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A Aerodinâmica da

Bola de Futebol
Carlos Eduardo Aguiar

Instituto de Física
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Resumo
• Motivação
• Resistência do ar
• A crise aerodinâmica
• Força de Magnus
• O gol que Pelé não fez
• Futebol no computador
• Comentários finais

• C.E.A. e Gustavo Rubini, “A aerodinâmica da bola de futebol”


Revista Brasileira de Ensino de Física 26, 297 (2004)
• C.E.A. e Gustavo Rubini, “A crise da velocidade terminal”
Anais do XVI Simpósio Nacional de Ensino de Física (2005)
Porque estudar a física da bola de futebol?

• A física dos esportes atrai muitos estudantes


(e professores) e tem um potencial pedagógico
ainda pouco explorado.

• As forças aerodinâmicas que agem sobre a bola


têm origem em fenômenos que são encontrados
em um grande número de situações práticas.
A força de arrasto

arrasto Fa velocidade V

1
Fa = Ca ρ A V 2

ρ = densidade do meio
A = área “frontal”
Ca = coeficiente de arrasto
O coeficiente de arrasto
• ρAV2 tem dimensão de força
Ca = Fa / (½ ρAV2) é adimensional

Ca só pode depender de
quantidades sem dimensão

• Em um fluido incompressível (V<<Vsom) a única


quantidade adimensional é o número de Reynolds:
ρDV
Re = Ca = f (Re)
η
D = dimensão característica (diâmetro da bola), η = viscosidade do meio
Coeficiente de arrasto de uma esfera

viscosidade domina

inércia domina
Stokes
crise
Primeiras medidas e idéias sobre o arrasto

medidas de Newton
curva experimental Principia, livro 2
moderna

água
ar

teoria de Newton

G.E. Smith, Newton’s Study of Fluid Mechanics,


International Journal of Engineering Science 36 (1998) 1377-1390
Coeficiente de arrasto de uma esfera

Re << 1 ⇒ Ca = 24/Re ⇒ Fa = (3πηD) V


“atrito linear”

Re = 0.16
(cilindro)
Coeficiente de arrasto de uma esfera

103 < Re < 105 ⇒ Ca ≈ 0,4 - 0,5 ⇒ Fa ≈ 0,2 ρAV2


Coeficiente de arrasto da bola de futebol

Ar
Bola de futebol
• densidade: ρ ≈ 1,2 kg/m3
• diâmetro: D = 0,22 m
• viscosidade: η ≈ 1,8×10-5 kg m-1 s-1

Vbola = (6,7×10-5 m/s) Re

resistência proporcional
Vbola < 0,1 mm/s
à velocidade (Re < 1)

“atrito linear” irrelevante!


Coeficiente de arrasto da bola de futebol

Vbola ≈ 0,1 m/s Vbola ≈ 20 m/s

CRISE

Esfera lisa

Na “crise” o coeficiente de arrasto diminui ~80%


A crise do arrasto

3
FA (N)

bola de
1 futebol (lisa)

0 10 20 30 40 50
V (m/s)
Para entender a crise:

• Camada limite
• Separação da camada limite
• Turbulência na camada limite
A camada limite
• O fluido adere à superfície da bola.
• A viscosidade transmite parcialmente esta adesão,
criando uma camada que tende a mover-se com a
superfície.

camada limite laminar camada limite turbulenta


Separação da camada limite

H. Werlé
Separação da camada limite

S. Taneda
A camada limite e a crise do arrasto

Antes da crise Depois da crise

camada limite laminar camada limite turbulenta


Rugosidade da bola
A crise do arrasto ocorre
mais cedo para esferas
de superfície irregular.

A rugosidade precipita a
turbulência na camada
limite.

bola de golfe bola de futebol “rugosa”


O descolamento da camada limite
e a força de arrasto

Por que não é o lado afiado da asa que corta o ar?


O descolamento da camada limite
e a força de arrasto
O descolamento da camada limite
e a força de arrasto
O descolamento da camada limite
e a força de arrasto
Alguns coeficientes de arrasto
Carro esporte 0.3 – 0.4
Carro de passeio 0.4 – 0.5
Avião subsônico 0.12
Paraquedista 1.0 - 1.4
Homem ereto 1.0 – 1.3
Cabos e fios 1.0 – 1.3
Torre Eiffel 1.8 – 2.0

http://aerodyn.org/Drag/
O efeito Magnus

bola sem rotação rotação no sentido horário

A rotação muda os pontos de descolamento da camada limite.


A força de Magnus

FM 1
FM = CM ρ A r w × V
2

• CM = coeficiente de Magnus
• w = velocidade angular
• r = raio da bola

CM ~ 1 (grande incerteza)

ver por ex. K.I. Borg et al. Physics of Fluids 15 (2003) 736
Vórtices e Sustentação
O gol que Pelé não fez
Brasil x Tchecoslováquia, Copa de 70

“E, por um fio, não entra o mais fantástico gol de todas as Copas passadas, presentes e
futuras. Os tchecos parados, os brasileiros parados, os mexicanos parados – viram a bola
tirar o maior fino da trave. Foi um cínico e deslavado milagre não ter se consumado esse
gol tão merecido. Aquele foi, sim, um momento de eternidade do futebol.”
Nelson Rodrigues, À Sombra das Chuteiras Imortais
O gol que Pelé não fez
• Vídeo digitalizado e separado em quadros.
• A posição da bola foi determinada em cada quadro.

Início e final da trajetória


T (X Y Z) (Vx Vy Vz) V Θ
[s] [m] [m/s] [m/s] [graus]
Início 0,00 (-5,2 -2,9 0,0) (27,8 -0,4 8,8) 29,1 17,6
Final 3,20 (54,3 3,7 0,0) (15, 2 -0,2 -8,9) 17,6 -30,2
O gol que Pelé não fez
10
• Pontos: dados extraídos
8
do vídeo.
Z (m)

6 • Linha: cálculo com o


4 modelo abaixo.
2
0
-10 0 10 20 30 40 50 60
X (m)
Modelo: Parâmetros ajustados:
⎧0,5 V < Vcrise
CA = ⎨ • Vcrise = 23,8 m/s
⎩ 0,1 V > Vcrise
• f = ωy/2π= - 6,84 Hz
C M = 1,0
Futebol no computador

Simulação do chute de Pelé


(o ponto marca o local da crise)

O que ocorreria sem a


crise do arrasto (Vcrise = ∞)

O que ocorreria sem o


efeito Magnus (f = 0)
Futebol no computador

Sem a resistência do ar e o efeito Magnus


(se o chute de Pelé fosse no vácuo)
Bolas de Efeito

• Trajetórias de bolas chutadas do mesmo ponto e


com a mesma velocidade, mas com diferentes
rotações em torno do eixo vertical.
A Folha Seca

A folha seca (segundo Leroy*): Bola com eixo de


rotação na mesma direção da velocidade inicial.

* B. Leroy, O Efeito Folha Seca, Rev.Bras.Física 7 , 693-709 (1977).


Geometria da bola de futebol

Telstar 1970 Teamgeist 2006 Jabulani 2010


32 gomos 14 gomos 8 gomos
Teamgeist vs. Jabulani

Teamgeist

Jabulani
Comentários Finais
• A crise do arrasto e o efeito Magnus desempenham
um papel importante na dinâmica da bola de futebol.
• Muitos fenômenos curiosos podem ser investigados
com esses efeitos: a folha seca de Didi, por exemplo.
• Outros esportes com bola (vôlei, tênis) podem ser
tratados de forma semelhante.
• Potencial pedagógico:
– Física do cotidiano
– Fenômenos importantes em outros contextos
– Motivação para o estudo de dinâmica de fluidos
Extras:
Deformação da bola e duração do chute

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T. Asai
Deformação da bola...
Vórtices e Sustentação

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