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UFCD ACOMPANHAMENTO DE CRIANÇAS:

3239 DESENVOLVIMENTO INFANTIL


Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

ÍNDICE

1.Psicologia e conceito do desenvolvimento da criança - definição................ 2

2.Psicologia e pedagogia................................................................................... 6

3.Desenvolvimento, crescimento e maturação da criança ............................. 11

4.Factores condicionantes do desenvolvimento infantil................................. 15

5.Fases do desenvolvimento infantil ............................................................... 18

6.Desenvolvimento físico e psicomotor ........................................................... 25

7.Desenvolvimento cognitivo - a teoria de Jean Piaget.................................. 34

8.Desenvolvimento da linguagem ................................................................... 38

9.Desenvolvimento sócio-afectivo ................................................................... 44

9.1.Interacção mãe/filho ................................................................................... 44

9.2.Entrada no grupo ........................................................................................ 50

9.3.Criança e o adulto ....................................................................................... 54

Bibliografia ....................................................................................................... 58

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

1.Psicologia e conceito do desenvolvimento da


criança - definição

Psicologia é a ciência que estuda o pensamento, tentando através de processos


múltiplos compreender o modo como o ser humano se individualiza.

Considera-se uma ciência um conjunto de conhecimentos que se autonomiza dos


outros porque responde aos seguintes requisitos (condições):
a) Tem um objeto de estudo devidamente circunscrito (demarcado): estuda de
um modo específico o ser humano em todas as suas manifestações
comportamentais, individuais e sociais, recorrendo, para tal, ao auxílio
indispensável de outras ciências: Biologia, Sociologia, Medicina, etc.…
b) Tem um conjunto de métodos próprios, isto é, de processos fundamentais
que permitem explicar e compreender os fenómenos que se relacionam com o
seu objeto de estudo.
c) Tem um objetivo, essencialmente o de encontrar as regras ou leis que
permitem relacionar os factos entre si e, portanto prever os comportamentos.
d) Tem uma linguagem própria, ou seja, um conjunto de termos criados
expressamente para a ciência psicológica, ou então, a nível das palavras de uso
corrente (comportamento, cultura, instinto, atitude, etc.).

A psicologia do desenvolvimento ao longo de toda a vida visa “a descrição, explicação


e otimização dos processos de desenvolvimento ao longo de toda a vida, da conceção
até à morte. Para uma melhor compreensão do desenvolvimento humano, o seu
estudo deve ser assumido numa perspetiva interdisciplinar

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

Compreender as mudanças contínuas do ser humano operadas ao longo da vida e


descobrir as razões dessas mudanças tem constituído um desafio para a Psicologia,
nomeadamente para os psicólogos do desenvolvimento.
Por desenvolvimento entende-se o conjunto de mudanças contínuas no ser humano ao
longo da sua existência.

O conceito de desenvolvimento pressupõe assim uma sequência de alterações graduais


que levam a uma maior complexidade no interior de um sistema ou organismo. Na
evolução por que passa cada indivíduo desenham-se estádios que seguem uma ordem
praticamente imutável, mas o tempo de permanência em cada um deles varia
conforme o indivíduo.

A psicologia do desenvolvimento é uma área especializada da Psicologia que só


amadureceu no século XIX. Até à contemporaneidade, era impossível o aparecimento
desta área de investigação, devido aos estereótipos que se mantinham acerca do
conceito de criança e da pouca importância que lhe era concedida.

Uns tinham uma visão negativa da infância, encarando a criança como uma espécie de
selvagem quase sem humanidade, incluindo-a na mesma categoria em que mantinham
os primitivos e os deficientes mentais. Outros consideravam que as crianças tinham
uma mente como a dos adultos, sendo a única diferença entre ambos o crescimento e
não o desenvolvimento; constituindo a criança como um adulto em miniatura.

Desta forma, o estatuto próprio da criança não era reconhecido, o que tinha reflexos
negativos na educação familiar e escolar que lhe exigiam condutas muito próximas das
do adulto, sem que ela pudesse comportar-se da forma pretendida.

As grandes mudanças quanto ao modo de encarar a criança deve-se à teoria


evolucionista de Darwin, estilhaçadora da fronteira intransponível entre animal e ser
humano, abre caminho a uma nova perspetiva em psicologia genericamente apelidada
de organicismo.

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

Os psicólogos que defendem o modelo organicista assumem uma


perspetivainteracionista, em que consideram que o desenvolvimento é um processo
dinâmico em que fatoresmaturacionais, genéticos e da experiência externa se
combinam no decorrer dos diferentes estádios por que o indivíduo passa ao longo da
vida.

O modelo organicista realça o carácter adaptativo do processo de desenvolvimento,


uma vez que considera que ao progredir na sequência dos estádios, o organismo
dispõe de mecanismos psicológicos diferentes e qualitativamente superiores de
intervenção no meio.

Essas intervenções, por sua vez, contribuem para reorganizar os mecanismos


psicológicos, fazendo com que o indivíduo fique melhor apetrechado para ajustar
adequadamente os comportamentos às exigências do meio.

Nesta ótica, o desenvolvimento na infância está relacionado com o desenvolvimento ao


longo do resto do ciclo de vida, o desenvolvimento não termina na adolescência.
Atualmente, a maior parte dos estudiosos da área concorda que o desenvolvimento
decorre ao longo de toda a vida do ser humano.

O campo do desenvolvimento da criança diz respeito ao estudo científico dos modos


como as crianças mudam, assim como dos modos como permanecem na mesma,
desde a conceção até à adolescência.

Existem dois tipos de mudanças desenvolvimentais: quantitativa e qualitativa:


 Mudança quantitativa é uma mudança no número ou quantidade, tal como na
altura, peso, vocabulário ou frequência de comunicação.
 Mudança qualitativa é uma mudança no tipo, estrutura ou organização, tal
como a mudança que ocorre numa criança, de não-verbal para ser capaz de
compreender palavras e de comunicar verbalmente.

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Apesar destas mudanças, a maioria das crianças revela uma continuidade subjacente
ou consistência ao nível da personalidade e do comportamento. Por exemplo, cerca de
10 a 15% das crianças são tímidas e outras 10 a 15% são muito sociáveis.

Quais das características da criança têm mais tendência a persistir? Quais têm
probabilidade de mudar, e porquê? Estas são algumas das questões a que o estudo do
desenvolvimento da criança procura responder.

Apesar dos processos físicos e psicológicos do desenvolvimento serem os mesmos para


todas as crianças normais, o seu resultado é diferente – tal como os adultos são
diferentes entre si.

Na realidade, o desenvolvimento humano é um processo de crescimento e mudança a


nível físico, do comportamento, cognitivo e emocional ao longo da vida. Em cada fase
surgem características específicas.

As linhas orientadoras de desenvolvimento aplicam-se a grande parte das crianças em


cada fase de desenvolvimento. No entanto, cada criança é um indivíduo e pode atingir
estas fases de desenvolvimento mais cedo ou mais tarde do que outras crianças da
mesma idade, sem se falar, propriamente, de problemáticas.

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2.Psicologia e pedagogia

O modo como explicamos o desenvolvimento depende do modo como vemos a


natureza dos seres humanos. Há uma variedade de teorias sobre o porquê do
comportamento das crianças.

Uma teoria é um conjunto de conceitos relacionados, que procura organizar e explicar


dados, a informação recolhida através da investigação. As teorias predizem também os
dados que poderão ser obtidos sob determinadas condições, servindo assim como
geradoras de, hipóteses – explicações ou predições que podem ser testadas na
investigação.

As teorias são dinâmicas: modificam-se para incorporar novas descobertas. Por vezes,
a investigação apoia uma hipótese e a teoria na qual se baseou. As teorias ajudam,
pois, os cientistas a atingir os objetivos descritos anteriormente – descrever, explicar,
predizer e modificar o comportamento.

Nenhuma teoria sobre o desenvolvimento humano é aceite universalmente e nenhuma


explica todas as facetas do desenvolvimento. Investigadores diferentes olham para o
desenvolvimento da criança, segundo perspetivas diferentes. Por isso, para avaliar e
interpretar a investigação, é importante saber qual a perspetiva teórica em que se
baseia.

Principais correntes pedagógicas:

Sigmund Freud: teoria psicossexual

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 Freud acreditava que a personalidade forma-se nos primeiros anos de vida,


quando as crianças lidam com os conflitos entre os seus impulsos biológicos
inatos, ligados às pulsões e às exigências da sociedade.
 Considerou que estes conflitos ocorrem numa sequência invariante de fases
baseadas na maturação (amadurecimento) do desenvolvimento psicossexual,
no qual a gratificação se desloca de uma zona do corpo para outra – da zona
oral para zona anal e depois para a zona genital.
 Em cada fase o comportamento, que é a fonte principal de gratificação, muda –
da alimentação para a eliminação e, eventualmente, para a atividade sexual.
 A teoria de Freud constituiu uma contribuição histórica. Freud fez-nos tomar
consciência dos pensamentos e emoções inconscientes, da ambivalência das
relações precoces pai-filho e da presença, a partir do nascimento, de pulsões
sexuais.
 O seu método psicanalítico influenciou muito a psicoterapia atual. Contudo, a
teoria de Freud inscreve-se na história e na sociedade da época.

ErikErikson: teoria psicossocial


 Erikson, um psicanalista alemão, fez parte do círculo restrito de Freud em
Viena.
 A sua larga experiência pessoal e profissional levou-o a modificar e alargar a
teoria freudiana, dando importância às influências da sociedade no
desenvolvimento da personalidade.
 Enquanto Freud sustentava (apoiava) que as experiências da infância precoce
formavam de um modo permanente a personalidade, Erikson defendia que o
desenvolvimento do ego ocorre ao longo da vida e, é influenciado social e
culturalmente.
 Na teoria de Erikson o processo de desenvolvimento ocorre em 8 estádios ao
longo do ciclo de vida, cada um dos quais desenvolve-se em torno de uma crise
específica ou ponto de viragem e em que o indivíduo é confrontado com o
desafio de alcançar um equilíbrio saudável entre características alternativas
positivas e negativas.

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Jean Baker Miller: teoria relacional


 A psiquiatra criticou, inicialmente, as teorias psicanalíticas clássicas pela sua
orientação masculina, falhando, assim, na explicação do desenvolvimento das
mulheres. Ela e as suas colegas acreditavam que tais teorias nem sequer
descreviam com rigor o que ocorria nos homens.
 Um problema-chave para Miller, e outros psicanalistas atuais, é o de saber se o
desenvolvimento saudável assenta mais no desenvolvimento do self (do “eu”)
ou nas relações com outras pessoas.
 De acordo com a teoria relacional de Miller o crescimento da personalidade
ocorre no seio das relações, ocorre dentro de ligações emocionais e não
separado delas.
 O conceito de self começa na interação dinâmica com o outro. O bebé
identifica-se com a primeira pessoa que cuida dela, não por aquilo que ela é
mas por aquilo que essa pessoa faz. O bebé responde às emoções das outras
pessoas, fica confortável quando os outros estão confortáveis e atua para
construir relações íntimas.
 Durante os primeiros anos de vida e na pré-escola, tanto rapazes como
raparigas, em vez de se esforçarem ao máximo pela autonomia e
desenvolvimento do self, continuam a atribuir uma importância máxima às
ligações íntimas.
 Contudo, durante o período escolar, ocorre uma divisão entre o
desenvolvimento do sexo masculino e feminino quando, nas raparigas, é
encorajado o interesse pelas relações, pela família e pelos aspectos emocionais,
ao passo que os rapazes são orientados para a competição e para a realização
pessoal. Esta oposição acentua-se durante a adolescência e ávida adulta, em
prejuízo quer dos homens quer das mulheres.

Comportamentalismo
 O comportamentalismo é uma teoria que descreve o comportamento observado
como uma resposta previsível a uma dada experiência.

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

 Embora a biologia coloque limites ao que as pessoas fazem, os


comportamentalistas acham o meio ambiente muito mais influente.
 Defendem que os seres humanos reagem da mesma maneira que os animais
face a condições ou aspectos do meio ambiente que achem desagradáveis,
dolorosos ou ameaçadores.

A teoria da aprendizagem social


 A teoria da aprendizagem social sustenta que as crianças aprendem
comportamentos sociais pela observação e imitação de modelos (normalmente
os pais).
 Contrariamente ao comportamentalismo, a teoria da aprendizagem social
considera o indivíduo ativo.
 Enquanto que os comportamentalistas encaram o ambiente como moldando a
criança, os teóricos da aprendizagem social acreditam que a criança também
age sobre o ambiente.
 Na teoria da aprendizagem social, a observação e a imitação de modelos são de
particular importância.
 As crianças adquirem novas capacidades através da aprendizagem por
observação – olhando os outros. Demonstram a sua aprendizagem mesmo
quando o modelo não está presente.
 Para estes teóricos a imitação é o elemento mais importante mo modo como a
criança aprende a língua, lida com a agressão, desenvolve um sentido moral e
aprende comportamentos adequados ao género.
 A criança avança na sua própria aprendizagem social escolhendo os modelos a
imitar. Os pais nem sempre são a sua escolha.
 A criança pode escolher outro adulto (professor, uma personalidade da
televisão, uma figura do desporto ou um traficante de drogas).
 As crianças tendem a imitar as pessoas de estatutos elevados e cujas
personalidades são parecidas com as suas. O comportamento específico que as
crianças imitam depende do que elas percebem como valorizado na sua cultura.

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

A teoria cognitiva dos estádios de Piaget


 Piaget via a criança como um ser ativo, em crescimento, com os seus próprios
impulsos internos e padrões de desenvolvimento. Acreditava que a base do
comportamento inteligente é uma capacidade inata para se adaptar ao
ambiente. Via toda a criança normal como sendo construtor do seu próprio
mundo.
 O desenvolvimento para Piaget acontecia numa série de estádios
qualitativamente diferentes. Em cada estádio a criança aprende uma nova
forma de operar – de pensar de responder ao ambiente.
 As observações cuidadosas de Piaget trouxeram uma riqueza de informação.
Quem, por exemplo, teria pensado que, até cerca dos 7 anos, as crianças não
compreendem que uma bola de argila, que foi transformada numa “salsicha” à
sua frente, ainda contém a mesma quantidade de barro? Ou que um bebé
possa pensar que uma pessoa, que saiu do seu campo de visão, deixe de
existir?
 Piaget mostrou-nos que a mente da criança não é uma miniatura da mente do
adulto. Compreendendo como as crianças pensam, torna-se mais fácil, para os
pais e educadores/responsáveis, ensiná-las.
 Contudo, Piaget falou principalmente da criança “média” e deu pouca
importância às diferenças individuais. Disse pouco acerca do desenvolvimento
emocional ou do modo como a educação e a motivação afetavam a realização.

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3.Desenvolvimento, crescimento e maturação da


criança

A primeira infância parece ser o período mais rico do desenvolvimento, não deixando,
contudo de ser igualmente crítico. É, por isso, essencial compreender que a maturação
e o desenvolvimento da criança pressupõem um processo contínuo e avassalador de
mudanças.

O desenvolvimento parece, assim, consistir num processo no qual a criança, enquanto


ser multidimensional (biológica, cognitiva, social e emocionalmente), interage em
ambientes variados, que incluem os pais (com as suas características biológicas,
cognitivas, sociais e emocionais) e outras figuras complementares de ligação, bem
como pares, escola, cultura, etc.

Parece que os efeitos a longo prazo das experiências da primeira infância são, em
certa medida, reversíveis. Contudo as bases estão lançadas e tendem a manter-se
razoavelmente estáveis. As privações sofridas neste período, sobretudo ao nível
cognitivo, não parecem ser facilmente compensadas em fases subsequentes, podendo
mesmo ter efeitos adversos no desenvolvimento futuro.

É neste sentido que se assume que tanto o desenvolvimento como o comportamento


da criança decorrem com base nas experiências de sucesso ou insucesso que o ser
humano conhece.

Bons cuidados maternais na primeira infância, cuidados que permitam o


desenvolvimento de rotinas profundas e íntimas de comunicação, parecem produzir
bons efeitos na criança em desenvolvimento. A falta deste tipo de cuidados produz
efeitos adversos, mas que são reversíveis, por muito difícil que o processo possa ser.

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

O papel desempenhado pelos pais assume-se de crucial e incontornável importância,


sobretudo no que respeita à estimulação das capacidades de processamento de
informação e acompanhamento/ envolvimento nas brincadeiras e tentativas iniciadas
pela criança.

Os adultos que acompanham a criança, quando se envolvem com ela, consolidam as


atividades e facilitam a sua compreensão. É através desta intervenção que muitas
vezes se ensinam ou promovem comportamentos, competências, conhecimentos e
valores relativos à cultura, fundamentais a um desenvolvimento harmonioso, relações
sociais amistosas, aquisições linguísticas importantes…

O desenvolvimento ao longo da infância é, sobretudo, marcado por um progressivo


desenvolvimento físico, gradual crescimento em termos de altura e peso,
especialmente nos três primeiros anos de vida. É ainda um período em que o ser
humano tem a oportunidade de se desenvolver psicologicamente, abrangendo graduais
mudanças de comportamento, construindo, desta forma, as bases da sua
personalidade

A qualidade dos cuidados prestados parece desencadear efeitos a longo prazo no tipo
de indivíduo em que o bebé se irá converter. Os bebés parecem influenciar, também,
as suas próprias vidas ao moldarem o ambiente no qual se desenvolvem, sendo
também eles afetados pela forma como a maternidade é vivenciada (ou a
paternidade), como lhes são prestados os cuidados e a forma como são acolhidos após
o nascimento.

Pode com isto dizer-se que o comportamento, após o nascimento, parece ser
fortemente influenciado pelas práticas e expectativas culturais.

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

O desenvolvimento remete para a capacidade progressiva do ser humano em realizar


tarefas cada vez mais complexas = interação entre fatores biológicos, culturais e
sociais em que está inserido.

Durante a primeira infância as crianças saudáveis crescem e desenvolvem-se em todas


as áreas: física, mental e emocionalmente e apresentam-se como protagonistas de um
complexo processo de crescimento (aumento de peso e estatura) que acompanha o
desenvolvimento (amadurecimento das funções biológicas). Ganham controlo
muscular, equilíbrio e coordenação óculo-manual (aprendizagem que necessita de
árdua aprendizagem), os quais possibilitam a aquisição de habilidades motoras básicas,
tais como andar com maior equilíbrio, correr, “chutar” ou atirar uma bola.

Desenvolvem-se ao seu próprio ritmo, acompanhadas por um desenvolvimento gradual


da visão e controlo do intestino e da bexiga (pelo menos durante o dia). Os gestos,
movimentos e posturas corporais são por isso portadoras, nos primeiros anos, de
grande significação para todos aqueles que interagem com a criança.

É sobre essas bases do desenvolvimento que se vai construir o espantoso ser humano
que se caracteriza pelo seu comportamento individual, inteligência, emotividade e
capacidade criativa.

Na verdade, o desenvolvimento não parece processar-se em áreas ou sistemas


independentes, mas de maneira global e interdependente. Fatores de ordem social e
cultural são determinantes, por exemplo, para o alcance de maturidade emocional e
intelectual.

As (inter) ações com pessoas ou objetos fortalecem e exercitam as sinapses (conexões


cerebrais) que serão utilizadas o resto da vida. Deste modo, as experiências, positivas
ou negativas, pelas quais as crianças passam influenciam o modo como o cérebro se
irá programar na idade adulta.

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

Independentemente de todas as crianças atravessarem este processo, o ritmo de


desenvolvimento varia. Apesar de progredirem, normalmente, através da mesma
sequência geral de desenvolvimento, há um leque muito alargado de diferenças
individuais normais.

Na verdade, cada criança, sendo uma criança como as outras crianças, não deixa, por
esse motivo, de ser única em muitos aspectos. As diferenças e mudanças reveladas
pelas crianças parecem estar associadas à maturação do corpo e do cérebro,
espelhando, assim, uma manifestação natural e geneticamente estabelecida de
mutações físicas e padrões de comportamento, incluindo a propensão para o alcance e
domínio de novas capacidades ou, por outro lado, para manifestar comportamentos-
problema.

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4.Factores condicionantes do desenvolvimento


infantil

Para que o desenvolvimento da criança percorra todas as áreas fundamentais e


promova o alcance de ações progressivamente mais complexas, a mulher (enquanto
gestante) deve procurar proceder a uma série de comportamentos fundamentais
quepermitam o bom desenvolvimento intrauterino.

Após o nascimento, a criança deve ser acompanhada por um pediatra, ter o cartão de
vacinas atualizado, ver as suas necessidades nutricionais e de sono satisfeitas, sentir-
se segura e amada dentro do núcleo familiar e dispor de várias oportunidades de
interação social em ambientes construtivos, estimulantes e seguros.

O acompanhamento médico adequado e a prevenção de situações de doença


frequente (ou compreensão face a doenças crónicas, por exemplo) parecem contribuir,
conjuntamente com outras condições, para o bom desenvolvimento da criança,
enquanto estruturas positivas de apoio.

Efetivamente, o desenvolvimento da criança parece ocorrer através da satisfação das


necessidades básicas de saúde e higiene, do envolvimento afetivo, da convivência
intensa e da exposição contínua ao mundo do adulto. O envolvimento do bebé em
trocas internacionais significativas permite concretizar uma das necessidades primárias
da criança: o apego ou vinculação.

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Uma vinculação segura depende de um grau ótimo de estimulação interativa, de um


parceiro previsível, comunicativo e que transmita segurança. Daí que se assuma que a
fala materna carinhosa, o contacto físico próximo, o colo e a amamentação natural, por
exemplo, produzem (muito provavelmente) efeitos surpreendentes no
desenvolvimento.
Por outro lado, a baixa qualidade nas relações estabelecidas com os pais,
caracterizadas como comportamentos hostis, punitivos, autoritários, inconsistentes e a
fraca afeição e atenção parecem estar estreitamente associados ao aparecimento de
problemas na criança ao nível do desenvolvimento psicológico.

Assim sendo, é legítimo dizer que «a criança que experiencia as principais figuras
adultas como emocionalmente acessíveis e como fontes de segurança construirá uma
representação de si positiva, instalando-se a vontade de explorar e de interagir com o
mundo». É sob o ângulo destes fundamentos que se defende o papel fundamental da
mãe, do pai, da restante família e de outras figuras de referência, na vida e no
desenvolvimento da criança.

A mãe, em especial, sempre surgiu como figura central no mundo da criança. Contudo,
em poucas décadas, o pai começou também a marcar o seu lugar envolvendo-se e
participando ativamente na educação e cuidados prestados à criança. Devido à
crescente participação da figura masculina, muitos estudos foram feitos.

Tais estudos defendem que os pais que estão disponíveis e próximos dos seus filhos
enriquecem a autoimagem destes, e também sugerem que o envolvimento do pai
contribui para um apoio familiar mais estável à criança. Desta forma, o envolvimento
do pai traduz-se num fator positivo no desenvolvimento da criança.

O papel do pai é ainda mais importante na medida em que ajuda a temperar a


intensidade do relacionamento mãe-filho, tornando-se simultaneamente num
transmissor de papéis sexuais definidos.

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

Os avós contribuem, igualmente, para um crescimento saudável. Dão um sentido de


continuidade aos pais, um laço vital. Por outro lado, as crianças parecem estar mais
dispostas a obedecer e ouvir os avós.

Também os irmãos e outros membros da família possibilitam a construção da estrutura


básica a partir da qual se desenvolve a personalidade da criança, favorecendo o bom
desenvolvimento da criança durante os primeiros anos de vida.

A partir da altura em que a criança ingressa num contexto de acolhimento (creche, por
exemplo), os educadores (e auxiliares ou amas) passam, igualmente, a ser figuras de
referência com grande responsabilidade aos níveis da educação e prestação de
cuidados de saúde, higiene e segurança. O bom serviço prestado e a empatia
estabelecida entre técnicos e pais farão toda a diferença. Estes adultos passam, assim,
a ser modelos a imitar e pessoas em quem se espera que a criança confie.

Sobretudo o educador, deve assumir o seu papel de grande responsabilidade no


crescimento da criança, enquanto ser humano, discernindo a fronteira complexa que
existe entre a intervenção (que vai ao encontro das necessidades e desejos da criança)
e a invasão (que vai ao encontro das determinações do adulto).

Em suma, tudo aquilo que é promovido visando o bem-estar da criança assume-se


como um fator favorável ao desenvolvimento. Sempre que surgirem obstáculos ou
crises, cabe aos adultos auxiliar a criança na descoberta das suas potencialidades e
competências, a fim de que se construam os alicerces pessoais de defesa, resiliência e
autonomia, fundamentais ao aparecimento da autoconfiança e da auto-motivação.

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

5.Fases do desenvolvimento infantil

Principais estádios de desenvolvimentos

DOS 0 AOS 6 MESES

A aprendizagem faz-se sobretudo através dos sentidos;


 Vocaliza espontaneamente, sobretudo quando está em relação:
 A partir dos 4 meses, começa a imitar alguns sons que ouve à sua volta;
 Por volta do 6º mês, compreende algumas palavras familiares (o nome dele,
"mamã", "papá"...), virando a cabeça quando o chamam.

DOS 06 AOS 12 MESES

 A aprendizagem faz-se sobretudo através dos sentidos, principalmente através


da boca;
 Desenvolvimento da noção de permanência do objeto, ou seja, a noção de que
uma coisa continua a existir mesmo que não a consiga ver;
 Vocalizações: Os gestos acompanham as suas primeiras "conversas",
exprimindo com o corpo aquilo que quer ou sente (por ex., abre e fecha as
mãos quando quer uma coisa); Alguns dos seus sons parecem-se
progressivamente com palavras, tais como "mamã" ou "papá" e ao longo dos
próximos meses o bebé vai tentar imitar os sons familiares, embora
inicialmente sem significado;
 A partir dos 8 meses: desenvolvimento do palrar, acrescentando novos sons ao
seu vocabulário. Os sons das suas vocalizações começam a acompanhar as
modulações da conversa dos adultos - utiliza "mamã" e "papá" com significado;

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

 Nesta fase, o bebé gosta que os objetos sejam nomeados e começa a


reconhecer palavras familiares como "papa", "mamã", "adeus", sendo
progressivamente capaz de associar ações a determinadas palavras (por ex.,
"chau-chau" - acenar);
 A partir dos 10 meses, a noção de causa-efeito encontra-se já bem
desenvolvida: o bebé sabe exatamente o que vai acontecer quando bate num
determinado objeto (produz som) ou quando deixa cair um brinquedo (o pai ou
a mãe apanha-o). Começa também a relacionar os objetos com o seu fim (por
ex., coloca o telefone junto ao ouvido);
 Progressiva melhoria da capacidade de atenção e concentração: consegue
manter-se concentrado durante períodos de tempo cada vez mais longos;
 A primeira palavra poderá surgir por volta dos 10 meses;

DE 01 AOS 02 ANOS

 Maior desenvolvimento da memória, através da repetição das atividades -


permite-lhe antecipar os acontecimentos e retomar uma atividade
momentaneamente interrompida, à qual dedica um maior tempo de
concentração.
 Da mesma forma, através da sua rotina diária, o bebé desenvolve um
entendimento das sequências de acontecimentos que constituem os seus dias e
dos seus pais;
 Exibe maior curiosidade: gosta de explorar o que o rodeia;
 Compreende ordens simples, inicialmente acompanhadas de gestos e, a partir
dos 15 meses, sem necessidade de recorrer aos gestos;
 Embora possa estar ainda limitada a uma palavra de cada vez, a linguagem do
bebé começa a adquirir tons de voz diferentes para transmitir significados
diferentes. Progressivamente, irá sendo capaz de combinar palavras soltas em
frases de 2 palavras;
 É capaz de acompanhar pedidos simples, como por ex. "dá-me a caneca";

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

 As experiências físicas que vai fazendo ajudam a desenvolver as capacidades


cognitivas. Por exemplo, por volta dos 20 meses:
 Sabe que um martelo de brincar serve para bater e já o deve utilizar;
 Consegue estabelecer a relação entre um carrinho de brincar e o carro da
família;
 Entre os 20 e os 24 meses é também capaz de brincar ao faz-de-conta (por ex.,
finge que deita chá de um bule para uma chávena, põe açúcar e bebe - recorda
uma sequência de acontecimentos e faz de conta que os realiza como parte de
um jogo). A capacidade de fazer este tipo de jogos indica que está a começar a
compreender a diferença entre o que é real e o que não é;

DOS 02 AOS 03 ANOS

 Fase de grande curiosidade, sendo muito frequente a pergunta "Porquê?";


 À medida que se desenvolvem as suas competências linguísticas, a criança
começa a exprimir-se de outras formas, que não apenas a exploração física -
trata-se de juntar as competências físicas e de linguagem (por ex., quando faço
isto, acontece aquilo), o que ajuda ao seu desenvolvimento cognitivo;
 É capaz de produzir regularmente frases de 3 e 4 palavras. A partir dos 32
meses, é já capaz de conversar com um adulto usando frases curtas e de
continuar a falar sobre um assunto por um breve período;
 Desenvolvimento da consciência de si: a criança pode referir-se a si própria
como "eu" e pode conseguir descrever-se por frases simples, como "tenho
fome";
 A memória e a capacidade de concentração aumentaram (a criança é capaz de
voltar a uma atividade que tinha interrompido, mantendo-se concentrada nela
por períodos de tempo mais longos);
 A criança está a começar a formar imagens mentais das coisas, o que a leva à
compreensão dos conceitos - progressivamente, e com a ajuda dos pais, vai
sendo capaz de compreender conceitos como dentro e fora, cima e baixo;

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

 Por volta dos 32 meses, começa a apreender o conceito de sequências


numéricas simples e de diferentes categorias (por ex., é capaz de contar até 10
e de formar grupos de objetos - 10 animais de plástico podem ser 2 vacas, 5
porcos e 3 cavalos);

DOS 03 AOS 04 ANOS

 Compreende a maior parte do que ouve e o seu discurso é compreensível para


os adultos;
 Utiliza bastante a imaginação: início dos jogos de faz-de-conta e dos jogos de
papéis;
 Compreende o conceito de "dois";
 Sabe o nome, o sexo e a idade;
 Repete sequências de 3 algarismos;
 Começa a ter noção das relações de causa-e-efeito;
 É bastante curiosa e inquiridora;

DOS 04 AOS 05 ANOS

 Adquiriu já um vocabulário alargado, constituído por 1500 a 2000 palavras;


manifesta um grande interesse pela linguagem, falando incessantemente;
 Compreende ordens com frases na negativa;
 Articula bem consoantes e vogais e constrói frases bem estruturadas;
 Exibe uma curiosidade insaciável, fazendo inúmeras perguntas;
 Compreende as diferenças entre a fantasia e a realidade;
 Compreende conceitos de número e de espaço: "mais", "menos", "maior",
"dentro", "debaixo", "atrás";
 Começa a compreender que os desenhos e símbolos podem representar objetos
reais;
 Começa a reconhecer padrões entre os objetos: objetos redondos, objetos
macios, animais...

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

DOS 05 AOS 06 ANOS

 Fala fluentemente, utilizando corretamente o plural, os pronomes e os tempos


verbais;
 Grande interesse pelas palavras e a linguagem;
 Pode gaguejar se estiver muito cansada ou nervosa;
 Segue instruções e aceita supervisão;
 Conhece as cores, os números, etc.; pode identificar e distinguir euros e
cêntimos;
 Capacidade para memorizar histórias e repeti-las;
 É capaz de agrupar e ordenar objetos tendo em conta o tamanho (do mais
pequeno ao maior);
 Começa a entender os conceitos de "antes" e "depois", "em cima" e "em baixo",
etc., bem como conceitos de tempo: "ontem", "hoje", "amanhã";

DOS 06 AOS 07 ANOS

 Tem uma noção mais clara das diferenças de sexo, sendo curiosa a este nível:
curiosidade pelo corpo do sexo oposto, brincar aos médicos, às casinhas, etc.;
 Começa a ter memórias contínuas e mais organizadas;
 Desenvolvimento das capacidades de raciocínio;
 Passagem de uma aprendizagem através da observação e da experiência para
uma aprendizagem através da linguagem e da lógica;
 A maioria das crianças aprende a ler e a escrever nesta idade.

DOS 07 AOS 08 ANOS

 Está menos interessada nas questões sexuais;

22
Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

 Está disponível para a aprendizagem. Utiliza um pensamento reflexivo; os


pensamentos podem basear-se na lógica; consegue resolver problemas de
maior complexidade; Boa capacidade de atenção e concentração;
 Gosta de colecionarobjetos e fala acerca dos seus desejos e projetos, textos e
desenhos;
 Baseia-se mais na realidade.

DOS 08 AOS 09 ANOS

 O seu pensamento está mais organizado e lógico;


 Preocupa-se em perceber a razão das coisas que a rodeiam;
 Sobrestima frequentemente as suas capacidades, com consequente frustração
em caso de insucesso;
 Procura mais informação acerca da gravidez e do nascimento; pode questionar
o papel do pai;

DOS 09 AOS 10 ANOS

 Manifesta preferência por trabalhos e tarefas mais complexas;


 Tem interesses definidos e uma grande curiosidade; procura e memoriza
factos; emprega um raciocínio e pensamento abstratos;
 As diferenças individuais tornam-se mais marcadas;
 Gosta de ler, escrever e de utilizar livros e referências;

DOS 10 AOS 11 ANOS

 Está alerta e bastante segura de si;


 Gosta de ler;
 Tem muitos interesses de curta duração
 Desenvolvimento Social
 É bastante seletiva nas suas relações: pode ter um(a) melhor amigo(a).

23
Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

24
Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

6.Desenvolvimento físico e psicomotor

Evolução da postura e da descoberta do corpo

O olhar
Por volta da sexta semana o bebé torna-se capaz de fixar visualmente os olhos de
outra pessoa. O que leva o adulto a ter a certeza que o bebé está realmente a olhar
para ele. É nesta altura que muitas/os mães/pais sentem pela primeira vez, ou pelo
menos mais completamente do que antes, que o seu bebé é um ser totalmente capaz
de uma ligação afetiva próxima e que ambos estão totalmente envolvidos nessa
relação.

É nesta altura que o comportamento do adulto muda substancialmente.

No final do terceiro mês o sistema visual-motor atinge a maturidade. O bebé pode


seguir a/o mãe/pai com o olhar quando esta se afasta. A rede de comunicação alarga-
se muito para lá dos 20 cm.

No fim do terceiro mês o bebé é tão capaz como um adulto de mover os olhos
rapidamente para seguir um objeto ou manter um olhar fixo; e é igualmente capaz de
adaptar os olhos para focar um objeto.

Perto dos seis meses de vida, o namoro do bebé com o rosto, a voz o tato é
parcialmente substituído por um interesse por objetos que quer apanhar. Isto é
possível entre a coordenação entre as mãos-olhar do bebé, que atingiu a maturidade.

Agora, comportamentos diferentes começam a manifestar-se. E a relação estabelece


outros padrões interativos.

25
Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

Posição da cabeça
Há três posições: Posição central, posição periférica, perda de contacto visual.

Nestas três posições o bebé tem uma experiência sensorial (visual) e motora (posição
da cabeça) distinta em relação à/o mãe/pai.

Estes sinais imitidos pelo bebé são interpretados de diferente maneira pela/o mãe/pai.
Alguns movimentos da cabeça dos bebés parecem pertencer a padrões de
aproximação enquanto outros de afastamento.

Expressões faciais
Os bebés conseguem produzir um elevado número de expressões faciais: esperteza,
ironia, rejeição, etc. O bebé não sente o que o adulto sente ao fazer estas expressões
mas a sua presença não deixa de ser provocatória.

O sorriso
 Durante, as primeiras semanas: Sorrisos durante o sono e durante o período de
sonolência. Quase nunca se vêem quando o bebé está acordado e com os olhos
abertos. Parecem não ter nada aver com o mundo exterior (sorrisos endógenos
ou reflexos).
 Entre as seis semanas e os três meses: O sorriso torna-se exógeno, solicitado
por acontecimentos exteriores. Ao tornar-se exógeno o sorriso torna-se social.
Não muda a sua morfologia mas sim o que provoca.
 Por volta do terceiro mês: Torna-se um comportamento instrumental. O bebé
pode agora produzir um sorriso para obter de alguém uma reação, tal como um
outro sorriso da/o mãe/pai ou uma palavra dela/e.
 Aos 4 meses: Expressões mais complexas emergem, por exemplo o sorriso com
um ligeiro franzir da testa.

26
Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

Em resumo. O sorriso começa por ser uma atividade reflexa, torna-se uma resposta
social e evolui para um comportamento instrumental até um comportamento
suficientemente coordenado, a ponto de coordenar várias expressões faciais.

Ao contrário do sorriso o riso não está presente desde o nascimento. Aparece entre o
4º e o 6º mês é desencadeado por estímulos tácteis entre os 7º e 9º mês por
incidentes auditivos e entre o 10º e 12º mês por incidentes visuais. Muito cedo o riso
também se torna um comportamento instrumental.

A primeira coisa que a criança deve aprender é que tem um corpo e que este é
diferente do da sua mãe e do seu pai. Um corpo que é formado por partes e que cada
uma destas partes tem funções determinadas. A identificação das partes do corpo, a
educação dos sentidos e a melhoria do tónus muscular denomina-se educação do
esquema corporal.

Este esquema corporal e a sua posterior orientação com a lateralidade, assim como os
primeiros passos nas coordenações, é vivido pela criança em três âmbitos: o seu
próprio corpo, o corpo dos outros e o mundo dos objetos.

A primeira relação que a criança terá com um adulto será através da mãe. Por meio de
carícias, o bebé relaciona-se com outra pessoa e aprenderá que ele é um corpo
diferente dos outros. Acariciar o bebé não é só uma demonstração de carinho, é
também o primeiro passo para a educação motora do bebé.

Logo que a criança se senta sem cair e domina a pinça dos seus dedos, o mundo dos
objetos é uma fascinação: qualquer objeto vistoso é para ela um possível brinquedo. A
intervenção do adulto será decisiva na escolha dos brinquedos, já que entre todos
devem reunir as seguintes características: serem de cores diferentes, de diferentes
materiais, de texturas diversas, de diversos volumes e formas, que se possam
manipular e que alguns produzam sons.

27
Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

Se observarmos o desenho que uma criança faz de si própria dar-nos-emos conta, por
exemplo, que desenha uma cabeça com os olhos e a boca e uns grandes pés que
saem da própria cabeça; isto significa que a criança ainda não reconhece todas as
partes do corpo.

Evolução da ideia, do espaço e do tempo


A consciência e o domínio do espaço levam muito tempo a desenvolver-se. No período
sensório–motor, os bebés aprendem gradualmente a seguir os objetos visualmente,
assim como a estender as mãos para eles e a agarrá-los.

Nos 8 primeiros meses de vida, o bebé tem apenas consciência dos objetos que
consegue ver; se uma bola, com que tinha estado a brincar, rola e desaparece do seu
campo visual, deixa de existir para ele. Não a procura, volta-se, antes, para outra coisa
que esteja dentro do seu campo visual.

Entre os 8 e os 12 meses, os bebés aprendem a mover o corpo, de forma a poderem


procurar coisas fora do seu campo de visão imediato, e aprendem a manipular os
objetos no espaço, de forma a poderem vê-los de ângulos diferentes.

Entre os 12 e os 18 meses, a criança que começa a andar aprende que não apenas os
seus braços e as suas pernas mas ela própria está localizada no espaço. Estuda
também a forma como os objetos mudam de posição em relação uns aos outros; por
exemplo: quando deixa cair do berço o seu coelho de peluche, observa a sua queda.
Gosta também de abrir a mão da mãe ou do pai e de “descobrir” lá qualquer coisa que
viu um deles esconder.

Para o fim do período sensório-motor, as crianças entre os 18 e os 24 meses já


desenvolveram a capacidade de representar o espaço mentalmente. Por exemplo: uma
criança que começa a andar consegue descobrir um carrinho que rolou para debaixo
do sofá e saiu pelo outro lado.

28
Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

As relações de proximidade – a curta distância a que as coisas estão no espaço – e de


separação – a distância a que estão entre si – são fundamentais para a compreensão
que a criança tem do espaço.

As crianças de 3 e 4 anos, no período pré-operatório, estão a explorar ativamente


essas relações quando separam as coisas e voltam a encaixá-las e quando ordenam e
reordenam as coisas no espaço. Estão também a aprender a descrever onde estão as
coisas, as distâncias entre elas e a direção em que se deslocam, embora nem sempre
os seus juízos sejam corretos, de acordo com os padrões dos adultos.

Piaget descobriu, por exemplo, que os juízos de proximidade e separação próprios das
crianças no período pré-operatório são influenciados pela presença ou ausência de
barreiras. Uma criança pode dizer que a mesa de areia está perto da porta, até que
alguém constrói entre as duas uma grande casa com estruturas de madeira; nessa
altura, acha que a mesa de areia e a porta estão afastadas, embora a distância real
entre elas não se tenha alterado.

As crianças em idade pré-escolar confundem, também, distância com esforço – acham,


por exemplo, que subir a um escorrega implica uma distância maior do que descê-lo.

As crianças de 3 e 4 anos estão a começar a trabalhar com a noção de delimitação do


espaço. Piaget descobriu que conseguem fazer a discriminação entre objetos com
buracos e objetos sem buracos, assim como entre um anel de cordel com qualquer
coisa lá dentro e um anel de cordel com qualquer coisa cá fora. Constroem também as
suas próprias delimitações e usam expressões como “lá dentro” e “cá fora” para falar
delas.

Enquanto as crianças de 3 e 4 anos têm dificuldade em fazer uma linha reta no


espaço, quer desenhando-a com um lápis, quer alinhando objetos, as crianças que,
estando no período pré-operatório, têm mais idade (5-7 anos), são capazes de a fazer

29
Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

seguindo os rebordos de uma mesa ou por tentativa e erro. Tentam também medir
realmente as distâncias, usando um método primitivo, como o esticar as mãos.

A ordem espacial começa, também, para elas, ater sentido. Dando-lhes uma série de
objetos ordenados em linha ou em círculo, conseguem reproduzir a mesma ordem, por
tentativa e erro, com outra série de objetos.

Quando chegam à fase das operações concretas (8-11 anos), as crianças conseguem
com êxito lidar com muitas relações espaciais. Neste período, as crianças mais novas
são capazes de interpretar e representar os aspectos projetivos e geométricos do
espaço. Sabem conservar o comprimento e a distância, isto é: apercebem-se de que o
comprimento de um objeto é independente da sua posição no espaço e que a distância
entre os dois objetos não é afetada pelas barreiras que se colocam entre eles.
Conseguem dispor objetos em linha reta alinhando-os pelo último objeto e sabem
servir-se de uma unidade padrão para medir o comprimento.

No período das operações concretas, as crianças que têm mais idade são capazes de
aplicar as medidas e um sistema coordenado de duas ou três dimensões, sabem
conservar o volume e a área e conseguem, com um notável grau de exatidão,
representar perspetivas espaciais alternativas, assim como o ângulo, o paralelismo e a
distância.

No período das operações formais, as crianças são capazes de fazer tudo o que se
disse e ainda compreender e lidar com abstrações geométricas, tais como a ideia de
extensão infinita e a divisibilidade de uma linha ou figura no espaço.

As crianças em idade pré-escolar não são capazes de separar cronologicamente o


tempo. Para uma criança as coisas existem só neste momento. Por volta dos 3 anos,
as crianças começam a encarar o tempo como um contínuo, a perceber que existe o
antes e o depois.

30
Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

Quando a criança percebe que o tempo é contínuo é capaz de recuar no tempo e


reconstruir acontecimentos e experiências.

As crianças ao descreverem acontecimentos passados, por palavras:


 Reforçam a sua capacidade de perceber e lidar com a continuidade do tempo;
 Começam a pensar nos acontecimentos passados por ordem sequencial;
 Aprendem as palavras que os adultos utilizam para representar o tempo.

As crianças pequenas não se apercebem do tempo da mesma forma que os adultos. As


unidades convencionais de tempo que os adultos usam para medir o tempo pouco
significado têm para a maior parte das crianças em idade pré-escolar.
As crianças desta faixa etária não têm uma visão «objetiva» do tempo. Compreendem
a passagem do tempo em termos do próprio sentir, de forma subjetiva.

Os adultos também encaram o tempo de forma subjetiva, no entanto, comparam de


facto os acontecimentos subjetivos com medidas objetivas. Para as crianças o tempo
«voa» ou «arrasta-se» pois falta-lhes a compreensão da dimensão objetiva do tempo.

Lateralidade
Por volta dos 2 anos, a criança mostra ter preferência por um lado ou outro, e isto é
indicativo de uma orientação do corpo no espaço que posteriormente será objeto de
desenvolvimento e estruturação: trata-se da lateralidade do corpo.

A lateralidade é a capacidade que a criança tem para realizar tarefas motoras dando
preferência a um lado do corpo sobre o outro. É, afinal, a orientação no espaço deste
corpo que antes reconheceu topograficamente.

Esta evolução é dada pela própria maturação do organismo. Se observarmos bem, aos
2 anos a criança costuma utilizar indistintamente uma ou outra das mãos para pegar,
enquanto aos 6 anos a maior parte fá-lo com o seu lado dominante. Este processo de

31
Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

preferência por uma parte dá-se em todo o corpo: um braço utiliza-se mais que outro,
do mesmo modo que um olho e um pé.

Um teste muito simples que pode informar os educadores da maturidade da


lateralidade da criança é o seguinte:
 Para observar a lateralidade da mão, senta-se a criança no chão com as pernas
abertas e em frente dela coloca-se uma bola mais pequena que a de ténis e
diz-se que agarre. É importante assinalar que quando o adulto coloca a bola
diante da criança o deve fazer com as duas mãos, para que ela não imite por
assimetria a ação do adulto. Repete-se a operação umas cinco vezes e assim
observaremos se o faz sempre com a mesma mão ou não.
 Para observar a lateralidade do pé, coloca-se uma bola de plástico no chão e
diz-se à criança que lhe dê um pontapé, seguindo-se o mesmo processo de
anotação que no caso anterior. E para indagar a preferência do olho da
criança, faz-se com que olhe para dentro de um tubo de cartão, como se
tratasse de um binóculo.

O facto de que a lateralidade se desenvolva naturalmente não quer dizer que os


adultos não tenham de intervir, já que podem facilitar a correta estruturação da
lateralidade mediante jogos, e evitar eventuais desajustes, como os de uma criança
que manifeste preferências diferentes segundo a zona do corpo que se observe.

Um inadequado processo de lateralidade pode traduzir-se em lentidão motora e em


dificuldade por parte da criança para seguir certas aprendizagens escolares, como a
leitura e a escrita, já que são atividades orientadas da esquerda para a direita.

A família nunca deve forçar a criança a utilizar uma das mãos em detrimento da outra.
Os adultos terão de jogar com as crianças jogos que lhes tornem possível a
diferenciação entre a sua parte dominante e a não dominante, como por exemplo:
 Em crianças de 2 anos, pô-las-emos sentadas no chão e jogaremos à bola
empurrando-a pelo chão, primeiro com uma das mãos e depois com a outra.

32
Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

Isto deve-se fazer no início sem mencionar sequer que uma das mãos chama
esquerda e a outra direita, já que aprender o nome dos lados é um processo
mais na lateralidade, mas não é o único.
 Em crianças de 3/4 anos, brincaremos a atirar diferentes objetos, primeiro com
a mão e com um pé de um lado e depois do outro.
 Em crianças de 5/6 anos faremos o mesmo, mas atirando a bola ou lançando-a
ao ar e apanhando-a.

À medida que a lateralidade da criança se vai orientando, devem iniciar-se os


processos de coordenação motora, que são os que facilitam que corra, salte, rode e
ande de gatas, e os de coordenação olho-mão e olho-pé, que possibilitarão que
adquira maior pontaria nos seus lançamentos.

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

7.Desenvolvimento cognitivo - a teoria de Jean


Piaget

O trabalho inicial de Jean Piaget com os primeiros testes de QI, convenceu-o de que
tais testes estandardizados (reduzidos a um só tipo) deixam escapar muito do que é
especial e importante acerca dos processos de pensamento da criança.

Para analisar estes processos, Piaget observou, desde a infância, os seus próprios
filhos assim como outras crianças. O pensamento da criança, conclui o autor, é
qualitativamente diferente (diferente na forma) do pensamento adulto.

Enquanto alguns investigadores mediam diferenças individuais na quantidade de


inteligência que os adultos e as crianças têm, Piaget propôs sequências universais de
desenvolvimento cognitivo ao longo da infância e da adolescência.

Estádio sensório - motor - (0 - 2 anos)


 Inteligência prática, baseada nas sensações e nos movimentos (o mundo que
existe para o bebé é apenas aquele que ele vê, ouve ou sente e sobre o qual
age);
 Antes dos 8 meses: é como se o mundo não fosse constituído por objetos, mas
sim por uma sucessão de imagens, sem ligação entre si, em que as coisas
deixam de existir quando deixam de ser percecionadas;
 A partir dos 8 meses: adquire a noção de permanência do objeto (existem
objetos independentemente de os estar a percecionar);
 Progressivamente, vai sendo capaz de agir intencionalmente, de modo cada vez
mais coordenado, para obter o fim pretendido (ex.: obter um objeto),

34
Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

utilizando, para tal, não só a ação do próprio corpo, como fazia anteriormente,
mas também outros objetos;
 No final deste estádio: surge a capacidade de representação mental e de
simbolização (representação mentalmente não só a permanência do objeto,
mas também as relações que se estabelecem entre os objetos); a inteligência
centrada na ação dá lugar ao pensamento (representação mental) - o
pensamento é ação interiorizada.

Estádio pré-operatório - (2-7 anos)


 Função simbólica: capacidade de representação mental e simbolização;
 Egocentrismo intelectual: a criança acha que o mundo foi criado para si e não é
capaz de perceber o ponto de vista do outro (acha que os outros pensam e
sentem da mesma forma que ela);
 Animismo: o egocentrismo estende-se aos objetos e outros seres vivos, aos
quais a criança atribui intenções, pensamentos, emoções e comportamentos
próprios do ser humano;
 Pensamento mágico: a realidade é aquilo que a criança sonha e deseja, e dá
explicações com base na sua imaginação, sem ter em consideração questões de
lógica;
 Interessa-se essencialmente por resultados práticos;
 A sua perceção imediata é encarada como verdade absoluta, sem perceber que
podem existir outros pontos de vista: privilegia as suas perceçõessubjetivas,
desprezando as relações objetivas. Não percebe as diferenças entre as
mudanças entre as mudanças reais e aparentes e, portanto, responde com
base na aparência, acreditando que é o real. Ex.: são apresentados à criança
dois corpos iguais com a mesma quantidade de água. À sua frente, verte-se a
água de um copo deles para um copo, alto e fino. A criança afirma que agora
este copo alto e fino tem mais água do que o outro. Não compreende que a
quantidade de água permanece a mesma, independentemente do recipiente
em que é colocada. Ou seja, responde com base na aparência (como o

35
Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

segundo copo parece maior, porque é mais alto, a criança pensa que tem mais
água);
 O pensamento é pré-operatório - a criança não consegue efetuar operações
mentais. No exemplo acima, não percebeu que, durante a passagem da água
do primeiro copo de água para o segundo (alto e fino), houve algo que não
mudou: a quantidade de água permaneceu sempre a mesma. Também não
tem consciência de que as transformações na aparência da água (passagem de
um copo baixo para um copo alto) são reversíveis (pode logo a seguir deitar a
água do copo alto e fino para o copo mais baixo).

Estádio das operações concretas (7-11/12 anos)


 Pensamento lógico: tem capacidades para realizar operações mentais, pois
compreende que existem ações reversíveis (percebe que é possível transformar
o estado de um objeto, sem que todo o objeto mude, e depois reverter esta
transformação, voltando ao estado inicial);
 Compreende a existência de conceitos - características que não variam em
função das mudanças dos objetos, mas que existem para além deles e podem
ser aplicados a muitas outras situações para além daquela associação que foi
primeiramente apresentada (contrariamente ao que sucedia no estádio
anterior). Se a situação referida no exemplo acima fosse apresentada a uma
criança neste estádio, ela já seria capaz de perceber que a quantidade de água
é uma característica que não varia conforme o copo em que é colocada;
 Já não se baseia na perceção imediata e começa a compreender a existência de
características que se conservam, independentemente da sua aparência:
adquire assim a noção de conservação da matéria sólida (ou substância), mais
tarde da líquida (exemplo acima referido da conservação da qualidade de
água), depois do peso e, por fim, do volume;
 A existência de conceitos vai permitindo compreender a relação parte-todo,
fazer classificações (agrupar objetos segundo determinada característica
comum, abstraindo-se das suas diferenças), seriações (ordenar objetos
segundo uma característica que tem diferentes graus; abstrai-se das

36
Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

semelhanças) e perceber a conservação do número (implica coordenar a


classificação e a seriação).

Estádio das operações formais (12-16 anos)


 Consegue realizar não só operações concretas mas também operações formais.
Ex.: Problema. Três pessoas A, B e C estão sentadas num banco de jardim.
Quantas hipóteses existem relativamente à ordem em que estão sentadas?
 Neste estádio, já é possível resolver este problema usando o pensamento
abstrato (operação formal): consegue-se colocar mentalmente todas as
hipóteses. No estádio operatório-concreto, a criança não conseguia abstrair: só
seria capaz de resolver este problema se tivesse três pessoas sentadas num
banco e se pudesse posicioná-las em todas as sequências possíveis. Resposta
ao problema: seis hipóteses - ABC, ACB, BAC, CAB e CBA;
 Pensamento abstrato: é capaz de se desprender do real e raciocinar sem se
apoiar em factos, ou seja, não precisa de operacionalizar e movimentar toda a
realidade para chegar a conclusões;
 Raciocínio hipotético-dedutivo: coloca hipóteses, formulando mentalmente todo
o conjunto de explicações possíveis;
 Percebe que existem múltiplas formas de perspetivar a realidade e que a sua
perceção é apenas uma dentro de um conjunto de possibilidades;
 É capaz de pensar sobre o próprio pensamento e sobre os pensamentos das
outras pessoas e, portanto, percebe que, face a uma mesma situação,
diferentes pessoas têm diferentes pontos de vista.

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

8.Desenvolvimento da linguagem

Os seres humanos não têm de falar para comunicar, mas não há dúvida de que as
palavras clarificam muito melhor a transmissão de informações e pensamentos. Nos
primeiros anos de vida, a linguagem corporal desempenha um papel mais importante.

Não é só o rosto que revela emoções, são também os gestos. Podemos abrir os braços
por nos sentirmos alegres ou tristes. Talvez nem sequer percebamos que lemos muitos
destes sinais. Mas toda a gente sabe ler os sinais mais elaborados, como as expressões
faciais, os abraços e os beijos.

As crianças começam a fazer estes sinais nas primeiras semanas de vida, embora não
se apercebam disso. Começam a usar sinais para comunicar intenções cerca dos 7 ou
8 meses.

Um bebé que chora e deixa de o fazer quando um adulto chega está a mostrar que
tem presente um sinal comunicativo com que chama a atenção de outra pessoa e a
que esta responde. Nós os adultos atribuímos intenções de comunicação às expressões
dos bebés, mesmo que estes sejam muito pequenos.

A importância deste facto é que facilita as interações entre crianças e adultos. A ação
constante de interpretação que os adultos fazem das expressões das crianças permite
que a interação continue e que a criança tenha acesso aos significados.

A crescente capacidade da criança para utilizar a linguagem, um sistema de


comunicação baseado em palavras e gramática, é um elemento crucial no
desenvolvimento cognitivo. A partir do momento em que conhece as palavras, ela
pode utilizá-las para representar objetos e ações. Ela pode refletir acerca das pessoas,

38
Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

locais e objetos; pode comunicar as suas necessidades, sentimentos e ideias para


exercer controlo sobre a sua própria vida.

O crescimento da linguagem ilustra a interação entre todos os aspectos do


desenvolvimento: físico, cognitivo, emocional e social. À medida que as estruturas
físicas, necessárias à produção de sons, sofrem maturação, e que as conexões
neuronais, necessárias à associação de sons e de significados se tornam ativadas, a
interação social com os adultos inicia os bebés na natureza comunicativa do discurso.

Vamos agora descrever a sequência típica do desenvolvimento da linguagem, assim


como algumas características do discurso nos primeiros tempos de vida, o modo como
os bebés adquirem a linguagem e progridem na sua utilização e como os pais e outras
figuras parentais ajudam as crianças pequenas a prepararem-se para a literacia, isto é
a capacidade de leitura e escrita.

Etapas na aquisição da linguagem


O choro, é a única forma de comunicação do recém-nascido. Para um desconhecido
todos os sons que o bebé produz parecem idênticos, mas os pais do bebé, geralmente
distinguem o choro de fome do choro de dor.

Diferentes tonalidades, padrões e intensidades sinalizam fome, sono ou raiva.

Entre as 6 semanas e os 3 meses de vida, os bebés começam a produzir sons quando


estão contentes. O arrulhar inclui a produção de guinchos, murmúrios e sons vocálicos
como “ahhh”. Entre os 3 e os 6 meses, os bebés começam a brincar com os sons da
fala, ajustando os sons que ouvem das pessoas à sua volta.

O tagarelar – repetindo sequências de consoante-vogal como “mama- ma-ma” – ocorre


repentinamente entre os 6 e os 10 meses, e geralmente é confundido com a primeira
palavra do bebé. O tagarelar não é uma verdadeira linguagem, na medida em que não
comporta significado para o bebé, embora se torne mais parecida com as palavras.

39
Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

O desenvolvimento da linguagem prossegue com imitação acidental de sons da


linguagem que os bebés ouvem e depois reproduzem esses sons. Cerca dos 9 10
meses de vida, os bebés imitam deliberadamente sons sem os compreenderem. A
partir do momento em que possuem um repertório de sons, associam-nos em padrões
que soam como a linguagem, mas que parecem não ter qualquer significado.

Aos 9 meses, o António aponta para um objeto, por vezes, produzindo um ruído para
mostrar que deseja esse objeto. Entre os 9 e os 12 meses ele aprendeu alguns gestos
sociais convencionais: acenar adeus, abanar com a cabeça para significar sim, abanar
com a cabeça para significar não.

Por volta dos 13 meses, ele usa gestos representacionais mais elaborados; por
exemplo, é capaz de levar uma chávena vazia à boca ou levantar os braços para
mostrar que quer ser pegado ao colo.

Gestos simbólicos, tais como soprar para significar “quente”, geralmente emergem na
mesma altura em que os bebés pronunciam as suas primeiras palavras; estes gestos
revelam que as crianças compreendem que os objetos e as ideias têm nomes e que os
símbolos podem referir-se a objetos, acontecimentos, desejos e circunstâncias
específicas do quotidiano.

Os gestos surgem geralmente antes de a criança ter um vocabulário de 25 palavras e


diminuem quando a criança aprende a palavra correspondente à ideia que está a
gesticular, podendo dizê-la, em vez de recorrer ao gesto.

Em geral, os bebés começam pelos nomes. Entre os mais vulgares contam-se o nome
que a criança dá à pessoa que cuida dela e a palavra que usa para se referir a gatos,
cães, chávena ou biberão e comida. Umas vezes, estas palavras aproximam-se das
verdadeiras; outras vezes, não conseguem distinguir-se.

40
Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

Muitas crianças usam os sons que os animais fazem para se referirem a eles; seja qual
for a linguagem que uma criança ouça à sua volta, um cão será sempre “au-au” e
comida será sempre qualquer coisa como “papa”. Não tente corrigi-la. Isto é mesmo
assim, e a criança aprenderá as palavras certas a seu tempo. Para já, do que ela mais
precisa é de estímulo e de reações às suas atitudes. Precisa saber que você a entende.

Por isso, diga: “Sim, é um cão” ou “Papa, é o jantar”. Isto permite continuar a
conversa, e a criança sente-se recompensada quando você lhe mostra que a percebeu
e lhe diz a palavra certa. Esta reação é perfeita e incentiva o bebé a desenvolver as
suas aptidões recém-descobertas.

Em média, o bebé pronuncia a primeira palavra algures entre os 10 e os 14 meses,


iniciando o discurso linguístico – expressão verbal que transmite um significado. De
entre em pouco, o bebé irá usar muitas palavras e irá mostrar alguma compreensão de
gramática, de pronúncia, de entoação e de ritmo. Com 2 anos a criança pronuncia
mais de 200 palavras.

Assim que as crianças começam a usar as palavras em quantidade, aprendem 30 a 50


novas palavras por mês. No entanto, poucas aprendem a um ritmo constante. Podem
pronunciar 10 novas palavras numa manhã e depois não aprenderem nenhuma
durante uma semana ou mais. Segue-se um período de progresso rápido, seguido de
outra pausa.

As crianças escolhem as primeiras palavras escutando a sílaba tónica, e é por isso que
muitas chamam “fante” ao elefante e “rafa” à girafa. Uma palavra como esta que
exprime uma ideia completa denomina-se holofrase.

Mas embora diga “fante”, a criança pode estar à espera que você pronuncie a palavra
corretamente.

41
Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

Quase todas as crianças percebem muitas mais palavras do que sabem dizer e
conseguem obedecer a instruções precisas, apesar de dizerem poucas palavras. Outras
dizem uma palavra quase ao mesmo tempo que sabem o que ela significa. A variação
na rapidez com que as crianças aprendem novas palavras e a nitidez da sua primeira
fala advém da sua capacidade de articular as palavras com clareza.

Com cerca de 13 meses, as crianças olham para os objetos a que os pais dão nome.
Por outro lado, os adultos tendem a olhar para aquilo de que estão a falar. Por isso, é
que as crianças começam a olhar para aquilo em que você se concentra e assumem
que os sons que você faz se referem ao que elas vêem.

Tal como as primeiras “palavras” são de facto sinais, também as primeiras frases são
combinações de sinais e de palavras. Ao apontar para um cão, a criança diz “au-au”. O
que ela está a querer dizer é muito claro: “Olhem, está ali um cão!” Se estender as
mãos e disser a palavra “bolacha”, isso significa “Dá-me uma bolacha”.

A criança também pode usar palavras como se fossem frases, apesar de dizer uma
palavra de cada vez. Por exemplo, pode dizer “carro” e, depois ter repetido a palavra,
“vai”.

A maioria das crianças domina cerca de 200 palavras antes de começar a falar por
frases, o que acontece cerca dos 21 meses. É mais importante o número de palavras
do que a idade. Assim que o processo está em marcha, avança rapidamente. Não é
raro que uma criança use 100 novas frases de duas palavras num mês.

As combinações que ela faz exprimem posse (“casaco mamã”), ação (“carro vai”),
localização (“cadeira ali”), pedidos (“dar bolacha”), nome e ênfase (“aquela casa”) e
fazem perguntas (“o que é isto?”). a isto chama-se discurso telegráfico – forma
primitiva de frase que consiste apenas em algumas palavras essenciais, como a
maioria dos telegramas.

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

Muitas vezes, a ordem das palavras é utilizada para indicar qual é o sujeito e o
complemento numa frase, e as crianças que aprendem a falar seguem uma ordem
rígida das palavras para exprimir significado. Assim, dizem por exemplo, “mamã
empurra carro”, realçando que “mamã” é o sujeito, e “empurra carro” para
sublinharem que o carro é o objeto a empurrar.

Estudos realizados revelam que as crianças de todo o mundo aprendem a gramática


das suas línguas pela mesma ordem. Entre os 20 e os 30 meses, as crianças adquirem
os fundamentos da sintaxe – as regras para juntar frases na sua língua. Começam por
utilizar artigos (o/a, um/uma), preposições (no/na, em), conjunções (e, mas), plurais,
terminações de verbos, tempo passado dos verbos e a forma do verbo se.

Por volta dos 3 anos, o discurso é fluente, mais extenso e complexo, apesar das
crianças muitas vezes omitirem partes do discurso, elas conseguem manter o seu
significado. Por volta dos 5 ou 6 anos, as crianças falam através de frases mais longas
e mais complicadas.

Entre os 6 e os 7 anos, as crianças começam a falar através de frases compostas e


complexas e usam o discurso completo.

Aos 6 anos, a criança entende em média mais de 14000 palavras, tendo aprendido em
média 9 palavras novas por dia, desde o ano e meio de idade. Aparentemente as
crianças conseguem isto por mapeamento rápido, o que lhes permite absorver o
significado de uma nova palavra após a terem ouvido apenas uma ou duas vezes numa
conversa. Tendo como base o contexto, as crianças parecem elaborar uma hipótese
rápida acerca do significado da palavra e armazená-la na memória.

À medida que as crianças adquirem o domínio das palavras, das orações e da


gramática, tornam-se mais competentes na comunicação. Apesar de as crianças
falarem fluentemente, de forma compreensível e gramaticalmente aceitável, ainda têm
muito que aprender acerca da linguagem.

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

9.Desenvolvimento sócio-afectivo

9.1.Interacção mãe/filho

Importância da vinculação
A vinculação é uma ligação emocional recíproca e duradoura entre o bebé e a figura
parental, em que cada um contribui para a qualidade da relação. A vinculação tem um
valor adaptativo para o bebé, assegurando-lhe que as suas necessidades psicossociais
e físicas são satisfeitas.

Praticamente qualquer atividade levada a cabo pelo bebé, que provoque uma resposta
de um adulto poderá ser um comportamento de procura de vinculação: chupar, chorar,
sorrir, abraçar e olhar para a figura parental.

Logo na oitava semana de vida, os bebés dirigem alguns desses comportamentos mais
à mãe do que a outra pessoa. Estas aproximações são bem-sucedidas quando a mãe
responde calorosamente, expressa contentamento e oferece ao bebé contacto físico
frequente e liberdade para explorar.

Ainsworth descreveu quatro estádios, em parte sobrepostos, do comportamento de


vinculação durante o primeiro ano de vida:
 Antes dos 2 meses, os bebés respondem indiscriminadamente a qualquer
pessoa.
 Entre as 8 e as 12 semanas, os bebés choram, sorriem, balbuciam mais para a
mãe do que para outra pessoa, mas continuam a responder aos outros.
 Aos 6 a 7 meses, os bebés demonstram uma vinculação à mãe bem definida. O
medo de estranhos poderá surgir entre os 6 e os 8 meses.

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

 Entretanto, os bebés desenvolvem uma vinculação com uma ou mais figuras


familiares, como sejam o pai e os irmãos.

Esta sequência parece ser comum nas sociedades ocidentais, mas não se aplica
necessariamente a bebés de culturas nas quais se verifica a existência de várias figuras
parentais desde o nascimento.

Tanto as mães como os bebés contribuem para a segurança da vinculação através da


sua personalidade e comportamento, e através do modo como respondem um ao
outro. A segurança da vinculação desenvolve-se a partir da confiança; a insegurança
da vinculação reflete desconfiança. Os bebés com uma vinculação segura aprenderam
a confiar não apenas nas figuras parentais, mas também na sua capacidade de obter
aquilo que necessitam. Portanto, os bebés que rabujam e choram e cujas mães
respondem sossegando-os, tendem a ter uma vinculação segura.

Muitos estudos revelam que as mães de bebés com uma vinculação segura tendem a
ser sensíveis e responsivas. No entanto, a sensibilidade não é o único fator importante.
Igualmente importantes são os aspectos da atividade maternal como a interação
mútua, a estimulação, uma atitude positiva, calor humano e aceitação e apoio
emocional.

Quanto mais segura for a vinculação da criança ao adulto que dela cuida, mais fácil
parece ser para a criança, por fim, se tornar independente desse adulto e desenvolver
boas relações com os outros. A relação entre a vinculação e as características
observadas anos mais tarde sublinha a continuidade do desenvolvimento e inter-
relação entre o desenvolvimento emocional, cognitivo e físico.

As crianças pequenas com uma vinculação segura são mais sociáveis com os pares e
com adultos não familiares do que as crianças inseguras.

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

Entre os 18 e os 24 meses, têm interações mais positivas com os pares e as suas


abordagens amigáveis têm mais probabilidade de serem aceites.

Dos 3 aos 5 anos, as crianças seguras são mais curiosas e têm mais tendência para
formar relações de amizade próximas. Interagem mais positivamente com os pais, com
as educadoras no jardim-de-infância e com os pares e são capazes de resolver
conflitos. São também mais independentes, procurando a ajuda dos professores
apenas quando dela necessitam.

No período pré-escolar atendem a ter uma nova autoimagem mais positiva. Estas
vantagens continuam no período escolar e na adolescência.

Relações precoces mãe/filho


Como e quando se desenvolve a intimidade especial entre as mães e os seus bebés?

Em 1976, dois investigadores concluíram que se a mãe e o bebé são separados


durante as primeiras horas a seguir ao parto, a ligação mãe/bebé – os sentimentos da
mãe de proximidade e proteção em relação ao recém-nascido – pode não se
desenvolver normalmente.

No entanto, investigação mais recente não confirmou a existência de um período


crítico para a ligação mãe/bebé e os defensores da ideia original modificaram, mais
tarde, a sua posição afirmando que o contacto imediatamente após o parto não é
essencial para uma forte ligação mãe/criança.

Algumas mães parecem conseguir uma ligação mais forte com os bebés depois de um
contacto precoce mais alargado, tal como é conseguido em hospitais que oferecem
uma antecâmara ou quando o parto é em casa; mas não têm sido demonstrados
resultados a longo prazo. Este resultado tem atenuado a preocupação e a culpa por
vezes sentida por pais adotivos e pais que tiveram de ser separados dos seus filhos a
seguir ao nascimento.

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

Os pais tal como as mães formam ligações íntimas com os seus bebés pouco depois do
nascimento. Pais pela primeira vez, orgulhosos, admiram e pegam nos seus bebés. Os
bebés contribuem simplesmente fazendo coisas que os bebés normalmente fazem:
abrindo os olhos, apertando os dedos do pai ou mexendo-se nos seus braços.

A ligação entre pais e bebé ajuda-os a reconhecer as necessidades deste último. Uma
forma importante de os recém-nascidos exprimirem a sua individualidade e a sua
imprevisibilidade é através dos padrões de sono e vigília e de atividade quando
acordados.

Um modo importante de os pais expressarem o seu amor pelo bebé é a sua


responsividade a estes padrões. Os bebés têm um relógio interno que regula os seus
ciclos diários de comer, dormir, e eliminação e, talvez mesmo, os seus humores. Estes
ciclos periódicos de vigília, sono e atividade que governam o estado de alerta da
criança parecem ser inatos.

Todos os recém-nascidos vivem os mesmos estados de alerta mas o ciclo de cada bebé
é diferente e varia de dia para dia. Em geral, os bebés recém-nascidos dormem cerca
de 16 horas por dia, mas um pode só dormir 11 horas enquanto outro dorme 21 horas.

Os recém-nascidos têm cerca de 6 a 8 períodos de sono que variam entre períodos


calmos e ativos. O sono ativo é, provavelmente, o equivalente ao sono do movimento
rápido dos olhos que, nos adultos, está associado ao sonho.

Por volta dos 3 meses, os bebés tornam-se mais despertos ao fim da tarde e ao
princípio da noite e começam a dormir pela noite dentro. Aos 6 meses, mais de metade
do sono dos bebés ocorre durante a noite.

Desde o nascimento, os bebés comportam-se de maneira diferente quando acordados.


Alguns bebés põem a língua de fora repetidamente, outros fazem movimentos de

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

sucção rítmicos. Alguns bebés sorriem frequentemente, outros raramente. Alguns


recém-nascidos são mais ativos do que outros. Estes níveis de atividaderefletem
diferenças temperamentais, que continuam durante a infância e, frequentemente, ao
longo da vida.

O quanto o bebé dorme ou rabuja, e não tanto o quanto o bebé chora, pode ser
indicador de temperamento. À medida que os bebés se tornam mais despertos, alertas
e ativos, o seu padrão comportamental individual provoca respostas diversas por parte
das figuras que lhes prestam cuidados.

Os adultos reagem de maneira muito diferente a um bebé tranquilo e a um bebé


excitável; a um bebé a quem podem facilmente acalmar e a outro que é
frequentemente inconsolável; a um bebé que está frequentemente acordado e alerta a
outro que parece alheado do que o rodeia.

Os bebés, por sua vez, respondem à forma como são tratados. Esta influência
bidirecional pode ter efeitos duradouros no tipo de pessoa em que o bebé se tornará.
Assim, desde o princípio, as crianças influenciam as suas próprias vidas ao moldarem o
ambiente no qual se desenvolvem.

Processo de separação/individualização
A ansiedade de separação e ansiedade face a estranhos tendiam a ser consideradas
marcos emocionais e cognitivos, refletindo a vinculação à mãe. Contudo, a
investigação sugere que apesar da ansiedade face a estranhos e a ansiedade da
separação serem relativamente típicas, não são universais.

Se o bebé chora quando a figura parental se vai embora ou quando alguém


desconhecido se aproxima, esta reação pode dizer mais acerca do temperamento do
bebé ou das circunstâncias de vida do que da segurança da vinculação.

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

O momento em que vão para a Creche ou Jardim-de-infância é o primeiro


distanciamento ou separação da presença permanente da mãe. Trata-se de um facto
importante não só para a criança como para a mãe e as dificuldades que nestes casos
são apresentadas dependem, sobretudo, do clima que os pais tenham criado.

Quando a criança reage com ansiedade, agarra-se à sua mãe e chora no momento em
que tenta deixá-la, como se lhe estivessem a arrancar uma parte de si mesmo, é
preciso esperar uma melhor oportunidade e prepará-la adequadamente. No entanto, a
criança segura e confiante, que foi habituada a sair com os seus pais, não apresenta
nenhuma dificuldade e aceita como natural esta separação temporal.

Em muitas ocasiões, a grande maioria dos problemas que as crianças apresentam são
consequência de questões não resolvidas por parte dos pais. Assim, algumas mães não
têm consciência de que são elas que se agarram aos seus filhos, embora
aparentemente dêem impressão de que desejam levá-los para o jardim-de-infância. As
lágrimas e os gritos da criança surgem como resposta à ansiedade que percebe na sua
mãe.

Também se podem dar situações de sinal contrário, como as das mães que desejam
que os seus filhos se tornem mais velhos antes da devida altura, o que pode provocar
neles ansiedade ao terem a perceção de uma certa rejeição. As crianças têm grande
consciência das atitudes da mãe para com elas e podem entendê-las perfeitamente,
sem necessidade de palavras.

Antes dos 6 meses, os bebés raramente reagem negativamente face a estranhos,


geralmente fazem-no pelos 8 a 9 meses, e cada vez mais nos restantes meses do
primeiro ano de vida. Por isso, é preciso entendê-las e adiantar-se, com tato, às suas
reações, evitando tudo aquilo que possa produzir ansiedade ou temor.

Contudo, mesmo nessa altura, um bebé pode reagir positivamente a uma pessoa
desconhecida, sobretudo se a mãe falar de um modo positivo sobre esta ou se a

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

pessoa aguardar um pouco e só depois abordar o bebé de modo gradual e suave


através da brincadeira.

Quando a criança nunca esteve num lugar separado da sua mãe e na presença de
pessoas, até à altura, desconhecidas, convém pouco a pouco, visitar com ela o lugar,
levando-a esporadicamente antes de começar a frequentá-lo de forma regular.

Quanto mais familiarizada se encontra uma criança com as pessoas e os lugares com
os quais entra em contacto, mais segura se sente e mais livremente pode desfrutar,
explorando o ambiente que a rodeia.

A estabilidade dos cuidados substitutos também é importante, de modo a que as


crianças possam estabelecer ligações emocionais precoces com as pessoas que cuidam
deles.

9.2.Entrada no grupo

Começo do grupo
As crianças gostam de estar juntas e são tolerantesumas para as outras. Podem dizer
algumas palavras, oferecer e tirar os brinquedos, mas raramente se zangam. Mesmo
que uma criança bata noutra, pouco depois começam a brincar.

Pouco depois dos 2 anos, na sua maioria, as crianças começam a interagir e a brincar
umas com as outras. Podem, por exemplo, reunir-se num canto da casa ou junto à
lareira a brincar em grupo. Além disso, as conversas são simples e, muitas vezes, as
crianças fazem exatamente a mesma coisa.

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

São agora menos tolerantesumas para as outras. Podem não partilhar o que lhes
pertence e, se lhes tirarem um brinquedo, protestam. Podem bater, dar pontapés e
morder umas nas outras. Deste modo, a prendem a interagir e a provocar reações.

Quando as crianças começam a interagir, mostram poucas preferências por este ou


aquele companheiro. Gostam apenas de brincar juntas e, mais tarde, com alguém. A
pouco e pouco, criam-se amizades. Estas podem ser de pouca duração. Embora
algumas crianças pareçam inseparáveis durante semanas e até meses, na maior parte
dos casos as amizades vão e vêm rapidamente.

No infantário, as crianças entre os 2 e os 3 anos brincam muitas vezes em grupos


grandes e gostam de se juntar a outras e fazer o mesmo que elas. Mais tarde, quando
os papéis nos jogos de simulação são mais definidos, o grupo escolhe. As crianças
menos populares podem ser excluídas.

Relações entre crianças


Quanto ao desenvolvimento dos sentimentos ou relações afetivas, surgem os
sentimentos de simpatias ou antipatias, relacionadas à socialização das ações. Tais
sentimentos originam-se de juízos pautados em valores mútuos entre os indivíduos e
prevalecem mesmo na ausência do indivíduo.

Como regra geral, o sentimento de simpatia surge a partir de relações, as quais as


pessoas correspondem aos interesses da criança e a valorize e, o sentimento de
antipatia, ao contrário, surge quando as pessoas a desvalorizam.

As crianças fazem amigos tal como os adultos. Se são eficientes, aproximam-se dos
estranhos com toda a abertura; as que são menos hábeis rondam a brincadeira até
que alguém vá ao seu encontro. Na fase em que se formam grupos de crianças em
torno de uma atividade, a entrada num grupo é relativamente simples.

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

Mais tarde, isto torna-se mais fácil. Quando todos estão envolvidos em determinadas
atividades, um corpo estranho perturba. Quando as crianças desempenham vários
papéis, qualquer outra que entre no jogo tem de conseguir um papel que seja
aceitável para as outras. As crianças menos populares podem ser excluídas.

Estudos realizados neste domínio permitem concluir que as crianças populares são:
• Amigáveis. As crianças gostam daquelas que as arrastam para uma
brincadeira.
• Extrovertidas. As crianças sociáveis são mais populares do que as tímidas; as
crianças que falam sempre e que nunca ouvem não são populares.
• Brilhantes. A inteligência ajuda a criança a compreender rapidamente
qualquer coisa e explicar os pormenores às outras.
• Hábeis. Os talentos específicos são sempre admirados.
• Atraentes. Quanto mais imponente é o físico de uma criança, mais ela é
admirada pelos seus pares.

Outros fatores que importam são:


• A situação familiar. As crianças mais novas são mais populares do que as que
nasceram primeiro.
• O tamanho. Ser das mais altas é popular; ser muito alto não é. As crianças
gordas são menos populares.
• O nome. Um nome apreciado é importante, sobretudo para os rapazes.

Cooperação e a autonomia
A independência dá confiança e autoestima às crianças. “Eu posso” soa melhor do que
“eu não posso”, sobretudo quando mais alguém pode.

Há momentos em que todas as crianças procuram a dependência que é apanágio dos


bebés, em geral quando a pessoa que cuida delas está ocupada, ou quando elas estão
aborrecidas e infelizes, mas as crianças quase sempre agarram a independência
quando esta lhes é oferecida.

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

Para ser independente, uma criança tem de saber cuidar de si própria nos aspectos
básicos: comer, vestir-se, servir-se da casa de banho e lavar-se. Mais importante
ainda, tem de conseguir motivar-se para a ação, seja qual for a tarefa.

Uma criança que sabe vestir as calças, mas só o faz quando lho dizem, continua a
depender de si. Se você permitir que este tipo de dependência impregne todos os atos
da criança, a vida dela longe de si será difícil. Nem os professores nem as outras
crianças têm tempo para organizar todos os atos dela.

Entrar na escola significa que uma criança tem de passar a maior parte do dia sem as
interações a dois a que está habituada em casa. Se ela tem de se repartir alegremente
entre a casa e a escola, tem de conseguir inserir-se num grupo maior e ser capaz de
continuar uma atividade quando não é o centro das atenções. Deve ter a competência
necessária apara pedir o que precisa, confiança pessoal para tentar qualquer coisa
mesmo que seja difícil e ego para enfrentar as críticas.

A nível prático, tem de conseguir trabalhar sozinha, concentrar-se escutar,


compreender e manter-se sentada durante longos períodos. Uma criança comporta-se
melhor em todas estas frentes, sobretudo se foi encorajada a ser independente.

A independência assenta na segurança. Uma criança emocionalmente segura sabe que


os pais e os educadores estão sempre prontos a ajudá-la, mas também que voltarão se
se ausentarem. A segurança consiste essencialmente em saber que, faça a criança o
que fizer, o afeto não está em questão. Os pais amam-na por aquilo que ela é.

Faz parte da independência de uma criança que se sabe vestir, ir à casa de banho
sozinha e vestir o casaco e calçar os sapatos na escola. Se não o fizer, os amigos
olharão para ela como se fosse um bebé. O facto de ela saber vestir-se reduz o
trabalho da mãe, da educadora e do pessoal auxiliar.

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

As crianças não percebem a diferença que existe entre trabalho e brincadeira; o que
lhes interessa é saber se uma tarefa é divertida. Tal como os trabalhos escolares, as
atividades de ajuda devem ter uma estrutura e um objetivo. Estimulam a criança a
fazer planos. “Ajudar” envolve uma sequência de atividades que começam pelo
princípio e se encaminham para um determinado fim.

9.3.Criança e o adulto

Da família à creche, ao jardim-de-infância, à escola


A criança convive, cresce e comunica com a família; a ela cabe, em primeiro lugar, a
função educativa (um direito e um dever). A família é um elemento ativo que
desempenha funções e tem responsabilidades distintas das que competem às
instituições educativas.

Os juízos e os atos que têm lugar no seio da família não devem criar diferenças
significativas nem demarcar-se excessivamente em relação aos parâmetros sociais
vigentes; gerar-se-ia uma duplicidade e controvérsia prejudiciais nos critérios
educacionais básicos.

A influência exercida pelo núcleo familiar condiciona, facilita e pode mesmo alterar o
desenvolvimento da criança. No seio da família verifica-se a primeira aprendizagem dos
valores essenciais e travam-se relações afetivas indispensáveis no amadurecimento
global do indivíduo.

O objetivo comum da família e da instituição educativa é conseguir a formação integral


e harmoniosa da criança. Ao longo das diferentes fases do processo educativo, estas

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

duas formas de intervir trouxeram referências coerentes e suficiente mente abertas à


integração na cultura e na sociedade.

Ambas devem orientar-se na mesma direção, de forma a garantir a estabilidade e o


equilíbrio, fatores indispensáveis a uma formação correta.

Como consequência, pode afirmar-se que a educação compete ao mesmo tempo a pais
e educadores. Há, portanto, necessidade de uma estreita colaboração, que se reflita
em ações conjuntas e coordenadas.

A assistência às crianças nos seus primeiros anos de vida fora do âmbito familiar está
ligada às mudanças de hábitos de vida da sociedade, como consequência da revolução
industrial. O conceito de assistência educativa intencional é mais recente. Há, contudo,
uma oposição de critérios na opinião da sociedade em relação às instituições
responsáveis pelas primeiras fases do sistema educativo.

Os centros que recebem as crianças dos 3 meses aos 5 anos satisfazem, em primeiro
lugar, as necessidades fundamentais, de forma a permitirem o correto
desenvolvimento do indivíduo, pois parte-se do princípio que, até à fase compreendida
entre os 6 e os 12 anos, os modelos de aquisição e aprendizagem variam muito. Este
falso raciocínio deriva da diminuta importância que há já muito tempo a sociedade
atribui a esta fase da vida.

Os pais devem mostrar-se sensíveis a estes problemas, que originam diferentes


pedagogias, nem sempre as mais adequadas.

As reformas dos sistemas de ensino, levadas a cabo recentemente em diversos países,


valorizam o período compreendido entre os 3 meses e os 6 anos, considerando-o parte
integrante da estrutura educativa na sua globalidade.

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

Embora continue a ser uma fase não obrigatória, o facto de se definirem quer os
ensinamentos e as competências próprias deste período quer as características
académicas e profissionais dos educadores e dos centros implicados nesta tarefa
reforça a nível social e importância da educação durante os primeiros anos de vida da
criança.

Na perspetiva da socialização é fundamental que qualquer instituição de crianças em


idade infantil seja capaz de:
 Ensinar a conviver coletivamente com crianças da mesma idade;
 Ensinar a conviver com adultos, que não sejam pais ou familiares e que tenham
autoridade sobre a criança;
 Ensinar a adaptar-se ao grupo, separando-os do ambiente familiar e aceitando
a sua própria identidade.

As propostas específicas da escola infantil apresentam formas de integrar a criança. É


indubitável que a escola prepara o homem e a mulher para a sociedade, por isso a sua
tarefa é especificamente social, sem esquecer que não é o único fator responsável
dentro da comunidade educativa.

A atuação da escola infantil tem de respeitar as necessidades fundamentais das


crianças, sem alterar a realidade quando procura formas de progredir na aquisição de
conhecimentos. Deve exercitar-se a opinião das crianças com atividadescoletivas e ao
mesmo tempo desencadeando situações em que cada indivíduo tenha de agir por si.

Nas diferentes fases de desenvolvimento verificam-se várias aquisições simultâneas do


ponto de vista orgânico, psicomotores, linguístico, conceptual, afetivo de maneira a
que cada pessoa, de acordo com o seu próprio meio, vai progredindo como indivíduo e
membro da sociedade.

Um programa adequado em termos de desenvolvimento implica interações positivas


entre os adultos e as crianças. As interações adequadas em termos de

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

desenvolvimento são baseadas no conhecimento que o adulto tem das crianças; nas
expectativas do comportamento adequado à idade; na consciência que os adultos
devem ter da existência de diferenças individuais entre as crianças.

Resumindo, os adultos são sempre responsáveis por todas as crianças a seu cargo e
planeiam a sua progressiva independência à medida que elas vão adquirindo
competências.

Os adultos devem vigiar e prestar atenção constante e de perto a cada criança com
idade inferior a 3 anos. Devem estar perto para pegar nos bebés quando estes
acordam, segurar uma criança de 1 ano que está a trepar antes que ela caia, estar
consciente de cada movimento de uma criança de 2 anos e estarem suficientemente
perto para oferecer outro brinquedo quando uma criança de 2 anos tem dificuldades
em partilhar.

Os adultos devem ser sempre responsáveis pelas crianças entre os 3 e os 5 anos, num
meio suficientemente aberto que permita tal responsabilização. As crianças com idade
superior a 5 anos podem, numa base individual, ser julgadas suficientemente maduras
para deixar a sala de aula e fazer um recado dentro do edifício. Isto só deve acontecer
com a autorização e conhecimento específico do adulto.

As crianças em todos os centros para a pequena infância devem ser protegidas de


adultos ou crianças mais velhas, cujo acesso ao edifício não é autorizado pela família
ou pessoa de guarda. Os pais devem ser visitantes bem-vindos, mas devem ser
tomadas providências para limitar o acesso aos edifícios.

Deve haver cuidadosa e aturada supervisão das zonas de jogo ao ar livre, e ordens que
exijam que os adultos que fazem uma visita passem pela secretaria antes de entrar
nas áreas das crianças. Uma constante vigilância por parte do adulto é necessária com
crianças entre os 0 e os 8 anos. Não deve ser dada a responsabilidade às crianças de
se protegerem dos adultos.

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Acompanhamento de crianças: desenvolvimento infantil

Bibliografia

AA VV., Enciclopédia da psicologia infantil e juvenil, Ed. Luso didata, 1995

AA VV., Pensar formação – Formação de pessoal não-docente (animadores e


auxiliares/ assistentes de ação educativa), Ministério de Educação: Departamento de
Educação Básica, 2003

Paiva Campos, B., Psicologia do Desenvolvimento e Educação de Jovens. Lisboa:


Universidade Aberta, 1990

Fachada, Maria Odete, Psicologia das relações interpessoais, Edições Sílabo, 2010

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