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Berkeley e o Cálculo Diferencial Integral
Berkeley e o Cálculo Diferencial Integral
Resumo: Neste artigo analisamos as críticas apresentadas por George Berkeley, em The
analyst (1734), ao método das fluxões e à inconsistência intrínseca à noção de
infinitésimo do cálculo diferencial e integral, introduzido por Isaac Newton.
Procuramos mostrar que as críticas de Berkeley não eram de todo infundadas, uma vez
que foram necessários quase duzentos anos para que viesse a ser introduzida por Karl
Weierstrass a definição rigorosa de limite, que propiciou uma solução para o problema
dos infinitésimos. São mencionadas ainda duas outras teorias contemporâneas, com
abordagens distintas para a solução da questão do infinitésimo: a análise não-standard de
Abraham Robinson e o cálculo diferencial paraconsistente proposto por Newton da
Costa. Apesar de serem citados alguns autores importantes para o desenvolvimento do
cálculo, este artigo não se propõe a analisar suas obras e não pretende apresentar uma
história do cálculo diferencial e integral.
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 4, v. 1, n.1, p. 33-73, jan.-jun. 2015.
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Abstract: In this paper we analyze the criticisms made by George Berkeley, in The
analyst (1734), to the method of fluxions and to the intrinsic inconsistency of the notion
of infinitesimal of the differential and integral calculus, introduced by Isaac Newton.
We argue that the criticisms of Berkeley were not altogether unfounded, since it took
nearly two hundred years for the introduction of the rigorous definition of limit by Karl
Weierstrass, which provided a solution to the problem of infinitesimals. Two other
contemporary theories are also mentioned, with different approaches to the question of
infinitesimals: the non-standard analysis of Abraham Robinson and the paraconsistent
calculus proposed by Newton da Costa. Although some important authors for the
development of calculus are mentioned, this article does not aim at analyzing his works
and does not intend to present a history of differential and integral calculus.
1. Introdução
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básica definitiva que viria a ser adotada, como a notação x, depois modificada
para xdx, da integração usual (ver também COUTURAT, 1903).
Leibniz, em 1676, através de Henry Oldenburg, havia se comunicado
com Newton, o que, de acordo com BARON (1969), seria de grande significado
matemático e se incorporaria às controvérsias envolvendo seus nomes, pela
paternidade do cálculo, pelos próximos duzentos e cinquenta anos.
O objetivo específico da primeira parte deste artigo consiste em
analisar as críticas de George Berkeley (1685-1753), em The analyst, publicado
em 1734, ao método das fluxões e à inconsistência intrínseca à noção de
infinitésimo do cálculo diferencial e integral introduzido por Newton no final
do século XVII.6 Discutimos também sucintamente críticas semelhantes de
matemáticos franceses, entre 1700 e 1706, ao cálculo diferencial introduzido de
forma independente por Leibniz. Todavia, não nos propomos a uma discussão
exaustiva sobre o desenvolvimento e sobre os tratamentos dos fundamentos do
cálculo nos séculos XVIII e XIX.
Procuramos mostrar que as críticas de Berkeley não eram de todo
infundadas, pois foram necessários quase duzentos anos até que Karl
Weierstrass (1815-1897), com a aritmetização da análise matemática, viesse a
introduzir a definição rigorosa de limite do cálculo diferencial e integral
contemporâneo, tendo fornecido uma solução para o problema dos
infinitésimos. Apesar de serem citados alguns autores importantes para o
desenvolvimento do cálculo, também não nos propomos a uma análise de suas
obras.
Duas outras teorias para a análise matemática, com abordagens
distintas para a solução da inconsistência inerente à noção de infinitésimo de
Newton e Leibniz, são ainda mencionadas, de modo bastante geral: a análise
não-standard de Abraham Robinson (1918-1974), introduzida em 1961, com a
utilização da teoria de modelos; e o cálculo diferencial paraconsistente introduzido
por Newton da Costa em 2000, construído sobre uma lógica paraconsistente e
uma teoria de conjuntos paraconsistente, e desenvolvido recentemente por
Carvalho & D’Ottaviano. A análise não-standard de Robinson estende, sob certo
ponto de vista, a análise matemática clássica; e o cálculo diferencial
6As críticas feitas por Berkeley são dirigidas à prática matemática de sua época, seja dos
matemáticos conterrâneos ou dos “matemáticos do continente”. Todavia, o alvo
principal de Berkeley são aqueles “matemáticos infiéis”, discípulos de Newton.
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De motu sive de motus principio & natura, et de causa communicationis motuum (1721) e
Alciphron, or the minute philosopher (1732).
As reflexões filosóficas de Berkeley levaram-no a criticar
profundamente a prática matemática contemporânea. As questões matemáticas
discutidas por Berkeley, em análise, geometria e álgebra, estão interrelacionadas
em sua obra com as investigações mais gerais concernentes à verdade
matemática, ao rigor de demonstrações, à aplicabilidade da matemática ao
mundo empírico e à abrangência e aos limites do conhecimento matemático.
Essas mesmas questões viriam a dominar a pesquisa matemática durante o
século XIX.
Desde os Philosophical commentaries, mais de vinte e cinco anos foram
necessários para o amadurecimento de suas críticas, em especial as relativas ao
cálculo diferencial introduzido por Newton em 1687, até a publicação de The
analyst 7 (BERKELEY, 1734): mesmo não sendo a única obra de Berkeley que
discute as inconsistências do método de Newton, é a mais citada na literatura.
De todas as críticas à metodologia do cálculo diferencial e integral,
escritas no século XVIII, The analyst é a mais penetrante e bem fundamentada.
Apesar da polêmica ser virtualmente ignorada pela maior parte dos
matemáticos em sua prática, esta obra, com suas críticas filosoficamente
motivadas, vislumbra e antecipa a pesquisa fundacional do século XIX.
Sua crítica se baseia não apenas nos conceitos centrais do cálculo
infinitesimal, mas também na questão mais geral da legitimidade do infinito atual
em matemática, questão já presente em seu Of infinites (escrito em 1707-08;
BERKELEY, 1901) e discutida posteriormente sob distintos aspectos por
Leopold Kronecker (1823-1891), Georg Cantor (1845-1918), David Hilbert
(1862-1943), Luitzen Brouwer (1881-1966) e Henri Poincaré (1854-1912), entre
outros.
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𝑎𝑚(𝑚 − 1) 𝑚−2
𝑧 + 0𝑦 = 𝑎𝑥 𝑚 + 𝑎𝑚𝑥 𝑚−1 0𝑥 + 𝑥 (0𝑥)2 + …
2!
𝑧̇ = 𝑦 = 𝑎𝑚𝑥 𝑚−1 .
𝑦 = 2𝑥 + 0𝑥 ,
e, portanto,
𝑧̇ = 𝑦 = 2𝑥 .
Através do método similar dos fluentes e fluxões, em que, de forma
análoga ao caso anterior, há “acréscimos evanescentes” dos fluentes x, Newton
obtém, a partir de
z 0 y a( x 0 x ) m ,
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o resultado
y amx m1 x .
z 0 y ( x 0 x ) 2
e, portanto,
y 2 xx . 11
am(m 1) m2
z 0 y ax m amx m1 0 x x (0 x) 2 ...
2!
y amx m1 .
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com
h f ( x) g g ( x) f ,
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argumento engenhoso para dar conta disso. Em linhas bem gerais, teríamos,
segundo Berkeley, uma compensação de erros ou, mais especificamente: um erro,
introduzido na razão incremental, é compensado por um outro erro, na expressão
das propriedades geométricas em termos de infinitésimos.
Assim, por exemplo, no cálculo da subtangente a uma curva em um
dado ponto, aparecem duas quantidades finitas que se cancelam uma à outra.
Newton, por sua vez, tratara essas quantidades como infinitésimos, fazendo-as
desaparecer. Mas, na concepção de Berkeley, isso era ilegítimo, uma vez que
duas quantidades que deveriam ser canceladas estavam sendo, ao contrário,
simplesmente ignoradas por Newton. É interessante observar que essa
interpretação de Berkeley foi aceita por matemáticos do porte de Joseph Louis
Lagrange (1736-1813) e Lazare Nicolas Carnot (1753-1823) (cf. CARNOT,
1813).
Considerando tudo isso, para Berkeley, com o trabalho de Newton os
fundamentos de geometria estariam destruídos.
Berkeley critica também a existência de infinitesimais de ordens
distintas. Dada uma linha infinitamente pequena, existiria uma linha
infinitamente menor que ela? Por exemplo, consideremos o seguinte
argumento: se α é um infinitésimo, então é menor que qualquer grandeza; mas
como α/2 é também um infinitésimo, temos α < α /2 ou α /2 < α?
Já em 1710, em seu A treatise concerning the principles of human knowledge,
Berkeley havia estendido suas críticas a ideias abstratas em geral, de modo a
incluir certos conceitos de matemática. Nesse sentido, rejeita a noção de linhas
infinitamente divisíveis e crítica a doutrina dos infinitésimos, como absurda,
tendo retomado esses comentários em The analyst.
Enquanto as passagens matemáticas no Treatise dizem respeito à
percepção e existência do infinitamente pequeno, The analyst é menos
direcionado a essa questão que ao exame das incoerências e inconsistências do
cálculo diferencial. Suas observações sobre o infinitamente pequeno e os
infinitésimos são recorrentes e muito repetidas, como por exemplo, na citação a
seguir:
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12 “[...] e que é muito difícil entender a lógica pela qual Newton se propõe a provar que
o momentum (como ele o chama) de um retângulo (ou produto) AB é igual a aB + bA, se
os momenta dos lados (ou fatores) A e B forem denotados por a e b. Seu modo de
eliminar ab pareceu-me há muito tempo (devo confessar) como envolvendo tanto
artifício que mereceria ser chamado de sofístico; porém, não gostaria de dizer tanto
publicamente” (Hamilton, 1862, apud CAJORI, 1919, p. 91-2).
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13 Convém recordar que Girolamo Cardano (1501-76), em sua célebre obra Ars Magna,
afirmou sobre o uso de raízes de números negativos: “[...] mas porque tal resíduo é
negativo, por isso imaginarás √−15 [...] deixando de lado as torturas mentais, o produto
de 5 + √−15 e 5 − √−15 é 25 − (−15), que é +15, portanto este produto é 40. [...]
Isso é verdadeiramente sofístico [...]” (CARDANO, 1968 [1545], p. 219-20). Apesar de
parecer absurdo, o uso de raízes negativas era profícuo, logo foi assumido sem maiores
problemas.
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Definições:
(i) Quantidades variáveis são aquelas que aumentam ou diminuem
continuamente, quantidades constantes são as que permanecem fixas enquanto
as outras variam.
(ii) A porção infinitamente pequena, segundo a qual uma quantidade
variável continuamente aumenta ou diminui, é chamada diferencial.
Postulados:
(i) Pode-se tomar, indiferentemente, qualquer uma de duas quantidades
que diferem entre si por uma quantidade infinitamente pequena.
(ii) Uma linha curva pode ser considerada como uma coleção de
infinitos segmentos, todos de comprimento infinitesimal, ou seja, pode ser
aproximada por uma linha poligonal com quantidade infinita de lados, todos de
comprimento infinitesimal.
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também não foi suficiente para garantir a aceitação dos infinitésimos como base
segura para o cálculo diferencial e integral.
Entre 1700 e 1706, matemáticos e filósofos da Academia Real de
Ciências de Paris travaram acirrado debate sobre o cálculo diferencial e integral
de Leibniz (e de Newton). Entre os defensores do cálculo estavam Pierre
Varignon (1654-1722) e Joseph Saurin (1659-1737); entre os opositores está
Michel Rolle (1652-1719).
Varignon acreditava na existência real dos infinitésimos, ao que parece,
crendo ser esta também a convicção de Leibniz. Entretanto, depois de um
período de silêncio, Leibniz declara na Academia de Paris sua descrença quanto
à extensão material dos infinitésimos, considerando-os ficções úteis (cf.
correspondência de Leibniz a Des Bosses, apud JESSEPH, 1993, p. 34). Nestas
também deveriam ser incluídas as totalidades infinitas, apenas capazes de
justificar propriedades de objetos com existência real (cf. PIN, 1987; JOVEN,
1997; CARVALHO, 2004).
Apesar do “desgaste” dos adeptos de Leibniz, os debates continuam,
entre 1701 e 1706, envolvendo mais diretamente Saurin e Rolle, e só terminam
após a ação conciliatória de uma comissão especialmente formada pela
Academia para analisar a questão. Rolle e seu grupo saem satisfeitos, por
considerarem que não havia justificativa rigorosa para a existência dos
infinitésimos. Todavia, como nada chegou a ser apresentado, formalmente, que
justificasse que o método infinitesimal não funcionasse bem na prática, Leibniz
e seus seguidores não se consideraram derrotados.
JOVEN (1997) apresenta as discussões entre Rolle e Varignon na
Academia Real de Ciências de Paris, entre 1700 e 1701, e as respostas de
Leibniz a críticas sobre o que se considerava falta de rigor e novidade no trato
com o infinito e com os infinitésimos e suas distintas ordens.
No âmago das discussões e disputas envolvendo o nascente cálculo
diferencial e integral, é importante salientar que, dentre as diferenças
fundamentais entre os trabalhos de Leibniz e Newton, destaca-se o estatuto das
grandezas infinitesimais: por um lado, os infinitésimos ou diferenciais de
Leibniz estão fortemente associados à lógica e à metafísica; os infinitésimos de
Newton, por outro, relacionam-se mais fortemente com a física e com os
fenômenos naturais, sendo que Newton utiliza os incrementos infinitesimais
apelando para propriedades da dinâmica, tendo ele mesmo declarado que seu
método era mais natural e geométrico que o de Leibniz.
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15 MORTENSEN (1995, p. 56) assim se manifesta sobre o cálculo inconsistente por ele
introduzido: “Repetindo um ponto anterior, não se está recomendando o cálculo
inconsistente como sendo superior ou mais verdadeiro, apesar de seus elementos
nilpotentes terem algumas das vantagens computacionais da GDS. O objetivo é apenas
mostrar que ele existe, que a inconsistência permite uma quantidade razoável de cálculo
sem colapso, e esperançosamente que teorias inconsistentes possam ser de interesse
matemático”.
16 Uma teoria T, cuja linguagem possui um símbolo de negação “”, é dita consistente, se
não existir qualquer fórmula A de sua linguagem tal que A e A (negação de A) sejam
ambas teoremas de T; caso contrário, dizemos que T é inconsistente. Uma teoria T é
trivial, se toda fórmula de sua linguagem é teorema de T; caso contrário, T é não-trivial.
Uma lógica é paraconsistente, se pode servir de base para teorias inconsistentes, porém não
triviais, que são chamadas teorias paraconsistentes (cf. D’OTTAVIANO, 1990; DA COSTA,
KRAUSE & BUENO, 2006). Nas lógicas paraconsistentes, o escopo do Princípio da
(Não) Contradição é, num certo sentido, restrito. Em uma lógica paraconsistente lato
sensu, não vale a Lei de Pseudo-Scotus ou o Princípio da Explosão, isto é, de uma
fórmula e sua negação não se deduz, em geral, qualquer fórmula.
17“Pede-se que se possam tomar indiferentemente, uma pela outra, duas quantidades
que diferem entre si por não mais que uma quantidade infinitamente pequena: ou (o
que é a mesma coisa) que uma quantidade que só é aumentada ou diminuída por uma
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outra quantidade infinitamente menor que ela possa ser considerada como
permanecendo a mesma” (DE L’HOSPITAL, 1696, p. 2-3).
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Além disso, falando sem rigor, o que se pode fazer em ZF, pode ser
feito em CHU (cf. DA COSTA, BÉZIAU & BUENO, 1998).
A teoria paraconsistente de conjuntos CHU1, aparentemente não-
trivial, foi introduzida por da Costa (1986) a partir da teoria CHU (denotada
por CHU0, na hierarquia CHUn, 0 ≤ n ≤ 𝜔, de da Costa). A lógica subjacente a
CHU1 é o cálculo paraconsistente de predicados com igualdade C1 de da
Costa. Os axiomas de CHU1 são os mesmos de CHU0, nos quais a negação
clássica “” é substituída pela negação forte “*” da linguagem de C1 ,
acrescidos de um axioma que assegura a existência do complemento fraco de
conjuntos e um axioma que assegura a existência das relações de Russell.
A teoria CHU1 é inconsistente, sendo que DA COSTA (1986) prova o
seguinte resultado, bastante relevante.
TEOREMA: CHU0 (CHU) é consistente se, e somente se, CHU1 é
não-trivial.
O sistema CHU1 é forte, em certo sentido “contém” CHU0 e,
portanto, também ZF. As teorias dos ordinais e dos cardinais podem ser
desenvolvidas em CHU1.
O Axioma da Escolha é independente dos demais axiomas de CHU1, o
que possibilita uma boa adequação desse sistema como base para o
desenvolvimento de teorias matemáticas.
Baseado na teoria clássica de conjuntos Zermelo-Fraenkel, DA COSTA
(2000) introduz o anel dos números hiper-reais, denotado por A, e o quase-anel dos
números hiper-reais estendidos A*. As estruturas algébricas (clássicas) A e A* são
extensões do corpo R dos números reais standard; e os elementos de A e A* são
chamados, respectivamente, de números hiper-reais e números hiper-reais generalizados.
A partir de A*, da Costa propõe a construção do cálculo diferencial paraconsistente C,
cuja linguagem é a linguagem L= do sistema paraconsistente C1 , estendida à
linguagem de CHU 1 , na qual lidamos com os elementos de A*.
A seguir, apresentamos, muito sucintamente, os conceitos gerais que
fundamentam a introdução do cálculo diferencial paraconsistente. Além de
fugir ao objetivo central deste artigo, uma exposição mais detalhada, mesmo
dos resultados iniciais obtidos, traria um grau desnecessário de complexidade
técnica e não estaria no escopo do texto (cf. CARVALHO, 2004).
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lim 𝑓(𝑥) = 0.
𝑥→𝑎
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−𝑓
𝑟, 𝑓−1 =𝑑𝑒𝑓 𝑟 −1 , .
𝑟(𝑓 + 𝑟)
r, f < s, g se, e somente se, r < s, ou r = s e f(x) < g(x), ∀xI.
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lim f (x) = b se, e somente se, x[r] implica que f (x) [b].
𝑥→𝑟
lim v(x) = ∞.
𝑥→𝑎
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com lim f (x) = 0 e lim f –1 (x) = u, 0, com u variável infinita.
𝑥→𝑎 𝑥→𝑎
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62 Itala D’Ottaviano & Fábio Bertato
t1≡t2 =df t1 – t2 = 𝜀,
t1 t2 =df t1≠t2 .
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 4, v. 1, n.1, p. 33-73, jan.-jun. 2015.
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f : B AA*.
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lim f (x) = b se, e somente se, (x) (xB) ((x≡r) ( f (x) ≡b)) .
𝑥→𝑎
f (r + 𝜀) – f (r) = f ’(r) × 𝜀 + 𝛿,
f (r + 𝜀) – f (r) ≡ D × 𝜀.
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 4, v. 1, n.1, p. 33-73, jan.-jun. 2015.
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5. Considerações finais
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68 Itala D’Ottaviano & Fábio Bertato
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George Berkeley e os fundamentos do cálculo 69
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72 Itala D’Ottaviano & Fábio Bertato
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