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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

MAA
Nº 70056326531 (N° CNJ: 0357280-89.2013.8.21.7000)
2013/CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE


POSE. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
CONEXÃO. REUNIÃO DOS PROCESSOS.
COMODATO. NOTIFICAÇÃO. O contrato de
comodato pode ser realizado de forma verbal.
Tratando-se de comodato por prazo indeterminado,
resulta constituído em mora o comodatário que
deixa de restituir o imóvel após notificado para tal
finalidade. A recusa em devolver o imóvel implica
esbulho possessório, ensejando a reintegração de
posse em favor do comodante. FUNÇÃO SOCIAL
DA PROPRIEDADE. A simples alegação de defesa
da função social da propriedade não implica
dispensa do preenchimento dos requisitos
necessários para a manutenção de posse.
CASO CONCRETO. No caso concreto, foram
comprovados o comodato e a recusa da
comodatária em restituir o imóvel, motivo pelo
qual a reintegração de posse em favor da
comodante é a medida que se impõe.
APELAÇÃO DESPROVIDA.

APELAÇÃO CÍVEL DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL

Nº 70056326531 (N° CNJ: 0357280- COMARCA DE PELOTAS


89.2013.8.21.7000)

MARIA ELIZABETH COUTINHO APELANTE


PINTO

VERA TEREZINHA ZORZOLLI APELADO


BORGES

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Nona
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar
provimento à apelação.
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Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes
Senhores DES.ª MYLENE MARIA MICHEL (PRESIDENTE) E DES.
EDUARDO JOÃO LIMA COSTA.
Porto Alegre, 11 de março de 2014.

DES. MARCO ANTONIO ANGELO,


Relator.

R E L AT Ó R I O
DES. MARCO ANTONIO ANGELO (RELATOR)
Trata-se de apelação interposta por MARIA ELIZABETH
COUTINHO PINTO contra a sentença que julgou conjuntamente as ações
de manutenção na posse [processo n. 1.11.0016820-4] e de reintegração na
posse [processo n. 1.12.0008085-6], com o seguinte dispositivo:
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO
de manutenção de posse formulado por MARIA
ELIZABETH COUTINHO PINTO, e PROCEDENTE O
PEDIDO formulado por VERA TEREZINHA ZORZOLLI
BORGES e SERGIO DONINI BORGES, reintegrando-
os na posse do imóvel litigioso (cadastrado na
prefeitura municipal na rua Pedro Machado Filho, n.
307).
Condeno MARIA ELIZABETH COUTINHO PINTO ao
pagamento das custas processuais e honorários
advocatícios, que fixo para ambos os processos em
R$ 1.000,00 (mil reais), corrigidos da presente data
pelo IGPM, ao abrigo da AJG.
Com o trânsito em julgado, expeça-se mandado de
reintegração de posse em favor de VERA TEREZINHA
ZORZOLLI BORGES e SERGIO DONINI BORGES.

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MARIA ELIZABETH COUTINHO PINTO, declinando suas


razões, requer seja reformada a sentença para determinar a manutenção na
posse do imóvel.
Foram apresentadas contra-razões.
Cumprido o disposto nos artigos 549, 551 e 552 do CPC.
É o relatório.

VOTOS
DES. MARCO ANTONIO ANGELO (RELATOR)
Tratando-se de litígio envolvendo direitos possessórios, o
possuidor tem o direito a ser mantido na posse em caso de turbação,
reintegrado na hipótese de esbulho e, ainda, segurado de violência iminente,
se tiver justo receio de ser molestado (art. 1.210, caput, do CCB e arts. 926
e 932 do CPC).
Para obter a proteção possessória, incumbe ao autor provar a
sua posse, a turbação ou esbulho praticado pela parte adversa e a sua data,
bem como a continuação da posse na ação de manutenção e a sua perda
na ação de reintegração (art. 927 do CPC).
Consoante doutrina de Tupinambá Miguel Castro do
Nascimento, o esbulho ocorre quando, por ato de terceiro que se utiliza de
violência, clandestinidade ou precariedade, que são vícios objetivos, se
afasta o titular da posse, que por isso a perde, obstaculizando-o de usar a
coisa, de fruí-la e dela dispor [...]. O fim da reintegratória de posse é restituir
o possuidor a posse perdida (NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do.
Direitos Reais Limitados. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 100).
De outro modo, o comodato é o empréstimo gratuito de coisas
não fungíveis, o que se perfaz com a tradição do objeto, nos termos do art.
579 do Código Civil.
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Trata-se de contrato não solene, admitindo-se a forma verbal,


mas quem alega deve provar a sua realização.
Além disso, nos termos do art. 582 do Código Civil, o
comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa
emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a
natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O comodatário
constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o
aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante.
Por isso, o comodatário deve conservar o imóvel, usar de
forma adequada e, sobretudo, restituí-lo quando constituído a mora, sob
pena de responder por perdas e danos.
Com efeito, se o contrato foi celebrado por prazo
indeterminado, a interpelação do comodante, extrajudicial ou judicial,
concretiza a mora do comodatário, transformando sua posse, até então justa
e de boa-fé, em injusta (precária) e de má-fé, configurando o esbulho e
autorizando a reintegração da posse.
Nesse sentido, transcrevo jurisprudência do STJ:
AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL.
COMODATO VERBAL SEM PRAZO DETERMINADO.
PEDIDO DE DESOCUPAÇÃO. NOTIFICAÇÃO.
PRESCINDIBILIDADE DA PROVA DE URGÊNCIA OU
NECESSIDADE IMPREVISTA DE RETOMADA DO
BEM. SÚMULA STJ/83. 1.- Dado em comodato o
imóvel, mediante contrato verbal sem prazo
determinado, é suficiente para a sua extinção a
notificação ao comodatário da pretensão de retomada
do bem, sendo prescindível a prova de necessidade
imprevista e urgente do bem. Precedentes. 2.- Agravo
Regimental improvido. (AgRg no REsp 1136200/PR,
Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 28/06/2011, DJe 01/07/2011).

CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE.


COMODATO VERBAL. PEDIDO DE DESOCUPAÇÃO.

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NOTIFICAÇÃO. SUFICIÊNCIA. CC ANTERIOR, ART.


1.250. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL
COMPROVADO. PROCEDÊNCIA. I. Dado em
comodato o imóvel, mediante contrato verbal, onde,
evidentemente, não há prazo assinalado, bastante à
desocupação a notificação ao comodatário da
pretensão do comodante, não se lhe exigindo prova
de necessidade imprevista e urgente do bem. II.
Pedido de perdas e danos indeferido. III. Precedentes
do STJ. IV. Recurso especial conhecido e
parcialmente provido. Ação de reintegração de posse
julgada procedente em parte. (REsp 605.137/PR, Rel.
Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA
TURMA, julgado em 18/05/2004, DJ 23/08/2004, p.
251).

Na hipótese dos autos, o conjunto probatório – documentos e


testemunhas - enseja a conclusão no sentido de que Vera Terezinha Zorzolli
Borges emprestou o imóvel de sua propriedade objeto da lide para seu pai
Pedro Zorzolli, o qual, por sua vez, alugou parte dele para Maria Elizabeth
Coutinho Pinto.
Outrossim, resultou incontroverso que, em determinado
período, Pedro e Maria Elizabeth passaram a manter uma espécie de
relacionamento amoroso e que, com a morte de Pedro, Maria recusou-se a
restituir o imóvel.
Esclareça-se que sobre o mesmo terreno existem duas casas;
A primeira onde residia Vera Terezinha e que foi vendida para sua ex-
cunhada, Vera Regina Soares Zorzolli; A segunda onde reside Maria
Elizabeth e onde residia Pedro até falecer. Apenas esta segunda casa é
objeto do litígio.
Note-se que a partir do relacionamento entre Pedro e Maria,
por óbvio, esta deixou de pagar aluguel, passando a residir no local em
decorrência da autorização daquele.

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A tese de Maria Elizabeth no sentido de que Pedro, pouco


antes de morrer, foi convencido a “assinar um documento e transferir dito
imóvel para seu nome, VERA TEREZINHA ZORZOLLI BORGES” não
possui qualquer sustentação na prova produzida.
Ao contrário, as declarações da testemunha José Alberto
Correa da Silva no sentido de que Pedro “deu ou vendeu” o imóvel para Vera
resultaram isoladas.
Na verdade, os documentos anexados aos autos,
especialmente contrato particular de promessa de compra e venda de fls.
61/62, guia de pagamento de fl. 63, laudo de vistoria de fl. 66, autorização de
escritura de fl. 69 e certidão do Registro de Imóveis de fls. 74/75 comprovam
inequivocamente que Vera Terezinha adquiriu o imóvel objeto da lide
diretamente do Município de Pelotas.
Como se vê, o imóvel nunca pertenceu a Pedro, resultando
lógico que passou a residir no local por empréstimo e com a autorização de
sua filha Vera – comodato verbal.
A promessa de compra e venda entre o Município de Pelotas e
Vera foi celebrada em 18 de setembro de 1992, constando expressamente
no contrato que a promitente compradora encontrava-se na posse do imóvel
naquela época.
Saliente-se que o relacionamento entre Pedro e Maria
Elizabeth somente ocorreu após a realização do contrato supramencionado.
Vera residia no imóvel desde que celebrada a promessa e lá
permaneceu até há alguns anos, quando vendeu parte dele para uma ex-
cunhada, Vera Regina Soares Zorzolli, o que foi confirmado em juízo por
esta.

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Porém, isso não significa que tenha ocorrido a resolução do


comodato, tendo em vista que a casa objeto da lide e existente sobre o
mesmo terreno não foi objeto da compra e venda.
Após o falecimento de Pedro, Maria Elizabeth permaneceu no
imóvel, sendo notificada para desocupá-lo no prazo de trinta dias conforme
certidão de fl. 15 dos autos do processo n. 022/1.12.0008085-6.
A não-desocupação caracterizada a mora, transformando a
posse de Maria Elizabeth em injusta (precária) e de má-fé, configurando o
esbulho e autorizando a reintegração da posse.
De outro modo, a função social da propriedade não implica
dispensa do preenchimento dos requisitos necessários para a manutenção
de posse.
Observe-se:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE
POSSE. ESBULHO. NOTIFICAÇÃO
EXTRAJUDICIAL. ESBULHO CONFIGURADO.
EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO. DIREITO À MORADIA.
PREQUESTIONAMETO. A prova dos autos dá conta
que a posse do réu veio por intermédio de seu pai, o
qual ocupava a área de forma precária, ou por mera
tolerância, via comodato verbal, ou por contrato de
locação. A recusa da devolução da gleba, após
notificação extrajudicial, configura o esbulho a
justificar a procedência da ação, face presente os
requisitos do artigo 927 do Código de Processo Civil.
Ausente alegação de exceção de usucapião, na
contestação, não é admissível opor tal tese em sede
de apelação, o que se constituição em inovação
recursal. A pretensa função social da propriedade
(direito à moradia) não importa na diminuição da
posse velha em favor do esbulho praticado e nem
impõe o provimento do apelo. [...] NEGARAM
PROVIMENTO AO APELO DO RÉU. (Apelação Cível
Nº 70052992849, Décima Nona Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo João
Lima Costa, Julgado em 23/07/2013).

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Nestas circunstâncias, impõe-se a manutenção da sentença


que julgou improcedente o pedido formulado na ação de manutenção de
posse ajuizada por Maria Elizabeth Coutinho Pinto e determinou a
reintegração de Vera Terezinha Zorzolli Borges na posse do imóvel descrito
na inicial.

EM FACE DO EXPOSTO, voto em negar provimento à


apelação.

DES. EDUARDO JOÃO LIMA COSTA (REVISOR) - De acordo com o(a)


Relator(a).
DES.ª MYLENE MARIA MICHEL (PRESIDENTE) - De acordo com o(a)
Relator(a).

DES.ª MYLENE MARIA MICHEL - Presidente - Apelação Cível nº


70056326531, Comarca de Pelotas: "NEGARAM PROVIMENTO À
APELAÇÃO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: FELIPE MARQUES DIAS FAGUNDES

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