Você está na página 1de 33

Colonização, ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

imigração
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

e a questão racial
no Brasil ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

GIRALDA SEYFERTH

GIRALDA SEYFERTH
é professora do
Departamento de
Antropologia, Museu
Nacional – UFRJ.

REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002 117


O presente trabalho procura mostrar a
influência da idéia de raça sobre os princí-
pios que embasaram a política de coloniza-
ção no Brasil e as controvérsias relativas ao
nucleamento de estrangeiros em colônias
agrícolas no Sul – região onde ocorreram
duas revoluções de implicações separatis-
tas no século XIX – e seus reflexos no dis-
curso sobre nacionalização, especialmen-
te, mas não exclusivamente, no Estado
Novo, período de desqualificações mais
radical das diferenças de natureza étnica e
cultural, imaginadas como ameaça à uni-
dade do Estado-Nação.

a
OS PRINCÍPIOS DA COLONIZAÇÃO
EUROPÉIA
questão racial estava subjacente A noção de princípios alude ao trabalho
aos projetos imigrantistas desde do geógrafo Leo Waibel, que estabeleceu
1818, antes da palavra raça fa- um modelo analítico dos sistemas agríco-
zer parte do vocabulário cientí- las produzidos pela imigração européia nas
fico brasileiro e das preocupa- regiões de floresta do Rio Grande do Sul,
ções com a formação nacional. Santa Catarina e Paraná. Definiu a coloni-
Desde então, a imigração pas- zação como um sistema econômico diver-
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ sou a ser representada como um so da grande propriedade, porque baseado
amplo processo civilizatório e forma mais numa classe de pequenos proprietários de
racional de ocupação das terras devolutas. origem européia (Waibel, 1958), princípio
O pressuposto da superioridade branca, igualmente presente na motivação imi-
como argumento justificativo para um mo- grantista desde 1818, quando D. João VI
delo de colonização com pequena proprie- assinou o tratado de Nova Friburgo. O in-
dade familiar baseado na vinda de imigran- teresse na diversificação da agricultura
tes europeus – portanto distinto da grande marcou a fundação de Nova Friburgo (RJ)
propriedade escravista – foi construído mais com imigrantes suíços, em 1819, e sinali-
objetivamente a partir de meados do século zou para os desdobramentos da coloniza-
XIX. Menos evidente nas leis e decretos ção: a localização em colônias ocorreu na
relativos à colonização, o conteúdo racista periferia da grande propriedade escravista,
está presente, sobretudo, na discussão da ou longe dela, em terras devolutas – privi-
política imigratória articulada ao povoa- legiando-se correntes imigratórias euro-
mento e na externalização nacionalista dos péias. A questão racial está implícita no
problemas de assimilação especificados Decreto Real que autorizou o estabeleci-
através das probabilidades do caldeamento mento dos imigrantes suíços na região ser-
racial. Ambas as discussões são significati- rana do Rio de Janeiro aludindo à civiliza-
vas quando envolvem a colonização euro- ção e, principalmente, no artigo 18 do tra-
péia efetivada no Sul durante mais de um tado acima referido, que trata da criação de
século – num contexto de povoamento em uma milícia de 150 suíços, capazes de em-
que os imigrantes alemães aparecem como punhar armas, colaborando na manutenção
antítese da brasilidade. dos regimentos portugueses de cor branca

118 REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002


(1). A menção à cor branca é por si mesma tada da população nacional. Nem o radica-
significativa pois as primeiras classifica- lismo nacionalista, contrário à imigração
ções raciais produzidas nos meios científi- alemã, no início da república, abriu maior
1 A maior parte do tratado refe-
cos europeus na segunda metade do século espaço para o assentamento de colonos re-se às condições acordadas
XVIII tinham por base uma divisão geo- nacionais. com o agenciador, Sebastien-
Nicolas Gachet, para estabe-
gráfica e/ou a variação da cor da pele. Pode- Conforme observação de Waibel lecer imigrantes suíços na Fa-
zenda Morro Queimado, com-
se argumentar que seus autores não esta- (1958), colonização e povoamento são prada pelo governo português
vam interessados em estabelecer critérios binômios; e a localização dos primeiros nú- para esta finalidade. Mas já
nesse momento evidenciou-se
de desigualdade para grupos humanos arti- cleos coloniais no Rio Grande do Sul e Santa um outro propósito associado
à imigração: o recrutamento
culados com suposta “origem comum”, Catarina, entre 1824 e 1829, mostrava isso de soldados na Europa, práti-
depois anunciados nas tipologias criadas, com precisão: estavam situados em pontos ca efetivada após a indepen-
dência com a criação de bata-
às vezes doutrinariamente, no século XIX; estratégicos dos caminhos de cargueiros que lhões estrangeiros. A íntegra
mas a noção hierárquica de civilização es- uniam o extremo sul a São Paulo. A esco- do tratado com Gachet encon-
tra-se no trabalho de Nicoulin
tava por trás de certos desideratos biológi- lha de imigrantes alemães para efetivar os (1981).
cos, fazendo da cor branca um indicador de primeiros projetos coloniais – criticada mais 2 Desde o século XVI, a varia-
ção da cor da pele serviu para
superioridade, mesmo na ausência de um tarde por muitos nacionalistas preocupa- assinalar as clivagens entre
discurso explicitamente racista (2). dos com a etnicidade germânica dos des- diferentes grupos humanos,
muitas vezes articulada à dis-
Os resultados efêmeros obtidos em cendentes – não teve qualquer relação com tribuição geográfica na confi-
Nova Friburgo (3) não interferiram no pro- premissas raciais: eram europeus, havia um guração dos cinco troncos prin-
cipais. As primeiras tipologias,
pósito colonizador, retomado, dentro dos fluxo imigratório para os Estados Unidos e apoiadas na anatomia compa-
rada, surgiram no início do
mesmos princípios, logo após a indepen- um número significativo de alemães circu- século XIX – como a de
dência – com a fundação da colônia de São lava na corte brasileira, inclusive o princi- Blumenau, que dividiu a huma-
nidade em cinco grandes “fa-
Leopoldo, no Rio Grande do Sul, em 1824. pal agenciador até 1830, o Major G. A mílias raciais” – caucásica,
mongólica, malaia, america-
Através do agenciamento, o governo im- Schäffer, que pertencia ao Corpo de Guar- na e etiópica. Aparentemente
perial recrutou em vários estados germâni- das de D. Pedro I. Entretanto, há uma pre- neutras, em nome do rigor ci-
entífico, essas classificações
cos, simultaneamente, colonos e soldados. missa articulada a essa imigração: a classi- implicavam uma hierarqui-
Afinal, havia forte tensão na fronteira in- ficação do colono alemão como agricultor zação em que os brancos es-
tão localizados no topo e os
ternacional ao sul, envolvendo a disputa eficiente, um critério presente em toda le- negros na base.
pela “província Cisplatina” (o atual Uru- gislação imigratória vinculada à coloniza- 3 Vários problemas inviabili-
zaram a colonização de Nova
guai), que teve como conseqüência uma ção. Nas regras de admissão de estrangeiros Friburgo: o alto custo do agen-
guerra com a Argentina, iniciada em fins o imigrante ideal, o único merecedor de sub- ciamento e da manutenção do
núcleo colonial, as altíssimas
de 1825. sídios, é o agricultor; mais do que isso, um taxas de mortalidade na via-
agricultor branco que emigra em família. gem e nos primeiros meses
Assim, a colonização não seguiu, ex-
após a localização, a má qua-
clusivamente, o princípio civilizatório que A primeira fase da colonização encer- lidade das terras, o isolamen-
to (apesar da proximidade de
exigia imigrantes brancos europeus; tam- rou-se em 1830, quando a oposição parla- Cantagalo e suas grandes pro-
pouco significou uma recusa ao modelo mentar aprovou uma lei que impedia gas- priedades cafeeiras). Cf.
Nicoulin, 1981. O empreen-
escravista de exploração agrícola. Surgiu tos com a imigração – o que, na prática, dimento perdeu a maior parte
dos colonos suíços (muitos
de uma lógica geopolítica de povoamento, inviabilizou o agenciamento pois não exis- retornaram) e só não desapa-
articulada à ocupação de terras públicas tia um fluxo espontâneo para o Brasil. O receu porque após a indepen-
dência foram para lá encami-
consideradas “vazias” – sem qualquer con- último ato colonizador do governo imperi- nhados imigrantes alemães.
sideração pela população nativa, classifi- al foi a fundação da colônia de São Pedro 4 Os batalhões estrangeiros fo-
cada como nômade e incivilizada, na medi- de Alcântara (SC), em 1829 – lugar que, ram formados em 1823, prin-
cipalmente com mercenários
da em que esse sistema de ocupação terri- além de imigrantes oriundos de Bremen, alemães e irlandeses. Por vá-
rias razões – incluindo castigos
torial avançou a partir da década de 1840 recebeu um grupo de soldados alemães físicos e precárias condições de
(quando terminou a Revolução Farrou- egressos dos batalhões estrangeiros acan- aquartelamento – ocorreu uma
rebelião dos soldados no Rio
pilha). A escolha do colono ideal, porém, tonados no Rio de Janeiro, dispensados em de Janeiro, em 1828, que de-
terminou a extinção desses
teve seus determinantes biológicos articu- 1828 (4). A retomada do processo imigrató- batalhões. Aos soldados ale-
lados à pressuposição da superioridade eu- rio demorou quinze anos: em 1845 reco- mães foi dada a opção de lo-
calização em lotes coloniais na
ropéia, e o sistema esteve associado à imi- meçou a localização de alemães no Vale do província de Santa Catarina –
gração pelo menos até meados do século Rio dos Sinos (Rio Grande do Sul), a partir o que explica sua presença em
São Pedro de Alcântra. Ver
XX, com participação extremamente limi- de São Leopoldo, em Santa Catarina (no Handelmann, 1931.

REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002 119


5 A inclusão das províncias do Rio Vale do Rio Cubatão), nas terras altas do porque produz uma imagem negativa do
de Janeiro e Espírito Santo mos-
tra que o projeto colonizador era Espírito Santo e do Rio de Janeiro (5). Hou- país na Europa. Em resumo, a vigência do
bastante abrangente, mas fora ve um investimento claro na imigração ale- regime escravista faz da África apenas um
da Região Sul teve limitações,
deslocado para áreas periféricas mã expressado através da representação lugar de negros bárbaros e não de imigran-
e quase sempre montanhosas –
o que dificultou a expansão da
diplomática brasileira em Berlim, chefiada tes potenciais. Nesse sentido, não precisa-
atividade agrícola. Nova pelo visconde de Abrantes, juntamente com vam estar situados no debate sobre imigra-
Friburgo e Petrópolis não rece-
beram contingentes significativos o debate sobre a necessidade de regulamen- ção. O esforço classificatório dirigiu-se para
(muitos colonos se retiraram) e tar a posse e a propriedade da terra que, a nomeação das virtudes e defeitos de cada
logo se transformaram em cen-
tros de veraneio para os abasta- afinal, resultou na lei 601 (Lei de Terras), nacionalidade européia, em função do in-
dos da capital do Império.
de 1850, um passo decisivo para incremen- teresse maior: o imigrante agricultor. Eram
6 A lei (regulamentada em 1854)
passou o controle das terras tar a colonização (6). No entanto, esse apa- hierarquias de brancos pautados por habili-
devolutas para as províncias, rente privilegiamento dos alemães não é o dades agrícolas, nas quais o fator “raça” não
definiu a concessão de terras
devolutas exclusivamente por fato mais significativo para discutir a ques- aparece como limitação, e que adentram o
compra – o que, na prática,
permitiu a atuação de empre- tão racial nesse período, porque, afinal, essa século XX. Nas classificações imperam os
sas particulares de colonização imigração tinha críticos dado o grau de atributos usualmente associados ao
–, enfim, traçou a política de
colonização atrelada à imigra- irredutibilidade étnica a eles atribuída. O campesinato, incluindo a adjetivação da
ção, embora seu alcance fosse
muito mais amplo. Na verda-
reinício da colonização com base no agen- submissão: o bom colono deve ter amor ao
de, sua promulgação coincide ciamento de europeus (7) foi concomitante trabalho e à família e respeito às autorida-
com um maior investimento no
agenciamento de imigrantes com a proibição da escravidão nas colônias des, além de ser sóbrio, perseverante, mori-
para projetos coloniais. – fato não ocorrido na primeira fase. Na gerado, resignado, habilidoso, etc. Alemães
7 Até o início da década de prática, ao tomar essa iniciativa, os gover- e italianos são as nacionalidades mais fre-
1880, o governo imperial con-
tratou, por decreto, a vinda de nos provinciais separaram ainda mais os qüentemente situadas no topo da hierarquia
imigrantes através de agencia-
dores, que recebiam pagamen- dois regimes de trabalho quando se avizi- dos desejáveis “bons agricultores” (10).
to per capita. Nesses decretos nhava a proibição do tráfico de africanos Os princípios da colonização foram
estão indicados os países (ou
as nacionalidades) preferenci- para o Brasil. A promulgação quase simul- estabelecidos na legislação imigratória,
ais de emigração – sempre eu-
ropeus. Sobre o agenciamento,
tânea da Lei de Terras e da Lei Euzébio de tendo a modernidade como parâmetro, e
ver Seyferth, 2000a. Queirós marca ainda mais esse distancia- nela não cabe a escravidão. Para muitos
8 Essa interpretação, influenciada mento – a colonização definitivamente vin- imigrantistas, o tráfico era incompatível
pela ideologia da miscigenação
e da ausência de preconceito culada ao trabalho livre. Apesar dessas evi- com a imigração, mas não a escravidão,
racial no Brasil, é particularmen-
te evidenciada no discurso dos
dências, a ausência de negros e mestiços na fadada, necessariamente, ao desapareci-
militares que participaram da maioria das áreas coloniais foi atribuída ao mento na configuração do país moderno e
campanha de nacionalização
em regiões colonizadas por ale- preconceito racial dos imigrantes e de dire- capitalista. Por outro lado, nem o mais ra-
mães – como no Vale do Itajaí, tores de empresas colonizadoras, como dical dos abolicionistas brancos – caso de
Santa Catarina. Ver, por exem-
plo, o texto do tenente Rui pode ser verificado em certos discursos Joaquim Nabuco – duvidava da inferiori-
Alencar Nogueira, publicado
em 1946. nacionalistas da década de 1930 e 1940 (8). dade de negros e mestiços, sob influência
9 Negros e mestiços, categori- Na verdade, a imigração européia está do determinismo racial então vigente nos
zados como “bárbaros”, devi- naturalizada no debate sobre a colonização meios acadêmicos europeus (11).
am desempenhar apenas um
papel coadjuvante na coloni- e nele, negros e mestiços, livres ou escra- A colonização, portanto, recomeçou no
zação (isso quando sua “parti-
cipação” era cogitada) – a eles vos, só eventualmente aparecem como ato- período de ampla discussão sobre as refor-
cabia desbravar a floresta, res sociais descartáveis sob um argumento mas necessárias para transformar o Brasil
conforme se verifica em alguns
textos anteriores à abolição, simplista – o do indireto restabelecimento num país de imigração – distanciada do
caso do relatório apresentado
ao Ministério da Agricultura
do tráfico (9). Essa figura de retórica tem o escravismo e, pelo menos até o início da
pelo conselheiro Menezes e propósito de desqualificar a imigração de década de 1870, associada ao agenciamento
Souza em 1875.
africanos, em geral considerados inaptos de alemães. A exclusão dos não-brancos
10 Hierarquizações dessa nature-
za, subjetivadas por um mode- para o trabalho livre na condição de peque- estava subjacente, dada a relativa ausência
lo ideal de “capacidade” para
produzir agricultura familiar,
nos proprietários rurais. No pensamento do elemento nacional nessa forma de ocu-
foram comuns até a década de imigrantista do século XIX a escravidão pação territorial. A escolha dos alemães,
1930. Cf. Seyferth, 1996.
não é percebida como um regime imoral ou porém, foi ditada pela imagem do agricul-
11 Nabuco, por um lado, afirmou
que a “maldição da cor” desa- ilegítimo, mas simplesmente adjetivada por tor eficiente cultivada por uma parte da elite
pareceria com a abolição, mas, seu caráter arcaizante, um modelo econô- imigrantista, embora recebesse críticas
por outro lado, atribuiu ao cru-
zamento entre brancos e negros mico retrógrado e impeditivo de imigração contundentes de setores nacionalistas preo-

120 REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002


cupados com a introdução em massa de empresas a partir da concessão de terras o “abastardamento da raça
mais adiantada (branca) pela
gente com língua, cultura e religião muito públicas). mais atrasada (negra). E, para
desgraça do país, os descen-
diferentes da realidade brasileira (12). Nos contratos firmados com agencia- dentes dessa população (mes-
Referências de natureza racial, portan- dores há cuidadosa especificação da nacio- tiços) formam dois terços da
população do país”. Cf.
to, estão ausentes da legislação maior, re- nalidade dos imigrantes pretendidos – como Nabuco, 1977.
pleta de regras sobre demarcação, venda e ocorreu no Decreto 5.663, de 1874, cele- 12 O conflito entre os arautos da
colonização e os nacionalis-
legitimação de lotes coloniais, regulamen- brado pelo governo imperial com Joaquim tas contrários à imigração em
tação do agenciamento em países europeus Caetano Pinto Junior (15) –, um indicativo grande escala pode ser perce-
bido no livro de um político
e do funcionamento de órgãos ministeriais de que “europeu” não era exatamente uma fluminense, Augusto de Carva-
lho, escrito e publicado em
de controle do processo de localização de categoria exclusiva ou absoluta. Na Portugal em 1874.
imigrantes, inclusive no âmbito dos proje- listagem, estão ausentes portugueses e es- 13 O Vale do Jacuí, no Rio Gran-
tos particulares, visto que a atuação das panhóis – mas, curiosamente, ela inclui de do Sul, foi a primeira re-
gião ocupada por imigrantes
empresas colonizadoras estava sujeita à bascos e italianos do norte. É difícil ponde- alemães (desde São Leopoldo);
em Santa Catarina, Hermann
fiscalização. rar sobre os critérios de inclusão ou exclu- Blumenau fundou a principal
Referenciada exclusivamente ao agen- são implícitos na lista (encabeçada por ale- colônia do Vale do Itajaí, em
1850 e, no ano seguinte, a
ciamento de imigrantes na Europa, em es- mães e austríacos) mas o privilegiamento Sociedade Colonizadora de
pecial nos países germânicos (conforme dos italianos do norte sugere alguma espe- Hamburgo iniciou a coloniza-
ção do nordeste da província,
indica a missão diplomática especial do culação de natureza racial ou civilizatória nas terras recebidas como dote
pela irmã do imperador Pedro
visconde de Abrantes na Prússia) – com a (possivelmente vinculada à noção de II na ocasião do seu casamen-
questão racial dimensionada na definição latinidade). Desde as primeiras teorias ra- to com o príncipe de Joinville.
Até o final do século XIX quase
“branca” do colono ideal –, prosseguiu a ciais que produziram o mito ariano, os po- duas centenas de projetos co-
loniais foram iniciados por imi-
ocupação de áreas de floresta no Sul, forte- vos do Mediterrâneo passaram a ser grantes alemães no Rio Gran-
mente incentivada pelo governo central categorizados como raça ou tipo através de de do Sul e Santa Catarina.
Cf. Seyferth, 1999a.
através do Ministério da Agricultura ao qual critérios morfológicos às vezes imaginados
14 Apesar da propaganda que
a imigração estava subordinada. A partir como desabonadores (ou indicadores de “in- enfatizou a possibilidade de
de 1846 e, sobretudo, após a promulgação ferioridade”): pele brunóide, cabelos negros, subsídios, a facilidade da con-
cessão de lotes coloniais (afi-
da Lei de Terras, surgiram no Rio Grande estatura baixa, etc. Mesmo autores menos nal, a propriedade da terra
fazia parte da utopia campo-
do Sul e Santa Catarina inúmeras “colônias comprometidos com o pressuposto da desi- nesa) e o “clima temperado”
alemãs”, fundadas por empresas particula- gualdade das raças humanas como Paul do Sul do Brasil, a maioria dos
diretores de empreendimentos
res, pelos governos provinciais ou pelo Topinard – bastante conhecido no Brasil por particulares referiu-se às dificul-
dades de atrair imigrantes. O
governo imperial – etnicamente homogê- sua condição de discípulo de Paul Broca – exemplo mais significativo
neas, pelo menos nos seus primórdios (13). distinguiu, no seu manual L’Anthropologie, dessa dificuldade diz respeito
à colônia Blumenau: a empre-
Existem referências a pequenos contingen- os tipos europeus louros dos tipos euro- sa de Hermann Blumenau faliu
tes poloneses, noruegueses, suecos, suíços, peus brunos (aí incluídos os habitantes do porque seu diretor não conse-
guiu atrair compatriotas e a
irlandeses e franceses encaminhados para sul da França e da Itália, além de espanhóis, colônia passou para o contro-
le do Estado em 1860, tornan-
algumas dessas regiões (especialmente em portugueses e gregos). Às vezes usava-se, do-se, assim, um empreendi-
Santa Catarina). A intensificação do pro- simplesmente, a designação de “povos do mento oficial. Ainda em 1860,
o governo imperial patrocinou
cesso ocorreu na década de 1870, quando meio-dia”, que no jargão racista da segun- a fundação de um núcleo colo-
nial no Rio Itajaí-Mirim (a cer-
começou a imigração italiana na Serra da metade do século XIX era indicativo de ca de 40 km de Blumenau),
Gaúcha, e no sul de Santa Catarina (além inferioridade por oposição aos “arianos” fato que evidencia o interesse
governamental na ocupação
de localização junto às colônias alemãs no (16). Essas teorias tiveram alguma influên- do Vale do Itajaí. Cf. Ferreira
Vale do Itajaí). cia no Brasil, às vezes escamoteadas numa da Silva, s/d; Seyferth, 1974.
15 Sobre os critérios seletivos pre-
Na sua grande maioria esses imigrantes retórica ambígua, visível, inclusive, em sentes nesse contrato, ver:
vieram para o Brasil recrutados por agen- trabalhos supostamente mais técnicos que Seyferth, 2000a.

tes das empresas colonizadoras (14) ou expressam posições políticas, conforme se 16 O manual de Topinard foi publi-
cado na década de 1870 (sua
agentes nomeados pelo governo imperial, verifica no texto de Menezes e Souza 3a edição é de 1879), ocasião
em que as tipologias raciais já
num sistema de imigração subsidiada em (1875). Mas os imperativos da política de eram numerosas no âmbito da
grande parte pelo Estado (como se observa colonização não estiveram prioritariamente antropologia (física), muitas
apregoando a desigualdade a
na legislação sobre colonização e nos de- atrelados aos determinismos mais minucio- partir de diferenças morfológi-
cretos de contratação dos serviços dos agen- sos das doutrinas tipológicas sobre raça. cas. Sobre os usos (e abusos) da
idéia de raça, ver: Poliakov
ciadores e de autorização das atividades das O europeu genérico, portanto, continuou (1974) e Banton (1979).

REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002 121


sendo o alvo preferido da política imigra- colonos tem abandonado esses logares, de
tória, e as determinações seletivas passam modo que um só já não apparece na longa
pela condição de agricultor ou artesão. O estrada de 34 léguas, que communica a villa
Decreto 537, de 1850, que aprovou o con- de S. José com a de Lages. Hoje o viajante
trato com a Sociedade Colonizadora de caminha tranquillo, não teme a flexa do
Hamburgo (que representava os interesses Bugre; e o lavrador habitando solitario es-
do Príncipe de Joinville), autorizando a ses sertões, goza das delicias do campo,
fundação da colônia de D. Francisca (Santa sem receiar os perigos do ermo.
Catarina), no parágrafo 1o do artigo único […]
diz que os colonos só podem desembarcar À vista das vantagens que esta província
livremente se constar da bagagem os “ins- tem obtido com a colonia alemã […] forço-
trumentos do seu ofício” – sementes, ani- so é confessar que a colonização allemã é
mais e utensílios destinados ao trabalho a que unicamente póde utilisar ao Brazil.
agrícola. O parágrafo 10o do mesmo decre- […] os Alemmães são industriosos, since-
to proíbe o emprego do “braço escravo” na ros, e a constancia que os caracterisa não os
colônia. deixa desanimar à vista do trabalho. São
No entanto, através da naturalização da estes os verdadeiros colonos de que o Bra-
“índole” ou “pendor” agrícola, os colonos sil precisa, e para cujo engajamento se deve
alemães ficaram no topo da hierarquização fazer os maiores sacrifícios” (Paiva, 1846,
por nacionalidade – mesmo quando criti- pp. 519-20).
cados por sua irredutibilidade étnica. “A
colonização alemã é a que mais convém ao A menção às incursões indígenas estan-
Brasil”: variações dessa frase foram comuns cadas pela presença colonizadora mostra o
nos textos sobre colonização após 1845, lugar reservado aos nativos, designados por
inclusive na “Memória” escrita pelo vis- um termo depreciativo (bugres) – o desapa-
conde de Abrantes e publicada em 1846 recimento. Com a intensificação dos assen-
quando procurava atrair imigrantes para o tamentos, os remanescentes seriam im-
Brasil com o beneplácito do governo prus- piedosamente “caçados” pelos bugreiros,
siano, expressando opiniões reformistas categorizados como selvagens, antítese da
sobre liberdade de culto, naturalização, civilização “européia” trazida pela coloni-
escravidão e propriedade da terra. A “pre- zação. Os próprios colonos formularam
ferência” aparece também em escritos de representações dessa natureza na constru-
brasileiros que passaram por regiões de ção da sua identidade (cf. Seyferth, 2000b).
colonização, caso do padre Joaquim Go- Por outro lado, ao privilegiar os alemães, o
17 Paiva remete a três empreendi-
mentos particulares de coloni- mes d’Oliveira e Paiva, que elogia o pro- Padre Paiva estava igualmente motivado
zação em Santa Catarina for-
malizados no início da década gresso de São Leopoldo e São Pedro de pelo relativo sucesso das duas principais
de 1840: a colônia Nova Itá- Alcântara (ambas colônias alemãs) contra- colônias fundadas antes de 1830 – ambas
lia, que recebeu imigrantes da
Sardenha em 1836 – iniciati- pondo o fracasso de colônias francesas, alemãs. De certa forma, os “fracassos” de
va do empresário italiano Carlo
Demaria, radicado em Dester-
sardas e belgas (17). Igualmente publicada franceses, belgas e sardos na província de
ro; a colônia do Saí, formada em 1846, a “Memória” do padre Paiva Santa Catarina, associados a pressuposi-
por falansterianos franceses
após autorização dada pelo externaliza, ainda, o sentido civilizatório ções sobre o caráter nacional dos imigran-
governo imperial ao médico dado à ocupação do território: tes, ajudavam a conformar as classifica-
homeopata Benoit Joseph Mure
em 1841; e a colônia belga ções sobre o colono ideal.
de Ilhota, iniciativa do enge-
nheiro Charles van Lede, entre “[…] forçoso é concluir que não pequena Além disso, o discurso sobre a “eficiên-
1841-44, no baixo Vale do utilidade tem tirado a província de Santa cia” germânica, entendida como qualidade
Itajaí. Os empreendimentos fra-
cassaram devido às péssimas Catarina com o estabelecimento da colônia (biológica) nacional, faz parte de relatórios
condições de localização e às
precárias condições, denuncia-
de S. Pedro de Alcântara em seu território. e escritos de propaganda produzidos por
das nos países de origem – so- […] Os indígenas, que outr’ora infestavam alemães interessados na colonização parti-
bretudo no caso dos belgas e
franceses –, o que dificultou o o continente a ponto de se aproximarem da cular de terras públicas que se desenhava
agenciamento de outros imi- capital em distância menor de cinco léguas, mais precisamente na discussão da política
grantes. Cf. Cabral, 1970;
Piazza, 1994. hoje amedrontados pela vizinhança dos imigratória na década de 1840. Um bom

122 REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002


exemplo é o relatório apresentado ao Barão O discurso dos estrangeiros interessa-
de Cairu por Luiz Frederico Kalkmann, em dos na colonização, portanto, é o mesmo
1846, após uma viagem às colônias meridio- dos representantes mais notáveis do imi-
nais, com o objetivo de divulgá-las na Ale- grantismo brasileiro (20) que, junto com a
manha. O relatório apresenta alguns dados escravidão, desqualificam a população ne-
acerca do desempenho agrícola em São gra e mestiça do país, na adjetivação estig-
Leopoldo e São Pedro de Alcântara, aponta matizante do trabalho escravo. Pode ser
problemas enfrentados pelos colonos (inclu- observada certa diversidade na preferência
sive de natureza religiosa) (18), referindo- por uma ou outra nacionalidade européia e
se, ainda, aos prejuízos decorrentes da guer- eventuais alusões à população indígena e
ra civil, entre eles a absoluta limitação de às possibilidades de “civilização” do povo
entradas de novos imigrantes até 1845. À liberto (principalmente quando o assunto é
escassez de imigrantes no Brasil contrapõe a emancipação dos escravos), atenuando-
1,2 milhão de alemães que se dirigiram para se a irredutibilidade da inferiorização dos
os Estados Unidos no mesmo período (1830- trabalhadores nacionais a partir da estig-
45) – argumento igualmente utilizado por matização absoluta das correntes imigra-
imigrantistas brasileiros. tórias indesejáveis. Assim, mesmo autores
Segundo Kalkmann, a “paciência”, “per- aparentemente propensos ao aproveitamen-
severança” própria dos integrantes da na- to da mão-de-obra nacional não se afastam
ção alemã, e a frugalidade e religiosidade da vinculação entre colonização e imigra-
dos colonos ajudaram a superar as dificul- ção. Nesse sentido, a proposta para organi-
dades e cultivar a terra brasileira com van- zação de um Conselho de Imigração apre-
18 O autor comentou os conflitos
tagens – fato que viu demonstrado nos re- sentada ao Ministério da Agricultura, Co- entre católicos e protestantes
(algo bastante comum durante
sultados obtidos nas colônias já existen- mércio e Obras Públicas, em 1868, por o Império em razão do poder
tes, dando bom exemplo aos vizinhos bra- Joaquim Maria de Almeida Portugal con- temporal da igreja católica) e
acentuou os desentendimentos
sileiros. No ano seguinte, 1847, juntamen- tém uma inusitada crítica à imigração de entre colonos e administrado-
te com Júlio Koeller, apresentou um Me- coolies associada à catequese dos índios, res (brasileiros), além dos pro-
blemas relacionados às condi-
morial ao imperador Pedro II com proposta que antecede a conclusão do autor em prol ções precárias de localização.
O Relatório foi publicado na
de constituição de uma companhia coloni- da imigração oriunda das Ilhas Britânicas. Revista de Imigração e Coloni-
zadora para trazer imigrantes da Alema- Após mencionar a “posição crítica” da zação (ano IV, no 2, 1940,
pp. 236-43). É importante
nha, usando os mesmos argumentos encon- imprensa estrangeira sobre a “emancipa- observar que, nesse documen-
to, estão evidenciadas as si-
trados em escritos brasileiros da mesma ção da escravatura”, o problema a discutir tuações de crise que se torna-
época. De acordo com o Memorial (19), a riam mais comuns nas áreas
coloniais após 1850 – dando
iminência do fim do tráfico representa sé- “deve se fixar no povo que melhor póde margem a representações bas-
ria ameaça à lavoura, já comprometida por convir, e como sobre esse assumpto ulti- tante distanciadas do colono
ideal. Cf. Seyferth, 1999b.
um regime escravista cujo capital reverte mamente appareceu um folheto com o títu-
19 O Memorial de Kalkmann e
para a compra de escravos, sendo urgente lo de ‘A crise da Lavoura’, apresentando os Koeller foi publicado na Revis-
ta de Imigração e Coloniza-
a “substituição do braço cativo por braços Coolies como a immigração a mais fácil, a ção (ano IV, no 2, 1940, pp.
livres”. O capital investido no tráfico po- mais conveniente e a mais profícua, eu di- 244-52). O Memorial exem-
plifica o interesse de estrangei-
deria ser usado positivamente, para cha- rei que, considerando a corrente da Immi- ros na formação de empresas
mar a imigração branca livre e industriosa, particulares para obter conces-
gração espontanea como o termo emergente
sões de terras devolutas com a
que daria ao país cidadãos exemplares, e ao de todos os nossos esforços, e não tendo até finalidade de colonizá-las com
imigrantes europeus, desde
imperador súditos fiéis. Sem qualquer re- hoje a raça asiátia apresentado a menor que essa possibilidade surgiu
ferência à cor, os escravos são desqua- tendência ou symptoma de seu desenvolvi- na legislação (inclusive provin-
cial) a partir de 1845.
lificados como “trabalhadores estúpidos”, mento, por qualquer forma que seja, não
20 No texto de Kalkmann figuram
“brutos” e “precários”; a escravidão e o que sei como possâmos admitir a possibilidade outros temas comuns na discus-
são da questão imigratória,
se chama de “falta absoluta de medidas de entreter uma immigração cuja inefficacia como a crítica ao poder tempo-
permanentes e dignas de confiança” (isto n’este ponto fica provada nas próprias pa- ral da igreja católica (com o
conseqüente discurso sobre li-
é, uma legislação favorável ao imigrante) lavras do escripto, ‘A crise da Lavoura’. berdade religiosa), à permanên-
são apresentados como os verdadeiros im- Se tivessemos procurado colonizar essa cia do tráfico de africanos e do
próprio regime escravista, e às
pedimentos ao progresso da imigração. centena de milhares de nossos conterraneos dificuldades da naturalização.

REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002 123


que vivem no barbarismo, inúteis à socie- mente referida ao trabalho, exclui os afri-
dade, alheios à civilização e ao Christia- canos do contexto imigratório. Podia haver
nismo, por certo que a Immigração dos alguma dúvida quanto à eficiência dos
Coolies poderia aproveitar, plantada ou coolies, apesar dos pressupostos da inferio-
distribuída por entre essas colonias, por elles ridade contidos na configuração do povo
povoadas; mas, nas circumstancias em que chinês através de estigmas associados a
nos achamos, ella sómente viria entorpecer falhas do caráter vinculadas à idéia de raça:
ou retardar esse desenvolvimento que o Paiz preguiça, tendência ao roubo, desrespeito
precisa, e que nasce e se desenvolve com a sistemático às leis e tribunais, etc. (23).
concorrência de braços laboriosos, e con- Além disso, está presente o princípio de
venientemente educados. Para aproveitar- exclusão pela filiação religiosa enunciado
mos os Coolies devemos aspirar que maior nas referências à catequização:
auxílio se preste ao assumpto da cathechese.
[…] “[…] pode esta immigração (chinesa)
Attendendo pois a estas circunstâncias, é porventura convir-nos tal e qual correm as
evidente que a Immigração dos Coolies não cousas no nosso Paiz? Certamente não.
nos pode convir” (21). Mais tarde, poderá talvez ella servir-nos;
21 Transcrito da proposta para a
mas isso só quando a catechese estiver mais
organização de um Conselho A redação, ambígua quanto a seus pres- desenvolvida, e a Immigração Européia es-
de Imigração, apresentada por
Joaquim M. de Almeida Portu- supostos raciais, não representa, simples- tabelecida espontaneamente” (24).
gal (1868), publicada na se- mente, mais uma opinião contrária à imi-
ção “Documentos Históricos”
da Revista de Imigração e gração chinesa (objeto de grande polêmica A inquietude com a situação do país
Colonização (ano V, n o 1,
1941, pp. 112-3). no período que antecedeu a abolição da expressa a dificuldade de atrair a imigra-
22 Havia propostas para trazer escravidão (22)). O autor vai além disso, ção espontânea de europeus e, principal-
coolies, atendendo à deman- considerando a catequese dos índios um mente, a falta de mobilização do poder pú-
da de mão-de-obra nas fazen-
das de café. Não foram cogi- processo civilizatório de menor custo, exi- blico para a questão indígena e algumas
tados para participar dos pro-
jetos de colonização com pe-
gindo menos cuidados e com maior provei- posições favoráveis à vinda dos coolies,
quena propriedade familiar; e to para o país do que qualquer investimento claramente influenciadas pela presunção da
mesmo os que estavam de acor-
do com a vinda de chineses na vinda de chineses. inferioridade dos asiáticos, incluídos no
queriam uma imigração tempo- Índios “conterrâneos” e chins, portan- mesmo tipo racial dos índios. Insinua-se,
rária. Na verdade, os chins ou
coolies (termos mais freqüente- to, aparecem nesse discurso na condição de aí, a imagem negativa de um aumento da
mente usados para designar os
chineses) eram considerados “raças semelhantes”; e a catequese, como população a ser civilizada à maneira oci-
raça bastarda, e o “perigo parte substantiva da civilização, apresen- dental-cristã, tornando a serventia futura
amarelo”, tantas vezes mencio-
nado no discurso imigrantista, ta-se mais facilmente aplicável às tribos dos chineses uma dissimulação apensa à
era associado às possíveis con-
seqüências sobre o processo de
indígenas que já estão dentro do território maior regularidade de entrada de gente da
formação do povo pela misci- nacional, algumas aldeadas pela “perseve- Europa. Daí o exercício de convencimento
genação. Cf. Azevedo, 1987;
Seyferth, 1991. rança apostólica” dos missionários. Essa para o governo brasileiro se empenhar no
23 A lista das “falhas” da raça é imagem reforça a dupla desqualificação dos agenciamento de imigrantes no Reino Uni-
bem maior em outros textos da chineses (e, por tabela, também a dos ín- do, especialmente na Irlanda e na Escócia
mesma época, mais propensos
aos determinismos biológicos: dios), através da pretensa inferioridade ra- – “corajosos”, de “natureza forte e robus-
“espantosa anomalia” que traz
consigo o “vírus da imoralida-
cial e do distanciamento cultural externado ta”, “ativos, empreendedores, dados à la-
de”, conforme Menezes e Sou- através de um problema de natureza religi- voura e industriosos”, facilmente sujeitos
za (1875).
osa (a possível dificuldade com a cateque- aos “regimens coloniais”. Antes de deline-
24 A negativa baseia-se em maté-
ria do New York Times sobre a se). Finalmente, apelando pra exemplos de ar a proposta de regulamento do Conselho
situação de trabalho dos coolies outros países que se valeram do trabalho de Imigração, definido como “o centro de
em Cuba, “obrigada a recorrer
a esse systema de escravidão, dos coolies (como Cuba e Peru), afirma-se, todo movimento e fiscalização do serviço
em conseqüência da cessação
do tráfico de africanos”. Essa é
com certa ênfase, que a “raça chim-india- de imigração, colonização e catequese”,
uma das poucas menções ao na” só pode ser considerada mais industrio- expõe a preferência pelos súditos do rei da
regime escravista, usada para
desqualificar os chineses. Cf. sa quando comparada às “raças africanas”. Inglaterra que estavam emigrando para os
Revista de Imigração e Coloni- Não há uma hierarquização racial explíci- Estados Unidos. Observa-se no texto de
zação (ano V, no 1, 1941, p.
114). ta, mas a forma retórica adotada, aparente- Joaquim Maria de Almeida Portugal a

124 REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002


mesma diligência reformista e os mesmos elite ao restabelecimento do tráfico, com
argumentos usados vinte anos antes pelo aumento da “africanização” da sociedade e
visconde de Abrantes para justificar a op- da cultura; não podiam receber a catego-
ção pela imigração alemã. O horizonte de rização de imigrantes.
ambos não é a grande propriedade escra- A mesma forma de exclusão encontra-
vista e, conseqüentemente, a questão da se no discurso de alguns abolicionistas –
substituição do trabalho escravo diante do caso de Joaquim Nabuco, que ressaltou o
fim do tráfico, mas o modelo colonizador papel do negro escravo no desbravamento
de ocupação territorial num formato próxi- do território e na formação econômica, mas,
mo ao que estava ocorrendo nos Estados com retórica nada ingênua, observou que,
Unidos e na Austrália. Nesse contexto, o no Brasil, dado o formato da africanização
colono não é percebido apenas na sua con- associada à escravidão, o “caos étnico foi o
dição de trabalhador rural, mas visualizado mais gigantesco possível” (Nabuco, 1977,
como um pequeno produtor e portador de p. 159), observação atrelada, por um lado,
civilização. Escravos, ex-escravos, negros, à crítica ao regime escravista (causa de todos
mulatos, enfim, as camadas inferiores (li- os males do crescimento do país) e, por
teralmente) da sociedade estavam automa- outro, à convicção da inferioridade da “raça Os Emigrantes,
ticamente excluídas, inclusive no debate negra” (de instintos bárbaros, desenvolvi-
sobre imigração preferencial. Recorrer a mento mental atrasado e supersticiosa). A
óleo de
trabalhadores africanos equivalia para essa imigração européia, metaforizada como Daumier

REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002 125


“corrente de sangue caucásico vivaz, enér- gração desde a década de 1890, entram em
gico e sadio”, é a solução para a formação cena, de forma exasperada, os debates so-
do Brasil pós-abolição – o que leva Nabuco bre o tipo nacional (algo diretamente liga-
a descartar, por impropriedade, a “onda do à noção morfológica de raça) e a ques-
chinesa com que a grande propriedade as- tão da assimilação associada à formação
pira viciar e corromper ainda mais a nossa nacional.
raça” (Nabuco, 1977, p. 202).
A legislação, de certa forma, também
possui suas ambigüidades: nas leis maio-
res raramente existem referências raciais, MESTIÇAGEM, POLÍTICA
mas elas estão subsumidas no substantivo
imigração, cujo significado genérico reme- IMIGRATÓRIA E PRESSUPOSTOS
te a europeu. De qualquer modo, as indica-
ções mais diretas do privilegiamento dos DA LATINIDADE
imigrantes europeus (ou brancos) são en-
contradas, sobretudo, nas autorizações para Apesar da maior abrangência pretendi-
formação de empresas colonizadoras e nos da para a colonização com pequena proprie-
contratos com agenciadores. O privilegia- dade, evidenciada pela fundação de algu-
mento da Europa, imaginado “celeiro de mas colônias no Rio de Janeiro, São Paulo,
imigrantes” no Império e na República, não Espírito Santo e Minas Gerais, foram as
significou uma abertura irrestrita a essa províncias do Sul que, desde a década de
imigração: na legislação são especificados 1840 (25), investiram na vinda de imigran-
os indesejáveis (incluindo os brancos) – tes, apoiadas pelo governo imperial. As
desordeiros, criminosos, mendigos, vaga- motivações econômicas e a apregoada ne-
bundos, portadores de doenças contagio- cessidade da ocupação do território preva-
sas, profissionais ilícitos, dementes, invá- leceram nas determinações colonizadoras,
lidos, velhos, etc., constantes, por exem- mas a intensificação do processo imigrató-
plo, do Decreto 9.081, de 1911, que regu- rio suscitou o debate sobre a assimilação
lamentou o Serviço de Povoamento (e nos dos ádvenas, essencialidade do nacionalis-
decretos que o antecederam). Ciganos, mo confrontada, especialmente, com a
ativistas políticos, apátridas, refugiados imigração alemã. Três fatores ajudaram a
também figuraram em muitas listagens de engrossar os argumentos assimilacionistas
indesejáveis (especialmente depois da Pri- contrários à presença germânica no Sul: a
meira Guerra Mundial). Restrições expli- primazia nas estatísticas da colonização até
citamente racistas, porém, foram menos meados da década de 1870, a concentração
comuns, aparecendo de forma clara no em colônias relativamente homogêneas
Decreto 528, de 1890, que dificultou a en- localizadas no Rio Grande do Sul e Santa
trada de “indígenas da Ásia ou da África”, Catarina, as propostas para incrementar a
dispositivo que desapareceu na nova regu- imigração apresentadas por alemães, bem
lamentação da imigração, constante do como os textos de propaganda produzidos
decreto que criou a Diretoria Geral de Po- por administradores ligados a empresas
voamento em 1907, pouco antes de iniciar- colonizadoras (editados na Alemanha).
se a imigração japonesa. Os dados referentes às entradas de imi-
25 Através do Ato Adicional de Os princípios de colonização européia grantes durante o Império apontam para a
12/8/1834, a colonização
estrangeira passou para a com- vigentes no Império pouco mudaram de- maior relevância numérica dos portugue-
petência das províncias – apre-
sentada como “soluções” para
pois da abolição, apesar da crítica republi- ses (26), e após 1875 os alemães foram
o problema imigratório. A Lei cana à concentração de europeus no Sul – amplamente superados pelos italianos.
de Terras de 1850 manteve
essa descentralização. vista como pecado mortal da política Entretanto, os núcleos coloniais com pre-
26 Sobre a distribuição dos fluxos imigratória brasileira. O binômio imigra- dominância de colonos de origem alemã,
imigratórios para o Brasil até a ção-colonização persiste na legislação re- até porque eram mais antigos, ganharam
década de 1950, ver: Diégues
Junior, 1964. publicana; mas, nos discursos sobre imi- notoriedade nacional e internacional, apre-

126 REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002


sentados com o brilho do progresso em entre brancos e negros, mas a suposição da
textos brasileiros bilíngües veiculados nas inferioridade dos negros levou à proposi-
exposições internacionais (como em Vie- ção de “concentrar” – isto é, separar os
na, 1873, e Filadélfia, 1876). Essa notorie- imigrantes no regime de colonização, res-
dade visava incrementar a imigração, mas tando aos grandes proprietários de terras
deixou em evidência a diversidade cultural procurar gente de cor para o trabalho servil
dos lugares povoados por colonos extre- ou dividir suas propriedades em lotes da-
mamente distanciados do ideal brasileiro dos exclusivamente para trabalhadores
de nação e dos quais se exigia a assimila- brancos (28). Essa maneira de pensar a
ção. Por essa razão, os projetos que visa- questão imigratória não apresenta grandes
vam ao aumento da colonização alemã, divergências em relação aos brasileiros
apresentados ao governo imperial, recebe- influenciados pelo modelo colonizador
ram críticas porque falavam em imigração norte-americano. Mas a perspectiva do iso-
em massa, sugerindo reformas nem sem- lamento dos alemães em colônias homogê-
pre aceitáveis para certos setores do naci- neas, com liberdade religiosa para os pro-
onalismo – caso da liberdade religiosa. A testantes, enunciada, inclusive, por algu-
proposta de colonização de Kalkmann e mas lideranças emergentes nos meios teuto-
Koeller, já citada, é um bom exemplo, as- brasileiros, resultou numa reação naciona-
sim como o plano de Oscar von Kroppf, lista de setores contrários à imigração ale-
incluído na correspondência entre a Lega- mã e preocupados com a formação católica
ção Imperial do Brasil nos Estados Unidos e latina do país.
e a Secretaria de Negócios Estrangeiros do Vários alemães radicados no Sul do
Império relativa ao ano de 1866. Kroppf Brasil escreveram textos de propaganda
viveu no Brasil entre 1851 e 1854, passan- (principalmente folhetos e livros sobre as
do por diversos núcleos coloniais; no tex- colônias) para atrair compatriotas para pro-
27 A utilização da mão-de-obra
to, emite opinião sobre a importância da jetos coloniais. Os textos falam do progres- imigrante em fazendas de café,
imigração em massa para o desenvolvimen- so dos núcleos já existentes, das possibili- no regime de parceria, iniciou-
se com a experiência do sena-
to do Brasil, sugerindo esforços para atrair dades de acesso à terra e dão instruções dor Vergueiro em sua fazenda
de Ibiacaba (SP), na década
gente da Alemanha. Segundo seu raciocí- consideradas “úteis” para potenciais emi- de 1840; as péssimas condi-
nio, na Europa só existe emigração em gran- grantes. Destacam-se as publicações de ções de trabalho e os contra-
tos desfavoráveis resultaram em
de escala das ilhas britânicas (irlandeses e Karl von Koseritz (alemão naturalizado uma revolta dos colonos, de-
pois relatada em livro publica-
ingleses) e dos países germânicos; como os brasileiro, jornalista e o mais importante do na Europa por Thomas
britânicos se dirigem prioritariamente para político teuto-brasileiro do Rio Grande do Davatz, um dos participantes,
em 1859 (cf. Davatz, 1941).
as possessões coloniais ou para os Estados Sul durante o Império), de Hermann Blu- O livro teve repercussão na Ale-
Unidos, a imigração para o Brasil só pode menau (o fundador da principal colônia do manha, servindo à propagan-
da contra a imigração para o
vir da Alemanha, que não tem colônias. Vale do Itajaí, em 1850) e Ottokar Doerffel Brasil. Por outro lado, a Prússia,
mais ou menos na mesma épo-
Para atraí-los (“desviá-los” da América do (o fundador do mais antigo e influente jor- ca, criou empecilhos à vinda
Norte) sugere, como indispensável, a igual- nal teuto-brasileiro, o Kolonie Zeitung, de dos seus cidadãos – depois
revogados apenas para as
dade de direitos civis e de religião; e vai Joinville) (29). Embora o efeito desse tipo províncias do Sul. Esses fatos
possivelmente influenciaram as
além, afirmando que a imigração não deve de propaganda tenha sido pouco significa- propostas de colonização do
ser atrelada à substituição do braço escravo tivo, e apesar de os textos apresentarem uma tipo apresentado por Kroppf.
nas grandes propriedades, dada a impossi- espécie de visão do paraíso, com avaliação 28 A correspondência de Joaquim
Maria N. Azambuja (da Lega-
bilidade de convivência da escravidão com positiva especialmente das províncias me- ção Brasileira nos Estados
o trabalho livre (27), justificada pela su- ridionais, a pretensão de ampliar o fluxo Unidos), incluindo o plano de
Oscar von Kroppf, foi publica-
posta incompatibilidade social entre bran- germânico para uma região específica do da na Revista de Imigração e
Colonização (ano I, n o 2,
cos e negros. Tal incompatibilidade é apre- território nacional foi interpretada como ato 1940).
sentada em termos de um grande distancia- imperialista e um risco para a unidade na- 29 A literatura laudatória sobre as
mento “intelectual”, mais visível quando cional, dando origem à expressão “perigo colônias é numerosa e nela
também se inscrevem os textos
ambas as raças são obrigadas a viver e tra- alemão”. de propaganda, que existiram
balhar em comum. Não há referências tipo- Pode-se dizer que esses escritos produ- durante quase todo o proces-
so imigratório. Cf. Seyferth,
lógicas, de base morfológica, na distinção zidos por alemães, fossem eles propostas 1988.

REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002 127


relacionadas à instalação de colônias ou propaganda já mencionados, e nos inúme-
textos de propaganda, ajudaram a reforçar ros relatos histórico-descritivos sobre as
o discurso assimilacionista desde meados colônias, alimentou mais o discurso
do século XIX, e nele estava implícito uma assimilacionista do que as diferenças cul-
crítica ao princípio da colonização patroci- turais, observáveis nas comunidades, pois
nada pelo Estado, que permitia a localiza- foi inúmeras vezes recriada na imprensa e
ção compacta de estrangeiros afastados do na literatura teuto-brasileira até o Estado
convívio com a sociedade nacional. Embo- Novo. Os primeiros jornais em língua ale-
ra nem sempre aparente, esse discurso vin- mã surgiram em Porto Alegre e no Rio de
cula-se à “questão racial”. Janeiro, em 1852 e 1853; logo depois, cons-
A política de colonização privilegiou a tituiu-se uma imprensa relativamente in-
localização de europeus, sendo conjuntural fluente nas colônias mais importantes.
a primazia dos suíços e alemães na primei- A matéria da primeira página do núme-
ra fase do processo de implantação de co- ro piloto do jornal Kolonie Zeitung, criado
lônias; e a distintividade estava baseada na por Ottokar Doerffel na então colônia D.
qualificação de agricultor. Ninguém pare- Francisca (SC) em dezembro de 1862,
cia duvidar da capacidade de trabalho dos exemplifica a etnicidade incômoda. A situa-
alemães (elemento que, depois, seria usa- ção de minoria nacional, com a conseqüen-
do como componente da identidade teuto- te perda de identidade, e a necessidade de
brasileira), e havia certa unanimidade quan- construir outra no contexto colonial, vin-
to à suposição de inferioridade racial dos culada à noção de pátria, sempre cara aos
africanos (evidenciada no debate sobre o nacionalismos, estão bem delineadas no
fim do tráfico e da abolição) e asiáticos – editorial. Entre outras coisas, diz Doerffel:
grupos sistematicamente desqualificados
para imigração. A imigração alemã come- “Pátria![…]
çou a ser considerada inconveniente ao país A verdadeira pátria, com as suaves recor-
quando começaram os conflitos – princi- dações de nossa juventude, com tudo aqui-
palmente aqueles motivados por razões lo que se nos tornou caro pela educação e
religiosas ou étnicas – e ficaram evidentes pelo hábito do dia-a-dia nós a deixamos
as distintividades atribuídas a pertenci- longe […] E a nova terra, na qual construí-
mento nacional. O historiador Heinrich mos o nosso lar e à qual ligamos toda a
Handelmann, defendendo o germanismo nossa existência? Esta nova terra ainda não
dos colonos, mencionou desavenças étni- se tornou pátria para nós. Ela parece ainda
cas entre colonos e brasileiros em Petrópolis não querer nos aceitar como seus filhos e
(RJ), envolvendo, inclusive, um padre ale- quanto mais profunda a afetividade com
mão. A proximidade da corte deu certa que a ela nos tentamos ligar, mais nos sen-
notoriedade a essas crises, em parte moti- timos estranhamente repelidos […] Real-
vadas pelas identidades nacionais envolvi- mente embaraçosa e desalentadora situa-
30 Conflitos desse tipo ocorreram
das, em parte devido à filiação religiosa da ção a nossa, quando – feito apátridas – não
em várias regiões, principal- maior parte dos colonos (que pertenciam à sabemos, por assim dizer, a quem perten-
mente onde havia população
majoritariamente protestante, religião evangélica luterana) (30). Segun- cemos!
como em Blumenau. Ali o go- do Handelmann (1931) as autoridades bra- Mas não, caros leitores! Exatamente esta
verno provincial manteve
Hermann Blumenau na direção sileiras deveriam respeitar os valores cul- nossa situação poderá se tornar bastante
da colônia, mas sua adminis-
tração foi marcada pela tensão turais dos colonos se desejassem prosse- feliz, se nós mesmos não falharmos. Com
com o pároco católico direta- guir com a imigração alemã. vontade firme e perseverança conseguire-
mente nomeado pelo Papa –
daí as constantes reivindicações No Sul, na mesma época (final da déca- mos reatar as relações com a velha pátria,
sobre liberdade religiosa duran-
te o Império. A presença de
da de 1850), surgiram as primeiras mani- […] torná-las cada vez mais vivas e assim
imigrantes não-católicos era festações escritas da etnicidade teuto-bra- ampliar, por assim dizer, a velha pátria até
considerada um problema de
assimilação, embora a maio- sileira que conduziram ao incensamento do nós – não no espaço, decerto, mas espiritu-
ria dos imigrantistas exigisse o germanismo (Deutschtum). A retórica almente. Atuando contínua e persistente-
fim do poder temporal da Igre-
ja Católica. germanista, também presente nos textos de mente, de acordo com a nossa índole e o

128 REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002


nosso espírito germânico, haveremos de sores do modelo de colonização das terras
conseguir também o respeito e o afeto da públicas ligados ao Ministério da Agricul-
nova pátria […]. tura do Império – caso do conselheiro João
A fundação deste jornal se deve, primordi- Cardoso de Menezes e Souza que, numa
almente, ao desejo de contribuirmos para listagem das nações européias que podiam
que todos os imigrantes alemães que esco- “fornecer emigrantes mais aptos e em mai-
lheram o Brasil meridional e, principalmen- or cópia”, não atribuiu grande importância
te, a província de Santa Catarina para se ao problema da assimilação, ou mesmo à
estabelecerem, aqui encontrem, realmen- miscigenação. O autor até comete um equí-
te, uma nova pátria, sem que isso implique voco comum na época, confundindo nação
na perda de sua antiga pátria” (31). e raça (usados em sinonímia); mas sua de-
finição do melhor imigrante passa pela
Aqui, a construção de uma nova identi- imagética da capacidade produtiva e das
dade está atrelada a dois pertencimentos qualidades morais. Elege os alemães como
“pátrios” – algo absolutamente estranho os mais convenientes, apelando para seu
para um nacionalismo assimilacionista – sucesso nos Estados Unidos e em colônias
com destaque para a “índole” e o “espírito” de Santa Catarina e Rio Grande do Sul,
germânico (próprios da percepção do jus apesar de reconhecer que, por seu “cará-
sanguinis). Essa identidade, que logo as ter”, a fusão com os ramos da “raça latina”
lideranças coloniais denominaram teuto- é muito lenta (Menezes e Souza, 1875, pp.
brasileira, surgiu para marcar as distintivi- 403-5). Portanto, não incomodava ao con-
dades étnicas da população de origem selheiro aquilo que chamou de “estabeleci-
germânica num contexto social em que a mento por aglomeração” próprio dos colo-
maior parte dela não tinha direitos de cida- nos alemães – “povo de mais rectos e pro-
dania, sujeita à administração colonial, o videntes instinctos em relação ao estabele-
que explica o formato retórico da matéria cimento nos paizes para onde emigra”
acima citada. Deixando de lado a formação (Menezes e Souza, 1875, p. 399). O tema
da etnicidade teuto-brasileira, deve-se ob- da miscigenação, porém, aparece com cer-
servar que o distanciamento cultural (mar- ta virulência na desqualificação dos coolies
cado pela continuidade do uso cotidiano da e chins – isto é, na recusa à imigração asiá-
língua alemã e pela presença protestante) e tica em nome da suposta degeneração mo-
a ideologia germanista, depois codificada ral e física que poderia resultar do “cruza-
na imprensa pelo termo Deutschtum, deram mento racial” com a população brasileira.
motivação ao discurso assimilacionista e à As formas de exclusão incluem determi-
conseqüente desqualificação da imigração nantes raciais, especialmente quando a
alemã. Isso remete a um desvio na concep- desqualificação assume o imponderável
ção do imigrante ideal no final do século biológico da desigualdade. 31 Kolonie Zeitung , J.1,
Probenummer, 20/12/1862,
XIX, definido como aquele que melhor se A aglomeração de pessoas da mesma p. 1. Conforme tradução de
deixa assimilar. Nos idos de 1850 ou 1860, origem nacional no Sul do país tornou-se Elly Herkendorf (Arquivo Histó-
rico de Joinville).
assimilar significava uma adequação do fator de crítica ao modelo colonizador do
32 Os termos do debate na versão
estrangeiro à formação latina e católica do Império quando a formação racial do Bra- imigrantista – que situou os inte-
país, mantendo-se, por certo, a opção prefe- sil passou a ser mais diretamente acordada resses da colonização com
imigrantes europeus acima do
rencial pelos brancos, agora, da Península à política imigratória, presentes os mesmos nativismo e sua preocupação
com uma improvável ocupação
Ibérica e da Itália (32). Protestantes e nações princípios de exclusão de asiáticos e afri- germânica no Sul do Brasil –
avessas à assimilação passaram à condição canos. Princípios que começaram a ser fi- podem ser observados no livro
de Augusto de Carvalho. Nos
de indesejáveis, especialmente quando o xados no pensamento social brasileiro no termos desse autor, “o estran-
geiro, inteligente e activo, que
conceito incorporou uma dimensão racial, âmbito da discussão sobre o tráfico e a trabalha e edifica no paiz, é
qual seja, um ideal específico de miscigena- abolição – o fim da escravidão considerado mais brasileiro do que o nacio-
nal, que, vivendo na indolên-
ção associado à imigração branca. imprescindível para impulsionar a civili- cia, nada faz, quer moral, quer
O relativo isolamento dos colonos es- zação do país através da introdução de materialmente, para o engran-
decimento da pátria” (Carva-
trangeiros não parecia preocupar os defen- imigrantes. Nesse contexto, um autor como lho, 1874, p. 210).

REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002 129


Perdigão Malheiro, que escreveu uma obra esse prisma imagina, a longo prazo, uma
legalista sobre a escravidão no Brasil, pu- ação seletiva agindo na sociedade, cujo
blicada em 1866-67, já usava um conceito efeito seria a “depuração” gradativa dos
de raça, talvez de concepção mais genea- mestiços fazendo prevalecer as caracterís-
lógica e vinculada à idéia de nação, para ticas da raça branca. Trata-se da tese do
expressar a desigualdade dos não-brancos, branqueamento racial, calcada na idéia da
sem maiores referências a critérios de na- formação étnica e histórica dos povos me-
tureza biológica ou fenotípica (apesar do diterrâneos (eles próprios plasmados pela
uso das categorias designativas da cor da mestiçagem). Romero ressalta a colabora-
pele). Para ele, a necessidade de braços (in- ção dos negros e índios na formação do
clusive para a colonização), num sentido país e destaca o peso da cultura e do caráter
civilizatório, deve ser suprida por gente lusitano, bem como seu “pendor” para o
livre, mas não por negros ou chineses: cruzamento – “produtor dos mestiços de
todos os graus que formam a grande maio-
“Houve já quem se lembrasse da introdu- ria da população brasileira”. Para o autor,
ção de negros livres (33). Basta, porém, o a população mestiça, majoritária,
elemento que existe entre nós; fiquem eles
na África, que bem precisa, e tal parece ter “[…] tem amalgamado os elementos que a
sido o seu destino. Falou-se em coolies formaram e tende a fundi-los cada vez mais
(caulis) ou índios da Ásia; porém índios intensamente. Com a extinção do tráfico
também temos nós […]. de africanos, o gradual desaparecimento dos
É outra a raça que devemos preferir. Con- índios e a constante entrada de europeus,
vém insistir na imigração da raça Européia” poderá a vir predominar no futuro, ao que
(Malheiro, 1976, pp. 140-1). se pode supor, a feição branca em nosso
mestiçamento fundamental inegável” (Ro-
“Raça alemã”, “raça européia”, enfim, mero, 1949, I, p. 282).
brancos, não importa o modo de designá-
los, eram categoricamente definidos pela Aí está a expressão mais acabada das
“utilidade” e pelas “necessidades” civili- condições de formação do povo: a mesti-
zatórias, sem suscitar quaisquer inquieta- çagem pensada como verdade antropoló-
ções sobre a formação nacional ou proces- gica insofismável que influenciou o cará-
sos assimilacionistas. ter nacional em todas as suas dimensões,
Nas vésperas da Abolição, contudo, inclusive a literária, não obstante o sentido
emerge a questão da mestiçagem, influen- de inferioridade presente na sua concep-
ciada por diversos racismos europeus com ção, de certa forma superável pela possibi-
prestígio do cientificismo, investigada por lidade futura do branqueamento fenotípi-
33 Alusão ao debate sobre o tráfi-
co negreiro na década de alguns próceres do pensamento social, so- co. Tal possibilidade de conformação do
1830, mencionando um traba-
lho de Moniz Barreto (Memó- bretudo quando o assunto é o modelo de tipo brasileiro, porém, é duplamente con-
ria sobre o Tráfico) e a propos- colonização imperial e, nele, a preferência dicionada: à diminuição dos cruzamentos
ta parlamentar de Holanda
Cavalcanti. Perdigão Malheiro pela imigração alemã. Na perspectiva “et- das duas raças inferiores entre si (que re-
também não queria nova ver-
são do tráfico, eufemismo para
nológica” de Silvio Romero – delineada a sultaria no desaparecimento “natural” de
impedir uma possível imigração partir de 1880 e enfaticamente reafirmada negros e índios) e ao aumento dos cruza-
africana. Cf. Malheiro, 1976,
II, p. 140. em 1888 (História da Literatura Brasilei- mentos com indivíduos da raça branca.
34 Fundador da Sociedade de An- ra), 1902 (O Elemento Português no Bra- Romero tem opinião bastante negativa so-
tropologia de Paris e autor bas- sil) e 1905 (O Allemanismo no Sul do Bra- bre os efeitos da mestiçagem, atrelando suas
tante citado nos estudos antro-
pológicos e médicos no Brasil sil) – aliás, dominante nas primeiras déca- explicações aos trabalhos do antropólogo
até a década de 1930, pela
sistematização que fez das téc-
das da República, a história do Brasil é uma francês Paul Broca (34), pois acreditava
nicas e procedimentos estatísti- história de mestiçagem, explicada pelos que ela causou a instabilidade moral e a
cos da antropologia física.
Acreditava na desigualdade cruzamentos de três traças, duas das quais desarmonia das índoles, entre outros estig-
das raças humanas e nos prejuí- classificadas por critérios de inferioridade mas atribuídos à inferioridade racial e ao
zos biológicos e sociais da
mestiçagem. biológica e cultural (negros e índios). Sob regime escravista – imaginados obstáculos

130 REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002


na configuração de um ideal nacional. o Brasil tem a definição de país ibero-lati-
Idealizando um modelo de nação plas- no. O argumento que desqualifica os ale-
mado pela mestiçagem, ao qual atribui a mães tem, aparentemente, uma natureza
falta de unidade antropológica (isto é, de política: é o discurso antiimperialista, con-
raça ou étnica), Romero construiu sua ar- denatório do pangermanismo e baseado na
gumentação acerca da imigração mais de- doutrina Monroe, mencionada no opúscu-
sejável para o desenvolvimento nacional lo de 1906 (36). Entretanto, o que importa
condenando a “aglomeração” de europeus é a “desnacionalização”, a diferenciação
no Sul e afirmando a necessidade de espa- cultural, o fato simples da fronteira grupal
lhar imigrantes por todo o território nacio- e da construção da identidade étnica, evi-
nal para evitar o desequilíbrio entre o Nor- denciadas por matérias vinculadas ao
te e o Sul (35). Nesse caso, o melhor imi- Deutschtum, semelhantes às do já citado
grante é aquele que não só se deixa assimi- número inaugural do Kolonie Zeitung.
lar, mas também se integra, pela mestiça- Na mesma década da publicação dos
gem, com os nacionais, cumprindo o de- primeiros trabalhos importantes de Silvio
sígnio do branqueamento. Aqui, assimila- Romero, encontramos matérias na impren-
ção é a mesma coisa que caldeamento ou sa em língua alemã com críticas à perspec-
fusão racial. Daí a conveniência da imigra- tiva da “mistura de raças”, associada à as-
ção lusitana, ou até mesmo da imigração similação dos imigrantes, e ao privilegia-
italiana – segundo seus termos, menos pe- mento “nativista” dos povos latinos em de-
rigosas por serem gentes latinas e mais trimento da colonização alemã. Isso signi-
assimiláveis. Em suma, apesar da centrali- fica que a tese do branqueamento, desde o
dade da miscigenação na definição do ca- início da sua formulação, tornou-se objeto
35 As opiniões de Silvio Romero
ráter nacional, Romero, como outros auto- de discussão de alguns setores teuto-brasi- sobre imigração e o “modo
res da mesma época, estava convencido da leiros, num confronto entre a manifestação desgraçado de colonizar o sul”
estão contidas em dois opús-
inferioridade de negros e indígenas, e da de pertencimento à etnia germânica (ou, culos de retórica xenofóbica e
maioria dos mestiços, fadados ao desapa- mais precisamente, a uma nação alemã panfletária: num deles defen-
de a intensificação da imigra-
recimento no curso da história formativa configurada pelo jus sanguinis, pela cultu- ção portuguesa em conferên-
cia realizada no Real Gabine-
do tipo brasileiro. E quando fala da imigra- ra e pela língua) e os princípios da forma- te Português de Leitura do Rio
ção, seu referencial é a Europa, mais preci- ção nacional brasileira que, além da vincu- de Janeiro (Romero, 1902), no
outro, condena a imigração
samente mediterrânea e com vantagem atri- lação à latinidade, estava assentada na idéia alemã e o pangermanismo,
numa posição claramente
buída aos portugueses pelo papel represen- da miscigenação seletiva (37). Já nessa monroísta (Romero, 1906).
tado nessa história da mestiçagem que, para época exigia-se a imposição da língua por-
36 Deve ser lembrado que a ideo-
seu desconforto, “ainda não tem feição tuguesa nas colônias alemãs como meio de logia imperialista-racial da Liga
Pangermânica suscitou ampla
característica e original”. A tese da conve- acelerar a assimilação, sendo a intolerân- reação na França, Inglaterra e
niência da imigração portuguesa passa lon- cia com as diferenças culturais justificada Estados Unidos, o que explica
o apego de Romero à doutrina
ge das relações com o Real Gabinete Por- com acusações de preconceito: os colonos Monroe. A influência da dimen-
são racista do pangermanis-
tuguês de Leitura. Romero não opõe o ele- alemães são definidos pelo nacionalismo mo, que atribuía superiorida-
mento português aos outros dois elemen- por seu “orgulho de raça”, que os faz pre- de racial aos povos teutônicos,
era evidente em alguns jornais
tos que com ele formaram a nação, mas sim conceituosos e difíceis de absorver. Dessa teuto-brasileiros na passagem
aos “concorrentes novos, inesperados e forma, a identidade étnica, também lastrea- para o século XX – caso do Der
Urwaldsbote , de Blumenau
perigosíssimos, sob o ponto de vista nacio- da num discurso em parte articulado a uma (SC) – que ajudou a construir a
noção de “perigo alemão”.
nal” – vale dizer, a imigração alemã (Ro- noção de raça, que supõe um grau mais
37 A colonização alemão no Sul
mero, 1902), que produziu grupos avessos elevado na hierarquia de nações, conver- foi amplamente criticada pelo
à mistura! A isso chamou de “alemanismo” teu-se no desqualificador da imigração ale- Jornal do Commércio (Rio de
Janeiro), bastante citado por
no Sul: colônias onde a língua oficial por- mã por interferir nos caminhos da preten- Silvio Romero, especialmente
no texto de 1906. Uma das
tuguesa não é falada, que proliferam con- dida formação nacional brasileira. primeiras matérias de jornal
quistando o território, abrindo a possibili- A conversão dos alemães em indesejá- criticando, explicitamente, o
nativismo contido no postula-
dade de secessão. Claramente, situa a etni- veis, com imputação parcial de culpabilida- do racial da assimilação e na
cidade teuto-brasileira no extremo oposto de à política de colonização do Império, imposição da latinidade, saiu
no Blumnauer Zeitung de 26
da pretendida formação histórica, pela qual mostra que o conceito de nação unívoca e de junho de 1886.

REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002 131


Migrantes presumidamente “latina” pela civilização cipalmente italianos) admitidos no primei-
assumiu uma importância crucial na deter- ro decênio após a abolição, em grande par-
europeus na minação do imigrante ideal desde o início te direcionados para São Paulo. Apesar do
América da República. Manifesta-se outro aprioris- pessimismo com a situação racial brasilei-
mo – o crisol de raças e seu significado de ra manifestado por algumas figuras notá-
amalgamar, caldear, fundir, miscigenar, veis nos meios científicos – caso de Nina
enfim, assimilar imigrantes e descendentes Rodrigues –, a crença no ideal de branquea-
para atingir uma totalidade inequivocamen- mento vicejou impulsionada, inclusive pela
te brasileira. Italianos e portugueses (às ve- antropologia, através do trabalho sobre a
zes também espanhóis) figuraram nas mestiçagem escrito por João Batista de
listagem preferenciais, talvez mais os pri- Lacerda, diretor do Museu Nacional. Esse
meiros, pois havia manifestações de aspecto do pensamento social brasileiro foi
antilusitanismo (inclusive nos meios inte- analisado em diversos trabalhos (38), im-
lectuais) no período com maior volume de portando, aqui, ressaltar suas implicações
entradas de estrangeiros (entre 1885 e 1914). no modelo assimilacionista de nação.
O peso atribuído à imigração branca na Nina Rodrigues parte do mesmo princí-
construção da nação tem sua contrapartida pio de Silvio Romero, citando-o: “todo
na legislação e na estatística: a promulga- brasileiro é mestiço, senão no sangue, pelo
38 Sobre a doutrina do branquea-
mento da raça ver, entre ou- ção da lei que impôs restrições à imigração menos nas idéias” (Rodrigues, 1938, p.
tros, Skidmore (1976), Seyferth asiática e africana em 1890 (atenuadas em 117); mas acredita na desigualdade “biosso-
(1985, 1995), Schwarcz
(1993). 1907), e os altos índices de europeus (prin- ciológica” das raças e nas “más condições

132 REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002


antropológicas” do mestiçamento no Bra- configuração atual de um povo cromatizado
sil, descartando a possibilidade do bran- e de baixa estatura (os tipos cruzados ainda
queamento. Mais preocupado com a pato- muito próximos das raças inferiores que
logia racial, e supondo o desequilíbrio ajudaram a formá-los), e o processo lento,
mental dos mestiços, afirma que, no futu- mas inexorável da arianização (40) , com
ro, haverá sempre predomínio dos mulatos aumento do coeficiente branco através da
na população brasileira (cf. Rodrigues, imigração e pelo “estacionamento” da
1938; 1939). A versão de Lacerda (1911, população negra e mestiça. Assim, a imi-
1912) vai no sentido oposto, pois vê na pró- gração tem um papel nesse processo de
pria sociedade os mecanismos seletivos de “arianização”, apesar da ressalva sobre o
“depuração racial” do tipo brasileiro no maior volume de “brancos melanocróides”
sentido do fenótipo branco. Sua tese apre- nas correntes imigratórias (italianos, portu-
goa o tempo de três gerações para ocorrer gueses e espanhóis). O processo de bran-
o retorno ao tipo branco através da mestiça- queamento, portanto, é localizado histori-
gem porque, acredita, a seleção sexual e a camente no Brasil Colônia – vinculado às
ausência de preconceitos raciais arraiga- seleções sociais (outro termo para a seleção
dos conduzem à escolha de cônjuge mais sexual definida por Lacerda) – significati-
claro. Apesar da preocupação com os “ata- vamente articulado à escravidão. A fecun-
vismos” (percebidos como ressurgências didade dos brancos aparece como diferen-
de traços de inferioridade racial), estima o cial de redução dos “sangues bárbaros” e,
desaparecimento dos negros e mestiços (39) numa clara demonstração adicional de ra-
em cerca de cem anos por sua “inade- cismo, afirma que a abolição, em 1888, con-
quação” às condições de vida plenamente correu para retardar a eliminação do Homo
civilizada. Claro que “vida civilizada”, nes- afer. Oliveira Vianna foi defensor da imi-
sa representação, diz respeito ao desenvol- gração européia, não mudou sua opinião
vimento da sociedade brasileira após a abo- sobre a inferioridade racial dos não-bran-
lição da escravatura – um enunciado sus- cos, embora atenuasse a retórica racista na
tentado na idéia de desigualdade biológica. década de 30, expressando-se por eufemis-
O crescimento estatístico da imigração mos; teve grande influência nos assuntos de
européia na república é considerado uma imigração durante o Estado Novo.
espécie de vantagem seletiva por aumentar A mesma retórica sobre a unificação do
o contingente branco da população. tipo nacional aparece em trabalhos volta-
Há dois enunciados nas considerações dos para a política de colonização, como o
sobre a mestiçagem no Brasil que persis- de Joaquim da Silva Rocha, que exerceu
tem em trabalhos posteriores aos de Rome- cargo de chefia no Serviço de Povoamento 39 Baseado em dados censitários
ro, Nina Rodrigues e Lacerda: negros e do Ministério da Agricultura, Indústria e do final do Império e início da
República, Lacerda estimou
índios e seus mestiços são definidos por Comércio. E, como Silvio Romero, acusa que no prazo de cem anos os
negros desapareceriam, os
sua suposta inferioridade biológica (por- os governos monárquicos de “verdadeiro mestiços seriam apenas 3% da
tanto, a desvantagem seletiva é atribuída à descaso pelo futuro da nossa nacionalida- população e os índios 17%.
Cf. Lacerda, 1912 (diagrama
desigualdade racial); e a civilização, obra de” (Rocha, 1919, V. II, p. 9), visto que não com co-autoria de Roquette-
exclusiva do homem branco, é incompatí- procuraram resolver o problema do “tipo” – Pinto).

vel com essa “inferioridade”. No volume termo usado como metáfora para formação 40 O livro, de fato, defende a
economia latifundiária em
que escreveu associado aos resultados do do povo. Mais claramente existe aí não só nome da suposta condição
ariana do colonizador portu-
recenseamento de 1920, Oliveira Vianna o enunciado da assimilação, quando diz que guês que conquistou o territó-
(1938) considerou o Brasil um vasto cam- não deve ser tolerada a preponderância de rio – isto é, os “paulistas” das
entradas e bandeiras! Na mais
po de fusão de raças radicalmente diferen- um elemento étnico sobre os nacionais em perfeita apropriação da tese
ariana de Arthur de Gobineau
tes que produziu um caos étnico, revoltoso nenhum lugar do país, mas igualmente a (que impôs a noção de aristo-
e confuso, de onde vai sair o tipo brasileiro. crença do que a estabilidade do tipo depen- cracia natural) procurou legiti-
mar o poder político e econô-
Especulando sobre os efeitos da mistura, de da integração dos imigrantes. Dessa mico nas mãos da elite de gran-
anuncia a inferioridade das “raças bárba- percepção resulta a condenação (principal- des proprietários. Cf. Oliveira
Vianna, 1938; 1952;
ras” (negros e índios), razão do “caos”, a mente em textos do apêndice) do ingresso Gobineau, 1853.

REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002 133


de elementos provenientes da Ásia, especi- nimo, equilibrada, produzindo civilização,
almente hindus, chineses e japoneses – em grau excessivo, decadência) ajudaram
imaginados obstáculos à unificação do tipo a conformar a idéia de caos étnico mas,
(povo) nacional. paradoxalmente, produziram a retórica
Em todos os trabalhos citados, e em sobre miscigenação seletiva ancorada nas
muitos outros, fica evidente a apropriação estatísticas imigratórias. Não surpreende,
de certas teorias raciais européias funda- portanto, o rumo tomado pelas discussões
das na desigualdade das raças, devidamen- da política imigratória, privilegiando os
te adaptadas para dar conta de uma realida- brancos e condenando – especialmente após
de insofismável – a “excessiva” mestiçagem a abolição – a concentração de europeus no
brasileira. O uso da palavra tipo reflete as Sul facilitada pelo modelo de colonização.
classificações raciais da antropologia da Nesse caso, não há dúvida quanto à defini-
segunda metade do século XIX, que pre- ção da formação nacional, percebida como
tendiam dar conta das linhas de variabili- processo de construção de um povo mesti-
dade da espécie humana postuladas como ço. A mestiçagem, na representação do
leis biológicas irredutíveis. O conceito de caráter nacional, é uma especificidade da
tipo agregou critérios morfológicos e su- nação, algo que não se apaga, mas com o
postos indicadores de qualidades e defei- concurso da imigração européia pode pro-
tos socioculturais, além das vinculações duzir um tipo brasileiro de fenótipo bran-
civilizatórias, num contexto em que medi- co. Não importa muito se tal postulado
das corporais e modelos estatísticos, mais contraria certos dogmas do racismo cientí-
do que outros traços fenotípicos ou crité- fico – entre eles o da tendência esterilizadora
rios geográficos, serviram para classificar da mestiçagem; afinal, tais ideologias dis-
e hierarquizar os grupos humanos. Partin- tinguem-se pelo contraditório e a ciência
do de uma ideologia que afirmava a supe- (ou, no caso, pseudociência) serve a um
rioridade biológica, intelectual e cultural propósito preestabelecido.
dos europeus, muitas dessas teorias preten- Enfim, os pensadores sociais, a elite
diam ter demonstrado que o desenvolvi- imigrantista comprometida com o modelo
mento da civilização, o progresso tecnoló- de colonização baseado na pequena pro-
gico e a própria estratificação social obe- priedade, e os próprios legisladores, ao
deciam a leis naturais. Nesse caso, nem os articular assimilação/miscigenação com
europeus eram imaginados como tipo úni- imigração européia, estavam sinalizando a
co, embora houvesse certo consenso quan- nação pretendida – mestiça, porém com um
to à superioridade européia em geral no con- povo branco na aparência, mantidas as ca-
fronto comparativo com outros troncos racterísticas socioculturais da civilização
raciais (41). latina de língua portuguesa. Nessa confi-
Além dos princípios teóricos e guração, os grupos mais apegados à sua
metodológicos dessa antropologia racial, identidade nacional e considerados, por-
tiveram bom trânsito no Brasil os trabalhos tanto, avessos à mistura e distantes da
da antropossociologia de G. Vacher de latinidade, eram inaceitáveis.
Lapouge (uma das muitas vertentes do No entanto, o padrão republicano de
darwinismo social), a antropologia crimi- colonizar manteve a característica concen-
nal de Lombroso e sua fixação nos efeitos tradora do Império e não impôs obstáculos
do atavismo, além dos ensaios de Gobineau a quaisquer correntes imigratórias brancas:
e Chamberlain com seu panegírico da su- as colônias do Sul continuaram a receber
perioridade ariana tão caro a Oliveira preferencialmente europeus, inclusive os
Vianna. A preocupação com a ressurgência “irredutíveis” alemães, isto é, prevalece-
de atavismos no processo de miscigenação ram as intenções econômicas e geopolíticas
41 Sobre o desenvolvimento da com raças consideradas inferiores, o pos- da colonização, passando ao largo das pre-
idéia de raça no Ocidente, ver: tulado de Gobineau sobre dosagens da tensões assimilacionistas do nacionalismo.
Poliakov (1974); Banton
(1977); Gould (1991). mistura racial (miscigenação em grau mí- Na década de 1930, a “República Ve-

134 REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002


lha” recebeu as mesmas críticas dirigidas à O texto de Afrânio Peixoto, transcrito
política de colonização do Império – acu- sem descontinuidade, faz parte do segundo
sada de permitir “enquistamentos étnicos”, capítulo do livro de ensaios intitulado Cli-
despreocupando-se dos fundamentos da ma e Saúde (1a edição, 1938); é precedido
nacionalidade. Assim, tem sentido o dire- por uma algaravia anti-racista com a qual
cionamento do sistema de cotas de imigra- desautoriza algumas teorias sobre a superio-
ção em 1934, que favoreceu a “formação ridade racial européia, afirmando que a raça
latina” da nação. é uma milenária adaptação ao meio. É des-
necessário dizer que aí está impressa
certa dosagem de neolamarckismo, teoria
bastante usada nos meios acadêmicos bra-
PARADIGMAS DE ENQUISTAMENTO sileiros naquele período, dando suporte a
uma posição pretensamente igualitária acer-
ÉTNICO E A DOUTRINA ca da divisão racial da humanidade. Trata-
se de escolha aleatória, mas representativa,
DA FORMAÇÃO NACIONAL NO do debate sobre raça e racismo na década
de 1930, quando a retórica anti-racista ser-
ESTADO NOVO viu para maquiar a crença no branqueamen-
to futuro do povo brasileiro, afinal apre-
“Se os antropólogos e sociólogos mais si- sentada com os mesmos argumentos circu-
sudos estabelecem que não há raça pura, lares de João Batista Lacerda em 1911. A
senão no sentimentalismo político, isto é persistência desse mito racializado sinali-
patente no nosso tempo e à nossa vista. Um za, também, para os ditames da assimila-
exemplo, o que ocorre no Brasil. O sangue ção e seu corolário, a miscigenação, e suas
autóctone dos índios, assimilado pelos bran- conseqüências no âmbito da política
cos ao norte; o negro importado por toda a imigratória e na vida dos imigrantes e des-
parte. O selvagem desapareceu e o negro cendentes estabelecidos no Brasil, atingi-
não vem mais; o branco vem sempre, e se dos pela “campanha de nacionalização”
reproduz. Em 1869 Gobineau, no Brasil, iniciada em 1937.
vaticinava: ‘as crianças morrem, tal quan- A síntese socioeconômica-racial, ex-
tidade, que em número de anos pouco con- pressa na frase-chave do texto – “a abulmina
siderável, não haverá mais brasileiros’. ‘Em branca depura o mascavo nacional” –, apon-
menos de duzentos anos ver-se-á o fim da ta para a nação desejável, passado o “eclip-
posteridade dos companheiros de Costa se negro”. Ambas as figuras de retórica,
Cabral (sic) e dos imigrantes que o segui- pelas ambigüidades que sugerem, são mais
ram’. Não só o Brasil cresce, e enorme- do que significativas: etimologicamente,
mente, de população; em 72, perto de albumina refere-se à substância presente
Gobineau, éramos 10 milhões, meio sécu- no plasma sangüíneo que se coagula, e eclip-
lo após já 47 milhões…, como as misturas se, no sentido figurado, quer dizer desapa-
raciais se fazem rapidamente. A albumina recimento momentâneo, e na forma verbal,
branca depura o mascavo nacional… Ne- encobrir, esconder (além do sentido mais
gros puros já não há; mestiços, por fraque- óbvio, astronômico, de encobrimento de um
za somática, sensualidade, nervosidade, corpo celeste por outro). Apesar da etimolo-
sensibilidade à tuberculose, ou desapare- gia, o uso simultâneo de estereótipos asso-
cem pela morte precoce, ou se cruzam, ciados às velhas concepções sobre os efei-
sempre com elementos mais brancos: a raça tos deletérios da mestiçagem e a convicção
se aclara. Em duzentos anos, longe de se no “clareamento” da raça pela tendência ao
extingüirem no Brasil os descendentes do cruzamento com elementos brancos reve-
povo de Cabral, terá passado inteiramente lam, inegavelmente, o apego a uma ideolo-
o eclipse negro, desses quatro séculos de gia de desigualdade que, convenientemen-
mestiçagem” (Peixoto, 1975, pp. 15-6). te, afastou-se das explicações mais determi-

REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002 135


nistas pois elas, desde sempre, condenaram citação de H. Hauser. Para o autor, o Brasil
os mestiços à eterna inferioridade. Afinal, à se constituiu pelo caldeamento incessante
condenação de Gobineau segue-se o enun- de brancos, africanos e ameríndios, num
ciado brasileiro sobre a mestiçagem como processo de unificação em que os brancos
processo de redução étnica em que o proble- assimilaram os outros elementos étnicos
ma negro/mestiço é resolvido pelo sumiço formadores. Destaca, portanto, o poder de
(ainda que na forma de eclipse). absorção do elemento branco – o portu-
Na década de 1940, a persistência da idéia guês definido por sua atividade genésica,
de raça na configuração do povo brasileiro mobilidade e adaptabilidade ao clima tro-
pode ser observada no importante trabalho pical e “núcleo da formação nacional” (42).
de Fernando de Azevedo, em grande parte O livro trata da constituição da cultura
dedicado ao tema da cultura e educação. brasileira, e foi editado pelo IBGE acom-
Apesar do seu distanciamento dos princí- panhando os resultados do recenseamento.
pios mais dogmáticos do determinismo bi- A possível analogia com Evolução do Povo
ológico, não escapou de certas explicações Brasileiro, de Oliveira Vianna, publicado
racializadas, referidas à mestiçagem, ainda pouco mais de vinte anos antes na mesma
persistentes no período: situação, se reduz a essa vinculação ao cen-
so. No entanto, a inclusão da raça entre os
“Em um meio como o nosso que se veio “fatores da cultura” – afinal explica-se o
formando, desde o início, com elementos povo pela mestiçagem – mostra a persis-
de várias procedências, indígenas, sobre- tência e ubiqüidade do conceito de raça,
tudo no primeiro século, africanos durante especialmente percebido no final do capí-
trezentos anos, e povos europeus, além de tulo intitulado “O País e a Raça”.
semitas, árabes, sírios e japoneses, esses
em franca proporção, a mistura ou caldea- “A admitir-se que continuem negros e ín-
mento de raças heterogêneas, não antagô- dios a desaparecer, tanto nas direções su-
nicas, é um fato normal, não só útil, mas cessivas de sangue branco como pelo pro-
indispensável à evolução étnica do povo cesso constante de seleção biológica e so-
brasileiro. Não é um problema, mas antes a cial e desde que não seja estancada a imi-
solução natural, o cruzamento dos vários gração, sobretudo de origem mediterrânea,
povos e nacionalidades que entraram na o homem branco não só terá, no Brasil, o
composição étnica do povo e que, sob esse seu maior campo de experiência e de cultu-
aspecto, só viriam constituir problemas ra nos trópicos, mas poderia recolher à velha
quando se manifestassem inassimiláveis, Europa – cidadela da raça branca –, antes
formando ou tendendo a formar colônias que passe a outras mãos, o facho da civili-
maciças, involuindo para suas origens, for- zação ocidental a que os brasileiros em-
mando quistos no organismo nacional” prestarão uma luz nova e intensa – a da
(Azevedo, 1996, p. 69). atmosfera de sua própria civilização” (Aze-
vedo, 1996, p. 71).
Nessa passagem a nação brasileira é,
mais uma vez, peculiarizada pela miscige- De certa forma, a frase não tem nada de
nação, o idioma do branqueamento enun- novo: é a repetição do modelo de nação
ciado na idéia de evolução do povo e na desejado pela “República Velha” com um
42 A ênfase na atividade da pro- condenação dos mais “inassimiláveis”. As enunciado que mostra certa constância do
criação do elemento lusitano e “colônias maciças” ou “quistos” – desig- mito do branqueamento, no vaticínio do
sua adaptabilidade ao trópico
revela a influência de Gilberto nação que remete a um fenômeno patológi- desaparecimento dos “sangues” negro e
Freyre (citado na bibliografia).
Fernando de Azevedo também
co – são evidenciados logo depois, na men- indígena, dependente da continuidade da
atribuiu a intensidade do ção aos “alemães fortemente concentrados imigração de europeus mediterrâneos. Ali-
mestiçamento à ausência de
preconceitos raciais – o mito no Sul” (embora reconhecendo sua peque- ás, a idéia de herança civilizatória com
mais persistente na idéia de na representatividade no cômputo geral das característica brasileira – enfatizando a
formação do povo. Cf. Azeve-
do, 1996, 1a parte, capítulo I. estatísticas imigratórias), a partir de uma peculiaridade latina – também está presen-

136 REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002


te nos trabalhos de J. B. de Lacerda (1911, cial são conceitos associados à imigração
1912). O autor não explicita as outras mãos desde o século XIX mas, paradoxalmente,
que poderiam tomar do Brasil o “facho da as apregoadas necessidades da formação
civilização ocidental”, figura de retórica nacional reforçaram certos postulados ra-
possivelmente referida às estatísticas cistas numa época em que estes eram obje-
imigratórias da América do Sul (43). to de amplo criticismo, apesar da populari-
Articular essa forma explicativa da na- dade acadêmica da eugenia.
ção a resultados do recenseamento tem efei- Na regulamentação do Serviço de Po-
tos sobre a política imigratória que estava voamento através do decreto 6.455, de 19/
sendo gestada para o pós-guerra. Embora 4/1907, depois modificado (em alguns de-
houvesse restrição mais explícita a certas talhes) pelo decreto 9.081 de 3/11/1911, e
correntes imigratórias, que resultaram no na Lei 4.793, de 7/1/1924, manteve-se a
regime de cotas após a revolução de 1930, priorização do imigrante agricultor – por-
a colonização com imigrantes era prioritária tanto, aquele que, potencialmente, podia
para o governo federal e essa prioridade se ser mais bem-sucedido no sistema de colo-
apresenta na própria legislação. Significa- nização – através da definição dos subsí-
tivamente, no capítulo sobre a raça Azeve- dios (basicamente a cobertura das despe-
do menciona a baixa densidade populacio- sas de viagem e hospedagem, pela União,
nal de certas partes do território (notada- para os “agricultores constituídos em fa-
mente a Amazônia e o Centro-Oeste) para mília”); ao mesmo tempo, a legislação abriu
dizer que o povoamento é o grande proble- espaço para maior atuação de empresas co-
ma brasileiro e a imigração (branca/medi- lonizadoras que recebiam concessões de
terrânea) uma das possíveis soluções. terras devolutas visando ao assentamento
A colonização continuou recebendo de colonos estrangeiros e nacionais. Nessa
prioridade, ainda vinculada à imigração, legislação da “velha república” se desenhou
mesmo após as mudanças do regime polí- mais precisamente o privilegiamento de
tico em 1930 e 1937, apesar da maior into- colônias mistas e o povoamento através da
lerância com os alienígenas diante do re- ação colonizadora empresarial. Esse mo-
crudescimento do nacionalismo assimila- delo foi cracterístico da ocupação do pla-
43 Desde 1850 algumas autori-
cionista. O discurso político sobre os tra- nalto catarinense e paranaense implemen- dades brasileiras, inclusive di-
balhadores nacionais – marca do Estado tada mais intensivamente, com apoio do retores de colônias, e imigran-
tistas notórios manifestaram sua
Novo – não diminuiu o espaço para o imi- poder público, após a Guerra do Contesta- preocupação com a expressi-
vidade numérica da imigração
grante qualificado pela condição de agri- do, que reprimiu pelas armas um grande
européia para a Argentina e a
cultor ou artesão (estabelecida na legisla- movimento messiânico caboclo no contex- possibilidade do desvio dos
colonos localizados no Sul
ção). A Amazônia e o Centro-Oeste eram to da disputa territorial entre os estados do para o Rio da Prata. Do ponto
regiões consideradas demograficamente Paraná e Santa Catarina (44). de vista das estatísticas imigra-
tórias, a Argentina aparecia
“vazias”, com população indígena desna- É interessante observar que, apesar de a como principal concorrente do
Brasil.
cionalizada, uma contradição que devia ser legislação e os debates nacionalistas assi-
44 O interesse maior na explora-
resolvida pela migração interna, especial- nalarem a importância de um modelo mis- ção da madeira (e também da
mente oriunda do Nordeste. Para “evitar” to de colonização, inclusive com a partici- erva-mate) levou à formação
de diversas empresas coloni-
os erros do passado, os imigrantes não de- pação de nacionais, na prática o povoamen- zadoras que podiam associar
viam formar comunidades homogêneas, e to daquela área reuniu descendentes de a atividade extrativa com o
estabelecimento de núcleos
a expressão “colônia mista” tornou-se deno- imigrantes europeus oriundos de colônias coloniais. Tiveram amplo apoio
dos governos estaduais. A prin-
tativa da eficácia do processo de assimila- mais antigas (sobretudo do Rio Grande do cipal concessionária de terras
ção. Nesse caso, as novas áreas de coloni- Sul) e novos imigrantes, em colônias mis- públicas foi a Brazil Railway
Co., encarregada da constru-
zação abertas no Sul, principalmente no tas ou até em colônias homogêneas, sem a ção da estrada de ferro São
Paulo-Rio Grande, e suas sub-
planalto catarinense e paranaense, deviam desejável presença dos “nacionais”, supos- sidiárias. Os colonos visados
receber imigrantes de diferentes procedên- tos como elemento fundamental para uma pela propaganda dessas em-
presas estavam nas antigas
cias, e também colonos nacionais, evitan- assimilação mais rápida dos ádvenas e, ao regiões coloniais do Sul onde
do a formação dos chamados “quistos étni- mesmo tempo, os alvos de um imaginado a terra já era mercadoria es-
cassa. Cf. Renk, 1997;
cos”. Enfim, assimilação e caldeamento ra- processo civilizatório conduzido pelos eu- Foweraker, 1982.

REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002 137


ropeus. Na verdade, a população cabocla lá mas certamente exemplificam com perfei-
existente – basicamente, os “derrotados” ção a persistência dos valores raciais na
na Guerra do Contestado – foi expropriada configuração da nação brasileira.
e boa parte das posses camponesas passou Assim, aumentaram as restrições à en-
à categoria de terras devolutas. De fato, os trada de imigrantes no período que antece-
mesmos princípios civilizatórios e o mes- deu a Segunda Guerra Mundial, apesar da
mo discurso racial que instruíram os postu- propalada urgência da ocupação territorial.
lados sobre a imigração européia estavam Em grande parte, essas restrições estavam
presentes nas discussões sobre a política de atreladas às premissas de uma nação assi-
colonização, levando à desqualificação dos milacionista que não podia tolerar a pre-
caboclos através de estigmas relacionados sença de grupos etnicamente identificáveis
à mestiçagem (45). Apesar do aparente no seu território. Não se trata, propriamen-
paradoxo, relacionado ao papel da mesti- te, de um apego maior ao jus sanguinis;
çagem na formação nacional, os caboclos para a nacionalidade e a cidadania, vigora-
ficaram à parte do processo colonizador, va o jus soli, embora a idéia de brasilidade
inferiorizados pelo “sangue” indígena e por tivesse alcance muito maior do que a per-
sua suposta tendência ao nomadismo (46). tença ao Estado. Daí o uso sistemático do
Por outro lado, a qualificação dos imi- termo alienígena para designar estrangei-
grantes japoneses, majoritariamente desti- ros e também os descendentes de imigran-
nados a São Paulo a partir de 1908, mas tes nascidos no Brasil mas cujas etnicidades
considerados “viáveis” também para ou- divergiam do ideal nacional. Só o alienígena
tras regiões (como o estado do Rio de Ja- assimilado podia ser um brasileiro legíti-
neiro e Amazônia), passou pelo mesmo mo. Nesse sentido, a classificação feita por
critério do “pendor” agrícola assinalado Oliveira Vianna é exemplar pois distingue
para os europeus (47). A possibilidade da a identificação do brasileiro pelos direitos
imigração em massa de japoneses desen- civil e político daquela baseada na demo-
cadeou amplo debate sobre sua conveniên- grafia e na biologia. No primeiro caso, a
cia, cujos termos lembram a discussão so- Constituição garante a qualificação de bra-
45 A desqualificação racial dos ca- bre os chineses no século XIX. O proble- sileiros para os filhos de imigrantes e para
boclos, o processo de expro-
priação ao qual foram subme- ma, mais uma vez, é o possível resultado os naturalizados; no segundo, a identidade
tidos, bem como os conflitos
étnicos com os colonos de ori- “negativo” da miscigenação (o medo de é outra pois, segundo seus termos, o “filho
gem européia, no oeste de “amarelar” o futuro povo brasileiro). Nes- do imigrante, principalmente quando vin-
Santa Catarina, são analisados
por Renk (1997). se assertivo, pode-se dizer que os japone- do de etnias exclusivistas, nunca está intei-
46 É interessante observar certa in- ses, como os europeus, são bons para colo- ramente dentro da mentalidade da nova
consistência das autoridades e nizar ou para trabalhar na lavoura cafeeira, etnia” (Oliveira Vianna, 1932, p. 131).
de certos pensadores sociais,
que desqualificaram os nacio- mas, ao contrário dos europeus, não são Nesse caso, a “nova etnia” é a brasileira e
nais por sua suposta “incapaci-
dade” civilizatória mas ao bons para a mistura racial (48). equivale à nação. Há, portanto, um conflito
mesmo tempo recriminavam os A realidade representada pelo modelo entre etnicidade e nacionalidade que, sob
imigrantes por sua mobilidade
espacial “sempre em busca de de colonização vigente no Sul do país bem certos aspectos, presume a condição de
novas terras”. Autores mais re-
centes, de expressão acadêmi-
como a perspectiva do aumento do fluxo minoria nacional. O fato de ressaltar a raça
ca, chegaram a construir a idéia imigratório japonês colocaram a assimila- (ou a distinção pela morfologia e biologia)
da “caboclização” como for-
ma explicativa da assimilação ção e o caldeamento racial definitivamente nessa classificação mostra como a idéia do
(Martins, 1955) ou do retroces- entre as prioridades da política imigratória, crisol de raças, sistematicamente utilizada
so tecnológico e cultural
(Willems, 1940; Waibel, na lógica do conceito de melting pot impor- no livro, é crucial nas determinações da
1958).
tado dos Estados Unidos. Para alguns dos assimilação, também evidentes na absurda
47 Sobre essa forma de positivar
a imigração japonesa ver:
mais importantes pensadores sociais da épo- preocupação de Oliveira Vianna com os
Sakurai (2000). ca, a idéia de melting pot serviu como sinô- índices de fusibilidade (racial) como indi-
48 Os discursos sobre as correntes nimo de “crisol de raças”, aliás, condizente cadores do sentido da miscigenação à bra-
imigratórias não-européias, a
luta pela etnicidade e a nego- com o mito do branqueamento. Os textos de sileira. Para ele, e para muitos outros inte-
ciação da identidade nacional Afrânio Peixoto e Fernando de Azevedo são lectuais e militares com influência no cam-
brasileira são objeto de análi-
se em Lesser (2001). exemplos mais brandos dessa apropriação, po da política imigratória no Estado Novo,

138 REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002


tais índices, uma vez descobertos pela pes- vista o fato de que vários membros do Con-
quisa científica, seriam úteis na determina- selho de Imigração e Colonização exprimi-
ção das leis (biológicas) que regem a for- ram sua crença no mito do branqueamento,
mação do povo. É óbvio que a fusibilidade sob o eufemismo da “formação nacional”, e
é apenas mais um pretexto para indicar os suas restrições a imigrantes não-brancos, nas
indesejáveis de sempre segundo a eugenia páginas da Revista de Imigração e Coloni-
racial – africanos e asiáticos. Estatísticas zação (50).
de “fusibilidade”, sem qualquer enunciado O capítulo III do referido decreto-lei
metodológico, também serviram para pro- mantém as cotas de entrada (fixadas na
var o inverso – que os japoneses, isto é, os Constituição de 1934), baseadas no limite
temidos “amarelos”, deixam-se assimilar e anual de 2% do número de estrangeiros de
fundir no melting pot nacional (49). A bio- mesma nacionalidade entrados no Brasil
logia racial, portanto, é usada conforme os entre 1884 e 1933; 80% das cotas foram
interesses de cada um. Mas Oliveira Vianna destinadas a “estrangeiros agricultores ou
julgou ter “descoberto” nos dados estatís- técnicos de indústrias rurais”. O capítulo
ticos um grande melting pot, ou fusibilidade, VIII, significativamente intitulado “Con-
de europeus no Sul e a irremediável insolu- centração e Assimilação”, reafirma o pro-
bilidade dos japoneses – indicadores que pósito de não permitir colônias homogê-
ajudaram a recrudescer o discurso sobre o neas. O capítulo XV, completado pelo De-
caldeamento sem fronteiras. De qualquer creto 3.691 de 6/2/1939, estabeleceu as atri-
modo, a assimilação transformada em ques- buições dos sete membros do Conselho de
tão nacional teve implicações na condução Imigração e Colonização, entre as quais
da política imigratória e na conformação merecem destaque: a determinação das
da campanha de nacionalização das “etnias cotas (de acordo com a lei), decidir sobre
exclusivistas” (conforme expressão usada pedidos de empresas e associações parti-
por Oliveira Vianna), que cerceou a etnici- culares que pretendam introduzir estran-
dade, intervindo na organização comunitá- geiros, sugerir medidas para promover a
ria produzida por diferentes grupos imigra- assimilação e evitar a concentração de imi-
dos. A dupla intolerância corresponde ao grantes em qualquer parte do território
recrudescimento do nacionalismo e da xe- nacional, estudar os problemas relativos à
nofobia, em parte induzido pela presença seleção imigratória, à antropologia étnica e
nazista em vários pontos do país, objeto de social, à biologia racial e eugenia.
ampla denúncia dos órgãos de defesa naci- As determinações legais apontam para
onal, e pelos acontecimentos da Segunda um conjunto de questões associadas ao ideal
Guerra Mundial – com repercussão maior de construção da nação delineado no pen-
sobre imigrantes alemães e japoneses e seus samento social e político desde Silvio Ro-
descendentes. mero, e claramente republicano. Em pri-
A legislação do Estado Novo tanto refle- meiro lugar, o sistema de cotas, aparente-
te os pressupostos mais amplos da eugenia mente universalista e igualitário na forma
– restringindo a entrada de doentes, aleija- anunciada, favoreceu a imigração dos de-
dos, de conduta nociva, etc. – como contém sejados povos latinos, visto que os três
outras referências que apontam para crité- maiores contingentes no período sobre o
49 Esse foi o principal argumento
rios racialistas – caso dos ciganos, por exem- qual incidiram os 2%, estatisticamente usado para defender a imigra-
plo. Um bom exemplo da política restritiva muito mais significativos do que o quarto ção japonesa, inclusive no
Norte do país, como pode ser
está no Decreto-Lei 406, de 4/5/1938, cujo grupo (os alemães), eram constituídos por visto nos trabalhos de Ellis Junior
(1928) e Niemeyer (1932),
artigo 2o reserva ao governo federal o direito italianos, portugueses e espanhóis. Em se- entre outros.
de limitar a entrada de “indivíduos de deter- gundo lugar, esse dado coincide com os 50 Entre muitos outros, os textos
minadas raças ou origens, ouvido o Conse- desígnios previstos para o “sentido” da de Aristóteles de Lima Camara
(1940) e Arthur Hehl Neiva
lho de Imigração e Colonização”. Não há assimilação, supostamente mais bem acei- (1944) são exemplares da re-
especificação sobre os indesejáveis (com tos por nacionalidades racialmente e cultu- tórica aparentemente igualitá-
ria marcando posições racis-
exceção dos ciganos) mas é preciso ter em ralmente mais próximas. Em terceiro lu- tas sobre imigração.

REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002 139


gar, as atribuições dos sete membros do do, com baixa estatura, indolente, anquilo-
Conselho apontam para a persistência de sado (portanto, doente); o “serrano” é o
uma “questão racial”, mais precisamente mestiço de “vários sangues”, especialmen-
delineada nas indagações de “natureza ci- te português e indígena. São desqualificados
entífica”, externalizadas em artigos e de- pela mestiçagem enquanto os colonos –
bates publicados na Revista de Imigração heterogêneos porque provêm de diferentes
e Colonização (uma publicação oficial vin- nações européias – constituem “a nota mais
culada ao Conselho), e nas discussões so- dissonante, exótica, do todo populacional
bre abrasileiramento dos alienígenas. catarinense, já etnicamente, já psicologi-
A partir da década de 1930 não é possí- camente, já socialmente” (Camara, 1940,
vel dissociar a legislação restritiva sobre p. 683). Os preconceitos estão aí delinea-
imigração da campanha de nacionalização dos, pois ao exotismo dos colonos – uma
planejada para impor a assimilação, cerce- referência ao seu afastamento da formação
ando as etnicidades e suas manifestações nacional – contrapõe aquela parcela inferio-
através da intervenção direta na organiza- rizada da população, usualmente chamada
ção comunitária e na cultura dos grupos de “cabocla”, que as elites regionais e na-
imigrados. cionais excluíram da colonização, privile-
O artigo de Lourival Camara (1940) giando brancos europeus em nome da civi-
sobre os “estrangeiros” de Santa Catarina lização. Paradoxalmente, considera bené-
ilustra as intenções nacionalizadoras e o fica a ausência de negros (escravos) nas
preconceito contra os mestiços, nem sem- colônias, cujo sucesso atribui à eficiência
pre disfarçado por frases empoladas sobre do trabalho dos estrangeiros, enquanto os
assimilação. Dividiu o estado em três “zo- “efeitos maléficos” do desenvolvimento
nas antropogeográficas” e seus “tipos” ca- colonial são, justamente, a falta de amalga-
racterísticos: o praiano da beira oceânica; mação e de assimilação.
o colono das áreas de colonização (aqui o Percebem-se, então, as motivações da
parâmetro é o Vale do Itajaí e assemelha- campanha de nacionalização, cujas inten-
dos, ocupados por europeus) e o serrano ções iam além do processo sociológico de
(dos campos do planalto). Essa divisão assimilação, julgada imprescindível para
procura, simplesmente, apontar para o dar homogeneidade à nação diante das
“enquistamento” dos estrangeiros – isto é, irredutibilidades étnicas de grupos refratá-
dos colonos de origem européia, em parti- rios à idéia de melting pot. Segundo seus
cular dos alemães – “refratários à assimila- idealizadores e implementadores – em gran-
ção”, portanto, obstáculos à homogeneida- de parte pertencentes ao exército nacional
de nacional. O ponto significativo do texto – a assimilação sociocultural devia ser atin-
diz respeito à miscigenação quando critica gida pela educação cívica, pela obrigato-
o “espírito germânico” que se opõe “à amal- riedade da língua portuguesa, pela imposi-
gamação, à combinação, no sentido quími- ção do espírito nacional; ocorre que a na-
co, admitindo somente branda mistura” ção estava definida também pela mes-
(Camara, 1940, p. 705). Os italianos tam- tiçagem, devendo os alienígenas concorrer
51 A campanha começou em
1937, com a nacionalização bém são recriminados porque “não obstan- para a formação do povo brasileiro. Não
do ensino – que atingiu siste- te a similitude de religião, a correlação lin- interessa analisar a campanha em si mesma
mas escolares com instrução em
língua estrangeira, entre os güística e a identidade de etnia” revelou-se (51): ela foi imposta especialmente aos
quais destacou-se a “escola
alemã”. A partir de 1939 e du- “refratário à assimilação”. O uso das pala- grupos considerados mais enquistados –
rante toda a Segunda Guerra vras “almagamação” e “mistura” adquire alemães e japoneses – embora dirigida a
Mundial, houve a proibição do
uso público de línguas mater- significado a partir da caracterização dos todos os classificados como alienígenas,
nas e o fechamento de institui-
ções de caráter étnico (inclusi-
outros dois “tipos”, ambos classificados inclusive os portadores de latinidade. Esse
ve assistenciais). Efetivos do como mestiços. O “praiano” é considerado fato simplesmente revela a preocupação
exército foram enviados para
as regiões consideradas mais a “reprodução degenerada do açoriano que com a unidade nacional, muito além da
enquistadas, para impor o ci- fracassou no litoral”, cruzado com “negros definição política e territorial do Estado-
vismo e fazer cumprir as medi-
das restritivas. bantus”, morfologicamente malconforma- Nação. Daí o uso do termo “quisto” para

140 REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002


indicar grupos circunscritos no sistema de imigrantes europeus (certamente um dos
colonização – alvos prioritários, embora não objetivos da campanha de nacionalização).
exclusivos, da ação nacionalizadora. A re- O pretexto da dúvida científica está bem
pressão ao nazismo, presente nas áreas de claro nos trabalhos de alguns membros do
colonização alemã e em grandes centros Conselho de Imigração e Colonização, fre-
urbanos (52), coincidiu com a nacionaliza- qüentemente contrários à entrada de japo-
ção, dando motivação adicional à ação re- neses e judeus no Brasil. Os negros são
pressiva junto aos “quistos” por excelência raramente mencionados, o que reflete sua
– as comunidades teuto-brasileiras – por ausência no contexto imigratório. Decerto
causa do racismo exarcebado da ideologia tem sentido atribuir, por decreto, aos mem-
de superioridade germânica, veiculado em bros do Conselho a tarefa de estudar os
publicações como o almanaque Volk und “problemas relativos à seleção imigratória”
Heimat, editado em São Paulo, e em jor- – o que supõe pesquisas acerca dos efeitos
nais teuto-brasileiros. Assim como o pan- da mestiçagem, e a seleção de correntes
germanismo no início do século XX, essa imigratórias “apropriadas” a uma forma-
ideologia pregava a endogamia étnica – ção por excelência latina, predominante-
“enquistamento” biológico impensável no mente luso-brasileira e estatisticamente
quadro da mestiçagem, um dos caminhos equilibrada para não prejudicar o sentido
para a unidade! Por isso mesmo, Nogueira histórico da nacionalidade (53). Dessa for-
(1946), oficial do exército que participou ma, a imigração japonesa só deveria ter
da campanha no Vale do Itajaí, considerou continuidade caso a ciência provasse sua
o caldeamento dos “alemães” uma questão compatibilidade étnica com o processo de
nacional. Os nacionalizadores do Estado caldeamento vigente no Brasil, direcionado
Novo condenaram a doutrina racista pre- para o “branqueamento”. Por outro lado,
gada pelo nazismo bem como as concep- nesse debate surgiram “dúvidas” sobre a
ções identitárias teuto-brasileiras primor- natureza racial dos judeus, algumas vezes
dialistas e etnocêntricas, porque contraria- definidos como “não-brancos”, mas a sua
vam o ideal do brasileiro unívoco que de- desqualificação como grupo ia no mesmo
via resultar do amálgama racial. O uso re- sentido da condenação ao enquistamento
corrente de metáforas químicas referidas à teuto-brasileiro – eram, para todos os efei-
miscigenação esconde os preconceitos ra- tos, inassimiláveis (54).
ciais relativos aos não-brancos da “dosa- O debate reflete os interesses maiores
gem”. Nessa discussão sobre os alemães – da imigração naquele período, praticamente
acusados, como grupo, de filiação ao na- os mesmos desde 1818, centrados nos prin-
zismo – estão claramente confrontados dois cípios da colonização. As cidades eram o
52 O Partido Nazista criou nú-
racismos divergentes quanto às suas inten- destino de uma parcela significativa dos cleos locais em algumas cida-
des localizadas em regiões de
ções: o etnocentrismo teuto-brasileiro, vi- fluxos imigratórios no século XX, mas a colonização alemã, embora
sível na maioria dos escritos sobre política imigratória e a própria legislação atuasse mais intensivamente em
Porto Alegre, São Paulo e
Deutschtum veiculados até 1939 (quando visavam à continuidade da ocupação Curitiba. Essa organização foi
amplamente denunciada e
sua publicação e circulação foram proibi- territorial – daí o cuidado na definição do desmantelada pelo Dops. Du-
das), aponta para fronteiras étnicas confi- imigrante ideal que, supostamente, devia rante a década de 1930 a
ideologia nacionalista e racis-
guradas por uma identidade definida atra- conviver com o brasileiro do interior, mar- ta do nazismo influenciou uma
vés do pertencimento racial e cultural à cado no discurso dessa elite pelos estigmas parte da imprensa teuto-brasi-
leira e motivou publicações as
nação alemã – o discurso da superioridade da inferioridade racial (observável na mais diversas; mas também
provocou reações nos meios
biológica servindo para justificar a endo- dicotomização de Lourival Camara, já ci- teuto-brasileiros que redunda-
gamia; o ideal de caldeamento, apesar de tada, distinguindo os colonos dos tipos ram na reafirmação da identi-
dade hifenada. Cf. Seyferth,
uma retórica pautada pela cautela, na qual mestiços de Santa Catarina). Afinal, a ques- 1999a.
o racismo está travestido na forma de inda- tão demográfica também era pensada como 53 Ver, entre muitos outros, Aristó-
gação científica, e os preconceitos atribuí- questão racial, e os interesses econômicos teles de Lima Camara (1940)
e Arthur Hehl Neiva (1944).
dos aos “alienígenas” apostam no branquea- e a escassez populacional subordinados à
54 A “questão judaica” no Brasil
mento da população com o concurso de formação histórica da nacionalidade. é analisada por Lesser (1995).

REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002 141


Com isso, seleção rigorosa na entrada e antropossociologistas, etnógrafos e biome-
assimilação concomitante ao estabelecimen- tristas sobre a questão da “dosagem étnica”
to no país são cruciais na determinação da na composição do povo brasileiro. Está
política imigratória; e seleção significava, contido aí o preceito da imigração cientifi-
mesmo na década de 1940, eugenia racial. camente orientada – ciência das raças, cer-
tamente, pois a classificação sugerida é
“Subordinando a imigração ao princípio da fenotípica e antropométrica – presente,
seleção, consoante a capacidade de fusão direta ou indiretamente, em muitos traba-
das diferentes etnias, que nos buscam, a lei lhos sobre a imigração na década de 1940,
nos oferece meio de discriminar entre elas cuja tendência é privilegiar os brancos
para escolher, de preferência, os que, por assimiláveis (portugueses e italianos) e
sua permeabilidade e suas afinidades excluir negros e amarelos.
conosco, não comprometerem a lei de cons- Um exemplo claro dessa posição está
tância de acordo com a qual se vem proces- nas respostas do Conselho de Imigração a
sando a composição étnica do Brasil” (55). um questionário distribuído pelo Latin
American Economic Institute, que indaga
As palavras do ministro Antonio Camillo sobre os princípios e objetivos da legisla-
de Oliveira, presidente do Conselho de Imi- ção imigratória, e da colonização, possi-
gração e Colonização, dirigidas aos chefes velmente tendo em vista a política a seguir
do Serviço de Registro de Estrangeiros, no pós-guerra. Raça e assimilação são ques-
sinalizam para a natureza das discussões tões essenciais:
no Conselho de Imigração e Colonização e
para a importância atribuída à seleção ra- “A preocupação pela seleção racial, já apa-
cial de imigrantes (apesar do uso da pala- rente em 1890, volta a ser dominante a partir
vra etnia). O procedimento discursivo re- de 1934 e foi a principal razão da adoção do
vela o cuidado com as alusões denotativas sistema de cotas.
de restrições raciais, também presente na […]
legislação: a imigração é condicionada ao A correção que mais conviria fazer seria,
princípio da nacionalidade luso-brasileira no tocante à orientação, no sentido de in-
e as escolhas devem levar em conta as pos- corporar à legislação um critério positivo
sibilidades da “fusão” – termo alternativo de solução, quer quanto ao tipo ocupacio-
para caldeamento ou miscigenação. A esse nal ou funcional da corrente imigratória,
contingenciamento acrescenta-se o do quer quanto ao seu conteúdo humano. En-
“equilíbrio estatístico”, que Neiva (1944) tendendo-se por seleção positiva aquela que
associou ao sistema de cotas. só permitisse a entrada no Brasil do imi-
A política demográfica – pelo menos grante com característicos e a ocupação que
aquela relacionada à entrada de estrangei- interessem ao país, de maneira a melhor
ros – estava, pois, subordinada a “bases ajustar a contribuição imigratória às neces-
biológicas” ou, como disse o major Lima sidades raciais, econômicas e culturais da
Camara (1941, p. 816): “admitamos que o comunidade que a recebe.
imigrante que mais nos convém é o da raça […]
branca”. Tal premissa seletiva, nem sem- No regime do Decreto-Lei no 406, de 1938,
pre externalizada de modo tão direto, ajus- do Decreto-Lei no 2009, de 1940, a coloni-
55 Discurso de Antonio Camillo de
Oliveira constante do noticiá-
ta-se à recomendação feita pelo ministro zação por elementos estrangeiros é prefe-
rio sobre a 1a Reunião dos A. C. de Oliveira aos funcionários encarre- rencialmente feita em núcleos oficiais ou
Chefes do Serviço de Registro
de Estrangeiros, realizada no gados do Registro de Estrangeiros: deviam particular mistos. […] Nenhum núcleo
Rio de Janeiro entre 11 e 20 de pensar que em cada imigrante registrado colonial será constituído por estrangeiros
novembro de 1941, na Revista
de Imigração e Colonização, há um “brasileiro em potencial” e um pos- de uma só nacionalidade” (56).
ano III, no 1, 1942.
sível “elemento de fusão” no melting pot
56 Ver noticiário. Revista de Imi-
gração e Colonização (ano V,
nacional; e cada ficha de registro é fonte de O sentido da seleção pretendida, haven-
no 1, 1944). dados para orientação dos estudos de do ou não menção direta à variável raça,

142 REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002


implica a restrição legal aos incluídos nas O debate sobre a conveniência de inten-
denominações fenotípicas negro e amare- sificar a imigração japonesa, por outro lado,
lo (numa classificação antropogeográfica mostra que a defesa ou qualificação de um
dos grandes “troncos raciais”). O uso do grupo passa quase sempre pela desqualifi-
termo etnia, mais abrangente, pois é um cação de outros. E a qualificação tem por
denotativo de cultura, na forma emprega- parâmetro, sempre, o pendor agrícola e a
da, incorpora uma definição biológica, “fusibilidade” ou “assimilabilidade”. Como
numa ampliação dos critérios seletivos que já foi visto, os japoneses, invariavelmente,
supõem graus de distanciamento cultural. entram na lista dos bons agricultores – o
A definição luso-brasileira da formação, que lhes confere valor. Afinal, a coloniza-
relacionada à herança cultural do coloniza- ção do país continuou prioritária, vincula-
dor português e à miscigenação, delimita a da à imigração. Por isso, desde o contexto
escolha dentro do requisito essencial refe- inicial de discussão e implementação das
rido à “raça branca européia”. O imigrante medidas nacionalizadoras, surgiram pro-
ideal, portanto, é um branco adjetivado, postas visando limitar ou até proibir a en-
cabendo ao Estado o fomento da imigração trada de imigrantes que não fossem agri-
européia dentro dos parâmetros da eugenia, cultores – refletidas na legislação. Essa é a
da conveniência política e das tendências à premissa de Julio de Revoredo (1934), autor
assimilação. Isso significa que, entre os que não estava propriamente engajado na
brancos, são excluídos os doentes, porta- defesa dos japoneses, mas os considerava
dores de deficiência física e mental, velhos, “admissíveis” para desenvolver a econo-
criminosos, gente de “conduta nociva”, etc., mia agrícola no Norte do país. Na verdade,
além de refugiados, apátridas e as etnias via os japoneses como opção exótica dian-
“inassimiláveis”. Alemães, judeus e japo- te da “diminuta propensão” de espanhóis e
neses estavam incluídos entre os “avessos portugueses para a vida agrária, mas adap-
à assimilação” – uma clara recusa aos con- tável a qualquer lugar:
tingentes étnicos “irredutíveis”; portugue-
ses e italianos e, eventualmente, espanhóis “O japonez constitue o único povo asiáti-
satisfaziam os padrões da “evolução étnica co, admissível no Brasil, que se aclimataria
brasileira” – nos termos de Oliveira Vianna facilmente no nordeste, descendendo, como
(1932) tinham suficiente “fusibilidade” descende, do mongol, cuja adaptabilidade
para compor o melting pot. aos climas mais diversos é extraordinária
O privilegiamento dos europeus, em […]
especial dos latinos, tinha viés quase […] não nos parece, dentro dos limites de
hegemônico, refletia a posição política de uma immigração exclusiva e rigorosamen-
indivíduos e grupos ligados ao aparelho de te agrícola, que a admissão de novas e for-
Estado, mas não era unívoco. Havia quem tes levas de advenas venha perturbar o nos-
defendesse a imigração japonesa, alvo pre- so equilíbrio social ou econômico” (Re-
ferencial da intolerância dos crentes na voredo, 1934, pp. 216, 218).
doutrina do branqueamento porque, na
década de 1930, as estatísticas de entradas Claro que há uma referência geral nesse
apontavam para o aumento no número de texto pois as “levas de ádvenas” incluem os
japoneses (quase igual ao de portugueses) europeus, definidos como imigrantes que
e um decréscimo significativo da imigra- preferem o Sul; mas nela está implícita a
ção italiana. Aliás, em razão da crise eco- dupla qualificação dos japoneses – agri- 57 A utilização dos registros de
entrada no Brasil não é um
nômica na Alemanha do pós-guerra, na cultores eficientes e adaptabilidade climá- bom indicador estatístico so-
bre a imigração, dado o bai-
década de 1920 registrou-se o maior volu- tica! Define a assimilação como um longo xo coeficiente de permanên-
me de entradas de alemães desde 1824. período de transição, porém, inevitavel- cia naquele período, especi-
almente dos alemães, cujos re-
Portanto, as duas etnias, quase por unani- mente, a “obra de brasilização” dos imi- tornos ultrapassaram 50%.
midade consideradas “irredutíveis”, domi- Mas esse dado raramente
grantes, inclusive dos japoneses, terá lugar
aparece na discussão dos pro-
naram as estatísticas imigratórias (57). desde que sejam tomadas medidas adequa- blemas da imigração.

REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002 143


imig
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890 “Formar typo de raça é coisa que não nos
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
deve preocupar.
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890 […]
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890 O essencial para nós, repito, é que o
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890 immigrante seja efficaz. O resto depende
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
de nós, de nossa capacidade de elaboração,
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890 de digestão dos vários elementos étnicos
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890 que recebamos, defendendo a nacionalida-
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890 de de qualquer predominância” (Niemeyer,
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1932, p. 37).
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890 A metáfora digestiva é indicadora da
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890 força assimiladora, do poder de absorção
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
da sociedade brasileira – a nacionalidade
simplesmente brasileira, sem quaisquer
hifens, nem mesmo o referido ao Brasil-
das: impedir a formação de núcleos homo- português. Isso não significa um afastamen-
gêneos, prevenir a “anomalia” da dupla to do ideal de caldeamento pois a aludida
nacionalidade, promover a educação (in- incorporação de todos – inclusive os japo-
clusive cívica), etc. De fato, o autor aposta neses – à nacionalidade implica a abran-
no “grande poder assimilador”, inconsci- gência pelo melting pot. De fato, para qua-
ente, do povo brasileiro, ao mesmo tempo lificar os japoneses pela necessidade de
que aconselha uma política de combate e “braços eficazes para a lavoura”, mas tam-
extermínio das “forças estranhas” que in- bém pela possibilidade de ampliar as rela-
terferem na formação da nacionalidade. Os ções comerciais com o Japão, Niemeyer
governos dos países de origem dos imigran- fez um pequeno exercício de intolerância
tes são o alvo dessa crítica, pois a eles in- criticando “milhares de imigrantes” que
teressa a dupla nacionalidade. Não há uma falharam na agricultura, gente inadequada
argumentação racial nesse trabalho, mas como os refugiados russos “dos quais nos
uma preocupação com o destino da “inci- livramos em tempo e que a Liga das Na-
piente nacionalidade” brasileira dependente ções procurava generosamente despachar
da assimilação dos ádvenas: para Revoredo, para os países onde há carência de braços
não existem imigrantes inassimiláveis, […]”. Enfim, a nacionalidade do imigrante
portanto, os japoneses são apropriados. Mas não é tão importante, desde que se coloque
incorre no mesmo paradoxo de outros emi- ao alcance “dos fatores irresistíveis da nacio-
nentes imigrantistas pois o elemento que nalização”. Nada estranho para alguém que
deve assimilar os ádvenas – isto é, o povo se identifica como aluno de Silvio Romero
brasileiro – aparece inferiorizado, se não (58); e que vai buscar provas da permeabi-
racialmente, mas no mínimo na sua capaci- lidade à assimilação dos japoneses já esta-
dade de produção econômica. O argumen- belecidos em São Paulo. Cita como exem-
to adicional do texto em prol dos japoneses plo da “permeabilidade” o aprendizado da
é que estes não iriam apenas povoar e cul- língua portuguesa e dos costumes brasilei-
tivar as terras abandonadas, mas orientar o ros, o conhecimento do hino nacional e,
nordestino para um aproveitamento mais principalmente, o “cruzamento com o na-
racional da sua riqueza inexplorada (cf. cional”, concordando com Ellis Junior
58 A referência aos “desviados”
do trabalho agrícola é quase Revoredo, 1934, p. 218). (1928) quando este afirma que o japonês é
sempre genérica, mas os alvos
de Niemeyer são os italianos,
Os mesmos princípios classificatórios, o que se mostra menos refratário ao casa-
que, principalmente após a que desdenham a variável raça quando se mento com os brasileiros e outros estran-
Primeira Guerra Mundial, pre-
feriram ficar nas áreas urbanas, trata de imigração japonesa, estão contidos geiros (Niemeyer, 1932, cap. VII).
e os alemães, cujo “perigo” era num trabalho de Waldyr Niemeyer, segun- À primeira vista, estamos diante da ve-
representado pela “inassimi-
labilidade”. do o qual: lha idéia da inexistência do preconceito ra-

144 REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002


cial, de uma nacionalidade em formação sobretudo no caso dos japoneses, pode ser
que não está ameaçada pelo “perigo ama- observado na “homenagem” prestada num
relo”, nem por qualquer outro, numa posi- artigo de Antonio Xavier de Oliveira (da
ção diversa e aparentemente mais demo- Sociedade de Amigos de Alberto Torres) a
crática na discussão da política imigratória. Félix Pacheco, Arthur Hehl Neiva e Miguel
Mas isso é ilusório pois, mesmo juntando Couto, denominados “heróis da campanha
coolies e japoneses no mesmo tronco racial antinipônica no Brasil”. Por sua “ação pre-
“amarelo”, os primeiros são inferiorizados destinada” na Constituinte de 1934, cha-
(e descartados) por sua suposta incapaci- maram a atenção para o problema de defe-
dade colonizadora (a imigração chinesa sa nacional posto pela entrada de japoneses
como causa de inquietação); ao mesmo que visavam ao desaparecimento da nação
tempo, a ausência do preconceito apresen- e do próprio povo brasileiro. E os japone-
ta-se como elemento que ajudou a “diluir” ses são mais uma vez chamados de gente
o negro “no lento mas decisivo caldea- somática e psiquicamente inassimilável,
mento”. A aceitação do japonês como imi- que não colaboraria com a nacionalidade.
grante e elemento aceitável para a naciona- O texto termina propondo que a Sociedade
lidade não teve a contrapartida do desprezo de Amigos de Alberto Torres inicie cam-
pelas teorias da desigualdade racial. Ao que panha de patriotismo “desfraldando a ban-
parece, prevaleceu o interesse econômico deira da nacionalização dos vinte mil quis-

r
da colonização e do promissor mercado tos raciais nipônicos existentes em São
59 Sobre os interesses do Japão
representado pelo Japão como potência Paulo, no Paraná, no Mato Grosso, no no Brasil ver: Sakurai (2000).
imperialista no cenário asiático (59), como

ga
pode ser verificado na parte final do opús-
culo de Niemeyer.
Outros autores que trataram favoravel-
mente da imigração japonesa, principal-
mente na década de 1930, tinham opiniões
semelhantes, acentuando as possibilidades
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
de assimilação. Opiniões divergentes das 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
que prevaleceram no âmbito do Conselho 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
de Imigração e Colonização e que aponta- 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890

ção
vam para a inconveniência dessa imigra- 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
ção apelando para a eugenia racial. No ce-
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
nário mais tenso da Segunda Guerra Mun- 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
dial, a discussão da política imigratória, 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
mais do que nunca, apelou para exclusões 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
de natureza racial.
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
Quando se avizinhou o fim do conflito 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
mundial (e, conseqüentemente, a probabi- 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
lidade de nossos fluxos compostos, sobre- 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
tudo, por refugiados), o encaminhamento 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
da questão imigratória apelou para diretri- 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
zes de natureza racial e eugenista, ao con- 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
siderar “indesejáveis as correntes imigra- 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
tórias de ascendência não européia” e as 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
etnias não assimiláveis que tendem a for- 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
mar quistos. Japoneses e alemães estavam 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
entre estas últimas, em alguns textos cha- 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
mados de perversos e sanguinários (uma 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
classificação que reflete os desdobramen-
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
tos da guerra). Esse formato classificatório,

REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002 145


Amazonas e outros estados da Federação” como a defesa do trabalhador nacional”.
(Oliveira, 1945, p. 254). O artigo 3o do mesmo decreto-lei man-
O mesmo tipo de argumento aparece tém o regime de cotas e no capítulo II a
também na desqualificação dos alemães (e colonização é considerada de utilidade
aí entra em cena a “infiltração nazista” de- pública, reafirmando, portanto, os precei-
nunciada e reprimida desde antes da guer- tos de povoamento e colonização como
ra, quando os idealizadores da campanha prioritários no âmbito da imigração. O de-
de nacionalização consideraram todos os creto de 1945 não chega às minúcias de
descendentes de alemães nazistas em po- certos documentos que o antecederam,
tencial) e dos judeus. Em artigos que falam como o anteprojeto de Lei sobre Migração
da necessidade de uma “imigração cienti- e Colonização elaborado pelo cônsul
ficamente orientada e policiada”, a “etnia Wagner Pimenta Bueno, apresentado em
judaica” é definida pelos velhos estereóti- sessão do Conselho de Imigração e Coloni-
pos anti-semitas (como ao dizer que são zação de 30/8/1943 e publicado no mesmo
intermediadores da riqueza mas não gente ano pela Imprensa Nacional. Nele são anun-
produtiva) e acusada de criar dentro de cada ciadas as vantagens de reservar a classifi-
país em que vive “núcleos étnicos estra- cação de “permanente” ao estrangeiro de
nhos, verdadeiros quistos raciais, numa raça branca, cabendo ao Conselho de Se-
extremada união […] autores da intolerân- gurança Nacional tomar as medidas cabí-
cia racial da qual se queixam” (60). Essa veis à questão da integração ao meio nacio-
forma de “intolerância” também foi atribuí- nal. Mais uma vez, o imigrante ideal é o
da aos alemães e japoneses, quase sempre mais assimilável e o melhor para povoar –
em oposição à imaginada tolerância brasi- o colono (portanto, reafirma-se na exposi-
leira com todas as raças e credos, uma so- ção de motivos a intenção colonizadora,
ciedade sem preconceitos arraigados. inclusive no contexto da “marcha para o
De qualquer modo, raça é um indicador oeste”). Nesse texto, a expressão “condi-
preponderante quando se discute o pós- ções etnográficas” é usada para mascarar
guerra, muito mais visível e apregoado do certos desideratos racistas fixados na “boa
que em períodos anteriores, apesar do uso imigração”. Nesse sentido, argumenta o
do termo etnia (reforçado duplamente como cônsul, o sistema de cotas é impotente para
indicador somático e cultural). Não são impedir a entrada de indesejáveis quanto à
raras, nesse contexto, correlações entre et- origem ou ao tipo ocupacional; origem que
nia, raça e saúde, dentro do jargão eugenista, remete à necessidade de discriminar a fim
exigindo uma “política biológica” seletiva de manter na corrente imigratória a homo-
(com exames fenotípicos), a imigração as- geneidade racial que a composição demo-
sociada à “melhoria da etnia nacional”. A gráfica do país reclamava. A opção pelos
preocupação com a eugenia, além da raça, brancos agricultores e assimiláveis (contu-
refletia o temor de receber a “escumalha de do, sem citar nacionalidades) fica mais
guerra” – referência básica aos refugiados evidente quando fala da inoperância do sis-
(61). Sem o detalhismo eugenista-racial das tema de cotas para descartar indesejáveis,
discussões sobre política imigratória, a dando o exemplo da dificuldade do gover-
própria legislação do Estado Novo permite no (e do Conselho de Imigração e Coloni-
60 Conforme matéria sobre a imi-
gração no pós-guerra, publica- esse formato de seleção – caso do Decreto- zação) em negar vistos de entrada para ele-
da na Revista de Imigração e Lei 7969, de 18/9/1945, que, mais uma vez, mentos da raça negra de diferentes nacio-
Colonização (ano IV, no 1,
1943, p. 54). dispõe sobre a imigração e colonização. Na nalidades (colocando em dúvida essa de-
61 Ver, por exemplo, o artigo de parte sobre a admissão de estrangeiros, o signação como se os negros não tivessem a
Fernando M. de Carvalho
art. 2o reza: “Atender-se-á, na admissão dos qualidade de nacionais).
(1943), que debate palestra do
médico Castro Barreto realiza- imigrantes, à necessidade de preservar e A variável raça, portanto, ainda estava
da no Instituto de Estudos Brasi-
leiros; e a matéria assinada pelo desenvolver, na composição étnica da po- em grande evidência no Estado Novo – usa-
médico Antonio Vianna, na pulação, as características mais conveni- da para definir políticas imigratórias volta-
Revista de Imigração e Coloni-
zação (ano VII, no 1, 1946). entes da sua ascendência européia, assim das para as “necessidades primaciais” da

146 REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002


composição étnica brasileira (conforme pa- O indesejável nucleamento de alemães,
lavras de Ilmar P. Marinho) (62), fundamento italianos e poloneses (e outras nacionalida-
da nacionalidade. O ideal de branqueamen- des européias menos representativas) no Sul
to persistiu ao longo da década de 1940, alimentou a discussão sobre a assimilação
marcado pela “campanha” de assimilação/ de alienígenas referenciada à miscigena-
amalgamação forçada, em busca da deseja- ção – especialmente após a proclamação
da homogeneidade étnica da nação. da República – produzindo uma vincula-
ção entre raça e nacionalidade que o uso
posterior da noção de etnia não suprimiu.
Configurou-se, na verdade, um nacionalis-
RAÇA E NACIONALIDADE mo étnico suscitado pela constância dos
movimentos migratórios, alimentado pela
A política de colonização com imigran- falsa noção de desigualdade das raças hu-
tes implantada após a independência visava manas e de superioridade civilizatória dos
ao povoamento do território, num processo brancos (própria, também, dos nacionalis-
de motivações geopolíticas, de interesse mos europeus, conforme assinalado por
econômico (o desenvolvimento de forma Hobsbawm, 1990), devidamente acomoda-
alternativa de exploração agrícola baseada da à ampla variação cromática da pele dos
na pequena propriedade familiar) ao qual se brasileiros.
impõe a sinonímia da civilização branca Significativamente, a subordinação da
européia. Houve um direcionamento maior nacionalidade à raça persistiu apesar do
do processo colonizador para as terras reconhecimento da mestiçagem como fe-
devolutas da região Sul, cujas causas nem nômeno constitutivo da nação. Trata-se,
sempre são observadas pelos críticos dessa sem dúvida, de algo que vai além do senti-
política concentradora de imigrantes distan- do estritamente político e territorial do
ciados da sociedade abrangente. A ocupa- Estado-Nação – o mito da formação do
ção de áreas definidas como “vazios demo- povo, que remete ao passado histórico e à
gráficos” bem como a suposta inadequação qualificação pelo caldeamento racial entre
dos europeus (exceto os portugueses) às portugueses, indígenas e negros.
regiões tropicais, idéia bastante difundida Na verdade, a imigração representou
no século XIX, foram assinaladas como para o nacionalismo um duplo desafio,
“causas” dessa concentração. No entanto, particularmente evidenciado no Estado
ela ocorreu, em grande parte, porque as pro- Novo: manter a cultura e a língua como
víncias do Sul, desde o Império, investiam herança maior do colonizador luso promo-
mais na imigração e colonização, com apoio vendo a assimilação e definindo a nação,
do governo brasileiro, na medida em que eventualmente, pela latinidade, num pro-
receberam o controle sobre as terras cesso de “amalgamação racial” (ou fusão,
devolutas. O grande número de colônias de pois havia termos para todos os gostos) que
ádvenas que se formou nesses territórios – devia resultar num povo unívoco e prefe-
não assimiladas segundo os padrões de inte- rencialmente de cor branca. É significativa
gração racial e cultural imaginados pelo a persistência do mito do branqueamento
nacionalismo – influenciou os debates e o num período histórico em que as teorias
direcionamento da política imigratória, raciais deterministas e as especulações so-
embora a parcela mais significativa dos flu- bre a superioridade ariana afiançadas por
xos imigratórios estivesse direcionada para obras como as de Gobineau e Chamberlain
São Paulo a partir da última década do sécu- já estavam desacreditadas pela ciência atra- 62 Num contexto de crítica à idéia
de comunidade racial nazista,
lo XIX (à exceção de alemães). Na opinião vés da noção de racismo. O privilegiamento justifica as medidas legais para
da maioria dos nacionalistas, em São Paulo da “boa imigração branca”, conforme enun- selecionar o elemento que con-
vém ao país, o que mostra,
o problema da assimilação era menos grave, ciado do ministro Antonio Camillo de Oli- mais uma vez, as ambigüida-
dada a proximidade social entre os veira em 1941, aparece, inclusive, em tex- des que marcaram o racismo
no pensamento brasileiro. Cf.
alienígenas e os nacionais. tos que tratam, prioritariamente, da cultura Marinho, 1946.

REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002 147


e sua definição luso-brasileira – caso de das motivações assimilacionistas pautadas
Fernando de Azevedo. A mestiçagem, por- por certas concepções de segurança nacio-
tanto, tem duas faces: por um lado, nal (inclusive por causa da situação de
inferioriza pela presença negra e indígena, guerra após 1943), subordinou o abrasilei-
nem sempre explicitamente mencionada – ramento dos alienígenas ao caldeamento
uma percepção implícita na idéia de que a racial. A política imigratória delineada para
imigração seletiva, filtrada, inclusive, a o pós-guerra continuou vinculando a nacio-
“escumalha” de brancos, concorre para nalidade (dependente do abrasileiramen-
melhorar somaticamente o brasileiro; por to) a questões biológicas conformadas pela
outro, é o processo por excelência de for- idéia de raça e eugenia. O elemento preten-
mação do povo e um dos indicativos da dido devia ser branco e estar culturalmente
especificidade da nação. A coerência não mais próximo da formação nacional luso-
fez nenhuma falta a essa ideologia racia- brasileira – mantida na própria legislação
lizada de pertencimento nacional, com fun- imigratória a necessária vinculação ao pro-
damento assimilacionista. De certa forma, cesso de colonização do território, agora
a campanha de nacionalização, que teve a com o concurso mais persistente do traba-
participação de efetivos do exército, além lhador nacional.

BIBLIOGRAFIA

ABRANTES, Visconde de. “Memória sobre os Meios de Promover a Colonização”, in Revista de Imigração e
Colonização, ano II, no 2/3, 1941.
AZEVEDO, Célia M. M. Onda Negra, Medo Branco. O Negro no Imaginário das Elites, Séc. XIX. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
AZEVEDO, Fernando de. A Cultura Brasileira. 6a ed. Rio de Janeiro, Editora da UFRJ; Brasília, Editora da UnB, 1996.
BANTON, Michael. The Idea of Race. Londres, Tavistock, 1977.
CABRAL, Oswaldo R. História de Santa Catarina. Florianópolis, Landes, 1970.
CAMARA, Lourival. “Estrangeiros em Santa Catarina”, in Revista de Imigração e Colonização, ano I, no 4, 1940.
CARVALHO, Augusto de. Estudo sobre a Colonização e a Emigração para o Brasil. Porto, Typographia do Commércio, 1874.
CARVALHO, Fernando M. de. “Ainda a Imigração do Após Guerra”, in Revista de Imigração e Colonização, ano IV,
no 4, 1943.
DAVATZ, Thomas. Memórias de um Colono no Brasil. São Paulo, Martins Fontes, 1941.
DIEGUES Jr., Manuel. Imigração, Urbanização e Industrialização. Rio de Janeiro, Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais/MEC, 1964.
ELLIS Jr., Alfredo. Pedras Lascadas. São Paulo, Typ. Hennies Irmãos & Cia., 1928.
FERREIRA DA SILVA, José. História de Blumenau. Florianópolis, Edeme, s/d.
FOWERAKER, Joe. A Luta pela Terra. A Economia Política da Fronteira Pioneira no Brasil de 1930 aos Dias Atuais. Rio
de Janeiro, Zahar, 1982.
GOBINEAU, Arthur de. Essai sur l’Inégalité des Races Humaines. Paris, Firmin Didot, 1853.
GOULD, Stephen Jay. A Falsa Medida do Homem. São Paulo, Martins Fontes, 1991.
HANDELMANN, Heinrich. História do Brasil. Rio de Janeiro, IHGB/Imprensa Nacional, 1931.
HOBSBAWM, E. J. Nações e Nacionalismos desde 1780. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990.
LACERDA, João Batista de. Sur les Métis au Brésil. Paris, Imprimerie Dévouge, 1911.
______. O Congresso Universal das Raças Reunido em Londres. (1911). Rio de Janeiro, Papelaria Macedo, 1912.
LESSER, Jeffrey. O Brasil e a Questão Judaica. Rio de Janeiro, Imago, 1995.
______. A Negociação da Identidade Nacional. Imigrantes, Minorias e a Luta pela Etnicidade no Brasil. São Paulo,
Editora da Unesp, 2001.
LIMA CAMARA, A. de. “Incompatibilidade Étnica?”, in Revista de Imigração e Colonização, ano I, no 4, 1940.
______. “Alguns Reparos sobre a Política Demográfica Brasileira”, in Revista de Imigração e Colonização, ano II,
no 2/3, 1941.

148 REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002


MALHEIRO, A. M. Perdigão. A Escravidão no Brasil. Ensaio Histórico, Jurídico e Social. 3a edição. Petrópolis, Vozes, 1976.
MARINHO, Ilmar P. “Fundamento e Base da Nacionalidade”, in Revista de Imigração e Colonização, ano VII, no 3, 1946.
MARTINS, Wilson. Um Brasil Diferente (Ensaio sobre Fenômenos da Aculturação no Paraná). São Paulo, Anhembi, 1955.
MENEZES E SOUZA, J. C. de. Theses sobre a Colonização do Brasil. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1875.
NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. 4a ed. Petrópolis, Vozes; Brasília, INL, 1977.
NEIVA, Arthur Hehl. “O Problema Imigratório Brasileiro”, in Revista de Imigração e Colonização, ano V, no 3, 1944.
NICOULIN, Martin. La Genese de Nova Friburgo. 4a ed. Fribourg, Éditions Universitaires, 1981.
NIEMEYER, Waldyr. O Japonez no Brasil. 2a ed. Rio de Janeiro, Pongetti, 1932.
NOGUEIRA, Ruy Alencar. Nacionalização do Vale do Itajaí. Rio de Janeiro, Ministério do Exército/Biblioteca Militar,
vol. CX, 1946.
OLIVEIRA, Antonio Xavier de. “Três Heróis da Campanha Anti-nipônica no Brasil: Felix Pacheco, Arthur Neiva e Miguel
Couto”, in Revista de Imigração e Colonização, ano VI, no 2 e 3, 1945.
OLIVEIRA VIANNA, F. J. de. Raça e Assimilação. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1932.
________. Evolução do Povo Brasileiro. 3a ed. São Paulo, Nacional, 1938.
________. Populações Meridionais do Brasil. 5a ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 1952.
PAIVA, Joaquim Gomes d’Oliveira e. “Memória Histórica sobre a Colônia Allemã de S. Pedro de Alcantara Estabelecida
na Província de Santa Catharina”, in Revista do Instituto Histórico e Geografico Brasileiro, v. 10, 1846.
PEIXOTO, Afrânio. Clima e Saúde: Introdução Biogeográfica à Civilização Brasileira. 2a ed. São Paulo, Cia. Editora
Nacional; Brasília, INL, 1975.
PIAZZA, Walter. A Colonização de Santa Catarina. 3a ed. Florianópolis, Lunardelli, 1944.
POLIAKOV, Leon. O Mito Ariano. São Paulo, Perspectiva, 1974.
RENK, Arlene. A Luta da Erva. Um Ofício Étnico no Oeste Catarinense. Chapecó, Grifos, 1997.
REVOREDO, Julio de. Immigração. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1934.
ROCHA, Joaquim da Silva. História da Colonização do Brasil. 2 vols. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1918.
RODRIGUES, R. Nina. As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil. 3a ed. São Paulo, Nacional, 1938.
________. As Collectividades Anormaes. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1939.
ROMERO, Silvio. O Elemento Português no Brasil. Lisboa, Tipografia da Companhia Editora Nacional, 1902.
________. O Allemanismo no Sul do Brasil. Seus Perigos e Meios de os Conjurar. Rio de Janeiro, Heitor Ribeiro, 1906.
________. História da Literatura Brasileira. 4a ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 1949.
SAKURAI, Célia. Imigração Tutelada. Os Japoneses no Brasil. Tese de Doutorado. Campinas, IFCH, Unicamp, 2000.
SCHWARCZ, Lilia M. O Espetáculo das Raças. São Paulo, Companhia das Letras, 1993.
SEYFERTH, Giralda. A Imigração Alemã no Vale do Itajaí-Mirim. Porto Alegre, Movimento, 1974.
_______. “A Antropologia e a Teoria do Branqueamento da Raça no Brasil”, in Revista do Museu Paulista. N.S,
XXX, 1985.
_______. “Imigração e Colonização Alemã no Brasil: uma Revisão da Bibliografia”, in Boletim Informativo e
Bibliográfico de Ciências Sociais (BIB), 25, 1988.
________. “Os Paradoxos da Miscigenação”, in Estudos Afro-Asiáticos, 20, 1991.
________. “Construindo a Nação: Hierarquias Raciais e o Papel do Racismo na Política de Imigração e Coloniza-
ção”, in M. C. Maio e R. V. Santos (orgs.). Raça, Ciência e Sociedade. Rio de Janeiro, Fiocruz, CCBB, 1996.
_______. “A Colonização Alemã no Brasil: Etnicidade e Conflito”, in Bóris Fausto (org.). Fazer a América. A
Imigração em Massa para a América Latina. São Paulo, Edusp, 1999a.
_______. “Colonização e Conflito: Estudo sobre ‘Motins’ e ‘Desordens’ numa Região Colonial de Santa Catarina
no Século XIX”, in José V. Tavares dos Santos (org.). Violência em Tempo de Globalização. São Paulo, Hucitec, 1999b.
_______. “Colonização e Política Imigratória no Brasil Imperial”. Trabalho apresentado no Seminário Internacional
“Políticas Migratórias”, Idesp, 2000a.
_______. “As Identidades dos Imigrantes e o Melting Pot Nacional”, in Horizontes Antropológicos (Relações
Interétnicas), 14, 2000b.
SKIDMORE, Thomas E. Preto no Branco. Raça e Nacionalidade no Pensamento Brasileiro. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976.
TOPINARD, Paul. L’Anthropologie. 3a ed. Paris, C. Reinwald, 1879.
WAIBEL, Leo. Capítulos de Geografia Tropical e do Brasil. Rio de Janeiro, IBGE, 1958.
WILLEMS, Emílio. Assimilação e Populações Marginais no Brasil. São Paulo, Nacional, 1940

REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 117-149, março/maio 2002 149

Você também pode gostar