTOS, 2018). Nascia assim o
Sudão do Sul, mais jovem país signatário da Organização das Nações Unidas (ONU).
No entanto, com a independência, o ambiente conflitivo não se findou. Além
das questões externas com o governo sudanês sobre a região de Abyei, que é uma
área contestada entre os dois países, rica em petróleo, várias divergências étnicas,
criminalidade e disputas por recursos naturais afloraram no Sudão do Sul. Nesse
contexto, o fluxo de armamentos continuou florescendo no país, tendo consequências
graves que conduziram para a eclosão de uma violenta guerra civil, iniciada em
dezembro de 2013.
O objeto da presente pesquisa constitui-se na influência que o comércio
internacional de armas possuiu sobre a segurança interna do Sudão do Sul, desde
seu processo de independência até a guerra civil iniciada em 2013.
O objetivo geral do artigo foi descrever o fluxo do comércio de armas no Sudão
do Sul e suas consequências para a segurança interna do país, com os reflexos para
a população civil e para os peacekeepers da ONU e agentes humanitários diversos
que atuam no país, desde o processo de independência até o início da Guerra Civil
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de 2013. Para que esse objetivo fosse atingido, os seguintes objetivos específicos
foram traçados:
- Estudar o comércio internacional de armas na região do Chifre Africano.
- Descrever o fluxo de armamentos do Sudão do Sul.
- Analisar as consequências do comércio de armas do Sudão do Sul para o
ambiente de segurança do país, tanto para os civis como para os peacekeepers e
agentes humanitários.
O presente estudo buscou estudar a relação entre o processo do comércio
internacional de armas com a instabilidade e insegurança do Sudão e Sudão do Sul.
Tal abordagem é importante para compreender como a indústria armamentista
influencia o ambiente político e psicossocial, especialmente de Estados frágeis como
os sudaneses. Dessa forma, a pesquisa conduziu a uma conclusão sobre a
necessidade de maior controle e regulamentação de tal comércio, para que não se
continue a alimentar uma das raízes da insegurança e existência de violações
frequentes aos direitos humanos, em certas nações do globo.
A presente pesquisa usou como instrumento de coleta de dados a pesquisa
bibliográfica em revistas, jornais, teses, artigos e publicações que tratem sobre a
problemática do comércio internacional de armas no continente africano, mais
especificamente no Sudão e Sudão do Sul.
As referências documentais e bibliográficas desse artigo foram obtidas por
pesquisas em sites como o Google Acadêmico, Biblioteca Digital da Fundação Getúlio
Vargas e no site dos Periódicos da Capes. As palavras chaves utilizadas foram
Comércio Internacional de Armas, Comércio Ilegal de Armas e Sudão do Sul
Quanto aos critérios de inclusão, foram consideradas as fontes publicadas em
inglês, espanhol e português. Ainda, observou-se o recorte temporal do período de
1991 até os dias atuais. Tal recorte é justificado por ser o ano de 1991 o marco
temporal do cenário internacional do pós-Guerra-Fria, com o desenvolvimento de
conceitos importantes para a análise do objeto de pesquisa.
A pesquisa, além da introdução, se divide em uma seção que tratará do processo
do comércio internacional de armas no continente africano, onde abordará o fluxo
legal, o tráfico ilegal e também acordos velados de fornecimento de armas, entre
nações. A segunda seção irá expor o fluxo de armas para o Sudão e para o Sudão do
Sul, a fim de ilustrar a influência que tal comércio causa para na instabilidade da
região. A terceira seção irá analisar as consequências que tais atividades geraram
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para a vida dos civis e para as operações de paz e de agentes humanitários, que
atuaram no país. Por fim, serão tecidas considerações finais que concluirão sobre os
efeitos do comércio internacional de armas para a instabilidade regional no Sudão e
Sudão do Sul, assim como a necessidade de políticas públicas e acordos
internacionais mais assertivos para amenizar tal óbice.

2 O COMÉRCIO INTERNACIONAL DE ARMAS

Durante a Guerra Fria, a maior preocupação era concernente às armas de


destruição em massa, mais especificamente as bombas nucleares. Contudo, o fim
desse período mostrou que as armas convencionais são a maior causa de ameaças
e mortes nos conflitos contemporâneos, sendo responsáveis por centenas de milhares
de mortes por ano. As armas convencionais são essenciais para a segurança nacional
e ferramentas para a política de um país, quando usadas por militares e policiais.
Assim, controlar armamento convencional é bem mais difícil do que outras classes de
armamentos (STOHL; GRILLOT, 2009).
Segundo Chelule (2014), a proliferação de armas pequenas e leves no mercado
mundial se deu por diversos fatores. O principal é que elas são baratas e fáceis de
serem adquiridas por indivíduos, como é o caso do fuzil russo AK-47, da família
Kalashnikov, que em alguns países pode ser adquirido por um preço similar ao de um
frango.
O continente africano é um dos mais conflitivos e subdesenvolvidos do mundo.
Ele exibe, dessa forma, muitos dos sintomas que estimulam a proliferação de armas
leves (SMITH; BATCHELOR; POTGIETER, 1996). Um número estimado de 79% das
armas leves está em poder de civis e, se são roubadas ou perdidas, estas mesmas
podem ser encontradas no mercado negro. O fim da Guerra Fria não impediu o fluxo
de armas para o continente, vindos de diversos produtores legais como a China, Irã,
Rússia, Ucrânia, França, Alemanha, Itália, Reino Unido e Estados Unidos. (CHELULE,
2014).
Alguns estados africanos também se tornaram fornecedores de armas para
rebeldes e mercadores da morte, como é o caso do Sudão, que apoiou insurgentes
na Etiópia, Eritreia e Uganda. Estes mesmos três países apoiaram os rebeldes do sul
do Sudão (CHELULE, 2014).
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Além do comércio convencional de armas, o fluxo de armas pode ser gerado


pelo chamado “mercado cinza”. Tal mercado envolve governos, seus agentes ou
indivíduos que exploram brechas ou intencionalmente burlam leis ou políticas
nacionais ou internacionais. Isso pode inferir que transferências secretas de armas
não são necessariamente ilegais, mas estão no limiar entre o lícito e ilícito. O mercado
cinza e as vendas secretas podem ser considerados atividades semi-legais, pois
violam normas e políticas, mas não a lei (STOHL; GRILLOT, 2009).
O mercado negro, por sua vez, é totalmente ilegal e é realizado contra leis
nacionais e internacionais. Há várias maneiras de escoar os armamentos no mercado
ilícito, que variam desde carregamentos contrabandeados ou encobertos ao uso de
documentos falsos, mercadorias com rótulos trocados e transações financeiras que
escondem os fundos utilizados ou resultam de vendas ilegais. Além disso, falhas de
fiscalização do governo e regulamentações e controle fracos dos arsenais dos
militares e policiais pode gerar a perda, roubo e desvio de armas, que acabam
alimentando o mercado negro. Também existem as roubas ou perdas de armamentos
por civis, que também acabam se dirigindo para o comércio ilegal. Por fim, vendas
secretas autorizadas por governos contribuem com o suprimento global de armas
ilegais (STOHL; GRILLOT, 2009).
No continente africano, governos e grupos armados em estados vizinhos
também são importantes fontes de armas ilícitas. Muitos conflitos civis rapidamente
tornam-se verdadeiras guerras, quando governos fornecem o material para uma das
partes do conflito. Este apoio normalmente inclui grande número de armas leves,
muitas delas transferidas ilegalmente. Desde 2000, investigações da ONU
documentaram vendas de armas realizadas por governos vizinhos para grupos
armados da Somália, República Democrática do Congo, Libéria, Serra Leoa e Sudão.
Todos estes eram estados sob embargos de armas da ONU, na época das
transferências (SCHROEDER; LAMB, 2018). Outros estados, que não os vizinhos,
também podem ser fontes de armamento ilegal, como foi o caso da venda de 140
carros de combate búlgaros para Etiópia e Uganda, em 1998 (STOHL; GRILLOT,
2009). Além disso, o contrabando de armas pelas fronteiras, realizado por milícias,
são consideráveis fontes de armas (SCHROEDER; LAMB, 2018).
Outra importante fonte de armas no mercado negro são os corretores de armas.
Eles são negociantes, intermediários ou mercadores individuais que arranjam todo o
processo de vendas, compras ou transferências, em troca de uma taxa paga a ele,
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durante a transação. Os corretores não necessariamente se engajam em atividades


ilegais, uma vez que alguns agentes são licenciados por seus governos a participar
do mercado, no intuito de instituir companhias falsas ou até mesmo legítimas para
evitar possíveis ligações entre o país e a venda ilegal de armas. Os corretores
preferem métodos de transporte aéreo, por barcos ou outros que facilitem esconder
os carregamentos (STOHL; GRILLOT, 2009).
A África recebe carregamentos de traficantes de armas, muitos deles
originados da China, Israel e outros 20 países da Organização para Segurança e
Cooperação na Europa (OSCE). Estas armas normalmente são remanescentes de
grandes carregamentos para movimentos rebeldes durante a Guerra Fria, ou são
suprimentos recentes gerados pelo tráfico dos corretores de armas, também
chamados “mercadores da morte”. Estas transferências normalmente são muito
complexas, consistindo em companhias de fachada, documentação falsa e uma
extensa rede de corretores, financiadores e oficiais corruptos, operando em diversos
países (SCHROEDER; LAMB, 2018).
As fronteiras porosas africanas, sem qualquer cerca ou muro, têm contribuído
para a facilidade do movimento de armas leves entre os países. Alguns têm fronteiras
muito longas, como é o caso do Sudão, Sudão do Sul, República Democrática do
Congo e Chade, que tornam o país incapaz de fiscalizar todas as atividades ilegais na
fronteira, facilitando o contrabando de armas para seu interior (CHELULE, 2014).
Um dos estados que mais tem crescido no mercado internacional de armas é o
chinês. Ele vem se destacando como um grande exportador e importador. Realiza
também o comércio com nações africanas, desde a assinatura da Declaração de
Beijing, no Fórum da Conferência Ministerial de Cooperação China-África, em 2000.
Embora os chineses não tenham a força comercial do mercado de armas dos Estados
Unidos, Rússia, Reino Unido ou França, os chineses, como os russos, são criticados
por sua venda de armas a países que sofrem embargos. A China não faz parte de
qualquer mecanismo de controle de armas internacional, como o Acordo de
Wassennar. Além disso, eles dificilmente fornecem informações sobre suas
exportações de armas ao Registro de Armas Convencionais das Nações Unidas,
podendo ainda infringir regularmente as normas internacionais relativas à
transferência de armas (STOHL; GRILLOT, 2009).
A China fornece armas para diversos países africanos. Em 2000, transferiram
para o Sudão aeronaves, armas e munições. Venderam também milhões de dólares
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em armas para a Etiópia e Eritreia, antes e durante seu conflito, de 1998 a 2000.
Outros países africanos, como Burundi, Tanzânia, Zimbábue, Nigéria e Angola
também são grandes compradores de armas chinesas, muitas das quais usadas para
alimentar insurgências e violentos conflitos (STOHL; GRILLOT, 2009).

3 O FLUXO DE ARMAS PARA O SUDÃO E SUDÃO DO SUL

Décadas de conflito fizeram com que o Sudão e o Sudão do Sul se tornassem


terreno fértil para a circulação ilícita de armas e munição. Enquanto a maioria do
armamento nos arsenais e na posse dos civis era obsoleta, houve um considerável
afluxo de armas e munições recentemente fabricadas. O armamento estrangeiro ainda
é predominante, mas o Sudão tem aumentado sua produção de armas nas últimas
décadas, com o apoio, primeiramente, da Bulgária, e mais recentemente da China e
do Irã. Dessa forma, cada vez mais equipamento sudanês é encontrado nos campos
de batalha do Sudão e Sudão do Sul (LEFF; LEBRUN, 2014).
Armamento do antigo bloco soviético é encontrado por várias regiões do Sudão
e Sudão do Sul. Estas armas surgiram nessa região a partir da década de 50, mas
carregamentos da Europa Oriental continuaram a chegar durante o período do acordo
de paz, de 2005 a 2011. Nessa época, o Sudão do Sul, por exemplo, realizou diversas
consignações com a Ucrânia de carros de combate, armas leves, portáteis e suas
munições correspondentes, por meios de transporte através do Quênia e Uganda
(LEFF; LEBRUN, 2014).
Estas armas provenientes do antigo bloco soviético, sem controle estatal,
alcançaram muitos atores não estatais, por intermédio acidental, ou não, das forças
convencionais sudanesas e sul-sudanesas. E por intermédio delas, foram também
direcionadas para países como Etiópia, Somália e Uganda.
No entanto, a China vem se destacando como grande fornecedora de
equipamento para o Sudão e Sudão do Sul. Entre 2001 e 2012, os chineses foram
responsáveis por 58% das importações sudanesas reportadas de armas portáteis e
leves, munição e outras armas convencionais. Segundo Leff e Lebrun (2014),
inspeções de campo revelaram uma grande quantidade de equipamentos chineses,
incluindo fuzis, metralhadoras pesadas, lançadores de granada RPG, mísseis anti-
tanque, vários tipos de foguetes e munição de pequeno calibre. Quanto à munição de
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pequeno calibre, a chinesa é a mais abundante, tanto no Sudão como no Sudão do


Sul.
Os principais armamentos chineses encontrados na região são os seguintes: o
fuzil CQ 5,56mm; a metralhadora Type 80, que é uma cópia da russa PKM; e o
lançador de granadas automático QLZ 87 (Type 87), produzido pela China North
Industries Corporation (NORINCO). Quanto às munições, as principais são: a Type
69, de 40mm HEAT 35, que é uma munição para RPG-7; Hongjian-8 (HJ-8), mais
conhecida como Red Arrow-8, que é um míssil guiado antitanque; e os foguetes de
longo alcance Weishi-1 (WS-1) (LEFF; LEBRUN, 2014, p. 55).
As principais razões pelas quais a China investe tanto em armamentos na
região sudanesa podem ser geopolíticas. Primeiramente, segundo Klare (2001), a
causa mais recorrente de conflitos na era pós-Guerra Fria é a busca por recursos
naturais vitais.
Klare (2001) prossegue afirmando que a força militar exerce um papel
fundamental na proteção de recursos. Tais bens são suscetíveis a golpes políticos e
conflitos, necessitando portanto de proteção. Enquanto diplomacia e sanções
econômicas são eficientes na promoção de outros objetivos econômicos, apenas o
poder militar pode garantir o fluxo contínuo de petróleo e de outros recursos críticos.
Para muitos estados, como a China, a proteção de fontes de petróleo e gás são objeto
de planejamento estratégico.
O Sudão do Sul é o terceiro maior produtor de petróleo da África Subsaariana
(DASH, 2012). É um grande fornecedor de petróleo para a China. O consumo chinês
vem crescendo, devido ao aumento de sua produção, necessitando assim de cada
vez mais fontes de energia (KLARE, 2001). Dessa forma, se torna importante para o
governo chinês manter a estabilidade regional no Sudão e Sudão do Sul, para garantir
o fluxo de petróleo. Com isso, o fornecimento de armas para as forças estatais do
Sudão e Sudão do Sul servem como uma ferramenta para reforçar as forças legais,
impedindo tentativas de golpes políticos. No entanto, a falta de controle do armamento
acabou por fazer com que principalmente armas leves e portáteis se espalhassem por
grupos rebeldes e civis.
Além disso, segundo Klare (2001), estados frágeis como os sudaneses, que
são extremamente dependentes de petróleo, são muito suscetíveis a conflitos internos
e externos, por recursos naturais. Tal fato se comprova no caso, devido aos conflitos
recorrentes entre o Sudão e o Sudão do Sul pela região contestada de Abyei, além da
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disputa pelos poços de petróleo entre as forças sul-sudanesas e o exército da


oposição, desde a eclosão da guerra civil em dezembro de 2013. Conforme The World
Bank (2018), 60% do Produto Interno Bruto sul-sudanês é relativo à venda do petróleo.
Outra importante fonte de armas para o Sudão é o Irã. Ele é um significativo
exportador desde a década de 1990. Porém, enquanto a relação militar da China com
o Sudão reside em interesses econômicos e em suprimento de petróleo, o papel da
indústria de defesa iraniana no Sudão é principalmente ideológico, uma vez que
ambos os países possuem governos muçulmanos fundamentalistas, regidos pela lei
islâmica, a sharia. De acordo com o Comtrade da ONU, segundo Leff e Lebrun (2014),
o Irã representa 13% das importações sudanesas, de 2001 a 2012. Em 2012, estes
dois países assinaram um acordo de defesa mútua, que embasou toda a venda de
armas iraniana, incluindo mísseis, RPG, aeronaves remotamente pilotadas (ARP) do
modelo Ababil-3 e outros equipamentos, como tubos e granadas de morteiro 60mm e
81mm. Além disso, grande parte de munições de pequeno calibre produzidas na
Organização de Indústria de Defesa Iraniana também foram encontradas no Sudão,
seja com as forças do governo, seja com rebeldes ou pastores civis.
A indústria de armamentos sudanesa, a Military Industry Corporation (MIC),
também é uma importante fornecedora de armamentos para tropas do governo,
rebeldes e civis, tanto sudaneses como sul-sudaneses. Técnicos sudaneses da MIC
são enviados para China e Irã para serem treinados na fabricação do material bélico.
O MIC utiliza expertise técnica tanto da China como do Irã na produção e fabricação
de diversas armas e munições, além da manutenção de aeronaves e viaturas usadas
pelo exército sudanês (LEFF; LEBRUN, 2014).
A MIC produz um fuzil e duas metralhadoras que são cópias idênticas do fuzil
chinês CQ e das metralhadoras Type 80 e Type 85, respectivamente. O carro de
combate “Al Bashir” é uma cópia do tanque chinês Type 85. Além disso, há ainda
semelhanças com lançadores de granadas e munições iranianas, em produtos
fabricados pelo MIC (LEFF; LEBRUN, 2014).
O Sudão se tornou um importante fabricante de armamentos na África. Mesmo
sem dados sobre o volume de exportação sudanês para o mercado externo, há
consideráveis quantidades de armas e munições produzidas no Sudão, em posse das
forças sudanesas e de insurgentes, assim como em várias outras zonas de conflito
fora das regiões do Sudão ou Sudão do Sul. Foram encontradas munições sudanesas
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em países como Costa do Marfim, República Democrática do Congo, Líbia, Somália


e Síria, no período de 2003 a 2012 (LEFF; LEBRUN, 2014).
Por fim, outra fonte de armamentos para forças rebeldes no Sudão e Sudão do
Sul são os seus países vizinhos. Devido às fronteiras porosas, as armas são
facilmente e rotineiramente contrabandeadas da maioria dos 9 países fronteiriços com
Sudão e Sudão do Sul. Algumas vezes, comerciantes locais traficam armas em
pequena escala para o mercado civil, normalmente obsoletas e já há décadas
circulando na região, o que dificulta o rastreamento da origem. Há também o apoio de
estados vizinhos que fornecem grande quantidade de armas para seu próprio
interesse político e ideológico, como ocorreu no apoio da Líbia e Chade aos rebeldes
de Darfur e também ao apoio de Quênia, Etiópia e Uganda aos rebeldes sul-
sudaneses do SPLA, antes da independência (LEFF; LEBRUN, 2014).
O fluxo de armas existe na região do Sudão, mesmo após o embargo instituído
pela ONU em 2004, na região do Darfur. O conflito em Darfur continuou tendo acesso
a recursos militares, evidenciando que o embargo estava sendo violado abertamente
e sem qualquer consequência. Foram encontradas na região do Sudão e Sudão do
Sul armas e munições sem marcação ou de origem raspada, em uma clara intenção
de acobertar a origem do armamento (LEFF; LEBRUN, 2014).

4 AS CONSEQUÊNCIAS PARA OS CIVIS, PEACEKEEPERS E HUMANITÁRIOS

O Sudão e Sudão do Sul são países altamente dependentes do comércio do


petróleo e do auxílio humanitário. A guerra civil de 2013, no Sudão do Sul, minou todos
os ganhos em desenvolvimento adquiridos desde a independência e pioraram a
situação humanitária. O conflito é estimado em ter aproximadamente 400 mil mortes
desde 2013 e mais de 4 milhões de pessoas deslocadas internamente ou refugiadas
em outros países. A ONU ainda estima que sete milhões, número que supera metade
da população do Sudão do Sul, foram consideradas como em insegurança alimentar
severa, entre maio e dezembro de 2018 (THE WORLD BANK, 2018).
O acúmulo e dispersão de armas aumenta a intensidade e duração dos
conflitos armados, minando a eficiência dos acordos de paz, diminuindo o sucesso
das operações de paz, frustrando os esforços para a prevenção de conflitos armados
e limitando a provisão de ajuda humanitária. Armas nas mãos de rebeldes impedem
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as estratégias de resolução de conflitos e aumentam a insegurança do país, tornando


inócuos os esforços pela manutenção ou construção da paz (CHELULE, 2014).
O descontrole do comércio de armas possui sérias consequências sociais,
políticas, econômicas e militares. No caso do Sudão e do Sudão do Sul, os
peacekeepers foram colocados em perigo, houve diminuição das oportunidades
econômicas e de negócios nacionais e multinacionais, vários pontos dos países se
tornaram inseguros para a chegada da ajuda humanitária e milhares de civis foram
mortos ou deslocados de seus lares (STOHL; GRILLOT, 2009).
O descontrole do comércio de armas gera consequências imediatas e de longo
prazo para a segurança humana. Ferimentos por armas vão pesar no sistema de
saúde, dificultando ainda mais o atingimento dos objetivos econômicos (STOHL;
GRILLOT, 2009).
O conflito armado, segundo Chelule (2014), pode afetar seriamente a economia
do país, com um custo que atinge aproximadamente 60% do PIB. As guerras civis são
caras e drenam os recursos da nação, tornando sua população ainda mais pobre.
Os bombardeios aéreos das Forças Armadas Sudanesas, assim como o uso
dos foguetes de longo alcance WS-1 produziram poucas baixas. Entretanto, eles
espalharam o medo entre a população civil, resultando em grande deslocamento de
pessoas, interrupção das atividades agrárias e aumento da crise humanitária e
insegurança alimentar nos estados sudaneses de South Kordofan e Blue Nile (LEFF;
LEBRUN, 2014).
Mesmo com o arrefecimento dos conflitos, as armas continuam a afetar a
população de refugiados e deslocados internos (IDP), que ficam temerosas em
retornar a seus lares. Isso é devido a haver minas ou engenhos explosivos falhados
no terreno, além de criminosos armados, insurgentes ou mesmo soldados que
possam feri-los, abusá-los ou mata-los, tanto no caminho de volta, como em suas
próprias comunidades. Além disso, não há segurança mesmo dentro dos campos de
proteção, uma vez que muitos IDP ainda sofrem nesses locais com a criminalidade,
violência e recrutamento forçado, cometidos por outros IDP (STOHL; GRILLOT, 2009).
O comércio descontrolado de armas ainda limita operações de paz da ONU ou
de forças nacionais ou regionais. A União Africana, por exemplo, foi alvo de gangues
e milícias no Sudão, que mataram 15 peacekeepers em Darfur, desde que a força foi
enviada, em 2004. Além disso, peacekeepers da ONU foram mortos ou feridos
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durante a guerra civil iniciada em 2013 (SANTOS, 2018), tornando o ambiente


inseguro e instável.
As agências humanitárias também têm seu trabalho seriamente prejudicado
pela circulação de armas no Sudão e Sudão do Sul. Essas organizações se tornam
incapazes de acessar grande parte da população necessitada do país, devido à falta
de segurança gerada pelas armas de posse de criminosos e milícias (SCHROEDER;
LAMB, 2018).
O comércio de armas ainda intensificou a violência das tensões inter-tribais,
tanto no Sudão como no Sudão do Sul, geradas pela escassez dos recursos e por
disputa de terras, onde muitas vezes as terras de agricultores são invadidas por
pastores itinerantes. O roubo de gado, outra atividade ilícita que assola os países,
intensificou o número de mortes por arma de fogo (SCHROEDER; LAMB, 2018;
SANTOS, 2018).

5 CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

É necessário compreender o fluxo de armas e munições que fluem para atores


não estatais, assim como suas origens e fabricantes, para se ter uma visão geral do
quadro de violência que assola o Sudão e Sudão do Sul. Armas e munições
produzidas na China, Irã e Sudão foram largamente encontradas por usuários não
estatais em diversas áreas, tanto do Sudão como do Sudão do Sul (LEFF; LEBRUN,
2014).
Nenhum dos atores internacionais, por si só, poderá resolver a problemática do
fluxo ilegal de armas nas regiões sudanesas. Assim, deverá haver procedimentos
abrangentes e compatíveis, leis e regulamentos que engajem todos os Estados e
atores relevantes para coibir o comércio ilegal de armas efetivamente. Esforços nesse
combate devem abranger tanto a demanda como a fonte (STOHL; GRILLOT, 2009).
Assim, para o caso do Sudão e Sudão do Sul, os principais fornecedores, que
são China e Irã, além dos vizinhos regionais do Chifre da África, devem trabalhar para
fortalecer seus controles de alfândegas e fronteiras e exigir que todos os
carregamentos tenham a autenticidade e legitimidade checada. Toda a cadeia do
comércio deve ter a fiscalização fortalecida, incluindo produtores, exportadores,
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importadores e revendedores. Deve haver penas rígidas para quem não obedecer às
normas.
A ONU deve estabelecer também uma eficiente operação de desarmamento,
desmobilização e reintegração (DDR), para estimular a entrega das armas para
destruição e uma reintegração eficiente de ex-combatentes e milícias à sociedade.
Além disso, deve também concluir a construção de capacidades do Sudão e Sudão
do Sul, para que seus governos tenham instituições fortes e legítimas, que garantam
a segurança de seus cidadãos e inibam a demanda por armas.
Por fim, a maioria das armas no Sudão e Sudão do Sul estão nas mãos de
atores não estatais (LEFF; LEBRUN, 2014, p. 106), quer seja por suprimento
deliberado, quer seja por desvio. Caso mantenha-se a falta de controle estatal e de
regulamentos rígidos, estas armas continuarão a alimentar insurgências e conflitos
intertribais no Sudão e Sudão do Sul.
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REFERÊNCIAS

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