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Agenciam entos, eventos e e ficá cias no Candombl é 1

Francesca Maria Nicoletta Bassi Arcand

(UFBA)

f.yansa@gmail.com

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Trabalho apresentado na 29a Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias
03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN (GT 36).
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Resumo
No horizonte do Candomblé da Bahia, a ordem de determinados eventos que marcam as
biografias dos adeptos é dissociada da intencionalidade humana e pensada em continuidade
com materialidades (alimentos, substancias e artefatos), sendo tais materialidades
conectadas com as capacidades intencionais de subjetividades não-humanas (Orixás, Odus,
Eguns etc.). Elementos, cromatismos e substâncias podem ser significativamente
associados às sensibilidade do corpo, mobilizando-se assim, ao mesmo tempo, a memória
mítica, as diversas intencionalidades dos não-humanos. Os eventos são portanto
pensáveis como agencias que expressam relações. Além disso, o antropomorfismo
atribuído aos elementos e artefatos (oferendas) convertem as ‘affordances’, dando
relevância cognitiva especial e eficácia aos contextos rituais e terapêuticos específicos.

Palavras chave : Candomblé, eficácia ritual, eventos.

Introdução : eventos e essências

Este artigo visa analisar como, no horizonte do Candomblé da Bahia2,


continuidades e descontinuidades entre as dimensões internas (disposições e intenções) e
externas (corpo, objetos, elementos, substâncias e artefatos) (DESCOLA 2005) são levadas
em conta nas práticas rituais e terapêuticas. Por um lado, os eventos negativos e reações
físicas podem ser concebidas como efeitos de contato ou proximidade com elementos ou
substancias do mundo; por outro lado, esses objetos são mediadores de agências de
entidades mais ou menos antropomorfas (Orixás, Eguns, Odu ). De fato, estes elementos,
e substâncias se articulam, durante os ritos, com a superfície do corpo dos adeptos,
evocando ao mesmo tempo, agencias de ordem antropomórfica e cosmológica (os orixás e
os ‘caminhos’ do destino, notadamente). Segundo um duplo registro, elementos ou
artefatos são considerados, nos rituais, para além do valor de uso, assim que, de forma
contra-intuitiva (HOUSEMAN & SEVERI 1994), eles tem um acréscimo de ‘sentido’, isto
é, uma carga simbólica e paradoxal, que dá-lhes uma eficácia particular (HOUSEMAN
2003;2006). Mas, de que forma, neste culto afro-brasileiro, as materialidades e os
elementos sensíveis condensam a presença de entidades invisíveis? Como os elementos
mostram aos adeptos os ‘caminhos’ do destino, isto é, a inclusão numa determinada viagem

2 O trabalho de campo foi efetuado em terreiros de candomblé (Nagô) de Salvador e Itaparica (Bahia).
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existencial onde eventos, ainda velados, já são predeterminados?
De fato, os eventos não são pensados como acontecimentos ex novo, eles são
potencialmente presentes, situados em domínios do mundo, isto é, em ‘caminhos’ virtuais a
serem percorridos (LACOURSE 1981), sendo associados a certas essências ou princípios
capazes de fazê-los desencadear. A eficácia do destino pode ser inativa (como dizem os
filhos-de-santo isto é, a energia associada ao caminho pode estar “dormindo”), portanto
deve-se bem interpretar os signos (odu) para amenizar os determinismos negativos, fazendo
“despertar”, com o trabalho ritual, somente os efeitos positivos.
Esta arregimento de eventos e essências (BASTIDE 1973), é alistada com as
anedotas de tempo mítico, quando gestos e aventuras dos primeiros ancestrais divinizados
(orixás) envolveram os não-humanos (alimentos, cromatismo, objetos, substâncias e
elementos naturais, etc.), produzindo eventos ‘protótipos’, definíveis como um conjunto
ações e reações entre os existentes (entre entidades antropomorfas e outros existentes quais
plantas, animais, substancias, lugares, etc.). Assim, segundo uma abordagem
essencializada, num nível arquetípico de eventos (categorias de acontecimentos míticos),
um tempo paradigmático constitui-se como um horizonte tanto para pensar as relações entre
existentes quanto para formar um referencial operatório para o controle ritual do destino
pessoal.
No jogo de búzios, na busca desses determinismos existenciais, o pai/mãe de santo
(exercendo a função de adivinho), desvenda o signo do destino (odu) que exerce influencias
evocando eventos míticos analógicos à situação atual da pessoa que consulta (AQUINO
2005). Segue portanto a conexão entre categorias de eventos, agencias dos seres do tempo
primordial e aqueles existentes não-humanos (animais, elementos do mundo, substâncias,
etc.) implicados nesses eventos míticos. Eles se convertem em mediadores eficazes e
substitutos sensíveis dessas intencionalidades invisíveis. O acesso aos seres invisíveis se
coloca, portanto, no candomblé, em relação a investigações sobre os objetos associados a
intencionalidades e a protótipos de eventos. Isso indica também que os eventos são, de
alguma forma, o resultado de agências objetiváveis (que podem ser ritualmente
controladas). Assim, a partir da relação entre os objetos, elementos e artefatos de todos os
tipos, por um lado, e as categorias de eventos e intencionalidades, por outro lado, a
atividade ritual e terapêutica pode ser estabelecida.

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Os caminhos e os elementos do mundo

Em quanto as práticas rituais pressupõem engendrar transformações utilizando


essências, deve-se analisar como o engendramento dos eventos esperados depende da
dimensão cosmológica do destino. Uma filha-de-santo assim fala dos odus (os signos de
destino) quando lembra da viagem infeliz do orixá Oxalá o reino de Xangô :

Os dezesseis Odus são príncipes e eles tem uma família. Eles são o destino. Os
orixás também estão sujeitos ao destino. Vemos isso quando os orixás não tem
escutado o adivinho. Oxalá, por exemplo, começou uma viajem memorável para o
reino de Xangô : o babalaô (adivinho) lhe tinha advertido que sua viagem seria
lamentável (Cici de Oxalá).

Tanto os seres humanos quantos os ancestrais míticos divinizados (orixás)


encontram-se nas malhas do destino, sendo este concebido como um percurso obrigatório,
mas controlável, da existência. Portanto, se devem evitar os perigos cuidando de obstáculos
e armadilhas que possam surgir nesse percurso existencial. Muitas vezes chamado de anjo-
da-guarda, o destino pessoal é como um caminho cujas características são explicitadas nas
‘falas’ dos orixás (eles comunicam o destino por meio dos búzios). Os orixás são
discriminados de acordo com qualidades específicas devidas às suas varias colocações nos
acontecimentos primordiais. Ogum, por exemplo, orixá da guerra, é uma única ‘energia’,
todavia, como explica uma outra filha-de-santo, tem nomes e qualidades diferentes segundo
seus diferentes caminhos.

Cada orixá tem diferentes “caminhos”, por isso muda seu nome dependendo da
qualidade. Quando o bebê nasce, ele já tem o seu anjo-da-guarda. O anjo-da- guarda
pode ser bom ou ruim, pode ser “pesado” ou “leve”. Ele espera para o bebê e ele já
está lá desde o nascimento. Às vezes, o anjo-da-guarda vem com orixá, porque
quando orixá é encantado por uma pessoa, ele se encosta e quer ser ‘feito’. Quando
vejo uma pessoa com problemas, uma pessoa com vícios, uma pessoa doente por
causa de seus maus hábitos, eu acho que um destino infeliz acompanha. Ela não
teve a chance de ter um bom anjo-da-guarda. Ao nascer, ela teve um anjo-da-
guarda pesado (Rosamunda de Ogun).
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Este envolvimento no destino compreende, assim, uma associação analógica entre
os acontecimentos da existência da pessoa e a categorização de eventos míticos (os mitos
relatam doenças, infortúnios, brigas, etc.). O determinismo, portanto, marca a pessoa,
assim como marcou os Orixás, também incluídos nos caminhos do mundo desse tempo
primordial. Segundo Beniste (1999), a noção Yoruba de Eleda corresponde aos orixás que
“falam” no jogo : eles se manifestam como protetores da pessoa. Este conceito é um pouco
controverso porque, de acordo com Rosamunda e outros filhos-de-santo, Eleda é tanto o
orixá protetor quanto o destino atribuído à pessoa (odu). No entanto, si se considera que
também os orixás estão envolvidos nos odus, não é de estranhar que Rosamunda usa o
mesmo termo (anjo-de-guarda) para significar o destino e os orixás protetores associados.
Isto faz que a pessoa seja incluída, segundo formas personalizadas, num destino objetivado
nos caminhos do mundo. Esta noção de destino é tanto cosmológica quanto ontológica e
antropológica, combinando essências e eventos, intencionalidades e agencias. Assim, a
cada uma das minhas perguntas, este conceito complexo de destino, ligado à noção de
‘caminho’, ou seja à existência que acontece aqui e agora, mas que pode ser enxergada
como uma “história de vida já traçada”, voltou à superfície, apesar de alguns ajustes
sincréticos que emerge no emprego dos termos.

O destino que traz a doença


Agora que temos situado os eventos no contexto de um determinismo mais ou
menos favorável ou desfavorável, podemos ver de que maneira o trabalho ritual ajuda a
amenizar um destino ruim, associado ao mal-estar ou a doenças. José Beniste (1999),
iniciado à prática da adivinhação, descreve, por exemplo, como o signo (odu) Osa Meji
representa as Yamís, isto é, as feiticeiras, forças da magia negra associadas à noite e ao
fogo (p. 46). Sempre segundo Beniste, este signo domina partes do corpo humano,
especialmente as aberturas e as extremidades, mas também as partes mais íntimas : as
narinas , as orelhas, os olhos, as pernas, a vagina e o sangue menstrual; de fato Osa Meji
controla o sangue, a abertura dos olhos e dos intestino e esta última atribuição o torna muito
perigoso. Seu domínio (regência) é descrito da seguinte forma: “Este signo não faz
diferença entre ricos e pobres , reis e chefes (...). Osa Meji se encontra no fluxo menstrual
e no útero da mulher, onde este odu tem efeitos terríveis” (1999 : 47). Beniste (ibidem)
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aponta também que certas divindades são associadas com o signo Osa Meji : tem
afinidade com Iemanjá, Iansã, Orixalá, Iroko e Oxum. Algumas cores correspondem a
este signo, principalmente a cor vermelha, mas também as cores branca e azul. Iemanjá
parece ser incompatível com o signo, como é explicado em um mito (BENISTE 1999 : 20-
21) : Yemowo (uma qualidade de Iemanjá ), esposa de Oxalá, banho-se durante a
menstruação num rio provocando, involuntariamente, a poluição das águas. Quando as
Yamís descobriram o crime, devoraram Yemowo e Oxalá. As pessoas associadas a este
signo devem, portanto, evitar de se relacionar com os elementos que compõem as
oferendas a Iemanjá, eles também devem evitar o vinho de palma, o mel, feijão , folhas de
Iroko, bambu e todos os itens feitos com ele, pois estes elementos estão associados aos
eventos negativos narrados no mito. O uso destes elemento teria portanto um poder
evocativo eficaz, produzindo fatos negativos análogos (distruição, feitiçaria, sangue e
abortos).
Esta narração mítica diz também respeito a uma incompatibilidade entre o sangue
e Oxalá, o que não deixa de ter implicações sobre o comportamento ritual de iniciados. Em
geral, os filhos de Oxalá devem evitar contato com o sangue dos sacrifícios e devem evitar
vestir-se de vermelho. As dimensões factuais do destino percebe-se nestes interditos, cuja
violação pode produzir transformações objetivas; de forma parecida, na narração mítica
analisada, os erros são a- éticos, isto é, são concebidos como negligências involuntárias
(estima-se que Yemanjá não fosse ciente dos problemas que ia causar com a sua impureza
a contaminação das águas do rio) e indicam uma dimensão vital (em vez que moral) das
coisas e das pessoas.
Note-se que os orixás citados estão relacionados com a fertilidade. De fato, na
caracterização mítica, Oxalá e Iemanjá são os genitores primordiais. As Yamís, ao
contrário, estão negativamente associadas com a fertilidade feminina e a geração de outros
seres: elas podem causar aborto, enquanto Iemanjá é o orixá protótipo é a mãe. As Yamís
são um perigo real para as barrigas das mulheres : “Quando a gente faz um trabalho ritual
para uma mulher grávida, tudo pode acontecer no nível de energia. Mesmo uma troca com
as Yamìs pode ser necessária, porque a energia delas deve sair da barriga da mulher”
(Neivaldo, pai de santo). Estas palavras indicam uma interpretação das narrativas
mitológicas relativas às incompatibilidades entre as partes do corpo, as “energias”, as

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agencias, os elementos de contaminação, as doenças etc. Os pais/mães de santo devem
levar em conta todas as relações entre as entidades, os elementos, os acontecimentos
míticos e a situação atual do adepto durante as práticas rituais e terapêuticas.

A regência: despachando o mal


Osa Meji refere-se principalmente à capacidade destrutiva da magia negra e à
perigosa força do sangue, que causa a morte e o aborto. Como indica ainda Beniste
(ibidem) a capacidade de diminuir outrem é típica também dos ‘nativos’ deste signo : em
quanto feiticeiros (inconscientes) eles podem, inadvertidamente, destruir a força sexual do
parceiro pelo simples olhar. Esta eficácia corresponde a um poder objetivo associado à
regência deste Odu, sendo as forças ocultas o marco das pessoas deste signo. Os ‘nativos’
do signo encontram-se, então, na dupla condição de objetos e sujeitos de forças, isto é, a
eficácia de Osa Meji é inseparável da pessoa ‘nativa’ do signo quando ela não toma
precauções rituais adequadas. Em geral, devem ser respeitados tabus e devem ser feitas
oferendas. Em caso de gravidez arriscada, por exemplo, panos vermelhos devem ser
oferecidos ao signo para desviar a sua capacidade de fazer abortar, a oferenda sendo
concebida como um substituto da mulher grávida. É, portanto, despachado o lado negativo
do Odu, de acordo com a lógica da troca. Inversamente, um excesso de vermelho - em
vestuário, notadamente - é considerado fonte de perigos para quem está sob a influencia
do signo, porque o nativo e o signo estão, neste caso, numa condição de homologia de
forças e deve-se evitar o abuso de princípios transformativos poderosos. Muitos interditos
cromáticos no candomblé repousam em princípios semelhantes.
De fato, o destino das pessoas encontra-se incluído nas regências dos odus e é
governado por forças que deve ser monitoradas, sendo o controle possível também a
partir do corpo e dos elementos do mundo, permitindo manipulações rituais eficazes. As
‘purificações’ do corpo com grãos, feijões, e objetos variados pressupõem, por exemplo, a
possibilidade de veicular sensivelmente as energias invisíveis associadas a essas regências
e evitar eventos ruins. Na maioria das vezes, os elementos e objetos (grãos, pedaços de
frutas, velas , charutos, etc. ) são passados no corpo, dos ombros para baixo, sem esquecer
as solas dos pés e as mãos. Um pombo (ou outras aves) também pode ser localizada no
piso, as asas presas sob os pés do adepto : uma vez solta irá tomar sobre si as
negatividades que devem ser afastadas.
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O jogo divinatório pode dar origem a instruções de despachos específicos:
“Apresentou-se um odu: toda quinta-feira você vai ter que passar um feijão no corpo
(feijão fradinho ) e depois colocá-lo em um lugar na floresta” me diz o Babalorixá
Neivaldo durante uma consulta. Neste caso, o ato de passar o feijão no corpo tem
finalidade preventiva e deve ser feito semanalmente para evitar eventos problemáticos
relacionados com o signo em questão. A passagem dos objetos sobre o corpo, no caso de
despacho de eventos negativos, indica que é necessário se livrar da parte negativa do odu e
colocá-la numa área do mundo que seja de seu domínio. Aparece aqui claramente a visão
cosmológica dos eventos, cuja dimensão é tanto espacial quanto temporal, apontando assim
como objetos, elementos, lugares são pensados em continuidade com as biografias de
pessoas que podem, desta forma, ser controladas e beneficiadas. As energias negativas do
adepto vão da superfície do corpo aos elementos (o feijão fradinho, no caso citado) e
depois voltam para as próprias áreas do mundo - a floresta como em outros lugares, tais
as encruzilhadas, o mar , etc. a cada vez associadas aos diferentes odus, o que convida a
pensar na complexa relação analógica entre dimensão cosmológica e dimensão
evenemencial e humana. O signo, cuja energia é localizada em áreas específicas do mundo,
onde os restos dos elementos de limpeza e as oferendas são depositadas, vai integrar
novamente as próprias energias, neutras em si mas nocivas para o o adepto. O signo se
‘alimenta’ das oferendas e, em troca, esquece a pessoa, isto é, deixa de exercer sua
influencia objetiva. Em definitiva, o odu é pensado como entidade, mas também como uma
regência, um domínio, um setor do mundo onde vários eventos, bons e ruins são presentes e
podem ser controlados e ativados. Para uma lógica ocidental, linear e dicotômica, esta
conjunção de bem e mal, essência e evento, tempo e espaço é desnorteadora e dificulta
o entendimento dos aspectos cosmológicos e ontológicos que sobejassem às práticas rituais
e produzem os processos de individuação específicos do candomblé.

Conclusão

A lógica paradoxal de ‘alimentar’ o odu em troca de amenizar o destino começou a


se revelar para mim quando, participando a vários ebós (conjunto de rituais de purificação
e de oferendas), compreendi que os signos são despachados e alimentados ao mesmo
tempo. Segundo o pai de santo Neivaldo, deve se restituir ritualmente ao signo tudo o

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que é negativo : “Devemos levar apenas as energias positivas dele . Como você faz ? Tem
é o corpo ... Devemos, então, fazer um ebó (conjunto de limpeza ritual e oferendas).
Devemos passar um charuto ou outros elementos no corpo para remover toda a
negatividade que existe no caminho, mentalizando que assim queremos passar tudo isso
com nos elementos que passamos no corpo... é a mesma coisa no caso das comidas a ser
dadas às energia ... é a mesma coisa no caso de Exu” (Neivaldo, pai de santo). Os odus,
evidentemente, não podem ser exorcizados, pois são os ‘príncipes’ do mundo, isto é,
domínios do cosmo.
Podemos portanto colocar algumas questões finais que merecem ser discutidas
nesta apresentação: i) o destino da pessoa é definido e redefinido quando os eventos que a
afetam precisam ser entendidos; ii) os eventos são índices de agencias (ZEMPLÉNI 1995)
mais ou menos antropomórficas (orixás, odu) e são situados em dimensões naturalizadas e
cosmológicas; iii) segundo esta visão cosmológica, o ‘mal’ (perigos, doenças) pode ser
neutralizado e o lado negativo do odu pode voltar a ser inócuo, uma vez ‘alimentada’ e
recolocada sua energia no seu domínio natural, isto é, no seu lugar de origem (HERTZ
1922); iv) os elementos do mundo restituem mediações que fluem entre níveis
cosmológicos e antropológicos, entre objetos e sujeitos, entre essencias e eventos, entre
agencias e intenções, num circuito de troca entre dimensões visíveis e invisíveis.
Em definitiva, as materialidades e os corpos são mediadores sensíveis de
intencionalidades invisíveis (orixás e odus, notadamente), assim que os rituais produzem
transformações eficazes e propiciam eventos positivos, criando contextos para ação
altamente simbólicos e paradoxais, favoráveis a suscitar saliência cognitiva (HALLOY
2005) e a adesão dos adeptos. São assim criados efeitos contra-intuitivos em contextos
rituais específicos, isto é, são mobilizados elementos e materialidades de forma dissociada
do valor objetivo de uso e associadas a evocações variadas (SMITH 1979).

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