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A história continua…

O melhor exemplo, que conheci através da Tracce, é o de


Ao funeral vão os amigos da comunidade e também muitos da escola que, Edimar.1Conheceu uma professora e reconheceu com simplicidade que o
que a professora lhe diz é verdade e, portanto, diz: «Não mato mais». O
no início, tinham tido medo de Edimar. chefe diz-lhe: «Mata esta pessoa». Edimar tem a certeza de que, se disser
que não, é ele que vai ser morto. E diz não. Mas sem espalhafato, sem
Tião e alguns do seu gang morrerão violentamente. Mas outros viram bandeiras ao vento. Que é o que Jesus dizia aos fariseus: «Quando
mudar a sua vida. O Ivan disse: «Era preciso que o Edimar morresse para jejuardes não vistais os trajes melhores, não andeis pelas praças fazendo
soar o tambor: “Estou a jejuar, estou a jejuar, estou a jejuar” – porque era
que eu compreendesse o que quer dizer viver». Agora o Ivan trabalha numa o que eles faziam! – “Estou a jejuar”»…2
rádio, o Sérgio é pedreiro, o Leandro trabalha num banco, a Andreia é Qualquer um de nós pode repetir o comportamento de Edimar, qualquer
secretária numa clínica. Os pais do Edimar voltaram a viver juntos. um de nós! Uma de vocês que tivesse feito birras até agora, a vida inteira, e
fosse atingida pela verdade de certas palavras que ouve dizer, e se sentisse
A Glória conta que o seu irmão, alcoólico, deixou de beber quando ela interpelada por um amigo que lhe diz: «Se acreditas nestas coisas mato-
te». «Mas eu acredito» diz ela, e ele mata-a. Não é preciso muito, faz-se
começou a rezar pela sua cura, por intercessão de Edimar. depressa, dura uns minutos…
O Pe. Virgílio Resi14 escreveu esta pequena oração que testemunha a Quando acordamos de manhã somos chamados à santidade. É uma coisa
terrível pensar que raça de objecções mentais, que distanciamento
novidade acontecida na vida de Edimar, e pede que o mesmo acontecimento imaginativo desperta semelhante frase, que desafeição sentimos por
se torne amizade, alegria e esperança para todos. semelhante ideal. Levantas-te de manhã e o teu objectivo, o objectivo por
que a manhã te foi dada é seres homem, seres tu próprio, tu próprio de
Senhor, verdade.
Que chamaste Edimar à vida da fé É que, sem olhar para Cristo, sem olhar para outro e seguir a outro, não se
E realizaste na sua pessoa o milagre da mudança, nós Te pedimos: consegue.
Faz com que na nossa vida aconteça a novidade que vimos nele,
Dá-nos a alegria de Te recordar presente numa companhia de amigos, Por isso Jesus é o acontecimento que está ali ao pé, junto da tua cama, da
A decisão para aderir à mudança, qual tentas penosamente esgueirar-te, e está ali presente no primeiro
A força para Te entregar a vida segundo o Teu desígnio arrefecimento que sentes, que te faz arrepiar de frio quando sais de casa.3
E que a nossa amizade dê testemunho
Da presença do Teu Filho ressuscitado.
Luigi Giussani

14 O Pe. Virgílio Resi, nascido em 1951 em San Piero in Bagno (Forlì), juntou-se
1
em 1981 a Pigi Bernareggi, em Belo Horizonte. Três anos mais tarde foi nomeado Cf. Davide Rondoni, «Edimar, occhi e sangue», in Litterae Communionis-Tracce,
reitor do seminário e depois responsável do santuário de Nossa Senhora da Piedade, nº 8, Setembro 1994, p. 28-30.
2
a 50 km de Belo Horizonte. Morreu no dia 12 de Outubro de 2002, festa de Nossa Cf. Mt 6,16.
3
Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, após doença prolongada. Cf. Luigi Giussani, Una presenza che cambia, Milão, Rizzoli, 2004, p. 356-357.

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O testemunho de Edimar
perna no lume. O Patola tenta ajudá-lo, tira-lhe a perna da fogueira; os
outros gritam para o Tião parar, mas ele está fora de si: «Quem chegar perto
dele morre!».
A história de Edimar é o testemunho de uma mudança radical de vida,
documentado pela sua morte, anotada no registo da polícia de Brasília; e é Edimar jaz estendido no chão.
ao mesmo tempo a declaração de qualquer coisa maior que esta vida e que O Tião grita: «Tinhas de me matar a mim ou matar o Regis!». O Edimar
dá sentido à própria vida. Por isso tem um significado existencial e um responde qualquer coisa em voz baixa, e o Tião dispara mais quatro tiros,
significado teológico. dois na cabeça.
Um menino de rua que se torna chefe de um gang de pequenos bandidos e, O Sérgio empurra o Ivan: «Corre, Ivan, tu és o próximo!». E Ivan corre
a partir do encontro com uma professora e outros amigos começa a pensando no Edimar, estendido no chão, que podia ter matado e não o quis
vislumbrar um outro mundo, um outro modo de tratar-se e de estar neste fazer, provocando o ódio de Tião.
mundo. Por este encontro e por este novo mundo, Edimar entrega a sua
Entretanto, o Leandro, ao ouvir os tiros, sai para se juntar aos outros e vê o
vida. Não percebeu imediatamente que esta novidade era Cristo mas,
Tião que foge apontando ainda a pistola descarregada para uma rapariga.
lentamente, aproximou-se dos amigos que lhe comunicavam esta estranha
Corre para a fogueira e ao ver o Edimar estendido no chão desata a chorar.
presença e nunca mais os deixou.
Alguém corre para chamar o pai do Edimar.
A mudança mostrou-se em muitos pequenos sinais, quase imperceptíveis,
O Edimar morre durante o trajecto para o hospital. Eram quatro da manhã
que explodiram no milagre final da sua vida. Edimar é o sinal de que em
do dia 31 de Julho de 1994.
qualquer lugar, mesmo nas situações mais desesperadas e difíceis, a
presença de Cristo pode mudar e muda a vida quando se encontra no sinal
concreto de uma rosto e de uma amizade. Em qualquer lugar é possível
anunciar a presença do Senhor como significado e razão plena da vida, e
promessa de mudança, já neste mundo, para qualquer pessoa e em todas as
situações.

O significado teológico do testemunho de Edimar consiste no facto de ter


mudado de vida decidindo não matar mais ninguém e, sobretudo, no facto
de que isto comportou a sua morte, porque viu alguma coisa. Edimar viu
alguma coisa na sua professora e nos seus amigos. No seu mundo, que era o

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Ivan avisa Edimar que Tião está armado e está à procura dele. Os outros mundo da miséria urbana, do crime e da violência, viu alguma coisa:
começam a agitar-se quando Tião se aproxima da fogueira. Estão lá o Ivan, «Depois de ter olhado longamente o céu em busca de ti, os meus olhos, que
o Sérgio, o Patola, o Tonho e Edimar. Passa o Régis de carro (uma vez eram escuros, ficaram azuis».
tinha discutido com o Tião e insultara-o chamando-lhe “gigolo”); Tião dá a
Viu, no abraço da Sêmea e da Glória, do padre Marcos e dos outros amigos,
pistola a Edimar e ordena-lhe: «Mata o Regis». O Edimar fica accoccolato e
os sinais humanos da presença do céu. Assim como na manhã de Páscoa
responde: «Eu não mato o Regis», «Se tu não o matas, tens de me matar a
Maria Madalena viu, Pedro e João e os outros viram, também Edimar viu.
mim. Mas amanhã morre a tua família toda, porque os do gang sabem que
O Ressuscitado deixa-se ver fisicamente, não simplesmente se sonha ou se
eu estou aqui e o que cá vim fazer».
sente. «Aquilo que vimos e ouvimos», dizia São João na sua primeira carta.

E também nós dizemos: «Aquilo que vimos e ouvimos» no rosto deste


menino de rua, na sua mudança, na entrega da sua vida ao ideal encontrado,
«nós vo-lo anunciamos». A Igreja tem o dever de analisar e avaliar os
termos deste processo de conversão e de definir a natureza deste martírio,
mas é evidente que, quando menos poderíamos esperar, o Mistério mostra
carnalmente o Seu rosto para nos salvar e para manifestar a Sua glória.

Filippo Santoro

Bispo de Petr6polis – Brasil

Edimar devolve a pistola ao Tião e diz-lhe: « Tu és como um pai para mim,


mas eu nunca mais mato ninguém».

O Tião olha para ele, furioso: «Levanta a cabeça quando falo contigo!
Pareces a minha mulher, que baixa a cabeça quando falo com ela!».

Edimar recusa pela terceira vez ficar com a arma, levanta-se e diz: «Eu vou-
me embora». Tião dispara e atinge-o no pescoço, Edimar cai com uma

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Naquele mesmo sábado, dia 30 de Julho, Leandro faz quinze anos. Edimar
organiza a festa em casa do amigo com música e cerveja, à noite. Chegam
todos: Ivan, Sérgio, Patola. Tião chega mais tarde, não entra, fala com
algumas pessoas e vai-se embora para fumar um charro.

Samambaia
Brasília é uma cidade com menos de 50 anos de história. Ainda hoje há
espaços não ocupados nos bairros residenciais previstos pelo Plano Piloto4,
à margem das quais, porém, surgiram e continuam a surgir as chamadas
cidades satélite, pequenos núcleos urbanos pelos quais se repartem cerca de
1.600.000 pessoas, quase 80% da população total de Brasília. Se bem que Edimar e Leandro, um com um boné preto e o outro com um castanho,
muitos encontram emprego no Plano Piloto, quase 40% da gente vive nas dançam juntos, fazendo todos rir.
cidades satélite com menos de 300 reais por mês (cerca de 80 euros).
Um pouco depois Edimar sai e fica com Leandro ao pé da fogueira que
Aos onze anos, em 1989, Edimar muda-se com o pai para Samambaia. A acenderam na esquina da rua. Está frio e a festa está a acabar, Leandro vai
nova cidade satélite nasce para acolher parte da população de Ceilândia, para casa enquanto alguns deles ficam a conversar à volta da fogueira. Tião
outro subúrbio de Brasília, onde a mãe de Edimar continua a viver. A sua volta de casa de Leandro sob o efeito da droga e convida Ivan para ir com
ele comprarem mais droga. Saem os dois sozinhos. Sérgio sabe que nenhum
deles tem dinheiro e segue-os, vê os dois a conversarem no escuro, num
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Plano Piloto é o núcleo de Brasília. É assim chamado porque recorda a figura de
terreno baldio. Tião está armado. Sérgio apercebe-se que a situação está a
um avião, mas – como escreveu o arquitecto Lúcio Costa – tem a sua origem no
«gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos ficar perigosa para Ivan e vai ter com eles. Volta com Ivan para a casa de
cruzando-se em ângulo recto, ou seja, o próprio sinal da Cruz. Procurou-se depois a
adaptação à topografia local, ao escoamento natural das águas, à melhor orientação, Leandro, sem correrem para não excitar Tião.
arqueando-se um dos eixos a fim de contê-lo no triângulo equilátero que define a
área urbanizada».

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Eu não mato mais
família, já pobre, vive em condições ainda mais precárias após a separação
dos pais.

“Quero deixar de roubar para o Tião”: é dia 29 de Julho, uma noite com o Pó e calor marcam o início de Samambaia. Não há nem energia eléctrica
céu sereno. Leandro pára no meio da estrada: “O que é que disseste?”. nem esgotos; barracas e pequenas lojas espalham-se pouco a pouco pelos
Leandro gosta de Edimar, gosta da sua maneira de ser, com aquela camisola lotes de terreno que o município, para favorecer o novo povoamento, dá a
azul estampada. Os dois amigos estão sózinhos, Edimar mostra-lhe a estrela quem se muda para lá.
mais luminosa: “Se me acontecesse alguma coisa e tu nunca mais me Em Samambaia, onde começam a delinear-se os quarteirões (chamados
visses, olha aquela estrela, eu ver-te-ei e tu recordar-te-ás de mim”. Estão quadras no Brasil) entre as ruas de terra vermelha, é normal ver lentas
juntos até ao amanhecer. É sábado, o dia da Escola de comunidade na 120. carroças puxadas por cavalos, utilizadas nas mudanças. Também o pai de
Ivan e Edimar vão cantando abraçados. Naquele dia todos os seus amigos Edimar é almocreve e possui uma carroça que o rapaz aprende a usar e que
participam no encontro, mas Edimar está mais triste do que é costume. não vai abandonar nem mesmo quando se envolve no tráfico de droga.
Edimar faz pequenos serviços de transporte por vezes acompanhado de
Sérgio ou Leandro, dois amigos vizinhos.

No final do encontro, enquanto Sêmea está a fechar a sala, vê-o voltar.


Edimar dá-lhe um forte abraço e comunica-lhe a sua decisão: “Eu quero
mesmo ir-me embora de Brasília. Diz-me tu com quem posso ir viver”.
Edimar abraça Sêmea outra vez, beija-a e vai-se embora. Edimar foi a primeira pessoa que Leandro conheceu quando a sua família se
mudou de Ceilândia para Samambaia. A semelhança física entre os dois

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rapazes – pele escura, traços delicados, olhos pretos, corpo alto e magro –, o Entretanto Tião está em guerra com Regis, um outro chefe que sabe
mesmo ar "malandrinho" no andar e a dança da capoeira5 eram o espelho da aproveitar-se de tudo (ninguém sabe porque é que Edimar ainda se encontra
amizade que os unia. com ele), mas o Tião tem de se portar bem, porque está em liberdade
condicional e qualquer acusação lhe daria um longo período de detenção.
“Menino de rua” Regis rouba um carro e, juntamente com Edimar, esconde-o no terreno de
Tião. Quando Tião descobre o carro e que os dois o querem vender
Entre os onze e os doze anos, Edimar torna-se um “menino de rua”. Ao
dividindo o lucro, pretende uma parte do dinheiro. Discute com Regis e diz
princípio passa alguns dias sem ir a casa, depois regressa para tornar a
que o Edimar é traidor, porque se mantém imparcial e não ficou do lado
desaparecer, até ao dia em que já não volta mais. O pai, alcoólico e ex-
dele. No fiml vai-se embora furioso, enquanto o Edimar renuncia à sua
presidiário, tinha acessos de violência contra a mulher e os filhos, coisa que
parte do dinheiro.
o rapaz não suportava. Depois da mudança para Samambaia o pai não se
interessa por Edimar e, uma vez que não tem qualquer relacionamento Edimar, depois dos dias passados com a sua mãe, volta a Samambaia e vai
significativo com nenhum dos irmãos, nem de amizade nem de inimizade, ter com o Ivan; tem saudades de Sêmea, de volta a Brasília.
Edimar não vê qualquer motivo para continuar a viver com eles.

Um menino de rua pode ir à escola, brincar, encontrar-se com os amigos


como qualquer outro miúdo, mas antes e depois das aulas vagueia pela
cidade, pede esmola nos semáforos, vende doces ou bugigangas (na maioria
dos casos, estas actividades são organizadas por adultos que ficam com
todos os lucros). Por vezes o menino de rua faz pequenos trabalhos, como
Edimar com a sua carroça, ou rouba. À noite, o grande divertimento dos
jovens são os bailes “funk”, festas muito violentas organizadas nos bairros
ou em locais próprios para dançar. O trabalho que mais rende, e também o
mais violento, é o tráfico de droga. Os sonhos e projectos dos meninos de
rua não são fazer uma vida “normal” (as pessoas “normais” são também
chamadas “pregos”, que é sinónimo de estúpidos). Os meninos de rua

5
A capoeira era uma luta típica realizada entre os escravos. Actualmente é
chamada “jogo” porque mistura dança e combate.

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Num outro dia parte o fundo de uma garrafa de vidro para agredir a Rose, sonham morar nas grandes cidades e entrar nos gangs mais organizados dos
uma colega da turma. Sêmea agarra-lhe a mão: “Se queres ferir alguém, traficantes de droga6.
começa por mim”. Ele tenta soltar-se, mas ela não o larga: “São tudo
Edimar, chamado pelo diminutivo “Edimarzinho”, é considerado parte da
mentiras as coisas que dissemos entre nós? Não valem nada? Aquilo que
família de Leandro, torna-se amigo de Sérgio, de Ivan e da sua irmã
dissemos ontem na Escola de Comunidade é mentira?”. Edimar não
Andreia.
responde e vai-se embora na carroça com o rosto triste e afogueado. Mas,
O tempo livre permite dar passeios com os cavalos do pai de Edimar. Um
poucos dias depois, procura Rose para lhe pedir desculpa e ficam amigos.
dia, ele e Sérgio vão até ao lago Sul, um dos locais mais bonitos de Brasília,
Desde as férias, episódios como este acontecem mais vezes, depois de cada
para depois voltarem para Samambaia a pé, com os cavalos pelas rédeas, a
acesso de ira Edimar pede desculpa. Todos ficam espantados com estes
rir às gargalhadas porque, depois de uma hora de cavalgada sem sela,
gestos, ainda que o Edimar nunca tenha sido indiferente e sempre tenha
nenhum deles consegue montar.
tratado todos com respeito. Desde que deixou de se drogar, Edimar tornou-
se um rapaz mais meigo, capaz de atenção e ternura.

O seu irmão, pelo contrário, diz que Edimar se está a tornar um idiota e até
os outros do gang se aperceberam que está diferente: já não vai aos bailes,
já não é tão manhoso e, quanto tem de fazer um trabalho com eles, parece
que o faz de má vontade; prefere ver os jogos do Campeonato do Mundo
com o Ivan, o Andreia, o Sérgio e o Leandro, comendo pipocas e bebendo
sumos. O Tião está alarmado, sabe que o Edimar gosta dele, ainda lhe é fiel
e lhe obedece, mas, de facto, já não é como antes: está sempre com aquela
professora, e não apenas ele, mas também o Ivan e o Sérgio.

Na segunda metade de Julho, Sêmea deixa Brasília para ir de férias; antes


de partir, tendo sabido que a mãe de Edimar não está bem, pede-lhe que a
vá visitar a Ceilândia. O Edimar promete que vai.

Naqueles dias Edimar pede desculpa a Andreia por uma discussão havida
muito tempo antes, e quase a assusta dizendo-lhe: “Se tu me perdoas,
também Deus me perdoará”. Faz o mesmo com Ivan e pede perdão a outros 6
As estatísticas mostram que a esperança média de vida de um “menino de rua”
amigos por coisas que já ninguém recorda. não ultrapassa os 20 anos.

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O “gang da Adidas” Não é assim tão fácil
De pele clara, magro, poucos anos mais velho que Edimar mas envelhecido Sêmea propõe a Edimar que deixe Brasília para sair do tráfico da droga e
pelo consumo de droga, temido em Samambaia, Tião era chefe de um gang ele responde: “Se me pedes para ir ter com o Pe. Marco, vou já a correr”. A
de traficantes. Não se sabe bem como é que Edimar o conheceu, mas logo proposta é para ir viver com uma família de uma outra cidade, sem dar a
se criou entre eles uma confiança recíproca. Tião dava a Edimar o apoio morada a ninguém, para poder começar uma nova vida. Uma tal mudança
quase paternal que precisava e admirava a esperteza e a inteligência do precisa que seja ele a decidir, livremente. Edimar pede um tempo para
miúdo. pensar.

Edimar muda-se para casa de Tião e começa a consumir droga. Quando “Não esperes demasiado tempo, Edimar. Não percas tempo”. “Não é fácil
Tião é preso, Edimar rouba para lhe sustentar a família e pagar ao Sêmea, não é muito fácil”, não é fácil cortar as ligações com a vida que
advogado. levou até agora.

Nos primeiros meses de 1994 o passado e o presente de Edimar misturam-


se de modo dramático, marcando também a vida de Sêmea e de Glória.

Um dia Leandro chega agitado à janela de aula da Sêmea: O Edimar foi


preso e pede-lhe ajuda. Ninguém sabe o motivo da detenção. Chegadas à
esquadra da polícia, Sêmea e Glória ouvem dizer: “Tudo sob controlo,
professoras”. Tião e o Pai de Edimar chegaram antes delas. O Tião falou
com o polícia ao qual deu cigarros e Edimar foi libertado. O rapaz sai,
cumprimenta rapidamente o Tião e o pai, mas resolve voltar à escola de
automóvel, em silêncio, com as suas professoras.

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Os amigos Sérgio e Ivan fazem parte do mesmo gang, ao passo que
Leandro, que para Edimar será sempre como um irmão mais novo, fica de
fora.

Os gangs que disputam entre si os pontos de venda de droga em Samambaia


e nas outras cidades satélite distinguem-se pelas roupas: o gang de Edimar é
conhecido como o “gang da Adidas”.

Roupas da mesma marca, lutas na rua, consumo diário de “merla” (pasta de


cocaína) ou marijuana, confrontos armados com a polícia, má fama na
escola, era a vida de Edimar quando conheceu Glória, sua professora de
Geografia, em finais de 1992.
O Leandro corre debaixo de chuva e chega à entrada da casa em tijolos de
Tião (é uma zona pobre, mas não é uma favela: são barracas de fórmica,
mas também pequenas casas de tijolo). Entrando em casa, encontra Edimar,
sozinho – o Tião foi preso –, a ler a Bíblia: “Estás a ler a Bíblia?! É tua?”.
“Todos os dias leio um bocadinho”. E lê-lhe o salmo 9113. O Leandro ainda
não consegue perceber como aconteceu, mas intui que o Edimar decidiu
seguir para sempre a experiência que encontrou. Pouco tempo depois
começa também ele a ir aos encontros do movimento.

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Salmo 91: “Tu que habitas sob a protecção do Altíssimo e moras à sombra do
Omnipotente, diz ao Senhor: “Sois o meu refúgio e a minha cidadela; meu Deus, em vós
confio”. Ele te livrará do laço do caçador e do flagelo do maligno. Cobrir-te-á com suas
penas, debaixo das suas asas encontrarás abrigo. A sua fidelidade é escudo e couraça. Não
temerás o pavor da noite, nem a seta que voa de dia; nem a epidemia que se propaga nas
trevas, nem a peste que alastra em pleno dia. Podem cair mil à tua esquerda e dez mil à tua
direita que tu não serás atingido. Com teus próprios olhos poderás contemplar e ver a paga
dos pecadores. Porque o Senhor é o teu refúgio. O Altíssimo a tua fortaleza. Nenhum mal te
acontecerá, nem a desgraça se aproximará da tua tenda, porque Ele mandará aos seus Anjos
que te guardem em todos os teus caminhos. Na palma das mãos te levarão, para que não
tropeces em alguma pedra. Poderás andar sobre víboras e serpentes, calcar aos pés o leão e o
dragão. “Porque em Mim confiou hei-de salvá-lo; hei-de protegê-lo pois conheceu o meu
nome. Quando Me invocar hei-de atendê-lo, estarei com ele na tribulação, hei-de libertá-lo e
dar-lhe glória. Favorcê-lo-ei com longa vida e lhe mostrarei a minha salvação”.

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Quadra 120
“Mas eu, com tudo aquilo que aprontei …”: alguns deles pareciam não
aceitar a possibilidade de serem perdoados, o Edimar cala-se.

Em 1990 a escola da quadra 120 ainda não tem paredes. Há só uma Gosta de uma música a que mudou o texto original:
professora de história, chamada Sêmea, que começou a trabalhar ali em Sêmea, lembrarei,
Junho, antes da inauguração oficial, enquanto os outros professores chegam o dia em que te encontrei,
quando me acolheste e me falaste.
em Novembro (no Brasil, o ano escolar começa em Fevereiro e termina em E me deste um nome, Edimar, para mim.
Dezembro). É uma esperança para a minha vida.12

Os rapazes moram todos perto, a uma ou duas ruas de distância: um passa e


chama o outro para irem para a escola, para fazerem alguma coisa juntos ou
para se irem encontrar com os professores; nenhum tem telefone, nenhum
tem dinheiro para o autocarro, a vida é pobre, mas está a tornar-se melhor, e
podem enfrentá-la juntos. Em Samambaia, todos simpatizam com o
Edimarzinho, é ainda o “irmão” de Leandro e o melhor amigo de Ivan e
Andreia.

Um dia, na saída da escola, Glória vê Edimar falar com alguns miúdos.


Edimar volta para a cumprimentar. Ela pergunta-lhe: “O que é que queriam
aqueles miúdos?”,

“Fumar”.
Glória e Sêmea conhecem-se nos finais de 1992. Sêmea acabou as lições de “E tu, o que é que lhes disseste?”
história previstas no programa e cede as suas horas a Glória, que precisa “Que esta vida que eles querem começar eu quero abandoná-la. Com a
delas para acabar o programa de Geografia. As duas professoras tornam-se droga não quero mais nada”.
amigas. Propõem aos alunos frequentar a escola também ao sábado e eles
aceitam de bom grado, sobretudo porque, a seguir às aulas, Sêmea, Glória e
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outros amigos oferecem o lanche aos miúdos, ouvem música juntos e jogam A referência é à canção Sempre lembrarei, versão portuguesa de uma canção italiana:
“Sempre lembrarei/ o dia em que te encontrei/ o teu olhar/ que me salvou./ E me deu um
futebol no campo de jogos. nome/que é demais para mim/ e uma esperança à minha vida// Rit. O caminho iniciado não
abandonarei/ e o seu rosto para mim// sempre lembrarei/ o dia em que te encontrei/quando
me acolheste/ e me falaste/ e me deste um nome/ que é demais para mim/ e um manto azul
como o céu// sempre lembrarei/ o dia em que te encontrei/ a tua mão na minha que me
guiava/ e me deste um nome/ que é demais para mim/ e uma promessa para a minha vida.”

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“Disse-me a Rosilene”. Edimar, inscrito no 5º ano, não tarda a dar-se conta de que Glória, a sua
“Se tu continuares a estar na nossa companhia, sim”. professora de Geografia, é diferente dos outros adultos que conhece.
“Um dia quero ser padre como o Pe. Marcos”. Sentado ao pé dela a ver os colegas a jogarem futebol, pergunta-lhe:
«Porque é que tu te preocupas com os miúdos?» «Eu preocupo-me com
E permanece em silêncio, com a cabeça apoiada nos joelhos da Sêmea, a
cada um de vocês, Edimar.»
olhar o céu nocturno e a estrada.
«Comigo também? Se tu soubesses o que eu sou, já não gostavas de mim.»
«Não fazia diferença nenhuma.»

Edimar continua a falar encostando-se a Glória.

Depois deste diálogo, Glória interessa-se ainda mais por ele, mas não pode
evitar as discussões acesas entre Edimar, os outros alunos e os professores.

Alguns meses mais tarde, Edimar entra numa aula para bater num rapaz,
mas é surpreendido por Sêmea que, agarrando-o pela t-shirt, lhe diz: «Se
voltas a fazer outra como esta, é de mim que apanhas!”. Edimar olha para
ela e vai-se embora em silêncio. Os outros alunos avisam a professora:
«Sêmea, tu sabes quem é aquele ali? É o Edimar, um bandido. E vais meter-
te contra ele?». Na mesma semana, Edimar tem uma discussão com outra
professora e muda de horário. Ao frequentar as aulas da tarde passa a ser
aluno de Sêmea.
No novo semestre Edimar está mais atento durante as aulas; nos encontros
Na vida da escola 120 Glória grita, zanga-se, tenta resolver os problemas
da Escola de Comunidade continua a intervir pouco, mas aprende de cor
dos seus alunos procurando por todos os meios mantê-los ocupados para
uma parte do texto e convida com insistência os amigos.
que não passem o tempo na rua. Inscreve alguns deles em cursos
O tema preferido dos miúdos é o perdão: “Sêmea, porque é que gostas de profissionais proporcionados por institutos do Estado. Para ajudar Edimar,
nós?”. Glória chega a pôr a hipótese de adoptá-lo, mas o marido não aceita a ideia
“Porque um dia fui amada por alguém que não me perguntou nada, que não
A Sêmea, mais nova que Glória, os miúdos contam mais facilmente o que
se importava de como eu era, abraçou-me tal como eu era”.
fazem e obedecem-lhe se lhes pede para não levarem a cabo algum
“projecto”. Quando chegam à escola, Sêmea dá-lhes um abraço e… assim

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descobre se estão armados. Se sim, pede-lhes para porem as armas de lado
durante as aulas. Quando Edimar não vai à escola porque se drogou à noite, Os olhos azuis
Sêmea manda Leandro chamá-lo. Pouco a pouco, Edimar, Leandro, Sérgio,
A longa viagem de volta do Rio de Janeiro para Brasília é calma. O Edimar
Ivan, Rómulo, Alex, Aguinaldo, Netinho e outros miúdos começam a
está no meio dos miúdos a brincar, a falar, entusiasmado com possibilidade
participar nos jogos de sábado. A escola da quadra 120 torna-se um ponto
de uma mudança. Sentado ao lado da Rose, uma outra professora, ouve uma
de referência em Samambaia: é o lugar onde os miúdos podem viver em paz
poesia que não conhecia:
algumas horas, namorar e encontrar-se com os amigos.
Depois de ter olhado muito tempo o céu
à tua procura, os meus olhos,
de escuros que eram, tornaram-se azuis.
Depois de ter olhado muito tempo a lua
procurando-te,
os meus olhos tornaram-se
tão vagos, insondáveis,
da cor da saudade.
E agora no meu peito
há uma chuva contínua
que me faz pedir
e esperar-te
como um arco-íris
que abraça a terra.
Assim o meu coração
vagueia,
procurando,
em cada ângulo,
em cada rosto,
o Desconhecido
que está a chegar.11

O Edimar vai ter com a Sêmea: “Sêmea, um dia os meus olhos vão tornar-
se azuis?”.
“Porque é que me perguntas isso?”.

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O Desconhecido. Poesia de Jussara M. santos, amiga de alguns membros da
comunidade de Comunhão e Libertação de Brasília.

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Olhos escuros
Naquele dia o Edimar confessa-se. O Pe. Marcos pede-lhe que tente sair do
gang. É difícil, porque se trata de um pacto: romper esta estranha lei
significa pôr em risco a própria vida e a dos amigos. Edimar diz ao Pe.
Nas aulas Sêmea observa Edimar, o amigo de Glória, um rapazinho magro
Marcos: “a Sêmea e a Glória perguntam-me muitas vezes o que ando a
de olhar triste que não se interessa por nada, fica lá no fundo, às vezes
fazer, eu gostava de responder, mas não posso: se falo, arriscam a vida, se
tranquilo, às vezes provocando os colegas. Todos têm medo dele, mas não
eu conto tudo, podem morrer”. Quando está com o Pe. Marcos o Edimar
passa de um rapaz de 15 anos. Os seus pensamentos confundem-se com o
não pensa nem em justificar-se, nem em acusar os outros: interessa-lhe
tema que a professora está a explicar no quadro, depois acalmam enquanto
apenas aquilo que encontrou, uma realidade nova que inesperadamente se
ela explica os exercícios aos outros alunos. No fim da aula, Sêmea senta-se
abriu a ele.
ao lado de Edimar para conversar um pouco com ele.
“Também eu posso ser padre?”.
“Podes: reza, pede a Deus para perceberes se é isso que Ele quer para ti.
Pede-Lhe que te ilumine”.
“Mas como é que Deus me vai falar?”.
“Deus fala através de muitas coisas”.
“Como é que tu fizeste para saberes que Deus te chamava para seres
padre?”.

O Pe. Marcos conta-lhe experiências, acontecimentos, encontros.

“Então Deus fala mesmo connosco?”.


“Fala através das coisas que te estou a dizer”.

Naquele ano Edimar chumba, mas descobre um novo interesse: os


encontros de Escola de Comunidade7, que começou a frequentar a convite

7
A Escola de Comunidade é a catequese – texto, meditação pessoal, encontros
comunitários – do movimento de Comunhão e Libertação. As palavras

20 13
de Sêmea. Edimar convida também Sérgio, que lhe reponde: «Não vou, que Edimar, que nunca foi à Missa, quer pôr-se na fila para ir comungar; o Pe.
espécie de comunidade é essa? Nunca te ouvi cantar e agora passas a vida a Marcos pede-lhe para esperar, preparando-se com Escola de Comunidade.
assobiar o Freedom e a estalar os dedos!» Edimar convida Leandro e os Edimar aceita.
seus outros amigos. Ao sábado passa por casa de Ivan e Andreia e vão pela
rua abraçados para ir aos encontros. Na Escola de Comunidade Edimar não
fala, mas está atento. Acontece dizer depois aos amigos: «Não foi isso que a
Sêmea disse no encontro!», «Não se esqueçam do que a Sêmea disse!» Aos
poucos deixa de ir às festas de dança com os outros e, sobretudo, proíbe o
Leandro de participar nas “iniciativas” do gang e de usar droga.

Para além de dos momentos comuns juntos, três ou quatro conversas com o
sacerdote, tidas entre uma actividade e outra, mudam a vida do Edimar: “
Pe. Marcos, eu já fiz tudo o que possas imaginar!”.

“Eu consigo imaginar uma série de coisas…”.

“Tudo o que tu possas imaginar de errado eu já fiz, tudo!”.

“Tu queres receber o perdão de Deus? Se me estás a perguntar se existe


possibilidade para ti, existe. A primeira coisa é pedires perdão a Deus por
aquilo que fizeste”.

Para que os miúdos de Samambaia não se metam em nada de sério, Sêmea “Deus vai perdoar-me?”.
chega a estar com eles pela noite fora. Está junto deles e pensa: «Se
“Claro! Estás arrependido do que fizeste?”.

“Eu estou muito arrependido. Se pudesse voltar atrás, não tornaria a fazer
“comunidade” e “movimento”, que serão usadas ao longo do texto referem-se a
Comunhão e Libertação, movimento fundado por D. Luigi Giussani nos anos 50. nenhuma das coisas que fiz e não quero fazê-las nunca mais”.

14 19
Este padre é diferente
encontrassem o que eu encontrei, eles mudavam. Se o que eu encontrei
mudou a minha vida, por que não há-de mudar a deles? Mas se eu não
arrisco, se não lhes mostro uma coisa bela, como poderão conhecer esta
O Pe. Marcos ri e joga com os miúdos: é evidente que gosta de estar com
força?»
eles. Edimar percebe-o e aproxima-se dele. Conversam longamente, sobre
tudo: «O que quer dizer ser padre? E as mulheres?». Edimar faz perguntas à Entretanto, os olhos escuros de Edimar continuam a reflectir a vida tal
queima-roupa e o Pe. Marcos responde sem meios-termos: «Há uma como sempre foi para ele: droga e furtos, confrontos armados com a polícia,
maneira diferente de viver». agredir e ser agredido, ser capturado e fugir. Geralmente Edimar tem a
função de “avião”8. Esperto e competente, não é apenas o homem de
confiança do chefe, mas quase um filho para Tião. Às vezes Edimar, que é
menor, deixa-se prender para evitar a prisão a um amigo adulto.9 Sérgio e
Edimar tornam-se chefes de um pequeno gang em Taguatinga. Nesse tempo
comprar droga era mais barato que comprar cerveja, e Edimar fuma “merla”
todas as noites.

No entanto Sêmea vê que, ao mesmo tempo, alguma coisa está a acontecer


na vida de Edimar e, em finais de 1993, decide convidá-lo para ir às férias
de Janeiro dos estudantes de Comunhão e Libertação.10

Até aquele momento, para Edimar tinha sido natural viver como tinha
aprendido na rua, era assim e ponto final. Mas a possibilidade de uma vida
completamente nova vira-o do avesso: enche o Pe. Marcos de perguntas,
fascina-o a ideia de poder mudar de vida. Os amigos riem-se dele, mas
Edimar responde: «Não, o Pe. Marcos explicou-me tudo, também sobre as 8
Avião é o termo usado pelos traficantes para designar a pessoa que transporta
mulheres. Acho que dá para mim, também quero ser padre». E eles armas e/ou droga.
9
Para a lei brasileira, um menor não pode ser metido numa prisão normal, mas se é
percebem que não é uma maneira de dizer, sabem que quando Edimar diz
considerado culpado, é mandado para um instituto de reabilitação. Muitas vezes a
uma coisa, a diz a sério. polícia prende um menor suspeito, por uma noite ou alguns dias, e depois liberta-o.
10
As férias, um dos momentos mais importantes na vida da comunidade, são dias
de convívio com passeios, jogos, canções, orações segundo a Liturgia das Horas e
aprofundamentos sobre a Escola de Comunidade.

18 15
As Férias
são obrigados a estar 8 horas debaixo de um sol infernal. Edimar e o seu
grupo entram num pomar e roubam fruta para todos. Uma tarde, depois da
Sêmea o ter expulso do jogo, entra no campo montado num vitelo!
Edimar faz a viagem de Brasília até Miguel Pereira, no Estado do Rio de
Janeiro (1.500 km), sentado no fundo da camioneta sem dizer uma palavra.
Parece que não quer misturar-se com os outros miúdos da sua idade,
provenientes de famílias da classe média, uma realidade completamente
diferente da sua. Não desperdiça palavras, gosta de estar sentado no seu
canto, a fumar um cigarro e a observar os outros. Lá no fundo ninguém
pode adivinhar o que pensa ou saber o que fez ou ainda pode fazer.

Edimar, sempre capaz de surpreender os amigos porque é, inesperadamente


ou ao mesmo tempo, rebelde e respeitoso, afectuoso e explosivo,
espirituoso e triste, não imagina o que está para surpreender a sua vida.

Os dias das férias oferecem-lhe uma experiência de felicidade e amizade


que nunca tinha visto antes: acordar, tomar o pequeno-almoço no meio de
gargalhadas e brincadeiras, rezar juntos, dar um passeio e jogar, depois
descansar, dividir o lanche e cantar. Novos jogos, novos amigos. A Missa
com o Pe. Marcos, de Minas Gerais, encerra o dia. Ou devia encerrar, se os
miúdos não inventassem mais uma vez qualquer coisa. Como na noite em
que Edimar, com outros miúdos de Brasília, depois de terem capturado
alguns sapos no lago, atiraram-nos do tecto nas camas dos miúdos de S.
Paulo e do Rio de Janeiro, que estavam a dormir. Os gritos acordaram o
hotel inteiro!

Sem a droga, Edimar é um rapaz alegre. O ritmo dos dias não deixa espaço
para o passado e Edimar volta a ser um rapaz de 16 anos: conhece gente da
sua idade, joga, vê coisas belas como as cascatas de Miguel Pereira, faz rir
os amigos com as maluquices. Durante um passeio, a camioneta avaria-se e

16 17

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