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Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF

Aila Kathleen Sais da Silva

No texto “Mouros e cristãos : a ritualização da conquista no velho e no Novo Mundo”


escrito por José Rivair Macedo, o autor inicia destacando a relevância e a ainda
existente dramatização da disputa entre mouros e cristãos em confraternizações no
interior do Brasil, integrando a mesma à cultura folclore do país. Essa dramatização
ocorre também com o nome de cavalhadas, jogo eqüestre onde os cavaleiros
demonstram sua habilidade do manejo das armas e domínio sobre o cavalo. O jogo
contém provas em que os participantes devem atingir metas colocadas em
competição, como cabeças de papelão e recolher argolas penduradas em uma trave,
tudo isso em velocidade em cima do cavalo, assim encenando o combate entre
mouros e cristãos que não se resume apenas a isto, antes há uma breve apresentação
dos grupos competidores e a troca de embaixadas onde o rei cristão convoca os
mouros a aceitarem o cristianismo, e diante de uma resposta negativa, se da inicio a
guerra.

Além da dramatização, a vestimenta também é bem caracterizada, onde os cristãos se


vestem com cores azuis e os mouros com vermelho, os animais presentes no ritual
também são enfeitados alguns com estrelas e outros com a lua crescente. Geralmente
no fim os mouros são derrotados e acabam aceitando o batismo, assim se
convertendo. A descrição do ritual citada pode haver variações diante do local onde
esta inserida, ou seja, pode variar de acordo com a época e o local realizado. Ademais,
o que o autor acredita que pode variar diante do local é a essência do ritual, nos dois
lados do Atlântico o ritual tem como objetivo reforçar as identidades coletivas, já no
caso Europeu, o ritual reforça a identidade nacional e religiosa por retratar um marco
em sua história, a reconquista cristã aos muçulmanos, quanto ao Novo Mundo o ritual
tem dois papéis, fortalecer os laços culturais cristãos e renegar a presença islâmica em
solo ibérico.

Por fim, segundo o historiador, estas atividades lúdico-recreativas tem como retomada
história a reconquista da península ibérica aos mouros, com o objetivo de refletir
sobre a maneira que se obteve a construção histórica e social dessa identidade e com
o efeito de ter como lembrança a luta dos mouros, ou a vitória contra eles, que
também esta muito presente na iconografia peninsular.

Como toda dramatização à cerca de acontecimentos históricos, a luta entre os mouros


e os cristãos também contém personagens marcantes, como a cavalaria, a princesa
moura Floripes, o emissário que fala em nome do seu rei, e até os cristãos que são
liderados pelo imperador Carlos Mogno. O enredo original dessa trama se caracteriza
pelo combate entre os Pares da França e o exército do Rei Marcílio, cravando o
primeiro acontecido na história a epopéia cristã na luta contra os sarracenos, onde os
guerreiros francos eram considerados mártirs, mouros e sarracenos os inimigos de fé e
Carlos Mogno sempre lembrado como vencedor absoluto e implacável, além de
defensor e promotor da fé cristã.

Rivair Macedo também retrata a questão da memória, e em como ao passar dos anos
o assunto pode sofrer alterações, como quem é exaltado ou não, quem é contestado e
afins. O autor evidencia também que alguns autores afirmar que a memória carolíngia
foi refutada em alguns lugares na época, ou pelo menos aprendida de maneira
diferente da qual foi até aqui retratada. Essa rejeição pode ter ocorrido pelo fato da
necessidade de heróis mais próximos que melhor representassem a guerra da
Reconquista, que segunda a historiadora Adeline Rucquoi possivelmente foi Geraldo-
Sem-Pavor e Afonso Henriques que exerceram esse papel de símbolos na luta contra
os mouros.

O historiador logo em seguida evidencia o poder da literatura para disseminar o


conhecimento sobre o combate entre mouros e cristãos, realçando como ocorreu a
construção dessa memória coletiva, citando a importância da difusão de romances de
cavalaria, exaltando o livre de Nicolau de Piemonte, que repercutiu muito no Brasil e
continha detalhes sobre a temática das cavalhadas em sua segunda parte, tendo
descrito a parte do combate, a conversão dos mouros, a prisão de Oliveiros e dos
quatro Pares Da França por Baleão, a vida amorosa da princesa Floripes, a vida de
Carlos Mogno e a conversão da princesa.

Macedo comenta logo após, a afirmação de Luís da Câmara Cascudo, importante


pesquisador das tradições populares brasileira que sem hesitar dizia que a História do
Imperador Carlos Magno e dos Doze Pares de França teve forte impacto no Brasil,
sendo uma das obras mais lidas pelo povo brasileiro até o inicio do séc XX. Essa obra
teve tanto sucesso no Brasil que seu domínio na zona sertaneja era imenso, havendo
sempre sessões de leitura em voz alta, onde seus ouvintes, mesmo sem o domínio da
leitura, decoravam cada pedaço da história. O autor também comenta a grande
influência que a obra teve sob autores brasileiros na metade do séc XX, como
Monteiro Lobato e Oswaldo de Andrade.

O historiador deixa claro que os rituais coletivos acontecem de maneira diferente de


lugar para lugar, comentando alguns exemplos, entre eles o Morris dance, na qual dois
grupos dançam com os rostos pintados de preto executando coreografias com espadas
e lanças estilizadas. Ademais, ele ressalta que havia como padrão dos cavaleiros
medievais essa renuncia aos mouros advindos dos europeus, perpetuando assim a
oposição binária entre cristãos e os seguidores de Maomé. Logo em seguida trata em
como isso foi trazido até o Brasil, afirmando que os primeiros portugueses instalados
no território reproduziam esse padrão dos cavaleiros medievais e consumiam os livros
de cavalaria, espalhando pela colônia exemplares de romances.
Contudo, é evidenciado no artigo a figura de Santiago de Compostela, ícone da luta
contra os mouros que era sempre reverenciado pelo grito de guerra da Reconquista
Ibérica “A eles, com Santiago”. A devoção a Santiago nos diz muito sobre a
transplantação cultural analisada no texto, onde os colonizadores continuavam a se
enxergar nos heróis cristãos medievais, mas por outro lado designou ao índio a figura
do inimigo, os mouros. Foi então que o europeu usou disso para afirmar sua alteridade
novamente, prejulgando como incorreto o desconhecido, na própria catequização se
vê em evidencia essa demonização dos índios. Ainda sobre Santiago, o autor discorre
sobre as pinturas nas igrejas mexicanas, onde antes a imagem tradicional era a de
Santiago Matamoros, desenho dele em um cavalo esmagando inimigos muçulmanos,
porém aos poucos em seu lugar foi reposta pela imagem de Santiago Mataíndios,
sendo o inimigo agora os índios.

José Rivair analisa como a resposta para a continua encenação da luta entre moros e
cristãos a idéia de manutenção da ordem pela violência, ainda mais à fundo, o autor
encontra no dizer de Marilyse Meyer algo que vai de encontro com seu pensamento,
quando ela diz que o engodo disso tudo acontece para demonstrar o desejo de um
mundo único que impõe seu molde com uma violência legitimada pelos heróis que
propõe como modelo, ou seja, o desejo de haver um ideal, e tudo que não se encaixar
nessa padrão ser exilado pela violência.

O autor finaliza analisando as vicissitudes históricas desse combate no Brasil,


atenuando a representatividade dos moros, e averiguando quem esta presente nesses
rituais hoje em dia, que são negros, mulatos e cafuzos, descendentes distantes dos
afro-muçulmanos da época da reconquista, dizendo ainda que eles aceitam somente
vestir a roupa dos infiéis pois na festa seguinte poderão vestir o azul cristão,
desafiando o inimigo.

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