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O fim de um ciclo em que a velha mídia foi soberana


Enviado por luisnassif, sab, 18/09/2010 – 07:20 - http://www.advivo.com.br/luisnassif/

Dia após dia, episódio após episódio, vem se confirmando o cenário que traçamos aqui desde meados
do ano passado: o suicídio do PSDB apostando as fichas em José Serra; a reestruturação partidária pós-
eleições; o novo papel de Aécio Neves no cenário político; o pacto espúrio de Serra com a velha mídia,
destruindo a oposição e a reputação dos jornais; os riscos para a liberdade de opinião, caso ele fosse
eleito; a perda gradativa de influência da velha mídia.
O provável anúncio da saída de Aécio Neves marca oficialmente o fim do PSDB e da aliança com a
velha mídia carioca-paulista que lhe forneceu a hegemonia política de 1994 a 2002 e a hegemonia
sobre a oposição no período posterior.
Daqui para frente, o outrora glorioso PSDB, que em outros tempos encarnou a esperança de
racionalidade administrativa, de não-sectarismo, será reduzido a uma reedição do velho PRP (Partido
Republicano Paulista), encastelado em São Paulo e comandado por um político – Geraldo Alckmin –
sem expressão nacional.

Fim de um período odioso


Restarão os ecos da mais odiosa campanha política da moderna história brasileira – um processo que se
iniciou cinco anos atrás, com o uso intensivo da injúria, o exercício recorrente do assassinato de
reputações, conseguindo suplantar em baixaria e falta de escrúpulos até a campanha de Fernando
Collor em 1989.
As quarenta capas de Veja – culminando com a que aparece chutando o presidente – entrarão para a
história do anti-jornalismo nacional. Os ataques de parajornalistas a jornalistas, patrocinados por Serra
e admitidos por Roberto Civita, marcarão a categoria por décadas, como símbolo do período mais
abjeto de uma história que começa gloriosa, com a campanha das diretas, e se encerra melancólica,
exibindo um esgoto a céu aberto.
Levará anos para que o rancor seja extirpado da comunidade dos jornalistas, diluindo o envenenamento
geral que tomou conta da classe.
A verdadeira história desse desastre ainda levará algum tempo para ser contada, o pacto com diretores
da velha mídia, a noite de São Bartolomeu, para afastar os dissidentes, os assassinatos de reputação de
jornalistas e políticos, adversários e até aliados, bancados diretamente por Serra, a tentativa de criar
dossiês contra Aécio, da mesma maneira que utilizou contra Roseana, Tasso e Paulo Renato.

O general que traiu seu exército


Do cenário político desaparecerá também o DEM, com seus militantes distribuindo-se pelo PMDB e
pelo PV.
Encerra-se a carreira de Freire, Jungman, Itagiba, Guerra, Álvaro Dias, Virgilio, Heráclito, Bornhausen,
do meu amigo Vellozo Lucas, de Márcio Fortes e tantos outros que apostaram suas fichas em uma
liderança destrambelhada e egocêntrica, atuando à sombra das conspirações subterrâneas.
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Em todo esse período, Serra pensou apenas nele. Sua campanha foi montada para blindá-lo e à família
das informações que virão à tona com o livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr e da exposição de suas
ligações com Daniel Dantas.
Todos os dias, obsessivamente, preocupou-se em vitimizar a filha e a ele, para que qualquer
investigação futura sobre seus negócios possa ser rebatida com o argumento de perseguição política.
A interrupção da entrevista à CNT expôs de maneira didática essa estratégia que vinha sendo cantada
há tempos aqui, para explicar uma campanha eleitoral sem pé nem cabeça. Seu argumento para Márcia
Peltier foi: ocorreu um desrespeito aos direitos individuais da minha filha; o resto é desculpa para
esconder o crime principal.
Para salvar a pele, não vacilou em destruir a oposição, em tentar destruir a estabilidade política, em
liquidar com a carreira de seus seguidores mais fiéis.
Mesmo depois que todas as pesquisas qualitativas falavam na perda de votos com o denuncismo
exacerbado, mesmo com o clima político tornando-se irrespirável, prosseguiu nessa aventura insana,
afundando os aliados a cada nova pesquisa e a cada nova denúncia.
Com isso, expôs de tal maneira a filha, que não será mais possível varrer suas estripulias para debaixo
do tapete.

A marcha da história
Os episódios dos últimos dias me lembram a lavagem das escadarias do Senhor do Bonfim. Dejetos,
lixo, figuras soturnas, almas penadas, todos sendo varridos pela água abundante e revitalizadora da
marcha da história.
Dia após dia, mês após mês, quem tem sensibilidade analítica percebia movimentos tectônicos
irresistíveis da história.
Primeiro, o desabrochar de uma nova sociedade de consumo de massas, a ascensão dos novos
brasileiros ao mercado de consumo e ao mercado político, o Bolsa Família com seu cartão eletrônico,
libertando os eleitores dos currais controlados por coronéis regionais.
Depois, a construção gradativa de uma nova sociedade civil, organizando-se em torno de conselhos
municipais, estaduais, ONGs, pontos de cultura, associações, sindicatos, conselhos de secretários, pela
periferia e pela Internet, sepultando o velho modelo autárquico de governar sem conversar.
Mesmo debaixo do tiroteio cerrado, a nova opinião pública florescia através da blogosfera.
Foi de extremo simbolismo o episódio com o deputado do interior do Rio Grande do Sul, integrante do
baixo clero, que resolveu enfrentar a poderosa Rede Globo.
Durante dias, jornalistas vociferantes investiram contra UM deputado inexpressivo, para puni-lo pelo
atrevimento de enfrentar os deuses do Olimpo. Matérias no Jornal Nacional, reportagens em O Globo,
ataques pela CBN, parecia o exército dos Estados Unidos se valendo das mais poderosas armas de
destruição contra um pequeno povoado perdido.
E o gauchão, dando de ombros: meus eleitores não ligam para essa imprensa. Nem me lembro do seu
nome. Mas seu desprezo pela força da velha mídia, sem nenhuma presunção de heroísmo, de fazer
história, ainda será reconhecido como o momento mais simbólico dessa nova era.
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Os novos tempos
A Rede Record ganhou musculatura, a Bandeirantes nunca teve alinhamento automático com a Globo,
a ex-Manchete parece querer erguer-se da irrelevância.
De jornal nacional, com tiragem e influência distribuídas por todos os estados, a Folha foi se tornando
mais e mais um jornal paulista, assim como o Estadão. A influência da velha mídia se viu reduzida à
rede Globo e à CBN. A Abril se debate, faz das tripas coração para esconder a queda de tiragem da
Veja.
A blogosfera foi se organizando de maneira espontânea, para enfrentar a barreira de desinformação,
fazendo o contraponto à velha mídia não apenas entre leitores bem informados como também junto à
imprensa fora do eixo Rio-São Paulo. O fim do controle das verbas publicitárias pela grande mídia,
gradativamente passou a revitalizar a mídia do interior. Em temas nacionais, deixou de existir seu
alinhamento automático com a velha mídia.
Em breve, mudanças na Lei Geral das Comunicações abrirão espaço para novos grupos entrarem,
impondo finalmente a modernização e o arejamento ao derradeiro setor anacrônico de um país que
clama pela modernização.

As ameaças à liberdade de opinião


Dia desses, me perguntaram no Twitter qual a probabilidade da imprensa ser calada pelo próximo
governo. Disse que era de 25% - o percentual de votos de Serra. Espero, agora, que caia abaixo dos
20% e que seja ultrapassado pela umidade relativa do ar, para que um vento refrescante e revitalizador
venha aliviar a política brasileira e o clima de São Paulo.

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