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0 Impacto das Idéias Humanistas, Fenomenolégicas e Existenciais na Psicoterapia José Paulo Giovanetti Friéeofo, doutor om Puicologis ¢ prof da UFMG I- Introdugio. I- As fontes da Psicoterapia Humanista-Existencial 2.1. Contexto histérico das fontes a) Humanismo individual b) Fenomenologia c) Existencialismo 2.2. As idéias-forgas de cada movimento a) Auto-Realizagao ) Teoria da Intencionalidade c) O conceito de Existéncia III - Impacto em Psicoterapias 3.1, A Escola Americana 3.1.1. Psicoterapia Humanista Existencial a) Terapia centrada na pessoa - Carl Rogers b) Psicoterapia Existencial de Carl Whifaker e Thomas Malone 3.1.2. Psicoterapia Fenomenolégica Existencial a) Psicoterapia Existencial de Rollo May ) Psicoterapia Experiencial de Eugene Gendlin 3.1.3. Terapias existenciais dos anos 80-90 3.2. A Escola Européia 3.2.1. Psicoterapia Fenomenolégica-Existencial a) Daseinsanalyse de Ludwig Binswanger b) Anilise Existencial de Medard Boss 3.2.2, Psicoterapias antropolégicas a) Logoterapia de Viktor Frankl a) Psicoterapia Antropolégica-fenomenolégica 3.2.3. Psicoterapia antropolégica dos anos 80-90 TV - Conclusio 41 I-INTRODUCAO Estamos assistindo a um ressurgimento das terapias ditas humanistas-existenciais. Pequenos grupos espalhados por varios lugares comegam a se organizar para satisfazerem seus estudos. Como exemplo deste revigoramento do que jé foi chamada a 3* forga da Psicologia em algumas décadas passadas, tivemos em setembro de 1993, o I? Congresso Brasileiro de Psicoterapia Existencial; setembro de 1994, a Segunda Conferéncia Internacional de Psicologia y Psiquiatria Fenomenoldgica; em outubro de 1994, [IP Encontro Latino Americano da Abordagem Centrada na Pessoa e, hoje, estamos iniciando o I? Encontro Mineiro de Psicologia Humanista, que tem como objetivo reunir reflexes de profissionais para que possam explicitar melhor as caracteristicas do ser humano, e, assim, compreenderem 0 homem como pessoa. O desafio diante do qual nos deparamos é de vermos agrupados sob 0 nome da Psicologia Humanista, ¢ mais especificamente, Psicoterapia humanista-existencial as mais diversas priticas de psicoterapias, algumas meras técnicas que nao tém nada a ver com a Psicologia Humanista ou Fenomenologica-existencial. Este desafio se manifesta de uma dupla maneira. Em primeiro lugar, seria necessério separarmos as priticas terapéuticas de orientaco humanista-existencial das meras priticas alternativas que se proliferam no mundo modemo. Em segundo lugar, dentro das priticas humanistas-existenciais, separamos as diversas orientagdes que, num primeiro momento, podem parecer iguais, mas apresentam fundamentacdes tedricas divergentes. © objetivo desta conferéncia, sem querer esgotar 0 assunto ¢ muito menos julgi-la completa, pretende tracar algumas linhas gerais das diversas terapias contemporineas ditas humanista-existenciais, a partir de suas fontes ¢ de suas idéias chaves, respondendo, assim, a0 segundo aspecto do desafio proposto. Para levarmos a contento o propésito estabelecido, dividiremos a exposigdo em dois momentos: a) Anilise das diferentes fontes do movimento psicoterapico humanista-existencial. b) Impacto destas idéias na pratica clinica denominada psicoterapia. II - AS FONTES DA PSICOTERAPIA HUMANISTA-EXISTENCIAL Para entendermos as diversas forgas que vio moldar as psicoterapias de cunho humanista- xistencial, comecemos por distinguir as idéias humanistas das idéias fenomenolégicas e das idéias existenciais. Em determinados momentos da historia, estas idéias se intercruzam, mas é necessério distinguirmos suas origens. 2.1. CONTEXTO HISTORICO DAS FONTES a) HUMANISMO INDIVIDUAL © conceito histérico-cultural de humanismo se refere & época do Renascimento e tinha como objetivo uma volta aos estudos dos autores classicos greco-latinos. Dessa maneira, a recuperacao dos grandes modelos de sabedoria do pensamento antigo possibilitava o crescimento do homem. Por outro lado, o humanismo, enquanto possuidor de um significado ideal, designa uma concepgdo do mundo e da existéncia que tem por centro o homem. Assim temos tantos humanismos quantas concepgdes de homem. E nesta perspectiva que devemos entender 0 movimento humanista que surgiu na sociedade americana e que foi responsivel pelo aparecimento da Psicologia Humanista que se apresentou como a terceira fora da Psicologia e como alternativa & psicandlise de Freud, que tinha como objeto de estudo o comportamento. A psicologia humanista é um retorno ao estudo da experiéncia consciente. “Esta psicologia Constitui-se em oposigdo a objetividade do behaviorismo, e, embora em acordo com a énfase subjetiva da psicandlise, opBe-se ao reducionismo do comportamento a defesas e pulsbes” (1). 42 O movimento cultural que sustentou esta transformago foi chamado por Gomes (1986) de Humanismo individual e “Sua historia esta associada com o desempenho da economia. Com a economia em ascenséo, decorrente das transformagdes sociais pés-guerra, valores tais como, independéncia, heroismo, dissidéncia, tolerdncia, permissividade, auto-expressio, ganham proeminéncia. Todo este movimento liberalizante e permissivo alcanga seu pico no governo Kennedy onde suas qualidades anunciam mudancas rapidas e significativas”(2) Nos assistimos a invasio da sociedade pelo Eu, onde tudo, a partir dos anos 60, se estruturou tendo nas preocupagdes pessoais seu lugar privilegiado. A lei, a seguir, formou-se depois da percepedo de que a politica ndo leva a nada: Sentir e viver plenamente suas emogies. O impacto desta maneira de viver pode se sentir também na psicologia e é descrita por Gomes assim: “Exemplos da atmosfera dominante podem ser vistas em frases que ficaram célebres como a oragdo da Gestalt: ‘Vocé cuide da sua vida que eu cuido da minha. Eu estou aqui para ndo viver as suas expectativas e nem voce estd aqui para viver as minhas”. Ou como Marlow (1968) costumava dizer que uma pessoa é valorizada no pelo que ela produziu mas pelo que pode vir a ser. Ou ainda, na teoria rogeriana da confianga irrestrita na pessoa” (3) Este clima de centramento no sujeito é a matriz de varios movimentos terdpicos e hoje, a exacerbagdo do eu como centro, em tudo que se faz, provoca a onda de técnicas de auto-ajuda que assistimos proliferarem na sociedade contemporanea, 5) FENOMENOLOGIA Ao contririo do humanismo individual, a Fenomenologia é um movimento filoséfico que se estruturou no inicio do século XX, através de Husserl. A palavra Fenomenologia foi utilizada pela primeira vez pelo médico francés J.H. Lambert em meados do século XVIII, para designar 0 estudo ou a “descriedo da aparéncia”, na quarta parte do seu livro intitulado New Organon (1764). Este sentido pré-husserliano ¢ recolhido por Kant e retomado por Hegel na Fenomenologia do Espirito ja para designar a sucesso, por necessidade dialética, dos fendmenos da consciéncia, desde as simples aparéncias Sensiveis até 0 saber absoluto. Sem se esquecer que 0 termo foi também utilizado por Hartman, Pirce e Stumpf, chegarmos ao sentido husserliano, amunciado na obra Logische Unter-Suchunger (1900-1901) onde Fenomenologia é entendida como um método para fundar a légica pura, e, posteriormente, pensada por Husserl para fundamentar a totalidade dos objetos possiveis. E nevessario lembrar que a concepco da Fenomenologia ndo foi colocada por Husserl de maneira acabada na referida obra. Ela soffe uma evolugdo ao longo do pensamento busserfiano. Como nos mostra Van Breda no seu excelente artigo Phenomenologie, existe, em Husserl, duas grandes concepgées de Fenomenologia. Na primeira, Husserl “define fenomenologia como uma ciéncia filosdfica propedéutica, que tem como objetivo a descricdo das essénciais fundamentais para uma problematica filosdfica dada". (4) A segunda concep¢do, que se desenvolveu a partir do escrito de 1907, “Idéias para uma fenomenologia pura”, proclama a fenomenologia possuidora da seguinte tarefa: 1 Gomes, Wiliams, Movieecton Emamistar; Plcologia amaniets ¢ Abordagem Contrada na Pessoa. In: Puicoioris, Reese © Critics, Bante Alegre, vol I,m 1, 1986, pd. idem, OAS. 3-Mdem pS. 47 Vem Breda, ELL. La Phenomenologie on Let courrants phiiosopbiques, vol I, 423, tfeticmente sem date refertacta editorial, 43 “redescobrir a génese intencional da consciéncia e os passos constitutivos que a consciéncia coloca em movimento”.(5) Hoje, quando falamos que um pensador ¢ influenciado pela fenomenologia, devemos ter 0 cuidado de detectar qual é a concepco de fenomenologia subjacente ao seu trabalho tedrico, pois a primeira concepedo de fenomenologia influenciou um grande nimero de psicdlogos, psiquiatras, ctiticos de artes, dos quais podemos citar Jaspers como o primeiro que trouxe esta para 0 dominio da psicopatologia. Ja a segunda concepedo foi utilizada mais pelos filésofos, nas suas investigagSes. No pensamento francés, podemos citar Sartre, Merleau-Ponty e Ricoeur. Cada um dos inspirados pela fenomenologia vai, porém, trilhar um caminho proprio. E por esta razZo que teremos diversas concepsies de fenomenologia ao longo da histéria do pensamento psicolégico.(6) Uma observagio se faz necessaria no sentido de precisar que todos os que adotam 0 método fenomenolégico se opdem 20 método cientifico clissico e a andlise central dos fenémenos psiquicos. Desta maneira, a fenomenologia é uma nova maneira de se abordar os fendmenos psiquicos. ¢) EXISTENCIALISMO Enquanto a Fenomenologia é compreendida pelos discipulos como um método, o Existencialismo é entendido como uma doutrina filosdfica sobre o homem. As filosofias da Existéncia surgirdo como uma oposi¢do a toda filosofia classica a qual é entendida como 0 estudo das esséncias, cuja idéia principal seria a compreens3o das dimensOes estiveis. Os fildsofos da existéacia vao redirecionar es perguntas sobre 0 homem. Em vez desse perguntar: o que é 0 homem, se perguntara: quem é o homem? Evidentemente a pelavra existencialismo comegou a ser usada depois da primeira guerra mundial para designar justamente 0 movimento de alguns pensadores e de alguns literatos sobre a investigagdo de quem é o homem. Este movimento, que se estruturou com mais forga no entre guerras, isto é, entre 1918 e 1945, teve suas raizes histéricas no pensamento de quando o filésofo dinamarqués se opés ao pensamento pos hegeliano dominante do seu tempo. A idéia central de luta de Kierkegaard era reagir contra 6 carater universal, intelectual e determinista do hegelianismo, afirmando 0 interesse pelo singular e pela vontade. Segundo os historiadores, 0 movimento existencialista se iniciou na Alemanha, em 1919, quando Barth publicou um comentario sobre a epistola aos Romanos ¢ Jaspes publicou A Psicologia da Mundividéncia. De um lado, o movimento existencialista ganha forgas juntamente a partir da década de 20, uma vez que o entreguerras foi um periodo de muito sofrimento, desespero ¢ angustias. Estes temas se tornaram os temas preferidos dos existencialistas, pois estes se preocupavam em falar e refletir sobre o que o homem estava vivendo naquele instante. Por outro lado, este movimento s6 veio a se expandir fora do contexto europeu a partir do fim da segunda guerra mundial. A década de 50 foi, talvez, a década de divulgagio do movimento existencialista. E necessario observar que, embora encontramos um ntimero muito grande de escritores ditos existencialistas - Buber, Buttmann, Guddini, Camus, Dostoevsky, entre outros - s so considerados classicos”filésofos existencialistas Heidegger, Jaspers, Sartre ¢ Marcel. 2 Uma segunda observacdo é que todos estes quatro fildsofos, que passaram para os anais da histéria da filosofia como os fildsofos da existéncia (7), utilizaram, cada um a partir de uma inspirago pessoal, o método fenomenologico para concretizarem as sua reflexdes sobre o homem. A Filosofia da existéncia pode ser concretizada através de duas grandes caracteristicas. A primeira é que todos 0s fildsofos e escritores procuram valorizar 0 homem. S-Kdem, p21. 5 Para.o acompanhemcato do impacto ds Seacmenalogia nas mas divernas varlivels no campo da peicologia © da palyeiatris, commaitar 0 ‘cxccdemte erro de H Splgetberger, 7 - Wade, Seam. Aa Fiowofinn da Existicta: Lithos, Pubiicarses Barope- América vd. A segunda é que todos procuram descrever e explicar 0 modo concreto do homem viver, isto 6, refletindo sobre a angistia, a liberdade. Salientamos que o desenvolvido até aqui visa explicitar a necessidade de um cuidado de se detectar as diversas fontes da psicoterapia e, mais ainda, observar que os trés movimentos, que ora analisamos, possuem as origens mais diversas e idéias forgas diretrizes muito fortes 2.2, - AS IDEIAS FORCAS DE CADA MOVIMENTO Gostaria, agora, de desenvolver as idéias chaves ou forgas de cada um dos movimentos. Visto que o tempo da exposigio ndo permite uma anilise exaustiva, escolherei uma idéia chave de cada uma das fontes das psicoterapias humanistas-existenciais. A escolha no reflete nenhuma escala de valores, mas procura destacar as categorias mais significativas no nosso entender, Do pensamento humanista, escolhemos 0 conceito de auto-realizagdo, da fenomenologia, o da intencionalidade da consciéncia; e da filosofia existencial, o conceito de Existéncia. a) AUTO-REALIZAGAO E AUTODESENVOLVIMENTO A psicologia humanista procura entender a vida humana na sua totalidade e, assim, a compreensdo do homem pelos psicdlogos humanistas é entendé-lo como um ser que, em primeiro lugar, possui uma unidade. A diferenga entre as diversas abordagens esta em que cada uma, ao descrever as caracteristicas principais do homem, sublinharé pontos diferentes. Como exemplo podemos citar Maslow (8), que coloca o acento sobre o projeto humano e na superagao de si, quando fala das experiéncias culminantes. A énfase sobre o ciclo da vida é outra caracteristica da Psicologia Humanista. Seus representantes tém enfatizado que a vida humana possui uma dindmica na qual, em cada fase de vida, o ser humano deve alcangar um certo grau de realizacdo, a fim de que possa, 20 longo da vida, se estruturar como uma pessoa plena, integrada. Ora, essa énfase dos humanistas nos faz perceber que o homem ¢ compreendido , em primeiro lugar, como processo ¢ evolucio. Somente a partir deste processo ¢ que podemos compreender a sua estrutura. Assim, Poelman, no seu livro “© homem a caminho de si mesmo”, afirma que esse proceso da evolugdo ¢ inerente a propria vida e que “‘essa evolugdo no ocorre ao acaso, mas segue uma certa diredo, tem um certo fim em vista; nfo € um processo que ocorre somente por acertos e erros ou por tentativas desconexas, nfo é um véo no escuro”.(9) Encontrar as categorias fundamentais que traduziriam estas duas caracteristicas principais do pensamento humanista ¢ 0 desafio do intelectual. Penso, porém, que sob os conceitos de auto- realizagdo e autodesenvolvimento, poderiamos agrupar as diversas contribuigdes humanistas. O conceito de auto-realizaco quer acentuar que esse Proceso de crescimento inerente 4 dindmica da vida deve ser entendido na sua globalidade, isto é, no desenvolvimento de todas as dimens&es humanas, sejam elas bioldgicas, psicolégicas, espirituais ou sociais. Gostaria de citar Rogers e Maslow como 0s representantes mais significativos da explicagdo das fases do proceso da auto-realizacio do homem. Rogers no seu livro “Tornar-se Pessoa”(10), na quarta parte, quando trata da Filosofia da Pessoa, traga caracteristicas deste processo de auto-realizacao. Por ‘outro lado, Maslow, no seu livro “Montivation and Personality”(11), na parte que trata da Teoria da Motivagdo humana, desenvolve as dimensées do ser humano que devem ser atingidas n0 proceso de auto- O conceito de autodesenvolvimento nos ajuda a entender a evolugdo do ciclo da vida do fomem. Entre os humanistas citaria Buhler e um neoculturalista que traduz bem este processo, (andor, Abrakum. Introdaeto A Pueslogia do Ser, RI.EL Eliorado, id, 2. Ea. 2 Packman, Sohemnes. O Homes 4 caminio de of mesmo. SP. Ed Pumas, 1953, p13. A primcira parte do lvre colnet com clarees st representantes, 10 Dangers, Car. Tormar-se Femea. Lisboa, Morses Faliors, 1970. 1) Maslow, Abraham N, Modtvation and Personaity. NY, Harper umd Row, 1770, 2" EA. 45 Erikson, Enquanto Buhler mostra que o ser humano deve passar por cinco fases, Erikson enumera ito fases, destacando sempre, em cada uma delas, uma dialética entre dois pélos opostos. (12) As duas interpretagdes esto baseadas no fato de que a vida é vivida como um todo por uma pessoa que atinge seu pleno desenvolvimento no instante em que percorre as diversas fases, cada uma com uma conquista integrativa, retratadas através de seus sucessos ¢ de seus fracassos. 6) TEORIA DA INTENCIONALIDADE Sem querer fazer um estudo exaustivo sobre a fenomenologia, os psicélogos devem se interrogar sobre quais conceitos fundamentais da Fenomenologia séo tteis para seu trabalho Assim, ndo se trata de fazer Filosofia Fenomenoldgica, mas captar os conceitos que nos ajudariam a entender melhor os fendmenos psicolégicos. De um modo geral, utilizamos uma compreenséo do método fenomenolégico para nossos estudos, Este método tem, porém, alguns fundamentos e procedimentos que podem ser tematizados através da explicacdo de suas caracteristicas. Para um certo dominio da fenomenologia, seri necessaria a compreensio do retomno “as coisas mesmas”, 0 conceito de redugdo eidética e a redugdo transcendental, a teoria da intencionalidade, a intuigdo das esséncias, o mundo da vida, a intersubjetividade. Diante do tempo limitado desta conferéncia destacaremos 0 que nos parece ser a descoberta mais significativa de Husseri, que é a teoria da intencionalidade. A afirmagao de Husserl ¢ que a consciéncia é intencionalidade, isto é, que ela é sempre consciéncia de alguma coisa Husserl avanga o conceito de intencionalidade dos eclesiasticos retomado por Brentano, pois “a intencionalidade husserliana ndo é apenas uma propriedade do ato ou vivéncia, como em Brentano que ndo fala ainda de consciéncia intencional. Segundo Husserl, a intencionalidade vivifica a vivencia, tornando-a designativa do objeto, em virtude de um proceso mais radical, inerente & propria consciéncia”.(13) “A novidade, aqui, é que a consciéncia se esgota em visar algo que nao é ela mesma: ela se define pelo objeto que visa.(14)”. ‘Assim, a idéia de intencionalidade que comesou a ser desenvolvida por Brentano ¢ retomada por Husseri, vai se articular independentemente da idéia de que 0 sujeito € 0 objeto sio duas substincias separadas, justamente 0 contrario da filosofia cartesiana onde 0 Cogito separa radicalmente o mundo do pensamento ¢ a realidade do corpo. Podemos concluir com Forghieri dizendo que a intencionalidade, é essencialmente, o ato de atribuir um sentido: é ela que unifica a consciéncia € 0 objeto, o sujeito e o mundo . “Com a intencionalidade ha o reconhecimento de que o mundo ndo é pura exterioridade e o sujeito ndo é pura interioridade, mas a saida de si para um mundo que tem uma significagdo para ele”(15) ¢) O CONCEITO DE EXISTENCIA Se também percorrermos os principais existencialistas, como citamos os principais humanistas, vamos destacar os temas mais relevantes para a Psicologia Existencial. Antes d= destacar as principais categorias da Filosofia da Existéncia, faria duas observagées. A primeira que 0s ditos filésofos oficiais do existencialismo - Sartre, Jaspers, Heidegger, Marcel - cada um, a seu modo, utilizou o método fenomenologico para elaborar a sua filosofia da existéncia, unindo assim os dois conceitos - fenomenologia e existencialismo. A segunda observagio é que a Psicologia Existencial no se baseia s6 nas filosofias “oficiais” do Existencialismo, mas utiliza também os conceitos elaborados pelos outros escritores existencialistas supracitados. Sem 12 Buler, Charette. Der menichiiche Whemslent as peychologiaches Problea (curso de vida Iemma como problems pelcolégico}. Lefpee, I 1933. Erion, Erte FL idemeity ned the Be cycle. N.Y. International Universities Press, 1959. a Kethertom, 1S Forgot, Wounds © Pucoogir Femomctologn SP. E4 Fran T5.pis 46 corrermos 0 risco de, sob o nome de Existencialismo, abrigarmos todo tipo de pensamento anti- racionalista, é necessério procurarmos explicitar os fiundamentos tedricos, isto é, analisar e esclarecer nossas prOprias pressuposigdes de entendermos a existéncia humana. Dentre a vasta tematica das filosofias da Existéncia, podemos destacar as categorias de Existéncia, Ser-no-mundo, Liberdade, o Outro, a Angiistia, Temporalidade, 0 Amor etc. Escolhemos falar sobre a Existéncia pois ¢ ela que nos explicita melhor as dimensdes do ser humano. A pergunta inicial seria a seguinte: € possivel definir 0 conceito de Existéncia? A palavra Existéncia, diz Jaspers, “é um dos sinénimos da palavra realidade”, mas gracas 4 maneira de como Kierkegaard a acentua, ela tomou um aspecto novo: “ela designa o que eu sou fundamertalmente por mim” (16). Existéncia no deve ser entendida no sentido trivial de ser-no-mundo, como simplesmente um ente no meio de outros entes. Ex-sistere deve ser compreendida como ex = fora de e sistere = ter sua postura. Existir é, pois, ter sua postura fora. A existéncia difere radicalmente do comportamento de todo os outros entes. Nés somos o destino de nés mesmo. Esta postura, que esté sempre em construgdo, nunca acabada nos permite captar algumas caracteristicas do existir humano. Em primeiro lugar, existir é Ir sendo, o que se fara através da escolha e da decisio. Em segundo lugar, é estar em conflito consigo mesmo, ¢ uma preocupagio infinita de si proprio. Em terceiro lugar, ela ndo é definivel. Ela ndo pode tornar-se objeto (17). Cada filésofo, através de seus escritos, procura precisar as caracteristicas da Existéncia, Heidegger deve ser lembrado como, talvez, o que fez um esforgo gigantesco na sua obra Ser e Tempo para analisar a estrutura da Existéncia, mostrando a estrutura Dasein, o estar fora de sie estar-no-mundo. Por isso, vai falar de existéncia auténtica e existéncia mantéutica. No aprofundamento do pensamento de Heidegger, vamos encontrar Binswanger que, mostrando o limite das andlises heideggerianas, quando compreende 0 Dasein como cuidado (Sorge), mostra que o amor (Liebe) é uma outra dimens4o do Dasein (de Existéncia) que nio mereceu atengdo dos filésofos. Depois destas breves consideragdes, passemos a andlise de repercusso destas idéias na psicoterapia. II - IMPACTO NAS PSICOTERAPIAS: © passo agora é estarmos atentos a qual destas fontes analisadas acima lancar 08 alicercer para a pratica clinica denominada psicoterapia. Sem querer esgotar o assunto, tentaremos mostrar, em linhas gerais, quais as bases das mais significativas psicoterapias humanista~ existenciais e fenomenolégico-existencial. A divisio agora no é arbitraria, mas tem sua razio de ser e é 0 que tentarei mostrar. Creio, porém, ser necessirio destacar que tanto as terapias humanistas, as terapias existenciais, quanto as terapias fenomenolégico-existenciais, possuem uma concepgdo mais ou menos homogénea do que seja Psicoterapia. Sem medo de errar, podemos dizer que, para todas as principais tendéncias do mesmo solo epistemoldgico, a psicoterapia é entendida como um encontro interpessoal entre o cliente ¢ o terapeuta. Encontro que 6 tem sentido se © tipo de relagio estabelecida entre os dois seres humanos for vivida como uma relagio pessoal intersubjetiva, isto é, quando os dois protagonistas trabalharem juntos a um nivel subjetivo, nivel este que deixa aflorar as vivéncias mais intensas do cliente. (18) Desta maneira, descartamos, de uma vez por todas, que nao entendemos psicoterapias como uma aplicagao de técnica. Ela é uma relacdo pessoal intersubjetiva. Para melhor entendermos o vasto panorama das diversas terapias, dividi-lo-ei em dois grandes grupos. No inicio, estes grupos se estruturam independentemente um do outro, mas, com © passar do tempo, os contatos vo se estreitando, e as influéncias reciprocas ajudam a enriquecer 18 Chap de Sampers retirada de re de Wabl, Semnvep, CkapAl, 17 Wad, Jam, Op. C3, 4243 1 Bercher, Richard. A Paicoterapla pois Fala. EPU, 1389, 3117. 47 ambas as partes, Porém,no meu entender, é possivel ver, com grande nitidez, duas grandes escolas. A primeira escola chamarei de escola americana; a segunda, de escola européia, 3.4. - A ESCOLA AMERICANA O Humanismo individual é fruto da sociedade americana e foi este momento cultural, juntamente com as preocupagdes do existencialismo de Kierkegaard, os responsdveis pela primeira fase das terapias ditas humanistas-existenciais. May diz o seguinte: “No pensamento e nas atitudes americanas também é muito importante a desconfianca em relacdo as categorias abstratas ou @ teorizagGo ‘per se’, uma desconfianga tGo veemente manifestada por Kierkegaard, assim como a rejeigéo da dicotomia sujeito-objeto”.(19) A primeira tendéncia da escola americana é o que chamaremos Psicoterapia Humanista-Existencial. 3.1.4. - Psicoterapia Humanista-Existencial a) Terapia Centrada na Pessoa, de Carl Rogers. E impossivel, aqui, no contexto desta apresentagdo, analisarmos com profundidade os desdobramentos de cada teoria. Destacaremos sé 0s pontos mais significativos que meregam a nossa atencdo. pensamento terapéutico de Rogers passa por trés grandes fases: a ndo-diretiva (1940- 1950), a fase reflexiva (1950-1957) e a fase experiencial (1957-1970). No ambito geral, a fndamentagdo de Rogers é mais no pensamento de Kierkegaard e Buber, tendo 0 contato com a fenomenologia ocorrido mais tarde, em dois momentos distintos. O primeiro, através de Suygs ¢ Combs e 0 segundo, por intermédio de seu discipulo Gendlin, que influenciou na passagem da segunda para a terceira fase de sua teoria. Como o proprio Rogers escteve, “a identificagio com a psicologia humanista esté baseada na sua advocacia pela dignidade e valor da pessoa individual na sua busca pelo crescimento”(20). Sua teoria da Personalidade, que sustenta toda 2 pratica terépica, vai apresentar uma interligago entre esta e a experiéncia que seri feita pelo organismo, Esta afirmaco retrata um dualismo que, aos olhos da fenomonologia, traré problemas. fato de Rogers ter uma confianga nas foryas positivas do organismo, que sio utilizadas de forma exata, ajudara o individuo a ter uma vivéncia mais plena, Ele diz que em cada organismo “ha um fluxo subjacente de movimento em direcdo a realizagdio construtiva das possibilidades que the so inerentes” (21) Este posicionamento rogeriano 0 coloca mais préximo das idéias humanistas do que das idéias fenomenol6gicas. b) Psicoterapia existencial de Whitaker e Malone Outra abordagem de psicoterapia, que se alinha tendo as idéias humanistas como inspiradoras, ¢ a psicoterapia existencial de Whitakwer e Malone. O livro Mets de Psicoterapias (2), escrito pelos dois clinicos em 1953 e reeditado em 1981, traduz as idéias de que o individuo esté inserido num meio cultural ¢ deve ser entendido como uma pessoa, isto &, deve ser percebido no dinamismo filoséfico e na sua insergdo como ser social. 19 May Rollo. Terapia Existential 1 Cons Americana cm Pulcalogia ¢ Dems Humane. RJ, Zabar Edttores, 1973, p. 136 20 Mondor, Betty © Rogers, Cart, Pereom - Centered Therapy cmt Corsi (ed) Current Paychothersples, Banca. Peacock Pubiiers, 1979, 2 Ea, pe 21 Rogers Carl Um feto de er. SP, EPU, 1983, p40 122 Wienke, Cart « Mademe, Thomas. The Roots of Prychoterapy, NY, Brammcr/Mazel 1961, 20d. 48 3.1.2. - PSICOTERAPIA FENOMINOLOGICA-EXISTENCIAL © movimento fenomenolégico surgido na Europa teve também suas ramificagdes nas Américas, porém, a nosso ver, ainda se estruturou de uma forma académica ou escolar, tanto assim que Spigelberg (23), historiador do impacto das idéias fenomenolégicas na Psicologia ¢ Psiquiatria, divide em duas épocas distintas a vinculagdo das idéias fenomenoldgicas nos EUA. A publicagdo de Existéncia em 1958, um livro organizado por Rollo May e outros, tomou-se 0 marco divisdrio das idéias fenomenolégicas. E nesse livro que se tem, pela primeira vez, uma divulgacdo das idéias de Binswanger, Strauss, Minkowsky e Khun, teéricos da fenomenologia no campo da psiquiatria, Um ano depois da Convengo Anual da Associagdo Americana de Psicologia, Maslow, numa conferéncia, diz 0 seguinte: “A fenomenologia tem uma certa historia no pensamento psicolégico americano, mas, no todo, penso tem enfraquecido. Os fenomendlogos europeus, com suas demonstracdes torturantemente cuidadosas e laboriosas, podem nos re-ensinar que o melhor modo de compreendermos outro ser fumano, ou, pelo menos, um modo necessdrio para algumas finalidades é penetrar em seu weltanschamung e ser capaz de ver seu mundo através de seus olhhas”.(24) Este revigoramento vai se traduzir com o aparecimento de varias revistas de cunho fenomenoldgico e existencial.(25) a) Psicoterapia Existencial de Rollo May May tem se tornado o porta-voz, nos Estados Unidos, das fenomenologico-existenciais. May é mais conhecido como existencialista, pois sua énfase na fenomenologia tem sido recente. No seu artigo “Uma abordagem fenomenolégica da Psicoterapia”, ele nos diz: “Nés, psicoterapeutas, esperamos que a fenomenologia nos indique um caminho para a compreensio da natureza fundamental do homem”. (26) A trajetéria de May no escreveu muito explicitadamente sobre a conduta do terapeuta nesta perspectiva fenomenolégica. O que temos é a explicitacdo de conceitos centrais no livro Endsténcia, e retomados posteriomente, no livro A descoberta do Ser (28), como Ser e nao-ser, Ser-no-mundo, que servem para findamentagio do trabalho terapéutico na linha fenomenolégico- existencial. b) Psicoterapia Existencial de Eugene Gendlin. O Psicélogo e filésofo Gendlin € o responsivel pela reorientagdo da obra de Rogers, transformando-a em fenomenologia e existéncia. E também o criador da psicoterapia experiencial, “que constitui-se, basicamente, muma fusdo das terapias centradas no cliente e existencial. Contudo, é uma fusdo criativa que vai além destes dois sistemas, invertendo as regras da Terapia centrada no cliente e ampliando a Terapia Existencial” (29) Eugene, no artigo onde d4 uma visio geral da sua terapia, enume’a os principais pensadores que constituem as raizes de seu trabalho. Dos fildsofos, ele ¢ devedor a Kierkegaard, Husserl, Heidgger, Buber, Sartre e Merleau-Ponty; dos psicdlogos, ele destaca Whitaker ¢ Malone, Rank, Rogers, Binswanger, Boss e May. Seu pensamento se traduz num esforgo Bigantesco de encontrar um método que fosse adequado para estudar o fendmeno da subjetividade. 23 May, RAmgel E.¢ EBlemberger, H Existence: A new Dimension bt Prychistry aad Prychology. NY, Basie Booka, 1958 24 Manion, A. Paicologia Bxistcactal: 0 que bk mela pars mia? Ea May, Rake (ory) Pacologia Reitencial PA, Ed. Globe, 1976, p62 2S. Ema 1960- The Jourmalot Esietenclal Prychintry; cot 1961 - Review of Exieeacil Prychology and Prychlatry,

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