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Laboratórios Integrados III

MESTRADO INTEGRADO EM ENGENHARIA DE MATERIAIS


2020/2021

Cedência de corte em polímeros

António Teixeira
A92215 – a92215@alunos.uminho.pt

ABSTRACT

Este artigo vai averiguar a todo o conceito de cedência de polímeros, focando-se na cedência de corte. Numa introdução, irá ser
apresentado brevemente o conceito de cedência no polímero e relacionado com os diferentes comportamentos que um polímero pode
ter. De seguida, é atribuído foco às alterações morfológicas no processo de cedência e a um modelo que a represente no processo,
discutindo também o significado físico dos parâmetros usados. Será verificado como o modelo se ajusta a resultados experimentais,
concluindo com as limitações do modelo e o entendimento que se tem do processo de cedência por corte.

Palavras-Chave: Dúctil, Cedência.

longo do tempo, a um ritmo constante. A forma da curva tensão-


1. Introdução deformação é usada para definir dois comportamentos. O comportamento
dúctil, e o comportamento frágil.
O conceito de tensão de cedência, é um conceito bastante importante de se Sendo que as propriedades mecânicas de polímeros dependem
identificar e saber, pois, este caracteriza a carga a que um polímero pode simultaneamente da temperatura e do tempo de observação, as curvas de
estar sujeito até à sua falha, que neste caso será quando o polímero sofre tensão-deformação vão-se alterar com variações à taxa de deformação e
uma alteração de volume e não consegue recuperar as suas dimensões temperatura.
iniciais. É necessário, entre outros conceitos, saber o valor máximo da As curvas para polímeros duros e quebradiços mostram um aumento
tensão de cedência de qualquer polímero aplicado a um propósito prático mais ou menos linear da tensão com a deformação (como se observa na
para a sua melhor aplicação à tarefa mais indicada. Sendo o comportamento Figura 1 (a)). Este comportamento é característico de polímeros amorfos a
mecânico de polímeros, viscoelástico, a cedência nestes vai depender da uma temperatura bem abaixo da Tg. Polímeros semicristalinos, a T<<Tg,
temperatura, tensão, pressão e as curvas de tensão-deformação vão também demonstram uma curva com um padrão semelhante ao
depender do tipo de teste: tensão uniaxial (ensaio de tração), de flexão ou comportamento frágil de polímeros amorfos.
de compressão. Neste artigo vamo-nos focar num ensaio de tração uniaxial. O comportamento dúctil de polímeros, tem mais resistência à tensão,
tendo uma maior capacidade de deformação antes da rutura. Esta
Nomenclature deformação vem na forma de “Necking”. Este comportamento dúctil é

T – Temperatura
Tm – Temperatura de fusão
Tg - Temperatura de transição vítrea
σ – Tensão
τ- Tensão de corte
ɛ - Deformação

1.1. Cedência no comportamento Dúctil e Frágil

Os testes mais comuns de tensão-deformação são aqueles que medem a


Comportamento frágil Comportamento dúctil
resposta (deformação) de uma amostra sujeita a uma força que aumenta ao
Figura 1 – Curvas típicas de tensão-deformação para polímeros. (Escalas
refletem a ordem de grandeza mais comum) (Riande et al., 2000)
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tipicamente observado em polímeros semicristalinos a temperaturas propaga-se pelo comprimento da amostra até que chega ao ponto de rutura
intermédias, Tg<T<Tm. F.
O comportamento frágil, como observado na figura 1, apresenta uma 2.1. Comportamento de Cedência: Modelo Eyring
baixa capacidade de deformação (<10%) para a tensão máxima onde ocorre O comportamento de cedência em polímeros está dependente da
a rutura, enquanto o comportamento dúctil suporta grandes deformações temperatura e da taxa de deformação. A análise que irei fazer é apenas
(>100%) até à rutura. correta para esforços uniaxiais. Polímeros semicristalinos são usualmente
tratados como uma mistura de duas fases, regiões amorfas que coexistem
2. Alterações morfológicas no processo de cedência com zonas cristalinas. Há duas temperaturas importantes para
semicristalinos, a Tg para as regiões amorfas e a Tm para as regiões
cristalinas. O modelo Eyring foi desenvolvido para descrever o fluxo
D
viscoso em líquidos. A ideia fundamental deste modelo pode ser aplicada
para clarificar alguns aspetos do comportamento de cedência.
O modelo assume que quando um segmento de uma macromolécula tem
de se mover para uma posição adjacente, tem de superar uma barreira
energética representada como ΔE*. Na ausência de stress, os segmentos do
polímero saltam a barreira infrequentemente, e fazem-no em direções
aleatórias. A frequência em que os segmentos saltam a barreira é
representada pela equação de Arrhenius:

∆𝐸∗
[− ] (1)
Figura 2 – Curva típica de tensão-deformação para polímeros com v0 = 𝐴′𝑒 𝐾𝐵 𝑇

comportamento dúctil com correspondência à mudança de dimensão da 𝐴′ é uma constante (fator de frequência), KB é a constante de Boltzmann, e
amostra num ensaio de tração uniaxial. ΔE* é a energia necessária para que um segmento salte a barreira
energética, e assim haja o seu movimento e é a este movimento que
A figura 2 mostra uma curva de tensão-deformação correspondente a um chamamos cedência.
teste de tensão para polímeros dúcteis. De acordo com o modelo Eyring, quando a amostra está sob uma tensão de
O início da curva, no segmento OA, a relação entre a tensão e a deformação corte, a altura da barreira energética muda. Na direção da tensão, a taxa a
é linear. Nesta região, a lei de Hooke’s é obedecida e o polímero recupera que segmentos saltam a barreira vai aumentar, e consequentemente, a altura
a sua dimensão original quando a tensão é removida (comportamento da barreira diminui. Se τ é a tensão de corte aplicada e 𝐴∗ é a área efetiva
elástico ou viscoelástico). A amostra neste segmento OA sofre deformação do segmento de polímero, a altura da barreira energética é reduzida pelo
uniforme e a secção cruzada diminui à medida que o comprimento da valor de 𝜏. 𝐴∗ . 𝓍 que corresponde ao trabalho realizado quando um
amostra aumenta. segmento se move uma distância 𝓍.
Chama-se, ao ponto de tensão máximo (ponto D) o ponto de cedência. É Assim, a frequência com que os segmentos saltam a nova barreira
neste ponto que se inicia a deformação plástica do polímero. No entanto, é energética alterada pela aplicação da tensão na amostra, na direção da
preciso ter cuidado com tal afirmação, pois em polímeros, é possível detetar tensão, e na direção contrária, é, respetivamente:
deformação plástica antes do ponto de cedência (como as crazes). Quando
∆𝐸∗ −τ𝐴∗ 𝓍
é atingido o ponto de cedência, a secção cruzada diminui [− ] (2)
consideravelmente numa região definida e o pescoço na amostra é formado. v1 = 𝐴′𝑒 𝐾𝐵 𝑇
∆𝐸∗ +τ𝐴∗ 𝓍
É formado o pescoço numa certa região da amostra por várias razões. Pode ′ [− ] (3)
ocorrer por uma deformação, já existente antes do ensaio, numa pequena v−1 = 𝐴 𝑒 𝐾𝐵 𝑇

região da amostra. Se uma amostra tiver um menor volume de secção


cruzada numa certa região, a concentração de tensão será maior aí, e
chegará ao ponto de cedência mais rapidamente que no resto da amostra,
iniciando a formação do pescoço nessa região. Poderá também dar-se por
uma flutuação de propriedades físicas numa região da amostra, que por sua
vez pode baixar a tensão máxima que essa região suporta, tornando a
cedência possível a um valor de carga menor, possibilitando a formação do
pescoço nessa região.
Quando o pescoço se forma, nesta região onde a amostra cedeu, é mais fácil
continuar a deformação, e assim, o pescoço estende-se durante o segmento Figura 3- Modelo de Eyring. (a) Antes da aplicação da tensão, a posição dos
da curva BC, a um ritmo constante de tensão. Chama-se a esta extensão, segmentos identificada como 1 e 2 está separada por uma barreira energética
“cold drawing”. ΔE*. O salto entre estas duas posições é igualmente provável para ambas as
Por fim, dá-se o endurecimento da amostra a um certo valor de deformação. direções. (b) Após a aplicação da tensão, a barreira energética cai por ∆𝐸 ∗ −
Este comportamento do segmento CF, é observado em muitos polímeros τ𝐴∗𝓍 da maneira que o salto da posição 1 para a 2 é favorecido, tornando assim
dúcteis, e ocorre sempre a altas deformações quando as cadeias do polímero o salto sobre a barreira energética mais provável na direção da tensão. (Riande
da secção do pescoço, estão orientadas paralelamente umas às outras, com et al., 2000).
direção ao sentido da tensão aplicada. Sob estas condições o pescoço
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Pelo que a taxa de fluxo de saltos da barreira energética na


(4)
direção da tensão aplicada, será a diferença entre v1 e v-1 . Mas
sendo que a frequência a que os segmentos do polímero saltam a barreira
energética na direção contrária à tensão, é muito baixa, podemos considerar
esta como inexistente e então obtemos que a taxa de fluxo dos saltos dos
segmentos na direção da tensão é:
∆𝐸∗ 𝜏𝐴∗ 𝓍
(− ) (− )
𝑡𝑎𝑥𝑎 𝑑𝑒 𝑓𝑙𝑢𝑥𝑜 = 𝐴′𝑒 𝐾𝐵 𝑇
𝑒 𝐾𝐵 𝑇

O produto de A*𝓍 = 𝑉* tem as dimensões de volume e chama-se o volume


de ativação. O volume de ativação corresponde ao volume que deve estar
vazio, entre dois segmentos adjacentes, para que haja um salto da barreira
energética e assim ocorra o movimento do segmento. A equação da taxa de
fluxo corresponde à forma final da equação de Eyring. De acordo com esta
equação, a cedência é descrita como um fluxo viscoso em que a barreira da
energia de ativação ∆E*, para deslocamentos aos segmentos de polímeros Figura 4- Tensão de cedência por temperatura (σy/T) medido em função do

por cargas de corte, diminui pela tensão aplicada τ. A taxa de deformação logaritmo da taxa de deformação de policarbonato. O conjunto de retas paralelas

imposta, 𝜀̇y, pode ser considerada proporcional à taxa de fluxo (4), e τ pode é calculado pela equação (7). (Bower, 2012).

ser considerada a tensão de corte máxima. Assim, considerando que σy é a


tensão de cedência, temos que: No modelo de Eyring, é discutido a previsão do comportamento após
cedência, e após a cedência não há recuperação depois de retirado a tensão.
𝜎𝑦 No entanto, muitos polímeros recuperam a sua forma original se aquecidos
𝜏= (5)
2 a uma temperatura acima da Tg. Esta recuperação pode ser compreendida
no modelo de Eyring se se considerar que a barreiras energéticas sucessivas
Por consequência, podemos usar a equação (4) e assim, obtemos: não são exatamente idênticas, favorecendo a forma original da amostra.
Desde que a diferença seja muito menor ao valor de 𝑉*σy o argumento
Δ𝐸∗ 𝜎𝑦 𝑉∗ acima não é muito afetado, mas se se aumentar a temperatura
( ) ( ) (6) suficientemente pode levar à recuperação. Fisicamente, isto corresponde ao
𝜀𝑦̇ = 𝜀0̇ 𝑒 𝐾𝐵 𝑇
𝑒 2𝐾𝐵 𝑇
facto de que as moléculas deslizam umas entre outras na cedência, mas os
emaranhamentos asseguram que existe uma memoria da forma
Onde 𝜀0̇ é uma constante. A equação (6) pode ser arranjada como:
original.(Argon, 2010; Ward & Sweeney, 2012)

𝜀𝑦̇ Δ𝐸 ∗ 2𝑇
𝜎𝑦 = [𝐾𝐵 ∗ 2.303 log ( ) + ] ( ∗ ) (7)
𝜀0̇ 𝑇 𝑉 4. Conclusão

A equação (7) descreve a dependência da temperatura e da taxa de O modelo de Eyring representa então uma forma bastante adotada por
deformação à tensão de cedência, σy. A tensão de cedência divida pela académicos para descrever fisicamente o processo de cedência, mas, no
temperatura (σy/T) aumenta ligeiramente com o logaritmo da taxa de entanto, este ainda apresenta certas limitações. É necessária uma
deformação imposta (log(𝜀̇y)), e, para uma taxa de deformação constante, compensação ao modelo de Eyring ao assumir que há mais que um processo
o logaritmo da taxa de deformação imposta é constante (log(𝜀̇y)=0), pelo de ativação de todas as espécies de unidades de fluxo que se movem ao
que o valor da tensão de cedência dividida pela temperatura (σy/T), vai, mesmo ritmo, sendo que as tensões são aditivas. Para o policarbonato já foi
logicamente, aumentar com a diminuição da temperatura, mostrando assim mostrado que o comportamento de cedência pode ser representado muito
que a tensão de cedência é dependente da taxa de deformação e da satisfatoriamente ao introduzir estes dois processos de ativação (Ward &
temperatura. Sweeney, 2012).
O processo de cedência de corte entende-se então como um processo
3. Aplicação do Modelo de Eyring e análise de dados onde os segmentos emaranhados da amostra, deslizam, num ângulo de 45º
com a direção da tração. Este processo é possível porque a aplicação da
O modelo de Eyring verifica-se em muitos materiais, mas este não descreve tensão uniaxial diminui a barreira energética necessária para que os
muito bem o processo de cedência para temperaturas muito baixas e para segmentos saltem e deslizem para os espaços vazios correspondentes ao
taxas de deformação muito altas, pois a tensão de cedência σy, aumenta volume de ativação.
rapidamente. Então é preciso uma segunda parte à equação (7) que suporte
essas condições para se obter realmente um modelo que descreva a tensão
de cedência σy, em todas as condições de temperatura e taxas de
deformação. Pode-se realizar isso com a adição de termos que representem
os dois processos de ativação com volumes de ativação diferentes.
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BIBLIOGRAFIA

Argon, A. S. (2010). The physics of deformation and fracture of polymers. In The Physics of Deformation and Fracture of Polymers.
https://doi.org/10.1017/CBO9781139033046
Bower, D. I. (2012). Yield and fracture of polymers. In An Introduction to Polymer Physics. https://doi.org/10.1017/cbo9780511801280.009
Riande, E., Díaz-Calleja, R., Prolongo, M. G., Masegosa, R. M., & Salom, C. (2000). Polymer viscoelasticity : stress and strain in practice. In Plastics
engineering.
Ward, I. M., & Sweeney, J. (2012). Mechanical Properties of Solid Polymers: Third Edition. In Mechanical Properties of Solid Polymers: Third Edition.
https://doi.org/10.1002/9781119967125

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