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somos garotos, brilham no escuro do nosso quarto. Mesmo após o tempo desmanchar os
Uma dessas de quem costumamos dizer "bonitona, parece mais nova". Hoje em
dia todo mundo parece ou quer parecer ter menos idade e alguns chegam ao ponto de
por Ananda, que linda, desejável, indiferente. Farta em sua beleza raríssima e distante,
Nos tempos de escola Ananda vivia como se precisasse muito mais de batom,
infalíveis para conquistá-la. Nunca fez nada, nesse sentido, que prestasse. Nenhum
esforço do meu amigo foi recompensado, nem as canções que compôs, nem os cigarros
cegamente, a menina era um totem no meio da sala de aula, uma estátua no pátio, na
hora do intervalo.
autossuficiente, mas quando solicitada sempre respondia com um sorriso tão amplo e
radiante que nos mantinha ainda mais cativos, prontos para enfrentarmos dragões, caso
solicitados. Ananda passou a vida sem solicitar nada, nem atenção, nem dinheiro, nem
O tempo correu, levando a vida pra outros lugares e interesses, fomos trabalhar,
estudar ainda mais, encontrar gente fora do quintal que era o nosso bairro, que logo
virou, para nós, um bairro-dormitório. Ananda sumiu. Passamos, os que ficamos, a nos
açougue, o outro voltando da farmácia, esse correndo pra academia, aquela indo buscar,
região não era muito mais do que um aglomerado de chácaras e algumas casas pingadas,
entre ipês amarelos, pés de ameixa e mamoneiros. Muitos de nós, quando adolescentes,
pulávamos o muro para desfrutarmos da água cheia de cloro e fluidos corporais de toda
Ananda, entre banhos de sol, mergulhava, fazia beiços e peitos, posava para
coreografado, ensaiado.
O corpo parecia esculpido por algum cirurgião, pois não creio que a natureza
perturbavam, cravavam em cada homem ali presente a euforia que precede a angústia.
Mas, em nome da verdade, havia também alguma celulite da cintura pra baixo e estrias,
muitas, no seio direito. Contudo, em nome da mesma verdade, devo dizer que, ainda
que fossem muitas, as estrias não comprometiam sequer o seio esquerdo, quanto mais a
obra completa que desfilava envolta em um biquíni vermelho, futuras micoses em
Uma semana depois encontrei o Victor, por acaso, na padaria. Nos sentamos
para trocar novidades. A minha era que Ananda continuava valendo a pena, que eu vira
praticamente seu corpo todo, por inteiro, cultivado a plástica, cosméticos, academia e,
possivelmente, muitas horas sem amor, preguiça, leitura e outros suplementos essenciais
para uma vida balanceada e feliz. Mas Victor tinha novidade ainda maior, apesar de não
Euforia e inveja duelaram por alguns instantes dentro de mim, sem que houvesse
vencedor. Victor e Ananda, até que enfim! Ananda e Victor, por que ele e não eu?
Victor, sem mistério algum, exibiu os trapos de sua antiga paixão sem a menor
mesmo, sem frescura. No meio da conversa disse que morou no Rio, sem vergonha
falou que fazia programa entre os cariocas. Doeu, cara, mas pensei rápido e com fúria:
finalmente desfrutar daquilo tudo. Divorciado, velho, sozinho, troco ilusão por prazer
sem remorso. Ela disse que não fazia mais programa, mas que aceitava sair pra dançar,
relembrar os bons tempos. Bons tempos? Bons tempos, quando ainda havia futuro.
Saímos, dançamos, beijamos, fomos do asfalto ao hotel. Ela passeando nua pelo quarto
é o que de mais belo eu já vi, cara, juro. Ela amando é a coisa mais triste que pode
haver. Ananda nasceu pra ser contemplada, não sabe doar-se. Tudo frio, cronometrado,
medido, distante. Ser tocada era motivo de angústia para ela. Seus beijos não acolhiam:
empurravam. Os braços se mexiam não para me tocar com desejo, mas para buscar o
melhor ângulo da luz, do espelho. Ananda toda entregue a si, travando uma batalha
comigo. Eu, o que era, seu amante? Não, seu público e seu estorvo, insistindo em dueto
A certa altura pedi que se afastasse, calçasse os sapatos, desfilasse para mim. Ela
sorriu, vaidosa e grata. Enquanto se deliciava diante do espelho, enfim plena, muitas