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Samuel

Morris
 Lindley Baldwin
Simples e iletrado, ele foi o instrumento usado por Deus para despertar cristãos adormecidos e fazer de prestigiosa
universidade evangélica um celeiro de missionários.

1
Índice
Prefácio……………………………………………………….……………………………3
I. O Príncipe das Selvas………………………….......
Selvas…………………………..........……………………………4
...……………………………4
II. A Viagem e a Conquista da América…………………………………………….1
América…………………………………………….122
III. O aluno que Ensinava…………………………………....……………………….23
Ensinava…… ……………………………....……………………….23
IV. O Segredo de Uma Autêntica liderança democrática………………...…………..31
democrát ica………………...…………..31
Epílogo……………………………………………………………………………………37

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 Livro doado
doa do por: Marcelo Camilo
Cam ilo

2
 Prefácio
O Dr. Thaddeus C. Reade, que foi a primeira pessoa a elaborar um relato biográfico sobre Samuel Morris,
pediu-me que escrevesse uma narrativa mais completa e detalhada da vida e obra desse jovem africano. E foi
somente agora, quando já estou com 79 anos, após uma existência de muito trabalho, que encontrei tempo para
atender ao pedido do Dr. Reade.
Alguns dos detalhes que aqui aparecem foram obtidos de escritos posteriores ao dele. Entre esses devo
mencionar o livro The Angel in Ebony (O anjo de ébano), de Joge O. Masa, que atenciosamente já havia
reconhecido minha contribuição para essa obra, dando-lhe informações originais.
Agradeço também as sugestões de inúmeros amigos, dentre os quais o Dr. Robert Lee Stuart, Diretor da
Universidade Taylor, e da Dr.ª Elizabeth C. Bentley, tyambem pertencente ao corpo docente dessa escola. Tenho
um débito ainda maior para com a Dr.ª Harriet Stemen MacBeth, que foi a amada
a mada mestra de Samuel, e a pessoa que
melhor o conheceu.
O prolongamento desse período de espera, isto é, do momento em que o Dr. Reade me confiou essa tarefa
até a finalização dela, serviu para solidificar e aumentar ainda mais a fama e a influência de Samuel Morris. Assim
sendo, tenho o privilégio de incluir neste livro novas e admiráveis provas de que ele possuía um caráter marcante,e
de que exerceu forte liderança, entre os que o conheceram, provas essas que até hoje ainda não tinham sido
publicadas.

O Autor

3
 I 
O Príncipe das Selvas
Um Refém de guerra
O continente negro tem dado ao mundo muitas de suas gemas mais preciosas. Contudo, no momento em
que esses diamantes são encontrados, não passam de pedras opacas, sem brilho. É preciso então que sejam
lapidadas, trabalhadas, para que revelem todo esplendor das cores que trazem dentro de si.
Da mesma forma a África deu á humanidade um dos mais brilhantes lideres espirituais de nossos tempos.
Pois assim como o diamante reflete toda luminosidade do sol, assim também a vida de Samuel reflete a fulgurante
glória da “verdadeira luz” do mundo.
Entretanto, o jovem africano não possuía desde o nascimento este poder radioso que iria transformá-lo
numa poderosa influência espiritual; não. Foi preciso que as mãos divinas operassem nele uma meticulosa obra de
lapidação, preparando esse diamante bruto para gloriosa função que exerceria na terra.
Sobre seu berço não brilhou nenhum astro da sorte. Ele era apenas um entre milhares de garotos perdidos
nas selvas da África ocidental. Sua tribo pertencia a trono kru, que habitava as florestas da Costa do Marfim.
O nome dele era Kaboo. O pai era um dos chefes de sua tribo. Mas embora Kaboo fosse o filho mais velho
e, portanto, um príncipe de seu povo, não havia ninguém no mundo com um destino mais desgraçado que o dele. É
que perdera a posição de dignidade, perdera a sua condição de homem livre, e caíra num estado de degradação pior
que um cativeiro.
Nessas regiões, era costume os chefes tribais derrotados em guerras entregarem o filho mais velho ao
inimigo vitorioso como uma espécie de penhor ou refém, uma garantia de que o tributo seria pago. Na primeira vez
que isso se dera, Kaboo era muito pequeno, e não se lembrava de nada. O pai conseguira pagar a indenização
prontamente, e o menino fora devolvido em pouco tempo. Mas, na segunda vez, o pai não conseguira ajuntar o
valor do resgate rapidamente, e ele ficara cativo vários anos. Fora uma experiência tão terrível que o rapaz não
gostava de falar dela.
Mas pouco tempo depois de haver voltado a aldeia, sua tribo se viu novamente envolvido numa guerra
calamitosa. Dessa vez, o adversário era um grupo de tribos inimigas, comandadas por um chefe cruel e perverso.
Elas derrotaram o povo de Kaboo, destruíram suas plantações, e incendiaram o povoado. Seu pai foi obrigado a se
render, e a jurar que pagaria um elevadíssimo resgate, com o qual sua tribo dificilmente poderia arcar, pois suas
terras se achavam devastadas. E, pela terceira vez Kaboo, que contava então 15 anos, foi entregue ao inimigo como
penhor como pagamento do tributo, como quantia desse oneroso tratado de paz.
Na data marcada para o pagamento, o pai de Kaboo levou ao inimigo tudo que conseguira reunir para
compor o resgate: muito marfim, borrachas nozes de cola, e outros artigos que o povo ofertara. O inimigo vitorioso
pegou a mercadoria e após fazer o cálculo do valor total, declarou que não era suficiente para cobrir a fiança
combinada.
combinada. E recusou-se a entregar o penhor.
O pai de Kaboo ficou desesperado, mas resolveu fazer mais um esforço. Falou ao seu povo e convence-o a
se desfazer dos seus últimos pertences. E uma segunda vez apresentou-se com a mercadoria ao inimigo, que mais
uma vez a recebeu,
r ecebeu, avaliou-a e declarou insuficiente para cobrir o saldo.
Havia uns anos, este guerreiro vitorioso vinha mantendo um lucrativo comércio com negociantes de Serra
Leoa. Em troca do produto de suas pilhagens de guerra recebia sal, bugigangas e rum – principalmente rum. E à
medida que seu gosto pela medida aumentava,
aumentava, seu conceito
c onceito pelo valor da “moeda nativa” ia ficando mais reduzido.
A quantia do tributo pago, agora, era estipulada com base na quantidade de rum que pudesse obter com ela.
Conhecendo bem a perversidade que caracterizava esse chefe tribal, um homem dominado pela bebida, na
segunda entrevista o pai de Kaboo levara consigo uma de suas mais belas filhas para tomar o lugar do rapaz, pois
temia que este não resistisse por muito tempo às atrocidades a que o submetiam. Mas Kaboo objetou à troca.

4
“Vou conseguir suportar os sofrimentos melhor do que minha irmã” argumentou ele. Pode “deixar-me
aqui.”
O pai compreendera que não poderia pagar mais tributos, e não havia mais nada a fazer senão voltar para
casa com a filha, deixando o rapaz ali para enfrentar sua terrível sina.
Quando o chefe inimigo se deu conta de que o pai de Kaboo não viria mais pagar o resgate, ficou furioso e
mandou que chicoteassem o jovem diariamente. Cada vez que ele era castigado, a tortura era mais longa e mais
severa que a anterior. O chicote utilizado era feito de um cipó de uma planta venenosa e espinhenta. Cada chicotada
chicotada
alem de retalhar-lhe o corpo, inoculava nele uma terrível toxina. A vítima desse tipo suplício tinha sempre a
sensação de que todo seu corpo ardia.
Todas as vezes que Kaboo era torturado, o castigo era presenciado por um homem de sua tribo, também
escravo do inimigo, e que depois era enviado ao pai do jovem com a incumbência de fazer-lhe uma dolorosa
descrição do sofrimento por que o jovem estava passando, e de comunicar-lhe que, se não redobrasse os esforços
para atender às exigências do chefe vitorioso, o castigo seguinte seria pior.
E nem havia tempo para que os ferimentos cicatrizassem. Suas costas estavam lanhadas pelas chicotadas.
Em pouco tempo, ele ficou esgotado com a perda de sangue e a febre causada pelas toxinas da planta; estava tão
fraco que não conseguia mais ficar de pé, nem sentado. Então, eles fixaram no chão duas estacas em formato de
forquilha e o apoiavam nela para chicoteá-lo. A essa altura, seu corpo já estava em carne viva.
A Fuga Milagrosa
Kaboo tinha esperança de morrer antes que seus algozes o submetessem a tortura final, reservada para os
reféns cujo resgate não era pago. Ele vira ali muitos de seus irmãos de tribo que tinham sido capturados e
submetidos á escravidão por aquele chefe cruel. Alguns tinham sido acusados de feitiçaria, e o castigo deles fora
pavoroso. Os homens da tribo se embebedavam e, dominados por um estado de loucura, praticamente os
esquartejavam, arrancando-lhes os membros. Mas o destino que aguardava Kaboo era ainda mais diabólico.
Prevendo que o pai do jovem refém falharia mais uma vez, não levaria o pagamento, eles já haviam cavado
um buraco para executar a tortura. Se a ultima surra que lhe dariam
dar iam não fosse argumento suficiente
suficiente para o pai trazer
tra zer
mais tributos, eles o enterrariam até o pescoço. Depois o forçariam a abrir a boca, e passariam nela uma mistura
adocicada para atrair formigas. Esse tormento seria apenas uma introdução do que se seguiria
s eguiria iriam trazer outro tipo
de formigas carnívoras, que o devorariam vivo, pouco a pouco. Depois que elas acabassem com ele, deixando os
ossos limpos, seu esqueleto seria pendurado á porta da cabana onde fora executado, como uma advertência para
futuros reféns.
Quando atiraram Kaboo na forquilha para seu ultimo castigo, ele não tinha mais forças nem esperanças.
Desejava apenas que a morte lhe sobreviesse logo, como alento.
Mas repentinamente aconteceu algo muito estranho. Uma luz fortíssima, como de um relâmpago, brilhou
sobre ele. Todos os que se encontravam ali ficaram momentaneamente cegos devido á intensidade do clarão. E o
rapaz ouviu uma voz forte, que parecia vir do alto, ordenando-lhe que se levantasse e fugisse. Todos escutaram a
voz e viram a luz, mas não enchergaram ninguém.
Naquele mesmo instante, ocorreu uma dessas curas milagrosas que a ciência não sabe explicar, mas
também não pode negar. Em questão de segundos, Kaboo recobrou as forças. Naquele dia não comera nem bebera
nada, no entanto não sentia nem fome nem sede. E nem por isso estava mais fraco. Ergueu-se de um salto, e,
obedecendo á voz misteriosa, disparou a correr, com a rapidez de umu m veado, escapando das mãos dos seus captores,
que ali quedaram atônitos.
De onde viera aquela luz misteriosa que lhe renovara as forças e o guiara a liberdade? Kaboo não tinha a
menor idéia. Nunca ouvira falar do Deus dos cristãos; não sabia nada sobre os atos da divina providencia. Nunca
tivera conhecimento de um salvador que um dia também fora entregue como penhor, “em resgate por todos”. Esse
príncipe terreno que fora jogado sobre uma forquilha para ser torturado não conhecia a historia do príncipe do céu
que também fora preso, sofrera zombarias e fora chicoteado, e tivera uma morte degradante num madeiro, numa
lenta agonia.

5
Kaboo ainda não se dera conta de que uma força estranha, invisível, viera ao seu socorro. Momentos antes,
ele estava tão mal que nem conseguia parar sentado. Agora corria a toda velocidade.
O dia em que fugira – uma sexta-feira – tornara-se inesquecível para ele. Era o “dia da libertação”. E até o
fim de sua vida iria reverenciar esse dia da semana com jejum, abstendo-se de alimento e de água.
A Luz Amiga
Para se esconder de seus perseguidores, Kaboo escondeu-se no tronco de uma árvore oca, para esperar a
noite. Mas quando anoiteceu, compreendeu que escapara de um tipo de morte apenas para cair em outro.
Encontrava-se sozinho na mata, e ali, sem uma orientação precisa, ninguém consegue viver. E não somente estava
sozinho, sem armas e sem amigos, como também – o que era pior – não tinha lar, nem destino.
Não poderia regressar à sua aldeia, aos seus familiares. Se o fizesse, seu povo sofreria uma cruel represália
da parte do inimigo enfurecido. Também não queria correr o risco de ser visto por ninguém de outra tribo, pois
deveriam devolvê-lo aos seus captores, já que, devido ao alto valor de um refém fugido, receberiam vultosa
recompensa.
Enquanto debatia esse novo dilema, ocorreu outro milagre. Nessa região a floresta era muito densa e
escura, mesmo durante o dia. À noite não penetra nela nem um raio luz naquele instante, porém, a mesma luz amiga
que iluminara o local onde ele seria executado brilhou ao seu redor. Certa vez, um outro grupo de escravos, que
como ele haviam sido libertos, também tinham estado a vagar numa região inóspita, e fora guiado de forma
semelhante, pois “o Senhor ia adiante deles, durante o dia numa coluna de nuvem, para os guiar pelo caminho,
durante a noite numa coluna de fogo, para os aluminar”. Fosse ela uma luz real ou uma iluminação da mente, o
certo é que Kaboo distinguia claramente o caminho que tinha de seguir.
E ele precisava dessa claridade tanto quanto os filhos de Israel haviam precisado. O lugar era cheio de
cobras venenosas, serpentes e víboras; das árvores pendiam as enormes jibóias. Mas o que ele mais temia, mais do
que a picada de um réptil ou do que os olhos brilhantes de uma fera, eram os seres de sua espécie. Essa vasta região
era habitada por algumas das raças mais selvagens do mundo, e muitas delas ainda praticavam o canibalismo.
Mas Kaboo foi passando incólume por todos esses perigos, guiado pela luz amiga, que lhe permitia
enxergar, mesmo à noite, frutas e raízes de que precisava para se alimentar, e atravessar lagos e rios, onde pontos
luminosos eram sinal da presença de crocodilos à espreita.
Durante o dia ele se escondia em troncos de árvores, para evitar ser visto pelos habitantes da região;
r egião; à noite,
caminhava. Após vários dias de viagem, chegou a uma fazenda de café que ficava ao redor de uma cidadezinha, às
margens de um rio. Até esse momento ainda não vira nenhum
nenhum ser humano. Chegara até ali a li atravessando a selva sem
a orientação de ninguém.
Assim que avistou a cidade, percebeu que não se tratava de uma aldeia de nativos, mas de um povoado
típico dos homens brancos, em dado momento avistou à distância, um homem de sua raça, um kru, trabalhando no
local, e animou-se a chegar à povoação. Não fosse pela presença dele, não o teria feito.
f eito. Kaboo aproximou-se
aproximou-se do seu
irmão de raça e em conversa com ele ficou sabendo, para sua imensa satisfação, que não caíra nas mãos de
traficantes de escravos, mas de libertadores deles. A luz misteriosa o guiara a uma cidadezinha perto de Monróvia, a
capital da Libéria.
Para compreendermos bem a extensão dessa terceira manifestação da providência divina em favor de
Kaboo, precisamos
precisamos lembrar que, nessa época, grande parte da Libéria era uma
u ma região agreste, onde ainda prevalecia
a lei da selva. E até 1934, segundo o relato de um comitê da liga das nações, ainda havia o costume de se
entregarem crianças a credores como pagamento de débitos que os pais não conseguiam pagar. Na ocasião em que
Kaboo chegou à Monróvia, só essa cidade era de fato civilizada naquele pai. Assim ele fora conduzido à única
localidade, dentre milhares de outras, onde realmente estaria a salvo.
O dia em que Kaboo chegou à cidade, algumas semanas depois de haver escapado da morte, também era
uma sexta-feira, o seu “dia
“ dia da libertação”.

Um Novo Nome

6
Procurou trabalho e o conseguiu na mesma plantação de café onde já se achava o outro jovem kru. Em paga
pelo serviço recebia comida, cama – um catre no alojamento dos trabalhadores – e as roupas de confecção barata
que os trabalhadores usavam. O seu amigo kru já havia tido contatos com missionários, e aprendera orar. Certo dia,
Kaboo viu-o ajoelhado com as mãos postas, o rosto voltado para cima, e lhe perguntou o que fazia.
– Estou conversando com Deus, replicou ele.
– Quem é esse seu Deus? Indagou Kaboo.
– É meu Pai, respondeu o outro.
– Então está conversando com seu Pai, concluiu o jovem.
A partir desse dia, sempre se referia à oração como “conversar com meu pai”. Para uma pessoa de fé tão
simples, igual à de uma criancinha, a oração era uma prática muito singela, e tão objetiva quanto um diálogo com
um pai terreno.
No domingo seguinte, Kaboo foi à igreja a convite de um amigo. Ali chegando, viu uma mulher falando a
um grupo de pessoas por meio de um intérprete. Estava narrando a conversão de Saulo, e contou como ele vira uma
luz brilhante vinda do céu, e ouvira uma voz misteriosa. Sem se conter, Kaboo logo exclamou:
“Foi exatamente que aconteceu comigo! Eu vi essa luz! É a mesma que me salvou e me trousse até aqui!”
Durante todos aqueles dias, ele estivera-se indagado por que fora salvo da morte de maneira tão miraculosa,
miraculosa,
e guiado pela floresta até aquele lugar. Naquele momento, houve como que um lampejo, e ele principiou a entender.
Deus só pode salvar aqueles que têm conhecimento dele e exercitam a fé conscientemente. Mas a
providência divina muitas vezes cura e poupa a vida de alguns que ainda não o conhecem, em resposta a oração do
salvo, com a intenção de realizar seus propósitos.
Mas até esse instante, Kaboo ainda desconhecia o significado da salvação, do modo com ocorrera a Saulo,
no momento em que vira a luz brilhante na estrada de damasco. E fora preciso que um outro crente viesse orientá-lo
nas coisas de Deus. E assim como Ananias recebera a ordem de falar a Saulo de Tarso, assim também essa
missionária que acabava de narrar a história da conversão do apóstolo foi incumbida de esclarecer para Kaboo a
mensagem divina.
Era Srª. Knolls, uma missionária americana, de Fort Wayne, Indiana, que estudara na universidade Taylor,
na mesma cidade. Na ocasião, a escola se chamava faculdade Fort Wayne. Essa missionária acabara de chegar à
Libéria. Foi ela a primeira pessoa que guiou Kaboo na sua entrada no reino Deus. Também ajudou a incutir nele a
consciência de sua missão na vida. Mais tarde, outros iriam participar da tarefa de instruí-lo; mas ela foi a primeira.
O jovem ternou-se um freqüentador assíduo dos cultos, reuniões e estudos dirigidos pela missionária. Foi
ela também que lhe deu as primei
pr imeiras
ras noções de alfabetização, de leitura e escrita na língua inglesa. E assim, pouco a
pouco, ele foi conhecendo a historia de Jesus; seu nascimento numa manjedoura, seu mini ministério
stério junto aos humildes,
humildes,
pecadores e enfermos, sua morte expiatória e sua ressurreição. E de bom grado ele recebeu esse salvador de almas,
reconhecendo nele o mesmo ”Deus desconhecido” que o salvara da morte.
Mas não se contentou só com isso. Começou a desejar ser como aquela abnegada senhora. Tinha um
profundo anseio de transmitir ao seu povo, a tribo de kru, a maravilhosa mensagem do amor de Deus, que infundiria
paz à sua alma. Mas ao mesmo tempo sentia uma grande deficiência; percebia que lhe faltava autoridade para
assumir essa missão. Como todo crente, pouco depois da sua conversão, Kaboo começou a conscientizar-se de que
o fato de ser salvo da culpa e dos castigos dos pecados passados não garante libertação total, nem elimina a
possibilidade de pecados futuros; não. Devido à fraqueza da carne ainda pecava; seu corpo trazia as marcas das
chicotadas que levara como refém de guerra; e a sua mente, após tantos anos de cruel sofrimento, estava
condicionada para odiar e temer. As degradações a que fora submetido ali havia produzido nele um profundo
sentimento de inferioridade. Sendo um homem inculto, um pária, não havia possibilidade de um futuro melhor, a
não ser por um milagre – um outro milagre.
Kaboo não sabia que Deus realiza esse milagre no coração de todo crente: a operação do Espírito Santo.
Pois a redenção do homem não se concretiza apenas por intermédio sangue de Cristo, mas também pelo poder do
Espírito Santo. E é este poder que purifica o coração, remove toda amargura, impulsiona o crente a trabalhar para
Deus, e o capacita para isso. E Kaboo ainda não tinha ouvido falar desse consolador divino, cuja plenitude podemos
receber após a conversão, depois que nos conscientizarmos de nossas fraquezas e nos dispomos a consagrar-nos
inteiramente a Deus.
7
Mas o Espírito Santo, que também é o próprio Espírito da verdade, veio em socorro de Kaboo, já que é sua
missão ministrar os “primeiros socorros” a todos que buscam a Deus sinceramente. “Porque não sabemos orar como
convém, mas o Espírito intercede por nós sobre maneira com gemidos inexprimíveis.” (Rm: 8.26.)
E o jovem kru aprende
apr endeuu que deveria continuar a “conversar com seu Pai” todas as noites, após o trabalho. E
ele se pôs a orar fervorosamente, e o fazia com tal agonia de coração, e perturbou tanto o alojamento, que os outros
trabalhadores finalmente perderam a paciência. Dissera-lhe que teria de ficar em silêncio ou então arranjar outro
lugar para dormir. A partir daí, Kaboo ia refugiar-se no mato para orar.
Certa vez, ele permaneceu na mata até bem tarde; já passava de meia-noite quando se recolheu. Só tempos
depois narrou o que lhe sucedera nessa ocasião.
“Quando fui-me deitar, estava cansado e com o coração pesado.”Minha boca estava em silêncio, mas meu
coração continuava a orar. De repente, todo quarto se iluminou. A princípio achei que o sol estava nascendo, mas
depois vi que não, pois os outros dormiam profundamente. E o alojamento foi-se tornado mais e mais iluminado,
pleno da glória divina. Subitamente o peso que havia em meu coração se desvaneceu, e senti-me inundado de
grande alegria interior.
“Tinha a sensação de que estava leve como uma pluma. Senti-me como que cheio de um grande poder, que
me dava a impressão de que poderia voar. Não consegui conter a alegria que me dominou e comecei a gritar,
acordando todo mundo que estava no alojamento. Alguns acharam que eu estava louco; outros, que estava possesso
por um demônio. Mas eu sabia muito bem o que estava-se passando. Aquele era o momento de minha adoção.
Agora, eu era filho do Rei dos céus. Compreendir que meu Pai havia-me salvado. Com um propósito definido, que
iria atuar ao meu lado nessa missão”.
O que ocorreu ali foi uma união total e perfeita com Deus, através do Espírito Santo, que conferiu a Kaboo
um grande poder sobrenatural para a poderosa atuação espiritual que iria ter posteriormente. Ao falar dessa
experiência, ele nunca se referia a ela como sua conversão, mas como sua “adoção
“a doção”.
”. Apesar de não possuir nem um
conhecimento de grego, ele empregou o termo com o mesmo sentido usado pelo erudito Paulo em sua carta aos
efésios – um filho de Deus, pequeno, menor, afinal é elevado à condição de filho adulto, com o qual Deus tem
comunhão plena, e que já trabalha que seu pai.
Mas Kaboo não tinha consciência desses fatos. Não sabia nada sobre a doutrina do Espírito Santo. Ele
recebeu a plenitude do Espírito de Deus apenas porque estivera disposto a se render totalmente a Deus. Buscara ao
Senhor ansiosamente, como um garoto faminto procura alimento; e, como tivera fome de justiça, Deus enviara seu
Espírito transformador para lhe dar poder, honrando sua fé simples, como a de uma criancinha.
Pouco depois, ele foi batizado na igreja metodista com o nome de Samuel Morres. Esse nome fora
escolhido pela Sr.ª knolls, para homenagear um banqueiro de Fort Wayne chamado Samuel Morres, que a havia
auxiliado muito. Ele tinha ajudado a missionária na ocasião em que se preparava para obra de pregação do
evangelho. E como Kaboo era o primeiro fruto do seu trabalho, por gratidão ela lhe deu o nome do seu benfeitor.
Mal sabia ela que aquele humilde homônimo de seu benfeitor iria honrar mais esse nome do que o próprio dono.

Primeiras demonstrações de Poder


Após seu batismo, Samuel ainda ficou na Libéria dois anos. Deixou a plantação foi para Monróvia, onde
trabalhou em biscates, na maior parte das vezes como pintor. Aliás, foi um dos que trabalharam na pintura da
faculdade da Libéria. O que ganhava mal dava para viver, mas ele se sentia muito feliz. Estava sempre tão
interessado nas coisas espirituais que procurava todos os missionários da região para conversar
conversar com eles. E prestou-
lhes muitos serviços. Nessa convivência com eles, aprendeu também muitos hinos, que cantava
ca ntava de cor, e os entoava
com todo fervor, embora houvesse neles uma ou outra palavra
pa lavra cujo sentido desconhecesse.
Em pouco tempo, Samuel ficou conhecido como o crente mais fiel e consagrado dessa parte da Libéria.
Alguns meses após sua conversão ganhou um outro rapaz para cristo. Por coincidência, esse jovem tinha sido
escravo do mesmo chefe tribal para quem Kaboo fora refém de guerra; mas também conseguira fugir. Presenciara
inclusive a última tortura a que o amigo
a migo fora submetido,
submetido, e vira o misterioso raio de luz e ouvira a voz ordenando ao
outro que fugisse.

8
Em comparação com um penhor de guerra, um escravo tinha muito pouco valor, e, por isso, havia sido
relativamente simples para ele escapar de seu dono, e viajar por uma estradinha comum, mesmo durante o dia. Ao
ser batizado, recebeu o nome de Hanry O’Neil. Hanry confirmou o relato de Kaboo com relação a sua fuga
milagrosa. O testemunho dos dois causou um grande impacto sobre a população de Monróvia.
Já por essa época, Samuel começava a revelar o notável poder de liderança espiritual que possuía, e que iria
torná-lo conhecido em anos posteriores. Houve um incidente, em particular, que demonstrou seu singular método de
convencer as pessoas, sem pregar-lhes sermões, e sem nem um outro tipo de esforço humano mas simplesmente
invocando o Espírito para que operasse por intermédio dele.
Três senhoras crentes de Monróvia combinaram ente si orar durante vários dias, de meia noite até o
amanhecer, buscando de Deus um despertamento espiritual para toda a cidade. Mas apesar do seu de seu empenho,
ninguém se converteu para servir de estímulo para outras pessoas se juntarem a ela. Certa noite apareceu ali um
 jovem, que se prostrou á frente do púlpito e orou durante
dura nte várias horas seguidas. Supondo que ele fosse, afinal, um
novo convertido, as mulheres correram a dar a boa notícia a outros. Voltando à igreja, constataram que se tratava
tra tava de
Samuel Morris, que intercedia por outros, não por si mesmo. E suas petições foram atendidas, pois nas suas
reuniões seguintes cerca de 50 jovens se decidiram.
Certo dia, um missionário de nome C. E. Smirl disse a Samuel que para ser um bom mensageiro ao seu
povo, ele precisava instroir-se, e que deveria estudar nos Estados Unidos. Embora o rapaz não possuísse um centavo
de seu, começou a pedir a Deus que de algum modo providenciasse os cem dólares de que necessitava para a
viagem transoceânica. Mas sua decisão de ir para a América, no fim, originara-se de um objetivo mais importante
do que simplesmente estudar. Os sermões que os missionários pregavam aos crentes ali eram bem rudimentares.
Eles falavam da salvação que temos pela fé em Jesus Cristo, mas não davam muita orientação sobre a pessoa e a
obra do Consolador. Certa ocasião, um missionário, um homem cheio do Espírito Santo, leu para par a Samuel o capítulo
ca pítulo
14 do evangelho de João, onde pela primeira vez o Salvador fala aos discípulos sobre a vinda de um novo
consolador, o Espírito Santo. O rapaz já recebera a bênção do Espírito Santo, mas era a primeira vez que tinha
conhecimento do nome e da grande importância do Espírito de Deus. Assim que compreendeu que o Espírito é uma
pessoa real, viva, que opera aqui na terra, ficou tão maravilhado, tão alegre, que nem conseguia falar. Logo associou
associou
a ele a voz que lhe falara quando ainda era penhor tribal e lhe ordenara que fugisse, e que conversara com o outro
Samuel, o da bíblia, embora ele não soubesse a princípio que era Deus quem lhe falava. E daí por diante, Samuel
meditava constantemente
constantemente sobre João
Joã o 14.
Às vezes, ia longe para se avistar com os missionários e fazer-lhes perguntas sobre o Espírito Santo. E suas
visitas eram tão freqüentes e suas perguntas por vezes tão difíceis que afinal uma senhora lhe disse:
– Já lhe ensinei tudo que sei sobre o Espírito Santo.
Mas Samuel não desistiu.
– E quem foi que lhe ensinou essas coisas?
A missionária explicou que grande parte do que sabia sobre o assunto tinha aprendido com Stephen
Merritt, que na época era o secretário do Bispo William Taylor. – E onde está esse Stephen Merritt? Indagou
Samuel Morris.
– Em New York, replicou a missionária.
Ao que Samuel
Sa muel respondeu
respondeu prontamente:
pronta mente:
– Então irei lá com ele!
E sem mais delongas partiu, dirigindo-se direto para costa. Não estava mais preocupado em obter os sem
dólares. O Espírito Santo era mais importante que dinheiro; Ele providenciaria os recursos. Assim que chegou ao
porto, viu um navio ancorado ali, e ficou muito alegre. Seu Pai havia atendido sua oração.
Naquele momento, o capitão e os outros membros da tripulação tomaram uma pequena embarcação e
vieram para terra. Mal o capitão desembarcar para supervisionar o carregamento do navio, foi abordado por um
rapaz negro, de feia aparência, que disse:
– Meu Pai me disse que o senhor me levaria a New York para conversar com Stephen Merritt. – Onde está
seu Pai? Indagou o capitão.
– No céu, replicou Samuel.
O capitão, um homem mal-humorado, soltou um palavrão e disse:
9
– Não levo passageiros em meu navio; e você deve ser louco.
Samuel permaneceu o dia todo perto do barquinho. E á noite, quando o capitão voltou para embarcar, ele
lhe pediu novamente que o levasse a New York. O capitão fez um gesto ameaçando dar-lhe um chute, mas em
seguida entrou no barco e voltou ao navio, sem levar o rapaz. Mas Samuel continuou a acreditar na promessa de seu
Pai. Passou a noite ali, deitada na areia, orando a maior parte do tempo. No dia seguinte. No dia seguinte, voltou a
abordar o capitão, e foi rejeitado outra vez. Mas sua fé era tão firme
fir me que não arredou o pé do lugar, embora já fosse
o segundo dia em que não comia nada. O dia seguinte era domingo. O capitão e os tripulantes mais uma vez vieram
á terra. Assim que ele pisou em terra firme, o rapaz se aproximou dele e foi logo dizendo:
– Essa noite, meu Pai me disse que agora o senhor vai me levar.
O homem olhou para ele muito admirado. Na noite anterior, dois tripulantes haviam desertado, e ele estava
precisando de mais pessoal. Percebeu que Samuel era da tribo kru e supôs que fosse um marinheiro experiente,
como muitos de sua gente.
– Quanto quer ganhar? Indagou ele.
– Só quero ir para New York, conversar com Stephen Merritt. Replicou ele.
O capitão voltou-se para os tripulantes e disse-lhes que levassem o jovem para embarcar. Samuel estava
resultante. Suas orações tinham sido atendidas. Ele já estava a bordo de um navio, a caminho dos Estados Unidos.

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 II 
 A Viagem e a Conquista
Conq uista da América
Um Colombo Espiritual
Não seria exagero afirmar que Samuel Morris foi o primeiro navegante a atravessar
atra vessar o atlântico em busca da
riqueza do Espírito Santo. O “novo mundo” descoberto por Cristovão Colombo, na verdade, nada mais é do que
uma parte do “velho mundo” mundo físico, que perecerá. Samuel Morris estava navegando em demanda do novo
mundo do Espírito, que continuará a existir na “nova terra”, que ainda será criada. Mais sua viajem foi tão arriscada
arr iscada
e cheia de emoções como a de Colombo. Durou cerca de seis meses, e jovem enfrentou muitos perigos, antes de
chegar ao seu destino. O navio era um cargueiro, desses que iam parando em cada porto e apanhando carga onde a
encontrasse; o dono era o próprio capitão. A intenção dele era costear a África para negociar com os nativos, antes
de tomar o rumo da América.
Logo que chegou ao navio, Samuel viu um jovem deitado no tombadilho, adoentado. Ele trabalhara como
cabineiro para o capitão. Mas se machucara e não estava conseguindo
conseguindo andar.
Samuel então se ajoelhou e orou pelo enfermo. Na mesma hora, o jovem se levantou e andou. Deus o curou;
ficou completamente são.
Pouco depois, Samuel deixou escapar que não comia desde a quinta-feira anterior; e já era domingo, por
volta de meio-dia. Alguém o levou á cozinha, mas o cozinheiro recusou-se a servir-lhe
s ervir-lhe alimentos,
alimentos, pois era negro, e
o capitão ainda não lhe dera ordens nesse sentindo. Mas o novo amigo
a migo de Samuel arranjou comida para si mesmo,
mesmo, e
repartiu-a liberalmente
liberalmente com o rapaz.
À noite, quando o capitão voltou ao navio, entrevistou-se com Samuel e foi ai que ficou sabendo que era
totalmente inexperiente. Então disse-lhe que o mandaria de volta, pois era provável que enjoasse durante toda
viagem, e não conseguisse trabalhar. O navio era um barco de difícil navegação, pois tinha três mastros e 350 pés de
comprimento.
Samuel garantiu ao capitão que não enjoaria, e trabalharia para ele todos os dias, até chegar a New York.
Depois, o rapaz que fora curado por meio da sua oração também foi falar com capitão e interceder por ele:
“Vamos levá-lo, capitão, por favor. Veja o que ele fez por mim!”
Naquela noite, a embarcação levantou âncora, e assim o jovem kru já estava a caminho de um novo mundo.
A vida naquele navio era caracterizada pela crueldade. Quase toda ordem dada era acompanhada de um
palavrão, um chute ou bofetada. Como negociador o capitão era um homem inflexível; como comandante,
impiedoso. Ele tinha tido muitos contatos com mercadores árabes que chegavam à costa africana. Aí era um
espertalhão contra outro; era olho por olho, dente por dente. E depois de muitas dessas experiências, ele se tornara
insensível. No navio, a vida e a morte estavam sob seu comando. Todos viviam apavorados, com medo dele. A
tripulação era um grupo bastante heterogêneo, constituído de pessoas de todas as partes do mundo. Samuel era o
único representante de sua raça, e os outros não aceitaram a presença dele ali, e logo começaram a pensar em dar
cabo dele. A todo instante davam-lhe tapas e gritavam palavrões.
No terceiro dia de viajem, o rapaz foi amarrado a um mastro junto a um cordame para que ficasse
encarregado de encurtar as velas e puxar as cordas. Á noite, eles foram apanhados por uma tempestade tropical, que
se abateu sobre eles rapidamente, pegando-os com todas as velas içadas. O navio estava com pouco carregamento.
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Mas não houve tempo para se encurtarem as velas e tiveram que navegar ao sabor do vento. Samuel orou: “Pai, não não
estou com medo, pois sei que cuidarás de mim. Mas não me agrada
agra da estar aqui neste mastro. Não queres dar um jeito
para que eu não tenha mais que vir para esse lugar?” E ele tinha certeza que sua oração seria atendida, mas sua fé
foi duramente provada.
Muitas vezes, o navio tombava, e o mastro ao qual estava preso ficava submerso; outras vezes era atingido
por ondas altas. Samuel engoliu tanta água que começou a passar mal. E afinal, quando o desamarraram e o
desceram, caiu ao chão, tonto. O capitão foi onde ele estava e deu-lhe um chute. O tombadilho estava cheio de água,
e o navio ainda jogava bastante água. Embora se sentisse muito mal, Samuel se ajoelhou e, com as mãos postas,
orou: ”Pai, tu sabes que prometi trabalhar para este homem todos os dias atéa té chegar nos Estados Unidos, mas sinto-
me tão mal assim com esse enjôos, não posso trabalhar. Por favor, cura-me, Senhor.” Em seguida pôsse de pé, e
voltou ao trabalho. E não sentiu mais problema de enjôo naquela viagem. No dia seguinte, no dia seguinte quando
estava para subir ao mastro, o cabineiro aproximou-se dele e disse:
“Sam, ontem ouvi você orando durante a tempestade. Eu não gosto de trabalhar abaixo do tombadilho, e
você não está muito acostumado ao cordame. Vamos trocar de lugar.”
Samuel aceitou o oferecimento do amigo. Mais uma oração sua havia sido atendida.
Quando o rapaz se apresentou ao capitão para o serviço, ele estava bêbado, e expressou o seu desagrado
dando um murro em Samuel, que caiu ao chão inconsciente. Quando voltou a si, o capitão já estava um pouco
melhor. O jovem se levantou e começou a fazer seu serviço alegremente, como se não tivesse acontecido. Perguntou
ao capitão se ele já conhecia Jesus. Vagas lembranças da infância e de sua mãe como que se agitaram na mente do
velho marinheiro. Samuel se ajoelhou e orou por ele com tanta sinceridade e fervor, que ele se sentiu forçado a
inclinar a cabeça, mesmo contra a vontade. E a partir daquele momento viveu algum tempo sob forte convicção de
pecado.
Contudo aquela não era a hora mais apropriada para refletir sobre sua condição espiritual. A forte
tempestade que caíra sobre eles abalara a estrutura do navio. O casco se abrira em vários lugares e estava fazendo
água. Eles já tinham avistado uma pequena ilha nas proximidades e fundearam a sotavento, para cuidar dos reparos
necessários. Enquanto
Enquanto os carpinteiros
ca rpinteiros e soldadores se ocupavam dos reparos, o restante da tripulação tinha que ficar
operando manualmente as bombas de sucção, para que a embarcação não afundasse. Samuel foi encarregado de
operar uma das bombas que tinha de funcionar noite e dia. Para um marinheiro experiente e encorpado, o serviço já
não era leve; para o rapaz,
r apaz, franzino e ainda com menos vinte anos, era dificílima.
dificílima. Mas ele era obrigado a bombear a
água da mesma forma que os outros mais fortes. E ele ia bombeando e orando; orando e bombeando.
Para retemperar as forças e readquirir coragem, os tripulantes tomavam rum, e a bebida foi também
oferecida a Samuel, mas ele disse que seu pai do seu lhe daria forças. E passaram duas semanas naquela tarefa,
bombeando água. Samuel viu suas forças serem testadas quase ao ponto de cair exausto, mas o Espírito Santo lhe
deu uma força e resistência que por natureza não possuía.

Subjugando um Marinheiro Cruel


No dia em que finalmente levantaram âncora para voltar ao mar, houve um regozijo geral. O capitão
mandou servir doses extras a todos os homens do navio. E eles se encheram de bebida e ficaram meio tontos. Já de
tardinha, teve inicio uma briga generalizada, em que todos participaram. Foi um conflito sem sentido, provocado
por uma questão de preconceito racial. Um malásio, um homem grandalhão, por um motivo qualquer, julgou-se
ofendido por um dos colegas, e agarrando um facão partiu para o outro com intenção de matá-lo. Mas Samuel
interpôs-se entre ele e o colega dizendo com seu modo calmo:
“Não mate! Não mate!”
Por coincidência, esse homem tinha andado contando vantagens no navio, dizendo que pretendia matar o
rapaz. Nutria um desprezo muito forte por todos os negros. Já havia inclusive utilizado aquele facão para acabar
com muitos africanos. Era um assassino, um homem muito perigoso. Até o capitão procurava evitar confronto com
ele.
Então, quando o jovem foi em sua direção, o homem ergueu a arma com expressão de ódio como se
desejasse cortá-lo em pedaços. Ali estava a oportunidade
oportunidade de cumprir suas
sua s ameaças. Mas Samuel encarou-o, fitando-
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o firmemente nos olhos, e não fez nem um movimento para defender-se. Lentamente, o malásio abaixou o facão e
voltou para seu catre. Aquele ímpio valentão estivera frente a frente com um poder maior que o de qualquer
homem.
Naquele momento, o capitão, que tinha percebido toda agitação, surgiu no tombadilho com um revolver em em
cada mão proto para atirar nos desordeiros. Percebendo que os tripulantes tinham parado de brigar graças à
interferência de Samuel, foi obrigado a reconhecer que o jovem africano possuía um poder misterioso mais forte
que as paixões animalescas dos homens mais ímpios. Então voltou para o porão, levando consigo Samuel, que, ali
chegando, cai de joelhos a orar por toda tripulação. Pela primeira vez o outro também, só que elevou a Deus uma
oração de agradecimento por haver colocado no meio deles tão eficiente embaixador de sua paz. E naquele
momento arrependeu-se dos seus pecados, e passou a andar em novidade de vida. Foi o primeiro dentre muitos que
se converteram naquele navio por influência direta de Samuel.
Samuel achava que a cabine do capitão era um aposento muito sombrio e triste. Ela tinha sido cenário de
muitas orgias, e ali estava acumulada a poeira, fumaça e sujeira de muitos anos. O rapaz submeteu o quartinho a um
batismo de água e sabão. E até mesmo as armas mortais penduradas nas paredes, sob seus cuidados mais parecia
brilhantes adornos.
“O Espírito Santo não fica onde existe sujeira”, costumava dizer. O capitão ficou muito satisfeito com as
mudanças, tanto que levou os outros oficiais para verem seu “novo” apartamento.
Pouco a pouco, Samuel foi conquistando a afeição do capitão até que o ganhou inteiramente. A princípio, o
homem se irritava com o hábito do rapaz de estar sempre orando. Mas agora, quando ele orava, o capitão
permanecia em silêncio, respeitosamente, e tirava o quepe. E influenciado por este novo ambiente não fazia mais o
pagamento dos tripulantes em doses de rum. As brigas entre os marinheiros diminuíram bastante. Vez por outra, ele
convocava a tripulação para vir à sua cabine, para orarem. Nessas ocasiões, Samuel, com voz forte e clara, entoava
os hinos que tinha aprendido na Libéria, e isto teve um forte efeito sobre aqueles homens no sentido de conquistar a
boa vontade deles. Às vezes tanto o capitão como os tripulantes, nos momentos de folga, ficavam horas a fio a ouvi-
lo cantar aqueles belos hinos, que lhes tocava a alma, e que nunca perdiam sua magia, sua força. E à medida que o
rapaz cantava os homens iam aprendendo o coro, e um após o outro se punham a cantar também, até que afinal
todos se encontravam unidos pela eterna emoção da almaa lma humana em busca de Deus, e pelo sentimento da presença
da graça divina.
Certo dia, o valentão malásio que ameaçara matar a Samuel caiu doente. Sua doença era muito grave, e ele
estava tão mal que todos haviam perdido as esperanças de viesse a recuperar-se. Samuel não sabia falar a língua
dele; não possuía nada em comum com aquele homem. Mas, assim que sobe que estava enfermo, foi ao seu leito,
orou por ele, e o marinheiro sarou. Homem corpulento e brigão, ele nunca conhecera a Deus; vivera toda sua vida
apenas em função dos apetites carnais. Detestava as pessoas da raça negra, e nunca deixava passar uma
oportunidade
oportunidade de demonstra isso claramente. Mas depois disso tudo mudou; agora, aquele malásio seria capaz de dar
a vida pelo jovem negro.
A tripulação do navio era constituída de pessoas de todas as partes do mundo, com objetivos os mais
diversos, que não possuíam nem uma afinidade entre si. Cada um falava uma língua; cada um pensava nua pátria
diferente. Mas agora todos oravam e cantavam sob a liderança de Samuel Morres. As diferenças de raça, pátria,
língua e religião tinham sido postas de lado. O Deus de Samuel si tornara o seu Deus. A luz que guiara o rapaz até
eles brilhava com tanta intensidade em seu ser, que era evidente a todos; tão evidente que os uniu por u m novo laço
de fraternidade.

Uma Batalha Sangrenta


Os contatos do capitão com os mercadores das terras onde passavam, de modo geral, estavam sendo muito
lucrativos. O navio já se achava quase todo carregado de produtos africanos. Mais algumas paradas, e depois
estariam prontos para manobrar rumo à Nova York. Samuel estava começando a gostar da viagem. Certo dia, bem à
tardinha, eles avistaram uma imensa ilha ou península, cujo nome Samuel nunca ficara sabendo. No dia seguinte, o
capitão resolveu descer a terra com algumas mercadorias para negociar com os nativos. Colocou os objetos no
barco, e convocou, dessa vez, um número maior de tripulantes
tr ipulantes do que costumava chamar. Parecia que algo lhe dizia
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que nem tudo estava bem. Deu armas para os homens, e instruiu o vigia que estava no alto do mastro que ficasse
constantemente a girar seu binóculo de um lado para o outro, com muita atenção, e que lhe desse sinal caso notasse
algum movimento inusitado em terra. O barquinho estava tão sobrecarregado, que os marinheiros estavam
encontrando dificuldade para manobrá-lo de encontro à maré. Quando já se encontravam a meio caminho entre o
navio e praia, o sentinela avistou em terra centenas de pessoas chegando à praia com canoas estreitas, longas e
leves, que imediatamente lançaram ao mar como se fossem inúmeras flechas. No mesmo instante, fez sinal ao
capitão para que voltasse ao navio.
O capitão mandou então virar o barco para voltarem, mas sua embarcação pesada era bem mais lenta que as
canoas cumpridas e leves dos nativos. Daí a pouco, eles já os alcançavam pela popa e alguns se emparelhavam com
o barco, impedindo que os marinheiros remassem. Os nativos não contavam com resistência por parte do capitão e
seus homens. Estavam certos de que iriam tomar o barco, e depois o navio com todo carregamento, sem precisar
lutar. O homem que os comandava era um renegado, um branco. Algumas semanas antes, usando de um
estratagema,
estratagema, ele e os seus
s eus seguidores tinham desfechado um ataque sobre um navio mercante que estava deixando a
África, carregado de rum e outros tipos de mercadorias. Com esperança de salvar a própria vida e a dos seus
homens, o capitão daquele navio se rendera aos salteadores. E eles os saquearam e puseram-se a beber. Em pouco
tempo, o grupo se transformara num populacho desvairado pela bebida, e, com o consentimento do chefe, fizeram
com que o capitão e toda a população caminhassem na prancha.
Animados com esse sucesso, esperavam repetir o mesmo feito de antes. Mas o capitão do navio em que
estava Samuel, sendo inteligente,
inteligente, resolveu
r esolveu tirar proveito do excesso de confiança daqueles bandoleiros. E quando já
estavam todos em torno deles, abriram fogo contra os atacantes, e como estavam bem próximos todos os tiros
acertaram o seu alvo. Então eles entraram em pânico, e assim os que estavam no barco foram abrindo caminho e
conseguiram aproximar-se bem do navio, de modo que os atacantes ficaram ao alcance do fogo dos que lá se
encontravam. Aí então estes atiraram contra eles. Assim o capitão e os seus homens puderam subir ao navio, mas
não levaram o barquinho.
Contudo, enquanto a tripulação estava empenhada em salvar o capitão e os companheiros, outro grupo de
bandoleiros, liderados pelo renegado branco, abordavam a embarcação do outro lado, sem ser visto. O navio se
achava muito carregado, pesado, e por isso a amurada estava bem baixa. Os invasores traziam escadas de cordas,
que iam logo prendendo nela. Um dos primeiros a alcançar o tombadilho foi o chefe do bando, que falava inglês.
Aproximando-se do capitão ordenou-lhe que se rendesse. Mas os homens que haviam ficado a bordo tinham tido
tempo para se armar para luta que já previam. Alguns haviam subido ao cordame, armados. Um deles atirou no
chefe, que caiu no mar. Mas companheiros dele correram aos alçapões e desceram ao porão para saquear a carga.
Na hora em que o renegado branco fora atingido, Samuel estava perto do capitão, e quando este viu que os
nativos entravam no porão, mandou que o rapaz fosse para sua cabine e trancasse a porta por dentro, para proteger
os valores ali guardados. Seu intuito era preservar o jovem, para que nem um mal lhe acontecesse.
Os tripulantes trancaram as portinholas do porão para que os que haviam entrado não pudessem sair. Em
seguida, passaram a lutar contra os restantes, que a essa altura se derramavam pelo convés vindos de todas as
direções. A partir daí, Samuel não viu mais nada da luta, mas ouvia os barulhos dos tiros, o som cavo dos corpos
tombando no assoalho, e os gritos e gemidos dos feridos. Era um combate de vida e morte, uma luta sem tréguas.
Por volta de meio-dia, começou a soprar uma brisa forte, e o navio pôs-se a ondular, e isso impediu que
continuassem a abordá-lo. O tiroteio cessou. Daí a pouco, o rapaz ouviu o barulho das correntes da âncora sendo
passadas em torno do cabrestante, e a embarcação partiu. Durante varias horas, ele só escutou as passadas pesadas
das botas a caminhar no tombadilho e o barulho dos corpos sendo atirados ao mar. A noite já estava caindo quando
afinal ouviu que os alçapões que davam para o porão estavam sendo aberto e os tripulantes descendo para pegar os
saqueadores, que a essa altura já tinham se embriagado com rum e se tornaram presa fácil.
Só aí então o capitão desceu à cabine e deu o sinal combinado para Samuel abrir. Assim que o rapaz abriu,
ele entrou cambaleando, mais morto que vivo. Achava-se completamente exausto, devido à perda de sangue e ao
longo esforço da luta. Caiu ao chão desmaiado. Samuel colocou-o na cama, e tratou de seus ferimentos da melhor
maneira que pôde. Em seguida, ajoelhou-se ao lado do leito e pôs-se a orar fervorosamente pelo amigo.
Enquanto ele orava, o homem recobrou os sentidos. Passou o braço em torno do negro carinhosamente,
puxou-o para junto de si e disse:
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“Sammy foram as suas orações que salvaram o navio e nossa vida. Nossos homens lutaram bravamente,
mas eles eram muito mais numerosos que nós, na proporção de dez para um. Não tinham muitas armas de fogo, mas
todos estavam armados com facas de bordões. Se não tivesse começado a ventar, e o navio não tivesse ondulado
soltando a âncora, eles teriam caído sobre nós como um verdadeiro formigueiro.”
O dia seguinte foi de muita tristeza para todos que se encontravam naquele navio. Muitos dos tripulantes
tinham sido mortos, e vários se encontravam gravemente feridos. O piso estava todo manchado de sangue. Samuel
sentiu profundo pesar ao ver serem lançados no mar os corpos dos colegas que ele aprendera a amar.
Mas ele tinha muito que fazer, e não podia entrega-se ao sofrimento por muito tempo. Durante o resto da
viagem, tornou-se enfermeiro, médico e consolo para os que estavam vivos. E foi sua alegre disposição e sua grande
fé na providência divina que transformaram completamente
completamente a atmosfera da embarcação. Todo
T odoss se desincumbiam
desincumbiam de
suas tarefas de bom grado, sem os costumeiros palavrões e bofetadas.

Nova York se Curva Diante de Samuel


Quando afinal o navio chegou ao porto de Nova York, haviam-se passado cinco meses. Quando Samuel
embarcara, estava descalço, e vestia apenas um macacão. Não recebera nada pelo serviço prestado, pois trabalhara
para pagar a passagem. Então a tripulação fez uma coleta de roupas, e conseguiu arranjar um terno completo para
ele, bem como calçados e até um chapéu, para que pudesse estar decentemente vestido ao desembarcar.
Assim que avistaram terra, Samuel ficou dominado por intensa emoção. Todas as dificuldades e
sofrimentos foram esquecidos. Agora todos os homens do navio eram seus amigos, e o mais chegado era justamente
o malásio, antes tão sanguinário. Todos se despediram dele com aperto
a perto de mão, e alguns deles, homens endurecidos
pelas asperezas da vida, choraram como criança. Esqueceram-se as barreiras raciais; entre eles havia um laço
afetivo mais forte que as diferenças que traziam da origem. Aquele jovem de cor escura fora o embaixador de Deus
entre eles. Por seu intermédio tinham aprendido que existia um Deus que se relacionava com os homens, um Deus
que atende as orações dos seus, e que não faz acepção de raça nem de cor.
O navio atracou em sua doca, no East, na Rua Pike. Era sexta-feira, o “dia da libertação”, para Samuel. E
assim que abaixaram a prancha de desembarque, ele foi um dos primeiros
primeiros a descer. Logo que pisou em terra viu um
homem que passava por ali. Imediatamente aproximou-se dele e indagou:
- Onde posso encontrar Stephen Merritt?
O homem, que já estivera no trabalho de Merritt, e recebera ajuda dele foi logo respondendo:
- Eu o conheço; mora longe daqui, do outro lado da cidade, na oitava avenida. Posso levá-lo lá, por um
dólar.
O lugar que o navio atracara distava mais de quatro quilometro da missão Bethel, e ali o Rev. Merritt era
praticamente desconhecido. Se não tivesse sido pela orientação do espírito Santo, e pela fé que Samuel tinha em
relação à sua missão,
missão, ele teria tido grandes dificuldades para encontrar esse pastor.
O rapaz não possuía nem um centavo, mas aceitou a oferta do transeunte, crendo que de alguma forma
conseguiria o dinheiro. E o homem foi conduzindo a Samuel, percorrendo diversas ruas, cruzando com inúmeras
pessoas, todas muito apressadas. Quando afinal chegaram
chegaram ao destino já anoitecia. Stephen Merritt estava fechando a
porta do prédio onde ficava o seu gabinete, quando eles se aproximaram.
- Aquele ali é Stephen Merritt, disse o guia. Aquele que está trancando a porta.
- Meu nome é Samuel Morris, disse. Vim da África até aqui para conversar com o senhor sobre o Espírito
Santo.
Merritt ficou surpreso e ao mesmo tempo achou engraçado o jeito do rapaz. Perguntou-lhe se trouxera carta
de apresentação.
- Não, replicou o rapaz. Não tive tempo para isso.
Então Stephen disse-lhe que tinha um compromisso naquele momento e não poderia atendê-lo. Mas que ele
poderia dirigir-se a missão, que ficava na casa ao lado, e ali cuidariam dele.
O rapaz já ia-se dirigindo para o lugar designado, quando o homem que o guiara gritou:
- Ei, e o meu dinheiro?

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Samuel nunca duvidava da providência de seu Pai celeste, e simplesmente acenou em direção de merritt,
dizendo:
- Agora quem paga todas as minhas contas é Stephen Merritt.
Sorrindo o pastor entregou um dólar para o guia e entrou em sua carruagem.
Depois que terminou o compromisso, Stephen Merritt dirigiu-se para casa. Mas no momento em que descia
da carruagem à sua porta, lembrou-se do rapaz africano, e mandou que o cocheiro tocasse novamente para Bethel.
Ali chegando, encontrou Samuel cercado por dezessete pessoas, todas prostradas diante dele. Acabara de falar-lhes
de Jesus, e elas estavam-se regozijando pela salvação alcançada. Nas primeiras horas que passava na América, e
mal sabendo falar a língua do povo ali, o jovem africano ganhara para Cristo mais de quinze pessoas.
Depois que o grupo se dissipou, Stephen Merritt profundamente comovido com a cena, chamou Samuel e
levou-o á sua carruagem para conduzi-lo
conduzi-lo á sua casa. Era a primeira vez que o rapaz
r apaz entrava numa carruagem dessas,
com cavalos tão velozes. Ficou encantado. Qualquer pessoa ficaria maravilhada com tão magnífica parelha, de
animais tão treinados e de trote tão perfeito. E aquele jovem kru, criado nas selvas, dotado de um instinto natural
para apreciar a beleza
beleza dos seres
ser es vivos, estava maravilhado com eles, sem palavras para expressar sua admiração. Ao
chegarem, Merritt teve certa dificuldade para convencê-lo a afastar-se dos cavalos.
Stephen Merritt era um homem rico. Sua casa um verdadeiro palácio, ficava situada em Hoboken Heights,
que na ocasião era um dos bairros aristocráticos da cidade. Era uma hora da madrugada,
madrugada, mas sua atenciosa esposa o
aguardava acordada. Assim que ele abriu a porta e entrou, ela indagou surpresa:
- Ué, quem é esse, Stephen?
- Ah, Dolly, aqui está um anjo de ébano, respondeu ele.
Ainda um pouco espantada, a Srª Merritt perguntou:
- o que pretende fazer com ele?
- vou deixá-lo dormir na casa do bispo, replicou o marido.
- Não, não; não faça isso, objetou ela. Mas ele não atendeu. Subiram as escadas e foram ao quarto que
ficava reservado para o bispo William Taylor sempre que ele ia à Nova York. Ali, Merritt mostrou a Samuel como
se puxavam as cobertas e se deita numa cama, já que ele nunca havia dormido num daqueles leitos. Ensinou-o a
acender o gás e a apagá-lo. Depois, pegou um dos camisões do bispo e vestiu no rapaz. O bispo era um homem
grandalhão, e a imensa roupa ficou tão engraçado no jovem, que Merritt teve que soltar mais uma boa risada.
Mas logo em seguida seu riso se transformou em emoção, pois Samuel arregaçou a comprida manga da
camisola, estendeu a mão ao seu anfitrião, e pediu-lhe que se ajoelhasse com ele para orar. A alma de Samuel
Morris ardia de fervor, e ele queria falar ao outro sobre a maravilhosa luz que o guiara até ali, tão longe de sua
pátria. E naqueles curtos momentos de oração, de petições feitas pelo jovem negro iletrado, esse homem que já
pregava o evangelho havia tantos anos, recebeu uma nova visitação do Espírito Santo; o homem que o bispo Taylor
escolhera para ser seu secretário recebera uma revelação sobre a realidade e o poder do consolador, como nunca
recebera em toda sua vid
vida.
a.
Quando Samuel acordou, no dia seguinte, levantou-se apressadamente, arrumou a cama, ajeitou o quarto, e
em seguida desceu para o estábulo. Ali pôs-se logo a ajudar o cavalariço a cuidar dos cavalos.
Stephen Merritt acordou tarde. Assim que se levantou foi ao quarto do bispo, mas o “anjo de ébano” não
estava mais lá. Procurou-o e afinal encontrou-o no estábulo trabalhando. Trouxe-o para dentro de casa e o
apresentou à família. Estava na hora de tomarem o café.
Era a primeira vez que Stephen Merritt e seus familiares se sentavam à mesa com um hóspede negro. E
ainda era um mistério para eles como tudo acontecera. Para Samuel aquilo também era uma experiência nova, já
que nunca havia se sentado á mesa com brancos. Além disso, era a primeira refeição que fizera nos Estados Unidos,
e tiveram que mostrar-lhe como se comia aquelas coisas estranhas. Mas sob orientação de Merritt, ele fez justiça aos
ótimos pratos. Estava com muita fome, pois não comia nada desde a noite de quinta-feira, e já era sábado de manhã.

Um Culto Fúnebre se Transforma num Culto Evangélico


Stephen Merritt era um homem muito atarefado. Todo seu tempo era dedicado ao serviço de sua igreja.
Nesse sábado pela manhã ele deveria dirigir um culto fúnebre, pelo falecimento de um homem importante de
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Harlem. Então resolveu levar a Samuel consigo. No caminho teria de parar para apanhar dois eminentes pastores
que iriam auxiliá-lo na celebração do culto. Assim que a carruagem
carr uagem parou, o primeiro
primeiro pastor a se aproximar avistou
o rapaz negro lá dentro, e deu um passo atrás. Esperou uns instantes, achando que o jovem iria descer. Mas afinal
entraram no veículo, ainda profundamente chocados de terem que viajar ao lado de um humilde africano. Não
disseram nada, mas ficaram a olhá-lo com expressão de desagrado.
O Ver. Stephen Merritt estava um pouco constrangido. Para desanuviar o ambiente, pôs-se a mostrar ao
rapaz os lugares interessantes por onde passavam: o Central Park, o Grande teatro da Ópera e outros pontos
importantes da cidade. Mas Samuel estava interessado em algo mais maravilhoso do que as maravilhas da grande
cidade. Colocou a mão sobre o joelho de Merritt e indagou:
- O senhor ora quando está na sua carruagem?
Ele respondeu que muitas vezes tinha momentos abençoados quando se achava no carro, mas nunca orara
formalmente.
- então vamos orar, disse Samuel.
E oraram. Era primeira vez que Stephen Merritt se ajoelhava no interior de uma carruagem para orar. Foi
Samuel quem começou: ”Pai, viajei vários meses para vir falar com Stephen Merritt, porque desejava que me
dissesse alguma coisa sobre o Espírito Santo. Agora que estou aqui, ele me mostra o porto, as igrejas, os bancos e os
prédios, mas não fala uma só palavra sobre o Espírito Santo, que tenho tanta vontade de conhecer. Enche-o de ti
mesmo, de tal modo que ele não pense em outra coisa, não fale de outra coisa, nem escreva, nem pregue sobre mais
nada, a não ser sobre ti e o Espírito Santo.”
A experiência que Merritt teve naquele momento não foi uma manifestação comum do poder de Deus. Ele
 já havia participado de cultos para consagração de missionários,
missionários, para
par a ordenação de pastores, nomeação de bispos,
imposição de mãos em obreiros. Mas em nem um deles experimentara a presença do Espírito de forma tão sensível
e ardente como naquela ocasião, ajoelhado no interior da carruagem, ao lado de Samuel Morris, um rapaz
paupérrimo, vestido com roupas humildes. Naquele maravilhoso instante, toda sua vida foi transformada. No
momento em que aqueles homens ilustres tinham entrado na carruagem haviam ficado ligeiramente constrangidos,
com receio de que alguém os visse na companhia de um negro tão mal vestido. Mas após a oração do rapaz
passaram a ter vergonha de seus próprios farrapos espirituais. Ocorreram-lhes, também, que Samuel deveria ter
vestimentas exteriores mais condizentes com a sua graça interior. Então, por sugestão de Merritt, pararam em uma
loja para comprar um terno novo para seu hóspede.
Stephen Merritt disse ao balconista que aquele rapaz merecia “o que houver de melhor”, e saiu por uns
instantes para cuidar de outras coisas. O homem tomou suas instruções ao pé da letra, e foi providenciar tudo
auxiliado pelos dois outros pastores, que também eram ministros metodistas. E em tom de brincadeira Merritt
observou:
“Onde estiverem reunidos dois ou mais pastores metodistas, eles superam a todo mundo em generosidade,
desde que seja outro o que pague a conta.”
No caso destes dois, eles pareciam estar querendo superar um ao outro para ajudar a vestir a Samuel com os
melhores artigos da loja. Quando Stephen voltou, encontrou o rapaz diante do espelho tentando reconhecer a
imagem nele refletida: o coração da África, no melhor estilo da Quinta Avenida. Merritt sorriu e pagou a compra,
aliás, uma quantia bem elevada. Contudo não se desfez das velhas e estranhas roupas de Samuel, que eram
preciosas para ele, pois pegou-as e guardou em seu gabinete, onde ficaram vários anos.
Estando o moço pronto, seguiram para o culto fúnebre. Um grande número de pessoas lá estava para
homenagear
homenagear o morto. O Rev. Merritt, já prevendo um grande comparecimento, havia preparado com muito cuidado
o seu sermão para ocasião. Mas o momento de oração que haviam tido na carruagem lhe modificara o espírito. As
práticas antigas não importavam mais. E o sermão que ele pregou naquele dia deixou os ouvintes maravilhados.
A impressão de todos é que o próprio céu se abria, pois ele abandonou seu discurso formal, e entregou uma
mensagem de terna compaixão, inspirada pessoalmente pelo consolador. Os outros dois pastores também
experimentaram
experimentaram a mesma inspiração divina. Ambos também deram uma palavra breve, mas demonstraram tal poder
que, como comentaram posteriormente, eles mesmos se surpreenderam com sua eloqüência.
As pessoas presente ao culto os escutavam como que extasiadas, sem, contudo saber que aqueles
abençoados pregadores nada mais eram do que o meio pelo qual um humilde rapaz negro transformara um cenário
17
de luto em um luto num culto de gozo. Mas embora tivesse sido pela fé de Samuel que eles tinham recebido a unção
do alto, o rapaz mesmo não pronunciou uma palavra durante o culto. Ficou sentado a um canto, sentindo-se
transbordar do Espírito Santo,
Santo, de tal modo que teve uma visão: viu um caminho que ia até a porta do céu; e ele teve
percepção até do roçar das asas dos anjos.
Não pôde deixar de comparar a beleza da solene cerimônia dos cristãos com as senas brutais que
presenciara na selva. Já vira pessoas de sua raça serem mortas como animais, e os corpos ficarem insepultos.
Lembrou-se dos rituais degradante da seita dos adoradores de leopardos. Tinha visto outros escravos ou reféns de
guerra serem torturados e mortos, e depois enterrados sem que ninguém proferisse uma palavra de conforto em seu
sepultamento. Vira os marinheiros que tinham morrido de forma tão violenta serem atirados no mar, sem nem um
respeito, com a mesma naturalidade com que se jogam pedras n’água. Como era diferente o culto fúnebre dos
cristãos! Sua alma exultava ante o fato de que mesmo a morte nessa terra de cristãos era algo celestial.
Em dado momento ocorreu uma cena incomum, uma das manifestações de que Samuel Morris possuía um
poder sobrenatural que somente o Espírito de Deus confere ao ser humano. A certa altura do culto sem que ninguém
tivesse feito apelo, várias pessoas começaram dirigir-se para frente e a ajoelhar-se perto do caixão. Não estavam ali
para pratear o falecido, mas para se mostrar arrependido
a rrependidoss de carregarem
ca rregarem o “corpo de morte”, o pecado. Tinham sido
impelidos até ali pela luz divina que irradiava da alma de Samuel Morris.

Samuel Começa a Estudar

Após o culto fúnebre, o Rev. Merritt dirigiu-se para seu gabinete, levando o rapaz consigo. A caminho o
rapaz lhe fez muitas perguntas sobre o espírito Santo, mas eram perguntas tão profundas que daí a pouco Merritt
sentia que era ele quem estava aprendendo com o outro; que a experiência espiritual do jovem africano superava os
conhecimentos teológicos que ele possuía acerca do mensageiro de Deus.
Chegando ao seu gabinete, Merritt ditou uma carta para o diretor da Universidade Taylor, que nela, dizia
que estava-lhes enviando um diamante bruto para que o lapidassem, e o enviassem ao mundo para iluminar os
povos.
O dia seguinte era domingo, e Merritt disse a Samuel:
- Gostaria que você fosse a escola dominical comigo, hoje. Sou superintendente, e quero que dê uma
palavra.
- Nunca fui a uma escola dominical, comentou ele; mas está bem.
Na igreja, Merritt apresentou-o à congregação; ali estava um rapaz de nome Samuel Morris, que viera da
áfrica para conversar com o superintendente da sobre o Espírito Santo. Todos os presentes riram. Após a
apresentação, o dirigente teve que sair um instante para cuidar de outros interesses. Quando regressou, alguns
momentos depois, o altar estava cheio de jovens que choravam e soluçavam. Samuel se achava na frente, orando.
O rapaz, porém, se mostrava calmo. Estava sempre tranqüilo; era sua natureza. Ao orar fazia-o sempre com
modos naturais, como quem conversava com amigo.
a migo. Simplesmente
Simplesmente “conversava com seu
s eu Pai”, fervorosamente, mas
sem exaltação. Então aqueles alunos não tinham sidos tocados por nem um dos truques de oratória normalmente
empregados pelos avivalistas profissionais. Também não foram suas palavras, nem seu jeito de ser que haviam
provocado tal impacto, mas a presença do poder do Espírito Santo, que fora sentido com tanta intensidade que o
aposento ficou cheio de sua gloria.
Imediatamente, os jovens daquela escola dominical, num gesto espontâneo, fundaram um grupo a que
deram o nome de Sociedade Missionária Samuel Morris. Essa associação levantou fundos para pagarem a passagem
de Samuel e comprarem mais roupas e livros, e todo o material de que ele necessitaria na escola. Com os livros,
roupas e outros presentes que conseguiram encheram três baús.
Após a escola dominical, Merritt levou Samuel para sua casa. Á mesa, a Srª. Merritt pediu a ele que orasse
pelo alimento, mais por educação que qualquer coisa. E a oração que fez, dando graças ao Pai celeste, tocou
profundamente o coração de todos os presentes, pois ele transbordava de gratidão a Deus. Até mesmo a Srª Merritt,
pessoa pouco emotiva, que fora criada segundo uma rígida compostura aristocrática, acabou chorando depois ela
disse a Samuel:
Sa muel:
“Fique morando conosco. O que tivermos, partiremos com você.”
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A curta estada do rapaz ali tivera o poder de remover todos os traços de preconceito racial que antes
existiam.
Contudo estava decidido que Samuel iria estudar. Nos meados da semana tudo estava pronto, e ele tomou o
trem para Fort Wayne. Chegou ao seu destino na sexta-feira, o seu “daí da libertação”, dia em que jejuava e orava.
Ao chegar ali, porém, não se achava em muito melhores condições do que quando desembarcara do navio, como
forasteiro numa terra estranha. Tinha alguns livros que não sabia ler; algumas roupas e alguns presentes de valor
nominal. Aos olhos de todos, não passava de um pobre rapaz preto, sem qualquer instrução básica.
Entretanto aquele jovem logo revelou um espírito de nobreza muito raro entre os crentes.
Quando o diretor da escola, Taddeus
Ta ddeus C. Reade, que quarto preferia, replicou:
“Se houver um que ninguém queira, fico com ele.”
Mais tarde o Dr. Reade relatou esse incidente nos seguintes termos:
“Virei o rosto, pois meus olhos se encheram de lágrimas. Perguntei a mim mesmo se eu estaria disposto a
querer algo que ninguém mais queria. Nos muitos anos em que tenho trabalhado como professor, tenho tido que
designar os quartos para os alunos, e já fiz isso para mais de mil jovens. Muitos deles revelaram grande nobreza.
Mas Samuel Morris foi o único que disse: se houver um quarto que ninguém queira, fico com ele.”
Entretanto quando Reade fez o registro de sua matrícula, tinha o coração pesado. Não via nada de valioso
naquele feio rapaz preto. Pressentia que seria um
u m outro peso acrescentado ao enorme fardo financeiro da escola, que
 já não era pequeno.
pequeno. Nessa ocasião a Universidade Taylor se achava sob a ameaça de ter de fechar as portasportas por falta
de recursos, e até mesmo de falta de alimento para os alunos. Era muito comum ali o jejum involuntário. Mas o Dr.
Reade, sendo homem de grande dinamismo, lutava bravamente para derrotar a falência. No sábado ele fez uma
pequena viagem de negócios. No domingo foi pregar na Igreja Metodista de Churubusco, uma igreja pequena
constituída de pessoas pobres.
Apesar disso, ele fez um forte apelo á contribuiç
c ontribuição.
ão. Falou-lhes de um rapaz negro que acabara
a cabara de chegar da
África, na sexta-feira, sem um dólar no bolso. Disse que o aceitara como aluno pela fé, confiante que alguém de se
apresentaria para ajudar a sustentá-lo e custear seus estudos. O resultado foi extremamente desanimador; quase um
fracasso total. Um homem de nome Thomas lhe deu cinqüenta centavos de dólar. E foi só.
Mas no dia seguinte, quando o Dr. Reade já estava saindo para ir embora, um crente de nome Josiah
Kichler, um açougueiro pobre, que nem era membro da igreja, procurou-o e disse-lhe:
“Dr. Reade, ouvi-o fazer apelo para contribuirmos
contribuirmos para o rapaz
rapa z africano. O Espírito Santo me disse para dar
isto para o seu fundo de fé.”
E em seguida entregou ao diretor uma nota de cinco dólares.
Mas com isso deu ao Dr. Reade também um presente inestimável. Aquela nota lhe deu uma idéia que viria
iluminar o ambiente sombrio que pesava sobre a Universidade. Utilizando a expressão empregada por Kichler com
aquele dinheiro ele deu inicio a um “Fundo de fé Samuel Morris”. E enquanto o nome de Samuel Morris for
conhecido e respeitado, isso será um memorial para Josiah Kichler.
Pouco depois outras pessoas começaram a contribuir para o fundo. Quando Samuel soube que estava
chegando mais e mais contribuições para ele, procurou o Dr. Reade e disse:
“Não; esse dinheiro não é meu; é de Deus. Preferia que o senhor usasse para estudantes que o mereçam
mais que eu.”
E nunca pôs em seu bolso um centavo sequer desse dinheiro. Ele mesmo nunca comprou nada para si. O Dr.
Reade se utilizava dele para atender
a tender ás necessidades básicas do rapaz. Mas que isso ele não aceitaria.
Depois de algum tempo ele foi conversar com o Dr. Reade e perguntou-lhe se poderia deixar a escola por
uns tempos para trabalhar. O diretor ficou muito surpreso, mas o rapaz explicou.
“Não estou querendo deixar a escola, não. Mas quero ganhar algum dinheiro para trazer Henry O’ Neil N eil para
cá, para que estude. Ele é muito melhor que eu. Nós dois trabalhamos juntos para Jesus, lá na Libéria.”
O Dr. Reade respondeu-lhe que orasse, e que Deus providenciaria os meios para que Henry viesse para os
estados unidos. No dia seguinte Samuel foi procurar o Dr. Reade todo sorridente, e disse-lhe:
“Henry O’ Neil vai chegar muito em breve. Meu Pai acaba de me dizer isso.”
O diretor escreveu a Stephen Merritt para procurar saber alguma coisa a respeito do assunto; a resposta que
recebeu foi que uma das missionárias que trabalhava na Libéria, e lá se encontrava na ocasião em que Samuel e o
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amigo desenvolviam seu trabalho de pregação, tinha voltado aos Estados Unidos e estava tomando providências
para que Henry fosse trazido a esse país, para estudar. E assim Henry O’ Neil, o primeiro fruto do testemunho de
Samuel Morris, foi estudar nos Estados Unidos.

 III 
O Aluno que Ensinava
Um Pastor Ordenado nos Céus
O apóstolo Paulo afirmou diversas vezes que, ao contrário dos outros apóstolos, ele recebera seu
comissionamento para pregar o evangelho direto do céu, e não de homens. O mesmo se podia dizer de Samuel
Morris.
No primeiro domingo que passou em Fort Wayne, ele procurou se informar se havia uma igreja de negros
na cidade; sim, havia. Dirigiu-se então para lá, mas, como era bem distante da escola, chegou um pouco atrasado. O
culto já tinha sido iniciado, a parte da abertura já estava concluída. O pastor já se encontrava no púlpito, e ia iniciar
a pregação, tendo já inclusive lido o texto.
t exto. Samuel entrou e foi logo à frente,
fr ente, e subiu os degraus que davam
dava m acesso à
plataforma.
O pastor dessa igreja era um homem muito formal, de maneiras bem disciplinadas, e ficou meio
desconcertado com a ousadia do rapaz.
- Meu nome é Samuel Morris, disse ele. Acabo de chegar da África, e tenho uma mensagem para estes
crentes.
O primeiro impulso do pastor foi recusar, mas fitando seu rosto radiante e os olhos brilhantes, compreendeu
compreendeu
que talvez ele tivesse mesmo uma mensagem especial. Indagou de Samuel se ele estava com sermão preparado.
- Não, respondeu o outro, mas tenho uma mensagem.
Então ele deixou que o rapaz assumisse o púlpito. Mal o pastor se sentara perto do gazofilácio, sentiu uma
forte comoção na igreja, e quando ergueu os olhos viu toda congregação de joelhos orando, chorando saltando
brados de alegria. O jovem estava de pé no púlpito, não pregando, mais orando, “conversando com seu Pai”. Mais
tarde aquele pastor relatou o acontecido.
“Não parei para prestar atenção ao que ele dizia. Fui dominado por um intenso desejo de orar. Não me
lembro do que disse, nem do que Samuel falou, só sei que havia um fogo intenso em meu coração, como nunca
sentira antes. Não havia dúvida de que a mesma luz que libertara Samuel de seu cativeiro agora brilhava no coração
de nossos irmãos ali em Fort Wayne aquela igreja nunca havia experimentado tal visitação do Espírito Santo.”
O culto demorou bastante, passando muito da hora costumeira. Quando afinal os crentes saíram para ir
embora, tinham a certeza de que haviam recebido uma revelação pessoal do Espírito Santo. Samuel falara a
linguagem da alma. Ele se dirigira ao Pai celeste em termos que partiam do fundo do seu coração. Lançara sua
intercessão com fé absoluta, e o Espírito Santo estivera presente ali por causa de sua fé simples, como de criança. E
todos foram para casa regozijando-se.

20
Em um dia apenas, o desconhecido Samuel Morris se tornara um nome que seria ouvido em toda Fort
Wayne. Nos jornais locais, foram publicados editoriais comentando o grande avivamento ocorrido na Igreja
Metodista Africana da Rua East Wayne. Publicações religiosas de todas as partes transcreveram estes artigos e
deram parecer sobre a notável manifestação espiritual. E antes que se passasse uma semana que o jovem africano
estava na universidade Taylor, toda cidade já ouvira falar dele. Entretanto havia um sério problema com relação a
Samuel.
Samuel. Ele não poderia fazer nem um dos cursos regulares da escola. Seria preciso que primeiro fizesse os estudos
elementares, para depois ser matriculado como aluno da faculdade. Estava com cerca de dezoito anos, mas, em
termos de estudos, era como uma criança de sete ou oito. A única solução era providenciar-lhe professores
particulares, para preencher essa lacuna. Por ocasião do culto dos alunos o Dr. Reade explicou a situação do rapaz,
solicitou voluntários para ministrar-lhe aulas. Não seria uma tarefa simples. Apresentaram-se duas pessoas: Harriet
Stemen, filha do Dr. Christian B. Stemen, um médico crente, e a filha do próprio Dr. Reade. Mais tarde, outras
pessoas também deram aula para Samuel, entre elas a Drª. Idora Rose e Grace Husted. Mas a responsabilidade de
supervisionar os estudos do rapaz ficou com a Harriet Stemen.
Samuel Salva uma Universidade
Samuel revelou-se um aluno muito aplicado. Todas as palavras, idéias e princípios que lhe eram ensinados
ficavam indelevelmente gravados em sua memória. Além absorveu também as expressões refinadas e o jeito de
falar de suas professoras, repetindo-os em sua conversa. Contudo sua mentalidade original não se alterou. A
maneira como agrupava as palavras para formar sentenças deixava a todos admirados. Falava sempre por frases
curtas, mas todas as palavras que dizia tinham importância. Desconhecia o que fossem conversas inúteis. Sua
existência era constituída de nobres idéias e elevados propósitos.
As duas mestras logo perceberam que a tarefa que haviam assumido seria altamente gratificante. A cada
dia, as dedicadas
dedicadas jovens recebiam
recebia m novas bênçãos.
Mas, para Samuel, seu principal mestre continuava sendo o Espírito da verdade. Muitas vezes, quando
estava solucionado um complicado de matemática, dizia em voz baixa, mas audível:
“Ajuda-me,
“Ajuda-me, Senhor!”
E sempre passava mais tempo em “conversa com seu Pai” do que com qualquer outro mestre terreno.
Através do Espírito Santo, Deus estava tão perto dele quanto qualquer pessoa da terra, e era-lhe também muito real.
Muitas pessoas vinham de longe para ver e conversar com Samuel, mas o jovem não tinha tempo para
conversas sem sentido. Assim que alguém lhe era apresentado e o cumprimentava, ele logo lhe entregava uma
Bíblia e pedia que abrisse num texto que desejava estudar, e solicitava ao outro que o lesse para ele. Pretendia dessa
forma ouvir a leitura da Bíblia toda.
Havia na universidade um estudante que era ateu e gostava de proclamar seu ceticismo. Não conseguia
aceitar que outros cressem em Deus como quisessem. Conhecia bem todos os argumentos do pensamento ateu, e
não perdia oportunidade de entrar em discussão com os alunos
a lunos crentes. Nem sempre era fácil entrar em contato
c ontato com
Samuel, de um momento para o outro, normalmente, quando estava orando, não gostava de falar com ninguém. Mas
o jovem ateu insistiu com alguns colegas para que o levassem ao quarto do africano, e o apresentassem a ele. E foi
até lá todo preparado para uma discussão, pensando que iria derrotar facilmente aquele negro iletrado. Como
costumava fazer, Samuel entregou- lhe a Bíblia aberta e pediu-lhe que lesse determinado texto. O rapaz jogou o
livro sobre a mesa, dizendo:
“Eu não leio mais esse livro. Só fala de guerras, de casos amorosos, e de uma porção de histórias falsas.
Não creio numa única palavra dele.”
Samuel nunca tinha conversado com um ateu antes, nem mesmo na áfrica, pois lá todos crêem em algum
deus. Então ficou sentado, quieto, olhando para o outro, até que terminasse sua explosão verbal. Quando ele parou
de falar, levantou-se e disse:
“Meu caro amigo, seu pai fala com você e não acredita nele? Seu irmão fala e não crê nele? O sol brilha, e
você não acredita nele? Deus é seu Pai; Cristo é seu irmão, e o Espírito Santo é o seu Sol.”
Em seguida, colocou a mão sobre o ombro do estudante e disse:
“Ajoelhe-se, vou orar por você.”

21
A salvação daquela alma estava em jogo, e o Espírito de Deus colocou nos lábios de Samuel as palavras
certas, para chegar ao coração do rapaz,
r apaz, e ele conseguiu tocar suas cordas mais sensíveis. O ateu, porém,
porém, resistiu
r esistiu até
onde pôde, mas, no momento em que estava saindo do quarto, foi tocado pelo Espírito, que o convenceu da verdade.
No final do semestre, quando saiu da universidade, era um crente dedicado à oração e ao serviço do Senhor.
Tempos depois, aquele jovem que antes zombara do evangelho veio a ser bispo.
A influência espiritual de Samuel Morris não foi sentida apenas pela maioria evangélica da escola, mas
também pelos poucos céticos que ali estudavam. Embora a maior parte do corpo estudantil fosse constituída de
crentes sinceros, as igrejas e as escolas denominacionais passavam por um período de enfraquecimento da fé,
sofrendo uma crescente influência do mundo. A teoria da evolução, proposta por Darwin, parecia estar minando as
bases da autoridade da Bíblia.
O aumento da riqueza, favorecido pelas novas invenções científicas, fomenta o materialismo. Naqueles
dias, o povo ainda não conseguia prever os problemas de hoje: as depressões econômicas, as guerras mundiais, as
ideologias totalitárias, que vieram demonstrar que a ciência sendo uma realidade impessoal, não pode substituir o
sentimento religioso, que é algo de muito pessoal.
Nessa época, a Universidade Taylor era dirigida por um grupo de lideres da Igreja Metodista Episcopal, e
ainda tinha um padrão de ensino espiritual elevado. O que não era muito comum. Contudo, grande parte dos leigos
bem como alguns ministros da denominação tinham apenas uma fé nominal na obra do Espírito Santo, que John
Wesley, fundador do metodismo, experimentara e pregara. Wesley ensinara que só podemos ter a vida de amor e
santidade que as escrituras requerem de nós pelo poder purificador do Espírito Santo. Essa existência imaculada,
porém, não se acha totalmente isenta de tentações, havendo sempre a possibilidade de pecarmos. Contudo o crente
santificado recebe poder para não pecar, pois sua vontade é liberta do domínio do pecado interior e de suas fortes
tentações. A despeito dos questionamentos que se possam fazer a essa doutrina de santificação, o fato é que o
segredo do notável do notável poder de liderança espiritual de Wesley se fundamentava em sua firme crença no
maravilhoso poder do Espírito de Deus. Aliás, toda obra evangélica vitoriosa tem como base uma vida cheia do
Espírito. Mas esse tipo de fé já começava a se desvanecer, não só na Universidade Taylor, mas também em outras
partes.
Mas Samuel Morris despertara toda universidade, do reitor ao aluno mais novato, sendo ele mesmo uma
demonstração de que, com grande simplicidade e poder o Espírito Santo pode conferir graça até ao mais humilde
ser humano. Toda escola foi levada a um nível espiritual bem elevado. Os alunos não apenas eram “salvos”, mas
também se tornavam espiritualmente fortes e ganhavam outros para Cristo. É através do Espírito de Deus que
recebemos todas as bênçãos espirituais e materiais. E foi pela influência espiritual de Samuel, um crente que
buscava o reino de Deus
D eus em primeiro lugar, que “todas
“ todas estas coisas” foram acrescentadas à universidade
universidade Taylor. Foi
durante seu tempo de estudante que a escola chegou ao fim de todos os seus recursos financeiros, e a junta diretora
se reuniu para aquele que deveria ser seu último encontro. Mas a inspiração que Samuel representava veio em
socorro deles.
Foi o “Fundo de Fé Samuel Morris” que me levou á universidade. Cheguei ali na ocasião em que a junta
diretora estava entoando seu “canto do cisne”. Mas parecia que uma escola com uma presença tão poderosa como a
de Samuel Morris não podia acabar assima ssim.. Acreditei que aquele fundo poderia inundá-la de contribuições, e externei
esse pensamento aos outros. O Cel. D. N. Foster, hoje falecido, na época era o presidente da junta, indagou:
- Mas o que podemos fazer? Dentro de pouco tempo teremos e sair daqui. Para onde iremos?
- Venham para Upland, retruquei. Nós os receberemos de braços abertos.
Eles conversaram entre si uns instantes, e depois disseram:
- precisaríamos de 10 mil dólares e uma ária de 10 mil acres.
Contagiado pela fé de Samuel repliquei:
- Senhores, a escola irá para Upland. Não tenho autoridade para assinar um contrato, mas amanhã seguirei
para lá, e de lá vou telegrafar para irem pegar o dinheiro e escolher o terreno.
No dia seguinte, quando eu saia para pegar o trem, foi Samuel quem me ajudou a vestir o, sobretudo. Eu o
via como a um Moisés, que iria tirar a Universidade Taylor do deserto e conduzi-la à terra prometida. Cheguei a
Upland por volta de 10 horas da manhã. Às duas da tarde, já havíamos conseguido os 10 mil dólares e mais a
quantia necessária para adquirirmos os 10 mil acres de terra. Em Upland só se falava de Samuel Morris e da
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Universidade Taylor. Foi indicada uma comissão para ir a Fort Wayne e conversar com a junta a respeito do
contrato. O grupo entrou em contato com Samuel e todos ficaram muito impressionados com ele, tanto quanto nós,
que já o conhecíamos havia algum tempo. Nessa ocasião então o contrato foi assinado, e pouco depois ele vieram
escolher o terreno para escola, optando pelo belíssimo local onde ela está situada até hoje.

A Última Aventura
O misticismo de Samuel não tinha nada de anormal; era perfeitamente explicável. Tendo sido
criado na selva, ele sempre foi um grande apreciador da natureza. Sua consciência de Deus não provinha apenas do
Espírito Santo que habitava nele, mas também da beleza da natureza na qual ele via refletida a obra das mãos do
Criador.
Em muitas ocasiões ele fazia comparações entre as belezas da América e as de sua terra. Na África havia
muitas flores lindas, mas sem perfume. Aqui, ele gostava muito de caminhar longamente pelas matas aspirando o
perfume das flores silvestres, e escutando o fascinante canto dos tordos, cotovias, e outros pássaros canoros.
Quando chegou o outono, e as folhas das árvores começaram a mudar de cor, assumindo os diversos tons da época,
Samuel,
Samuel, que estava acostumado apenas ao verde dos tópicos, ficava a contemplá-las num êxtase de alegria. Vez por
outra, ele soltava brado de alegria ao Pai celeste, por poder apreciar tantas maravilhas. E muitas vezes comentava:
“Deus é muito bom com vocês, aqui em Indiana.”
No “Dia de Ações de Graça”, após o tradicional almoço, o Dr. Reade perguntou-lhe de qual dos dois
lugares gostava mais, da América ou da África. O rapaz riu e respondeu:
- O que é melhor: peru assado ou carne de macaco crua?
- Ora, Samuel, retrucou o diretor, você não comeu carne de macaco, já?
- Já, sim, senhor, respondeu ele. Já comi muita carne de macaco, e crua.
E, no entanto, ele desejava ansiosamente
ansiosamente voltar para sua terra, para falar aos seus irmãos de raça e cor sobre
as bênçãos que recebera.
Certa vez, Samuel feriu a mão, e a pele foi arrancada, deixando exposta uma superfície clara. Pois ele
passou tinta nesse ponto, e depois explicou que o fizera porque receava que não voltasse a ficar escura. Isso seria
um desonra para ele na África, e constituiria um empecilho á pregação do evangelho. Ele nunca se sentira
diminuído por causa da cor de sua pele, devido a consciência que tinha que era filho de Deus.
Na primeira vez em que caiu neve depois que Samuel estava em Fort Wayne, ela veio em flocos grandes.
Ela começara a cair durante a noite, e quando ele acordou pela manhã ainda nevava. Assim que o rapaz olhou pela
 janela e viu todo o terreno coberto de uma camada branca e brilhante, sua surpresa e admiração
a dmiração não tinham limites.
limites.
Na língua de sua gente não havia um termo para designar neve, pois em sua região nativa não se dava tal fenômeno
f enômeno..
Ele nunca vira nem ouvira falar sobre aquilo. Saiu correndo para o pátio e pegou um punhado dela dizendo: ”Isso
deve ser uma mensagem do céu para nós. Se eu soubesse interpretar, que fatos maravilhosos não iria descobrir
nisso. Não existe nada na terra mais belo que essa coisas. Só Deus mesmo pode criar formas tão lindas!”
Enquanto falava, a neve, em contato com as suas mãos, ia-se derretendo, e então ele indagou do Dr. Reade:
“Cadê o negócio? Virou apenas umas gotinhas de águas.”
Mas em seu rosto estampava-se uma expressão de profunda adoração a Deus, e os olhos encheram-se de
lágrimas. E ergueu as mãos e orou a seu Pai, pedindo-lhe ensinasse a ele e a todos os outros a assimilar as belas
mensagens que vinham do céu. Depois de terminar a oração comentou:
“Um ano aqui vale uma vida toda na África.”
Por volta do fim do ano, um evangelista promoveu, juntamente com outros pregadores, uma u ma série de cultos
de avivamento num velho rinque de patinação da Rua Principal. Todas as noites havia um grande número de
pessoas presentes. Samuel gostava principalmente dos hinos. Parecia que sua alma era feita f eita de música. Sempre que
a congregação cantava um hino, sua voz era ouvida em todos os cantos do grande salão.
E sempre havia uma cadeira para ele na plataforma. Quando um dos obreiros que ficavam no meio do povo
encontrava uma pessoa mais resistente à pregação, dava um sinal para o rapaz. Daí a pouco haveria dois ou três
pecadores ajoelhados, ou então dirigindo-se ao altar conduzidos por ele. Ninguém recusava seu convite para orar.
Roupas caras e belos chapéus tampouco eram empecilho para ele. O fato de ser negro também não chocava
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ninguém, pois todos logo percebiam a graça e o grande poder espiritual que possuía. Samuel não pregou muito
nesse período, mas cantou e orou bastante.
As torturas que o rapaz sofrera durante o tempo em que fora refém de guerra, e as condições adversas em
que vivera durante a viagem no navio-cargueiro haviam enfraquecido muito sua constituição física, que já era frágil.
A isso veio somar o rigor de nosso clima, de invernos longos, um ambiente muito estranho para uma pessoa criada
nos trópicos. Mas, apesar de tudo, Samuel continuou a assistir assiduamente a todos os cultos, naquele inverno
de1892 a 93, que foi ainda mais frio do que o normal.
Certo dia, quando assistia um culto noturno na Igreja Metodista da Rua Berry, pegou um forte resfriado.
Mas não contou nada a ninguém, e foi suportando a doença em silêncio, como se nada estivesse acontecendo. Não
se preocupava com o fato de a noite estar fria, chuvosa, e a temperatura a 30°C abaixo de zero. Sentia que era seu
dever estar ali; tinha prazer de participar do culto. Seu rosto simples, sua expressão de sinceridade eram uma
inspiração para o pregador, que se sentia mais entusiasmado e dava tudo de si no trabalho.
Samuel Morris sacrificou a saúde pelo trabalho de Deus. Ele permaneceu na igreja até o final do último
culto. Tempos depois, algumas pessoas se lembravam de como ele foi à frente no encerramento antes do pastor dar
a benção apostólica, e dirigira o cântico de um dos hinos mais querido do povo de Deus: “A velha história de
Jesus”.
Embora Samuel não possuísse resistência orgânica para superar o resfriado que contraíra, continuou
assistindo às aulas regularmente. Mas suas forças foram diminuindo. A certa altura, começou a revelar sinais de
hidropisia, e daí para diante não conseguiu mais esconder o fato de que estava gravemente doente. Assim que o Dr.
Stemen o examinou, encaminhou-o logo para o Hospital St. Joseph. Nessa casa, recebeu os melhores cuidados e
atenções, como se fosse o filho do próprio diretor. Muitas pessoas foram visitá-lo, gente que havia aprendido a amá-
lo, que tinha recebido bênçãos por seu intermédio. Todos lhe traziam uma prova de apreço. Como ele distribuíra
muito amor, agora também recebia muita afeição.
A princípio, o rapaz não entendeu por que não recuperava a saúde. E comentou:
“No inverno passado, quando tive aquele problema nas orelhas, elas doeram bastante. Perguntei ao meu Pai
a respeito daquilo e Ele me curou. Elas pararam de doer imediatamente. Mas agora não consigo sarar. Não sei por
quê.”
Mas depois ele compreendeu. Certo dia, quando os alunos da escola foram fazer-lhe sua visita costumeira,
ele lhes disse, que já havia obtido resposta.
“Estou muito feliz”, disse ele. “Vi os anjos e muito breve eles virão me buscar. A Luz que meu Pai do céu
mandou para me salvar, quando estava jogado naquela forquilha na África, tinha uma razão de ser. Fui salvo com
um objetivo definido; agora ele já se realizou. Minha obra aqui já foi concluída.”
O Dr. Reade lhe indagou acerca do grande trabalho que ele planejava realizar junto ao seu povo, na África,
e o rapaz respondeu:
“O trabalho não é meu; é de Cristo. É Ele quem escolhe seus obreiros. Outros poderão realizar essa obra
melhor que eu.”
A casa onde o Dr. Stemen morava ficava bem em frente ao hospital. No dia, 12 de maio, por volta de 10
horas da manhã, ele estava aparando a grama do seu jardim, quando ouviu alguém gritar-lhe:
“Não trabalhe demais, não, Dr. Stemen.”
Ergue os olhos e deu com Samuel que o contemplava da janela do quarto, no hospital. Então acenou para
ele, e o rapaz
ra paz respondeu, para logo sair da janela
janela e ir sentar-se numa poltrona; o Dr. Stemen continuou sua tarefa.
Alguns instantes depois, a Irmã Helen, que trabalhava no hospital, veio á casa do Dr. Stemen e comunicou-
lhe que Samuel parecia inerte. O médico correu lá e encontrou o jovem africano sentado tranquilamente na cadeira.
Estava morto. Em seu rosto, estampava-se uma expressão de um gozo solene, a mesma que se via nele sempre que
entoava seu hino predileto:

Desvaneçam-se as alegrias terrenas,


Jesus é meu!
Rompam-se todos os laços afetivos,
Jesus é meu!
24
O deserto é sombrio,
Na terra não há lugar de descanso.
Só Cristo pode dar-me felicidade.
Jesus é meu.

Ele havia partido para se encontrar com seu Pai celeste com a mesma calma com que cumprimentava um de
seus amados mestres. O “anjo de ébano” fora juntar-se aos anjos de todas as eras e de todas as raças.

Uma momentânea Nuvem de Dúvida


A Universidade Taylor estava-se preparando para as solenidades de lançamento da pedra fundamental de
sua nova sede, em Upland. A direção de ferrovias
f errovias estava programando trens especiais para levar os interessados em
assistir o grande evento. Samuel Morris deveria estar presente, pois iria dar uma palavra e cantar um hino. Seria a
principal atração das festividades, embora do programa constasse a participação de um bispo da denominação e de
outras pessoas importantes. Então a morte do rapaz envolveu em grande tristeza toda comunidade relacionada com
a escola. Parecia que Deus já não estava mais tão perto. Todo mundo tinha no coração grande perplexidade com
relação a este mistério da providencia divina, ceifando uma vida tão jovem, que prometia ser uma grande benção
para tantos. Será que a fé dele iria acabar envolta numa sombra de dúvida?
O corpo de Samuel ficou exposto na capela da universidade até o dia do sepultamento. Seu caixão foi
levado à Igreja Metodista da Rua Berry, da qual era membro, pelas mãos de alunos da escola. A igreja ficou lotada
para cerimônia fúnebre; e na rua havia centenas e centenas de pessoas que não conseguiram entrar.
Após o culto, ele foi levado ao cemitério Lindenwoord, sua última morada terrena, e a cerimônia de
sepultamento ali também foi assistida por grande multidão. Nunca se vira naquela cidade grupo tão numeroso, em
nenhum outro enterro. A primeira lápide de seu túmulo foi doada por sua professora, Harriet Stemen.
Tempos depois, em 1928, a turma de formados desse ano mandou erigir um monumento em honra dele,
numa colina, onde, na primavera, e no verão, ele fica cercado das mais belas flores que a natureza produz. Na base
do monumento há a seguinte inscrição:

SAMUEL MORRIS
1872 – 1893
Príncipe Kaboo
Natural da África Ocidental
***
Famoso Místico Cristão
Apóstolo da Fé Simples
Exemplo de Uma Vida Cheia do Espírito
Passado o choque inicial da tristeza e pesar geral causados pela morte de Samuel, seus conhecidos –
mestres, colegas
colegas e amigo
a migoss – começaram a entender o verdadeiro sentido da sua vida e missão. O plano e o propósito
de Deus para vida do jovem africano tinham sido mais amplos do que o que eles tinham em mente. E o Dr. Reade
expressou bem a idéia, quando escreveu o seguinte: “Samuel Morris foi um mensageiro divino, enviado por Deus a
Universidade Taylor. Ele achara que viera aqui para se preparar para ser um missionário entre seu povo. Mas sua
vinda tinha por finalidade preparar a Universidade Taylor para missão que ela deveria realizar no mundo todo. Foi
por intermédio dele que essa escola obteve uma visão ampla da necessidade espiritual do mundo. Com isso, ela
deixou apenas de ser uma instituição local, para ser local.”

A Fé Sabe o que é Melhor


Assim que começaram a surgir as evidências de que a fé de Samuel estava em harmonia com que era
melhor pra o reino, aquela nuvem de dúvida logo se dissipou. A caminhada de fé do rapaz apenas se iniciara. Seu
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maior anseio sempre fora levar a mensagem da salvação e do poder do Espírito Santo ao seu povo, na África. Mas
se ele não tivesse morrido, e tivesse retornado para lá, sua influência pessoal teria ficado limitada a uma reduzida
região daquele vasto continente. Mas sua morte promoveu um grande aumento e intensificação da obra missionária.
No primeiro culto de oração realizado após a morte de Samuel, um jovem se levantou e disse:
“Neste momento, sinto que devo ir para África em lugar dele. Só peço que assim como a continuação da
obra dele caiu sobre minha pessoa, sua fé também venha sobre mim com um manto.”
E esse jovem foi imediatamente imitado por mais dois, que também se apresentaram para ser missionário
para ser missionário no campo africano. E eles foram apenas os primeiros de um grande número de voluntários que
se apresentariam
apr esentariam..
Além disso, a morte de Samuel teve um outro aspecto positivo: ampliou sua influência. Tivesse ele
retornado a África, teria ficado totalmente identificado com o povo negro. E nada mais natural, é claro, do que sua
própria gente encontrar nele inspiração e um exemplo de vida. Mas seu falecimento prematuro, quando era o único
estudante negro daquela escola, identificou-se não somente com os da sua raça, mas também com outras raças. Por
causa disso, a história de sua grande fé tornou-se uma bênção para pessoas de todas as origens.
Mas, acima de tudo, sua experiência teve o mérito de criar um laço de união entre as duas raças. Seu
próprio túmulo é o símbolo dessa união singular que é a fraternidade cristã, entre povos de cor diferente. Ele foi
transferido para um local belíssimo. E tanto brancos como negros ainda visitam seu túmulo; e as visitas que recebe
são em maior número do que as tumbas de outras pessoas, embora muita gente importante esteja sepultada ali.
Desse modo, ao derrubar as barreiras raciais, ele serve à sua raça de maneira muito mais eficiente.

 IV 
O Segredo de Uma
 Autêntica liderança
 Democrática
 Democrá tica

A morte prematura de Samuel Morris deixou ainda outros frutos. Como ele nunca atingiu a idade madura,
era á semelhança do jovem de que fala o poeta Keats no “verso grego”, “eternamente jovem, eternamente belo”.
E ele sempre será um modelo para juventude na fase preparatória da vida. Assim é que ainda hoje ele
inspira mais os moços do que as pessoas maduras. O jovem vê em sua vida, e mais ainda em sua morte, um
exemplo da mais elevada forma de liderança.
Samuel não chegou nem a completar 21 anos, e depois que saiu da selva viveu apenas cerca de 5 anos.
Contudo, nesse curto período de tempo, seu nome se tornou conhecido no mundo todo. O relato de sua vida já foi
traduzido para cinco línguas. E existem poucos líderes religiosos – se é que existe algum – que tenham exercido
uma influência maior que a dele na obra missionária das diversas denominações.
Mas tudo isso é apenas uma pequena fração da amplitude de sua influência espiritual. Um grande líder não
é aquele que conquista muitos seguidores. Pelo contrário; tais pessoas ás vezes constituem uma ameaça ás
instituições democráticas. Podem tornar-se demagogos, ditadores, incitadores de insurreições. O grande líder é
aquele que produz outros líderes. Para que a democracia seja preservada é necessário que a tocha da liderança seja
passada de uma geração a outra – é a marcha de fé atravessando as eras.
O líder verdadeiramente democrático é aquele que possui a humildade e a fraternidade que levam outros a
se afirmarem e a se fortalecerem para tomar o lugar dele, quando ele já não existir mais. É desse tipo de liderança
que estamos precisando. E Samuel nos dá um grande exemplo dela. Uma ilustração será suficiente para demonstrar
como seu poder espiritual gerou em outras pessoas o mesmo poder de liderança. Já relatamos como ele conseguiu a
conversão de um ateu militante. Agora vamos a seqüência da história.
Certa ocasião, depois que este ateu havia-se tornado pregador, encontrou-se com um antigo conhecido ateu,
que era tão combatível quanto ele o fora. Imediatamente ocorreu um conflito de idéias, e a discussão tornou-se
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exaltada. Em dado momento, o pregador disse alguma coisa que deixou o antagonista bastante irritado, e este lhe
deu um murro. O pastor caiu ao chão, inconsciente. Quando voltou a si, sentiu muita raiva. Seu agressor estava de
pé, diante dele, exultante. De repente, o moço lembrou-se de Samuel Morris, que recebera um murro do capitão do
navio e também ficara caído, desacordado. Entoa pensou consigo: “Se Samuel Morris pôde perdoar aquele capitão
cruel e conseguir a salvação dele, porque não posso fazer o mesmo com esse homem?” E na mesma hora sua raiva
se dissipou. Ajoelhou-se e se pôs a orar por seu inimigo. Enquanto ele ainda orava, o ateu ajoelhou-se ao lado dele,
abraçou-o, limpou o sangue que escorria do seu rosto e lhe pediu perdão. Logo em seguida, ele também orava a
Deus, pedindo o perdão dos pecados. Foi uma entrega completa. Tempos depois, o amigo, então bispo, o batizou, e
ele se tornou um membro ativo da igreja.
Fora assim que Samuel Morris influenciara a vida de outro
outr o homem, que passou a ter o mesmo amora mor e poder
espiritual que ele, e por sua vez influenciou outros, comunicando-lhes
comunicando-lhes o mesmo espírito cristão, que depois também
se tornaram ganhadores de outros. Este país precisa de mais crentes assim, abnegados, que saibam multiplicar sua
eficiência no trabalho, com esse tipo de atitude, e que saibam estender sua influência até o futuro, quando não mais
estiverem presente na terra.

A Cura do Complexo de Inferioridade


A vida de Samuel constitui um incentivo dos mais fortes para os jovens de hoje, no sentido de que
desenvolvam sua capacidade de liderança, mesmo sobre condições adversas, tais como pobreza, cor e raça. Ele foi a
melhor prova, nos tempos
tempos atuais, de que o Espírito de Deus pode transformar
transformar até a pessoa menos dotada em um
crente cheio de poder e amor. O mesmo pode acontecer a qualquer jovem hoje, mesmo que tenha algum motivo
para ter complexo de inferioridade.
Vejamos se Samuel possuía alguma qualidade meramente humana a que se pode atribuir
atr ibuir a forte e profunda
profu nda
influência que ele exercia sobre indivíduos de todas as raças e camadas sociais.

• Ele pertencia à raça negra, que é objeto de tantos preconceitos hostis.


• Era de baixa estatura e de feia aparência.
• Não tinha um centavo de seu.
• Era iletrado e inculto. Embora falasse inglês inteligívelmente, não possuía um domínio da língua
em termos de eloqüência, de forma a poder dominar platéias com esse tipo de fascínio.
• Numa época de grande difusão da literatura, ele não deixou nada escrito para divulgar suas idéias.
• Não era sustentado por nem uma organização. Não recebia sustento nem mesmo de seus familiares,
 já que era
era um fugitivo de sua terra, e de sua gente.
gente.
Nas características acima citadas, não nem uma quer pudesse fazer dele um grande ganhador de almas. E,
no entanto, aquele jovem humilde, sem riqueza, sem lar, fazia com que, em sua presença, todas as pessoas
inclinassem a cabeça, fossem eles rudes marinheiros, bispo da igreja, nativos da selva ou professores universitários.
Só Deus pode realizar um milagre desses!
Portanto, qualquer jovem crente pode possuir e exercitar esse pode espiritual; e não apenas pode como é seu
dever possuí-lo. E nesse dom do Espírito Santo está o segredo do exercício de uma poderosa liderança espiritual,
que qualquer jovem pode possuir, bastando apenas que estenda a mão da fé para ele.

A Evidência Incontestável do Poder de Deus


E, por último, a vida de Samuel Morris não apenas serve de incentivo para os jovens que aspiram exercer
uma poderosa influência espiritual em outros, mas também constitui em si mesma evidência do poder de Deus,
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favorecendo assim o fortalecimento da fé no Senhor. Nesta nossa era de mentalidade científica, o mundo acadêmico
sempre exige, com justa razão, que toda crença seja apoiada em fatos. A verdadeira religião não se baseia numa fé
cega, como pensam alguns, mas numa fé racional, que se apóia em evidências tangíveis, lógicas, históricas, como as
que servem de base para qualquer ciência moderna.
Quando Samuel era vivo, já era difícil explicar racionalmente os acontecimentos relacionados com sua
grande influência espiritual, já que ele não possuía atrativos pessoais nem outros atributos favoráveis. A única
explicação plausível era a capacitação divina. E sua morte prematura torna essa evidência ainda mais incontestável.
Enquanto ele era vivo, os céticos mais renitentes podiam sempre atribuir as reações daqueles que recebiam
a influência do “anjo de ébano” a algum tipo de “magnetismo pessoal”, ou uma força emocional humana existente
em sua personalidade. Aliás, os cientistas já concluíram que, mesmo ao lidarem com objetos físicos, é impossível
obter-se uma prova que possa ser considerada absolutamente exata. Sempre pode existir num tubo de ensaio de um
laboratório algum elemento microscópico, que passe despercebido, e que venha interferir nos resultados do
experimento.
Mas aquele outro “anjo negro”, a morte, eliminou todas as possibilidades de erro nesse caso, se alguém
quisesse invocar o magnetismo físico, ou influência emocional ou qualquer outro fator humano para explicar o
poder de Samuel Morris. Pois a personalidade humana deixa de existir após a morte e sepultamento.
E, no entanto a influência do jovem africano não perdeu sua força, nem se modificou em nada após seu
falecimento. O elemento divino que havia nele – o eterno Espírito de Deus – continuou a realizar sua obra e
ministério com o mesmo poder. Eis aí então uma prova decisiva de que o Espírito de Deus dava vida ao seu espírito,
enquanto era vivo, prova essa mais conclusiva do que a de qualquer teste de laboratório, por mais preciso e mais
comprovado que seja.
Napoleão disse certa vez que Jesus Cristo era melhor líder
líder que ele, pois ele mesmo só poderia ter o controle
de seus exércitos enquanto fosse vivo e estivesse presente entre eles. Mas os exércitos de seguidores de Cristo
mantinham-se leais a ele e continuavam a aumentar sempre, mesmo depois de passados vários séculos da morte de
seu capitão. Somente um salvador divino pode sobreviver a uma crucificação; e somente um discípulo guiado por
Deus pode continuar a dar frutos cada vez mais abundantemente depois que nem sua presença física nem sua
capacidade humana existirem mais. E Samuel Morris passa nesse teste. A morte de seu corpo físico só serviu para
perpetuar e engrandecer a obra do Espírito Santo, com quem ele gozou ìntima comunhão.

“Mesmo Depois de Morto, Ainda Fala”


Os fatos que oferecem prova incontestável de que a influência espiritual de Samuel Morris continuou a
operar por intermédio do Espírito Santo não são meros casos isolados. Todos os contatos que ele teve com outras
pessoas, em todas as partes aonde foi, deram frutos ainda por muitos e muitos anos após o termino de sua vida
terrena.
Como já mencionamos, logo em seguida à sua morte súbita, três estudantes da Universidade Taylor se
apresentaram para tomar o lugar dele como missionários na África. Os mais céticos talvez queiram atribuir isso a
uma mera reação emocional provocada por seu falecimento. Mas o fato é que a influência dele produziu esse
mesmo tipo de reação durante várias décadas. Mais recentemente, em apenas um ano, sete alunos – mais do dobro
do primeiro grupo – partiram para África. E estes também, da mesma forma que os três iniciais, tomaram essa
atitude por efeito da influência espiritual de Samuel, visto que antes da passagem dele pela Universidade Taylor
essa escola era como qualquer outra faculdade, sem objetivos missionários, nem visão da obra. E esses sete a que
nos referimos são apenas alguns dos muitos frutos resultantes da poderosa influência de Samuel. Em anos
anteriores, por causa do exemplo dele, muitos outros se sentiram impelidos a seguir para aquele continente e ali
servir a Deus como professores ou pregadores. Alguns deles deram a vida nesse trabalho, e atualmente estão
sepultados em solo africano: Oliver Moody,
Moody, Susan Talbot Wengatz e John C. Ovenshire. E hoje existe na África um
instituto bíblico com o nome da Universidade Taylor.
E tudo isso é apenas uma parcela de sua profunda
profunda e sempre crescente influência
influência que ainda continua a se
fazer sentir, passados muitos anos de sua partida. A Universidade Taylor tornou-se uma escola para preparação de

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missionários e professores crentes, que hoje se dirigem para os quatro cantos da terra e realizam uma grande obra
missionária, maior do que a que Samuel havia imaginado.
Mas existem ainda outras provas decisivas de que o poder de Deus operava em sua vida. Grande parte de
sua influência continuou a existir mesmo sem a interferência de argentes humanos ou de livros. O novo espírito que
ele infundira na tripulação do navio em que viajara para chegar a América, por exemplo, não fora uma
transformação passageira. Anos
Anos depois, o capitão do navio foi à Nova
N ova York e ali procurou Stephen Merritt. Quando
este lhe comunicou que o jovem havia partido para gloria antes de completar 21 anos, o velho capitão ficou tão
abalado que por alguns instantes não conseguiu dizer nada.
Depois contou que grande parte da tripulação ainda estava trabalhando com ele, e todos aguardavam
ansiosamente que ele voltasse com notícias de seu pregador e herói. Disse que Samuel fora a primeira pessoa a fazer
uma oração em voz alta no seu navio. E deu testemunho da maravilhosa influência que ele exercera sobre aquele
grupo tão heterogêneo de homens embrutecidos. O resultado foi que a tripulação passou a si relacionar mais como
uma família. Os ensinamentos de Samuel tinham trazido benefícios duradouros para o navio.
O próprio Ver. Merritt também fora muito abençoado na sua convivência com o jovem negro, quando este
ainda falava mal o inglês. O rapaz passou apenas uma semana com ele em Nova York, mas a grande fé daquele
“anjo de ébano” continuou a operar milagre s na obra desse pastor enquanto ele viveu. Depois da partida de Samuel,
Merritt começou a visitar asilos de loucos para orar por eles, e muitos recuperaram o juízo. Ia também a hospitais
onde intercedia pelos enfermos, e muitos foram curados. E até o fim de seu ministério ele ganhou para Cristo cerca
de 10 mil pessoas.
A breve ida de Samuel à escola dominical da Rua Jane também deu frutos permanentes. O grupo
missionário que se formara espontaneamente no dia em que ele foi lá continuou a operar, abençoando a muitos.
Poucos meses depois, já haviam-se acrescentado a ele mil novos membros. Por intermédio dessa associação, a
influência benéfica de Samuel Morris estendeu-se a inúmeras almas necessitadas do amor de Deus.
A Igreja Metodista Episcopal Africana que Samuel fora visitar em foste Wayne também foi abençoada. A
bênção que ela recebeu no momento em que ele orou no púlpito não foi apenas uma rajada de comoção emocional.
O poder espiritual sentido naquele instante operou transformações
tr ansformações profundas. Nos meses seguintes, a igreja recebeu
muitos membros novos. E algum tempo depois puderam construir um templo novo, de alvenaria.
O “Fundo de fé de Samuel Morris” também continuou a existir durante muito tempo após a morte do rapaz,
atingindo plenamente seus elevados objetivos. Três anos depois o dinheiro levantado já era o suficiente para
sustentar cerca de seis jovens que se
s e preparavam para obra missionária.
missionária. De início, as doações chegavam de diversas
partes dos Estados Unidos; mas depois vinham até do exterior. Certa ocasião, no período de poucos meses, o fundo
recebeu mais de 20 mil dólares de ofertas. E depois de passados mais de 45 anos, ainda continuam a chegar
contribuições, embora não se fizesse solicitações nesse sentido.
É difícil acreditar que uma Universidade americana, para estudantes brancos, pudesse homenagear um
 jovem negro, tão pobre, dando o nome dele a uma de suas dependências. Mas isso aconteceu na UniversidadeUniversidade
Taylor. A influência de Samuel Morris nessa escola foi tão decisiva que todos acham natural e necessária a
existência do Salão Memorial de Fé “Samuel Morris”, no campos da escola.
E esse constante interesse em homenagear Samuel Morris não ficou restrito á universidade.
O povo da cidade de Fort Wayne, tendo como porta-voz as autoridades locais, recomendou que se desse a
um novo projeto habitacional em construção, sob a supervisão do Departamento Habitacional dos Estados Unidos, o
nome de “Vila Samuel Morris”. Desse modo a influêcia do jovem africano continuara a ser uma inspiração e uma
bênção para as famílias de baixa renda durante muitos anos.
E hoje, graças a permanente influência da vida cheia do Espírito que esse jovem teve, milhões de leigos tem
sentido o forte desafio de sua fé inesquecível, e sabemos que muitos outros milhões também a sentirão. Esse tipo de
vida vitoriosa, e mais ainda essa morte vitoriosa prefiguram a imortalidade de que Jesus fala quando afirma o
seguinte: “Quem perder a vida por minh
minhaa causa, achá-la-á.”

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 Epílogo
“Outras Maiores Fará”

Recentemente ocorreu um fato que veio comprovar o mais admirável dos milagres registrados nas páginas
anteriores. Sabemos que muitos de nossos leitores, inclusive muitos que são crentes, acreditam, erradamente, que a
época dos milagres já passou. Não compreendem que o Mensageiro divino, o Espírito Santo, não abandonou o
mundo, mas ainda está aqui, operando diariamente, conduzindo os destinos dos homens e das nações.
Não há duvida de que dos milagres relacionados com a pessoa de Samuel
Sa muel Morris, o mais difícil de acreditar
é o da luz misteriosa que cegou momentaneamente os captores de Kaboo, e depois conduziu o rapaz pela selva
durante a noite, até que chegasse a um lugar seguro. Todos os que narraram sua história anteriormente evitaram
citar essa maravilha da graça divina, temendo ser
ser recebido com incredulid
incr edulidade
ade pelos leitores, pois não possuíam uma
explicação ortodoxa para o fato.
Mas ocorreu um caso semelhante, que foi registrado e confirmado por um missionário da China, de nome F.
R. Burroughs. Havia um jovem chinês de nome Ging-Hua que, como Kaboo, também era o filho mais velho, e da
mesma forma também foi levado como refém por um bando que tinha o costume de torturar suas vítimas com o
objetivo de arrancar resgates de seus familiares. E Ging-Hua estava amarrado com cordas, cercado por seus
captores, quando, de repente, uma luz dourada brilhou sobre ele. O rapaz percebeu que ela vinha do céu. Por
iluminação
ilumin ação dela, ele conseguiu desamarrar as cordas e fugir do local.
Mas onde se encontrava? Não sabia que direção deveria seguir. Estava muito escuro, e ele sabia que seus
algozes o tinham levado para muito longe de casa, seguindo trilhas pouco usadas. Então aquela luz amiga
transformou-se num longo facho de claridade, iluminando o caminho a sua frente. Passo a passo, ela o conduziu
direto à casa de sua família, e assim foi salvo. Dessa forma a milagrosa salvação de Kaboo se repetiu com esse
 jovem, em todos os seus
seus detalhes básicos.
básicos.
Gostaria de dizer aos céticos que a razão de acharmos que hoje em dia não ocorrem mais milagres, nem
físicos nem espirituais, é que nossa geração não possui a fé absoluta e decidida de um Samuel Morris, que é a
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condição básica para que se cumpra a promessa de realizarmos “obras maiores”, com o advento do Espírito Santo.
Como explica o Dr. Reade, “a maioria das pessoas afastou-se demais da fé simples própria de uma criança, e Deus
não pode realizar muitas obras poderosas em nós, por causa de nossa incredulidade”.

Aos Lideres do Futuro


Mas seja qual a idéia que se tenha dos milagres narrados neste livro, o fato é que o principal evento da vida
de Samuel Morris pode se repetir para qualquer um que nos lê. Não é preciso que uma pessoa esteja jogada sobre
uma forquilha na África para que brilhe sobre ela a luz do céu, e a capacite para obra de Deus. É necessário apenas
que reconheça que sem Deus está perdida, e que receba a graça e o poder divinos.
E hoje, mias que nunca, é fácil reconhecer a necessidade que o homem tem de Deus, já que o poder do mal
triunfa sobre todos os povos; as soluções humanas para os males do mundo fracassaram, e isso nos deixa sem outra
opção senão a de buscar uma transformação total da natureza humana.
A poderosa influência espiritual de Samuel Morris constitui um exemplo inspirador tanto para os jovens
como para os mais velhos. Contudo, o fato de ele ter sido um jovem de fé vibrante e de realizações notáveis leva-
nos a dirigir esta biografia especialmente aos jovens que hoje se preparam para assumir posições de liderança em
nosso país. É claro que nem todos serão pastores e missionários, nem todos se dedicarão ao serviço religioso. Mas
um dos aspectos mais notáveis da vida de Samuel é justamente o fato de ele ter exercido sua admirável influência
espiritual sempre sobre o pano de fundo de uma ocupação secular. Ele transmitiu as mais ricas bênçãos de Deus
àqueles que se acercavam dele sempre num contesto de trabalho: em plantações de café, como pintor de paredes,
cabineiro do navio e, depois, como aluno de faculdade, onde tinha que estudar mais que os colegas, para se
atualizar, enquanto os outros dispunham de mais tempo de folga. Qualquer jovem tem as mesmas oportunidades de
servir a Deus junto às pessoas com quem entra em contato diariamente.
Alem disso, o mesmo zelo espiritual que demonstrava ao entregar uma mensagem, marcava suas tarefas
diárias, como, por exemplo, a arrumação do camarote do capitão. E hoje estamos muito precisados de crentes que
revelem essa mesma postura pratica.
Os tempos difíceis que vivemos são apenas a fornalha que irá provar e purificar o ouro da verdadeira
liderança cristã, e que finalmente surgirá triunfante. A evangelização do mundo e a paz mundial dependem de novos
líderes que possuam a plenitude do poder de Deus, fruto de uma consagração total e do exercício de uma fé genuína
como a de Samuel Morris. Onde estão os Samuel Morris de hoje? Está na hora de surgirem outros homens capazes
de realizar os mesmos milagres!

 J. S. S.

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