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309, 457, 1848, 539
A REALIDADE DO PECADO
386 O pecado está presente na história do homem:
seria inútil tentar ignorá-lo ou dar a esta realidade
obscura outros nomes. Para tentarmos compreender o
que é o pecado, é preciso antes de tudo reconhecer a
ligação profunda do homem com Deus, pois fora desta
relação o mal do pecado não é desmascarado em sua
verdadeira identidade de recusa e de oposição a Deus,
embora continue a pesar sobre a vida do homem e
sobre a história. || § 1847
387 A realidade do pecado, e mais particularmente
a do pecado das origens, só se entende à luz da
Revelação divina. Sem o conhecimento de Deus que
ela nos dá não se pode reconhecer com clareza o
pecado, e somos tentados a explicá-lo unicamente
como uma falta de crescimento, como uma fraqueza
psicológica, um erro a consequência necessária de
uma estrutura social inadequada etc. Somente à luz do
2
desígnio de Deus sobre o homem compreende-se que
o pecado é um abuso da liberdade que Deus dá às
pessoas criadas para que possam amá-lo e amar-se
mutuamente. || §§1848, 1739
3
atentar contra a revelação do pecado original sem
atentar contra o mistério de Cristo. || § 22
4
Igreja ensina que ele tinha sido anteriormente um anjo
bom, criado por Deus. “Diabolus enim et alii
daemones a Deo quidem natura creati sunt boni, sed
ipsi per se facti sunt mali – Com efeito, o Diabo e
outros demônios foram por Deus criados bons em
(sua) natureza, mas se tornaram maus por sua própria
iniciativa[l].” || § 2538
392 A Escritura fala de um pecado desses anjos [m].
Esta “queda” consiste na opção livre desses espíritos
criados, que rejeitaram radical e irrevogavelmente a
Deus e seu Reino. Temos um reflexo desta rebelião
nas palavras do Tentador ditas a nossos primeiros
pais: “E vós sereis como deuses” (Gn 3,5). O Diabo é
“pecador desde o princípio” (1Jo 3,8), “pai da mentira”
(Jo 8,44). || §§ 1850, 2482
393 É o caráter irrevogável de sua opção, e não
uma deficiência da infinita misericórdia divina, que
faz com que o pecado dos anjos não possa ser
perdoado. “Não existe arrependimento para eles
5
depois da queda, como não existe para os homens
após a morte[n].”|| §§ 1033,1037,1022
394 A Escritura atesta a influência nefasta daquele
que Jesus chama de “o homicida desde o princípio”
(Jo 8,44) e que até chegou a tentar desviar Jesus da
missão recebida do Pai[o]. “Para isto é que o Filho de
Deus se manifestou: para destruir as obras do Diabo”
(1Jo 3,9). A mais grave dessas obras, devido às suas
consequências, foi a sedução mentirosa que induziu o
homem a desobedecer a Deus. || §§ 538, 540, 550,
2846, 2849
395 Contudo, o poder de Satanás não é infinito. Ele
não passa de uma criatura, poderosa pelo fato de ser
puro espírito, mas sempre criatura: não é capaz de
impedir a edificação do Reino de Deus. Embora
Satanás atue no mundo por ódio contra Deus e seu
Reino em Jesus Cristo, e embora a sua ação cause
graves danos – de natureza espiritual e, indiretamente,
até de natureza física – para cada homem e para a
sociedade, esta ação é permitida pela Divina
Providência, que com vigor e doçura dirige a história
do homem e do mundo. A permissão divina da
atividade diabólica é um grande mistério, mas “nós
sabemos que Deus coopera em tudo para o bem
6
daqueles que o amam” (Rm 8,28). || §§ 309, 1673, 412,
2850-2854
7
diante, ser uma desobediência a Deus e uma falta de
confiança em sua bondade. || §§ 1707, 2541, 1850,
215
398 Neste pecado, o homem preferiu a si mesmo a
Deus, e com isso menosprezou a Deus: optou por si
mesmo contra Deus, contrariando as exigências de seu
estado de criatura e consequentemente de seu próprio
bem. Constituído em um estado de santidade, o
homem estava destinado a ser plenamente “divini-
zado” por Deus na glória. Pela sedução do Diabo, quis
“ser como Deus[r]”, mas “sem Deus, e antepondo-se a
Deus, e não segundo Deus[s]”. || §§ 2084, 2113
399 A Escritura mostra as consequências
dramáticas desta primeira desobediência. Adão e Eva
perdem de imediato a graça da santidade original [t].
Têm medo deste Deus[u], do qual fizeram uma falsa
imagem, a de um Deus enciumado de suas prer-
rogativas[v].
400 A harmonia na qual estavam, estabelecida
graças à justiça original, está destruída; o domínio das
faculdades espirituais da alma sobre o corpo é
[r] cf. Gn 3, 5
[s] S. Máximo o Confessor, ambiguorum liber : PG 91, 1156C
[t] cf. Rm 3, 23
[u] cf. Gn 3, 9-10
[v] cf. Gn 3, 5
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rompido[w]; a união entre o homem e a mulher é
submetida a tensões[x]; suas relações serão marcadas
pela cupidez e pela dominação (cf. Gn 3, 16). A
harmonia com a criação está rompida: a criação
visível tornou-se para o homem estranha e hostil [y].
Por causa do homem, a criação está submetida “à
servidão da corrupção[z]”. Finalmente, vai realizar-se a
consequência explicitamente anunciada para o caso de
desobediência[aa]: o homem “voltará ao pó do qual é
formado”[ab] A morte entra na história da
humanidade[ac]. || §§ 1607, 2514, 602, 1008
401 A partir do primeiro pecado, uma verdadeira
“invasão” do pecado inunda o mundo: o fratricídio
cometido por Caim contra Abel[ad]; a corrupção
universal em decorrência do pecado [ae]; na história de
Israel, o pecado se manifesta frequentemente e
sobretudo como uma infidelidade ao Deus da Aliança
e como transgressão da Lei de Moisés; e mesmo após
a Redenção de Cristo, entre os cristãos, o pecado se
[w] cf. Gn 3, 7
[x] cf. Gn 3, 11-13
[y] cf. Gn 3, 17. 19
[z] Rm 8, 20
[aa] cf. Gn 2, 17
[ab] Gn 3, 19
[ac] cf. Rm 5, 12
[ad] cf. Gn 4, 3-15
[ae] cf. Gn 6, 5.12; Rm 1, 18-32
9
manifesta de muitas maneiras[af]. A Escritura e a
Tradição da Igreja não cessam de recordar a presença
e a universalidade do pecado na história do homem: ||
§§ 1865, 2259, 1739
O que nos é manifestado pela Revelação divina
concorda com a própria experiência. Pois o
homem, olhando para seu coração, descobre-se
também inclinado ao mal e mergulhado em
múltiplos males que não podem provir de seu
Criador, que é bom. Recusando-se muitas vezes a
reconhecer Deus como seu princípio, o homem
destruiu a devida ordem em relação ao fim último
e, ao mesmo tempo, toda a sua harmonia consigo
mesmo, com os outros homens e com as coisas
criadas[ag].
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pecaram...” (Rm 5,12). A universalidade do pecado e
da morte o Apóstolo opõe a universalidade da
salvação em Cristo: “Assim como da falta de um só
resultou a condenação de todos os homens, do mesmo
modo, da obra de justiça de um só (a de Cristo), resul-
tou para todos os homens justificação que traz a vida”
(Rm 5,18). || §§ 430, 605
403 Na linha de São Paulo, a Igreja sempre
ensinou que a imensa miséria que oprime os homens e
sua inclinação para o mal e para a morte são
incompreensíveis, a não ser referindo-se ao pecado de
Adão e sem o fato de que este nos transmitiu um
pecado que por nascença nos afeta a todos e é “morte
da alma”[ah]. Em razão desta certeza de fé, a Igreja
ministra o batismo para a remissão dos pecados
mesmo às crianças que não cometeram pecado
pessoal[ai]. || §§ 2606, 1250
404 De que maneira o pecado de Adão se tornou o
pecado de todos os seus descendentes? O gênero
humano inteiro é em Adão “sicut unum corpus unius
hominis – como um só corpo de um só homem”[aj] Em
virtude desta “unidade do gênero humano”, todos os
homens estão implicados no pecado de Adão, como
todos estão implicados na justiça de Cristo. Contudo,
[ah] Conforme Concílio de Trento : DS 1512
[ai] Conforme Concílio de Trento : DS 1514
[aj] São Tomás de Aquino, Quaestiones disputate de malo. 4, 1
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a transmissão do pecado original é um mistério que
não somos capazes de compreender plenamente.
Sabemos, porém, pela Revelação, que Adão havia
recebido a santidade e a justiça originais não
exclusivamente para si, mas para toda a natureza hu-
mana: ao ceder ao Tentador, Adão e Eva cometem um
pecado pessoal, mas este pecado afeta a Natureza
humana, que vão transmitir em um estado decaído [ak].
É um pecado que será transmitido por propagação à
humanidade inteira, isto é, pela transmissão de uma
natureza humana privada da santidade e da justiça
originais. E é por isso que o pecado original é denomi-
nado “pecado” de maneira analógica: é um pecado
“contraído” e não “cometido”, um estado e não um
ato. || §§ 360, 50
405 Embora próprio a cada um [al], o pecado
original não tem, em nenhum descendente de Adão,
um caráter de falta pessoal. É a privação da santidade
e da justiça originais, mas a natureza humana não é
totalmente corrompida: ela é lesada em suas próprias
forças naturais, submetida à ignorância, ao sofrimento
e ao império da morte, e inclinada ao pecado (esta
propensão ao mal é chamada “concupiscência”). O
Batismo, ao conferir a vida da graça de Cristo, apaga
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o pecado original e faz o homem voltar para Deus.
Porém, as consequências de tal pecado sobre a
natureza, enfraquecida e inclinada ao mal,
permanecem no homem e o incitam ao combate
espiritual. || §§ 2515, 1264
406 A doutrina da Igreja sobre a transmissão do
pecado original adquiriu precisão sobretudo no século
V, em especial sob o impulso da reflexão de Santo
Agostinho contra o pelagianismo, e no século XVI,
em oposição à Reforma protestante. Pelágio
sustentava que o homem podia, pela força natural de
sua vontade livre, sem a ajuda necessária da graça de
Deus, levar uma vida moralmente boa; limitava assim
a influência da falta de Adão à de um mau exemplo.
Os primeiros Reformadores protestantes, ao contrário,
ensinavam que o homem estava radicalmente
pervertido e sua liberdade anulada pelo pecado
original: identificavam o pecado herdado por cada ho-
mem com a tendência ao mal (“concupiscentia”), que
seria insuperável. A Igreja pronunciou-se
especialmente sobre o sentido do dado revelado no to-
cante ao pecado original no segundo Concílio de
Oranges, em 529[am], e no Concílio de Trento em
1546[an].
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UM DURO COMBATE...
407 A doutrina sobre o pecado original ligada à
doutrina da Redenção por meio de Cristo propicia um
olhar de discernimento lúcido sobre a situação do
homem e de sua ação no mundo. Pelo pecado dos
primeiros pais, o Diabo adquiriu certa dominação
sobre o homem, embora este último permaneça livre.
O pecado original acarreta a “'servidão debaixo do
poder daquele que tinha o império da morte, isto é, do
Diabo”[ao]. Ignorar que o homem tem uma natureza
lesada, inclinada ao mal, dá lugar a graves erros no
campo da educação, da política, da ação social e [ap],
dos costumes. || §§ 2015, 2852, 1888
408 As consequências do pecado original e de
todos os pecados pessoais dos homens conferem ao
mundo em seu conjunto uma condição pecadora, que
pode ser designada com a expressão de São João: “O
pecado do mundo” (Jo 1,29). Com esta expressão quer-
se exprimir também a influência negativa que
exercem sobre as pessoas as situações comunitárias e
as estruturas sociais, que são o fruto dos pecados dos
homens[aq]. || § 1865
409 Esta situação dramática do mundo, que
[ao] Conforme Concílio de Trento: DS 1511. cf. Hb 2, 14.
[ap] Conforme Centesimus annus 25
[aq] Conforme Reconciliatio et poenitentia 16
14
“inteiro está sob o poder do Maligno” (1Jo 5,19)[ar], faz
da vida do homem um combate: || §2516
Uma luta árdua contra o poder das trevas perpassa
a história universal da humanidade. Iniciada desde
a origem do mundo, vai durar até o último dia,
segundo as palavras do Senhor. Inserido nesta
batalha, o homem deve lutar sempre para aderir ao
bem; não consegue alcançar a unidade interior
senão com grandes labutas e o auxílio da graça de
Deus[as].
15
anúncio do “novo Adão[av]”, que, por sua “obediência
até a morte de Cruz” (Fl 2,8), repara com
superabundância a desobediência de Adão[aw]. De
resto, numerosos Padres e Doutores da Igreja veem na
mulher anunciada no “protoevangelho” a mãe de
Cristo, Maria, como “nova Eva”. Foi ela que, primeiro
e de uma forma única, se beneficiou da vitória sobre o
pecado conquistada por Cristo: ela foi preservada de
toda mancha do pecado original [ax] e durante toda a
vida terrestre, por uma graça especial de Deus, não
cometeu nenhuma espécie de pecado [ay]. || §§ 359, 615,
491
412 Mas por que Deus não impediu o primeiro
homem de pecar? São Leão Magno responde:”A graça
inefável de Cristo deu-nos bens melhores do que
aqueles que a inveja do Demônio nos havia
subtraído”[az]. E Santo Tomás de Aquino: "Nada obsta'
a que a natureza humana tenha sido destinada a um
fim mais elevado após o pecado. Com efeito, Deus
permite que os males aconteçam para tirar deles um
bem maior. Donde a palavra de São Paulo: 'Onde
abundou o pecado superabundou a graça” (Rm 5,20). E
16
o canto do Exultet: “Ó feliz culpa, que mereceu tal e
tão grande Redentor”[ba]. || §§ 310, 395, 272, 1994
RESUMINDO
413 “Deus não fez a morte, nem tem prazer em
destruir os viventes... Foi pela inveja do Diabo que a
morte entrou no mundo” (Sb 1,13; 2,24).
414 Satanás ou o Diabo, bem como os demais
demônios, são anjos decaídos por terem se recusado
livremente a servir a Deus a seu desígnio. Sua opção
contra Deus é definitiva. Eles tentam associar o
homem à sua revolta contra Deus.
415 “Constituído por Deus em estado de justiça, o
homem, instigado pelo Maligno, desde o início da
história, abusou da própria liberdade. Levantou-se
contra Deus, desejando atingir seu objetivo fora
dele”[bb].
416 Por seu pecado, Adão, na qualidade de
primeiro homem, perdeu a santidade e a justiça
originais que havia recebido de Deus não somente
para si, mas para todos os seres humanos.
417 À sua descendência, Adão e Eva transmitiram
a natureza humana ferida por seu primeiro pecado,
17
portanto privada da santidade e da justiça originais.
Esta privação é denominada “pecado original”.
418 Em consequência do pecado original, a
natureza humana está enfraquecida em suas forças,
submetida à ignorância, sofrimento e à dominação da
morte, e inclinada ao pecado (inclinação chamada de
“concupiscência”).
419 “Afirmamos, portanto, com o Concílio de
Trento, que o pecado original é transmitido com a
natureza humana, 'não por imitação, mas por
propagação', e que ele é, portanto, próprio de cada
um[bc].
420 A vitória sobre o pecado, conseguida por
Cristo, deu-nos bens melhores do que aqueles que o
pecado nos havia tirado: “Onde avultou o pecado, a
graça superabundou” (Rm 5,20).
421 “Segundo a fé dos cristãos, este mundo foi
criado e conservado pelo amor do Criador; na
verdade, este mundo foi reduzido à servidão do
pecado, mas Cristo crucificado e ressuscitado quebrou
o poder do Maligno e libertou o mundo.”[bd]
TERCEIRA PARTE
A VIDA EM CRISTO
Capítulo I – ARTIGO 8
18
O PECADO
[be] Santo Agostinho, Contra Faustum manichaeum, 22, 27: CSEL 25,
621 (PL 42, 418); cf. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, I-
II, q. 71, a. 6: Ed. Leon. 7, 8-9
[bf] Santo Agostinho, Contra Faustum manichaeum, 22, 27: CSEL 25,
621 (PL 42, 418); cf. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, I-
II, q. 71, a. 6: Ed. Leon. 7, 8-9
19
Jesus, que realiza a salvação.[bg]
1851 É justamente na paixão, em que a
misericórdia de Cristo vai vencê-lo, que o pecado
manifesta o grau mais alto de sua violência e de sua
multiplicidade: incredulidade, ódio assassino, rejeição
e zombarias da parte dos chefes e do povo, covardia
de Pilatos e crueldade dos soldados, traição de Judas,
tão dura para Jesus, negação de Pedro e abandono da
parte dos discípulos. Mas, na própria hora das trevas e
do príncipe deste mundo,[bh] o sacrifício de Cristo se
toma secretamente a fonte de onde brotará
inesgotavelmente o perdão de nossos pecados.
20
rixas, ciúmes, ira, discussões, discórdia, divisões,
invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes a
estas, a respeito das quais eu vos previno, como já vos
preveni: os que tais coisas praticam não herdarão o
Reino de Deus”. (Gl 5,19-21)
1853 Pode-se distinguir os pecados segundo seu
objeto, como em todo ato humano, ou segundo as
virtudes a que se opõem, por excesso ou por defeito,
ou segundo os mandamentos que eles contrariam.
Pode-se também classificá-los conforme dizem
respeito a Deus, ao próximo ou a si mesmo; pode-se
dividi-los em pecados espirituais e carnais, ou ainda
em pecados por pensamento, palavra, ação ou
omissão. A raiz do pecado está no coração do homem,
em sua livre vontade, segundo o ensinamento do
Senhor: “Com efeito, é do coração que procedem más
inclinações, assassínios, adultérios, prostituições,
roubos, falsos testemunhos e difamações. São estas as
coisas que tomam o homem impuro” (Mt 15,19-20). No
coração reside também a caridade, princípio das obras
boas e puras, que o pecado fere.
21
corrobora.
1855 O pecado mortal destrói a caridade no
coração do homem por uma infração grave da lei de
Deus; desvia o homem de Deus, que é seu fim último
e sua bem-aventurança, preferindo um bem inferior.
O pecado venial deixa subsistir a caridade, embora
a ofenda e fira.
1856 O pecado mortal, atacando em nós o
princípio vital, que é a caridade, exige uma nova
iniciativa da misericórdia de Deus e uma conversão do
coração, que se realiza normalmente no sacramento da
Reconciliação:
Quando a vontade se volta para uma coisa
contrária à caridade pela qual estamos ordenados ao
fim último, há no pecado, por seu próprio objeto,
matéria para ser mortal... quer seja contra o amor a
Deus, como a blasfêmia, o perjúrio etc., quer seja
contra o amor ao próximo, como o homicídio, o
adultério etc. Por outro lado, quando a vontade do
pecador se dirige às vezes a um objeto que contém em
si uma desordem, mas não é contrário ao amor a Deus
e ao próximo, como por exemplo palavra ociosa, riso
supérfluo etc., tais pecados são veniais'. [bi]
1857 Para que um pecado, seja mortal requerem-se
22
três condições ao mesmo tempo: “E pecado mortal
todo pecado que tem como objeto uma matéria grave,
e que é cometido com plena consciência e
deliberadamente”.[bj]
1858 A matéria grave é precisada pelos Dez
mandamentos, segundo a resposta de Jesus ao jovem
rico: “Não mates, não cometas adultério, não roubes,
não levantes falso testemunho, não dó fraudes
ninguém, honra teu pai e tua mãe” (Mc 10,19). A
gravidade dos pecados é maior ou menor: um
assassinato é mais grave que um roubo. A qualidade
das pessoas lesadas é levada também em
consideração. A Violência exercida contra os pais é
em mais grave que contra um estranho.
1859 O pecado mortal requer pleno conhecimento
e pleno consentimento. Pressupõe o conhecimento do
caráter pecaminoso do ato, de sua oposição à lei de
Deus. Envolve também um consentimento
suficientemente deliberado para ser uma escolha
pessoal. A ignorância afetada e o endurecimento do
coração[bk] não diminuem, antes aumentam, o caráter
voluntário do pecado.
1860 A ignorância involuntária pode diminuir ou
até escusar a imputabilidade de uma falta grave, mas
[bj] João Paulo II, Exortação apostólica Reconciliatio et paenitentia,
17: AAS 77 (1985) 221
[bk] Cf Mc 3,5-6; Lc 16,19-31
23
supõe-se que ninguém ignora os princípios da lei
moral inscritos na consciência de todo ser humano. Os
impulsos da sensibilidade, as paixões podem
igualmente reduzir o caráter voluntário e livre da falta,
como também pressões exteriores e perturbações
patológicas. O pecado por malícia, por opção
deliberada do mal, é o mais grave.
1861 O pecado mortal é uma possibilidade radical
da liberdade humana, como o próprio amor. Acarreta a
perda da caridade e a privação da graça santificante,
isto é, do estado de graça. Se este estado não for
recuperado mediante o arrependimento e o perdão de
Deus, causa a exclusão do Reino de Cristo e a morte
eterna no inferno, já que nossa liberdade tem o poder
de fazer opções para sempre, sem regresso. No
entanto, mesmo podendo julgar que um ato é em si
falta grave, devemos confiar o julgamento sobre as
pessoas à justiça e à misericórdia de Deus.
1862 Comete-se um pecado venial quando não se
observa, em matéria leve, a medida prescrita pela lei
moral, ou então quando se desobedece à lei moral em
matéria grave, mas sem pleno conhecimento ou sem
pleno consentimento.
1863 O pecado venial enfraquece a caridade;
traduz uma afeição desordenada pelos bens criados;
impede o progresso da alma no exercício das virtudes
e a prática do bem moral; merece penas temporais. O
24
pecado venial deliberado e que fica sem
arrependimento dispõe-nos pouco a pouco a cometer o
pecado mortal. Mas o pecado venial não quebra a
aliança com Deus. É humanamente reparável com a
graça de Deus. “Não priva da graça santificante, da
amizade com Deus, da caridade nem, por conseguinte,
da bem-aventurança eterna”.[bl]
O homem não pode, enquanto está na carne, evitar
todos os pecados, pelo menos os pecados leves. Mas
esses pecados que chamamos leves, não os consideras
insignificantes: se os consideras insignificantes ao
pesá-los, treme ao contá-los. Um grande número de
objetos leves faz uma grande massa; um grande
número de gotas enche um rio; um grande número de
grãos faz um montão. Qual é então nossa esperança?
Antes de tudo, a confissão... [bm]
1864 “Todo pecado, toda blasfêmia será perdoada
aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito não
será perdoada”. (Mt 12,31)[bn] Pelo contrário, quem a
profere é culpado de um pecado eterno. A
misericórdia de Deus não tem limites, mas quem se
recusa deliberadamente a acolher a misericórdia de
[bl] João Paulo II, Exortação apostólica Reconciliatio et paeni-
tentia, 17: AAS 77 (1985) 221.
[bm] Santo Agostinho, In epistulam Iohannis ad Parthos tractatus, 1,
6: PL 35, 1982
[bn] Cf Mc 3,29; Lc 12,10
25
Deus pelo arrependimento rejeita o perdão de seus
pecados e a salvação oferecida pelo Espírito Santo. [bo]
Semelhante endurecimento pode levar à impenitência
final e à perdição eterna.
V. A proliferação do pecado
1865 O pecado cria uma propensão ao pecado;
gera o vício pela repetição dos mesmos atos. Disso
resultam inclinações perversas que obscurecem a
consciência e corrompem a avaliação concreta do bem
e do mal. Assim, o pecado tende a reproduzir-se e a
reforçar-se, mas não consegue destruir o senso moral
até a raiz.
1866 Os vícios podem ser classificados segundo as
virtudes que contrariam, ou ainda ligados aos pecados
capitais que a experiência cristã distinguiu seguindo S.
João Cassiano [bp] e S. Gregório Magno.[bq] São
chamados capitais porque geram outros pecados,
outros vícios. São o orgulho, a avareza, inveja, a ira, a
impureza, a gula, a preguiça ou acídia.
1867 A tradição catequética lembra também que
existem “pecados que bradam ao céu”. Bradam ao céu
[bo] Cf João Paulo II, Carta encíclica Dominum et vivifican-
tem, 46: AAS 78 (1986) 864-865
[bp] Cf São João Cassiano, Conlatio, 5, 2: CSEL 13, 121 (PL 49, 611)
[bq] Cf São Gregório Magno, Moralia in Iob, 31, 45, 87: CCL 143B,
1610 (PL 76, 621)
26
o sangue de Abel,[br] o pecado dos sodomitas;[bs] o
clamor do povo oprimido no Egito; [bt] ; a queixa do
estrangeiro, da viúva e do órfão; [bu] ; a injustiça contra
o assalariado.[bv] .
1868 O pecado é um ato pessoal. Além disso,
temos responsabilidade nos pecados cometidos por
outros, quando neles cooperamos:
• participando neles direta e voluntariamente;
• mandando, aconselhando, louvando ou aprovando
esses pecados;
• não os revelando ou não os impedindo, quando a
somos obrigados;
• protegendo os que fazem o mal.
1869 Assim, o pecado toma os homens cúmplices
uns dos outros, faz reinar entre eles a concupiscência,
a violência e a injustiça. Os pecados provocam
situações sociais e instituições contrárias à bondade
divina. As "estruturas de pecado" são a expressão e o
efeito dos pecados pessoais. Induzem suas vítimas a
cometer, por sua vez, o mal. Em sentido analógico,
constituem um “pecado social”.[bw] ".
[br] Cf Gn 4,10
[bs] Cf Gn 18,20; 19,13
[bt] Cf Ex 3,7-10
[bu] Cf Ex 22,20-22
[bv] Cf Dt 24,14-15; Tg 5,4
27
RESUMINDO
1870 “Deus encerrou todos na desobediência, para
a todos fazer misericórdia” (Rm 11,32).
1871 O pecado é “uma palavra, um ato ou um
desejo contrário à lei eterna”.[bx] É uma ofensa a Deus.
Insurge-se contra Deus numa desobediência contrária
à obediência de Cristo.
1872 O pecado é um ato contrário à razão. Fere a
natureza do homem e ofende a solidariedade humana.
1873 A raiz de todos os pecados está no coração do
homem. As espécies e a gravidade dos mesmos
medem-se principalmente segundo seu objeto.
1874 Escolher deliberadamente, isto é, sabendo e
querendo, uma coisa gravemente contrária à lei divina
e ao fim último do homem é cometer pecado mortal.
Este destrói em nós a caridade, sem a qual é
impossível a bem-aventurança eterna. Caso não haja
arrependimento, o pecado mortal acarreta a morte
eterna.
1875 O pecado venial constitui uma desordem
moral reparável pela caridade, que ele deixa subsistir
em nós.
[bw] Cf João Paulo II, Exortação apostólica Reconciliatio et paeniten-
tia, 16: AAS 77 (1985) 216.
[bx] Santo Agostinho, Contra Faustum manichaeum, 22, 27: CSEL 25,
621 (PL 42, 418).
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1876 A repetição dos pecados, mesmo veniais,
produz os vícios, entre os quais avultam os pecados
capitais.
Salvação
I. A misericórdia e o pecado
1846 O Evangelho é a revelação, em Jesus Cristo,
da misericórdia de Deus para com os pecadores. [by] O
anjo anuncia a José: “Tu chamarás com o nome de
Jesus, pois ele salvará seu povo de seus pecados” (Mt
1,21). O mesmo se dá com a Eucaristia, sacramento da
redenção: “Isto é o meu sangue, o sangue da aliança,
que é derramado por muitos, para remissão dos
pecados” (Mt 26,28).
1847 “Deus nos criou sem nós, mas não quis
salvar-nos sem nós”.[bz] Acolher sua misericórdia exige
de nossa parte a confissão de nossas faltas. “Se
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dissermos: 'Não temos pecado', enganamo-nos a nós
mesmos, e a verdade não está em nós. Se
confessarmos nossos pecados, Ele, que é fiel e justo,
perdoará nossos pecados e nos purificará de toda
injustiça” (1Jo 1,8-9).
1848 Como afirma S. Paulo: “Onde avultou o
pecado, a graça superabundou” (Rm 5,20). Mas, para
realizar seu trabalho, deve a graça descobrir o pecado,
a fim de converter nosso coração e nos conferir “a
justiça para a vida eterna, por meio de Jesus Cristo,
nosso Senhor” (Rm 5,21). Como o médico que
examina a ferida antes de curá-la, assim Deus, por sua
palavra e por seu Espírito, projeta uma luz viva sobre
o pecado.
A conversão requer que se lance luz sobre o
pecado; ela contém em si mesma o julgamento interior
da consciência. Pode-se ver nisso a prova da ação do
Espírito de verdade no mais íntimo do homem, e isso
se torna ao mesmo tempo o início de um novo dom da
graça e do amor: “Recebei o Espírito Santo”. Assim,
nesta ação de “lançar luz sobre o pecado”
descobrimos um duplo dom: o dom da verdade da
consciência e o dom da certeza da redenção. O
Espírito de verdade é o Consolador.[ca]
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RESUMINDO
619 “Cristo morreu por nossos pecados, segundo
as Escrituras” (1Cor 15,3).
620 Nossa salvação deriva da iniciativa de amor de
Deus para conosco, pois “foi Ele quem nos amou e
enviou seu Filho como vítima de expiação por nossos
pecados”(1Jo 4,10). “Foi Deus que em Cristo
reconciliou o mundo consigo”. (2Cor 5,19)
621 Jesus ofereceu-se livremente por nossa
salvação. Este, dom, ele o significa e o realiza por
antecipação durante a Última Ceia: “Isto é meu corpo,
que será dado por vós”. (Lc 22,19)
622 Nisto consiste a redenção de Cristo: ele “veio
dar a sua vida em resgate por muitos”, (Mt 20,28) isto
é, “amar os seus até o fim” (Jo 13,1), para que sejais
“libertados da vida fútil que herdastes de vossos pais”.
[cb]
[cb] 1Pd 1,18Porque vós sabeis que não é por bens perecíveis, como a
prata e o ouro, que tendes sido resgatados da vossa vã maneira de
viver, recebida por tradição de vossos pais, mas pelo precioso san-
gue de Cristo, 19o Cordeiro imaculado e sem defeito algum, aquele
que foi predestinado antes da criação do mundo 20e que nos últi-
mos tempos foi manifestado por amor de vós.
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expiadora[cc] do Servo Sofredor que “justificará a
muitos e levar sobre si as suas transgressões”. [cd]
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