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RESUMO
O Estado Democrático de Direito representou um salto importante no que tange à
positivação dos direitos fundamentais. O direito à manifestação cultural e do direito-
dever de proteção da fauna e da flora são exemplares, estando o primeiro positivado
no art. 215, §1º e o último no art. 225, §1º, inciso VII, da Constituição Federal.
Considerando a magnitude destes direitos para a coletividade, não é inconcebível
uma colisão entre ambos quando se concretizam na atual complexa sociedade. Isto
porque as práticas classificadas como manifestações culturais tais quais farra do boi,
rinha de galo e, recentemente, vaquejada insurgiram nas mãos do Supremo Tribunal
Federal para resolução, colocando em questão quais são os limites entre o direito à
manifestação cultural perante outro direito fundamental assegurado pela Carta
Maior. Tais situações de embate de direitos constitucionais são consideradas como
casos difíceis, os quais não possuem uma regra de direito clara e pré-estabelecida
para sua resolução. Estudiosos como Ronald Dworkin e Robert Alexy propõe teorias
para solucionar conflito de princípios como o peso e ponderação. Contudo, seria
este o método adotado por nossa Corte Superior nos casos supraditos? É neste giro
que o presente artigo trabalha, analisando a aplicabilidade da teoria com os casos
concretos julgados pela maior instância do Judiciário brasileiro.
ABSTRACT
The Democratic Rule of Law represented an important leap forward in the affirmation
of fundamental rights. The right to cultural manifestation and the duty of protection of
fauna and flora are exemplary, the first being written in art. 215, §1 and the last one
in art. 225, paragraph 1, item VII of the Federal Constitution. Considering the
magnitude of these rights for the collectivity, it is not inconceivable a collision
between both when they are concretized in the current complex society. This is
because the practices classified as cultural manifestations such as the “farra do boi”,
Anais do I Congresso 23 de
Porto P. 416 a 443
Acadêmico de Direito junho de
Velho/RO
Constitucional da FCR 2017
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INTRODUÇÃO
Nestes moldes, fica claro que o fato do Judiciário aumentar seu campo de
atuação desencadeia na maior preocupação sobre a forma que os magistrados
decidem as demandas do mundo concreto. Assim, diversas visões sobre o
regramento do Direito nasceram ao longo do tempo como, por exemplo, a positivista.
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supraditos não ocorreu com casos únicos, mas, sim, possuem certa frequência no
Brasil.
Isto porque as práticas classificadas como manifestações culturais tais quais
rinha de galo, farra do boi e, recentemente, vaquejada insurgiram nas mãos da
Suprema Corte para resolução, colocando em questão quais são os limites do direito
à manifestação cultural perante outro direito fundamental assegurado pela Carta
Magna.
A partir disto, o propósito principal do estudo é verificar a aplicabilidade das
teorias para resolução de casos difíceis nas decisões sobre conflito de direito
ambiental e direito cultural já deliberadas pelo Supremo Tribunal Federal. Do mesmo
modo, tem como outras metas ponderar o embate de princípios e direitos
fundamentais protegidos pela Carta Maior, em específico o direito à manifestação
cultural e o direito-dever de proteção da fauna; pesquisar sobre a diferenciação entre
regras e princípios e compreender os critérios de interpretação para a resolução de
casos difíceis.
Com isto, demonstra-se a importância do estudo da temática e da existência
da problemática uma vez o conflito exposto nos casos concretos ainda que já
decididos pela Corte Maior, reverberam nos demais campos do estudo do Direito e
não podem ser declarados como encerrados e pacificados merecendo uma
discussão essencial.
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Judges should apply the law that other institutions have made;
they should not make new law. That is the ideal, but for different
reasons it cannot be realized fully in practice. Statues and common
law rules are often vague and must be interpreted before they can be
applied to novel cases. Some cases, moreover, raise issues so novel
that they cannot be decided even by stretching or reinterpreting
existing rules.
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interpretativo, haja vista que “os juízes devem decidir o que é o direito interpretando
o modo usual como os outros juízes decidiram o que é o direito”.
De forma a construir o pensamento sobre a interpretação, Dworkin (2002) faz
a distinção entre princípios e regras, a qual seria de natureza lógica. Nesta lógica,
Dworkin (2002, p.39) baseia sua tese afirmando que as regras seriam aplicadas sob
a égide de “tudo-ou-nada”, isto é, ou a regra é válida ou inválida. De forma contrária
agem os princípios, visto que os efeitos destes não são os mesmos quando são
aplicados ou descumpridos, consoante com as palavras do autor:
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Além disto, Alexy (apud ANDREA, 2013, p. 167) reconhece que “regras
cont m determina es no campo do fático e do juridicamente possível. sso significa
que a diferen a entre regras e princípios é de qualidade e não de grau. ada norma
ou é uma regra ou é um princípio”.
Havendo essa distinção qualitativa entre regras e princípios, também haveria
dois modos diferentes de aplicação de normas: a subsunção de regras e a
ponderação dos princípios.
Outrossim, Alexy (1998) afirma que as colisões de direitos fundamentais,
devem ser qualificadas como colisões de princípios, tendo a ponderação como
procedimento de resolução.
Portanto, é possível se delimitar uma saída nos casos de colisões entre
direitos fundamentais, a qual não corrobora com o ideal incerto quanto à
discricionariedade do juiz, como também não leva à anulação de um direito para
garantir outro.
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Nesta linha de raciocínio, Vasak (1984, apud LEUZINGER, 2007) afirma que
com a finalidade de concretizar os direitos humanos no contexto social, seriam
necessários 03 requisitos como: (a) a existência de uma sociedade organizada em
forma de Estado de Direito; (b) um marco legal preestabelecido, dentro do qual os
direitos humanos sejam exercidos, evitando-se, ainda, que possam variar conforme
as circunstâncias; (c) a existência de garantias legais específicas e de recursos que
assegurem o respeito a esses direitos.
Diversos estudiosos renomados do âmbito jurídico tratam os direitos
fundamentais e os direitos humanos como sinônimos, no entanto, outros destacam o
ponto crucial de distinção como, por exemplo, Sarlet (2012, p. 18) inteligentemente
explica:
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estando ligados a uma negativa e não a uma conduta positiva já que estabelecem
ao Poder Publico, um dever de abstenção, assegurando uma esfera de ação
pessoal própria.
Já os direitos de 2ª geração estão ligados não à liberdade do Estado, mas à
liberdade dada por intermédio do Estado. Seriam direitos de igualdade, positivação
dos direitos sociais, econômicos, culturais e aos direitos difusos. O Estado passa a
ser encarregado em garantir mínimas como educação, saúde e proteção (SARLET;
LINHARES; SEGUNDO, 2016).
Vale frisar que os direitos de segunda geração (ou dimensão) não estão
somente ligados aos direitos de caráter positivo, mas também às chamadas
liberdades sociais (SARLET, 2012).
Os direitos de 3ª geração, segundo Moraes (2015), também podem ser
intitulados de direitos de solidariedade ou fraternidade, tratando-se daqueles que
englobam o meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao
progresso, à paz, à autodeterminação dos povos e dos direitos difusos.
Resumindo, coincidindo com Moraes (2015, p. 30) “a primeira gera ão seria a
dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, a terceira, assim,
complementaria com liberdade, igualdade e fraternidade”.
Não obstante os direitos fundamentais da segunda geração tratem de direitos
sociais no sentido amplo, existe uma clara diferença entre ambos, em consonância
com o que argumenta Sarlet (2012, online):
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Embora a Carta Maior tenha sido aplaudida e considerada uma das cartas
constitucionais mais evoluídas, existe uma discussão referente às possíveis
interpretações no que concerne o significado de fauna, questionando sobre quais
animais seriam atingidos e protegidos por este dispositivo. Alguns doutrinadores
trabalham com a determinação de que esta proteção abrange somente animais
silvestres, enquanto outros afirmam que a noção constitucional da expressão fauna
deve incluir todos os animais em qualquer classificação (RODRIGUES, 2012).
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eventuais excessos propostos pelo Ministro Maurício Côrrea. Do mesmo modo vota
o Ministro Néri, porém este faz um adendo de que não há como aplicar a proteção
do art. 225 se salvaguardar o art. 215 da Constituição, ou seja, faz alusão de que,
aplicando um, incorre na invalidade do outro o que caracteriza um conflito de regras
e não de princípios como visto ao longo do estudo.
Nestes moldes, vê-se que ainda que contrastantes, as apreciações não se
utilizaram dos critérios de ponderação ou consideram a questão da teoria dos
princípios de Dworkin (2002) ou da ideia de ponderação e pesos formulada por
Alexy (1998).
Percebe-se então que o caso das rinhas de galo passou a ser considerada
proibida, uma vez que se enquadra tanto no atual art. 32 da Lei 9605/98 –
dispositivo que revogou o art. 62 da Lei de Contravenções Penais –, quanto está em
contrário à Constituição Federal. A proposta da lei fluminense criaria uma exceção
ao art. 225 da carta constitucional, pois submete esta espécie de animal à luta de
forma exaustiva até a morte.
Desta forma, é interessante notar que o Supremo Tribunal Federal não
utilizou dos instrumentos de interpretação em conflito de princípios, mas, sim,
invalidou a lei impugnada (no caso, regra) por violar preceitos constitucionais e
submeter os animais a espetáculos violentos.
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que podem causar prejuízos irreversíveis como luxação das vértebras, lesões
traumáticas e também o sofrimento mental.
Por oportuno, deve-se mencionar que o parecer não é singular, existindo
outros como o descrito pelo Projeto Esperança Animal (PEA), que descreve alguns
eventos em que não existem fiscais ou veterinários presentes no local e que em
muitas vezes utilizam os mesmos animais por mais de uma vez durante a prova.
Diante disto, não se questiona o caráter cultural da vaquejada, mas sim se a
mesma subsiste ainda que afronte outros direitos fundamentais como o de proteção
a fauna.
Neste sentido, a lei nº 15.299/2013 estipula parâmetros para a realização de
vaquejadas no Estado do Ceará, de forma a tentar regularizar e fiscalizar a prática
da vaquejada. Deve-se mencionar que a legislação mencionada, estipula como
obrigatória a presença de paramédicos nos locais de evento e, inclusive,
penalidades caso o vaqueiro se exceda durante a prova.
A norma supracitada fora objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade
tendo em vista o art. 225, §1º, inciso VI, da Constituição Federal, se questionando se
a Lei 15.299/2013 cumpre com as finalidades propostas a ela e se é uma forma
realmente eficaz para a proteção do animal, uma vez que a prática da vaquejada em
si já seria prejudicial e cruel para o animal.
Muito embora a Corte Maior tenha decidido pela inconstitucionalidade do
referido comando legal, tal julgamento desenvolveu-se de forma bastante acirrada
com 5 votos pela constitucionalidade, para 6 votos a favor da inconstitucionalidade.
Para vislumbrar a dimensão em que abrange esta discussão, é de suma
importância descrever o voto do Ministro Teori Zavaski em favor da improcedência
da ação. O ministro defendeu que a lei pode ter procurado evitar a vaquejada cruel,
sendo melhor a existência da norma do que a falta dela. Ainda ressaltou que o
objeto da ADI é a constitucionalidade da lei estadual, e não da prática da vaquejada
em si, salientando que o texto da lei prevê regras de segurança para os vaqueiros, o
público e os animais.
Outro voto neste mesmo sentido é o do Ministro Gilmar Mendes, que
diferencia a vaquejada dos casos decididos anteriormente pela Suprema Corte,
defendendo que atualmente a legislação encontra-se mais evoluída sendo possível
proibir e penalizar o excesso. Além disto, coloca que caso a lei seja considera
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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