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Marc Augé NAO-LUGARES Introdugao a uma antropologia da supermodernidade NAO-LUGARES PABTRUS MMO-LUGARES—.NTRODUCAO A UMA ANTROPOLOGIA DA SUPERMODERWDADE Mare Aug PADINUS TWAVESSIA D0 BEE fem uma relacdo diferente com nosso pas acoes contrarias dos acontec Porém, a partir de des se transformaram em revalorizados, expostos, th = dos © ruas para pedestres), enquanto desvios, rodavias, ns de alla velocidade e vias expressas nos Esse desvio, contudo, no deixa de provocar re morsos — como © comprovam as inameras indicagoes que nos convidam a nao ignorar os esplendores da terra ¢ 08 vestigios da historia, Contraste: € nas entra: das das cidades, no espago melancolico dos grandes conjuntos, das zonas industrializadas e dos supermer- cados que so p jos convidam fa visitar os monum vias, que se multiplicam as referénc Tocais que deveriam reter-nos enqu: ‘como se a alusao ao tempo € aos lugares antigos, hoje, fosse apenas uma manetra de dizer 0 espaco presente. DOS LUGARES AOS NAO-LUGARES: Presenca do passado no presente que o ultrapassit €o reivindiea: € nessa conctliagao que Jean Starobinski ve a essencia da modernidade. Ele observa, a esse propésito, numartigo recente, que autores eminentemen- te representativos da modernidade em arte deram-se "a \ possibilidade de uma polifonia onde o entrecruzamento Virtualmente infinito dos destinos, atos, pensamentos, fe reminiscéncias pode basear-se numa marcha de baixo que soa as horas do dia terrestre e que marca 0” lugar que ai ocupava (que ainda poderia ai ocupar) 0, ‘antigo ritual”, Ele cita as primeiras paginas do Utsses de Joyce, em que se fazem ouvir as patavras da Itar- ‘a: “Introibo ad altare Det": 0 inicio de Em busca do tempo perdido, em que a ronda das horas em torno do ‘campanario de Combray ordena o ritmo “de um vasto € tinico dia burgues..”; ou ainda Histoire de Claude ‘Simon, em que “as lembrancas da escola religiosa. a n oracao matin em latim, © benedtictte do meto-dia, © ‘angelus do cair da tarde fixam pontos de referencia por entre as janelas, os planos recortados, as eitagdes de toda, frdem. que provém de todos o8 tempos da existéncta, do |maginario e do passado historico, ¢ que prolferam numa, aparente desordem, em torno de un segredo central.” ‘seas “figuras pré-modernas da temporalidace continua ‘com as quais 6 éscritor moderno pretende mostrar que m0 as esqueceu no momento mesmo em que se iberta delas” ‘So, alias. figuras espacials especificas de um mundo que Jacques Le Goff mostrou como se constralu, a partir da Idade Média, em torno da sua igrejae do Seu campanario, pela coneiliagao de uma paisagem recentrada € de um tempo reordenado. O artigo de Starobinskt abre-se signt- fieativamente sobre uma citagao de Baudelaire © do primeiro poema dos Tableau parisiens, onde o espetiiculo da modernidade reaine num mesmo impulso: atelier qui chante et qui bavarde: ics tuyaun les clachers. ces mats de a et, Etles grands elels qui fort rever eternie “Marcha de baixo": a expresso usada por Starobinski para evocar 08 lugares ¢ 0s ritmos antigos € significauva Ma modernidade nao as apaga, mas as coloca em: Segundo plano, Eles sto como que indicadores do tempo que passa e que sobrevive, Perduram como as palavras {que os expressam ¢ ainda os expressarao. Amodernidade emarte preserva todas as temporalidades do lugar, tais ‘como se fixam no espaco e na palavra. ‘emt tgs Ton panes co ue eye sta entre 7) Por tris da ronda das horas e dos pontos fortes da patsagem, encontramoa, na verdad pla © in palavras espectalzadas da iturgla. do “antigo Haat em contraste com aquelas da oftema “que canta e tagarela™ palavras também de todos 0s que. falando @'mesma linguagem, reconhecem que clas pertencem ao mesmo mundo, O lugar se completa pela fata, a roca alusiva de algumas senbas, na conivéncia tna intimidade camplice dos locutores. Vincent Des- Combes escreve, assim, a proposito da Francoise de Proust. que ela compart € define wan territério "ret rico" com todos aqueles que S40 capazes de entrar em Stias rates todos aqueles cujos aforismas, yocabulario € tipos de argumentacao compoem uma “cosmologia. fs que onarrador de Bm busca do tempo perdido chara dea flonotia de Combeay Se um lugar pode se definir como Kdentitério, relacional ¢ histdrico, um espago que nao pode se Gefinie nem como identitario, nem como relactonal. ‘nem como histérieo definira uim nao-lugar. A hipotese Aqui defendida ¢ a de que a_supermodernidade € Drodutora de nao-hugares. isto 6, de espacos que nao Sao em si lugares antropologicos e que, contrariamente A modernidade baudelairiana, nao integram os lugares, ‘ntigos: estes. repertoriados, clasificados e promovidos a “lugares de memérla”. ocupam af um lugar circus. xito'e especifico. Um mundo onde se nasce numa Clinica ¢ se morre num hospital, onde se multiplicam, fem modalidades luxwosas ou desumanas, os pontos de transito © as ocupagdes provisdrias (as cadeias de hhotéis e 08 terrenos invadidos, os clubes de férias, 08 acampamentos de refugiados, as favelas destinadas aos desempregados ou A perenidade que apodrect), cerrada de meios de os ait Ticles, das mach eréelito renovado cont Restos do comércio "em surdina’, um mundo as prometido & individualidade solitria, A passagens, 0 provisério e ao efémero, propde ao antropologo, conto ‘aos outros, um objeto hove eujas dimensies Inédits oartan calculac antes donc See eee once se desenvolve uma te transporte que so também esp freqiientador das grandes sup anitométieas ¢ dos cartoes de esl suseilo, Ac iste even ‘© nao-Iugar como 0 existe sob forma pur: reconstituem nel da “inven- e das “artes de fazer propos andilises to sutis, podem abrir nele um eaminho para ste ai desenvolver suas a0 do cotidiano das quais Michel de Certea cestratégias. O lugar eo nao:lugar sao, antes, polaridades fugidias: o primeiro nunea ¢ completamente apagado ¢ 6 segundo nunca se realiza totalmente — palimpsestos que se reinsereve, sem cessar, 0 jogo embaralhiado da identidade e da rélagéio. Os nao-lugares, contud, ‘sao a medida da época; medida quantiicavel e que se poderia tomar somando, mediante algumas convers0- fs entre superficie, volume e dist fferroviarias, rodoviarias e os domiciios mévets const \derados “meios de transporte” (avides, trens, nibs) (0s aeroportos, as estacdes e as estacdes aeroespaciais| 8 grandes cadeias de hotéts, os parques de lazer, grandes super ‘ribuicao, a meada complex, enfin, 9 flo, que mobilizam 0 es “extraterrestre par comunicagao tao estranha ‘que muilas vezes 86 poe o individuo em contato com, a outra imagem de si mesmo, A diatingto entre lugares nio;huyares passa pela opoetghs do iar uo espago. Mitel de Certeat Prope aa mogoes fe higar¢ de eapaco, sa ardise ei consttul, aq, wm antecedent sbi. Ele Ss ope pr oud esos gafes wos "espepoe coms on "higares” aon "aao-lugarea", ©’ espace para ele, @ =i it pated“ erwzamento te oes trncetSao'ga pageentes que teamaformaln emt expago a rus jeocrstrearneney Simin ligar. A essa colocagao em paralelo do lugar como, Sahin do clemiea oa) evetattiio Gel te ea corm ord oa eta ed cesses nia al deolock esto Sc uiba eee mH correapense ‘aris referencias que precisa aeua terinoe, A prtacia ‘eferenciap. 179) €4 Merieau Ponty que cn ta Fen. enol pero, digas dete gc ea 2 copees anaee ligated eRe ectencat igar de uma experiencia de retagan com 9 mundo de ttn act easencialmente sited "em relagéo com Um tel A segunda € & fala e a0 ato de iocugie: “O capa aurea gta aoe a ae a ‘quando ¢ falada, isto é, € apreendida na ambi ‘cena de: nate Sas convenes. colocado cam 0 ato ‘umn presente uum ‘© modifieado transformagées devidas a viinhanga slcesatvea (p. 173). A terceira decorre da anterior © privilegia 0 _ Felalo como trabalho que, incessantemente, "transfor- ‘ma lugares em espacos ou espagos em lugares” (p. 174). A isso segue-se, naturalmente, uma distingao entre “lazer” e “ver”, que se pode notar na lnguagem ‘comm que sucessvamente propoe wm quiadro (ha. Stutsman Cort ena, atravessa, Vi ‘ou Nos Indicadores dos mapas — desde os mapas fick wan cn aif wnt ce ANU de percursos e tine onde de vals, que comportam es ate m "os' deseritores de pe que aprese mm ase em “elementos de origem ‘disparatada” um “estado” do saber googrifico,O rela “to. enfim, e eSpeciaimente o relato de viagem, compoe ‘com a dupla necessidade de “fazer” ede "ver" (hist6rias de marchas € de gestos sao sinalizadas pela eltagao dos logares que delas restiltam ow que as anitorizam’ p. 17), mas deriva em definitwo do que Certea a de “delingéncia” porque “atravessa’, “trans gride” e cOnsagea “o- pricHegio do. percurso sobre 0 estado" (p. 190), Nesse ponto, so necessérios alguns rigores ter- inologicos. O lugar, como o definimos aqui, nao € em. absoluito o lugar que Certeau opse ao espago, como @ figura geometrica ao movimento, a palavra calada A palavra falada ou 0 estado ao percurso: é 0 lugar do sentido inscrito ¢ simbolizado, 0 lugar antropologieo.. Natura iso que esse sentido seja posto ex cao, que o lugar Se anime e que os percursos se efetuem, fe nada proibe falar de espago para descrever esse move mento. Porém, esse nao € nosso propésito: inchuimos na niocao de lugar antropologico a possibilidade dos, percursos que nele se efetuam, dos discursos que nele Se pronunciam e da Iinguagem que o caracterlza. E a nocao de espago. como € usada hoje (para falar da conquista espacial, em termos, em suma, mais funcio- nais do que liricos, ou para designar 0 melhor ou 0 menos mal possivel, na linguagem recente, mas jé estereotipada das insttuigdes da viagem, da hotelaria ‘ou do lazer, dos lugares desqualificados ou pouco qualificavets: “espagos-lazeres”, “espagos-jogos”, com- pardveis a *ponto de encontro’), parece poder se aplicar de maneira titil, pelo proprio fato de sua auséneia de caracteracao, a8 superficies nao simbélicas do_pla- neta, Poderiamos, entéio, ser fentados a opor 0 espago simbolico do lugar ao espaco ndo-simbdlico do nao-lu- ar. Mas isso seria ater-nos a uma definicdo negativa dos nao-lugares, que fol a nossa até agora, e que a analise da nogao de espago proposta por Michel de Certeaut pode nos ajudar a superar. _O termo “espago", em si mesmo, ¢ mats abstrato do que 6 de “lugar, por cujo emprego referimo-nos, pelo menos, a win acontecimento (que ocorreu), a um mito (lugar-dito) ou a uma histéria (lugar histérico). Ele se aplica indiferentemente a uma extensdo, a uma distancia entre duas coisas ou dois pontos (deixa-se ‘um “espago” de dots metros entre cada moirao de uma cerca), ou a uma temporal ("no espaco de uma semana’). Ele é, portanto, eminentemente abs- _trato, © € significalivo que seja feito dele, hoje, um uso sistematico, ainda que pouco difereneiado, na lingua corrente ¢ nas linguagens particulares de cerias institul- (oes representativas do nosso tempo. © Grand Larousse lilustré da destaque a expressao “espaco aéreo", que designa uma parte da atmosfera cuja circulacao aérea (menos concreta do que seu homélogo do. dominio maritimo: “as aguas territoriais") um Estado controla, mas cita também outros empregos que comprovam plasticidade do termo. Na expressiio "espaco judicitio curopeu", vé-se bem que a nocio de fronteira esta implicada, mas que, abstraida essa nogao de fronteira, €de todo um conjunto institucional e normative pouco ocalizavel que se esta tratando. A expressdo “espago ceili publicitario” aplica-se indiferentemente a uma poresio de superficie ou de tempo “destinado a receber publi eldade nos diferentes veiculos de comu expresso "compra de espaco” aplica-se ao conjunto, das “operacoes efetuadas por uma agencia le publicl- dade sobre um espaco publicitario’. A voga do termo ‘espaco”, aplicado tanto a salas de espetaculo como de encontro 0 Cardin”, em Paris, “Espago Yves Rocher”, em La Gaeilly), a jardins (“espacos verdes"), a assentos de avido (Espaco 2000") ou a automovels, Espace” Renault, comprovam, ao mesmo tempo, termos que povoam a época contemporanea (a publi: cidade, a imagem, 0 lazer, a liberdade, o deslocamento) © a abstracao que os corréi e ameaga, como se 05: consumidores de espaco contemporaneo fossem, an- tes de mais nada, convidados a se contentar com palavras, Praticar 0 espaco. esereve Michel de Certeau, € repetir a experiencia jubilosa e sileneiosa da snfancia: €. ho lugar. ser outro e passar ao outro” (p. 164). A experiencia jubilosa e stlenciosa da infancia é aexperién- ‘ia da primeira viagem. do naseimento como experséncla primordial da diferenciacao, do reconhecimento de st Como si mesmo ¢ como outro, que reitera a do andar como primeira prética do espaco e a do espelho como: Ira identificacao com a imagem de si. Todo relato volta infin. Ap recorrer A expresso “relatos de espaco”, Certeau quer tanto falar dos relates que "atra- vessam* ¢ “organizam” lugares (Todo relato é um relato de viagern...", p. 171) quanto do lugar que cons- lutut a eseritura do relato (a leltura € © espaco produzido pela pratica do ligar que eonstitut um, sistema de signos — um relato", p. 173). Porém, esse livro se escreve antes de se ler; ele passa por diferentes lugares, antes de constituir um: como a viagem, 0 relato que fala dele atravessa varios lugares. Essa pluralidade de lugares, 0 excesso que ela impde ao olhar ¢ a deserigao (como ver tudo? como dizer tudo?) © 0 efeito de “expatriacao” que dai resulta (nos remete- remos a ele mais tarde, por exemplo, comentando a fotografia que fixou o instante: "Veja 86, sou eu, ao pe do Partenon”, mas, no instante, acontecia de nos ‘espantarmos: “Que é que vim fazer aqui?”) introduzem centre 0 Viajante-espectador ¢ 0 espaco da paisagem que ele percorre ou contempla uma ruptura que 0 impede de ver at um lugar, de af se encontrar plena- ‘mente, mesmo que tente prcencher esse vazio com as ‘informagdes multiplas e detalhadas que Ihe propéem, 0 guias turisticos... ou os relatos de viagem. ‘Quando Michel de Certeau fala em “ndo-lugar” & para fazer alusdo a uma espécte de qualidade negativa do lugar, de uma auséneia do lugar em si mesmo que Ihe impde o nome que Ihe é dado. Os nomes : diz-nos ele, impOem ao lugar “uma injuncao vinda do outro (uma hist6ria...)”. E € verdade que aquele que, ‘a0 tracar um itinerdrio, enuncia seus nomes nao co- nhece necessariamente muita coisa dele. Porém, os homes. por si s6, bastam para produzir no higar “aquela erosdo ou néo-lugar que af cava a lei do outro” (p. 159)? Todo itinerario, precisa Michel de Certeau, € de certo modo “desviado” pelos nomes que Ihe dao “sentidos (ou diregdes) até ai imprevisiveis", E acres- centa: “Esses nomes criam 0 nao-lugar nos lugares; cles os transformam em passagens” (p. 156). Poderia- ‘mos dizer, inversamente, que o fato de passar da um, estatuto particular aos nomes de lugar, que a fenda n escavada pela let do outro € onde o olhar se perde €.0 horizonte de toda viagem (soma de lugares. negacao do lugar). que o movimento que “desloca as linhas” € atravessa os lugares €, por definicao, eriador de itine- rarios, isto ¢, de palavras ¢ de nao-lugares. © espaco como pratica dos Iugares © néo do kugar procede, na verdade, de um duplo deslocamento: do Vajante. € claro, mas também, paralelamente, das pal. Sagens. das quais ele nunca tem sendo vis6es parctals, nvancos". somados confusamente em sta Memoria rralmente. recompostos no relato que ele faz delas 10 encadeamento dos slides com os quais, na volta, poe 0 comentario a seu eirculo, A viagem (aquela "10 etndlogo desconfia a ponto de “odia-la") cons- na relacao fictiea entre olhar e palsagem. E, 8¢ chamarmos de “espaco” a pratica dos lugares que define ‘specificamente a viagem. ainda € preciso acrescentar {gue edstem espacos onde o individuo se experimenta Como espectador, sem que a natureza do espetsculo the importe realmente. Como se a posicio do espectador Conslituisse 0 essenclal do espeticulo, como se, em Uelinitivo.o espectador. em posicao de espectador, fosse para si mesmo sen proprio espeticulo, Muitos praspec- tos turisticos sugerem um tal desvio, um tal giro do ollar, propondo por antecipagao ao amador de viagens a ima- rostos euiriosos ou contemplativos, solitrios ow idos, que escrutam 0 tnfinito do oceano, a cadeia tie montanhas nevadas ou a linha de fuga de um te urbano repleto de arranha-céus: sua imagem, cm suma, sua imagem antecipada, que 96 fala dele, mas porta um outzo nome (Tal 0 Alpe de Huez, Nova York). G espaco do viajante serta, assim, © arquétipo do ndotugar, tem outro fim senao ele mesmo — sendo aquele da cocrita que fixa e reltera sua imagem, Tudo € dito claramente desde 0 primeiro preficio do Itinerdro de Paris a Jerusalém. Ai, Chateaubriand se defende de ter feito sua viagem “para escrevé-lo™ mas reconhece que queria procurar ai “imagens” para Os martires. Ele nao pretende a ciéncia: “Nao caminho fem cima das pegadas dos Chardin, dos Tavernier, dos Chandler, dos Mungo Park, dos Humboldt... (p. 19) [De modo que essa obra, confessadamente sem finalt- dade. corresponde ao desejo contraditorio de nao falar senao de set ‘Contudo, € 0 hi rade soluto com pi privilegiados pelo visitante © que 0 ‘a9 evidentemente aqueles de onde ‘série de pontos notavels (". mon 7 que, vollando sobre si mesma por objeto, parece dissolver-se na mulll- {ois ollares passados e vindouros: “Aquele tninha vez, outros homens (ao fag ch ira fazet as mesmias tellexbes sabre ‘inas.."(p. 188). 0 ponto de vista Idea porque sreseenta a distinela 0 eelto do movimento, ee ponte do navio que se afasta A evoragao da tera “we denaparece basta para provocar aqua do passa~ fio que ainda procura ensergila: logo nao passa de Auica, 0 espeticulo que eu x outemplade por olnosfechados ha dol nil anos, uma Sombra. um rumor. um ruido. Essa abolicso do lugar ¢ também o cdimulo da viagem. a pose derradeara do viajante: “A medida que nos afastévamos. as col- znas de Sunium parectam mais belas acima das ondas- nos as enxergavamos perfestamente Sob o azal do of. por causa de sua extrema brancura e da serenidade da Doite. Jd estdvamos bem longe do cabo, « nosso oumdo ainda era atingido pelo marulho das ondas 20 pt do rochedo. pelo murmiirio do vento nos zimbros. © ‘pelo canto dos grilos que 540 hoje os tinicos habitan- {tes das ruinas do templo: esses foram os dltimos rruidos que ouvi em terra grega” (p. 190). (© que quer que diga sobre isso (CSerei talvez 0 \altimo frances saido do meu pais para viajar pela Terra, os sentimentos de ‘memoravel no. do de endo. senda cue se vl iascar af wale pra Ine come va aterm ara can peregrina sn da gua. Dados aparentes, por tras dos quais se dissimulava, mais profundamente — uma realidade que parece tmpor-se a intugao de alguns homens da Igrefa, no inicio do século XII, aquela, pelo encaminh: mento maritime, da realizacao de um rito de passage 30, Com Chateaubriand, trata-se de algo completa mente diferente; o objetivo final de sua viagem nao € Serusalém, mas a Espanha, onde ele vai ao encontro {4a amante (porém o Tlinerdrio nao € uma contfissao. Chateaubriand se cala “mantém a pose"); os lugares santos, sobretudo, do 0 inspiram. Jd se escreveu muito sobre cles: ~.. Aqui, sinto um certo acanha- mento. Devo oferecer a pintura exata dos lugares Santos? Mas entao 6 posso repetir o que Ja se disse antes de mim: nunea um assunto foi, talvez, tao pouco conhecido pelos lestores modernos. ¢, todavia, humca um assunto fol mais completamente esgotado. Devo omitir a parte mais essencial da minha viagem, ¢ com isso fazer desaparecer 0 que é seu fim ¢ meta? {p 308), Sem dsivida, também, em tats lugares. © eristao que ele quer ser nao pode celebrar tao facil- mente o desaparceimento de todas as coisas quanto diante da Atiea ou da Lacedeménia, Entaio, desereve fom aplieacao. da mostras de erudicdo, eila paginas intciras de viajantes ou de poetas como Milton ow Tasso, Esquiva-se, e, dessa vez, € a abundincia do verbo ¢ dos documentos que permitiria definir 08 igares santos de Chateaubriand como um nao-higar 's que nossos prospectos e gulas n em imagens ¢ frases. Se vollarmos por um. instante A andlise da modernidade como coexisténcia desejada de mundos diferentes (a modernidade baude- lairiana), constataremos que a experiéneia do nio-lugar como afastamento de si mesmo e colocagao a distan- ‘cia simultanea do espectador ¢ do espetaculo nem rn sempre est ausente disso. Starobinskt, em seu co- mentario do primeiro poema dos Tableaux paristens, Insiste na coexistencia dos dois mundos que a cidade moderna estabelece, chaminés ¢ campandrios con- fundidos, mas também situa a posicao particular do poeta que deseja, em suma, ver as coisas do alto ¢ fe Longe, endo pertence nem ao universo da religiao em ap do trabalho, Essa posicao corresponde, para Starobinski, ao duplo aspecto da modernidade: “A. ‘perda do sujeito na multidao — ou, a0 contrario. 0 oder absoluto, reivindicado pela consciéncia indivi- dual" ‘Mas pode-se também observar que a posicio do poeta que olla 6, em si, espetaculo. Nesse quadro pparisiense, 6 Baudelaire que ocupa 0 primetro lugar, faquele de onde cle enxerga a cidade. mas que um outro ele, a distancia, constitu como objeto de “se~ ‘gunda vista": es de man a meni, Hit de ma ans Severna ju change et qui havarde. ies'tuyause tes locherss Assim, Baudelaire nao poria simplesmente em ‘cena a necessaria coexistencia da velha religiao ¢ da industria nova ou 0 poder absoluto da consciéneta individual, mas uma forma muito particular € moder- na de solidio. A evidenciacao de uma posigao, de uma “postura’, de uma atitude, no sentido mats fisico ¢ ‘mais banal do termo, efetua-se ao cabo de um movi- +0 qt aed nae on lle da ha naar, ‘tenor cnt ge Neches cpanaroe ET mento que esvazia de quak © sentido a paisagem ¢ 0 olhar que a tomava por objeto, visto que E precisamente o olhar que se funde na palsagem ese c r seyundlo © indeterminave © objeto de um olha E a tals deslocamentos do 0 Imagens, a tals desbastes da conse 1 tats jogos de nek que podem conduzit, a meu ver, mas dessa ver de ‘iste imatica, seneralizada e prosaica, as manifestagdes mats caracteristicas do que propus chamar de “Supermo- dernidade”. Esta impoe, na verdade, as consckenckas individuats, novissimas experiéncias © vivénelas de solidiio, diretamente ligadas ao surgimento ¢ A prolife ragiio de nao-lugares, Mas, sem divida, seria ati nies de passar ao exame do que sao os nao-lugares: fa supermodernidade, evocar, ainda que de forma falusiva, a relagto que manuinham com as nogdes de Inugar e de espaco os represe reconhecidos da "modernicade” em interesse de Benjam , de modo mais geral, pela ato de qu que t agens’ vidro, diz respeito 20 tama vontade de pref do mesmo modo, se os representantes fem, aos quass 0 espago concreto no ofereceu materia para rellexto, niio esclare~ (ecipacdo certos aspectos da supermo~ nnao pelo acaso de algumas intuigdes 1as porque fa encarnavam, excepeionalmente (como artistas), sttuagdes (posturas, atitudes) que pas- ‘Saram a ser. em modalidades mais prosaicas, um bem. ‘Ve-se bem que por “nao-lugar” designamos duas realidades complementares, porém, distintas: espacos, constititidos em relacao a certos fins (transporte, tran- Sito, comércio, lazer) ¢ a relagdo que os individuos: mantém com esses espacos. Se as duas relacdes se correspondem de maneira bastante ampla e, em todo, caso, oficialmente (0s individuos viajam, compram, Fepousam), ndo se confundem, mesmo assim, pols os nao-lugares medetam todo um conjunto de relagdes: ‘consigo ¢ com os outros que 86 diz respeito indiretamen- te a seus fins: assim como os Iugares antropol6gicos: ccriam um social orgfinico, os nlo-lugares criam tensdo Solitaria. Como Imaginar a analise durkheimiana de ‘uma sala de espera de Roissy? A mediagio que estabetece o vineulo dos indivi- ‘duos com o seu cireulo no espaco do nao-lugar passa por palavras, até mesmo por textos, Sabemos, antes, ‘He'mais nada, que exlstem palavras que fazer nae gem, ow melhor, imagens: a imaginagao de cada wm daquetes que munca foram ao Taitt ou a Marrakesh ppode se dar livre curso apenas ao ler ow ouvir esses nomes. slo Sctotre ewan Pare seu ener muitos prémios, ve estadas Cuma semana Sm pnt compista Fria) eu spies ce ever ‘io basta para o prazer dos especiadores que nao So E nunea serdo seus beneficiarios. O “peso das pala~ tha bane [rOprioerunytiorsubestritnos lent ea _gem, mar, sol, cruzeiro...) posstem, quando se oferece 8 ocastio, em certos contextos, a mesma fora de socom, TNA Re, AN WENNER HAVER, A ALTAEAD, qiie patteram © poten exercer ety Inytares thstante ipalavras para itoe menos exitieas, oh Hhestho despia ‘He qualquer efeito de distancia, come Aneta, ENO pa, Ocidente, consume, eftculagao, Certos hagates 86 existem pelas palavras que os evpean, nad-lugares: esse sentido ou, antes, lugares imagiNarlos, {HOplas danais, cliches, Bles sao 0 contrario do ndo-Nigar mando Mich arto do tugarslito ‘se sabe quem 0 disse © 0 ‘nao cava um fosso entre A produz 0 nevortar fos telespes pases aaa © turismo se desenvolve) Porém, os nio-lugares reals da supermodernida- de. aqueles que tomamos emprestadas quando rodamos. na auto-estrada, fazemios compras no supermercado ou esperamos num aeroporto © préximo v60. para Londres ou Marselha, tém isto de particular — defl- nem-se, também, pelas palavras ot textes que nos propocm: seu modo de usar, em suma, que Se exprime, conforme o caso, de maneira prescritiva (pegar a fila la direita”), proibitiva (protbido fumar") ou informativa (vor esta entrando no Beaujolais") ¢ que recorre tanta, 2 adeogramas mais ou menos explicitos € codificadas (0S, do cocigo da estrada ou dos guias turisticos) quanto &, jua natural. Assim, sao instaladas as condigdes de circulacao em espagos onde se supde que os Indivi- duos So interajam com textos, sem outros enunciantes, que nao pessoas “morats” ow Instituigdes (aeroportos, ‘companhias aereas, Ministerio das Transportes, socte- nin in i me preseniga se adlivinta bg ou a a St St Se tn ‘aliechr o dolado eats Daan para borer mut condigoes de vida"), por trae clas Injungoes, dos conve. thos, dos comentarios, das “met tranernitidas: ee Sopra a ace nc ia fat faeces orca vaults Fares ein ec 2 eo Saeeas eeraceen ts ae samos do filme intimista para os grandes horizontes: Shccaninesaer meats ee eect nicos ou naturais sao a oportunidade de wm texto, as Sze gmamentado porn desenho esquematico, qua parece que © viajante de passagem nao esta, na ‘realidade, em situacdo de ver o ponto notavel sinalizado A sua atengao ¢ encontra-se, a partir dese momento, ‘condenado a extrair prazer apenas do conhecimento, ‘de sua proximidade, © percurso rodoviério €, portanto, duplamente notavel: ele evita, por necessidade funicionall todos os lugares memoraveis dos quals nos aproxima, mas os comenta; os postos de servico somam.-se a essa flor macao © se dao, cada vez mais, ares de casas da cultura regional, propondo alguns produtos locals, ‘mapas e guias que poderiam ser titels a quem parasse all. Mas justamente a maloria daqueles que passam nao para: eles passam de novo, eventualmente, todo verdo ou varias vezes ao ano: de modo que 6 espago, abstrato que séo regularmente levados-a ler mals do” Que a olhar torna-se, a longo prazo, familiar para eles, como sc tornam familiares, para outros mats afortu. nados, o vendedor de orquideas da aeroporto de Bangeoe ou 0 duty-free de Roissy 1 Ha uns 30 anos, na Franca, as estradas nacionats, as departamentais ¢ as vias férreas penetravam tia intimidade da vida cotidiana. O percurso rodevidrio. © 0 percurso ferrovidrio se opunhiam, dese ponto de Vista. como o lugar € 0 contrario, ¢ essa oposigao conti. hua parcialmente atual para quem se limita, hoje, a frequéncia das estradas departamentais ¢ dos trans- portes ferrovidrios que nao o TGV, até mesmo das lnhas regionais, quando elas ainda existem, visto que significativamente sao os servicos locals, as vias de nteresse local que desaparecem. As estradas departa- ‘mentals, muitas vezes condenadas, hoje, a contornar 8 aglomeracées, transformavam-se recentemente, de forma regular, em ruas de cidade ou de aldela, ladea- das pelas fachadas das casas. Antes das 8 horas da manha, depois das 7 horas da noite, o viajante ao volante atravessava um deserto de fachadas cerradas Wanelas fechadas, luzes filtradas pelas persianas, ou ausentes, $4 que 08 quartos ¢ salas de estar io com iteaencia para os fundos) cle era testemaatha da reportagens. fotografia ¢ propagandas, de viver na escala (ou na imagem) do mundo hodierno. Outro exemplo de invasiio do ‘as grandes superficies nas quais 0 cliente circula silenciosamente, consulta as etiquetas, pesa legumes ” ow frutas numa maquina que the indica, com o p © preco, ¢ depois estende 0 eartio de crédito a uma Jovem também silenciosa, ou pouco loquaz, que submete cada artigo ao registro de uma maquina decodificado- ra, antes de verilicar 0 bom funcionamento do cartéo de banco. Diilogo mais direto, porém, ainda silencio- so: 0 que cada titular de um eartao com a maquina distribuidora na qual el e cuja tela sao-The transmitidas instrugdes, geralmente estimulantes, mas que por vezes constituem verdadei- ras invocacées a ordem (‘Cartio mal introduzido Retire seu cartao”, "Leia atentamente as instrugdes") Todas as interpelacdes que emanam de nossas estra- das, ce irdas do sistema na Ikanea e indiferen- m de nés (‘Obrigado por sua visita”, “Boa viag ato por sua confianga’), qualquer am de nés: elas fabricam 0 homem medio", definido como usuario do sistema rodov ercial ou bancario. Elas o fabs event certas estradas ¢ auuto-estradas, o aviso repentino de um painel luminoso (110! 110!) chama & ordem 0 motorista muito apressado; em certos cruzamentos parisienses, a travessia de um farol vermelho € automat- fcamente registrada e 0 carro do culpado identificado por foto. Todo cartao de banco traz um eédigo de {dentificagéio que permite a maquina distribuidora for- necer informacoes a Seu titular, ao mesmo tempo que. uma lembranca das regras do jogo: "Vocé pode retirar 600 francos", Enquanto a identidade de uns ¢ outros € que constituia o “lugar antropolégico”, por meio das conivéncias da linguagem, dos sinais da paisagem, das regras nao formuladas do bem-viver, € 0 nao-lugar que cria a identidade partillhada dos passageiros, da clien- fesquina de nossas ruas visam si temente a cada tela ou dos motoristas “dominguetros”. Sem divida, mesmo 0 relative anonimato que diz respeito a cada identidade provisoria pode ser sentido como uma i bertagao por aqueles que, por um tempo, nao tém mais que manter seu nivel, ficar no seu lugar, cuidar da aparéncta. Duty-free: apenas declinada sua identidade pessoal (a do passaporte ou da cartetra de identidade), © passagetro de um v0o préximo se atira no espaco “wre de taxas”, iberado ele mesmo do peso das baga- gens ¢ das cargas do cotidiano, menos para comprar por um preco melhor, talvez, que para sentir a realida- de de sua dlisponibilidade do momento, sua irrecusavel qualidade de passageiro em instancia de partida, Sozinho, mas semelhante aos outros, 0 usudrio do nao-lugar esta com este (ou com os poderes que 0 governam) em relacio contratual. A existencia desse contrato Ihe € lembrada na oportunidade (o modo de uso do nao-lugar ¢ um dos elementos do contrato}: a passagem que ele comprou, 0 eartéo que devera apre- ‘sentar no pedigio, ou mesmo o carrinho que empurra nos corredores do supermercado sao a marca mais ou menos forte desse contrato. © contrato sempre tem relacdo com a identidade individual daquele que 0 subscreve. Para ter acesso as salas de embarque de uum aeroporto, € preciso, antes, apresentar a passagem, ao check-in (o nome do passageiro esta inserito nela); apresentacao simultanea, ao controle de policia, do visto de embarque e de algum documento de identifi- cacao fornece a prova de que o contrato foi respeitado: ‘as exigéncias dos diferentes paises sao diferentes quanto a isso (carteira de identidade, passaporte, passaporte € visto) e ¢ desde a partida que nos asseguramos de que isso foi levado em consideracao. O passageiro 86 % cin centio, seu anonumato apss ter fornecido a ssa Klentielade, de corte modo, assinado o oO chente do Sapermercad, Se paga com com o carta do baneo, tambem declina sta ascam como o USRATO da ato-estrada, De usuario do no-tugar é Sempre obr4gAdO x mooeneta. O controle @ prior! ot a poste. ntktade © do contrato caloca espago do confemporanes Sob 9 Signo do niho- Rage: 86 a.cle se anocente, As pakavras agit quase m mats. Nao existe individualizagao (de anonimato) sem controle de kdentiade, gue Se entenda que os critérias da tnocén- enterios convencionades © aficiais da ic mndvxtual (os que fguram nos cartdes € son mestertosos Acharios|. Mas a MOcen= (cra cosa: o espaco do nao-hagsr Herta, inagdes habituats quem ele pene « no € mass Go que aquilo que faz ou ive como pascaeue. cliente, chofer. Talvez ele ainda esteja cheto preocupacdes da véspera. jf preocupade com o dia ss seu ambiente do momento © afasta te disco. Objeto de uma Suave passes: pandona com mais ou menos talento Se ccmetoras como qualquer possuide, Saboreia por ‘um tempo as alegrias passivas da desidentificagse €0 prazer mats ato da mterpretagao do papel. oom suman amagem de st mesmo que ele $e acha controntado em definitive, mas uma estranhissima imagem. na verdade. O tinico rasto que se esboca. a ‘unica vor que toma corpo. no dilogo silencioso que ele prossegue com a paisagem-texto que se dirige a cle como 20s outros, Sto 0s seus — rasto ¢ vor de uma soliddio ainda mais desconcertante porque evoca mi hoes de outras. O passagetto dos mio-t ‘30 {odo no lugarinio eria nem identidade singular nea relacio, mas sim solidao e similitude. Ele também nito concede espago a histéria, even~ ‘tualmente transformada em elemento de espetitculo, {sto €, na mator parte das vezes, em textos alusives. A propostas, impostas aos {otal, tudo se passa como se 0 espac ‘tempo. como se néio houvesse outra hist6rla se- 9 as noticias do dia ou da vesps ‘como se cada tivos, palavras ¢ ayens ‘no estoai Assaltado pelas imagens que difundem, den nelra superabundante, as insttulcbes do comércio, dos transportes ou da venda, 0 passageiro dos néo-lu- ares laz a experiencia simulldnea do presente perpétso fe do encontro de st ntro, identificagao. ima igem: aquele qua te que parece saborear {elicidades inefaveis sob 0 olhar atento de uma aero- otra, € ele; aquele piloto de olhar resoluto que po-diesel em sabe-se la que pista africa- e viel, que uma mulher Contempla amorosamente porque ele usa uma colonia de perfume selvagem, ainda ele, Se esses convites & Identificacao séo essenctalmente masculinos, € porque 6 ideal do eu que eles difundem ¢, na verdade, mascu- lino e, no momento, uma mulher de negocios ou uma motorista digna de crédito so representadas como que possuindo qualidades “masculinas". O tom muda, na~ furalmente, ¢ as imagens também, nos nao-lugares menos. prestigiosos que so 0s supermercados, fre- quentados majoritariamente por mulheres. © tema da lgualdade (até mesmo, em altima insténcia, da indis~ inco) dos sexos ¢ ai abordado de maneira simétrica ¢ inversa: 08 novos pals, Ié-se as vezes nas revistas “femininas”, interessam-se pela manutencao da Orga nizacio doméstica e pela troca de fraldas dos bebés. ‘Mas também se percebe nos supermercados 9 rumor do. prestigio contemporaneo: midias, estrelas, atuall- dade, pots o mais notavel, no total, continua a sero ‘que poderiamos chamar de “participagdes cruzadas” dos aparethos publicitarios. ‘As radios privadas faze das lojas de departamentos; as lojas de departamentos fazem pro- Paganda das radios privadas. Os postos de gasolina das férias oferecem viagens para a América ¢ 0 rédio, ‘nos informa disso. As revistas das companhias aéreas fazem dos hotéts, que fazem te interpelado. A tentacao do narcisismo €, aqui. ainda mais fascinante, porque parece expressar a let co- ‘mum: fazer como os outros para ser voce mesmo. Por ‘outro lado, como todas as cosmologias, a nova cosmo- logla produz. efeitos de reconhecimento. Paradoxo do ‘nao-lugar: 0 outdoor de wma marca de gasolina cons ‘utul para ele tum sinal tranquilizador, ¢ ele encontra com alivio nas gondolas do supermercado 0s produtos de limpeza, domeésticos ow alimentare Jas firmas mullinacionais, Inversan Leste conservam um certo. exotist possuirem todos os melos de ir a0 fhnundial do consumo. >. por ainda nao ncantro da espiago Na realidad concreta do mundo de hoje, 0s hugares © 08 espagos, os Ingres € 08 ni: interpenetram-se. A possibili esta ausente de qualquer lugar que seja, A volta a0 ugar €0 nla 08 nao-tugares (e que sonh: residéncia secun- daria enr ‘da terra). Lagares € zndo-lugares se opdem (out Se atraem), como as palavras e as nodes que permitem descrevé-las, Porém, as pala vras em moda —as que nao tinham direito a existéncia ha uns 30 anos — so as do nao-lugar. Assim, pode> mos opor as realidades do trdnsito (os campos de transito ou os passageiros em transite) aquelas da residéncia ou do domicilio, 0 trevo (onde a gente nao se cruza) a0 eruzamento (onde a gente se encontra), 0 passageiro (que define sua destinagao) ao viajante (que flana a caminho) — significativamente, aqueles que ainda Sao viajantes para a SNCF tornam-se passagel- ros quando tomam 0 TGV —, 0 conjunto (grupo de habitagdes novas", para 0 diciondrio Larousse), onde: nao se vive junto € que nunca se situa no centro de hada (grandes conjuntos: simbolo das zonas ditas periféricas), a0 monumento, onde compartilhamos ¢ Comemoramos, a comunicagdo (seus cédigos, suas ima- gens, suas estratégias) a lingua (que se fala), Ovocabulario, aqui, € essencial, pois tece a trama dos habitos, educa o olhar, informa a paisagem. Volta- ‘mos por um momento a definicao que propoe Vincent Descombes da nogo de "pais retorico”, fandamentan- do-se em uma andlise da “flosofia”, ow methor, da “cosmologia” de Combray: “Onde 0 personayem esta em casi? A questio diz respeito menos ao tereitério Heografico do que 20 territorio retérico (tomando a palavra retirico no sentido clissico, sentido definido por alos retirieos como a peroracdo, a acusagao, o logo. a censuira, a recomendacao, a adver tencta ete.) (0 personagem esta em casa quando fica A vontade na reldrica das pessoas com as quais compartilha a vida. (© sinal de que se esta em easa é que se consegue se Iaver entender sem muito problema, € ao mesmo tempo ‘se consegue entrar na razdo de seus interlocutores, sem precisar de longas explicagoes. O pais retorico de um personagem para onde seus interlocutores no com- preendem mais as raz0es que ele da de seus fatos ¢ {gestos, nem as quetxas que cle formula ou as admira- ‘coes que manifesta, Uma perturbacao de comunicagao etorica manifesta a passagem de uma fronteira, que € preciso, é claro, ser representada como uma zona fronteirica, um limite, mais do que como uma linha bem tracada” (p. 179). ‘Se Descombes tem razao, deve-se conelutr «isso ‘que, no mundo da supermodernidade, sempre s¢ esta nunca se esta “em casa": as zonas fronteiricas ou os uumites” de que ele fala nunca mais introduzem a mundos totalmente esi A. supermodernida- de (que procede simultaneamente das’ excesso que sao a superabundaneta fa ‘bundanela espacial ea individualizacao das ) encontra naturalmente sua expresso completa nos nao-lugares. Por estes, ao contrario, transitam pala- vras e imagens que retomam raiz nos lugares ainda ddiversos onde os homens ten dde sua vida cotidiana. Acontece rnao-lugar toma empresta Fepouso” —o termo mais neutro possivel, om nao-lugar — S80, as ve a algum a roxio, a Combe-Tourm a do Hibou, fea do Gite-aunx-Loups, area te, area das Croquettes. Vivemos, portanto, num mundo onde o que os etndlogos chama- vam tradicionalmente de "contato cultural” se tornow. lum fendmeno geral. A primeira dificuldade de uma etnologia do “aqui” é que ela sempre trata com 0 ‘distante”, sem que 0 estatuto desse “distante” possa ser constituido como objeto singular e distinto (ex0tico) A linguagem comprova essas impregnacoes mulliplas, (© recurso ao baste english da ‘comunt- cacao ou do marketing € revelador a este respeito: ele marca menos o triunfo de uma linguagem sobre as outras do que vocabuldrio de recep Se vocabulario generalizado ¢ que ¢ significativa, mais do que o fato de que ele seja inglés. O enfraquecimento Lnguistico Ise chamarmos assim a baixa competéncia -mantica ¢ sintatica na pratica média das linguas: faladas) ¢ mais imputdvel a essa generalizagao que a contaminacio © subversao de uma lingua por uma Ve-se bem, a partir de enlao, 0 que a supermodernidade da modernidade tal como a ‘Starobinsld por meio de Baudelaire, A supermodernidade ‘nao ¢0 (odo da contemporaneidade, Na modernidade da patsagem baude! a0 contrério, tudo se mists- fru, tudo. se mantém: 08 eampanarios ¢ as chamines Sao os “donos da cidade”. O que espectador da tmodernudade contempla €a embrleagaio do antigo © do novo. A supermodernidade faz do antigo (da historia) tim espetacuto enpeeifico — como de todos 08 exols- Ios e particularisinos locals. A historia © o exotisio Tepresentam, al, 0 mesmo papel que as “citacdes” no texto escrito — estatuto que se exprume as mil mar ‘tls nos caélogos editados pelas agencias de viagens. Nos nao-lugares da supermodernidade, sempre ha ‘um lugar espeeifico (na vitrine, no cartaz, a direita do fapareiho, a esquerda da auto-estrada) para “curiosi- ddndes” apresentadas como tals — abacaxis da Costa {do Marfim: Veneza, cidade dos Doges: a cidade de ‘Tanger: o sitio de Alésia. Mas eles nao operam nenbu- ‘ma sintese, no Integram nada, 6 autorizam. 10 tempo de um percurso, a cooxisténcia de individuall- dades distintas, semethantes © indiferentes umas as ‘tras. Se os nao-lugares so o espaco da supermoder- hidade, esta ndo pode. portanto, pretender as mesmas lambigdes que a modernidade. A partir do momento Aue as indvduos ge aproximam fazem 0 socal ¢ ‘poem ordem nos lugares. O espago da supermoderni- fade ¢ trabalhado por esta contradicao” cle so tata com individuos (chentes, 5 UstaHIOS, Ou vintes), mas eles 36 sao identificados, soctalizados © localizados (nome, profissao, local de naseimento, en- derego) na entrada ou na sada. Se os nao-lugares S80 © espaco da supermodernidade, ¢ preciso explicar ‘este paratlono: 0 Jogo social parece acontecer mals nowtros Iugares do que nos postos avancados da contemporancidade. f manelra de um smenso pa- réntese que os ndo-lugares recebem individuos a cada dia mais numerosos, Por i880, eles S40 particularmente visados por todos aqueles que levam até o terrorist Sua paixio pelo territorio ser preservado ou con. quistado. Se os acroportos € os avides, as lojas de Jepartamentos © as garagens sempre foram 0 alvo privilegiado dos atentados (para nao falar dos carros- Domba). ¢ sem duivida por razbes de eficdcta, se € que se pode usar essa palavra. Mas talver seja também Que. mais ou menos confusamente, os que relvin- socializacées e novas localizagoes s6 podem ver ‘a negacao de seu ideal. O ndo-lugar €9 contréri0 opin: ele existe e nao abriga nenhuma Sociedade Encontramos. nesse ponto, uma questo que ja anteriormente: a do politico. Num artigo dedi- lembra o que foram ical ¢ a cugéncia do convencional Anacharsis 2 qualquer poder ~incorporado", ele > rei. Toda localizacao do poder, toda gular. mesmo a divisdo da humanidade dp gener humano. Nessa perspectiva, ss. 56 € um lugar privilegiado ma medida, onuzat” ~O paradox do centro dessa huma- dose abstrata, universal —e talvez ndo simplesmente burquesa —. escteve Agacinskt, € que ele € também um nao-lugar. uma parte algama, um pouco aquilo gue Michel Foucault, sem incluir aia cidade, chamava pe ep af 107- «te “heterotopia” (pp. 204-205). & bem certo que, hoje, em escala mundial que se manifesta a tensao entre pensamento universal e pensamento da territorialda- fhe. Nao abordamos, ag. 0 estudo disso senao por tum de seus aspectos, a partir da constatagao de que ‘uma parte crescente da humanidade vive, pelo menos: fem tempo paretal, fora de terrtério, ¢ que. por conse- Jguinte, ns proprias condigbes de definicao do empirico Edo abstrato estao se mexendo sob 6 esto da teiplice ‘aceleragdo da supermodernidade. O “fora de lugar” ou o “nao-lugar™ que o individuo daa supermodernidade freqiienta nao ¢ 0 -nao-Ragar” do poder. em que se estabelece a dupla e contraditoria, necessidade de pensar e de situar o universal, de fanular e de fndar 0 local, de afirmar e de recusar a origem. Essa parte impensavel do poder que sempre. fandamentou a ordem soctal, se necessario tnvertendo, como que pelo arbitrio de um fato natural. os termos ‘que servem para pensi-lo, encontra sem divida wma expresso particilar na vontade revolucionaria de pensar ao mesmo tempo o universal ¢ a autoridade, de recusar 20 mesmo tempo o despotismo ¢ a anar- quia, mas ela € mais geralmente constitutiva de toda ordem localizada que, por definicao, deve elaborar ‘uma expressao espacializada da autoridade. A pres- ‘sto que pesa sobre o pensamento de Anacharsis Cloots {0 que permite. quando hia oportunidade. ressaltar ‘sua “ingenuidade"), € que ele vé o mundo como um ugar — lugar do género humano, certamente. mas ‘que passa pela organizagao de um espago © pelo Teconhecimento de tm centro. Alas, € bastante signi- fieativo que, quando se fala hoje em Europa dos Doze ou em Nova Ordem Mundial, a questao que se coloca imediat mente seja ainda a da loc 10 do verda: deiro centro de uma ou de outra: Bruxelas (para ndo. falar em Estrasburgo) ou Bonn (para nao falar Berlim)? Nova York e a sede da ONU, ou Washington, © 0 Pentagono? O pensamento do lugar esta sempre em nds e a “ressurges alismos, que Ib confere uma nova atu e, poderia passat por tm “volta” a localizacao da qual o Império, como preter dida prefiguragao do género humano vindouro, poderia parecer haver-se afastado. Porém, na verdade, a lin- Guage do Império era a mesma que a das nagées qh © rejeitam, talvez porque o antigo Império, assim como as novas nagdes, devam conquistar sua modernidade antes de passarem para a supermodernidade. O Im- pério, pensado como untverso “totalitario”, nunca € lum nJo-lugar. A imagem a ele associada €, ao contré: rio, a de um universo onde ninguém nunca esta sozinho, onde todo mundo esta sob controle imediato, onde 0 passado como tal ¢ rejeitado (faz-se dele tabula. rasa). O Império, como o mundo de Orwell ou 0 de Kaflca, no € pré-moderno mas sim “para-moderno"; fracasso da modernidade. nao €, em caso algum, seu. futuro € nao provém de nenhuma das trés figuras da supermodernidade que tentamos evidenciar. Ele € mesmo, muito estritamente, 0 negativo delas. Insen- sivel a acelcracao da hist6ria, ele a reescreve; preserva seus residentes (estrangeiros) do sentimento de retrat- mento do espaco limitando a berdade de circulacdo € de informacao: por isso mesmo (e como aparece em suas reacdes crispadas As iniclativas tomadas a favor do respeito aos direitos humanos), ele afasta de sua ideologia a referéncia individual e assume o risco de projeté-la para fora de suas fronteiras — figura furta- cor do mal absoluto ou da sedugao suprema, & claro que, primeiro, pensa-se no que fot a Unio Soviética, mas existem outros Impérios, grandes ou pequenos, ¢ a tentago que certos politicos tém, as vezes, de pen ‘sar que a instituigao do partido tintco € do executive, soberano constitu um antecedente necessario & de- mocracia, na Africa ou na Asta, provém estranhamente dos esquemas de pensamento cujo arcaismo ¢ cujo ccarater intrinsecamente perverso eles denunciam quan- do se trata do Leste europe. Na coexisténcia dos lugares e nao-lugares, o obstaculo sera sempre politico, ‘Sem duvida, os paises do Leste, e outros, encontrarao seu espaco nas redes mundiais da circulacao ¢ do consumo. Porém, a extens4o dos ndo-lugares que correspondem a eles — ndo-lugares empiricamente cnumeraveis ¢ analisaveis cuja definicéo é, antes de mais nada, econdmica — ja acelerou a reflexio dos politicos que sé se perguntam, cada vez mais, para ‘onde estao indo, porque sabem, cada vez menos, onde estao, 10s | |

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