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A LENDA DE AANG: COMO A RECUSA DO DESTINO AFETA A INDIVIDUAÇÃO

Paulo César Pereira de Jesus Souza1


Lucy Regis Lins2

Resumo
O artigo elucida reflexões sobre a Teoria Junguiana e alguns conceitos chave da abordagem
como o destino do sujeito humano e o Processo de Individuação. Foi utilizada como pano de
fundo a série de desenho animado estadunidense Avatar: A Lenda de Aang (Avatar: The Last
Airbender) – animação criada sob influência das lendas e cultura coreanas e orientais. O
objetivo deste artigo é pensar a riqueza de conhecimento presente na história para
entendimento da teoria Junguiana, fazendo paralelos com os caminhos percorridos pelas
civilizações em seus aspectos de desenvolvimento. O método utilizado foi o qualitativo,
observando os fenômenos apresentados na obra de ficção, suas relações com a produção
bibliográfica de Carl Gustav Jung (1875-1961), e conhecimentos afins à Psicologia Analítica,
considerando o destino e do processo de individuação. Nota-se que há concordâncias
riquíssimas entre os elementos multiculturais presentes nos paralelismos realizados e que fez-
se concluir e considerar a teoria como grande fonte de sabedoria para o entendimento de si
mesmo e do sujeito no mundo.
Palavras-chave: Psicologia Junguiana. Avatar Aang. Destino. Processo de Individuação.

INTRODUÇÃO

A todo tempo estamos cercados de movimentações socioculturais que, muitas vezes,


não compreendemos e não alimentamos o devido sentido e respeito pela subjetividade nelas
impressas. Pensando nestas movimentações, tratar de temas como o destino do sujeito
humano e o Processo de Individuação na perspectiva Junguiana, parecem-nos caminhos
coerentes para questionar a que passo está o desenvolvimento psicológico enquanto
entendimento de si mesmo e do nosso lugar no mundo.

Assim, buscamos reflexões na obra de ficção Avatar: A Lenda de Aang (Avatar: The
Last Airbender), para termos parâmetros comparativos com os escritos da teoria Junguiana,
estabelecendo correlações possíveis entre o desenho animado, os conceitos da Psicologia

1
Graduado Psicologia pela Unime Salvador – União Metropolitana de Ensino, Pós-graduando em Teoria
Junguiana pela Clínica Psique e Faculdade Hélio Rocha. E-mail: psicesar.souza@gmail.com
2
Pós-graduada em Psicologia Analítica, Psicóloga Clínica pela UFBA (1997). Orientadora do Trabalho de
Conclusão do Curso. E-mail: lucyregislins@hotmail.com
2

Analítica e os acontecimentos multiculturais percebidos na humanidade, tentando


compreender as influências do processo de individuação e seu entendimento sobre a recusa do
destino do sujeito enquanto fenômeno biopsicossocial.

Foi através de Carl Gustav Jung (1875-1961) que chegamos a um olhar psicológico
para o estudo sobre o destino e seus conflitos com as vontades do ego e, baseado em seus
conceitos e nas ramificações destes, pretendemos transcorrer os caminhos da individuação
amparada pelos seus arquétipos e suas manifestações referentes a “uma camada mais
profunda, que já não tem sua origem em experiências ou aquisições pessoais, sendo inata”
(JUNG, 2014, p.12) denominada inconsciente coletivo.

Dentre os tópicos fundamentais para compreensão das análises seguintes estão os


arquétipos da sombra, da grande mãe, do paterno, do herói, do velho sábio, da criança e do
Self. Estudos sobre lendas e mitos, alquimia e a formação dos símbolos na Psique, são
desenvolvidos ao longo do artigo, assim como tópicos de referências à função religiosa no
psiquismo humano, as ideias de dualidade e integração de opostos, e as implicações da recusa
do destino, que fazem parte dos enredos da individuação e não podem passar despercebidos.

1. AVATAR: A LENDA DE AANG – ENTENDENDO A HISTÓRIA

O desenho animado surgiu do encontro entre Bryan Konietzko e Michael DiMartino.


Eles se conheceram em 1995 e em 2002 decidiram criar uma animação para apresentar à
empresa Nickelodeon Animation Studios. (TELLES, 2017, YouTube: Canal Culturas Insanas).
Para aprofundar o enredo da criação, os amigos viajaram para a Coreia e aprenderam as
lendas e bases culturais da região asiática visando transpor realidade à animação.

Tudo começa quando os humanos aprendem a dominar/dobrar (termo utilizado como


referência a manuseio) as energias dentro de si. Com o tempo, eles compreendem a existência
dos quatro elementos (água, terra, fogo e, ar) e inicia-se a divisão do mundo em quatro
civilizações: as Tribos da Água, o Reino da Terra, a Nação do Fogo e, os Nômades do Ar.

A capacidade de dobrar os elementos é concedida aos humanos através das


Tartarugas-Leão, seres mitológicos antigos que possuíam conexão com os elementos
primordiais e com plano espiritual. A partir disso, surge o Wan, o primeiro Avatar, capaz de
dobrar o fogo. (LOBO, 2018, YouTube: Canal Mundo Avatar). A lenda conta que, ao morrer,
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o espírito Avatar reencarna num novo indivíduo, obedecendo a seguinte ordem do ciclo: fogo,
ar, água e, terra.

Apesar de receberem a capacidade de dobrar os elementos pelas Tartarugas-Leão, os


humanos não possuíam habilidade para manusear os elementos, sendo necessário aprender
estas técnicas com os chamados dobradores originais: os dragões ensinavam a dobra de fogo,
os bisões voadores ensinavam a dobra de ar, a lua ensinava a dobra de água e, por fim, as
toupeiras texugo ensinavam a dobra de terra. (LOBO, 2017, YouTube:Canal Mundo Avatar).

A lenda de Aang tem início quando ele é encontrado pelos irmãos Katara e Sokka da
Tribo da Água do Sul. Aang havia fugido de sua casa no Templo do Ar do Sul ao descobrir,
aos 12 anos, que ele era o novo Avatar e tinha como missão manter o equilíbrio do mundo e
impedir a guerra que estava para começar, orquestrada pela Nação do Fogo. Assustado, ele
foge com seu bisão voador (criatura extinta que ensinou os nômades a dobrar o ar) mas ambos
são atingidos por uma forte tempestade e lançados ao fundo do mar.

Para sobreviver, Aang entra no chamado ‘Estado Avatar’ inconscientemente e cria


uma grande bola de ar congelada em que fica hibernando durante os próximos cem anos.
Neste período, a guerra tomou proporções desastrosas pelo mundo, já que o Avatar estava
desaparecido.

Uma série de aventuras e personagens marcantes surgem durante a saga de Aang, que
aos poucos aceita seu destino e inicia sua jornada para dominar os 04 elementos e tornar-se
um Avatar completamente realizado.

O desenho animado se encerra com todos convivendo pacificamente, mas a lenda


continua em edições de Histórias em Quadrinhos que nos levam à continuação da saga através
do novo desenho Avatar: A Lenda de Korra (Avatar: The Legend of Korra).

2. ANÁLISES E PERCEPÇÕES JUNGUIANAS

Podemos considerar que as representações simbólicas se expressam através da arte,


das lendas, de mitos, etc. e, “por não ser lógica, a forma de explicação do sistema mítico pode
ser compreendida como decorrente de um entendimento vindo, possivelmente, do universo
inconsciente” (ALVARENGA, p.35, 2007). Assim, a Psicologia Junguiana se utiliza de
símbolos para explicar a vida.
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A criatividade humana expressa fortemente sua própria necessidade de se simbolizar e


tentar voltar-se a si mesmo. Ao contemplar a série de Avatar com um novo olhar, focando nos
aspectos psicológicos e simbólicos, notamos diversas referências à teoria Junguiana. Para que
haja um entendimento didático, separamos alguns desses fragmentos atribuindo-os a
determinadas personagens e situações.

2.1. KATARA E O ARQUÉTIPO DA GRANDE MÃE

Katara é a responsável por encontrar o jovem Aang congelado num iceberg. Ela é a
única dominadora de água da Tribo do Sul. Aos 08 anos, sua tribo foi atacada pela Nação do
Fogo e sua mãe foi morta. Seu pai precisou abandonar a tribo para se juntar aos guerreiros do
Reino da Terra durante a guerra, e ela se viu na obrigação de cuidar do restante da tribo junto
com seu irmão Sokka.

Ao assumir esta responsabilidade, Katara sempre demonstrou intenso comportamento


materno. Neste aspecto, é possível perceber como o “arquétipo pode se manifestar de forma
“espontânea” ou se manter numa relação de compensação com a consciência da pessoa na
qual ele surge” (NEUMANN, 1996, p.24), já que houve a perda de sua mãe, a compensação
desta falta se deu em assumir o papel de Grande Mãe.

Não por acaso, Katara está vinculada à dominação do elemento água que, por sua vez,
sofre influências energéticas diretas da Lua, pois, como vimos, a Lua foi a primeira dobradora
de água, devido à sua relação com o Oceano, no movimento de empurrar e puxar as ondas.

A água simboliza também a força de regenerescência e purificação física, psíquica e


espiritual (...) está ligada quase sempre ao feminino, à profundeza escura e à Lua (...)
também a fertilidade e a vida espiritual são frequentemente simbolizadas pela água.
(...) Mas a água também pode ter, como poder destruidor, um caráter simbólico
negativo. (LEXIKON, 2006, p.13).

Seu perfil está relacionado à deusa Deméter, a grande mãe, nutridora, o arquétipo do
materno que representa o instinto maternal da nutrição física, psicológica e espiritual dos
outros (SILVA, 2016). Katara desenvolveu a técnica de curar através das mãos, reafirmando
o aspecto de cuidado expresso em Deméter. Outra divindade semelhante é Iemanjá, rainha das
águas, deusa de origem africana, representada pelos grandes seios nutridores do mundo e mãe
de todos os orixás (SELJAN, 2017).

Ao descobrir o responsável pela morte de sua mãe, Katara vai à busca de vingança e
encontra o tal homem. Dotada da rara capacidade de dobrar o sangue no corpo das pessoas,
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ela controla o corpo do oponente e bloqueia temporariamente seu fluxo energético.


Percebemos o lado sombrio do feminino subjulgado pelo masculino. Ela se apresenta de
maneira similar a Lilith, a deusa renegada, “o demônio com mãos sujas de sangue, ela está
presente (...) na emancipação frustrada e nos castigos que as mulheres sofrem por desafiarem
as normas da sociedade” (ROBLES, 2006 apud SILVA, 2014, p.17).

Em dado momento da trama, Aang é atingido por um relâmpago lançado por Azula
(filha do Senhor do Fogo Ozai), ferindo-o mortalmente. Katara, o carrega morto em seus
braços, numa analogia à imagem da Virgem Maria ao carregar seu filho Jesus morto após a
crucificação, salientando o duplo aspecto da grande mãe que reintera a imagem da mulher
“escolhida para gerar e criar aquele que salvaria o mundo. Uma mulher decidida e corajosa
em que a igreja disseminou apenas a imagem da mãe virginal” (SILVA, 2014, p.19).
Valendo-nos lembrar que foi Katara quem despertou Aang do iceberg, simbolicamente
dando-lhe a vida.

2.2. TOPH E OS ARQUÉTIPOS DA ANIMA E DO ANIMUS

Em sua jornada Aang conhece Toph, uma menina cega que fugia de casa desde muito
pequenina e encontrava as Toupeiras Texugo, que também eram cegas. Graças a esses
encontros com os dominadores originais do elemento terra, ela desenvolveu a extraordinária
capacidade de “ouvir” as ondas sísmicas da terra e passou a “enxergar” o mundo pela
captação dessas ondas através de seus pés.

Na série, o elemento terra representa rigidez e inflexibilidade típicos do arquétipo do


animus. Uma curiosidade é que, inicialmente, a ideia dos criadores do desenho era que Toph
fosse uma personagem masculina, mas eles decidiram mudar o gênero da personagem, porém
mantendo sua personalidade rígida.

Possivelmente, podemos associar a escolha dos autores em tornar a personagem como


uma menina, com o fato da simbologia do elemento terra também estar relacionada, em certo
aspecto, à figura da grande mãe, a mãe terra, o feminino obscuro que é fecundado, o útero de
onde nasce a vida e também o lócus onde o homem repousa em sua morte. (LEXIKON,
2006).

Esta analogia com o gênero da personagem pode esboçar a lógica inicial da teoria
Junguiana sobre o animus e a anima de que “anima constitui o lado feminino da psique
masculina; o arquétipo de animus compõe o lado masculino da psique feminina” (HALL &
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NORDBY, 2014, p.38). Porém, esta concepção perdeu força com os estudos pós-junguianos
onde se entende que anima e animus são bipolares, representam funções psíquicas que nada
tem a ver com o gênero biológico da pessoa, compreendendo a importância do símbolo
arquetípico como se é vivido, e não o símbolo em si (BYINGTON, 1987).

Em linhas gerais, os elementos água e terra estão relacionados ao princípio passivo e


feminino – Katara e Toph participam do movimento de integração dos opostos em Aang.
“Devido à sua convivência íntima com os símbolos alquímicos, Jung passou a perceber a
grande função dos símbolos desses arquétipos na inter-relação das polaridades de um modo
geral” (BYINGTON, 1987, p.69).

Com a chegada de uma figura de animus mais intensificada, as polaridades se


alinharam e a turma passa a enxergar sua jornada com mais seriedade e podemos entender que
“o animus não consiste apenas de qualidades negativas como a brutalidade, a indiferença, (...)
Também apresenta um lado muito positivo e valioso; também pode lançar uma ponte para o
self através da atividade criadora” (JUNG et al, 2016, p.255).

Após embates com Katara, a figura de anima latente do grupo, Toph alivia a sua
rigidez com Aang e com os demais, mas não perde sua personalidade típica de dobradora de
terra. É notável que a estrutura psíquica de Toph era necessária ao grupo (ela surge na
segunda temporada da história) para a construção de maior maturidade e senso de
responsabilidade diante dos acontecimentos que estavam por vir.

2.3. ZUKO E O ARQUÉTIPO DA SOMBRA

Zuko é uma das personagens mais incompreendidas da série. Sua carga emocional de
raiva e rancor está diretamente ligada à sua má relação com seu pai, o Senhor do Fogo Ozai,
principalmente após o desaparecimento de sua mãe.

Por pertencer à linhagem real do fogo e ser o príncipe herdeiro do trono, as


expectativas da continuidade do poder recaíram sobre ele desde cedo. No entanto, Ozai não
lhe dava créditos quanto às suas habilidades. Numa dessas tentativas de provar o seu valor,
enquanto participava de uma das reuniões de guerra promovidas por seu pai, Zuko se colocou
de modo que foi incompreendido.

Para punir o jovem, ele arquitetou um duelo em Agni Kai (batalha entre dominadores
de fogo – em referência à Agni, divindade de fogo na Índia). Zuko acreditava que enfrentaria
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um general da Nação do Fogo que se sentira ofendido durante a reunião, porém, quando é
chegada a hora do duelo, ele se depara com o próprio pai e desiste de lutar. Porém, Ozai se
mostra impiedoso e ataca o filho, queimando-lhe o lado esquerdo do rosto, deixando uma
cicatriz como marca de que ninguém deveria contrariar o Senhor do Fogo, nem mesmo sua
família.

Além disso, Ozai baniu o seu filho alegando que a única forma de restituir a honra do
garoto seria se ele capturasse o Avatar. Zuko então parte numa jornada incansável para
restaurar sua honra e o respeito de seu pai – ele passa a viver à sombra de Aang. Sua
existência depende disso, sem o Avatar, Zuko não encontrava sentido para seu caminho.

Neste aspecto sombrio de Zuko, “o indivíduo sente-se impelido a dar livre curso ao
pior lado de sua natureza, reprimindo o que há de melhor nela (...) a função da sombra é
representar o lado contrário do ego e encarnar, precisamente, os traços de caráter que mais
detestamos nos outros” (JUNG et al, 2016, p.229).

Por conta de sua personalidade perturbada, introvertida e destrutiva, compreendemos


que Zuko representa a sombra arquetípica de Aang, principalmente por notarmos que o fogo,
elemento natural de dominação de Zuko, é a substância que o Avatar mais reluta em aprender
a controlar. O ar dominado por Aang e o fogo dominado por Zuko, ilustram os aspectos do
princípio masculino e ativo dos elementos. O fogo é sagrado, elemento de purificação
representado pelo sol, a luz, o raio, o sangue. Pensa-se sobre sua origem vir dos céus,
enquanto o ar surgiu da terra. O fogo pode ser considerado como elemento de destruição,
guerra, inferno. (LEXIKON, 2006). Talvez por isso, ele é tão temido por Aang.

Zuko desestrutura Aang por ter em seu comportamento a cegueira da maldade como
resposta às exigências de um coletivo do qual ele necessita corresponder e, “sob certos
ângulos, a sombra pode também consistir de fatores coletivos que brotam de uma fonte
situada fora da vida pessoal do indivíduo”. (JUNG et al, 2016, p.222).

Durante a primeira metade da série, pensamos em Zuko como a encarnação do próprio


mal. Essa imagem está carregada pela ideia de que, se ele pertence à Nação do Fogo e é
membro da família real, ele também é mal e perverso. Mas Jung (2000) nos faz questionar
esta personificação do mal em Zuko quando aborda que “bem e mal são em si princípios; e
princípios existem bem antes de nós e perdurarão depois de nós. (...) Estamos falando
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concretamente de algo cuja qualidade mais profunda não conhecemos realmente” (JUNG,
2000, p.183).

A crise de identidade em Zuko se passa quando tudo que ele acredita ser o seu destino
é colocado em dúvida pelas orientações de seu tio Iroh. Entendendo a história dos seus
antepassados, Zuko se arrepende e tenta ajudar Aang a dominar o fogo e vencer seu pai
terminando a guerra. “O fogo é vida, não só destruição” (GUERREIROS DO SOL, 3ª temp.,
ep. 13).

Nesta nova perspectiva, entendemos que, basicamente, Zuko foi, por muito tempo, um
bode expiatório do verdadeiro mal, ou da verdadeira sombra que pairava sobre o coletivo:

Enquanto a sombra pessoal é um desenvolvimento inteiramente subjetivo, a


experiência da sombra coletiva é uma realidade objetiva a que, de modo geral,
damos o nome de "mal". Ao contrário da sombra pessoal, que emite sinais positivos
quando envolvida pelo esforço moral, a sombra coletiva não é tocada por esforços
racionais e deixa-nos, portanto, com uma sensação de completa e absoluta
impotência. (ZWEIG & ABRAMS et al, 1994, p.187).

Com este pensamento sobre a sombra, compreendemos que o temor do mundo se


concentra na própria Nação do Fogo e no princípio de poder repassado por gerações, desde o
bisavô paterno de Zuko, o Senhor do Fogo Sozin. O mundo temia esta sombra coletiva e
projetava sua personificação em Zuko, quando os ideais destrutivos estavam alocados na
linhagem real Sozin, Azulon e Ozai.

2.3.1 ZUKO: ASPECTOS DO ARQUÉTIPO PATERNO POR SOZIN,


AZULON E OZAI

Já ficou claro que a relação familiar de Zuko não era das melhores. Grande
responsabilidade sobre isso está a cargo de seu pai Ozai, já que “o pai é um poderoso
arquétipo que vive no íntimo da criança. Também o pai é, antes de tudo, o pai, uma imagem
abrangente de Deus, um princípio dinâmico (...) vai ocupando todas as dimensões possíveis”
(JUNG, 2000, p.39).

Como que numa referência aos tratados da mitologia, o pai teme a perda de seu poder
para seu filho e o devora. Assim ocorreu com Urano, Kronos e Zeus; assim ocorreu com
Sozin, Azulon e Ozai. Todos obedeciam à característica de deuses dominadores, inflexíveis e
conquistadores, porém amedrontados com a ideia de serem destronados. (DOWNING et al.,
1994). Além disso, no paralelismo mitológico, podemos comparar o Senhor do Fogo Ozai
com o mito de Zeus, senhor dos céus e dos raios. (LEXIKON, 2006).
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A ligação entre Zuko e Aang se explica quando conhecemos a historia do Avatar Roku
(Avatar anterior a Aang). Roku e Sozin são os bisavôs materno e paterno, respectivamente, de
Zuko e eram melhores amigos na infância. Quando Sozin se tornou o novo Senhor do Fogo,
seus planos ambiciosos para expandir a nação tornaram esta amizade impraticável, chegando
ao ponto de Sozin deixar o amigo Roku morrer numa explosão vulcânica simplesmente porque
o Avatar era um obstáculo aos seus planos.

Zuko vem resgatar esta dívida com Aang, num emaranhado do destino, vivendo a
dualidade entre o bem e o mal pela sua herança familiar entre Roku e Sozin, até entender que
sua sina em capturar o Avatar está ligada à redenção de uma dívida, o que reforça que “as
raízes da psique e do destino vão mais longe do que o “romance familiar” e que, não apenas
as crianças, mas também os pais são simples ramos de uma grande árvore” (JUNG, 1909,
p.293).

Podemos compreender que o arquétipo paterno desempenhou em Zuko uma estrutura


negativa que ele não podia conter de início por se tratar de um aspecto do inconsciente
coletivo, pois “esta é a imagem, carregada com o dinamismo, que não podemos atribuir a um
ser humano individual (...) o poder do arquétipo não é controlado por nós; nós é que estamos à
disposição dele num grau que nem suspeitamos” (JUNG, 1909, p.305).

No caso de Zuko, o aspecto negativo do arquétipo paterno é tão intenso que,


inicialmente, ele assume a personalidade doentia do pai que, por sua vez, colou seu
comportamento na imagem arquetípica. “O poder dos pais guia a criança como um destino
mais alto. (...) Dirige com fios invisíveis as criações aparentemente individuais do espírito em
amadurecimento” (JUNG, 1909, p.308).

2.4. IROH E O ARQUÉTIPO DO VELHO SÁBIO

A vida de Iroh nem sempre foi preenchida por feitos benéficos. Irmão mais velho de
Ozai, era ele quem assumiria o trono como Senhor do Fogo quando seu pai Azulon morresse.
Porém, com a morte de seu único filho Lu Ten durante a guerra para o Reino da Terra, Iroh se
rende, e retorna para casa sem conquistar a cidade-estado de Ba Sing Se. Humilhado e
ultrajado, Iroh é traído pelo próprio irmão que assume o posto de novo Senhor do Fogo após a
misteriosa e repentina morte de Azulon.

Durante toda a série, as reflexões mais profundas e existenciais, são dadas por ele,
principalmente para seu sobrinho, Zuko. Uma de suas mais louváveis frases emerge no
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pensamento de Zuko quando ele imagina o que Iroh falaria para ajudá-lo a convencer Aang de
que ele havia mudado de lado: “Você tem que olhar para dentro de você para se salvar do seu
outro ‘eu’. Só aí o seu verdadeiro ‘eu’ vai se revelar” (ZUKO apud IROH, 3ª temp., ep. 13).

Ao acompanhar a história, nos intriga perceber como Iroh sempre sabia o que dizer às
demais personagens. Isso colabora com o conceito do arquétipo do velho sábio, pois “quando
aparece nos mitos ou contos de fadas tem a função de auxiliar o herói, que se encontra em
situação difícil e sem resolução de saída para o problema, que só se resolverá através de
autorreflexão profunda ou insight” (GONÇALVES, 2009, p.27).

O velho sábio comumente auxilia a jornada do herói arquetípico, no entanto, Zuko não
é propriamente um herói, mas sim Aang o é, porém ele não precisa do auxílio constante do
velho sábio, afinal seu auxílio se origina do próprio Self, já que, ele próprio é e foi criado por
monges. “Não encontrando em quem projetar o velho sábio, o herói, desesperado, pode
arrojar o seu jovem e inexperiente eu no papel do velho arquetípico. Se isso acontecer, o
próprio buscador iniciará um culto e atrairá seguidores” (NICHOLS, 2007, p.172).
Exatamente o que acontece com Aang quando inicia sua jornada e se utiliza dos conselhos dos
Avatares anteriores a ele, como veremos mais adiante. Mas quando Zuko “perde o caminho ou
depara com um impasse, o velho sábio costuma aparecer trazendo uma nova luz e novas
esperanças” (NICHOLS, 2007, p.170) através da figura de Iroh.

Ainda assim, encontramos um momento em que Iroh nos brinda com um grande
ensinamento de Jung: “A perfeição e o poder são superestimados. Acho que você foi muito
sábio ao escolher a felicidade e o amor” (IROH, 2ª temp., ep.20). Esta fala ocorre quando
Aang pede a opinião de Iroh sobre ele ter abandonado a possibilidade de completar seu treino
espiritual para ser um Avatar completamente realizado, e Jung nos diz: “Onde o amor impera,
não há desejo de poder; e onde o poder predomina, há falta de amor. Um é a sombra do outro”
((JUNG, 1997, p.8 apud SILVA & AOSANI, 2016).

O arquétipo do velho sábio e do Self muitas vezes são representações do mesmo


arquétipo, justamente por terem a função no psiquismo de reorganizar e direcionar o fluxo de
energia contido no afeto do indivíduo, e Iroh atende a todas essas premissas:

O velho representa, por um lado, o saber, o conhecimento, a reflexão, a sabedoria, a


inteligência, a intuição, conjugado com qualidades morais como a solicitude e a
benevolência. Ele também é o iluminador, o professor ou um psicopompo (guia das
almas). (...) A constelação do arquétipo do velho sábio possibilita a entrada num
estágio decisivo de desenvolvimento, porque na presença de algum problema
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externo, o arquétipo do velho sábio é uma boa solução para a situação


(GONÇALVES, 2009, p.27-28).

Quando vai ensinar a Zuko como criar um raio/relâmpago, Iroh acaba por dar uma
aula sobre o conceito Junguiano para libido ou energia psíquica e seus mecanismos de
compensação entre os opostos no psiquismo:

Tem energia por toda a nossa volta. Há energia tanto em Yin quanto em Yang,
energia positiva e energia negativa. Só alguns dominadores de fogo seletos podem
separar estas energias. Isso cria um desequilíbrio. A energia quer restaurar o
equilíbrio e, no momento em que energia positiva e a negativa se chocam, você
libera e a orienta, criando então o relâmpago. (IROH, 2ª temp., ep.09).

No tarô, o velho sábio é O Eremita, “frade aqui retratado personifica uma sabedoria
que não se encontra em livros. O seu dom é tão elementar e perene quanto o fogo da sua
lâmpada” (NICHOLS, 2007, p.169). Vale lembrar que Iroh é, coincidentemente, um
dominador de fogo que foge o padrão da busca pelo, além de ser membro estimado de uma
sociedade secreta denominada Ordem do Lótus Branco que, em suas premissas, guarda o
conhecimento, a filosofia, a beleza, a verdade e o amor pelo funcionamento natural do
planeta; algo semelhante a algumas ordens secretas como a Maçonaria, sistema de moralidade
formado exclusivamente por homens que detém bons costumes, e que visam a fraternidade e
dedicação a princípios imutáveis que auxiliem o desenvolvimento material e espiritual de seus
membros (LIMA & SILVA, 2003).

3. AANG – DA CRIANÇA DIVINA AO HERÓI INDIVIDUADO

O motivo arquetípico da criança é riquíssimo para a compreensão da individuação e,


nada mais justo do que dar ao nosso herói o direito de ser criança divina pois “o herói é
sempre a encarnação de um desejo muito forte ou de uma aspiração que se gostaria de realizar
o quanto antes” (JUNG, 2000, p.50) e “a criança ora tem o aspecto da divindade criança, ora o
do herói juvenil. Ambos os tipos têm em comum o nascimento miraculoso e as adversidades
da primeira infância, como o abandono e o perigo da perseguição” (JUNG, 1941, p.166).

No momento em que descobriu ter a responsabilidade de manter o equilíbrio do


mundo, Aang teme por perder sua infância, seus amigos monges, as brincadeiras e ser
abandonado pelo seu mentor e amigo, Monge Gyatso. A expressão simbólica de sua lenda
representa o surgimento da consciência na infância e a sua crise em aceitar seu
amadurecimento para tornar-se adulto. “A recusa em aceitar a plenitude da vida equivale a
não aceitar o seu fim” (JUNG, 1991, p.360).
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Os cem anos em que Aang passa congelado no iceberg podem ser lidos como uma
necessidade da consciência se preparar para lidar com aspectos da coletividade. O medo de
enfrentar uma guerra que ainda não começara era tão grande que a psique consciente não
sustentou a realidade e se enclausurou, aguardando o momento exato para fazer nascer o seu
salvador.

Nossa consciência paira suspensa no ar, enquanto, embaixo, a parábola da vida


desce cada vez mais rapidamente. A vida natural é o solo em que se nutre a alma.
Quem não consegue acompanhar essa vida, permanece enrijecido e parado em pleno
ar. É por isto que muitas pessoas se petrificam na idade madura, olham para trás e se
agarram ao passado, com um medo secreto da morte no coração. (JUNG, 1991,
p.359)

O renascimento de Aang reabre a esperança do mundo. “O motivo da criança não


representa apenas algo que existiu no passado longínquo, mas também algo presente; não é
somente um vestígio, mas um sistema que funciona ainda, destinado a compensar ou corrigir
as unilateralidades ou extravagâncias inevitáveis da consciência” (JUNG, 1941, p.163).

Em sua jornada Aang conta com o apoio de figuras representativas da integralidade de


suas atribuições psíquicas. Como vimos, cada personagem carrega, em si, um elemento
necessário ao processo de individuação que pode ser encarado aqui, como a própria jornada
do herói, “conceito central da teoria junguiana e que representa a própria finalidade da vida;
um processo de profundo autoconhecimento, no qual nos confrontamos com velhos medos e
conteúdos que desconhecemos de nós próprios” (GOMES & ANDRADE, 2009, p.3).

O vínculo entre a imagem da criança divina em completude com a imagem do herói


funciona como se, nesta equação, fundamentasse a concepção do divino, em que “o deus (...)
personifica o inconsciente coletivo ainda não integrado em um ser humano, ao passo que o
herói inclui a natureza humana em sua sobrenaturalidade” (JUNG, 1941, p.167). Ou seja, o
fato de Aang ser uma criança dotada de acesso ao divino pelo seu Estado Avatar o transforma
em uma criança-deus-herói e, “ambos esses lados chegam a formar um par de opostos,
necessário à autorregulação, o qual muitas vezes já foi designado por natureza e espírito”
(JUNG, 2016, p.64). O Avatar é o ser total, único indivíduo capaz de dobrar os quatro
elementos, como afirma Iroh:

O fogo é o elemento do poder. O povo da Nação do Fogo tem desejo, vontade e


energia. E ímpeto para conseguir o que quer. A terra é o elemento de substância. O
povo do Reino da Terra é variado e forte, é persistente e resistente. O ar é o
elemento da liberdade. Os Nômades do Ar se desprendem das preocupações
mundanas, e encontram paz e liberdade. E parece também que eles têm um ótimo
senso de humor. A água é o elemento da mudança. O povo da Tribo da Água é
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capaz de se adaptar a muitas coisas. Eles têm um profundo sentido de comunidade e


amor que os mantém unidos para enfrentar tudo. É importante retirar sabedoria de
muitos lugares diferentes. Se retirarmos de um lugar apenas, a coisa se tornaria
rígida e cansada. Entender outros, outros elementos e outras nações, nos ajuda a
sermos um todo. É a combinação dos quatro elementos em uma pessoa que torna o
Avatar tão poderoso. (IROH, 2ª temp., ep.09).

A premissa da quaternidade entre os elementos (e as quatro nações) que formam um


todo indivisível, corroboram com os estudos alquímicos realizados por Jung no que diz
respeito à afirmação da existência de Deus no interior do homem:

Os filósofos alquímicos acreditavam que Deus se revelou, em primeiro lugar, na


criação dos quatro elementos. Estes eram simbolizados pelas quatro partes do
círculo (...) a quaternidade é uma representação mais ou menos direta de um Deus
que se manifesta na sua criação. (JUNG, 1978 apud CAVALCANTI, 2015, p.89).

Por fim, Aang consegue integrar os elementos e tomar consciência de suas


responsabilidades enquanto Avatar. Porém, algo o perturba: o que fazer com o Senhor do
Fogo no momento final? Deveria ele matar Ozai, indo de encontro com tudo que ele
acreditava ser o correto e ensinado pelos monges? Este novo questionamento lança luz à ideia
do quão difícil, ou quase impossível, é individuar-se plenamente, afinal o inconsciente é
composto de uma infinidade de possibilidades para a consciência conhecer.

Desse modo, “a meta da individuação é conhecer a si mesmo tão completamente


quanto possível (...) a individuação e a consciência caminham pari passu no desenvolvimento
da personalidade” (HALL & NORDBY, 2014, p.27). Sendo assim, podemos compreender
que, diante da dúvida de Aang, ele ainda tem muito que individuar-se, pois “personalidade é a
obra a que se chega pela máxima coragem de viver, pela afirmação absoluta do ser individual,
e pela adaptação, a mais perfeita possível, a tudo que existe de universal, e tudo isto aliado à
máxima liberdade de decisão própria” (JUNG, 1925, p.177). Ou seja, o interesse da Psique na
individuação, está para o processo, e não a sua conclusão.

4. O SELF E O DESTINO DO AVATAR

As figuras representativas deste arquétipo de ordenação do inconsciente coletivo estão


personificadas nos Avatares anteriores. O Self ou si-mesmo, é “o princípio organizador da
personalidade (...) e harmoniza os demais arquétipos e suas atuações nos complexos, e na
consciência, une a personalidade, conferindo-lhe um senso de “unidade” e firmeza” (HALL &
NORDBY, 2014, p.43).
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Quando associamos o conceito de Self com a ideia mitológica de Homem Cósmico,


nossa analogia referente aos Avatares anteriores faz mais sentido; o Homem Cósmico:

Pode ser descrito como o princípio básico do mundo, (...) é mais uma imagem
psíquica interior do que uma realidade concreta exterior. De acordo com a tradição
hindu, por exemplo, ele é algo que vive dentro do ser humano, sendo a sua única
parte imortal. (...) não significa apenas o começo da vida, mas também o seu destino
final, a razão de ser de toda criação. (...) toda realidade psíquica interior de cada
indivíduo é orientada, em última instância, em direção a este símbolo arquetípico do
self. (JUNG et al, 2016, p.266-270).

Vale lembrar que Aang é o último dobrador de ar, já que sua civilização foi extinta
após os ataques da Nação do Fogo. O ar, “como o fogo, é um elemento móvel, ativo e
masculino. (...) está simbolicamente em estreita relação com o sopro, o vento; considerado
com frequência a matéria tênue do reino intermediário entre as esferas terrena e espiritual”
(LEXIKON, 2006, p.21), o que explica sua relação íntima com a espiritualidade.

Para contatar suas vidas passadas, Aang necessita de um processo meditativo intenso e
profundo. Como se “a tentativa para darmos à realidade viva do self uma porção de atenção
cotidiana constante é como tentar viver simultaneamente em dois planos ou em dois mundos
diferentes” (JUNG et al, 2016, p.282).

O desenho exemplifica constantemente esses momentos em que Aang busca auxílio


dos seus antecessores. O Avatar Roku, por ser o antecessor imediato, é o que mais lhe auxilia.
Porém, às vésperas da grande batalha com o Senhor do Fogo Ozai, Aang recorre ao último
quatérnio de Avatares, para solicitar-lhes a sabedoria referente ao que fazer com Ozai. Ele
consulta Roku da Nação do Fogo, a Avatar Kyoshi do Reino da Terra, o Avatar Kuruk da
Tribo da Água e, por fim, a Avatar Yangchen do Templo do Ar, que seria mais próxima de
seus princípios.

Mesmo com todas as sabedorias recebidas, Aang necessita de um entendimento mais


profundo e primitivo. É a Tartaruga-Leão do Fogo, que criou o primeiro Avatar, quem lhe
convence do que fazer, oferecendo-lhe a seguinte sabedoria:

A mente pura pode vencer todas as mentiras e ilusões sem se perder. O coração puro
pode resistir ao veneno do ódio sem ser envenenado. Desde o começo dos tempos, a
escuridão prospera no vácuo. Mas sempre cede à luz purificante. Antes da Era do
Avatar, dobrávamos não os elementos, mas a energia dentro de nós. Para dobrar a
energia de outros, seu próprio espírito deve ser indobrável, ou você será corrompido
e destruído. (Tartaruga-Leão do Fogo, Livro Três: Fogo, Capítulo 19 “O Cometa de
Sozin: Parte 2: Os velhos mestres; Capítulo 21 “O Cometa de Sozin: Parte 4: Avatar
Aang).
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Seu entendimento fica mais claro e, ao derrotar o Senhor do Fogo Ozai, ele não o
mata, mas sim, dobra a energia do seu oponente retirando-lhe a capacidade de dobrar o fogo.

Parece-nos que o tempo inteiro, o destino quis que Aang aguardasse o momento exato
de confrontar a sombra coletiva do mundo com sabedorias que não poderia compreender há
cem anos. A negação do seu destino quando os monges lhe avisaram sobre sua condição de
Avatar precisava acontecer para que a harmonização dos aspectos psíquicos fosse eficaz à sua
individuação, integrando a Grande Mãe Katara, o animus e a anima em Toph, e
principalmente a sombra em Zuko, do enredo paterno da família real da Nação do Fogo e do
entendimento do Homem Cósmico do self.

Acontecimentos arbitrários do destino procedem de um mundo fora de nosso


alcance, o mesmo se dando com o impulso moral. Os eventos do destino podem ser
humanizados positiva ou negativamente, quer sob a forma de tragédias que nos
enobrecem, ou de crueldades futuras que espalham sementes destrutivas no mundo
das gerações vindouras. Pode ser que a moral humana não consiga alterar os fatos do
destino, mas pode, ao menos, impedir a encarnação direta da sombra arquetípica.
(HILLMAN, 2018, p.95-96).

E como diria o velho Iroh, “o destino é uma coisa engraçada. Nunca se sabe como vão
ser as coisas, mas se você abrir a mente e o coração, eu juro que você vai encontrar o seu
próprio destino um dia” (IROH, 3ª temp., ep.12), afinal “a vida acontece onde você estiver,
quer você queira ou não” (IROH, 2ª temp., ep.14).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Discutir sobre aspectos do destino do indivíduo e das considerações sobre o processo


de individuação, didaticamente, não é tarefa fácil. O uso de recursos como o desenho
animado, torna esse conhecimento acessível à grande massa, ainda que não haja noção de
todos os termos técnicos aplicados à academia. É de grande valia perceber que as obras
artísticas, sejam elas em animação ou live-action (com atores reais), possuem a preocupação
da pesquisa e da entrega para que o desenvolvimento da psique possa seguir seu fluxo.

Recomendamos que o desenho sobre a lenda de Aang seja visto/revisto após a leitura
deste artigo. Parece-nos incrível como a percepção dos detalhes e das minúcias simbólicas
ficam em evidência, e nos fazem refletir sobre nossa trajetória enquanto parte atuante de
nosso processo de individuação, nos autorizando a identificar, compreender, negar ou aceitar
nosso destino – sabendo que somente nós responderemos pelas ramificações da atitude
tomada. Isso torna a experiência mais rica e profunda.
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O mundo simbólico do desenho não se resume ao exposto até aqui. O medo em


esgotar as possibilidades repousa num conceito da psicologia Junguiana que devemos
respeitar: não podemos matar a imagem, devemos deixar que a imagem se faça sentir e se
torne experiência do processo, e não um mero conceito. Assim, podemos partir da análise
crítica de nossas realidades e relações no mundo.

Indicamos que as análises sejam continuadas sobre Aang. Ainda há muito a se explorar
neste universo simbólico. Assim como na sequência a essa história com o desenho Avatar: A
Lenda de Korra. As reflexões não param por aqui – e nem devem. São justamente atos como
se debruçar sobre a arte e a vida que nos permitem tomar atitudes assertivas e mais felizes em
benefício do coletivo e, por conseguinte, nosso também.

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ed. São Paulo, Casa do Psicólogo, 2007.

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vida. São Paulo: Cultrix, 1994.

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