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DEPARTAMENTO

DE FÍSICA

APONTAMENTOS DE CINEMÁTICA

para a Cadeira de

MECÂNICA E ONDAS

Movimento circular e
movimento relativo

João Fonseca
4 – Movimento circular

Quando o raio de curvatura é constante e igual a R – ou seja. quando a


trajectória é uma circunferência – o vector velocidade pode ser escrito na
forma v = R(dθ/dt) ûθ ou v = ωR ûθ, onde

[30] ω = dθ/dt

é a velocidade angular. É conveniente definir o vector velocidade angular w


como se indica na figura 21: o seu módulo é igual a dθ/dt, a sua direcção é
perpendicular ao plano do movimento, e o seu sentido é dado pela regra da
mão direita – quando os outros dedos apontam o sentido da rotação, o
polegar aponta no sentido de ω.

v
R
ω

β
r

Figura 21 – Definição do vector velocidade angular ω

Resulta da maneira como foi definido que o vector velocidade angular


verifica a expressão

[31] v=ωx r

Com efeito, o módulo de ω x r é ω r senβ = ωR, que é o módulo da


velocidade no movimento circular. Verifique que a direcção e o sentido do
vector velocidade resultam correctos quando se usa a expressão [31].
5 – Movimento relativo de translacção.

Em muitas situações é importante comparar descrições de um dado


movimento feitas por observadores que estão em movimento relativo de
translacção entre si. Por conveniência, vamos considerar que (S) é o
referencial de um observador em repouso e (S’) é o referencial de um
observador móvel♣.

(S’)

(S) r’

rR r

Figura 22 – Movimento relativo de translacção

A figura 22 mostra que os vectores posição da partícula vistos pelos dois


observadores se relacionam através de

[32] r’ = r – rR

onde rR é o vector posição da origem do referencial móvel, em relação ao


referencial fixo. A derivação da expressão [32] conduz directamente à


Como se sabe, é arbitrário dizermos que um dado objecto está fixo: o chão que pisamos
está suficientemente fixo para descrevermos em relação a ele o movimento de um
projéctil, mas acompanha os movimentos de rotação e translacção da Terra, movimento
do Sistema Solar na galáxia, etc...
relação existente entre as velocidades da partícula segundo os dois
observadores:

[33] v’ = v – vR

e derivando novamente obtém-se a relação entre as acelerações:

[34] a’ = a – aR

A última expressão tem uma consequência importante: se o movimento


relativo entre os observadores for rectilíneo e uniforme, aR será zero e
ambos os observadores determinam a mesma aceleração para o objecto
móvel.

Se no referencial (S) se verificar o Princípio da Inércia, que diz que um


corpo livre de interacções mantém constante a sua velocidade, e se não
existir aceleração de (S’) em relação a (S), será pela equação [34] a’ = a =
0, ou seja, o Princípio da Inércia verifica-se também em (S’). Chamamos
referencial inercial a um sistema de eixos em que seja verificado o
Princípio da Inércia. Podemos agora concluir que se (S) for um referencial
inercial, qualquer outro referencial que tenha em relação a (S) um
movimento de translacção rectilíneo e uniforme será também um
referencial de inércia. Por esse motivo, designam-se por referenciais
equivalentes dois sistemas de eixos com movimento relativo de
translacção rectilíneo e uniforme.

Um referencial que sofra uma aceleração não pode ser um referencial


inercial. Um autocarro que trava (isto é, desacelera) é um bom exemplo de
um referencial não inercial. Um objecto abandonado a si mesmo tende a
manter o seu movimento inalterado (Princípio da Inércia) e por isso quando
o autocarro trava esse objecto tende a acelerar em relação ao referencial
autocarro. Se conseguirmos identificar um referencial inercial, poderemos
testar os outros referenciais verificando se têm aceleração em relação ao
primeiro. A Mecânica Clássica (ou Newtoniana) resolve este problema
postulando que o Espaço Absoluto é imóvel – logo, é um referencial
inercial. Podemos imaginar esse referencial imóvel como sendo definido
por quatro estrelas no Cosmos, mas ainda assim estaremos a fazer uma
aproximação, visto que as estrelas acompanham os movimentos das suas
galáxias. Na prática, interessa-nos que o referencial com que trabalhamos
seja “suficientemente inercial” para estudarmos o movimento de que nos
ocupamos. Se quizermos estudar a queda de uma maçã, a superfície da
Terra está suficientemente em repouso. Já o movimento do planeta
Mercúrio será difícil de descrever e explicar se tomarmos a Terra como
referencial, como verificaram os astrónomos anteriores a Copérnico (séc.
16) que usavam um sistema geocêntrico para o Sistema Solar.

6 – Movimento relativo de rotação.

Se um referencial girar em relação a outro considerado fixo, os


respectivos observadores descreverão de modo diferente o movimento de
uma mesma partícula. A figura 23 exemplifica essa situação.

(S)

(S’)
z’

ω y’ r = r’

x’

Figura 23 – Os eixos do referencial (S’) giram em torno do eixo de rotação


indicado a traço-ponto. A origem dos dois referenciais mantém-se
coincidente.

Num exemplo importante de aplicação, o eixo a traço-ponto seria o eixo de


rotação da Terra, e o eixo Oz’ a vertical (direcção do fio do prumo) de um
lugar, por exemplo Lisboa. O referencial fixo poderia ser definido
astronomicamente (eixos apontados para estrelas distantes). Como
comparar as velocidades e as acelerações determinadas por dois
observadores, um fixo e outro a girar? Como as origens se mantém
coincidentes, o vector posição é o mesmo independentemente do
referencial que se considere. Podemos afirmar que

[35] r = xûx + yûy + zûz,= x’ ûx’ + y’ ûy’ + z’ ûz’

onde se considertam as duas maneiras possíveis de decompôr o vector


posição. Para o cálculo da velocidade, vamos optar por derivar a segunda
decomposição, mas calculando segundo o ponto de vista do referencial (S):

v = dr/dt = d/dt(x’ ûx’ + y’ ûy’ + z’ ûz’) = (dx’/dt) ûx’ + (dy’/dt) ûy’ + (dz’/dt) ûz
+ ’ x’ (dûx’/dt)’+ y’(dûy’/dt)’+ z’ (dûz’/dt).

Foi necessário derivar os vectores de base do referencial (S’) pois


estamos a calcular a velocidade segundo o observador em (S), para quem
aqueles vectores de base estão a girar.

(dûy/dt)
ω

ûy’

Figura 24 – Derivada do vector unitário de base de um eixo girante

Podemos considerar ûy’ , por exemplo, como o vector posição de um ponto


que se encontra na sua extremidade, e que gira com velocidade angular ω.
A derivada (dûy’/dt) será o vector velocidade desse ponto (Figura 24). De
acordo com a equação [31], deverá então ser (dûy’/dt) = ω x ûy’ .
Resultados análogoa aplicam-se aos outros vectores de base, e a
velocidade v pode ser escrita na forma

v = [(dx’/dt) ûx’ + (dy’/dt) ûy’ + (dz’/dt) ûz’] +


+ x’ ω x ûx’’+ y’ ω x ûy’’+ z’ ω x ûz’.= [(dx’/dt) ûx’ + (dy’/dt) ûy’ + (dz’/dt) ûz’] +
ωxr

A quantidade entre parentesis rectos é a velocidade observada no


referencial (S’), pelo que se pode concluir que

[36] v = v’ + ω x r

que é a relação procurada entre as duas velocidades.

Para relacionar as acelerações, há que derivar [36]:

a = (dv/dt) = d/dt(v’x’ ûx’ + v’y’ ûy’ + v’z’ ûz’) + d/dt(ω x r).

Repetindo o raciocínio quanto à derivação dos vectores de base, e


admitindo que ω é constante, resulta:

a = (a’x’ ûx’ + a’y’ ûy’ + a’z’ ûz’) + ω x (v’x’ ûx’ + v’y’ ûy’ + v’z’ ûz’) + ω x v

Identificando os vectores, usando [36] e resolvendo em ordem a a’,


resulta:

[37] a’ = a - 2 ω x v’ - ω x (ω x r)

Em conclusão, o observador que está num referencial girante vê duas


componentes de aceleração adicionais, que resultam da sua própria
rotação. A parcela aCor = -2 ω x v’ designa-se por aceleração de Coriolis.
A parcela ac = - ω x (ω x r) designa-se por aceleração centrífuga. A
aceleração de Coriolis só afecta os corpos que se movem em relação ao
referencial (S’), pois anula-se se v’ = 0. Os corpos que se movem à
superfície da Terra ficam sujeitos à aceleração de Coriolis quando
observados a partir da Terra. A aceleração centrífuga é responsável pelo
facto de a aceleração de queda dos corpos no campo gravítico depender
da latitude.

Exemplo 4 – Imagine que a velocidade de rotação da Terra aumentava


gradualmente. Para que duração do dia a aceleração da gravidade em
Lisboa se reduzia a zero? Qual seria a situação no Equador? E no Polo
Norte?
Latitude de Lisboa: 39ºN.
ω2Rcos2λ

Solução:

A figura ao lado mostra como o efeito


da aceleração centrífuga associada ao
movimento de rotação da Terra corres-
ponde (em primeira aproximação) a sub- λ
trair ω2Rcos2λ ao valor da aceleração ac
g0
da gravidade, sendo λ a latitude. Para
que a aceleração da gravidade se anule
(imponderabilidade) deve ser
g0 = ω2Rcos2λ. Substituindo R po 6360000m,
λ por 39º e g0 por 9.8 ms-1, resulta
ω = 1.597x10-3 rads-1. Este valor corresponde à
velocidade angular da Terra na situação pretendida,
e o período de rotação correspondente é dado por T = 2π/ω = 3933 s, ou
seja, T = 1h05m34s. No Equador, a componente centrífuga da aceleração
seria superior a g0, e os objectos que não estivessem fixos seriam
projectados no espaço. No Polo Norte, a situação não se alteraria, pois a
aceleração centrífuga seria nula (cos 90º = 0).

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