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Importância da Teoria e Metodologia da História

José D’Assunção Barros

Costumo dizer, e realmente acredito nisso, que a Teoria e Metodologia da História é aquilo de mais importante que um
curso superior de História pode oferecer a um estudante de graduação - isto é, um 'historiador em formação'. E acrescento que
esse 'historiador em formação' irá aprender Teoria e Metodologia da História não apenas nas disciplinas que levam este nome e
em outras do mesmo circuito, mas nas próprias disciplinas de conteúdo específico relacionadas a uma temporalidade ou espaço
("História Antiga", "História Medieval", "História Moderna", "História do Brasil", "História da África", etc).
Na verdade, penso mesmo que aquilo de mais essencial e útil que um aluno pode aprender dos seus professores destas
diversas 'disciplinas de conteúdo' é precisamente Teoria e Metodologia da História. Assim, não é tão importante aprender
conteúdos específicos de 'História Moderna' em um curso de graduação em História, quanto aprender Teoria ou Metodologia da
História "através" da História Moderna. É menos importante aprender conteúdos específicos sobre a Revolução Francesa ou
sobre o Renascimento, do que desenvolver competências relacionadas a Teoria e Metodologia através destes conteúdos. Por
exemplo, ao estudar a Revolução Francesa em si mesma, o aluno pode alcançar aspectos ainda mais decisivamente importantes,
para o seu futuro de historiador, do que os próprios conteúdos diretamente relacionados à Revolução Francesa. Quando se
estuda a revolução francesa, ou qualquer outra revolução, pode-se aperfeiçoar a competência, por exemplo, de lidar
teoricamente com as revoluções de diversos tipos, ou pode-se aprimorar a sua capacidade de trabalhar com as fontes deste
período. Quando estudamos uma sociedade antiga ou medieval, não importa qual seja ela e em qual período, estamos
aprendendo a lidar (teórica e metodologicamente) com sociedades antigas e medievais, e também aperfeiçoando ainda mais a
nossa competência teórica e metodológica geral como historiadores.
De fato, o principal a se aprender em um curso de graduação em História não pode ser os conteúdos espaço-temporais
específicos, por eles mesmos. Estes conteúdos vão ser aprendidos ou assimilados, obviamente, mas o que eu quero dizer é que
não são eles o que há de mais importante. Não é mesmo necessário que um conteúdo específico seja aprendido (isto é, se um
conteúdo específico não for aprendido ou assimilado no curso de graduação, e uma infinidade deles não o serão, isso não
repercutirá necessariamente como uma lacuna para a vida futura do historiador).
Se os conteúdos específicos fossem o principal, o Ensino de História sempre seria lacunar. Por mais que um currículo de
Graduação em História esteja bem guarnecido de disciplinas de História Antiga, sempre existirão sociedades antigas que ficarão
faltando. Na História do Egito, por mais que seja oferecido um bom conteúdo, será obviamente impossível abarcar tudo sobre os
vários milênios desta História, ou tudo o que seria importante para a humanidade saber sobre o Antigo Egito.
O que podemos realmente aprender em um curso de graduação em História é sermos historiadores. Aprendemos a
pensar teoricamente como historiadores, a agir metodologicamente como historiadores, a escrever como historiadores. Em um
curso de História - "através" dos diversos conteúdos - aprendemos sobre o Tempo, sobre a alteridade das fontes, e sobre muitas
outras coisas. Aprendemos a não cometer anacronismos, aprendermos a sermos críticos, e assim por diante. Não é um
conteúdo espaço-temporal específico que é o mais importante, mas todas essas coisas.
Costumo dar um exemplo. Imaginemos que um dia sejam descobertas as ruínas da Atlântida, e que, subitamente, os
historiadores tenham à sua disposição as fontes de uma civilização antiga correspondente à Atlântida. A Atlântida, neste
momento, deixaria de ser apenas uma lenda e passaria a ser História. No momento em que passassem a estar acessíveis aos
historiadores as fontes históricas relacionadas à Atlântida, haveria uma espécie de corrida dos historiadores para escreverem os
primeiros livros de história sobre a Atlântida. Possivelmente, algumas universidades incluiriam em seus currículos uma "História
da Atlântida". De todo modo, é importante ter em mente que, se o principal a ser aprendido nos cursos de graduação fossem os
conteúdos específicos ("História da Grécia", "História dos Estados Unidos"), os historiadores não poderiam elaborar - pela
primeira vez - a "História da Atlântida".
O que permite que os historiadores possam a qualquer momento elaborar uma história de qualquer coisa, inclusive a
de uma civilização cujas fontes tenham sido repentinamente descobertas, é o fato de que eles aprenderam a pensar
historiograficamente, a teorizar, a agir metodologicamente, a produzir uma escrita específica que é a do historiador. Diga-se de
passagem, antes que existissem os cursos de graduação em História, a partir do século XIX, os historiadores não deixavam de
aprender essas coisas, de acordo com o padrão de suas próprias épocas. É perfeitamente possível aprender fora da
Universidade, também. De qualquer maneira, se existe uma Universidade, e um curso de graduação em História, é para que se
aprenda algo ainda mais importante do que os conteúdos específicos: os pensares e fazeres relacionados à História, um modo
de escrita, uma competência para dialogar com as fontes e com outros historiadores - uma consciência histórica. Em duas
palavras: Teoria e Metodologia.
É por isso que são tão importantes as disciplinas relacionadas à Teoria e Metodologia da História - e à Historiografia,
que corresponde à análise das obras produzidas pelos historiadores. E é por isso, também, que é importante aos professores de
disciplinas relacionadas a conteúdos espaço-temporais específicos - a "História do Brasil", a "História Contemporânea", e assim
por diante - ensinar Teoria e Metodologia através de suas disciplinas.
Quando digo "ensinar", estou utilizando a expressão com um sentido mais flexível. Não é "ensinar" no sentido de
transmitir uma competência que é sua ao aluno. Ensinar aqui é mediar o grupo de alunos para que trabalhem de uma
determinada maneira para que, a partir desta atividade, possam desenvolver competências várias. Trata-se, portanto, de agir
como mediador de um grupo para que este aprimore a capacidade de pensar teoricamente, agir metodologicamente, escrever
historiograficamente.
Essa enfim, é a importância da caminhada que aqui iniciamos. Sem Teoria, Método, e o desenvolvimento de uma
habilidade historiográfica de Escrita, não é possível a alguém se formar historiador. Teoria, Metodologia e Historiografia são o
mais importante. Tudo o mais é negociável.

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