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REVISTA JURÍDICA

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USUCAPIÃO E A HERANÇA JACENTE: POSSIBILIDADE,


APLICABILIDADE E IMPLICAÇÕES JURÍDICAS
ADVERSE POSSESSION AND INHERITANCE IN ABEYANCE:
POSSIBILITY, APPLICABILITY AND LEGAL IMPLICATIONS

Eumar Evangelista de Menezes Júnior 1


Ricardo Nunes Muniz 2

RESUMO lian legal system only after court decision that


causes the return of property to the state. In this
O estudo científico demonstra a possibilidade study, it becomes clear the applicability of ad-
do ato de usucapir bens em herança jacente. O verse possession in inheritance in abeyance,
estado de jacência é aplicado no ordenamento because the state does not apply the principle
jurídico brasileiro apenas após sentença judi- droit saisine, according to which the inheritan-
cial que provoca a devolução dos bens para ce left by the deceased is automatically trans-
o estado. Neste estudo, torna-se esclarecedo- ferred to the rightful heir, since this principle in
ra a aplicabilidade do usucapião na herança turn applies only to individuals. Processed in
jacente, pois ao estado não se aplica o prin- two axes, the study was primarily driven by lite-
cípio droit saisine, segundo o qual a herança rature method, as soon followed by dialectical-
deixada pelo de cujus é transferida automa- -dialogical method, which served as the metho-
ticamente ao herdeiro legítimo, uma vez que dology to present the research results, that is,
este princípio por sua vez aplica-se apenas the functional possibility of adverse possession
aos sucesspores. Processado em dois eixos, when there is the state of abeyance.
o estudo primariamente foi conduzido por mé-
todo bibliográfico, tão logo seguido de método KEYWORDS: Inheritance in abeyance; adver-
dialético-dialógico, que serviu de metodologia se possession; complications; Applicability.
para serem apresentados os resultados proje-
tados, seja a possibilidade funcional do usuca- 1 INTRODUÇÃO
pião quando da existência da herança jacente.
O estudo propõe discurso dialético-dialógi-
PALAVRAS-CHAVE: Herança Jacente, Usu- co, conduzido por teorização e praticidade na
capião, Intercorrência, Aplicabilidade. análise da possibilidade do usucapião na he-
rança jacente, de acordo com a legislação bra-
ABSTRACT sileira vigente.
No cenário proposto, valendo-se da doutrina
This study demonstrates the possibility of be brasileira, em dois extremos, tem-se que a he-
in possession of goods which are in abeyance. rança jacente (hereditas jacet) é tratada como
The state of abeyance is applied to the Brazi- herança sem herdeiros, até que haja a declara-
1
Mestre em Sociedade, Tecnologia e Meio Ambiente (Multidisciplinar). Professor adjunto, Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Direito – NPDU, Supervisor do Núcleo de Atividades Com-
plementares e Orientador de TCC da UniEVANGÉLICA – Centro Universitário de Anápolis-Goiás. Professor e orientador de MTC e de Processo Civil da Moderna Educacional, programa de
Pós-graduação lato sensu. Especialista em Direito Notarial e Registral. Membro da União Literária Anapolina – ULA. Advogado. E-mail: profms.eumarjunior@gmail.com.
2
Bacharel em Direito pela UniEVANGÉLICA – Centro Universitário de Anápolis-Goiás. Advogado. E-mail:ricardonunesmuniz@gmail.com.

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ção de sua vacância, quando o estado assume o homem. Assim, não haveria ninguém para a
a posse indireta do bem hereditário. A declara- continuação do culto, bem como a memória do
ção de vacância ocorre nos termos dos artigos pai aos filhos, tendo em vista a impossibilida-
1820 a 1822 do Código Civil de 2002. de da transmissão para as mulheres. Cabia,
Já em outro extremo é tratado o usucapião, portanto, ao herdeiro o sacerdócio e a sequ-
sendo este elemento jurídico regulado pelo ar- ência da família, isso sendo de forte influência
tigo 1238 e seguintes do Código Civil de 2002, do cristianismo na composição da sociedade
tratando em síntese da aquisição dos bens, ocidental, que basicamente fora formada pela
desde que respeitados os requisitos previstos Sabedoria Grega, o Direito Romano e Cristia-
em lei, dando proveito à transmissão do bem nismo (GONÇALVES, 2012).
ao possuidor direto, passando este a ser pro- Após revogação total do Código Civil de
prietário com todos os direitos e deveres. 1916, dando trato funcional ao princípio droit
Envolvendo o estudo a regência dos dois saisine, o Código Civil de 2002 em seu artigo
institutos e sendo colocado um em aplicabilida- 1784, confirmado pelo teor da Súmula 590 do
de frente a outro, com alicerce nos posiciona- Supremo Tribunal Federal (STF), foi determina-
mentos doutrinários e jurisprudenciais, abre-se do dentre os limítrofes jurisdicionais brasileiros
leque de oportunidade à possibilidade jurídica que a posse e domínio do titular, após sua mor-
da aplicabilidade da usucapião quando da he- te, transmite-se imediatamente aos herdeiros,
rança jacente, o que afasta a pessoa jurídica da mesma forma tornando inadmissível uma
de direito público da posse do bem, colocando herança sem titular no Brasil, podendo passar a
o possuidor direto da coisa, tornando-o após serem titulares de um patrimônio deixado pelo
sentença transitado em julgado, proprietário do de cujus os suscetíveis legítimos elencados no
bem usucapido. artigo 1829 do referido diploma legal de 2002,
modificando as ideias históricas patriarcais in-
2 HERANÇA JACENTE: PARTICULARI- fluenciadas pela Roma Antiga (BRASIL, 2002).
DADES E ESPECIFICIDADES A legislação brasileira, em funcionamento ju-
rídico do princípio listado, promove a transmis-
A Constituição Federal no seu artigo 5º inciso são dos bens deixados pelo espólio aos her-
XXX expressamente declara que está garan- deiros necessários, sejam eles descendentes,
tido o direito à herança àqueles beneficiados ascendentes e/ou o cônjuge, e não os havendo,
herdeiros, cumprindo-se o princípio droit saisi- sendo chamados os colaterais, estes irmãos, e
ne, esse de abstraído do Código Civil de 2002, não existindo todos estes listados em ordem é
lei infraconstitucional, que dá trato à regência declarada a possibilidade de chamamento de
da sucessão após morte da pessoa física. herdeiro irregular, no caso em epígrafe o Esta-
Historicamente servindo como base atual do, que trabalhará a função social da proprie-
da Carta Magna de 1988, a possibilidade de dade, valendo ainda da análise da existência
transmissão de bens após a morte, é ato fun- ou não de herdeiros testamentários, vistos em
cional de instituição muito antiga, podendo ser testamentos regulares, ordinários e especiais.
encontrada, dentre outros, nos direitos egípcio, Frente a possibilidade de a herança ficar sem
hindu e babilônico, isso em dezenas de sécu- herdeiros, tratando-se da famigerada herança
los antes da Era Cristã (GONÇALVES, 2012). jacente (hereditas jacet), um dos extremos do
Em regência histórica mais influente, faz presente estudo, em determinados casos em
lembrar esse estudo científico que o instituto que o autor da herança não deixou herdeiros
da herança fora muito bem estudado na Roma conhecidos ou testamenteiros, podendo ainda
antiga. O direito sucessório ganhou força na haver a possibilidade de os herdeiros conhe-
sociedade da época com o advento dos anti- cidos repudiarem o patrimônio hereditário, é
gos cultos familiares que tinham grande impor- chamado à posse e administração o Estado,
tância. Quão grande era o valor dado ao culto essa pessoa jurídica de direito público (BRA-
que não havia castigo maior para a família que SIL, 2002).
encontrar-se sem o cabeça da casa, ou seja, Herança jacente, nos moldes funcionais do

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artigo 1819 do Código Civil, nada mais é que plano legal a jacencia da herança, ação alcan-
uma espécie de sucessão causa mortis, sen- çada no sentido de proteger os bens deixados
do evento jurídico de cunho transitório que tem pelo de cujus, sendo devido ao juiz dentre seu
por objetivo a proteção dos bens e sua efetiva poder discricionário agir, para o cumprimento
entrega a quem de direito, tornando o Estado da função social da propriedade. Nessa missão
possuidor do patrimônio hereditário. obrigacional, o juiz de direito nomeará curador,
Importa lembrar aqui da figura do curador fazendo uso da famigerada arrecadação dos
remunerado que é um auxiliar do juiz, figuran- bens.
do como titular dos bens pelo tempo em que a A arrecadação é conhecida no Direito Ci-
herança for jacente, tendo em vista a inadmis- vil por ser um procedimento cautelar que visa
sibilidade de a herança ficar sem titular. proteger bens, sendo que no caso de herança
Processualmente, iniciando a herança ja- jacente e na vacância, está regulada pelos ar-
cente com a abertura da sucessão causa mor- tigos 1142 a 1158 do Código de Processo Civil
tis sem que haja herdeiros, o juiz em despacho (Lei 5689/1973), ora revogado, estando dispos-
procederá com a arrecadação dos bens, e tão tos nos artigos 738 do regente Novo Código de
logo arrecadados ficarão sob a guarda e ad- Processo Civil (Lei 13.105/2015).
ministração de um curador remunerado até a O juiz como autoridade competente deve-
efetiva entrega do bem ao herdeiro/testamen- rá, nos termos dos artigos supracitados do
teiro ou a lavratura da sentença declaratória de regente e vigente diploma legal, comparecer
vacância, lembrando que no caso de os herdei- pessoalmente à residência do autor da heran-
ros renunciarem a vacância será declarada de ça acompanhado do escrivão e do curador.
plano (BRASIL, 2002). Se não houver tempo hábil para nomeação do
curador, o juiz poderá nomear um curador ad
2.1 Casos de herança jacente hoc ou até mesmo um depositário em substitui-
ção temporária, que mandará arrolar os bens
De forma objetiva, o Código Civil de 2002, e lavrar auto circunstanciado. Importa ressal-
em seu artigo 1819, resume os casos de he- tar que o Ministério Público e o representante
rança jacente às hipóteses de falecimento, sem da Fazenda Pública serão intimados a partici-
se deixar testamento, nem herdeiros legítimos par da arrecadação, porém, são dispensáveis.
notoriamente conhecidos. Suas respectivas ausências não prejudicarão o
Para leitura sistêmica do dispositivo, faz-se ato, podendo o juiz proceder com as diligências
necessário enfatizar que caso o titular dos bens (BRASIL, 1973; BRASIL, 2015).
e/ou direitos venha a falecer, para que se inicie Esta é uma exceção processual em que o
a sucessão causa mortis, e seja possível o pro- juiz poderá ser provocado pelo Ministério Pú-
cessamento da vacância até chegar a jacência, blico, esse detentor de bens, a autoridade poli-
é preciso que o espólio não tenha deixado es- cial ou tributária ou credores ou qualquer outra
crito testamento, nem herdeiros notoriamente pessoa ou meio que faça esta notícia chegar a
conhecidos, e caso específico quando deixado juízo. Porém, não havendo provocação, o ma-
herdeiros, estes chamados à sucessão, renun- gistrado deverá agir de ofício dando início ao
ciarem à herança (BRASIL, 2002). processo por meio de portaria.
O juiz competente para efetuar a arrecada-
2.2 A arrecadação dos bens ção é o da comarca onde tiver domicílio o fi-
nado, como pré-disposto quanto às sucessões
No que pese a existência do bem imóvel, em geral, pois é lá que se encontra a maioria
móvel e/ou semovente, e não havendo herdei- do patrimônio, devendo o juiz obrigatoriamente
ros com vocação hereditária, ou seja, não exis- fundamentar este ato, ainda que seja por meio
tindo um possuidor direto e até mesmo indireto, de uma suspeita de que haverá dilapidação
faz necessário e produz a intervenção do Po- dos bens ou que aproveitadores se valham da
der Judiciário, isso a pedido da pessoa jurídica situação de vulnerabilidade dos bens para tira-
de direito público, uma vez que configura de rem proveito disto.

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Em conformidade com o artigo 75 inci- processamento da herança jacente: incapa-


so VI do Novo Código de Processo Civil (Lei cidade, indignidade e deserdação
13.105/2015), nos casos de herança jacente
será representado em juízo o espólio, ativa Existem casos em que os herdeiros são ex-
e passivamente, por seu curador, sendo estecluídos da sucessão por motivos distintos da
renúncia e da sentença declaratória de vacân-
responsável por representar a herança em juí-
zo ou fora dele sendo este responsável. cia. São os casos de incapacidade (art. 1.801),
Deverá o curador apresentar mensalmente indignidade (art. 1.814) e deserdação (arts.
balancete da receita e da despesa e prestar1.962 e 1.963) do Código Civil de 2002. (BRA-
SIL, 2002).
contas ao final do período em que estiver com
a guarda e propriedade dos bens, de modo que Em primeiro plano, intensificando análise da
incapacidade, melhorando a compreensão de
o curador é um auxiliar do juiz e como tal deve
prestar compromisso antes de qualquer dos termos, são considerados incapazes aqueles
atos citados acima (BRASIL, 2015). que se encontram nas situações elencadas
O magistrado deverá esgotar os meios de no artigo 1.801 do Código Civil de 2002, não
busca dos sucessores legítimos. Deste modo,podendo estes ser nomeados herdeiros nem
até mesmo no momento da arrecadação de- legatários. Se estes incapacitados forem os
únicos herdeiros, por conta deste impedimento
verá, nos termos do artigo 740, parágrafo ter-
não poderão habilitar-se, tanto num processo
ceiro da Lei 13105/2015, inquirir os moradores
vizinhos sobre a vida do de cujus e sobre ode inventário quanto no de herança jacente.
paradeiro de possíveis parentes. Além disso, Já em análise intrínseca, os dois últimos
constituem sanções civis aplicáveis contra
somente ele (juiz) lerá em apartado todos os
quem se comportou mal contra o autor da he-
papéis, cartas, livros e buscará com diligência
rança e por serem sanções civis dependem
todas as possíveis fontes de informação sobre
fundamentalmente do devido processo legal
possíveis herdeiros ou testamenteiros, porém
se aqueles que forem considerados desinte- (ampla defesa e contraditório), inclusive de-
ressantes serão embalados e lacrados para cisão judicial. Tanto a indignidade quanto a
deserdação são regidas pelo princípio da in-
que ao final do período da jacência sejam quei-
mados no caso de sentença decretando a va- transcendência da pena (a pena não pode per-
cância ou entregues aos sucessores no caso passar a pessoa do apenado), ou seja, o indig-
de habilitação aceita (BRASIL, 2015). no e o deserdado não recebem a herança, mas
os seus descendentes recebem em seu lugar
Finalizada a arrecadação, publicar-se-á edi-
como se ele morto fosse.
tal em órgão oficial bem como imprensa local
O artigo 1.814 do referido Código trata dos
por três vezes com intervalo de trinta dias entre
excluídos da sucessão por indignidade, ou
eles, ordenando que os sucessores se habili-
tem no prazo máximo de seis meses contados seja, os impedidos de se habilitarem tanto
numa eventual herança jacente ou num pro-
da primeira publicação. A lei não fala de possí-
cesso comum de inventário. A chamada exclu-
vel prorrogação deste prazo, isso em conformi-
dade com o artigo 741 da Lei 13.105/2015. são por indignidade também poderá excluir os
herdeiros, desta forma a herança poderá ficar
A habilitação do herdeiro ou testamenteiro,
devidamente aceita, torna a herança jacentejacente e chegar à vacância tendo em vista não
haverem herdeiros legais (BRASIL, 2002).
em inventário, podendo haver habilitação ain-
da que depois de arrecadados os bens, mas Destacando aplicabilidade do dispositivo su-
somente até a declaração da vacância quandopracitado, um caso muito famoso de indignida-
de foi o de Suzane Louise Von Richthofen, pau-
serão excluídos os herdeiros e testamenteiros.
Porém, para que esta habilitação aconteça élistana de classe média que foi condenada na
ação movida pelo Ministério Público Federal, a
necessário que pré-requisitos legais sejam ob-
servados (BRASIL, 2015). 39 (trinta e nove) anos de prisão pelos crimes
de parricídio e marricídio. Em detalhes, o cri-
2.3 Estudo de incidentes que provocam o me foi consumado com a participação de seu

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namorado Daniel Cravinhos e a intenção era a pela Lei Atínia que proibiu o usucapião das coi-
de receber a herança dos pais, o que seria im- sas apropriadas por ladrões e receptadores, as
Leis Júlia e Pláucia, por sua vez, vedaram as
possível, pois, como vimos, incorreu também coisas obtidas com emprego de violência e a
na sanção civil prevista no primeiro inciso do lei Scribônia que vedava a usucapião de servi-
artigo 1.814 CC, primeira possibilidade de ex- dões prediais (DINIZ, 2012, p. 170).
clusão da sucessão por indignidade (MOREI-
RA, 2015). O ordenamento jurídico brasileiro não é o
Diferente da indignidade, a deserdação é criador do usucapião. A primeira manifestação,
somente para os herdeiros necessários por um segundo a doutrina majoritária, está no Direito
ato praticado antes da abertura da sucessão, Romano na Lei das XII Tábuas (450 a.C.). A
sendo que a deserdação será realizada por Tábua 6.ª, cujo título é "Da Propriedade e da
meio de um testamento. Vale ressaltar que a Posse", enuncia em seu inc. III - "que a pro-
deserdação é ato personalíssimo, ou seja, de priedade do solo se adquire pela posse de dois
exclusividade do autor da herança, sendo que anos; e das outras coisas, pela de um ano”.
tal testamento será feito antes da abertura da Exigia-se, portanto, dois anos para bens imó-
sucessão, e por se tratar de pena civil deve- veis e um ano para bem móveis e mulheres,
rá obrigatoriamente ser homologado pelo juiz dentre outros. O prazo curto se justifica pelo
após a abertura da sucessão, tendo em vista fato de Roma ser uma cidade pequena, por-
que não pode haver pena que não seja aplica- tanto, não se exigia a necessidade de prazo
da por juízo competente (BRASIL, 2002). superior. Convém explicar que, em relação ao
Importa observar que os herdeiros necessá- usucapião de mulheres, tal fato era possível
rios são descendentes, ascendentes e o cônju- porque o “usus” era uma forma de matrimô-
ge, porém, estas causas acima são exclusivas nio na antiga Roma. O usucapião era destina-
dos ascendentes e descendentes visto que o do somente ao cidadão romano (MONTEIRO;
cônjuge somente pode ser deserdado se inclu- MALUF, 2013, p. 144).
so nas hipóteses de indignidade. Sendo assim No Brasil, o precedente mais antigo do usu-
se, por exemplo, um filho praticar relação ilícita capião encontra-se no artigo 5.º da Lei nº. 601,
com a mulher de seu pai, ou seja, a sua ma- de 18 de setembro de 1850, a qual permitia que
drasta, aquele será punível com a deserdação posseiros pudessem adquirir terras devolutas
enquanto esta não poderá (BRASIL, 2002). que ocupassem desde que provassem cultura
Sobretudo, no que tange a ocorrência da in- efetiva ou princípios de culturas e sua moradia
dignidade e da deserdação, vale ressaltar que habitual (MONTEIRO; MALUF, 2013).
somente surtirá efeito jurídico para se atingir a O elemento tempo é imprescindível para di-
vacância e logo depois a jacencia, após sen- versos institutos jurídicos, dentre estes se en-
tença exaurida, transitada em julgado. contra o usucapião. Quando o tempo previsto
em lei se esgota, acontecem simultaneamente
2.4 Usucapião e suas modalidades: inci- dois fenômenos jurídicos: a prescrição aquisiti-
dência e aplicabilidade va (força geradora) e a prescrição extintiva (for-
ça extintora). A primeira favorece o usucapien-
A palavra usucapião vem do latim pela jus- te que adquire o bem por meio de requisitos
taposição das palavras “usu” e “capere” que previstos em lei, a segunda extingue o direito
vem a ser basicamente capitar através do uso do proprietário do bem usucapido, sendo este
(posse prolongada); é uma espécie de direito assim desvinculado do bem logo após a prola-
real. O fundamento que norteia este instituto é ção da sentença judicial (MONTEIRO; MALUF,
exatamente o de dar juridicidade ao fato social, 2013).
transformando o que é apenas fato em direito Neste diapasão, tratando de aquisição origi-
(GONÇALVES, 2012). nária, pois em termos jurídicos não há causa-
O instituto do usucapião foi aprimorado no lidade entre o domínio anterior e o do usuca-
decorrer do tempo, piente, devido à ausência de transmissão do
bem, ou seja, sem que uma pessoa transmita o
bem a outra pessoa, “a aquisição se deu pela

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prescrição aquisitiva que por sua vez é origi-


nária havendo portanto o fenecimento do di-
reito do proprietário e nascimento do direito do
possuidor sobre o bem” (MONTEIRO; MALUF,
2013, p. 145).
No universo preenchido pelas modalidades
de usucapião, são destacadas as seguintes
modalidades: extraordinário; ordinário; espe-
cial; especial urbano e indígena.

2.4.1 Usucapião Extraordinário

Reza o artigo 1.238 do Código Civil de 2002


que:
aquele que, por quinze anos, sem interrupção,
nem oposição, possuir como seu um imóvel,
adquire-lhe a propriedade, independentemen-
te de título e boa-fé, podendo requerer ao juiz Os pressupostos do usucapião ordinário
que assim o declare por sentença, a qual ser- são, pois, posse direta, decurso de dez ou cin-
virá de título para o registro público no Cartório co anos, justo título e boa-fé. No tocante ao pri-
de Registro de Imóveis.
meiro, preciso se torna que a posse seja con-
Com previsão legal se faz necessária a pos- tínua e incontestada. Se o usucapiente veio a
se contínua, mansa e pacífica e sem oposição perdê-la por qualquer motivo, não mais será
por um período de 15 anos, que poderá ser possível seu reconhecimento judicial, por uma
reduzido a 10 anos se o possuidor tiver esta- espécie de retroatividade, ainda que no passa-
belecido no imóvel moradia habitual ou realiza- do tivesse possuído por tempo suficiente para
do obras ou serviços de caráter produtivo, dis- prescrever. Perdida a posse, inutiliza-se o tem-
pensa-se os requisitos de boa-fé e justo título po anteriormente vencido, máxime se o pres-
(BRASIL, 2002). cribente não logrou recuperá-la (MONTEIRO;
MALUF, 2013).
2.4.2 Usucapião ordinário Ressalta-se ainda quanto à espécie ordiná-
ria que são indispensáveis os requisitos justo
Reza o artigo 1.242 do Código Civil de 2002 título e boa-fé, valendo-se também do animus
que “adquire também a propriedade do imó- domini (intenção de ser dono), bem como a
vel aquele que, contínua e incontestadamen- posse mansa, pacífica, ininterrupta e sem opo-
te, com justo título e boa-fé, o possuir por dez sição.
anos” (BRASIL, 2002).
Para melhor explicar esta espécie de usuca- 2.4.3 Usucapião especial
pião, segue abaixo o Quadro 01, disposto em
planilha autoexplicativa: Além das duas espécies mencionadas, o
ordenamento jurídico brasileiro prevê a usuca-
pião especial, também chamada de constitu-
cional por ter sido introduzida pela Constituição
Federal de 1988 sob duas formas: usucapião
especial rural, também denominada pró-labore,
e usucapião especial urbana, também conheci-
da como pró-moradia. A Constituição Federal
de 1934 consagrou a modalidade rural, que
está regulamentada também na Carta Magna
de 1988, especificadamente no artigo 191, que

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logrou a fineza da redação do artigo 1.239 do bespécie de usucapião e discussão, entenden-


Código Civil de 2002. do ser ela possível tanto de forma individual
Dentre a existência desta espécie, confor- como coletiva.
me descrição normativa, tem-se por subdivisão Esse secular instituto que tem o rito sumá-
dois tipos de usucapião: o rural e o urbano. rio teve algumas modificações com a edição
O usucapião especial rural surge no Direito do Estatuto da Cidade. Contudo, reafirma-se,
Brasileiro com o advento da Constituição Fede- essas alterações dizem respeito tão-somente
ral de 1934, evoluindo historicamente entre as ao usucapião urbano especial, quer individual,
constituições, passando pelo Estatuto da Terra, quer coletivo.
culminando na Carta Magna de 1988 que reto- No caso específico do usucapião coletivo,
mou o tema no seu artigo 191, artigo este que em face das inovações trazidas, como a subs-
posteriormente foi seguido pelo Código Civil tituição processual, e sobretudo a formação de
(BRASIL, 2002). condomínio indissolúvel e inextinguível, crê-se
que essa formação ainda não foi bem assi-
2.4.4 Usucapião especial urbano milada, abrindo campo para vasta discussão
doutrinária e jurisprudencial, o que de fato não
Já a subespécie usucapião especial urbano é objeto do presente estudo, sendo lembrado
está regulada pelo artigo 183 da Constituição apenas para o leitor compreender que resta ser
Federal de 1988 com regência do artigo 1240 também uma especificidade que rodeia o insti-
do Código Civil de 2002. Esse ato normativo tuto do usucapião (BRASIL, 2001a).
prevê um prazo de 5 (cinco) anos para que
aquele que possuir com animus domini área 2.4.5 Usucapião indígena
urbana não superior a duzentos e cinquenta
metros quadrados, ininterruptamente sem ser A Fundação Nacional do Índio (FUNAI), cria-
contestado desde que o imóvel seja utilizado da pela Lei nº. 5.371/1967 com o objetivo de
para sua moradia ou de sua família e não seja exercer a tutela de todos os indígenas em nome
proprietário de outro bem urbano ou rural, não da união (b), em complemento aos artigos 32
sendo necessários os elementos justo título e e 33 da Lei nº. 6.001, de 19 de dezembro de
boa-fé (GONCALVES, 2012, p. 264). 1973 (Estatuto do Índio), assim dispõem:
Levando-se em conta que o direito é uma
ciência mutável que se adapta às mudanças São de propriedade plena do índio ou da co-
munidade indígena, conforme o caso, as terras
sociais, através da Lei Federal nº. 12.424, de havidas por qualquer das formas de aquisição
junho de 2011, que trata do famigerado Progra- do domínio, nos termos da legislação civil. O
ma Minha Casa Minha Vida (PMCMV), abor- índio, integrado ou não, que ocupe como pró-
da-se uma peculiaridade no que tange ao usu- prio, por dez anos consecutivos, trecho de ter-
ra inferior a cinquenta hectares, adquirir-lhe-á
capião especial urbano. Tal especificidade se a propriedade plena (BRASIL, 1973).
dá na redução do prazo que passa a ser de
dois anos nos casos de pessoa que dividia pro- Gonçalves (2012, p. 275) conceitua com
priedade com o ex-cônjuge ou ex-companheiro maestria o que vem a ser Índio ou Silvícola
(BRASIL, 2011). para efeitos desta lei: “[...] é todo indivíduo de
Quanto a essa especificidade, vale atenção origem e ascendência pré-colombiana que se
ao trato do dispositivo e sua aplicação, vez que identifica e é identificado como pertencente a
o teor regulamentar não ressuscitou o instituto um grupo étnico cujas características culturais
abandono do lar previsto no Código de 1916, o distinguem da sociedade nacional.”.
ao passo que serve objetivado à aplicação Em suma, esta espécie constitui uma mo-
quanto à proteção ao possuidor direto e à sua dalidade peculiar de usucapião tendo em vista
família. tudo o que envolve a pessoa do índio histori-
Há de se observar ainda que a Lei nº. 10.257 camente. Seguimos para tanto o princípio da
de 10 de julho 2001, também conhecida como igualdade que na definição clássica trata os
Estatuto da Cidade, disciplina sobre esta su- iguais com igualdade e os desiguais com de-

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sigualdade. ro legal dá seguimento à posse. A omissão do


proprietário tem que ser contínua desde o prin-
2.5 Dos requisitos formais e pessoais ao cípio até que haja o período da prescrição ex-
aceite do usucapião tintiva do direito de propriedade.

São pressupostos, modaldos como requisi- Fonte: GONÇALVES (2012).


tos formais do usucapião: “res habilis”, “titulus”,
“fides”, “possesio”, “tempus”, por ora, sentença Em se tratando de requisitos pessoais, es-
judicial, coisa hábil, justo título, posse, trans- ses consistem nas exigências em relação ao
curso de tempo, boa-fé. possuidor que pretende adquirir o bem e ao
De forma ilustrativa, o Quadro 02 apresenta proprietário que, consequentemente, o perde.
peculiaridades de cada requisito acima men- Como é o usucapião um meio de aquisição de
cionado: propriedade, há necessidade de que o adqui-
rente seja capaz e tenha qualidade para adqui-
QUADRO 02 - Peculiaridades dos Requisi- rir o domínio por essa maneira (DINIZ, 2012).
tos Formais do Usucapiã. Assim, não pode ser alegado usucapião entre
cônjuges na constância do casamento; entre
Coisa Hábil (res habilis): é indispensável que ascendentes e descendentes, durante o poder
a coisa em questão não seja pública (ex. praia, familiar; entre tutelados e curatelados e seus
mar,) e, além disto, não se sujeitam à usuca- tutores ou curadores, durante a tutela ou cura-
pião os bens fora do comércio, há ainda a pos- tela; em favor do credor solidário; contra os ab-
sibilidade de mesmo a coisa sendo hábil, não solutamente incapazes; contra os ausentes do
poder efetivamente ser usucapida por motivo país em serviço público da União, dos Estados
de proximidade, um bom exemplo dos cônju- e dos Municípios; contra os que se acharem
ges na constância do casamento, ascendente servindo nas Forças Armadas, em tempo de
e descendente dentro do poder familiar e tam- guerra, pendendo condição suspensiva, entre
bém os incapazes. outros (BRASIL, 2002).
Justo Título (titulus): necessário em algumas
espécies de usucapião, o justo título é um do- 2.6 O usucapião de bens da herança ja-
cumento capaz de transferir o domínio ao usu- cente
capiente.
Boa-fé (fides): Trata-se da intenção do possui- Já conhecendo o usucapião com revestidu-
dor que deverá desde o princípio da posse re- ra material, tem-se que o Direito Civil brasileiro
vestir-se de boa-fé para que não ocorra a inter- possibilita a aplicabilidade da medida judicial
rupção do prazo para usucapião. Um exemplo usucapião, sob a égide da posse mansa, pa-
de má-fé se dá no momento em que o prescri- cífica e não clandestina, para aquisição origi-
bente ignora os vícios e apesar de conhecê-los nária de bem imóvel, de posse ininterrupta por
torna-se conivente. determinado lapso temporal (BRASIL, 2002).
Posse (possesio): O próprio conceito de usu- Neste universo jurídico instala-se a possibi-
capião traz a aquisição por meio da posse den- lidade jurídica do usucapião quando existente
tro de um tempo determinado em lei. A posse herança jacente, posto ser possível a propo-
justa deverá ser mansa e pacífica, livre de vio- situra da Ação de Usucapião, nos moldes do
lência, precariedade e clandestinidade, conhe- Código de Processo Civil, já na vigência da Lei
cidos vícios inerentes à propriedade; no pre- 13.105/2015, face a inexistência de herdeiros
sente caso trata-se de posse velha, pois tem necessários e colaterais, do proprietário de
mais de um ano e um dia. bem imóvel, já falecido.
Tempo (tempus): A atitude passiva de inércia A herança jacente, moldada pelo artigo
por parte do proprietário deverá chegar a um 1819 e seguintes do Código Civil de 2002 (Lei
prazo ininterrupto previsto em lei, a exceção 10.406/2002) e por natureza processual pelo
é quando um possuidor morre e o seu herdei- artigo 738 do Novo Código de Processo Civil

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(Lei 13.105/2015), tem em espaço e tempo logo requerendo em juízo por usucapião como
oportunizada pela intercorrência do processa- de sua propriedade.
mento do usucapião, uma vez que aquele que De maneira bem simplista, pode-se definir o
está na posse direta, cumprindo-se algumas usucapião como uma das formas de aquisição
das espécies de usucapião, poderá requerer originária da propriedade previstas em nosso
ao juízo competente que lhe transmita o bem ordenamento jurídico, que exige o exercício
por meio de aquisição originária (BRASIL, prolongado da posse e o cumprimento de ou-
2002, 2015). tros requisitos legais estabelecidos para cada
Sendo extremamente cristalino, estando modalidade de usucapião (BRASIL, 2002).
presentes os requisitos que revestem o pedido O artigo 1.823 do Código Civil de 2002 per-
de usucapião, que são a posse mansa, pacífi- faz a herança jacente como aquela em que os
ca e não clandestina, o juiz de direito pode por herdeiros não são conhecidos ou, quando co-
sentença estabelecer a transmissão do bem nhecidos, renunciarem à herança.
àquele que está na posse direta do bem deixa- Desta feita, observando a matéria de fato e o
do pelo de cujus, valendo-se de que não exis- ato jurídico, quando há a morte da pessoa físi-
tem quaisquer herdeiros de quaisquer classes ca, sem que haja herdeiros necessários ou co-
e vocações hereditárias. laterais, perfaz válido e possível juridicamente
De fato, não há previsão objetiva normativa o usucapião, inviabilizando assim a arrecada-
que firma a intercorrência, restando quando de ção do patrimônio pelo Estado, pela existência
momentos e aos fenômenos a intercorrência e de posse mansa, pacífica e não clandestina do
aplicabilidade do usucapião na herança jacen- posseiro de fato.
te. Diante deste embate entre herança jacen-
te e usucapião, promovido pela lacuna na lei
2.7 A lacuna da lei cível, a Constituição Federal de 1988 prevê o
direito de herança e a possibilidade de usuca-
A pessoa física, falecendo, não deixando pir. Entretanto, pensar usucapião e herança
herdeiros legítimos ou testamentários certos e jacente faz confrontar princípios e garantias
determinados, não havendo notícias da exis- constitucionais tão relevantes para a socieda-
tência de algum herdeiro, ou em alguns casos de, envolvendo direitos elencados no artigo
em que os herdeiros repudiaram a herança que 1.819 e 1.238 do Código Civil procedimentali-
lhes foi deixada, será constituída no meio a he- zados respectivamente nos artigos 738 e 1.071
rança jacente. do Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015)
O Código Civil de 2002, como reportado em (BRASIL, 2015).
escritas anteriores, em seu artigo 1.819, prevê Não havendo um dispositivo totalmente efi-
que quando declarada a vacância dos bens e caz no ordenamento jurídico vigente, conforme
sem que haja a habilitação de herdeiros, esses identificado nos parágrafos anteriores, quando
bens passam para o domínio dos municípios o posseiro de fato, por meio de advogado ins-
ou do Distrito Federal ou ainda da União, de- crito na Ordem dos Advogados do Brasil, mani-
pendendo de onde estiverem localizados es- festa por meio de medida judicial seu interesse
ses bens, de fato, devendo ser arrecadados no imóvel usacapiendo, resta validado e pos-
os bens do falecido, ficando-os sob a guarda e sível juridicamente o usucapião do imóvel dei-
administração do curador. xado pelo espólio sem herdeiros necessários,
A imperatividade da herança jacente, advin- uma vez que no ordenamento jurídico uma la-
da da normatividade da Lei 10.406/2002, to- cuna é percebida.
davia não afasta a hipótese da concretização
da posse mansa, pacífica e não clandestina do 2.8 Análise e entendimento de julgados
bem imóvel ora deixado pelo falecido, sem ter do gênero usucapião quando da herança
deixado herdeiros, tudo por um terceiro, que o jacente
passa a administrar, instalando-o para a sua Para entendimento de alguns julgados que a
moradia, adquirindo a propriedade de fato e tão seguir serão analisados, vale-se da lembrança

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notória do teor do artigo 191 da Constituição em todos os tribunais, revela a possibilidade do


Federal de 1988: direito de usucapir bens imóveis que compõem
o acervo hereditário jacente, deixando clara a
Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário eficácia da teoria da natureza constitutiva da
de imóvel rural ou urbano, possua como seu,
por cinco anos ininterruptos, sem oposição, sentença que declara a vacância.
área de terra, em zona rural, não superior a Na esteira que prove o usucapião na jacên-
cinquenta hectares, tornando-a produtiva por cia, assevera acerca da vacância, que essa não
seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua se confunde com aquela, sendo que apenas é
moradia, adquirir-lhe-á a propriedade (BRA-
SIL, 1988).
uma fase do processo que antecede esta.
A herança jaz enquanto não se apresentam
Em consonância com o entendimento que herdeiros do de cujus para reclamá-la, não se
está adiantado, dispõe o artigo 1.819 do Códi- sabendo se tais herdeiros existem ou não. O
go Civil de 2002: Estado, no intuito de impedir o perecimento da
riqueza representada por aquele espólio, orde-
na sua arrecadação, para o fim de entregá-lo
falecendo alguém sem deixar testamento nem aos herdeiros que aparecerem e demonstra-
herdeiro legítimo notoriamente conhecido, os rem tal condição. Somente quando, após as di-
bens da herança, depois de arrecadados, fica- ligências legais, não aparecerem herdeiros, é
rão sob a guarda e administração de um cura- que a herança, até agora jacente, é declarada
dor, até a sua entrega ao sucessor devidamen- vacante, para o fim de incorporação ao patri-
te habilitado ou à declaração de sua vacância mônio do Poder Público (GONÇALVES, 2012).
(BRASIL, 2002).
Ressalta mais, que a herança vacante é
Frisa-se ainda a regência do artigo 1.238, aquela devolvida ao Estado por não terem sido
que prevê: localizados nem se habilitado herdeiros no pe-
Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, ríodo da jacência, após a realização de todas
nem oposição, possuir como seu um imóvel, as diligências legais, obedecido o prazo esta-
adquire-lhe a propriedade, independentemen- belecido no art. 1.820 ou caso ocorra a circuns-
te de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz tância prevista no art. 1.823, ambos do Código
que assim o declare por sentença, a qual ser-
virá de título para o registro no Cartório de Re- Civil de 2002 (BRASIL, 2002).
gistro de Imóveis (BRASIL, 2002). Para o entendimento pacificado, seguem al-
guns julgados colacionados no Quadro 03:
Importando o texto dos artigos anteriormen-
te listados, a jurisprudência é unânime e pacífi- QUADRO 03 – Julgados – Usucapião intercor-
ca entendendo ser possível usucapir bem imó- rente na Herança Jacente
vel de acervo hereditário. Nesse sentido, reza
o teor do julgado de recurso especial: AÇÃO CIVIL. USUCAPIÃO. Herança jacente.
O Estado não adquire a propriedade dos bens
STJ - Recurso Especial: Exp. 209967 SP que integram a herança jacente, até que seja
1999/0030987-1: HERANÇA JACENTE. Emen- declarada a vacância, de modo que, nesse in-
ta: Usucapião. - Se a sentença de declaração
de vacância foi proferida depois de completado terregno, estão sujeitos à usucapião. Recurso
o prazo da prescrição aquisitiva em favor das especial não conhecido (BRASIL, 2001b).
autoras da ação de usucapião, não procede a AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação de usu-
alegação de que o bem não poderia ser usuca-
pido porque do domínio público, uma vez que capião de bem de herança jacente – Ministério
deste somente se poderia cogitar depois da Público que recorre como fiscal da lei, reque-
sentença que declarou vagos os bens jacentes rendo a manifestação do município sobre o
(arts. 1593 e 1594 do CC) – A arrecadação dos bem usucapido que posteriormente se soube
bens (art. 1591 do CC) não interrompe, só por
si, a posse que as autoras exerciam e conti- ser integrante de herança jacente. – Manifes-
nuaram exercendo sobre o imóvel. – Recurso tação de desinteresse do feito subscrita por
não conhecido (BRASIL, 1999). funcionária sem procuração – Preclusão afas-
Observa-se no julgado que o entendimento tada – Recurso conhecido e provido (BRASIL,
do Superior Tribunal de Justiça, já pacificado 2004).

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AGRAVO REGIMENTAL. Agravo de instru- ca.


mento. Herança jacente. Usucapião. Falta de Desses julgados, pode-se inferir, pois, que
argumentos novos, mantida a decisão anterior. os bens que compõem a herança jacente só
Matéria já pacificada nesta corte. Incidência passam para o domínio público após a decla-
da súmula 83. I - Não tendo a parte apresen- ração de vacância desses bens e que, para
tado argumentos novos capazes de alterar o usucapir, o usucapiente deve comprovar que
julgamento anterior, deve-se manter a decisão o prazo da prescrição aquisitiva se completou
recorrida. II - O bem integrante de herança ja- em seu favor antes da declaração, por senten-
cente só é devolvido ao Estado com a senten- ça, da vacância dos bens.
ça de declaração da vacância, podendo, até Dessa forma, não há que se falar em usu-
ali, ser possuído ad usucapionem. Incidência capião de bens públicos quando o prazo para
da Súmula 83/STJ. Agravo improvido (BRASIL, aquisição do bem através de ação de usuca-
2010). pião já estiver completo quando da jacência da
AGRAVO DE INSTRUMENTO. Usucapião or- herança, já que esses bens só passam para o
dinária. Imóvel que teria sido doado verbalmen- domínio público com a declaração de vacância,
te em vida aos agravantes, tendo o proprietário sem prejuízo do direito dos herdeiros legítimos.
falecido sem deixar herdeiros Decisão que de-
terminou o ingresso da Municipalidade no polo 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
passivo, sob o fundamento que pela aplicação
do princípio da saisine, o imóvel foi transferido Após a análise dos argumentos acima, resta
para aquele ente federado, determinando, ain- cristalino que é perfeitamente possível o usuca-
da, a remessa dos autos à Vara da Fazenda pião na herança jacente, lembrando que deve
Pública Alegação de que não se aplica o princí- ser analisado se já ocorreu a vacância ou não,
pio da saisine ao caso. Cabimento. O princípio pois em estado de jacencia não poderá o bem
da saisine não se aplica no caso de herança ser requerido por usucapião, pois já tratar-se-á
jacente, já que os entes federados não herdam de bem público, seja que ocorrerá a sentença,
o acervo, mas o recolhem somente após a de- não mais valendo a aquisição prescritiva e ori-
claração judicial de vacância. Competência da ginária.
Vara em que a demanda foi originalmente dis- No cerne do discurso alcançado no estudo
tribuída. Ausência de prejuízo, todavia, na in- científico, a herança jacente, moldada pelo ar-
clusão da Municipalidade no polo passivo da tigo 1.819 e seguintes do Código Civil de 2.002
demanda. Decisão reformada somente para (Lei 10.406/2002) e por natureza processual
afastar a aplicação do princípio invocado pelo pelo artigo 738 do Novo Código de Processo
Juízo e para manter o feito na Vara Cível em Civil (Lei 13.105/2015), tem em espaço e tem-
que distribuído AGRAVO PROVIDO EM PAR- po oportunizada pela intercorrência do proces-
TE (BRASIL, 2011). samento do usucapião, uma vez que aquele
USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA CERCEA- que está na posse direta, cumprindo-se algu-
MENTO DE DEFESA. Não ocorrência. Alega- mas das espécies de usucapião, poderá re-
ção de que o imóvel não poderia ser usucapido querer ao juízo competente que seja dado por
por ser integrante de herança jacente. Desca- objeto o bem.
bimento. Bem que se torna público somente
após a declaração de vacância. Precedentes.
Prova pericial realizada que demonstra terem
os autores preenchido os requisitos legais. De-
cisão mantida. Recurso improvido (BRASIL,
2013).

Analisando esses e outras dezenas de julga-


dos, não é possível falar em controvérsia sobre
a matéria. A jurisprudência é unânime e pacífi-

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