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Trechos para Escolher
Trechos para Escolher
perseguida na
escola que descobre ter habilidades telecinéticas — ela consegue mover objetos
com a mente.
Para se redimir de uma brincadeira de muito mau gosto feita no banheiro feminino,
Susan Snell,
colega de classe de Carrie, convence o namorado a convidar a menina para o baile
de formatura
da escola. Os dois são eleitos Rei e Rainha. Durante a celebração, outra colega de
Carrie, a
desagradável Christine Hargensen, faz outra brincadeira de mau gosto, esta de
consequências
terríveis. Carrie se vinga usando seus poderes telecinéticos para matar a maioria
dos colegas de
turma (e a mãe, que cometia atrocidades contra ela), e morre. A história é essa,
basicamente, tão
simples quanto um conto de fadas. Não foi preciso lançar mão de nenhum recurso
estilístico,
embora eu tenha inserido alguns interlúdios epistolares (passagens de livros
fictícios, um trecho
de diário, cartas, boletins preenchidos à máquina) entre segmentos narrativos. Em
parte, para
injetar mais realismo (eu estava pensando na adaptação para o rádio de A guerra
dos mundos feita
por Orson Welles), mas principalmente porque a primeira versão do livro era tão
curtinha que
mal parecia um romance.
Quando li Carrie, a estranha antes de começar a segunda versão, percebi que havia
sangue nos
três pontos cruciais da história. No início (os poderes paranormais de Carrie
aparentemente
vieram junto com a primeira menstruação), no clímax (a brincadeira que fazem com
ela no baile
envolve um balde de sangue de porco. “Sangue de porco para uma porca”, diz Chris
Hargensen
ao namorado) e no fim (Sue Snell, a garota que tenta ajudar Carrie, descobre que
não está
grávida como desconfiava, meio esperançosa, meio assustada, ao perceber que a
menstruação
chegou).
Tem muito sangue na maioria das histórias de terror, é claro. É o nosso repertório,
poderia-se
dizer. Ainda assim, o sangue em Carrie parecia ir além dos respingos. Ele parecia
ter algum
significado. Um significado que não foi criado conscientemente, no entanto.
Enquanto escrevia
o livro, nunca parei para pensar: “Ah, todo esse simbolismo com sangue vai me
render muitos
pontos com os críticos” ou “Uau, isso com certeza vai me colocar em uma ou duas
livrarias
universitárias!”. No mínimo, um escritor tem que ser muito mais maluco do que eu
para pensar
que Carrie é o tratado intelectual de alguém.
Tratado intelectual ou não, foi fácil perceber o significado de todo aquele sangue
quando
comecei a ler a primeira versão do meu manuscrito manchado de chá e cerveja.
Então comecei a
brincar com a ideia, a imagem e as conotações emocionais do sangue, tentando
pensar em tantas
associações quanto conseguisse. Havia muitas, a maioria muito pesada. O sangue
está muito
ligado à ideia de sacrifício. Para jovens mulheres, ele está associado à maturidade
física e à
capacidade de gerar filhos. Na religião cristã (e em muitas outras, também), é
símbolo de pecado
e salvação. Por fim, está associado a passar adiante características e talentos
familiares. Dizem que
somos assim ou agimos assado porque “está no nosso sangue”. Sabemos que isso
não é muito
científico, que tais coisas estão, na realidade, nos genes e no DNA, mas usamos o
sangue para
resumir o conceito.
Por ser um romancista de terror e por ter sido uma criança daquela
época, e por acreditar que o terror não aterroriza, a menos que o leitor ou
espectador se sinta pessoalmente tocado, você vai ver o elemento
autobiográfico aparecendo de relance muitas vezes. O terror na vida real é
uma emoção contra a qual se luta — assim como eu lutei contra a certeza
de que os russos tinham nos vencido no espaço — sozinho. É um combate
travado nos recantos secretos do coração.