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INTRODUÇÃO 'l

AO PENSAMENTO JURÍDICO
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Karl Engisch
Nascido em 1899. Doutor em Direito pela Univ.
1
de Giessen (1924). Prof. extraordinário da mesma
Univ. em 1929. Prof. catedrático da Univ. de Hei-
delberga em 1934 e de Munique em 1953. Tem
regido as cadeiras de Direito Penal, Processo
Penal e Filosofia do Direito.

Obras publicadas:
Untersuchung über Vorsatz und Fahrlãssigkeit im
Strafrecht, 1930. Die Kausaliti.it als Merkmal der
stra.frechtlíchen Tatbestand, 193 I. Fie Einheit der
Rechlsordnung, 1935. 1..Dgische Studien zun Geset-
zesanwendung, !943 (2.ª ed., 1960). Euthanasie
und Vemichtung lebenswerten Lebens in srrafrech-
tlicher Beleuchrung, 1948. Vom We/tbild der
Juristen, 1950. Die ldee der Konkretisiemng in
Recht 1md Reclusoilsserischaft unsercr Zeir, 1953.
Die rechrliche Bedeutung der firrzrlichen Opera-
rion. 1958.

João Baptista Machado José Antônio F. Garrido


Nascido em 1927. Doutorado pela Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra (1971), onde BIBLIOTECA
foi professor auxiliar. Desde 1973, professor da
Faculdade de Economia da Universidade do Porto.
onde exerce as funções de professor catedrático
desde 1979. Regeu as disciplinas de Filosofia do
direito e do estado, DireitO internacional privado,
Introdução ao Direito, Direito das obrigações e
Instituições de direito público.

Alguns trabalhos publicados:

Sobre a aplicação no tempo do 1101'0 Código Civil,


1968. Âmbito de eficácia e âmbito das competên-
cias das leis. 1970. ú"ções de direito intemadonal
prh•ado, 1974. Panicipação e descentralização,
democrari:,açiio _e neutralidade na Constituição de
76, 1982. Jmroduçãc ao direito e ao discurso legi-
rimador, 1983, 1
1
.J
Tradução
do original alemão intitulado:
PREFÁCIO
EINFÜHRUNG
IN DAS JURISTISCHE DE~KEN
Karl Engisch
8., neu bearb. Auflage, 1983
VERLAG W. KOHLHAMMER GmbH.
Stuttgart

Uma «Introdução ao pensamento jurídico» pros-


segue finalidades diferentes das de uma «Introdução à
ciência jurídica)} que, usualmente, é uma introdução
não só aos métodos do pensamento jurídico mas
também uma introdução" ao próprio Direito e aos seus
diferentes ramos. No presente livro, porém, trata-se
antes de familiarizar um pouco o ·~st~dante_df!-l}_i[~if~.
e, quando possível, também o leigo interessado, com
essas coisas misteriosas e suspeitas que são a _lógica e
a metódica do pensamento jurídico - e, mesmo assim,
limitando a exposiçào aos problemas centrais da heu-
rística jurídica {Rechtsfindung) e abstraindo, portanto,
das elaborações da dogmática «mais elevada.1>, como,
p. ex., a construção e a sistematização jurídicas. Sob
este ângulo, e apenas sob ele, foram tratados os
problemas jurídico-materiais incluídos na exposição.
Na revista <<Studium Generale», 1959, pp. 76 e
ss., tive ocasião de me pronunciar mais detalhada-
mente sobre as tarefas com que se defrontam a lógica e
Res~rvados todus o~ direitos de harmonia com a lei a metodologia jurídicas. Aqui apenas quero salientar o
E<liç'.io da seguinte: A lógica do jurista é uma lógica material
fL).IDAç..\o CAl.OUSTE GlJLBENKIAN que, com fundamento na lógica formal e dentro dos
A.v. de Berna 1 Lisboa quadros destG., por um lado. e em combinação com a
2001
metodologia jurídica especial, por outro lado, deve
íJ<:"positu Ltg.11· 15'1 Hti'J/HO
r:;BN: 97 l·.1 J.(J l \12.(J (7)
.f-
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mostrar como é que nos assuntos jurídicos se alcan- entretanto operada na teoria e na prdrica 1no1i1·ou-n1e
çãrn]u-izâs· (tverdaàeiros», Õu «j~stos» (correctos), ou a uma noi·a elaboração das 1ni11has ideias.
pelo menos «defensáVeis». Urriã làgica e metódica do /:)n especial no que respeita às a1101açóes. dt1·u
jurista assim entendida não é uma «técnica» que dizer que, nas amplas panorãniicas bibliograjicas, tire
ensine artifícios conceituais com cujo auxilio se pos- co1no até aqui em visra a sucessão _cronoiogica do apci-
sam dominar do modo mais expedito possível as recimento das publicações citadas, e nào a orde1'1
tarefas de pensamento que se deparam ao estudioso do alfabética dos nomes dos autores. Isto pode dl}icu/Jar
direito. Ela também não é psicologia ou socio!ogia da a procura dos autores, mas pennile u1na visão d;
heunStica jurídica, a qual indaga como se conduzem conjunto da evolução histórica da logica e da metodo-
de facto as pessoas na prática quotidiana ao adquin·- logia Juridicas, que tão dinámicas têm sido nas
rem pontos de vista jurídicos. Constitui antes reflexão últimas déc__adas; pois não deixa de Jer interesse \'eri-
sobre o processo de conhecimento jur.idico especifica- ficar que bibliografia os autores mais recenres, já
mente correcto, o que não é coisa de fácil penetração. encontraram antes de si e co1no a valoraram. Todai·ia,
Ela esforça-se po_r alcançar (nos limites do que _ao para facili1ar ao leitor a descoberta de um autor,
conhecimento humano é possí~el) a meta de descobrir quando das remissões feitas e1n notas posteriores para
a «verdade» e emitir juízos conclusivamente fundados. as notas anteriores mais eXtensas, acresceniei, apcis a
O verdadeiro texto deste livro permaneceu subs- fórmula usual «ob. ant. citadan além _do número da
tancialmente o mesmo desde o seu aparecimento no noca para que se remete, rambim os algarismos do ano
ano de 1956, muito embora ván·as edições tenha1n da publicação da Irabalho ern causa. !sra é de ter e1n
sido ajustadas, não só nas anotações mas também no conta nomeadan1ente na rentissàu para a gigantesca
texto, às evoluções da legislação, da jun"sprudência e nota 57. Além disso desta i•ez assinalei com um *
da teoria. A sexta edição (1975) foi apenas uma aquelas anotações que con1ê111 desen~'O/vimentos à
reimpressão da quin1a. Seis anos após o aparecimento subsrància do texto, para que o leitor sem interesse
desta última ( 1971) posso agora uma vez mais apre- _pelos meros dados bibliogrtificos possa deixar de lado
sentar uma edição revista, numa revisão que, no as anotações a que estes respeitam l*). Estas ú/Jitnas
entanto, de novo incz'de na sua máxima parte sobre as são destinadas àquele lei'1or que deseje ir mais Jitndo e
anotações, nas quais tiveram lugar numerosos desen- queira cotejar os diferentes pontos de vista.
voh1imentqs e esclarecimentos que tomam em conta a
situação actual. No texto só introduzi alterações em Julho de 1977 O Autor
algumas passagens, sobretudo naquelas em que novas
disposições legais o exigiam. Pelo que respeita à teoria * ISo as notas assinaladas com asterisco sa\l transcrit.is na prc
da discricionaridade (Capítulo VI), porém, a evolução sente traduçào (N .T.). j
Capitulo I
INTRODUÇÃO

Quem se proponha familiarizar o principiante ou o


leigo com a ciência do Direito (Jurisprudência) e o
pensamento jurídico, ao tentá-lo vê-se a braços com
uma série de dificuldades e dúvidas que não encontraria
noutros domínios científicos. Quando o jurista, situado
no círculo das ciências do espírito e da cultura, entre as
quais se conta a Jurisprudência, olha derredor, tem de
constatar, angustiado e com inveja, que a maioria delas
pode contar extra muros com um interesse, uma com-
preensão e uma confi~nça muito maiores do que preci-
samente a sua ciência. Especialmente as ciências (teo-
rias) da linguagem, da literatura, da arte, da mLisica e da
religião fascinam os leigos devotados a assuntos de
cultura Iluma. medida muito maior do que a ciência do
Direito, se bem que esta. não só quanto à matéria mas
ainda metodologicamente, tenha com aquela estreitos
laços de parentesco. Sem grandes hesitações se deposi-
tará um livro de arqueologia ou de história da literatura
sobre a mesa dos presentes, mas a custo se fará o
mesmo com um livro juridico, ainda que este não exija
da parte do leitor conhecimentos especiais_ As usuais
introduções à ciéncia jurídica, com raras excepções,
apenas parece·m ter algum interesse para o jurista
principiante, mas já não para o leigo. Quantas vezes se

(li)
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encontra um código também na biblioteca de um não- ciem a actividade artistica. Em geral. porem. a arte
-jurista? segue os seus próprios caminhos e a ciência (teoria) da
As razões deste desinteresse do leigo pelo Direito e arte é que lhe vai no encalço. dilucidando. reílectindo e
pela ciencia jurídica são Fáceis de descobrir. Com efei- historiando, sendo muitas vezes considerada com sus-
to, a custo qualquer outro dominio cultural importara peição pelo próprio artista, quando não por ele pura e
mais ao homem do que o Direito. Há na verdade simplesmente repudiada e ironizada. Claro que nào
pessoas que podem viver e vivem sem uma ligação tenho de forma alguma o intento de põr e1n questão o
íntima co1n a poesia, com a arte, com a música. Ha grande significado espiritual da consideração científica
também. na expressão de MAX WEBER. pessoas (teorftica) da arte. Quanto não significou WINC-
(<religiosamente amusicais)). Mas não há ninguém que KELMANN para os nossos clássicos'. ('om que intui-
!L<lO viva sob o Direito e que' não _seja por ele constan- ções felizes nos não brindaram um JAKOB BURC-
temente afectado e dirigido. O homem nasce e cresce no KHARDT ou um HEINRICH WOLFFLIN! Não
seio da comunidade e - a parte casos anonnais - obstante. ternos de assentar nisto: a arte e a_ ciência
jamais se separa dela. Ora o Direito é um ele~ento (teoria) da arte sào duas coisas di;tintas. E algo
~ssencial da comunidade. Logo, inevitavelmente, at'ec- semelhante vale para a relação doutras ciências da
ta-nos e diz-nos respeito. E também o valor funda1nen- cultura corri o respectivo objecto. Pelo contrário. consti-
tal pelo qual ele deve ser aferido. o justo, se não situa tui um privilégio quase exclusivo da ciência juridíca.
em plano inferior ao dos valores do belo. do bom e do entre as outras ciências da cultura, o tàcto de ela- nào
santo. Um Direito justo <~faz parte do sentido do mun- abrir caminho ao lado ou atrás do Direito, mas. antes.
do.». Porquê, pois, tão pouca abertura de espirito para o poder afeiçoar o Direito mesmo e a vida que nele e sob
Direito e para a Jurisprudência? a sua égide decorre. Havendo uma ciência jurídica. esta
Responder-nos-ào, talvez, que o Direito e ciência há-de ser uma ciência prática. Os romanos. aos quais
jurídica são duas coisas diferentes, e que só esta ulti1na cabe o inesquecível mêrito de tt:rem fundado esta
ê suspeita aos olhos do leigo. Mas, à parte o facto de ciência. sabiam muito exactamente o que nela lhes
que o leigo somente se preocupa com o Direito na importava. Eles celebrizaram-na como a «divinaru1n
medida em que este ê um preceito prático. Direito e atque hurnanarum rerum notitia>1, considerando-a, por
ciéncia jurídica não são de forma alguma duas coisas consequência. como a mais vi\'ª de todas as ciências. e
assim tão diferentes. São em todo o caso muito menos com o seu Direito e a sua ciência jurídica se tornararn
diferentes do que, por exemplo, a arte e a ciência (teo- grandes e fortes. Aquilo que os juristas genuinamente
ria) da arte. Sem dUvida que também esta última serve dotados e criadores pensaram e trouxeram à clara luz
a arte, na medida em que promove a sua compreensão. do dia em matéria de conhecimentos jurídicos te1n sido
Pode ainda acontecer que as teorias científicas influen- em todos os tempos uma benção para o próprio Direi-
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td H, já por ter inspirado o legislador, j:i por ter int1u1do
a decisão dos concretos casos jurídicos. A sabedoria
jurídica dos juristas romanos clássicos ou a dos pos-
-glosadores italianos (a partir de 1250) tem alimentado
que faz avultar o seu confronto com as c1enc1as da
natureza. O facto de tão-somente se pensar neste
confronto devera estar relacionado com o carácter lega-
lista do Direito. ~_E~ên5J.a _j_uri<_:!ic!!_ ~._tal corno -~ª-5
a Jurisprudência durante séculos. E também as doutri- ~~!as_naturais_. Qm.3: _çiêQc_ia _de--leis._. No entanto.

nas dos juristas modernos como JEHRING, WINDS- aquele que nos desvenda as leis .da natureza. revela-nos
CHE!D, BINDING, LISZT e FRANK se tém reve- o ser e a necessidade. Ora s_erá que também o jurista
lado sempre frutuosas para a aplica~ào e para a nos conduz ao ser, poderá ele convencer-nos da neces-
estatuiçào do Direito, logo para o Direito 1nesmo - sidade das leis jurídicas? A liberdade. que sem mais é
sem falar ainda daqueles casos e1n que um pensador reconhecida ao espirito humano no sector de actuação
jurista é chamado directamente a exercer o papel de da individualidade - logo. precisamente no dominio
legislador, como aconteceu com EUGEN HUBER das artes -, facilmente parecerá acaso, arbítrio ou des-
relativamente ao código civil suiço de 1907. obra esta propósito no dominio do Direito, onde deve imperar a
que WIEACKER classifica. na sua Privatrechtsges- regra e a lei. Decerto que também o artista conhece
chichte der Neuzeit. como 1~0 mais nobre fruto da regras e leis. Mas estas são para ele apenas as 1<for-
ciência jurídica de expressão germânica do seculo XJ X mas», que pode e deve preencher com conteúdos
em forma legislativa))_ Mas nem por isso qualquer pessoais. Acontece ainda que estas «formas», por seu
entendido na matéria pensará em colocar os grandes lado, se bem que pensadas como relativamente constan-
teorizadores do Direito acima dos grandes historiado- tes, são individualmente configuradas. Por isso se
res, linguistas e teóricos da arte, para os situar ao lado apresentam como culturalmente variadas e histo-
dos filósofos, poetas. artistas e músicos geniais. Pelo ricamente mutáveis. Não têm validade universal ne1n
que respeita, porém, à imediata incid~n_cia c_ultural. as são rigorosamente vinculadas. ((O mestre pode quebrar
produções essenciais no domínio da ciência jurídica são a forma>>. Já das leis que regem o Direito e através das
seguramente compara.veis aos filosofemas. obras de arte quais este impõe o seu dominio se aguarda sempre
e produções literárias importantes. Sob este aspecto. aquela validade universal que se espera das verdades e
têm uma valência igual. Que desta circunstancia decor- das leis da natureza. E ficamos profundamente decep-
re uma responsabilidade particular para a ciência jundi- cionados quando a não encontramos. PASCAL deu a
ca, é coisa por demais evidente. tal decepção uma expressão clássica com estas pala-
Coisa bem diferente desta luta pela compreensão e vras, tantas vezes citadas: <<Quase nada há de justo ou
pela simpatia. em concorrência com as demais ciéncias injusto que não mude de natureza com a mudança de
do espírito e da cultura. é a permanente necessidade de clima. Três graus de altura polar revolucionam toda a
auto-afirmação da ciência juridica em face das dúvidas jurisprudência. Um .meridiano decide sobre a verdade.
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Após alguns anos de posse, alteram-se leis fundamen- Direito atropelar desta forma os factos naturais. Agora
tais. O Direito tem as suas épocas. Divertida justiça um segundo exemplo: Numa discussão científica sobre
esta que u1n rio ou uma montanha baliza. Verdade o Direito natural, um bióLo_gQ_ de nomeada referiu o
aquém, erro além Pirinéus». O facto de os juristas, exemplo, hoje muitas Vezes cit~do, das regras que os
apesar de todos os seus aturados esforços, não terem lobos observam durante a luta: - aquele' que e derro.:-
até hoje conseguido encontrar o verdadeiro Direito. não tado assume uma «atitude de submissa -humildãde~~.• o
o terem conseguido relacionar .com a «natureza», que induz o seu rival a abster-se de noVoS ài3Clues. É
seja esta a natureza ·do homem seja a natureza das evidente que n~ mente deste biólogo estava a ideia de
coisas, faz com que a sua ciência apareça frequente- que um genuíno Direito natural haveria de ter._ ig_~al­
mente a uma luz pouco favorável. E ta1nbém a conheci- mente as suas raízes em dados biológicos_. O «Direito
da critica que JULIUS V. KIRCHMANN, ele próprio natural» que lhe era apresentado pelos jllifsuls, tal
um jurista, fez (1848) a Jurisprudência como ciência se como se manifesta, por exemplo, nos direitos funda-
funda precisamente nessa circunstância: ({o sol, a lua, mentais do homem, não lhe parecia ser um verdadeiro
as estrelas brilham hoje da mesma forma que há milha- Direito natural. Um último exemplo ainda: Nas esfera~"·
res de anos: a rosa desabrocha ainda hoje tal como no médicas surge frequentemente a queixa de que falta aos
paraiso: o Direito. porém, tornou-se desde então dife- juristas uma correcta compreensão da função da medi-
rente. O casamento, a familia, o Estado, a propriedade, cina. Como particularmente chocante sentem os médi-
passara1n pelas mais diversas configurações>)(!!. cos o facto de a jurisprudência do tribunal supremo
Alguns exemplos simples bastam para fazer luz qualificar como «ofensa corporal)) a operação cirúrgica
sobre esta estranheza do leigo face à {(arbitrariedade» e necessária realizada segundo as regras da arte, só
a falta de naturalidade da Jurisprudência. o primeiro deixando ela de ser punível por o paciente ter dado o
destes exemplos é sem dúvida banal mas, precisa1nente seu consentimento. Esta concepção parece ser contrária
e1n razão da sua singeleza, poderá oferecer um bom à natureza da profissão médica e a sua explicação só
ponto de referência para as nossas ulteriores conside- poderá achar-se na sobranceria dos juristas.
rações. Quando ainda era estudante, um aluno de Que deve o jurista responder a tudo isto? Como
medicina insurgiu-se na minha presença contra o facto pode ele fazer face ao desinteresse, à aversão, à des-
de o § 1589 ai. 2 do Código Civil declarar então (mas confiança? Em primeiro lugar, familiarizando um pouco
hoje já não): «Um filho ilegitimo e o seu pai não são o não-jurista com a natureza ou o modo de ser do seu
parentes». Nesta disposição via ele arbítrio de juristas. pensamento, que tão estranho e misterioso parece. Não
arrogante denegação dos dados biológicos e porventura nos propomos neste livro, pois, investir contra os oposi-
ainda um falso pudor e uma moral hipócrita. Sustentava tores da ciência jurídica com uma apologia desta mesma
abertamente a opinião de que não era possivel ao ciência. Apenas poderemos salvar a dignidade do
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pensamento dos juristas analisando-o conscienciosa- ANOTAÇÕES


mente, olhando tambêrn de frente os seus desvios e os
seus passos em falso. assim como os esforços tendentes 1. Cfr. J. ESSER. Grundsatz und ~vorm, 1956. pp. 306 e
1 ss.: H. DOLLE. Jur. En1deckungen, 1958: L. LEGAZ Y
a evitá-los. Como toda a empresa e actuação do
LAC.A.MBRA, Rechtsphilosophie ( 1961 }. edição alemã. 1965.
homem, também a Jurisprudência nos aparece assina- pp. 558 e ss.: L. RAISER, Rechtswissenschaft u. Rechtspraxis,
lada por defeitos e exposta a riscos. Mas ê licito NJW l964. pp. 1201 e ss., esp. pp. 1204 e ss .. Sobre a ciéncia
presumir que ela, a quem tantos homens excelentes têm jurídica como «terceira fonte do direito)) em Puchta. cfr. LA-
RENZ. MethodenJehre, 1960, p. 19. 2.• ed. 1969, p. 20: 3.ª ed.
dedicado o seu esforço. não se acha abandonada por 1975. p. 22. Quando KRA WIETZ. em Jur. Schulg. l 970, p.
todos os bons espiritos. 427. <ido ponto de vista da actual teoria da ciência. influenciada
A propósito não deve esconder-se que as exposi- sobretu.do pelas correntes linguístico-analiticas da filosofia)>,
ções subsequentes, de acordo com o carácter de uma pretende que a jurisprudência ron:iana 1(não {pode) valer como
ciência», parece que o seu juízo assenta numa perspectiva
(<Introdução», têm o seu ponto de partida nos métodos demasiado estreita. Sobre o carácter da «Jurisprudência» roma-
!radiciõnais da heu-ristica jurídica {ReChtsfihd_ung)-ê. de na. cfr. p. ex. R. SOHM, Institutionem, 17.ª ed .. 193l, 8 18:
uma maneira geral, neles se apo.iam. -Desde a primeira JÔRS-KUNKEL. R6misches Privatrecht, 3.ª ed .• 1963. pp. 91 e
ss.; M .. KASER. D. r6mische Privarrecht I. 19.55, p. 2. No
publicação deste ·livro em 1956, esteS métodós foram
Ultimo lugar citado diz-se: Os juristas romanos da Ultima fase da
friifêt<Írlto contestados,_:-(aJ__ç_pmo no comeÇO-do flósso República (<lançaram o fundamento de toda a posterior ciência
século a ((escola do dífeito livren e a~;<JUíisprÚdência­ jurit.lica do Oddente». Sem dúvida que ek:. «se fixaram na tarefa
dos intetesses» apontaram à heurística_ juiid_iCa nÕVos prática da descoberta do direito». Em todos os tempos a ciência
jurídica - tal como a jurisprudência. relativamente a qual
alvos, assim também não deixam de ex-istir -n~-Pr~_~ente recentemente isto vem sendo acentuado com particular entono
teqrias e proclamações progressistas relativamente à (KRIELE, ESSER) - tem co-constituido o Direito (em sentido
referida heurística. Não devem passar sem uma ref'e- lato). tem sido «ciência prátican tm<is contra, neste ponto: H.
réncia. O aparelho das anotações vem sendo conside- KELSEN. Reine Rechulehre, 2.ª ed. 1960. p. 75. nota 2: cfr.
sobre o mesmo MAYER-MALY. ob. cit.. pp. 416 e ss.). Por
ravelmente al:irgado em cada nova edição, e também outro lado merece reflexão a afirmação de R. V. IHERING
nesta o será, para dar conta das novas concepções e as (Geist des rómischen Rechts II 2. 2.ª ed .. l869. p. 369) de que
confrontar e articular com a tradição. No ess~ncial. «a jurisprudência, para ser verdadeiramente p_rática. não ~e pode
limitar a questões práticas)>. Sobre o significado da jurisprudêi1Cia
porém, parece-me _que __a .rn~-~~oJ~g_i~ tradicional, tal para a prática juridica w'de agora tambcm LARENZ. Methoden-
como se constituiu com .SA VIG_NY e depois dele. lehre, 3.• ed .. 197.S, pp. 215 e ss .. 224 e ss ..
forma ainda uma plataforma suficientemente firme em 2. Cfr. além de BINDER, op. cit. pp. 847 e ss., e WOLF.
que o jurista dos nossos dias pode confiar como ba_se do ob. cit., p. 13. CARL SCHMITT. Die Lage der europa!Schen
Rechtswissenschafi, 1950. p. 15. Acentua-se, por outro lado. que
seu labor intelectual. a ciência do Direito, ao contrário das ciências naturais. pouco se
tem modificado com o decorrer do tempo. V .. p. ex .• G. COHN.
Existenzialismus u. Rechtsk·issenscha_li. 1955. p. 88. Mais do
•• 20
que a rClação entre ciência jurídica e ciéncia natural discute-se
Capitulo II


presentemente a relação entre ciCncia juridica e ciéncia social {a, SOBRE O SENTIDO E A ESTRUTURA
qual em todo o caso se mantém próxima da ciência nalural na DA REGRA JURÍDICA
medida em que é encarada. como <(ciência do ser» ou «ciência da
' realidade" - a este respeito, por todos: LARENZ. ob. -cit.. 3.•
cd .• 1975, pp. 171 e ss., 221 e ss., com o qual concordo). Cfr.
também a nota 36. na parte final. De resto o carácter científico da
jurisprudéncia depende naturalm~os cntenos __aos quãi!l "se
vtnêülCem ge-rãi OcORccito de -«ciência»; conforme. p. ex .. só se
·--.- -· -·- ··-.
~l!JlID~s~~!r ~<cientificas1• as elabor!~õ~s. endereçadas. ao
_1~conhecimento da verdadC»-(íógicó; iríiílemó.tico. cmpirico), ou Retomemos o § 15 89 do Código Civil alemão.
tilffibém aquelas elabÕraçõeS que visam cstabCTeCei' um sistCiná de Este parágrafo é o primeiro de um conjunto de dis-
enunciados normati-.·os metodicamente obtidos e bem fundamen- posições sobre o «parentesco». Na sua versão original
tadÔs- (eVenruaffnCnte ~{jusíoS>)) ·_:_ CC:iffio- a_CoiíleêeP~ecisamcnte_ dizia, na íntegra: t<As pessoas que descendem umas das
_l}fl _!=:i!ncia jurídica. Em Ultimo termo surge ~ q~CSlãÕ-das- ~-~b. outras são parentes em linha recta. As pessoas que não
divisões do· «g1obus intellectualis11. Sobre o cani:ctcr da ciência
são parentes em linha recta, mas procedem duma
juridica como «ciência do cspirito•1, v. iefra.
mesma terceira pessoa, são parentes colaterais. O grau
de parentesco detennina-se pelo ntlmcro de gerações.
Um filho ilegitjmo e seu pai não são (ge/ten nichl
a/s=não valem como) parentes entre si,>. Este Ultimo
periodo foi revogado. graças à nova regulamentação da
posição jurídica dos filhos ilegítimos pela lei de
19.8.1969. Mas continuará a ser considerado na análise
que se segue. O que salta aos olhos na disposição
transcrita é a mudança na expressão. Primeiro diz-se
que certas pessoas são parentes em linha recta ou em
linha colateral. Depois diz-se: ((determina-se» e~ final-
mente, no Ultimo periodo: «gelten,, nicht ais (não são
havidos ~orno - não «valem,> como). É evidente que
neste penodo final a ideia do legislador não podia ser a
de que os. filhos ilegitimos não são parentes de sangue
de seu pat, do ponto de vista natural; mas antes a d
que o filho ilegítimo não deve ser equiparado ao filh~
(21)
22 23

legitimo juridicamente, melhor: do ponto de vista do Assim, para nos servirmos da frase de PASCAL atrás
direito civil. Esta re~trição:{<do ponto de vista do referida, parece que não é só um meridiano que decide
direito civíJ», é muito importante. Pois que, por ex., do sobre a verdade no domínio da justiça, pois que as
ponto de vista do direito penal, o pai e o filho ilegítimo linhas divisórias parecem poder atravessar uma e mes-
já anteriormente eram parentes. A cominaçào do § 173 ma ordem jurídica, para depois se deslocarem ou des-
do Código Penal contra o incesto entre «parentes na vanecerem com a evolução histórica. Pelo que respeita
linha ascendente ou descendente» (como anteriormente à palavra «validade» («Geltung» ). há que dizer que ela
se dizia) abrangia sem dúvida também· os pais e os tem um significado muito particular. Sem querermos
filhos ilegítimos (filhos estes que agora são expressa- filosofar a seu respeito (o que tem sido feito com
mente designados JXlf «descendentes-de sangue))). Ou: a frequência bastante), diríamos no nosso caso que ela
despenalização de «desvios cometidos pelos pais contra traduz a ideia de que uma relação de vida é olhada
os seus filhos>>, no Código de Processo Penal de 1841, juridicamente de determinada maneira.
valia também para desvios cometidos contra filhos Mas, antes de nos interrogarmos sobre qual seja
ilegítimos (hoje um furto a um <<familiar)) só é suscep- esse específico modo de consideração, indaguemos
tivel de procedimento penal havendo acusação particu- primeiro se realmente as coisas se passam de modo
lar, o que igualmente se aplica ao parentesco ilegítimo). essencialmente diverso com os periodos anteriores do
Por outro lado, e inversamente, volta a dizer-se no § 1589 (ainda hoje em vigor) onde se diz que as pessoas
Art. 33 da Lei de Introdução ao Código Civil: «Sempre que descendem umas das outras sào parentes em linha
que, no Estatuto Judicia.rio, no Código de Processo recta. Neste ponto ao menos parece que na verdade o
Civil, no Código de Processo Penal (não confundir com Direito se curva perante a natureza e que apenas afirma
o Código Penal), no Código de Falências ... sejam aquilo que é. Todavia, também aqui não estão excluidas
atribuídos efeitos jurídicos ao parentesco ou à afinidade, as surpresas. O § 1589 faz depender o parentesco da
aplicam-se os preceitos do Código Civil relativos àque- (<descendência)>. O que isto seja. toda a gente julga
las matérias». Estas outras leis, portanto, de novo se sabê-lo. Tanto mais chocante havera de parecer. pois, o
orientavam pelo principio do Código Civil segundo o que o Código Civil logo a seguir, nos ~ S 1591 e
qual o pai ilegítimo e o seu filho não eram «havidos)} seguintes, preceitua com respeito à «descendência legi-
como parentes - o que se acha ultrapassado desde a lei tima». Diz-se ai que um filho nascido após a celebração
de 19 .8.1969. Daqui resultava que o direito de escusa a do casamento e filho legitimo de ambos os cônjuges se a
depor como testemunha, que é conferido aos parentes mulher o concebeu antes ('?) do matrimónio ou na
do acusado em linha recta, ii"ão era reconhecido ao pai constáncia deste e o marido coabitou co1n ela durante o
ilegítimo num processo penal instaurado contra o filho perido da concepção. Se este periodo tein lugar durante
(e inversamente) - o que hoje já se não verifica. a constância do matrimónio. presume-se ('!) que o
•• 24 25


~
marido coabitou com a mulher. Como período de
concepção considera-se (vale?) em geral o período que
pessoas cépticas e observadoras â sua roda chegue a
uma conclusão completamente diferente fazendo uso

:
medeia entre o 181. 0 e o 302.o dias anteriores ao. dos seus olhos naturais. (<Mater semper certa est». Ao
nascimento do filho. Nestas condições, o filho só não é contrário, a não rara incerteza acerca do pai é elimina-
legitimo quando, ~•dadas as circunstâncias, resulte cla- da, no interesse da (<segurança jurídica», atfavés da

:
ramente impossível que a mulher tenha concebido o «presunção» de que o marido coabitou com a niãe e é o
filho do marido». Mesmo que seja este o caso, a pai da criança. Se a isto acrescentarmos ainda que um
ilegitimidade ainda assim tera de ser estabelecida com filho ilegítimo pode posteriormente obter «a Posição
força de caso julgado através duma acção de impug- juridica de um filho legítimo» pelo facto de o pai

!
nação da paternidade intentada pelo marido, pelos pais ilegítimo casar com a mãe ( § 1719 do Código Civil),
deste ou pelo filho. A não ser por este meio, não é ou p_elo facto de ser declarado legítimo através de uma
possível «fazê-la valer», se o filho nasceu na constância decisão do tribunal tutelar ( § 1723 e seguintes do
do casamento ou dentro de 302 dias após a dissolução Código Civil), o quadro assim preenchido deixará
do mesmo. Em resumo: relativamente aos filhos nas- transparecer que a descendência legitima e, por conse-

': cidos na constância do matrimónio ou dentro de um guinte, o parenteSco em linha recta, são dados especi-
certo prazo após a sua dissolução, o Direito adopta ficamente jurídicos que não precisam de coincidir com
fundamentalmente aquele ponto de vista que os roma- os dados naturais, muito embora o legislador se esforce,
nos exprimiam com as seguintes palavras: «pater est hoje mais do que nt1nca, por cÜnseguir essa coinci-
quem nuptiae demonstrant~> (Digesto 2, 4, 5: pai é dência. E também pelo que toca aos filhos legítimos
aquele que do casamento se conclui que o é). Ê não nos será lícito afirmar, dum modo inteiramente


' evidente que de novo aqui, nesta regulamentação, a
consideração ou o pont~ de vista jurídico pode estar em
geral, que eles são legitimos, mas antes teremos que
dizer: eles são considerados (gelten) como legitimas

••'
conflito com o ponto de vista «natural». Pode desde para efeitos do Código Civil (não em geral, pois que os
logo estranhiir-se-.que, segundo o Código Civil alemão § § 1591 e seguintes do Código Civil não decidem, por
- ao contrário do que sucede em muitos Direitos ante- exemplo, quanto à ilegitimidade na hipótese de «infan-
riores - o filho também seja legítimo quando não foi ticídio», a que se refere o § 217 do Código Penal).
'

••'
procriado na constância do casamento mas antes da Mas ainda que os dados jurídicos concordassem
celebração deste. A mais disso, porém, nos termos do com os naturais, sendo, por exemplo, de considerar
regime acabado de referir, é ainda possível que uma corno legítimos por Direito e por natureza aqueles filhos
mulher, que não tenha escnipulos em matéria de fide- que foram procriados pelos cônjuges na constância do
lidade conjugal, brinde o seu marido com filhos que respectivo matrimónio e nasceram durante esse período,
hão-de ser considerados legítimos. embora o circulo das nem mes1no assim isso quereria dizer que o conceito

••...
26 27

jurídico de parentesco significa exactarnente o mesmo o jurista, ele funcion:1: como ~<hipóJese l~g_al>1,._à._quaL..a
que conceito «natural)). O leitor reflexivo não deixará «re"gra- de direito» (a «norma jurídica»)_ liga «cons.e.;__
de ripostar logo contra a palavra «natural». Para um (iuências jurídicas)). E eis-nos chegados ao núcleo-da
biólogo nem sequer existe a distinção entre filhos Questão.
legítimos e ilegítimos - para ele apenas existe o facto · Quando se dizia que o pai ilegítimo não era
da descendência natural. A <(descendência legitima», parente do seu filho ilegítimo, com esta regra juridica
bem como o «parentesco», que sobre ela se funda, queria significar-se que à hipótese legal da descendência
trazem em si, com a caracteristica «legitimo)), um ine- ilegitirna não eram ligados os mesmos efeitos jurídicos
liminável momento cultural. quer este momento tenha a que à hipótese legal da descendência legitima. Mas que
sua origem na esfera do religioso, na da moral ou na do são efeitos juridicos? Já referimos, p. ex., que, em caso
jurídico_ Quando há pouco se falou de uma coincidência de parentesco legitimo em linha recta, existe um direito
dos conceitos jurídico e natural de descendência legí- de escusa a depor como testemunha, o qual não existia
tima e de parentesco, e evidente que o conceito natural na hipótese de ascendência ilegítima, enquanto vigorou
deste parentesco foi entendid?~ não num sentido biológi- o mencionado § 1589, 2. Mas, mais importante é o
co, mas num sentido sociocultural. Só neste sentido, e seguinte, que continua a «valer» mesmo depois de
já não num sentido biológico, podemos falar duma des- eliminado o § 1589, 2. Entre a descendência legitima e
cendência legitima e de parentesco «naturais». Mas, a ilegitima subsiste como dantes uma diferença jurídica
agora examinada a questão mais de perto, temoS dê essencial, não obstante hoje o pai ilegítimo ser conside-
reconhecer que também o conceito jurídico de· PaTen- rado «parente)) do filho ilegítimo: o filho legitimo usa o
tesco se pode distinguir ainda do conceito socioCuíl~r~l, apelido de família do pai, ao passo que o filho nascido
e hoc sensu natural. de parentesco legitimo. Sim, fora do casamento recebe em geral o nome de familia
mesmo quando estes dois conceitos coincidem nos que usa a mãe ao tempo do nascimento ( § § 1616 e
pressupostos da sua aplicação, quando, portanto, o 1617 do Código Civil). O pai legitimo detém, ao lado
parentesco jurídico só existe onde exista também o da mãe, o «poder paternal)) sobre o filho, quer dizer, o
parentesco sociocultural, quando, especialmente, abs- direito e a obrigação de cuidar da pessoa e dos bens do
traimos do facto de que entre nós a celebração juridi- filho, educando-o, vigiando-o, cuidando da sua sallde,
camente relevante do casamento reveste formas particu- orientando a sua fonnação e escolha da profissão,
lares que se distinguem das formas religiosas - mesmo representando-o em negócios jurídicos e em processos
então os conceitos jurídico e cultural-natura! de paren- judiciais; ao passo que o filho nascido fora do casamen-
tesco não são idênticos. _O conceito jurídico de paren- to, enquanto menor, está (com certas restrições) sob o
tesco tem nomeadamente um alcance particular que ihe pátrio poder da mãe ( § § 1626 e 1705 do Código
empresta uma significação incomparável. Conforme diz Civil). E, não obstante a equiparação (levada tão longe
28 29

quanto possivel) da posição do filho ilegítimo à do filho do parentesco não tem, nessa medida, relevância jurídi-
legítimo relativamente ao direito a aliment<'>S e ao ca. É bem certo, todavia, que existe um direito de
direito sucessório, subsistem ainda diferenças que não escusa a depor corno testemunha relativamente a paren-
vamos especificar aqui. Saliente-se a titulo de exemplo tes da linha colateral até ao terceiro grau, de forma que
que o direito sucessório que agora lhe cabe, quando também aqui se nos depara de novo uma certa relativi-
com ele concorram descendentes legítimos ou os de um dade da ~egulamentação jurídica.
cônjuge sobrevivo do autor da herança, assume a forma ~Esta relatividade da regulamentaç~o j.uríQ.is_~_sob 9-
de um direito de representação sucessória (semelhante fornia de diferentes ""efeitos jurídicos referidos à mesma
ao direito ao quinhão legitimário geral), de modo que o ~ituação básica faz-nos compreender rnelhór-~à:felátiVi­
filho ilegítimo não entra na comunhão hereditária com dade acima descrita na formação dos conceitos da
aqueles outros herdeiros (§ 1934-a do Código Civil). hipótese legal. Que a sucessão legitima e a ilegitima
É isto e apenas isto o que significa para o Direito · possam ter diferentes consequências jurídicas, não obs-
«parentesco» e «descendência» (Jegítima ou ilegítima): tante representarem a mesma situação de facto natu-
por força da «hipótese» do parentesco ou da des- ral, isso explica-se pela circunstância de na norma
cendência assim circunscrita pela lei desta ou daquela jurídica não ser conceitualmente fixada e tornada
maneira surgem ou não surgem estes ou aqueles «efei- objecto de enunciados científicos (sobre um «parentes-
tos jurídicos». Tudo o mais que, nas relações. humanas, co» ou <(descendência» biológica «em si», com estes ou
o conceito de «parentesco» evoca ou por ele é sugerido: aqueles efeitos «naturais») uma situação de facto em si
o sentimento de solidariedade e comunidade de destino. previamente dada. O que acontece é, antes, que «hipó-
a recordação de antepassados comuns e de uma origem teses legaisH são recortadas e por assim dizer postas
comum, a consciência de compartilhar da honra de {constituídas) como pressupostos de determinadas regu-
todos os membros da familia e o conexo sentimento de lamentações jurídicas (de natureza civil, penal, ou ate
responsabilidade, a entreajuda nas necessidades, etc, - de direito público). Ora, ao proceder assim, o legislador
tudo isto apenas tem para o Direito, quando muito, um tem a liberdade de determinar diferentemente os pres-
significado mediato, pois que imediatamente apenas lhe supostos da hipótese, na perspectiva de específicos
interessam aqueles direitos e deveres que são reconhe- pontos de vista jurídicos, e, portanto, de apreciar e
cidos como «consequências jurídicas». Assim, pode conceber de diferentes modos, tendo em conta as dife-
efectivamente constituir um dever moral para os des- rentes consequéncias jurídicas, o facto natural unitário
cendentes de um tronco comum (innãos e primos) da «descendência».
ajudarem-se mutuamente nas situações de necessidade e Falámos repetidas vezes de efeitos jurídicos (ou
garantirem-se reciprocamente o sustento. Mas, se o consequências juridicas) que se ligam a uma «hipótese
Direito não prescreve a obrigação de alimentos, o facto legaln. Que devemos entender por «efeiJq_s j1:1_rídi~~_::?
30 31

Já tomámos conhecimento de alguns de entre eles: o não resultam quaisquer direitos ou obrigações. E deste
direito de usar um certo nome, o direito e a obrigaçáo caso devemos distinguir ainda aquele outro em----que ....
de exercer o poder paternal, o direito a alimentos e o duma hipótese legal podem resuiiar diriiioS· e éiiver"es
direito de sucessão. Em qualquer caso, direitos__e_d_eve- e:
que têm um conteúdo negativo, isto (!irél'fos ~deve~e~
res. Isso implica uma multiplicidade de cólsas. Primei- Que se referem a uma omissão. a um ~ão _f~~e! al_go.
ramente e para começar, significa que as conseq~ncias Como, v. gr., o dever de não realizar uma .!!ÇJi".~~~
jurídicas consistem em direitos ci>Oderes j~~íctiCOS >-~ ruidosa e o correspondente dir~ito. Os direitos e deveres
deveres e, depois, que estes direitos e deveres são desta última espécie são juridicamente algo de positivo,
i_econhecidos como jurídicos. Com referência a este como o são também as dívidas - que nas nossas contas
último ponto contentemo-nos com a observação de que tratamos corno algo negativo e a ser reduzido do
os direitos e deveres apenas são rec9nhecidos como património, mas que em face do Direito são algo de
juridicos quando podem ser defendidos e efectiv.ados positivo, a saber. típicas obrigações. Autênticas gran-:
através de meios jurídicos - o que hoje praticamente dezas negativas em sentido jurídico sãõ:DO, m:Io..con-
significa, dada a intima ligação entre. Direito e E~tad~. tfário, aS. negações de -direitOS ·e-dever~·; -Que vão
ciue eles, sendo necessário, podem fazer-se valer peran- conexas com a nulidade dos negócios juiidicOs CO~í~­
te as autoridades judiciais e administrativas. (O pro- rios à lei e aos bons costumes. Elas representam cOírió
blema das relações dos direitos e deveres jurídicos com {iue um cancelamento das consequências jurídicas, a
os direitos e deveres morais - aos quais falece aquela que nós, no entanto, e por estranho que pareça, volta-
exequibilidade estadual - é já um problema de filosofia mos a chamar «consequência jurídica», pois dizemos
do Direito que não cabe tratar aqui). que a ofensa da lei ou dos bons costumes por parte de
Quando há pouco dissemos que as consequências um negócio jurídico tem por consequência jurídica que

•••
jurídicas são constituídas por direitos e deveres. deve- o negócio é nulo e que, portanto, ele não prcxluz
ríamos ter logo acrescentado: em primeira linha. Pois propriamente quaisquer consequências jurídicas. Ê evi-
não podemos esquecer que no Direito hei. «grandezas dente que neste contra-senso se· esconde uma ambigui-
negativas>), consequências jurídicas negativas, <!_saber, dade. Esta perturbante ambiguidade reside no facto de


a negação de direitos e deveres, como justá.mente acon- chamarmos «consequência jurídica», já a uma parte
tece (parcialmente) na paternidade ilegítima, por ·exe~­ constitutiva da regra jurídica (a regra jurídica «consta

••
plo. Ademais, se, v. gr., um «negôcio jurídico» é de hipôtese legal e consequência jurídica»), já àquilo
contrário â lei ou aos bons costumes, como, por exem- que na regra jurídica se prescreve ou estatui: a consti-
plo, a promessa de prestar num processo um falso tuição de um direito ou de um dever ou aquilo a que o

••
testemunho a troco de dinheiro, o negôcio ê «nulo» direito e o dever se referem: a prestação, a pena, etc .
(§ § 134. 138 do Código Civil), o que significa que dele Por exemplo, importa distinguir entre a estatuição da
•• 32 33

•• regra jurídica prescrevendo que de um contrato de com- reside nisto: em ele positivamente conferir direitos e

,•
pra e venda resultan1 certos direitos e deveres para o impor deveres.
comprador e o vendedor (ê esta a consequênciajuridica Ora topa-se agora e logo, nos tratados de Direito
enquanto parte constitutiva da regra de Direito) -e os civil, com urna maneira de dizer segundo a qual a
próprios direitos e deveres das partes contratantes que «consequência jurídica» ou, comó também se diz, o
·-· se encontram prescritos naquela regra: o direito do ven- «efeito jurídico» duma factualidade juridicamente rele-

: dedor a exigir o preço da venda, o dever do comprador


de pagar e receber a mercadoria. Quando dizemos que
vante consiste na constituição, extinção ou modificação
àuma relação jurídica. E se agora perguntarmos o que é

•:
uma ofensa da lei ou dos bons costumes tem a conse- que deve entender-se por este novo conceito i.<relação
quência jurídica de fazer com que se rtào produzam jurídica», receberemos mais ou menos a seguinte
consequências jurídicas (efeitos jurídicos). à expressão resposta: uma relação jurídica é uma <<relaç~o da vida
«consequência jurídica» há-de ser atribuído um duplo definida pelo Direito>:., como o são, v. gr., as relações
sentido: um primeiro, significando o mesmo que parte entre comprador e vendedor ou entre cônjuges. «Pelo
constitutiva da regra jurídica, e um segundo. signifi- lado do seu conteúdo, as relações jurídicas apresentam-
cando o mesmo que direito ou dever. Esta ambiguidãde -se as mais das vezes como poderes (direitos), aos quais
nunca poderá ser inteiramente evitada, por isso que a se contrapõem os correspondentes deveres; mas tam-
linguagem corrente dos juristas de continuo se serve de bém existem relações jurídicas - como, por exemplo, o
ambas as expressões conjuntamente. Para afastar dú- parentesco, o dornicüio - que apenas são consideradas
vidas convém dar à consequência juridica, quando esta como relevantes enquanto possíveis fontes de direitos e
seja entendida no sentido de elemento constitutivo dá deveres futuros, isto é, de direitos e deveres que
regra jurídica, a designação de comando ou estatui-

••
somente surgem quando outros pressupostos se verifi-
ção jurídica_ cam». Se agora analisarmos estas considerações sobre a
Após este paréntesis, regressemos à nossa tese: relação jurídica enquanto conteúdo da «consequência
as consequências (efeitos) jurídicas apresentam-se sob a jurídica», facilmente nos daremos conta de que, ªfinal,


••
'
forma de direitos e deveres. Ser-nos-á permitido pensar
aqui em direitos e deveres positivos - se bem que
eventualmente possamos ainda pensar naqueles direitos
e deveres que são algo negativo, um non jàcere ou
om-issào ..Eles representam a própria substância do
Direito. Em face deles as negações (sei.de efeitos
a relação jurídica não funciona justrunente como conse-
quência jurídica, mas, antes, como hipótese legardes-_
tinada a produzir consequências jurídicas, e que, ao
inves, na medida em que a relação jurídica, ou a Sua
constituição, extinção ou modificação, seja efectiva-
mente encarada como consequência jurídica, esta for-
juridicos) apresentam-se tão-só como limitações, como mulação por sua vez nada mais exprime senão que se
algo secundário. O centro gravitacional do Direito trata de direitos e de deveres, da sua constituição, etc.

• 34 35

i•
E, assim. também por este modo somos conduzidos. de apoio de todos os direitos e deveres - concepção
pois, aos direitos e deveres como conteúdo das <(consc- esta que é porventura discutível, mas que nós não
quên.cias jurídicas». podemos discutir neste lugar.
Do mesmo modo, só à primeira vista é que parecera Como resultado provisório vamos assen~~r no
tratar-se de uma diferente concepção da natureza da seguiííte: as-consequênciãSjuridicas,' quê nas regras de

••
consequência jurídica quando se diz: como o Direito é Direito aparecem ligadas às hipóteSes legais, sâd consti--
uma ordem de coacção, a estatuiçào da consequência tuidas por direitos e deveres.· As estatuições-das
jurídica há-de consistir sempre em prescrever uma consequências juridicas prescrevem a constituição ou a
coacçào, em prescrever, portanto, uma pena ou uma não.constituição de direitos e deveres. Mas poderemos

• execução forçada e coisas similares. «Sendo o Direito


uma ordem de coacção. toda a nonna juridica é uma
nós porventura simplificar ainda o modo de nos expri-
mirmos reconduzindo os deveres a direitos e os direitos

:
fl.Orma que prescreve ou ordena um acto coercitivo. A a deveres? Se não há deveres sem direitos nem direitos
sua essência exprime-se por conseguinte numa proposi- sem deveres, pois que sempre ao direito de um corres-
ção, na qual a um determinado pressuposto vai ligado o ponde o dever de outro - v. gr ., ao direito do vendedor
acto- de coacção Como consequência». Assim se expri- a exigir o preço da venda corresponde o dever do
me o fundador da chamada «Teoria Pura do Direito», comprador de pagá-lo, ou o dever do Estado de con-
HANS KELSEN. Mas se ponderarmos que_a_ prescri- denar por sentença o dito comprador e proceder à
ção da coacção, pÜr seu turno, se Jimita_l<l!Jl~ém a execução forçada do seu património - , talvez baste
produzir, de um modo coactivo, direitos e deveres ou então dizer que a hipótese legal de toda a regra de
que, como o próprio KELSEN diz, dada a hipótese Direito tem como consequência jurídica direitos ou
legal, deve ter lugar a coacçào, torna-se-nos patente que afirmar que ela tem como consequência jurídica deve-

•• também aqui as consequências juridicas se reconduzem


a direitos e deveres. Só que são direitos e deveres dum
tipo particular, a saber, direitos e deveres dos órgãos
res. Ora se efectivamente queremos proceder a esta
simplificação, parece mais viável seguir o caminho de
reconduzir os direitos aos deveres. Pois é fora de dt.ivida

•• estaduais de realizarem determinados actos. O signifi-


cado dos direitos e deveres assim configurados está
naturalmente conexo com a circunstãncia de os direitos
que não existem direitos sem deveres, ao passo que é
duvidoso se a todos os deveres correspondem direitos
referidos ao cumprimento desses deveres, e isto mesmo

•·•
e deveres jurúiicos serem precisamente caracterizados que ao falarmos nestes direitos correlativos tenhamos
como jurídicos por acharem efectivação atravé$ das em mente não só os direitos dos individuas mas ai'nda
autoridades estaduais. Ora isto apenas pode ser assim os da comunidade e particularmente do Estado. Diga-


se existem os correspondentes direitos e deveres esta- mos portanto: As consequências jurídicas previstas nas
duais. Estes aparecem, portanto, como o último ponto regras de Direito são constituídas por deveres. Mas o


~I
36 37

que- são deveres? Um dever consiste sempre num dever- conduta (pois que outras acepções do dever-ser, que
-ser de certa conduta. Quem é obrigado a adaptar um não aquelas que se referem à conduta humana, 'não
certo comportamento, fazendo ou deixando de fazer nos interessam senão secundariamente)? De novo
(omitindo) alguma coisa: ele deve agir desta ou daquela . topamos aqui com uma difícil questão de filÜsofia do
maneira, deixar de fazer isto ou aquilo. Direito, uma questão mesmo de filosofia geral. Muitos
E eis-nos assim chegados a uma nova fase da filósofos têm dito que sobre o dever:Ser nada .ffiais se
nossa indagação: 5lS regras jurídicas são regras-de- pode afumar: que· ele é um conceito_ fuqd_am~i:!La1 !!
dever-ser, e são verdadeiramente, como sói dizer-se, último que já não é sllsceptivel .de_ definição, _uQJ.a
proposições ou regras de dever-ser hipotéticas_. Elas_ «categoria», um modo originário do nosso pensamento.
afirmam um dever-ser condicional, um dever-ser condi- Foi este ponto de vista defendido pelo perspicaz filósofo
cionado através da «hipótese legal». Exemplo: se foi da moral e da cultura, GEORG SIMMEL, entre
-concluído um contrato válido de venda de uma coisa, o outros. «Ü dever-ser (das Sollen) é uma categoria que,
vendedor deve entregar a ç::oisa ao comprador e trans- adítada ao significado real duma representação, deter-
ferir-lhe a propriedade sobre ela, o comprador deve mina a sua importância relativa para apraxis ... Não há
receber a coi.Sa do vendedor e pagar-lhe o preço qualquer definição do dever-ser ... O dever-ser é um
convencionado (cfr. §433 do Código Civil). Novo modo de pensamento como o futuro e o pretérito ...».
exemplo: se alguém, intencionalmente ou por negligên- Outros acentuam que o dever-ser é a expressão de um
cia, ilicitamente causa dano â. vida, ao corpo, à saúde, à querer. Neste sentido, escreve-se no conhecido dicio-
liberdade, à propriedade ou a qualquer outro direito de nário dos conceitos filosóficos de R. EISLER: «O
outrem, deve prestar ao lesado indemnização de perdas" dever-ser é o correlato de uma vontade, uma expressão
e danos (cfr. § 832 do Código Civil). Ainda outro do que é exigido por uma vontade (própria ou alheia).
exemplo: se alguém subtrai a outrem um objecto mó- O 'dever-ser' é um 'diktat' da vontade. Ele é dirigido
vel que lhe não pertence, na intenção de ilicitamente por uma vontade supra-Ordenada a uma vontade su-
se apoderar dele, deve ser punido com prisão por bordinada ... ». Se nos lembrarmos que a expressão de
furto (cfr. § 242 do Código Penal). Embora as leis de- uma vontade dirigida a conduta de outrem se chama
sign.em as consequências jurídicas como «obrigações» «imperativo>}, poderemos acompanhar EISL.ER quando
(§ §433, 823 do Código Civil) ou se exprimam de diz: <~O 'tu deves· tem carácter imperativo». Sendo
qualquer outra maneira (o Código Penal diz de um assim, podemos então afirmar que as regras juridicas,
modo característico: «será punido))), o que se quer como regras de dever-ser diiigidas a uma conduta de
significar sempre é que algo deve acontecer. outrem, são imperativos. Finalmente, podemos ainda
Mas que significa aqui o verbo «dever» («dever- tentar esclarecer o conceito de dever-ser através do
-ser» - «Sollen» )? O que significa o dever...ser de certa conceito de valor: uma conduta é devida (deve ser)
J9

sempre que a sua realização é valorada positivamente e defesa não é «ilicita» e não é «punível)). Mas também
a Sua -omissão é valorada riegati_v.amenie. Aqui não este último esclarecimento não é autónomo. pois só
podemos aprofundar mais este a~sunto, pode compreender-se como limitação de proibições e de
Retomemos agora a fórmula segundo a qual as declarações de punibilidade: causar danos a outrem,
regras jurídicas são imperativos. Ela quer dizer que ãs matá-lo, infligir-lhe lesões corporais, exercer violência
re-gras juridicas exprimem uma vontade da comunidade sobre ele, etc., acções que em geral são proibidas e
jurídica, do Estado ou do legislador. Esta dirige-se a puníveis, em caso de legitima defesa passam a ser
uma determinada conduta dos stibditos, exige esta con- lícitas. A conhecida máxima: «O que não é proibido é
duta com vista a determinar a sua realização. Enquanto permitido)), pode também ser invertida: «Ü que é
os imperativos jurídicos estiverem~ em vigor, eles têm permitido não é proibido»111 • Tanto as definições legais
força obrigatória. Os deveres (obrigações) são, portan- como as permissões são, pois, regras não autónomas.
to, o correlato dos imperativos. A partir disto foi elabo- Apenas têm sentido em combina(;ão com imperatiYOs
rada uma «teoria» cuja tese afirma: o Direito é, em que por elas são esclarecidos ou limitados. E inversa-
substância, constituído por imperativos e só por impe- mente, tambem estes imperativos só se tornam comple-
rativos. E esta teoria é correcta quando a entendamos tos quando lhes acrescentamos os esclarecimentos que
adequadamente e sem exageros. Em primeiro lugar, ela resultam das definições legais e das delimitações do seu
não se refere naturalmente a cada uma das proposições alcance, das pennissões assim como de outras excep-
gramaticais que se encontram num Código. Nomeada- ções. Os verdadeiros portadores do sentido da ordem
mente estas proposições, na generalidade dos casos, e jurídica são as proibições e as prescrições (comandos)
por razões de «técnica legislativa», não são autónomas. dirigidas aos destinatários do Direito. entre os quais se
Só da combinação delas entre si resulta um sentido contam, de resto, os próprios órgãos estaduais. Essas
completo. Mais tarde haveremos de ver que nesta proibições e prescrições são elaboradas e construidas a
combinação se traduz uma boa parte da arte dos partir das proposições gramaticais contidas no Código.
juristas. Para já, limitemo-nos a um exemplo. Quando o O que acabámos de dizer vale também em relação
§ 5 3 do Código Penal e o § 227 do Código Civil aquelas denegações de consequencias jurídicas que nós
concordem ente nos apresentam uma· «definição legal» virnos terem lugar quando um negócio jurídico viola a
de legitima defesa, a saber: «Legitima defesa é aquela lei ou ofende os bons costumes. Quando o Código Civil
defesa que é necessária para afastar uma agressão ilicita declara tais negócíos nulos e, consequentemente, lhes
e actual de si ou de outrem}>, esta determinação do recusa aptidão para criarem obrigações, isto apenas
conceito não tem um significado autónomo, pois só tem significa que a ordem ou comando impondo aquela
sentido em combinação com o ulterior esclarecimento prestação a que noutros casos os negócios jurídicos
dado pela lei de que a conduta exigida pela legítima (como, v. gr., um contrato de compra e venda, um
40 41

contrato de prestação de serviços) obrigam, excepcio- dico e relegadas para o «espaço ajuridico>~. O que sub-
nalmente não tem lugar. Por conseguinte, as prescrições siste após esta operação são de novo e apenás impera-
ou comandos que impõem a prestação são também tivos.
limitados por estas regras sobre a nulidade dos negôcios Há ainda uma outra classe_ de normas jurídicas '3
juridicos. que devemos prestar particular atenção: as normas
De modo diferente, porém, se passam.as coisas no atributivas, aquelas que conferem direitos ·subje"CtiVOST2>.
que respeita à revogação expressa ou tácita de impera- Vamos portanto prolongar, -mas ·de um novo ângulo·,
tivos jurídicos preexistentes. Assim, por exemplo, se a certas considerações que acima iniciámos sobre a
proibição do aborto fosse completamente revogada, relação entre o direito e o dever. Exemplos clássicos de
como algumas vezes jâ tem sido reclamado, isto signi- atribuições de direitos aos indivíduos são-no as garan-
ficaria o desaparecimento de um· imperativo. Esta tias fundaffientais de Direito constitucional, tais como
revogação ela mesma não seria um imperativo nem aquelas que nós actualmente encontramos na prinÍeira
parte integrante dum imperativo. No jmperativo a parte da Constituição (Lei Fundamental) de Bona, mas
vontade do destinatário do Direito é vinculada, ao são-no ainda as determinações do Direito Civil sobre a
passo que na nomla jurídica revogatória essa vontade é propriedade, o seu contelido e a sua protecção ( § § 903
libertada. Se, porém, a regra proibitiva dà aborto e ss., 985 e ss., do Código Civil). A linguagem juridica
apenas é quebrada em relação a certos casos, como, v. corrente distingue entre Direito objectiVo e direito sub-
gr., na hipótese de interrupção chnica da gravidez para jectivo. O Direito objectivo é a ordem Jurídica: o
salvar a vida ou a saúde da grávida. então de novo se conjunto das no1mas ou regras jurídicas que nós há
tratará apenas de uma regra perrrtissiva limitadora, não- pouco concebemos corno imperativos. O direito sub-
autónoma, que se deixa configurar como excepção à jectivo é o poder ou legitimação conferida pelo Direito
regra proibitiva do aborto, inantendo-se esta como regra (Berechtigung ). Mas se partirmos do ponto de vista de
geral. que os direitos subjectivos se fundamentam em normas
1'odavia, a teoria imperativistica não é forçada a juridi_cas atributivas (normas que atribuem esses direi-
abandonar a sua tese fundamental pelo facto de existi- tos), estas concessões ou atribuições de direitos per-
rein normas jurídicas revogatórias que não têm carácter tencem ao Direito objectivo, pois que são regras jurí-
imperativo, per isso que estas normas revogatórias dicas. Ora em que relação se encontram estas nonnas
apenas têm por função diminuir a soma total dos impe- com as regras jurídicas de carácter imperativo? Para
rativos jurldicos vigentes. sem acresceotar ao próprio respcnder a esta questào temos de analisar mais de
conjunto desses imperativos pre-eeitos juridicos dum perto a natureza do direito subjectivo. Antes de tudo, os
novo tipo. Através das normas revogatórias certas direitos subjectivos são mais do que simples permissões.
formas de conduta são subtraidas ao domínio do jurí- Uma permissão, co1no por exemplo, a de causar danos
•• 42 43


••
1'
ao agressor na hipótese de legitima defesa, pode ser
considerada co1no mera excepção às várias proibições
de lesar ou danificar outrem e, nesta medida, apenas
pessoa ... A regra jurídica que me atribui a propriedade
não se limita a estabelecer para os outros a proibição de
me perturbarem o domínio da coisa, antes me confere

~
terá um significado negativo. A concessão de um direito ao mesmo tempo esse domínio sobre a dita coisa, no
sentido de que eu próprio posso exigir que mo não

••
subjectivo como o da propriedade significa, ao contrá-
rio, algo positivo. Neste caso, reconhece-se .3:<? titµlar_do perturbem». Ora este lado positivo do Direito parece
direito subjectivo uma esfera de poder, de modo a ser- levar por completo de vencida a teoria imperativista.
1 -lhe possível, dentro dela, acautelar os seus próprios Nu.ma célebre crítica desta teoria afirmou K. BJN-
interesses. Por isso é que no já muitas vezes Citádo DING que, segundo ela, o direito subjectivo apenas
tratado de ENNECCERUS s_e escreve: «Ü direito sub- seria «um buraco no circulo das normas)), A teoria
jectivo é, sob o aspecto conceituai, um poder que ao imperativista apresenta-se como uma espécie de pessi-

i: indivíduo é concedido pela ordem jurídica ~~ ~L~ __qll_~ mismo filosófico-jurídico. Se, de acordo com SCHO-
respeita à sua finalidade, um meio para a satisfação de PENHAUER, o clássico representante do pessimismo
il'l;teresses humanos». ENNECCERUS coloca a<<COõ.-- filosófico em geral, todo o prazer da terra consiste em
cessão» de tais direitos subjectivos ao lado das manter afastado o desprazer, segundo a teoria impe-
prescrições e das proibições do Direito. «Toda a regra rativista parece que tudo o que de positivo o Direito
jurídica perfeita (completa) contem umâ--preS~riÇão concede apenas consiste no não estar vinculado por
(um comando); muitas, porém, a mais disso, e mesmo in1perativos, no estar liberto da «penosa exigência, do
1

:
•:
em primeira linha, contêm uma concessão». 'úEfectivã-
mente, se o Direito consistisse apenas em prescrições
ou comandos. estes poderiam na verdade traduzir-se em
vantagens para outrem (assim, v. gr., o preceito que
manda espargir as estràdas em tempo de inverno e
quando há gelo, traduz-se em vantagem para os utentes
rigoroso dever-ser (Sollen )». Assim como só nos aper-
cebemos da meramente negativa libertação do des-
prazer quando a perdemos. assim como só aprendernos
a apíeciar a frescura da juventude, a saúde e a energia
para o trab~lho quando estas vào gradualmente desapa-
recendo, também só damos conta da benção que
das vias públicas; o preceito que ordena o estabe- representa a concessão de direitos quando os impe-

:
lecimento de detenninadas instituições destinadas a rativos cada vez mais nos limitam a liberdade. Apenas
promover o bem-estar geral, traduz'...~e em benefícios sob o jugo do Estado totalitário aprende o homem a
para o público - são os chamados efeitos «reflexos>>), apreciar de novo os perdidos direitos e liberdades
... mas não poderia surgir para esse outrem, com base fundamentais. Entretãnto, a teoria imperativista, recta-

•'•
apenas nessa prescrição ou comando, um direito a que mente entendida, não se deixa afastar por considerações
ele (esse comando) seja observado; para tanto torna-se desta natureza. Ela de modo algum negará (iue·õ· dfréito
necessária ainda uma concessão deste direito a essa concede (atribui) algo, que produz resultados positi"'::?~ .
44 45

e cria· vantagens palpãveis. Os direitos subjectivos estão mos perante nós um direito subjectivo (Berechtigung)
aí e são alguma coisa de positivo. Toda via, a referida quando, entre os pressupostos da consequéncia juridica
teoria imperativista mostra-nos que o Direito tão-so- ilicitude, figura uma manifestação de vontade, dirigida
mente alcança este efeito positivo através de urna àquela consequência, daquele que é lesadc nos seus
significativa instituição de imperativos. Assim, haja interesses pelo facto ilícito, manifestação de vontade
vista à propriedade, que pode considerar-se como essa vertidà na forma de uma acção ou de urna queixa
protótipo de um direito subjectivo. A sua «concessão» é (ou reclamação))). Assim, «o direito .subjectivo não se
operada através dos seguintes meios, e apenas através .situa em face do Direito objectivo como algo indepen-
deles: pelo facto de ser proibido a quem quer impedir ao dente dele». (<O dualismo de direito subjectivo e Direito
proprietário o gozo da coisa que lhe pertence - objectivo desaparece». ~pipre que há direitos _sub-
furtando-lha ou roubando-lha, recusando-lhe a sua pos- jectivos, sempre que eles são «Concedidos», são conce-
se, perturbando-lhe o seu uso, etc. -; pelo facto de ser didos através da criação de imperativos. Nem aliás
ordenado àquele que, sem um particular título juridico, poderia ser doutro modo, por isso que o direito, por si
está na posse duma coisa alheia, que a restitua ao seu mesmo, não dispõe de qualquer outro meio de acção
proprietário; e, sobretudo, pelo facto de ser ordenado às senão daquele que lhe é conferido através do poder de
autoridades judiciárias que, a requerimento do proprie- emitir comandos. Tudo o que o Direito realiza, realiza-
tário, intervenham no sentido de obterem a efectivação -O através da utilização deste poder de comando. Ele
daqueles comandos e proibições primários. Sem todos não dispõe dum saco cheio de djreitos subjectivos no
estes ünperativos, qualquer concessão da propriedade, qual possa meter a mão para os espalhar entre o povo.
por màis expressa e solene que fosse, não teria sentido Na sua relativa pobreza assentam, em ú!timo termo, as
nem substância. E o mesmo vale em relação a todos os razões de todas as dificuldades do Direito. Corno os
<?Utros direitos subjectivos. Deste ponto de vista, a direitos subjectivos só podem ser concedid9s agravando
concessão de direitos subjectivos é, no fundo, um modo as outras pessoas com exigências e obrigações -
de falar sobre urna constelação de imperativos entre- mesmo que se trate apenas da obrigação de conservar
laçados de uffia fonna especial. Mas note-se bem que os uma coisa ou de se abster duma acção -, é muito mais
direitos subjectivos não brotam do sol por toda a parte dificil realizar a justiça do que se se tratasse da dis-
em que algo é ordenado (prescrito) pelo Direito, mas tribuição de um preexistente tesouro de direitos sub-
tão-somente lá onde os imperativos juridicos estão jectivos. Também a uma mãe custa menos se tem de
conformados e coordenados de maneira tal que deles repartir justamente um bolo entre os seus filhos do que
resultam aquelas posições de privilégio (Machtposi- se se vê obrigada a impor obrigações a um filho para
tionen) a que nós chamamos direitos subjectivos. KEL- vantagem do outro. Ainda desta perspectiva se faz nova
SEN exprime isto mesmo nos seguintes termos: «Te- luz sobre a distinção entre a simples pennissão e a
47
46

cham3da concessão de direitos subjectivos. Com cada ele tem de ·valorar' aquele algo num determinado
nova permissão são limitadas as proibições,_ os impe- sentido positivo. Um pnºus lógico do Direito como
rativos perdem terreno. Quando se trata de novas norma de determinação" é sempre o Direito como _11:Q.r_n.í3.
concessões de direitos, pelo contrário - como aconte- de valoração, como 'ordenação. objectiva._da vida'.~~~-.
ceu. no nosso tempo, e. g., com o reconhecimento dÚs Te mos de reconhecer como acertadas estas conside-
direitos de autor - os imperativos aumentam necessâ- rações, pelo menos quando não vejamos no Direito a
riamente. O domínio do permitido alarga-se tanto mai~ expressão da vontade caprichosa de um déspota mas o
quanto mais os imperativos se dissolvem. Inversamente, P.rodüto de ponderações rac·ionais. Nestes termos, por
o inventário dos direitos subjectivos apenas pode au- exemplo, o aborto não é proibido por acaso, mas
mentar em paralelo com o aumento do inventário das porque se considera ou estima aquele ser vivo em
proibições .e prescrições< 3 l. gestação como sagrado e intocável e se reconhece a
Se nos é lícito, portanto, afirmar sem receio o necessidade de lhe conceder protecção jurídica contra
carácter primário de imperativos de regras jurídicas os perigos que o ameaçam, nas situações de conflito,
essenciais perfeitas (completas), não vamos no entanto por parte da grávida e de terceiras pessoas. Somente no
esquecer que a vontade imperativista do legi§la9.or não caso de estas situações de conflito se apresentarem com
é uma vontade desvinculada (incondicionada), um mero uma configuração tal que se deva dar preferência a
arbítrio. Os comandos e proibições do .Direito têm as outros interesses sobre aquela vida em gestação, é que
suas raízes nas chamadas normas de valoração( 4 ), podera ter lugar uma valoração diferente e abrir-se uma
eles fundamentam-se - dito de forma mais simples - excepção à proibição do aborto. E neste sentido que
em valorações, em aprovações e desaprovações. Tem hoje, entre nós, se reconhece a chamada indicação
inteira razão o moralista FR. JODL quando afirma que médica como fundamento para a «interrupção da gra-
todo o imperativo (<já pressupõe necessariamente o videz>>, com o fim de se afastar um perigo sério para a
juízo de que aquilo que se exige tem um valor parti- vida ou a saúde da grávida, com o consentimento desta.
cular, um valor próprio, e é por isso mesmo que é exigi- A proibição do aborto, assim como as excepções a esta
do~>. Com igual razão se exprime o criminalista E. proibição, fundamentam-se, portanto, em valorações
MEZGER: «O Direito, enquanto ·norma determinati- prévias. Pode, de um modo inteiramente geral, afinnar-
va' (=imperativo) não é de modo algum 'pensável' sem -se que a indagação destas valorações subjacentes às
o Direito enquanto 'norma valoradora' - o Direito regras jurídicas é de máxima importância para a cor-
como norma valoradora é um necessário pressuposto recta compreensão e para a determinação do conteúdo
lógico do Direito como norma determinativa... Pois de tais regras. A este ponto voltaremos ainda mais
quem pretende 'determinar' alguém a fazer algo tem de adiante.
previamente conhecer aquilo a que o quer determinar: Todavia, também esta consideração não é de
:•
'
48

molde a impedir-nos de ver a substância das regras também por <drnperativos de pericia» e acentua de
49

•• jurídicas no seu carácter imperativo. Com efeito. a valo-


ração só se torna genuína regra jurídica ao armar-se
com um imperatívo. Com simples normas dC valoração
forma incisiva: «A questão não é .a de saber se o fim é
racional e bom, mas apenas a do que temos de fazer
para o alcançar. A receita do médico para de forma

•,• não poderia o Direito exercer o domínio que lhe


compete sobre a vida dos homens em comunidade. Só
na medida em que as normas de valoração adquírem a
força de manifestações de vontade e, portanto. de
ordens ou comandos, é que elas se transformam em
segura fazer com que o seu paciente recupere a saúde, e
a do envenenador para com segurança lhe provocar a
morte, são sob este aspecto de igual valor, pois que
ambas são adequadas à realização perfeita do respec-
tivo fim». O célebre livro de N. MAQUIAVEL sobre o

; normas juridicas.
Tendo, portanto, de nos confonnar com a tese de
que as normas juridicas são, no seu conteúdo essencial,
principe é neste aspecto um palpitante exemplo de um
repertório de imperativos hipotéticos (para fins poli-
ticos ). Além de tudo o mais é um traço essencial de

:• imperativos, ela não deixará de fazer surgir, no espírito


daqueles que conhece.m o mundo conceituai da filosofia
kantiana, a seguinte pergunta: são estes imperativos
_categóricos ou hipotéticos? Já dÍsseffiõS(fueãs r_egras
toda a técnica moderna formular imperativos hipotéti-
cos que ensinam os meios de realizar detenninados fins,
sem discutir ou apreciar moralmente os mesmos. Ora,
ben1 ao contrário, a função dum imperativo categóflco. é

•• ·9u prq~~ões _j_urí~ic:a~_ são _regras hipotétic~~ de. ~e­ pÍecisamente dizer-1ne qual o fim que eu me devo.
ver-ser. Voltemos de novo a este ponto. Primeira- propor em cada caso, incondicional e absolutamente,
1 mente trata-se de saber, à luz da terminologia kantia- ((sem referência a um outro fim>). Devo eu, como médi-
na, qual a espécie a que pertencem os imperativos co, curar ou, como envenenador, matar? A proposição:
' juridicos. Ora: «Os imperativos ou são hipotéticos ou «Não deves matar», é um imperativo categórico. Do

••
categóricos. Os primeiros põem a necessidatj,e prática mesmo modo, «a lei penal é um imperativo categórico»,
de uma possível conduta cÕmo meio para qualquer quer dizer, é um imperativo categórico que o criminoso
outra coisa que se preténde alcançar. O inlperativo sofra a pena merecida. É esta pelo menos a concepção

••• categórico seria antes atjuele que apresentasse uma


conduta como objectivamente necessária por si mesma,
sem referencia a qualquer outro fim». Por outras
palavras, os imperativos hipotéticos são apenas bons
conselhos do teor seguinte: se queres alcançar este ou
de KANT na sua Metafisica dos Costumes. Claro que
existe uma nítida divisão do trabalho (distribuição de
funções) entre «técnica)> e c<moral». A técnica ensina-
-me os meios para alcançar o fim e deixa à moral a
determinação do próprio fim_ A técnica é moralmente

••
aquele fim, tens de recorrer a este ou àquele meio. Eles indiferente ou, para ser mais exacto, ela recebe a sua
são indicações técnicas nas quais se pressupõe ((hipote- significação moral da moralidade ou imoralidade aos
ticamente» um determinado fim. KANT designa-os fins a cujo serviço se coloca .


50

. .
~~~------~----------
~ ~uai ~~s ~o~~i~s
ri
pertencem, pois, as regras
1
......... 51

JU~1d1cas_; A ~1e~c1a ;und1ca é mais enfonnada por uma afirmação de poder em relação ao exterior. a paz ou a
onentaçao tecn1ca ou por uma orientação ética? Ora expansão guerreira, o progresso cultural ou a riqueza
certamente que as regras jurídícas, sob certo aspecto. material, a felicidade do individuo ou a maior vantagem
são de conceber como preceitos que exigem detenni- da comunidade? O próprio Direito, pÜrtanto, fixa os
fins e exige a sua realização de uma forma tão incondi-
nados meios para determinados fins. Nós vimos, por
cional, dum modo exactamente tão «categórico», como
exemplo, que uma gran~~ parte ç!9s_ i!Jl~r-~tivos proí-
a moral. Resulta, pois, como consequência desta con-
bem ou prescrevem detenninadas condutas, Pára-
dCSse
cepção, que, na interpretação e na aplicação dos impe-
~odo criarem aquelas Posições de priviJégio a que nós
rativos jurídicos, devemos «entender» («compreender»)
c~amamos direitos subjectivos. Mas, a parte isto, o
estes como meios para alcançar os fins que o Direito
Direito está sob o signo e o critério da conveniência considera bons. ~versamente, quandC!._. nQ§__ac.bamQS.
prática (da adequação ·• fins). Ele deve conformar perante imperativos hiPQtétiCOs.- Sõm(;s livres para nos
(modelar) a vida da comunidade de modo ajustado a decidir a favor ou contra o fim. Só se qúer~mos o fiffi é·-
·certos fins. E, no entanto, seria errado conceber por Õ queremos alcançar com segurança é que temos de nos
isso as regras jurídicas corno imperativos hipotéticos, no orientar pelo imperativo hipotético, o qual nos aconse-
sentido kantiano. Desde logo, porque o próprio Direito lha os meios apropriados.
aprecia os fins em ordem aos quais estabelece as suas Mas não será justamente que o Direito deixa a
regras. Ele valora (estima) determinados fins como cada um a escolha dos fins e se limita a fornecer-lhe os
bons e por ai mesmo se submete, na medida em que é meios? Esta concepção pode encontrar apoio no facto
enformado pela aspiração ao «justo», aos princípios de as regras de Direito ligarem determinados efe;itos
morais. O mal-afamado principio do Nacional-Socia- jurídicos, conformes ou contrários à vontade do agente.
lismo: «O Direito é o que é útil para o povo>>, que na a determinadas acções, com a indicação de que, se
realidade ameaçou degradar o Direito a um conjunto pretendo esses efeitos ou estou disposto a aceitá-los,
de meros imperativos hipotéticos, é um princípio que tenho de praticar ou posso praticar as respectivas
não só se apresenta como uma aberração do ponto de acções. Assim, por um lado, eu posso, através de uma
vista ético mas também como inadequado do ponto de declaração de vontade, da conclusão de um acordo,
vista da teoria do Direito. Isto porque nos não dâ duma petição junto duma autoridade e de actos seme-
qualquer resposta â questão de saber o que é útil e lhantes, produzir efeitos jurídicos que são de meu agra-
proveitoso para o povo e ainda porque nós esperamos do; mas também posso. por outro lado, praticar «actos
do direito precisamente uma resposta à questão de ilícitos» e «actos puníveis>), isto desde que me disponha
quais os fins que, sob o rótulo «utilidade do povo», a sujeitar-me à prestação de perdas e danos e a suportar
devemos prosseguir: a ordem fronteiras adentro ou a a punição. É de acordo com o espírito desta concepção
.,

•'•
'' '
52 SJ
que A. RUESCH afirma: <<Quem, conhecendo exacta- cídio. O Direito moderno proíbe o homicídio com tanta
mente a pena em que incorre, se decide a cometer o cri- firmeza como a Lei mosaica. De igual modo, constitui
me, decide-se simultaneamente a suportar a pena, um imperativo categórico que o transgressor da proibi-
considerando-a um preço justo ou até vantajoso da ção seja punido. KANT viu isso muito bem. Daí deriva
satisfação que lhe proporciona o crime)}. Podemos para o Direito hodierno o Chamado princípio da lega-
ainda ler, num autor de certo relevo que escreve sobre lidade: o Ministério Público, que tem por função
teoria do Direito, a seguinte frase: A no.rma jurídi~a perseguir o crime, é, segundo o Código de Processo
«limita-se a apresentar uma condutã-·CÕ~o condicio:- Penal, «obrigado a agir por todos os actos que podem
nalniénte recta, ou seja, como meio para fins que talvez ser judicialmente punidos e investigados». Ê isto o que
Sejam por nós perSeguidos, ou que talvez sejam, ao vale em geral para toda a espécie de actos ilícitos ou
contrário, por nós detestados, mas e~tão conformes com puníveis. Vale em relação a taís actos o comando estrito
a· vontade de quaisquer pessoas e, portanto, hão-de ser da sua omissão, tanto por parte do Direíto como, de
garantidos pelo poder posto ao serviço dessa vontade». resto, em grande medida, também por parte da moral. E
Ou ouçamos o grande jusfilósofo italiano DEL não são menos categóricos os deveres de prestar a
VECCHIO falar - com intuito de repúdio, claro - comunidade jurídica certas contribuições positivas, por
daqueles que «declaram que o Direito deixa ao devedor exemplo: pagar impostos, suportar expropriações, etc.
a liberdade de não pagar a sua divida quando prefira É também um preceito categórico aqueJe que ordena o
sujeitar-se, por causa dela, à execução forçada, e além cumprimento das obrigações de Direito privado assu-
disso, que qualquer pessoa pode praticar um crime, midas através de declarações de vontade, especialmente
desde que esteja pronta a sofrer a respectiva penaH. através da conclusão de tratados. Todavia, o çerto é
Com o próprio DEL VECCHIO devemos, porém, que depende de nós o querermos Ou nâO v·incular-nos
afirmar que <\O Direito tem um carâcter ao mesmo atraves duma declaração de vontade a celebração dum
tempo hipotético e catfgórico». As coisas passam-se contrato. Nesta medida, está nas nossas mãos o poder
efectivamente da seguinte maneira: Quanto à sua subs- de utilizar as regras e os Preceitos jurídicos como meio
tância, a regra jurídica é um imperativo categórico. Ela para a modelação planeada das nossas relações de vida.
exige (prescreve) incondicionalmente. De certo que Uma vez, porém, que nos tenhamos vinculado, é-nos
constituiria um mal-entendido simplesmente lastimável categoricamente exigido o cumprimento das obrigações
pensar-se que a regra jurídico-penal poderia significar que assumimos. A célebre máxima «pacta sunt servan-
que nos pertence a escolha entre matar ou não matar, da)) também é, pois. um imperativo categórico - e
entre a prisão e a liberdade, que nos é lícito, por isso, muitas vezes é considerada como de «Direito natural».
desde que estejamos prontos a passar a vida por detrás O certo é que os imperativos jurídicos são «hipo-
das grades da prisão, cometer tranquilamente um homi- téticos)) num sentido inteiramente distinto daqlle1e que
•• 54 55

•• corresp~nde à terminologia kantiana. Eles são hipoté-


ticos. não no sentido de que temos de seguir determina-
contém os pressupostos de cuja verificação d~~.n.Q.e o
únperativo, a a:pódose O próprio ilnperatíy~cf51.- O jurista


das prescrições quando queremos alcançar certos fins. chama à prótase «hipótese Ieial» e â. apódose. «çpnse·

••
não nos sendo imposto nada de vinculativo quanto aos quência juridica», devendo a propósito desta úitima pen-
mesmos fins, mas, antes no sentido de serem conexio- sar-se no comando ou eStatuição de consequências jU~
nados a determinados pressupostos, em parte expres- ridicas, no dE:Ver-ser cte wi:tá ·pre-s~çao-(acção )7" -tole-
samente fixados, em parte tacitainente subentendidos. rância ou omissã_o.

••
• ~~regras j~ri~icas, por oµ~ras pa.-Javras, são jrr;i~rativos
hipotéticos no mesmo sentido em que jâ acima chamá-
ffios hipótéticas as regras riOnnativas. «TOda a regra
Pode, de resto, duvidar-se, num caso concreto,
sobre o que pertence à «hipótese legal» e o que faz
parte da «consequência juridica». Quando o § 823 do

•:
jllrídica representa em certo sentidà uma hipótese, pois Código Civil diz: «Aquele que intencional ou negligen-
que ela é ape~as aplicável quando se apresentem certas temente lesar ilicitamente a vida, a integridade tisica ...
circunstâncias de facto que na própria regra se acham de outrem, fica obrigado a perdas e danos pelos
descritas». Assim, por exemplo, a proibição de matar, prejuízos que daí resultem», podemos perguntar-nos se

•••
não obstante o s·eu carâcter categórico, pressupõe que a fónnula <1danos que daí resultem» pertence propria-
se esteja em face de uma situação normal, e não duma mente à hipótese legal ou à consequência jurídica. A
situação excepcional, como o seriam a situação de solução correcta e a seguinte: pertence aqui à hipótese
1
legítima defesa, a existência duma sentença de morte legal que um determinado prejuízo tenha surgido, e à
passada em julgado ou o estado de guerra. Propriamen- consequência jurídica que precisamente esse prejuízo é

••
te a proibição de matar tem o seguinte teor: quando não que deve ser indemnizado. Pertence, com efeito, à
seja caso de legítima defesa, de execução duma senten- hipótese legal tudo aquilo que se refere à situação a que
ça de morte ou de realização de uma operação militar vai conexionado o dever-ser (So/len ), e à consequência
em tempo de guerra, é proibido matar. E cá temos um jurídica tudo aquilo que determina o contetido deste


1

••
imperativo concebido sob a forma hipotética. Para o dever-ser.
não confundirmos com o «imperativo hipotêtico» no Sobre a hipótese legal muito haverá ainda a dizer.
sentido de KANT, podemos designá-lo por imperativo Desde logo isto: que ela pode não ser constituída
condicional. Dificilmente se poderá pensar num impe- apenas por elementos positivos, mas também por ele-
~ rativo jurídico que não seja condicionado por este
modo. Ora, corno os lógicos, no chamado juízo hipoté-
mentos negativos, como o mostram os exemplos que
acima apresentámos referentes às excepções a impe-

• tico (se a, logo b ), distinguem entre prótase e apQdose,

•••
rativos; que podem entrar a fazer parte dela, além dis.So .
assim também nós devemos distinguir no imperativo não só elementos exteriores, apreensíveis pelos senti~
jurídico condicional a prótase da ápÓdose. A prótase dos, mas também momentos interiores, psíquicos, «sub-
56 57

jectivos» (v. gr., «intencionalmente», no referido sentido destes imperativos parece ser, com efeito, o de
§ 823 ); ou que podemos encontrar nela, ao lado de que, se queremos alcançar determinados fin~ (no exem-
elementos descritivos (como, v. gr., «lesão corporal»), plo: a informação sobre uma oportunidade ·de ·celebrar
elementos referidos a valores, «nonnativos» (v. gr., no um contrato), nos temos de obrigar a uma contrapresta-
§ 826 do Código Civil, «ofensa aos bons costumes>>). ção através das correspondentes <<declarações de vonta-·
Não nos ocuparemos por agora em detalhe destas dis- de». Todavia, importa considerar que a obrigação,.
tinções. Pelo menos algumas delas terão de ocupar de fundada em último termo na declaração de vontade, tem
novo a nossa atenção. A teoria da hipótese legal tem ela mesma carácter imperativo: «quod initio est volun- ·
sido objecto de uma elaboração particulannentc subtil taris, posterea fit necessitatis» (GROCIO).
dentro da ciência do Direito penal, o que em parte se Mas há algo que precisamos pôr em destaque antes
relaciona com um célebre principio, que também se de p;ossegujrmos na nossa indagação: é -qu~-iantO a
encontra expresso no artigo l 03, ai. 2, da Constituição, hipótese legal como a estatuição (consequência jurídica)
o principio: nulla poena sine /ege (nunca se aplica uma sáo, enquanto elementos da regra jurídica, representa-
pena sem um fundamento legal). Deste principio resul- das por conceitos abstractos. Assim como os juízos
ta, designadamente, que os preceitos de Direito penal hipotéticos no sentido ló.gico são constituídos por con-
têm de circunscrever com relativo rigor as hipóteses (ou ceitos, de igual modo o são a prótase e a apódose de um
tipos) legais a que vai ligadu o comando da punição imperativo juridíco condicional. Pof isso, a «hipótese
contido na consequéncia juridica (estatuição ). Por outro legal» e a «consequência jurídica~> (estãtuição), como
ladÜ. desempenham um papel especial entre as hipóte- elementos constitutivos da regra jurídica, não devem ser
sefi legais aquelas do Direito civil qti.e em si incluem confundidas com a concreta situação da vida e com a
declarações de vontade, como designadamente todas as consequência jurídica concreta, tal como esta é proferi-
hjpóteses legais que tém por objecto a celebração de da ou ditada com base naquela regra. J.>ara maior clareza
contratos_ {exemplo: § 652 do Código Civil, relativo ao chamamos por isso «situação de facto» ou «concreta
contrato de corretagem: {<Quem promete uma comissão situação da vida)) â hipótese legal concretizada. Infe-
pela infonnação sobre a oportunidade de celebrar um lizmente, porém, não existe qualquer designação para a
contrato ou pela intervenção de alguém como intenne- consequência jurídica concreta. Não obstante, o nosso
diário num contrato ... »). Tais hipóteses legais, como já Código Penal esforça-se por exprimir a distinção entre a
referimos, possibilitam-nos a modelação das nossas consequência jurídica abstracta e a concreta, designan-
relações da vida de acordo com a nossa vontade. Elas do a pena estatuida na lei em forma abstracta como
tomam possível a «autonomia privada>> e pennitem-nos «cominação penab> (ou pena cominada) e a pena
dispor dos imperativos juridicos duma maneira tal que concreta, isto é, a pena {<medida» ou fixada para o caso
nos levou a duvidar do seu carácter categórico. O concreto. como «pena aplicada» (vejam-se, por exem-
•• 58 59

•• pio, o § 52, por um lado, e o § 53 pelo outro, ambos do


Códigô Penal). Aquela «corninação penal» (pena comi-
nada) é muitas vezes indeterminada. Assim, p. ex. a
cional ou negligentemente lesa ... , fica obrigado a repa-
rar os prejuízos que dai resultem». Por conseguinte, é
logicamente indiferente dizer que, sob as condições


••
«pena de multa» é frequentemente cominada sem
indicações precisas sobre o seu montante, se bem que,
segundo certos preceitos da Parte Geral (cfr. § § 40 e s.
do Código Penal), existam limites mínimos e limites
{pressupostos) formuladas na hipótese legal vale (inter-
vém) a consequência jurídica, ou dizer que para a
hipótese legal vale a consequência jurídica. Todavia, a
primeira formulação exprime mais claramente o ca-

•• máximos. A pena «aplicada» é em principio, ao contrá-


rio, exactamente determinada (ela é, p. ex., multa cor- ·
respondente a 20 dias, cujo montante o tribunal «de-
rácter condicional dos imperativos jurídicos, ao qual
nós atribuímos um certo relevo. Mas, para efeito de
configurar com maior plasticidade O carácter específico

,.• termina»). Temos uma excepção a isto no direito da de-


linquência juvenil, onde existe a possibilidade de uma
duração indeterminada, embora dentro de certos limites.
Ora, se tivermos em mente esta distinção do
abstracto e do concreto, toparemos ainda com um dis-
cfo pensamento jurídico, também já se tem apresentado
aquela relação de condicionalidade como uma forma
particular de causalidade do juridico. Foi o que fez, já
rio século passado, ZITELMANN, na sua importante
obra «lrrtum und Rechtsgeschãft», de 1879 (pp. 214 e
cutidíssimo problema que não quero passar aqui em cla- ss.): entre a hipótese legal e a consequência jurídica
ro, por isso que é rico de ensinamentos sobre a existe «um específico. vínculo de necessidade, criado
especificídade do pensamento jurídico. Refiro-me à pelo legislador, que nós não podemos conceber doutra
questão de saber qual a relação em que se encontram maneira senão por analogia com a causalidade natural»
entre si a hipótese legal e a consequéncía jurídica. Até (p. 216). Trata-se aqui de uma «causalidade própria do
aqui limitamo-nos a caracterizar esta r~lação como jurídico, criada pelos homens inteiramente por analogia
relação de condicionalidade: a hipótese legal, como com a causalidade natural>) {p. 221). O legislador
elemento constitutivo abstracto da regra jurídica, define institui, entre a hipótese legal e a consequéncia jurídica

•••
conceitualmente os pressupostos sob os quais a estatui- - quer dizer, o estar-obrigado de uma pessoa -, uma
ção da consequência jurídica intervém, a consequência conexão causal cuja existência ele mesmo determina.
jurídica é desencadeada. Nada se opõe a que conce- De entre os eminentes juristas contemporâneos, A.
f;
bamos esta relação também como pura e simples VON TUHR seguiu as pisadas de ZITELMANN. Es-
predicação, tal corno frequentemente o faz o próprio creve: «O mundo jurídico está submetido, tal como os


legislador. Na verdade, em vez de dizer: «se alguém processos da realidade exterior, ao principio da razão
iqtencional ou negligentemente lesa a vida, a integri- suficiente. Entre a hipótese legal e a consequência
. 1 dade física, a saúde ...• fica obrigado a reparar os jurídica existe uma causalidade baseada, não na ordem
prejuízos que dai resultem», diz antes: «Quem inten- da natureza, mas na vontade da lei, que, como a c~u_sa-
•• 60 61

•• tidade dos fenómenos da naturezai se fundamenta em.


iiJtimo terffio n3 estrutura do pensamento huma_n~. ~Uma
modificação no mundo do Direito sOrn-ente surge (acon-
e venda, uma das partes, que quer ficar desligada do
contrato, alega primeiramente que tal contrato ofende
os bons costumes e é, por isso, nulo. Pode então a

•• tece) quando se verificou a situação descrita na hipótese


legal para tanto necessária; ela desencadeia-se sempre
que a situação descrita na hipótese legal se apresenta,
mesma parte, no caso de encontrar dificuldades de pro-
va, alegar, além disso, que o contrato foi concluído por


dolo, pelo que ataca a sua validade e requer a sua anu-
com uma necessidade inarredável, por assim dizer lação com· este fundamento? Segundo o ponto de vista


automaticamente, e isto no preciso momento em que a de VON TUHR isso não é possível, pois é contrário à
situação descrita na hipótese legal se completa: entre a (<causalidade jurídica». Um direito não constituído não
causa jurídica e o efeito não medeia, tal como na natu- pode ser anulado através duma acção de anulação.

'•• reza física, qualquer espaço de tempo mensurável». «A


causalidade jurídica (a circunstância de um facto ar-
rastar consigo efeitos de Direito) baseia-se na determi- ·
nação da lei e, por isso, pode ser livremente modelada
Contra a teoria da existência duma conexão_ juri-
dico-éausal entre a situação descrita na hipótese legal-e
a conSequência jurídica, tem-se repetidas vezes objec-

••
táélo que ela confunde urna conexão lógica com uma
por ela: o Direito pode ç_oligar _~ quaisquer factos cOnexão causal. Coni grande perspicácia declara, por
quaisquer ..OOnséciuências JUridiCas». " ---~~ · -- -- exemplo, BINDER que é «pura insensatez os juristas
Desta ideia de uma càllsãffi!ã:de jurídica extraem-se. falarem de 'efeito (=eficiência) jurídico'». Tratar-se-ia

•• também consequências práticas, por exemplo: que uma de simples linguagem figurativa - pois que a conse-

•••
consequência juridica não pode produzir-se duas vezes quência jurídica não poderia ser concebida, como todo
ou ser duas vezes anulada. Não há «efeitos duplos» no o efeito genuíno, como «modificação dum estado de
Direito. Se alguém. por exemplo, se torna proprietário coisas>\ ela não teria qualquer <~realidade (efectividade)

,.••
com base num negócio juridico, não pode tomar-se uma objectiva, quer no mundo físico quer no mundo psíqui-
vez mais proprietário com base numa outra hipótese co». A consequência jurídica em nada mais consistiria
legal, v. gr., numa usucapião. Ou então, se um negócio senão «numa conexão lógica da situaçã9 de fa~to_ (Slg_--:
jurídico já é nulo com base em certa hipótese legal, não crita na hipótese legal) com a regra jurídica na sua refe-
pode ser declarado nulo uma vez mais com base noutra rência normativa)}. Todavia. não é com esta facilidade


.1.l'
hipótese legal, por exemplo, com base no dolo. Neste
sentido diz VON TUHR que «Um direito, uma vez
constituido, não pode voltar a constituir-se, e um direito
toda que se consegue afastar a concepção causalista .
Pelo caminho seguido por BINDER parece que não
chegamos ao problema propriamente dito. Quando um

:
que ainda se não constituiu ou se extinguiu não pode ser juiz «refere à regra jurídican uma factualidade-concreta
anulado». Suponhamos por exemplo quei num processo prevista na hipótese legal, uma situação da_ vida~_portan­
em que se discute a validade de um contrato de compra to, quer dizer, quando ele a «subsume» à hipótese

~
62 63

abstracta da lei. com esta subsunção somente não chega consideração não fica o assunto arrumado: «É verdade
ã consequência jurídica concreta, mas unicamente que os factos juridicos não possuem por si mesmos a
(iüa.naõ--logit~ente pressuponha ·que, na lei; pOr Um sua força criadora de Direito (rechtserzeugende Kraft ),
~ado, e no caso concreto, pelo outro, a situação descrita mas a recebem da lei ou do costume: a causalidade
na _hipótese légal ª"asta Consigo a consequênciajuridi- jurídica é instituída pelo ... Estado. Mas também os
ca. E precisarilente a este atrair-a-si (ou arrastar atíás factos naturais não operam por si o resultado (efeito)
de si) que os causalistas dão a designação de causa- natural, antes o n1undo é criado e ordenado num plano
lictaâe ju-ridica. P~~ conseguinte", a questão apenas pode situado para além deles ... ». Impõe-se mais e mais a
ser a de se está certo que chamemos causalidade a esta ideia de que estamos envolvidos numa luta de palavras.
conexão entre hipótese legal e consequência jurídica, in Se os ju'ristas, em vista das descritas analogias· entre a
abstracto (dentro da regra jurídica, portanto) ou in conexão natural e a conexão jurídica, querem chamar
concreto (quer dizer, com referência ao caso da vida causalidade a ligação da hipótese legal com a conse-
que cai sob a regra jurídica). Quando BINDER observa quência jurídica, o que desde logo é comprovado pela
que tal não é possível porqlle a consequência jurídica expressão «efeito juridico» (Rechtswirkung ), já radi-
não possui qualquer realidade (eficácia) objectiva, po- cada e com foros de cidadania, havemos então de dis-
der-se-ia responder que seria justamente uma limitação cutir ainda se se trata duma simples «imagem linguís-
indevida do conceito de causalidade pretender aplicá-lo tica», ou antes, duma apropriada extensão de uma
somente a modificações no mundo dos objectos fisicos e «categoria» a um âmbito de matérias que sem razão se
psíquicos - pois que também há produtos espirituais pretende subtrair ao seu domínio'?
que talvez possam ser submetidos à categoria da causa- Todavia, impõe-se uma grande cautela. Não só por
lidade. Por que haveríamos de não poder dizer que uma razões teoréticas, pois que de qualquer forma a causa-
promessa «produz)) (provoca) uma pretensão ou uma lidade das leis naturais preestabelecidas possui uma
obrigação com a mesma propriedade com que dizemos estrutura diferente da conexão entre hipótese legal e
que uma pancada produz (provoca) uma ofensa corpo- consequência juridica, criada pelos homens, mas tam-
ral ou uma dor psíquica' Desde HUME e KANT que, bém por razões práticas. A passagem da simples
duma forma ou doutra, se encontra afastada a ideia de «linguagem figurativa)) a aplicação da categoria da
que a própria causalidade seja algo de objectivo (etwas causalidade aos elementos constitutivos da regra jurí-
Gegenstiindliches ). Em todo o caso, sempre é verdade dica e aos dados da vida subsumidos à mesma regra
que a causalidade natural se baseia em leis naturais, ao induz com a maior facilidade a consequências de «juris-
passo que a causalidade jurídica se funda em leis prudência conceitualista)), consequências estas que se
humanas, sendo que estas Ultimas em certo sentido são apresentam como pecados contra o espirita da moderna
produto duma criação arbitrária. Mas também com esta Jurisprudência. Ê o que logo se revela precisamente no
• 65

•'
64

tratamento do problema dos efeitos duplos, ao qual nos uma de per si, arrasta consigo in abstracto a mesma
vamos referir. mas apenas em termos breves. Vimos que consequência jurídica, funcionem como vários funda-

••'
VON TUHR, por exemplo, deduz do conceito de mentos jurídicos para uma e a mesma consequência
causalidade jurídica a consequência de que os direitos juridica. quando in concreto para ela ao mesmo tempo
constituídos não se constituem de novo, tjue os direitos convirjam. Ê este_ o P?~to de _y_is.1ª... Qrincipalmente
que se não chegaram a constituir ou se extinguiram não defendido pÕr KIPP nO seu célebre trabalho sobre os
ct\iptos efeitos no QireitO. ·se as hipóteses (legais)-Zom

•'
podem ser anulados. Na medida em que pensemos ~
relação entre hipótese legal e consequência jurídica que opera OJurisia não são outra coisa senão ((condi~
como simples conexão condicional ou predicativa (se se ções para que os imperativos intervenham ou para que
verifica a bip:)tese legal, desencadeia-se a consequência nos libertemos deles», então «nada há a opor à dupla
jurídica, ou:para a hipótese· legal vale a consequência fundamentação da mesma consequência jurídica, pois
jurídica), nenhumas objecções fundamentais se levan- nenhuma objecção levanta o facto de concorrerem dois
tam a que consideremos como possíveis os duplos fundamentos do mesmo comando jurídico)) (p. 220). É
efeitos. Várias _hipóteses legais, por exemplo: uma por isso igualmente possível que «se constituam uma
transferência de propriedade por meio de negócio apris outra duas obrigações de realizar uma e a mesma
jurídico e uma usucapião, ou uma violação dos J>9ns prestação», e bem assim que «eu seja proprietário por
costumes e uma anulação por dolo, podem verificar-se dois fundamentos (títulos) distintos» (p. 22 l ), sendo
conjuntamente, uma após a outra ou uma ao lado da indiferente que estes fundamentos surjam um ao lado do
outra, por tal forma que ambas ao mesmo tempo outro ou um depois do outro. É igualmente possível
forneçam o «fundamento» para que a consequência «que uma e mesma relação jllrídica deva ser negada por
jurídica, e portanto, para que um direito ou uma dois fundamentos diferentes)) (p. 223). Assim, «nada
obrigação, se constituam ou não constituam. Pode obsta a que uma relação de arrendamento seja denun-
alguém ser proprietário, tanto porque se tomou tal ciada por ambas as partes com igual eficácia, e isto não
através de um contrato válido de transferência da somente quando a dentincia seja feita por ambas as
propriedade, como também porque se verificam os partes ao mesmo tempo, mas ainda quando a denúncia
pressupostos da aquisição da mesma propriedade por de uma das partes se siga à da outra»; e bem assim «ê
usucapião. De igual fonna, um contrato de compra e possível que um crédito seja pago e depois prescreva))
venda pode ser nulo tanto por ofender os bons costumes (p. 223). É ainda possivel que «um negócio juridico
como por ter sido atacado com base no dolo. Qualquer possa ser nulo por dois fundamentos, por exemplo, por
leigo sabe que podemos ter razão ou não ter razão por falta de forma e ao mesmo tempo por doença mental de
fundamentos vã.rios. Por isso lhe não parecerá estranha uma das partes>i (p. 224) - pelo que poderá um
a ideia de que várias hipóteses legais, das quais, cada negócio juridico nulo ser ainda atacado em via de an\I-
•• 66

lação e tomar-se nulo por este outro motivo, pois que qias de concurso de normas,_s.ue sãq rgs3l:idos j1elo
67

• «também neste caso se trata apenas duma pluralidade


de fundamentos da não-existência do vínculo» (p. 225 ).
Todas as concepções contrárias se baseiam tão-só
numa «confusão da concepção figurativa dos efeitos de
Direito, como se fossem efeitos do mundo corpóreo,
Direito positivo. Como também observou KIPP, pode
aContecer que do Direito positivo se extraia uma regra
por força da qual, uma vez dada uma situação prevista
numa hipôtese legal, a situação prevista noutra hipótese
legal já não deva ter relevância. Se alguém, por exem-
com a verdadeira natureza das coisas» (p. 220). Todas plo, se retirou duma associação, não pode agora ser
as críticas dirigidas contra a aceitação duma anulabi- excluido pela própria associação. Todavia, isto é assim,
lidade dos negócios jurídicos nulos se desvanecem não por razões lôgicas, mas antes porque, uma vez que
«logo que nos libertamos da imagem da destruição de o associado se retirou da associação, esta perdeu sobre
um efeito corporeamente presente diante de nós ou da aquele o poder jurídico com base no qual uma exclusão
expulsão de um inimigo fisicamente situado à nossa poderia ser imposta. E também do § 628 do Código de
frente» (p. 225). Vemos, portanto, que a teoria da Processo Civil se 'extrai a regra segundo a qual um
causalidade jurídica, quando levamos demasiado l_onge casamento dissolvido por morte já não pode ser dis-
a analogia corri a causalidad~ natural,_ levant!l a9s solvido por divórcio. Mas também isto não resulta
juristas dificuldades de ordem prática. Estas dificul- duma necessidade lógica; antes, sô é compreensivel por
dades até hoje ainda não foram aclaradas. A concepção razões práticas. De um modo mais geral podemos
de KIPP encontrou muitos adeptos, mas também mui- afinnar: Pode resultar de principios ou regras jurídicas
tos contraditares - por exemplo VON TUHR e, em particulares que um facto descrito numa hipótese legal,
parte, ZEPOS e HUSSERL. Não podemos prosseguir o qual, de um ponto de vista puramente lógico - ou de
aqui a discussão. O alcance das expressões figufativas um ponto de vista realista-naturalista -, poderia bem
no Direito continua a ser objecto de debate. Uma facilmente surgir ao lado dum outro descrito noutra
Jurisprudência de imagens transforma-se facilmente hipótese como fundamento jurídico adicional. não deva,
em «Jurisprudência de conceitos». O problema dos todavia, ser tomado em consideração quando surja
efeitos duplos é dificultado pelo facto de que nem sem- acompanhado deste. Mas isto já nada tem a ver com o
pre se distinguem e separam com suficiente precisão os nosso problema da natureza da conexão entre a hipó-
diferentes grupos de casos. PETER distingue os «du- tese legal e a consequéncia juridica.
plos fundamentos» dos «efeitos duplos». Naqueles, Pelo que respeita a esta conexão, vamos assentar,
trata-se duma consequência jurídica procedente de por nossa parte. no seguinte: A hipótese legal abstracta
~
•• vários fundamentos, nestes, de várias consequências
juridicas iguais quanto ao seu contetldo. N~s!~_s_ çqqipJ.e:-
xos de questões se inserem ainda os ~~af!!?dos_pmble:-
da regra de Direito imediatamente apenas estabelece as
condições e circunstâncias sob as quais intervém em
geral uma consequência jurídica. isto é, um dever-ser.
68 69

Esta relação é uma relação condicional, mas também juridica. Mais forte ainda é a _(entaçâo de considerar o
pode ser concebida corno relação predicativa. Ora se, in concreto complexo de factos, que Hpreenche» a h_ip_9t_e-
concreto, pela via da «subsunção» - que mais adiante se abstracta da lei, como causa jurídica da concreta
analisaremos em detalhe -. se verifica que as condi- consequência de direito que se prende, pqr força da lei,
ções duma consequência jurídica (um dever-ser) estão àquele complexo de factos. A calisiilidade na ci~nçia
efectivamente presentes, com isso fica por nós veri- nàtural não é, ela também, apenas uma sequêÕcia de
ficada a actualidade (Aktualitiil =efectiva existência) dados (fenómenos) em conformidade com uma lei natu-
desta mesma consequência jurídica. Podemos, portanto, ral abstracta? No entanto, em desabono da construção
dizer que a presença dos factos concretos que preen- de uma causalidade jurídica, terá de pesar justamente o
chem a hipótese legal abstracta da regra juridica passa a facto de, frequentemente, a consequência jurídica con-
ser a base em que se funda o juízo cognitivo sobre a creta não se achar ainda, de modo algum, rigo-
actualidade da consequência juridica. Se, por exemplo, rosamente predeterminada. mas, antes, consistir na
segundo uma regra geral da lei, o assassinato (homicí- atribuição de competência para, dentro de certos .limi-
dio qualificado) deve ser punido com prisão perpetua, o tes, se elaborar uma decisão ajustada. e no comando
verificarmos a eXistência de um assassinato in concreto que obriga a tomar esta decisão17 l. Mesmo abstraindo
torna-se, em combinação com aquela regra, na base em disto, porém. temos de permanecer cónscios de que as
que se funda o conhecin1ento da consequência jurídica expressões «efeitos jurídicos» e \<causalidade juridica1>
segundo a qual este facto de\•e ser punido com prisão apenas são licitas como um modo de falar indirecto e
(maior) perpétua16 l. Não devemos, porém, esquecer figurativo, mas nos não dão legitimidade para tirar
que, frequentemente, a consequência jurídica se não conclusões como a de que uma consequência jurídica já
encontra completamente determinada na lei, e que, surgida não pode surgir de novo. que um efeito juridico
portanto, a sua actualização exige novas decisões que a já afasLado por certa razão não pode ser uma vez mais
determinem. Assim, por exemplo, com base na verifica- e!i1ninado. Tais conclusões são na realidade Jurispru-
ção de que existe um homicídio (simples) concreto, eu déncia conceituaJ. que hoje já ninguem pode defender.
apenas sou conduzido ao juízo segundo o qual o agente A questão de saber em que medida uma e mesma
deve ser puriido com prisão maior de cinco a quinze consequência juridica pode ser derivada de vários com-
anos. Qual seja mais exactamente a pena que ele mere- plexos de factos que a fundamentan1. apenas pode ser
ce, eis o que tem de ser determinado através duma decidida de caso para caso segundo pontos de vista
específica decisão judicial. Decerto que surge natu- próprios do jurista e metodologicamente correctos.
ralmente a tentação de interpretar logo como causa- Fundamentahnente. nada obsta à admissibilidade de
lidade jurídica criada pelo legislador a ligação abstracta efeitos duplos, quer ::;e trate de <'duplos fundamenlos»
por ele estabelecida entre hipótese e consequência ou de Hconsequências duplas•'.
,,,,..
' '
71
70

Estabeleçamos agora a ponte de passagem para o ANOTA(ÓES


nosso próximo capítulo, fazendo de modo especial . l. Nesta conformidade. (<permitido)\ e por mim tomado como
realçar que a conexão entre hipótese legal e conse- equj\.-a\ente a HnâO proibido» e COntraditorio COffi «proibido»
quência juridica, de qualquer modo que a interpretemos (negando a proibiçào). A «permissão>) não precisa de ser expres-
e designemos, nos aparece, quer in ahsrracto quer in sa nem precisa de ser uma apro\'ação positi~·a. Muitos. porem.
distinguem o (<permitido». enqua:uo positivamente •<apro\'adon.
concreto, como uma conexão que é produzida pelo do simplesmente «nào proibido>) (indiferente): p. ex .. SAX. JurZ
Direlto positivo, quer dizer, em primeira iinha, pela lei. 1975. pp. 145 e s. e nota 74; cfr. tambem a decisão sobre o
A «regra jurídica» que - digamos agora ao concluir - . aborto do BVerfGer. de 25.11.77 sob D H !_ JurZ 1975. p. 21 L:
institui in abstracto uma ligação condicional entre uma.· L TAMMELO. em Outlines of modern Legal Logic, 1969. pp.
90 e ss .. diferencia mesmo entre «permissory)' (positivamente
«hipótese legal» e uma «consequência jurídica)), é, nos
permitido). <dicensory» {pennitido. porque isento de um vinculo)
dias de hoje, a -grande maioria das vezes, uma .regra e (<neutral» (no sistema juridico 1(abertOl> ). Com tais distinções
legal. Mesmo aqueles autores que crêem numa ((Causa- podemos relacionar considerações próprias do cálculo da lógica
lidade juridica» entre a hipótese" legal e a consequência deóntica. Vide sobre o ponto·. alem de TAMMELO. p. ex.: G.
WEINBERGER. Rechtlogik, 1970. p. 205: IDEM. Er!aubnis-
jurídica, como ZITELMANN e TUHR, acentuam begrifJ. etc .• in "Études de Log.jur.)) V. 1973. pp.Ll3 e ss.: K.
expressamente que ela radica na lei, na «vontade do HAAG, in ((Rechtstheorien (ed. Arthur KaufmannJ, 197l. pp.
legisladon}. Segundo uma outra ideia, que. até aqui 143 e ss.: K. OPALEK e J. \VOLENSKI. On Weak and Srrong
ainda não foi considerada, a ligação entre hipótese legal Permissions, na revista "Rechtsthcorie». vol. IV. l973. pp. l69 e
ss.: G.H.v. WRIGHT e H. H. KEUTH. in «Normlogik». edit.
e consequência jurídica não se funda de modo algum na por H. Lenk. 1974. pp. 25 e ss .. 64 e ss.: cfr. também L. PHl-
lei ou na vontade do legislador, mas talvez numa LIPPS. ArchRuSozPhil. Bd. 50. 1964. pp. 317 e ss .. Bd. 52,
qualquer «natureza das coisas». Esta ideia só muito 1966. pp. 195 e ss .. Expressas <:m linguagem natural. segundo a
mais tarde virá a ser ventilada. Só mesmo no termo terminologia aqui escolhida são validas as s.:-guintes afirmações: o
que não e proibido e permitido.() que e permitido mio e proibido.
desta nos.sa indagação nos poderemos ocupar suma- o que e preceituado e lambem permitido. mas o que e permitido
riamente dela. Para já, devemos cingir-nos à lei. Ao nào e. só por isso. preceituado.
leitor são devidoS ainda muitos esclarecimentos sobre o 2. Destacamos estas normas nào só das simples permissões
modo de chegannos ao dever-ser através do Direito (com o seu 1<Dürfcn)l = e licito) mas também daquelas dis-
posições jurídicas que conlCm um (<poder» («Kõnnen») jurldico
positivo. Teremos especialmente de tirar a limpo o que
na medida em que 1<confcrem o poder>1 de pratic::ir actos que
significa a já várias vezes mencionada j<subsunçâo» dos levam à «produção» de efeitos juridicos - cm especial no direito
casos da vida à lei e como é que ela se processa. civil. concedem uma <1autof\omia privada)>, quer dizer. tornam
passivei cn"ar (constituir) direitos e deveres atraves de «negócios
juridicos» (contratos. actos de disposiçào, testamentos). Tiiis
normas juridicas, por seu lUrno. de novo podem ser olhadas como
1<nào autónomasn. na medida em que apenas regulam pressupos-

tos sob os quais podem surgir direitos e deveres. cujo significado


,· P" e Je\crc~- e. p(lr\lln-
.1. •m \'il'.ur Je tl.ireit · · nbe1n \l
,..,. "lü" J·i entr<1u•1 1.;
- 1 1~ 1 4 1 i.:
.. j, .1 \'fllPl''."o\lll t:.>I _
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indu. i nl) ,.,jl"\..;r-~eí" o si.:r


cussao,0 como ate aqui. . . ser recondu- . . ' " .. \1c1tll'" e o ,,pouc i
. s"'o de direitos \su 1ecuvos VV" --~
- - ___ .. _-- -~-d---- 'b'"-óes-eeie·prece1tos
- · , , · Sobre L) d . . , L' na1ural 11"\S n1.ou3-
tambe_i_:ny,_conces <>
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, . E WOLf. vus Prob/i·m ckr
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"'p~_!inal -~ª-nota
z.idã--à fixação de imperativos. isto .e, e.pro1 1ç _____ _ pt)s ..;UL' .•;111
lidad..:s ~;ti cct1v<1 e sub11:1.:U\ ª--dr· · 1
1
(comandos). V" também subseque.n.te. 1
-- --· · 3_- Nâ- presente modahdade, ereto que __posso conunuar a Nawrn:dirsfl'hn'. 2.3 cd .. \~) 9 . p. \_O. d· pala\"r:l ~·llL)íffill"·
d<fend" a teoria imperativista contia as cnuoas de LARENZ. 4 · '·\te ª'lui temos .cntadn · .ll-. uso ,.a 1· 1 qu" rc"raJunut- . .r
HENKEL e KLUG, com o último dos quais concorda em larga Usualinen1e. "1wnna juriJ11.:a» s1g.111 11..::1 t' m1:~n • L '.' 1.3i· ..
medida R. scBRElBER. Não negarei que, no aspecto puramen- ca. conccoida cmm> pn>posi,ao gemi Po1 ,·02es, toda""'·
te lógico, a constrUção da teoria imperativista é apenas uma entre · ·- · 1·d . a ·o concretoa·>'A
wmbcm cm normas 1nd1v1dua1s. \.'a 1 as para o e s ·
várias outras passiveis, que - para usar as palavras de KLUG nós intercssam-n,1s ..;orno «normas". cm primeira linha. as regras
- 1(não existe qualquer necessidade lógica que nos force a formu-
jundicas acrais. KELSEN da à expressão «RcchLssatZ." um uso
lar as normas jurídicas em proposições de dever-sern, que <1somos
pacticula;. E de modo difccen\O que H. J. WOLFF. Ver·
livres na escolha do rnodus normativo fundamental>), que, portan-
to, e particularmente, é logicamente possível escolher, em vez 1ral1u11gsrecht. 8." cd .. 1971. ~2-Hl.
distingue entre ((Rech1s-
duma «linguagem de dever-ser1>, uma <dinguag,em do ser-licito)> norm" e «Rc...:hss::i.tz": Norm e(' «<:ontcudn impcrativista)• que
(na qual o dever-ser é definido por um não-ser-Hcito) ou, com «se cxprim..:" na Rechtssar:.
5. Evidentemente que tarnbcm aqui não importa a rl)rma g,ra-
~ :is~assino
vista aos direitos subjectivos, uma forma de expressão que fale de
11autorizações>) ((<legitimações)) - <>Berechtigungen>l ). Também ma1ieal. Quandli. e. g .. o 2 l 1 do Código Penal diz: o
não contradirei LARENZ quando este considera (<direito e dever. sera punido com prisão mai,1r por toda a \'ida. ist1) para nos
concessào e proibição. ·momentos" igualmente originários de sig.ni!ica: se alg.uem ,,;,,mete assassinato. deve ser punid<) com a
qualquer ordem jurídica>> (somente colocaria talvez um ponto de pena de prisão m;ii,ir perpetua.
interrogação depois de «qualquer». Cfr. a propósito H. COlNG, 6. Anotc·SC. :Jpcnas de passagem. que deste modo se cs1ah<.:·
Zur Geschichte des Begriffs usubjektives Rechf>J. «Arbeite z. lcccm tambcm concxôes de rnnti,.ai.:;ãn ps14ui..:a en1r..: a rcg.ra
Rechtsvergleichung» V, 1959, pp. 7 e ss.). Eu apenas acentuei a JUndica e a d..;eisüo eon..:rc1a J~1 org.iio aplicad•.ir do direito. Não e
dependéncia real do direito subjectivo do Direito objectivo impe- a estas. pnrcm. que s..: refere a "causalidade jun<lica" de que no
rativisticamente estruturado no sentido de que a ordem jurídica textL.l se Lr::na. Cfr. sobre 11 ponlu. p. ex .. H. tv1AlER. Psyâ10/ogie
tão-só pode (<conceden> direitos subjectivos mediante uma insti- des cmo1iu11ah•11 De11kc11s. 1908, pp. 681 e ss ..
tuição sui generis de imperativos e de que. nesta medida, a 7. Naturalmente 4u'c se pode falar da4ucla própria cunccss<\•1
«c~ncessão>) se baseia numa constelaçào particlll<u de impe- de compt:L~'ncia ou daquele próprio cornandl) como .. cl"i:itu
rat.tv.os. As conce~sàes de poderes (Errnãch!igungen) para a i_und~Cll" (Rcch1s1drkw1g): mas qu:rndll ~e fala d:1 coni;equCrn.:ia
pratica de actos cnadores de direito (incluindo as concessões a JUnchca ~uc deve :-.cr «cfCito juridicu». pc11sa·5C usualrn..:rllC na
que nos referimos na nota anterior, que tornam possível a san~ào ~·umo lal. aplicada nu cxercicio da compc!Cncia. Tambcrn
uautononüa privada». permitindo a conclusão de contratos e de a~u1_ se d_cvc lCr cm conta<) duplo sentido da pala,•ra uconscquC:n-
a~to_s de di_sposiç~o _no domínio do direito das obrigações. dos
d1rc~tos rea1_s, do direito de familia e do direito sucessório, para as cia Jllíld1ca .. _
quais
siva lambem - · • remete
, especialmente
. . H · L · HART na sua 1mpres-
.
_po 1cmica . . ontra a teona imperativista) agora trazidas a
terreiro por E. J. LAMPE, na sua Jur. Semantik 1970 65
dem. como t am b.em HAR T observa, ser entendidas ' · P·como·
po
Capitulo 111

A ELABORAÇÃO DE JUÍZOS JURÍDICOS


CONCRETOS A PARTIR DA REGRA
JURÍDICA, ESPECIALMENTE_ O
PROBLEMA DA SUBSUNÇAO

Vamos enfrentar de novo o problema referido na


parte final do Ultimo capitulo. mas de um outro ângulo.
Naquele capítulo falou-se da regra jurídica. Ao falar-
mos desta tinhamas principa\mente em vista a regra
jurídica estabelecida e apreensível na leí escrita. Quan-
do o leigo se representa o jurista e o seu 1<oficio)),
pensa-o.como um homem que se ocupa de leis. Mas, ao
pensar assim. o certo é que apenas está a ver uma das
faces da realidade. Até o leigo sabe já que o prático do
Direito, que representa sem dúvida o protótipo do juris-
ta, se ocupa da «vida>>. E o leigo sabe ainda mais: ele
sabe que. par;:i todo e qualquer individuo. o Direito é
uma força que tem incidéncia sobre o seu viver. Disto já
falámos logo no principio deste livro. Mas o que signifi-
ca. pois. dizer que a Jurisprudência prática e o Direito
se referem â rida? Ponderando que o Direito, ao dirigir-
-se-nos. se nos dirige como a pessoas que afeiçoam a
su_a _vida atrav~s de acções i podeíemos afirmar: .,,1)
I?tre1to _e ~Jun~p~~~~ática referem-se_ .. à.nossa
~~~a_e tem mêiãenc1a sobre ela
di h · - - ·na medida em q ue, d.ia a
-- a, ora a hora. momento a momento, detenninaní Os

175
·r
1 77
76

actos ·e omissões através dos quais nós construímos essa dever-ser jurídico de caso para caso. através do senti-
!!.~~~ v~~~·,.Podemos êfirerSêfüexãgero-qu; as nos;;_s mento juridico ou duma análoga intuição imediata do
acções estão constantemente sob a égide do Direito - que seja concretamente conforn1e ou desconfonne ao
se bem que, evidentemente, não estejam subordinadas Direito. Vamos an.tes_na.rt.it_dQ_fa.ctG.-----e-Gc-no:i.'o .se...es.=-.
exclusivamente ao Direito, pois que este normalmente tabelec_e a lig~ào co.m_o_ ç_~pJ11,1Jq.Pr~.f~denl~_:::-_de...que-­
se limita a fixar os quadros dentro dos quais nós, agin- ;;_-~id~-~~d_e_rn;-é;fectivarnerte _a lei g_ue em _primeira
do, modelamos a nossa vida. Ora a forma sob a qual o Íinha nÕs info_rm;- ~(;~P~te.nte~~~~obr;-~-~®cfêtü­
Direito adquire um significado determinante do nosso dever-s~r j.urictiCO. LOio. vemo-i10S- Õbrigãd057rêiacio-
viver consiste em ele dizer-nos algo sobre o modo como nar a vidi"Cónl ô. Dife.ilõ. Corílõ-e- que· istó-se~ssrr'?
inconcreto nos devemos conduzir. Nesta conformidade .'E-Sta·· q·~eSiãõ -c0ndUz-'1ôs directãffiirite -âo -prÜblema do
o Direito, se hã-de lograr significação para a nossa vida, «pensamento juridico». ·--·----- --- -- ---
tem de destilar-se em concretas regras de dever-ser. . - - Este problema sera ainda melhor apreendido se nos
Pelo que respeita à nossa própria pessoa ou com refe- lembrarmos que a determinação daquilo que é in
rência aos outros, o que pedimos ao Direito é que nos concreto juridicamente devido ou permitido é feita de
diga como, hic et nunc, devemos ou não devemos agir. um modo autoritário através de órgãos aplicadores do
A questão mais lata de saber como podemos agir, Direito pelo Dire-ito mesmo instituídos, isto é. através
facilmente se deixa transformar numa questão de dever- dos tribunais e das autoridades administrativas sob a
-ser (((é-me licito?» significa: <<não devo fazer o con- forma de decisões jurisdicionais e actos de administra-
trário?»). çào. As mais importantes decisões jurisdicionais são as
Ora é-nos sem mais possível imaginar que a sentenças dos tribunais, através das quais, por exemplo.
questão sobre o concreto dever-ser jurídico seja ·res- alguém é condenado a fazer uma prestação ou é
pondida através de um costume ou uso tradicional. E a considerado culpado de um crime e condenado numa
verdade é que a forma originária pela qual o Direito pena. mas que também se podem lin1itar a declarar uma
dirige a vida é a do chamado Direito consuetudinário acção improcedente ou a ilibar um acusado. Exemplos
quer dizer, o uso baseado na convicção da juridicidade: de actos administrativos são-no as ordens da policia, as
confirmado e comprovado em todas as situações do concessões. as decisões do fisco. Relativamente a estas
mesmo tipo. Todavia, o Direito consuetuQinário tem detenninações autoritárias concretas do que é juridica-
?oje ur:i p~pel relativamente insignificante. É de grande mente devidoº 1, rege hoje entre nós o «princípio da
1mportanc1a, em todo o caso, no Direito Internacional legalidade». O artigo 20. ai. 3, da Constituição (Lei
Ptiblico. Por conseguinte, deixemo-lo agora de lado. Fundamental) da República Federal declara expressa-
Mas de lado ficará também e principalmente uma outra mente: <iO Poder Executivo (a Administração, pois) e o
possibilidade: a de responder à questão do concreto Poder Judicial (ou seja, os tribunais) estão vinculados a
~i
•'~I
78 79

Lei e ao Direito». É este um aspecto essencial do reserva para si própria a fixação do dever-ser jurídico

••
1 carácter de «Estado-de-Direito» da nossa vida ptiblica. concreto. As operações lógicas que neste ponto nos vão
MAUNZ explica da seguinte forma o princípio da lega- ser reveladas poderão depois. mutatis mutandis, entrar
J:Kf3dé: -<<Tod'as- áS àêfüãÇõesàõtSfadO;--sejam el~s a fazer parte dos processos de pensamento em que a lei

•• actos Jurisdicionais oli atlõS da ""AdministraÇãõ,Clevê?n


Püder ser reconduzidas· a Uma lei foirnal oú, püfotiffã,
-ser realizadas 'coin ·-bãse· 'nllina lei formal · (7:.):--o
principio não consente que i.Im actó do Póder ExeCtiflvo
Seja pura e simplesmente fundamentado no Direito -nao
apenas é um elemento entre os vários que concorrem
para fixar o conteúdo do dever-ser concreto .
Um exemplo característico duma como que nua
aplicação da lei fornece-no-lo o Direito penal sempre
que se trata de condenação por delitos cometidos. Isso

=

1 .
escrito ou em princípios ético-sociais gefaiS com.o· a
Justiça, a moralidade, etc.». Isto não quer-ctrier que a lei
só por si e de modo esgotante determine as concretas
está em conexão com o facto de as intervenções do
Estado na sua função punitiva serem das mais duras de
todas. Justamente por isso é que o principio do Estado-

•• decisões e actos da Justiça e da Administração. Para


excluir desde logo uma tal concepção positivista-norma-
tivista basta lembrar que é função da Administração, e
-de-Direito e o conexo principio da legalidade manifes-
tam neste domínio a sua particular relevância nos
modernos Estados civilizados. Até a nossa Constituição

••
1 1 em parte também dos tribunais, moldar a vida da
comunidade estadual segundo pontos de vista de prática
utilidade e de equidade, inclusive, pois, segundo um
não quis deixar de reforçar dum modo especial a
validade destes principias com vista ao Direito penal.
No artigo 103, ai. 2, diz-se: «Um facto apenas pode ser

•• cri tê rio discricionário ou de <divre estimativa}). Em todo


o caso, a lei ocupa uma posição decisiva nas decisões
da Justiça e da Administração. Muitas vezes ela dita-
punido quando a respectiva punibilidade haja sido
legalmente fixada antes da sua prática». Não podemos
ocupar-nos agora com o esclarecimento desta regra sob

•• -lhes mesmo o seu exacto sentido .


Se agora quisermos analisar o pensamento dos
juristas na aplicação da lei à concreta situação da vida,
todos os seus aspectos. Para fins da presente indagação
a sua importância reside em que, segundo ela, ninguém
pode ser punido simplesmente por ser merecedor da


ê aconselhável focar este processo de aplicação da lei lá pena de acordo com as nossas convicções morais ou
onde ele se apresenta sob uma fonna depurada. Tal é o mesmo segundo a ((sã consciência do povo», porque

•• caso quando a lei se propõe determinar exclusiva e


-esgotantemente o dever-ser concreto. Comecemos, por-
tanto, por pôr de parte aquelas hipóteses nas quais a lei
praticou uma «ordinarice>) ou um ((facto repugnante>>,
porque e um '<canalha>>, ou um «patife» - mas só o
pode ser quando tenha preenchido os requisitos daquela


••
se conforma com um critério de discricionaridade ou em
que se apresentam combinações semelhantes. Primei-
ramente ocupar-nos-emos daqueles casos em que a lei
punição descritos no ~·tipo (hipótese) legal» de uma lei
penal. por exemplo. subtraindo «a outrem uma coisa
móvel alheia com o intuito de ilicitamente se apoderar


•• ªº T 81


,.
dela» ( § 242 do Código Penal) ou matando (intenci0-
nalmente) «um homem por crueldade. para satisfazer
um impulso sexual. por cupidez ou por outros. baixos
prende a tranqueta destinada a impedir de girar o dl~co
de marcação de número» (RGStr 68, pp. 6 7/68 ). Ainda
se poderia pensar em burla. mas esta não existe. pois

=
:
motivos ... » ( § 211 do Código Penal). Nullum crimen
sine lege. Por força deste principio o Tribunal do Reich
(volume 32, pp. 165 e ss., e já antes vol. 29, pp. 111 e
ss.) achou-se impedido, por exemplo, de qualificar e
que o telefone público funciona automaticamente e, por
isso, nenhuma pessoa havia sido enganada. o que é um --.. ~
dos requisitos do tipo legal <la burla (~263: ((Quem.';·
com o intuito de para si obter uma vantagem patrimo- .
nial ilícita, prejudica o patrimônio de outrem provocan- 1(

••
punir como furto o desvio não autorizado de energia
eléctrica através duma derivação subrepticia da corren- do ou encobrindo um erro através de simulação de
te a partir do cabo condutor. Não bastou que se estives- factos falsos .. .>) - ora é fora de d~vida que u1n apare-)

•,,
1i
se, no caso, perante um «descaramento)> e uma «im- lho não pode ser enganado). E de novo teve o legislador


probidade)), e que, portanto, como diz aquele Supremo que intervir para evitar absolvições indevidas. Criou em
Tribunal, a punição correspondesse (<a um sentimento 1935 o § 265 a do Código Penal. que sujeita a pena a
1
ético-jurídico, a uma exigência. imposta pelo tráfico, de subtracção do trabalho dum autómato.
tutela de bens jurídicos». Deveria ter-se tratado de uma Já temos agora uma ideia do que significa estrita
«subtracção de coisas alheias móveis» para que pu- aplicação da lei, mas precisamos ainda de entrar numa
desse admitir-se a punibilidade por furto. O Trihuna! do análise mais rigorosa. Do que se trata é do seguinte:
Reich co~siç!.er9u, por.~m, não p_qder s_ub_sumi~-~-~nf~giã­ temos que obter, a partir da lei, a decisão sobre o dever-
eléctrica ao conceito de «coisa». Por isso, o legisiadÔr:- -ser-punido enquanto concreta decisão normativa (de
no ano de 1900, teve de promulgar_ um.çL t~i .. espeç-{ã:"I dever-ser). Esta decisão é tomada em último termo pelo
com v_ísta a punição do desvio de energia electrica (hoje juiz penal. mas já antes dele a precisa de tomar o
o § 248 do C_ó9igo Penal), Mas nem mesmo esta lei

••
Delegado do M.P .. pois que ao promover o processo-
dava plena satisfação à jurisprudência, no caso, por -crime ele afirma um dever-ser-punido, ou - por via
exemplo, da utilização abusiva de um teletüne público. negativa - o defensor do acusado, na medida em que

•• através da introdução de moedas achatadas de doi~


«pfenning)> na respectiva caixa, pois que este facto não
podia ser punido como furto de energia eléctrica. dado a
lei exigir para tanto a subtracção da corrente «p~r meio
contesta este dever-ser-punido e, portanto, en1ite um
juizo negativo de dever-ser. e porventura ainda uma
terceira pessoa que se ponha a reflectir sobre o pro-
blema jurídico da punibilidade. Por razões de simplifi-

•• de um cabo condutor». Pondera o Tribunal do Reich:


«Pela introduçào de moedas de dois "pfenning' não se
opera um desvio de corrente eléctrica, pois o que
cação, todavia, pensemos tão-somente no juiz penal,
cuja decisão sobre a punibilidade tem o maior peso .
Para nos não envolvermos imediatamente em par-

•• sucede é simplesmente que o peso das moedas des- ticulares dificuldades lógicas, acentuemos desde já que,
19''
1.\e
83
l'tt.:I 82
' . na decisão jurídico-penal. especialmente na chamada va e. por esse meio, obter-se uma nova proposição
sentença penal (por exemplo: «A é culpado de assassi- imperativa». {Todo o assassino deve ser punido com
nato, pelo que é condenado a prisão P.er~tua e a prisão perpétua: M é assassino: logo M deve ser punido
ie suponar as custas do processo»), apenas nos interessa o
elemento de pensamento normativo a extrair dela, e não
com prisão perpétua121 . Talvez se possa dizer que o
conhecido dictum de omni («quidquid de omnibus
o duplo comando juridico dirigido à execução e ao valet, valet etiam de quibusdam et singulis))) não só tem

1.•

1 padecimento da pena. Claro que num «conhecimento» validade no domínio das proposições enunciativas como
de juízo condenatório estâ contido um t:il imperativo também no das imperativas. formando assim a coluna
concreto. precisamente da mesma forma que na lei vertebral das conclusões volitivas - tendo de interpre-
penal abstracta se contém um imperativo geral que
I• obriga a punir e a suportar a pena. No entanto, a
tar-se o Hde omnibus)), claro esta. no sentido de {{de
todos e cada um», e não no sentido de «de todos em
!e «derivação lógica~> de um imperativo concreto a partir conjunto)). (De outro modo poder-se-ia nomeadamente

I~
de um imperativo abstracto é uma questão teo- objectar: aquilo que é exigido de todos não é. só por
reticarnente muito intrincada. Ainda recentemente apa- isso. exigido de cada um, pois que cada qual somente se

•I••
'9 receu numa revista sueca (Theoria, XX, 1954, pp.
78-127) um penetrante estudo da autoria de MAN-
sentiria designado como destinatario do comando sob
condição de todos os outros fazerem também aquilo que
FRED MORITZ sobre este «silogismo prático», estu- deles se exige. Todavia, cada individuo apenas pode
do esse que pretende mostrar ser fundamentalmente assumir este ponto de vista quando o sentido do impe-
impossível deduzir de «premissas maiores imperativas»

•i.
rativo geral seja o de que todos em conjunto devem
imperativos concretos. Assim, por exemplo, do impe- fazer aquilo que é exigido. Mas o sentido 9o imperativo
rativo geral de que todos os assassinos devem ser
geral é o de que cada um deve fazer aquilo que e orde-
punidos com prisão perpétua. não se poderia deduzir o nado sem tomar em conta o comportamento dos outros.
imperativo concreto de que o assassino M deve ser Sob este pressuposto. é válido o dicrum de omni). Re-

:•
:e
punido com prisão perpétua. Deixamos aqui em aberto
o problema destes silogismos práticos ou «conclusões
volitivas» (H. MAIER, Psycho/ogie des emotionalem
centemente. também a lógica malemàtica fez alguns en-
saios com vista a apreender o pensainento jurídico~nor­
mativo por meio do ~<cálculo-modal>) 1 .1 1 • Dispensaremos.

••
!
Denkens, I 908). Limitar-nos-emos a apontar que, na
esteira de H. MAIER, múltiplas vezes tem sido pro-
clamada a doutrina de que «O acto de concluir (sei. a
concludência) não exige precisamente puras proposi-
porém, todas as particul~ridades e suhti!gzas-~fGgll:âS­
d'e-ste género se tivermos em mente que.~~ d_~s~~bert~~--.
fundamenlaÇàó juridica da sentença atrave:; d<!,_J~..i..._ -~.e-_
inS-e-Íem -conc-lusões Puramente <(cognitivas» ~quer diz~_r.
~ ções enunciativas»·. Com efeito, «a uma proposição

•••
conclusões sob a forma de puras proposições enuncia-
imperativa pode subsumir-se uma proposição enunciati- tivas1~1.__ O juiz começa por estabelecer. Com ba.Se · nO
85
84
compleramente diferentes. a saber. intuitivatnentc. ins-
Código Penal, uma proposição cnuncialiva geral do
tintivamente. pelo sentido jundico. pela razão prática, a
tiPo:1(0 assassino deve, segundo o S 211 do Codig.u
partir duma sà razão humana. A fundamenta~ª·
Pena!, ser punido com prisão perpétua)>. Com esta
decisão na norma abstracta teria apenas importáncia .
«premissa m·aior)), que é um genuíno juízo nonnativo no
sentido lógiCo (com pretensão de verdade). ele combina s~êundáÍi~~!~-~penãS-:·ra:c_icj_â:1izarlã--E_~osteriori a
a «menor»: M é assassino, para obter dai a conclusão: deci.s-ª"º· ~m -~;i irracional e desempenhari<!.:__eJo.--to.d0--o
«M deve, segundo o § 211 do Código Penal, ser punido -caso. uma certa rUriÇâo de··cOiitrolo.A este ponto _Q_e__vjs-
com prisão perpétua», que também é um juízo em ·ta, toda.via; iiào ·podemõsliOS adf:rif.~Uàicl~er que seja
sentido lógico. Um tal silogismo é rigorosamente uma à -função que possã.m dcs~·mpenhar as fontes irracionais
conclusão teorética mediata, 'um caso de aplicação da descoberta do juizo ou sentença judicial. o juiz.
daquilo que a lógica de escola chama o «modus barba- perante o seu cargo (função) e a sua consciência. tão-
ra», modus este que sem esforço se pode converter num -so podera sentir-se justificado quando a sua decisão
«modus ponens>), no qual a premissa maior assume ta1nbem possa ser fundada na lei. o que significa. ser
fonna condicion.al: «se alguém é assassino, deve ser · dela deduzida. Neste ponto de vista. a descoberta e a
punido com prisão perpétua». Os lógicos modernos funda1nentação da decisão nào são procedi1nentos opos-
chamam a tais proposições (que podem ser apresenta- tos . .f!. tarefa que o jui~ tein pcr_axire: si..é esta: descobcria
das não só como proposições gerais, na forma: «todos A du1na dCcisào (solu~áO) fund:unentada atraves da.1-ei· A
são B>>, mas ainda como proposições hipotéticas, na {_~_?ria d_~. I~ ..\ Y e .puro psicologis1no. Ela passa ~or
forma: «se algo é A, logo é B>>) «implicações gerais». É ciina dos problc1nas espccitlcos da logica nonnativ~l'-
portanto a partir de implicações gerais com conteúd;- Se agora procurannos a funda1ncntação da co-nclu-
normativo que são obtidas-,_ pOf yrª çt~dUilVª'-as- con- déncia na heunstica jundica. \·eriflca1n1.1s que o centro
cretas proposições norn:i?tivas procura9as p;Ja heu- da gra\·idade desta funda1ncntaç;io reside na chnn1ada
rística jurídica (Rechtsfindung ). - prcn1issa 1ncnor -- no nosst1 cxc1np!o, ponanto. n.'.l
Nós dissemos: são «obtidas». Ser-nos-á lícito proposição: «.·f e assJsslnon. \ Üé.l prcinissa 111.'.lior (' J~1
expressanno-nos assim? Vemos muitas vezes propug- sua cxacla elaboração so lratarernos no proxirno capitu-
nada - por exemplo, em H. ISAY, no seu livro lo. A_qui salicntarc1nos apena:. 4uc. para a natureza da
<~Rechrsnorm und .Entscheidung» {1929) - a ideia de 1ncnor. e indifL"ri.:nLc 4uc a tnaior seja conccb1da cutnu
que o jurista, especialmente o juiz, exteriormente fun- ~:llcgorica ou hipntcti~a). NJ 1nCnl1r se 'Kha sobrctudn
damenta a sua decisão normativa concreta a partir da aja 1nuita:-. \"CLC.S rncncionad<i subsunçáiJ'''. tv1as nào su
lei e satisfaz assim, aparentemente, o principio da lega- ela. Pois que. c1n rc~ra. çon1 ela se encontra estrL"ita-
lidade na aplicação do Direito, mas frequentemente, as 1ncntc -conexa uni:.t vcrillcat;<lo de fachl'>. 1sh1 e. dtis
mais das vezes mesmo, descobre a sua decisão por Vias f;.ictos que sáu subsurnidn~. 1\ proposiçftu: v.-f e nssas:-.i ·
8i
' .
l• 86
propósito de «produção de prova)). na qual o escopo e
ie no, contém pois, tanto a verificação de que A praticou criar no juiz a convicção da existência de determina-

1:,.
aquilo que, do ponto de vista jurídico. é assassinato. dos factos. ccJudici fit probatio)). _Dum ponto de vista
como ainda o enquadramento dos factos verificados no

,.
puramente lógico. a verificação dos factos num proces-
conceito jurídico de assassinato. Mais exactamente, as so judicial é aparentada de perto com a verificação
operações lógicas realizadas para .a obtenção da pre- histórica dos factos. Assim como o historiador descobre
1
missa menor, no caso de uma decisão jurídico-penal os factos históricos con1 base nas fontes ao seu dispor.
1
como aquela que ,nos está a servir de exemplo, apresen- assim também no processo judicial os factos juridica-

•• tam-se mais ou menos da seguinte fonna: através da


1 mente relt:vantes são descobertos com base nas decla-
acção intentada pelo Ministério Público ou por um rações do próprio acusado (entre as quais se contará
acusador privado. e através dum subsequente <1despa-

••••
uma eventual confissão) e através dos chamados meios
cho de pronuncia)), o tribunal que tem de proferir a de prova. designadamente: objectos susceptiveis de
decisão é posto perante a acusação de que certa pessoa inspecção ocular directa. documentos. testemunhas e
cometeu um facto criminoso concreto. A questão é logo
peritos. Ao falar de factos temos em vista acont.e.cimcn-
a de saber se esta acusação é fundada. Para responder
tos, circUnstâncias. relaçôe.s. objectoS-e. estados. todos
afirmativamente a esta questão. para concluir. portanto,
eles situados no passado, espácio-temporalment~ -ou

•'•
por uma condenação do acusado. o tribunal tem de
_mesmo só temporalmente determinados. pertencentes
realizar duas operações: tem de, por um lado, verificar
uma série de factos em que a acção criminosa~ se e
ao dominio da percepção externa ou interna ordena-

• traduziu, verificar, e. g., que A consciente e intencio- dos segundo leis naturais. Co1no a maioria das acções
nalmente envenenou a mulher para receber a sua heran- puniveis. no momento do processo. apenas são aprccn-
ça. e, por outro lado, tem de subsumir estes diferentes s1veis pelo tribunal atravCs de diferentes manifestações
factos ao particular tipo legal de crime ao qual a (ou efeitos) posteriores. são principalmente as regras de
consequência jurídica da punibilidade vai in abstracto experiencia e conclusões logicamente muito co1nplcxas
conexa. Pelo que re_speita a este último ponto, ele tem que tomam possível a verificação dos factos.
de reconhecer, no nosso exemplo. que o envenenamento A prova judicial é. na maioria dos casos. aquilo
consciente e intencional da mulher com o intuito de que chamamos u1na «prova por indicias,>. quer dizer.
receber a respectiva herança revela os elementos do uma pro\·a feita atravCs de conclusões dos ((indícios))
tipo legal do assassinato no sentido do § 211 do Código par~ os factos directamente relevantes cuja verificação
Penal. ou seja, que esse envenenamento se apresenta esta ~m causa. Chamamos «indicias>• âqueles factos
como morte intencional de um ser humano por cupidez. que tem na \-erdade a vantagem de serem acessíveis à
Temos de nos demorar mais um pouco na verifica- nossa perc~pção e apreensão actuais. mas que em s·
ção dos factos enquanto tais. O jurista fala a este mesmos sena mJun · ·d·icamente insignificativos se nos nãot
89
88
podemos ter a certeza de excluir os inocentes da sua
permitissem uma conclusão p~ra aqueles factos de cu~a irrcmcdiavcl execução. A mais disso. tambem as afir-

•!••
subsunção âs hipóteses legais se trata e a que nos mações das chamadas 1esren1unhas dos factos .nada
chamamos «factos directamente relevantes,>. No exem- n1ais são senão 1<indicios». As afirmações (depoimen-
plo mencionado do assassinato por envenenamento. a tos) das testemunhas perante o tribunal apenas são
compra do veneno pelo marido antes do facto, testemu- tifactos indirectamente relevantes». os quais tão-so

••,.
nhada por um droguista, é porventura um indício de que pcnnitem. por seu turno. uma conclusão relativamente
o dito marido ministrou veneno à sua mulher, ao passo
1 " fundada para o facto que se situa no passado e sobre ~
que esta mesma administração do veneno é o (cfacto
qual são íeitas as afirmaçó<s (depoimentos). Ao fala:=_
\ ' directamcnte relevante»~ pois que é ele que deve ser
mos aqui repetidas vezes de «conclusão», deve ter-se
subsumido ao tipo legal do assassinato. Aquilo que é
\j directamente relevante depende naturalmente de cada emConta que Se trata Sefnpíe Ourlia -cõílclusào apenas
\;rfidaCOm certo grau de probabilidade. m~~~r~: _

'•ei•
regra jurídica e da sua hipótese legal. Num processo
cível, a compra do v.eneno concluída entre o marido e o nor. baseada nas regras de expen·ência - regras estas
droguista poderia. por seu turno, ser um facto directa- que. por suã vez. desempenham um importante ..papéHfô
mente relevante, caso o droguista viesse reclamar o procedimento judicial probatório e são fornecidas ao

••• preço da venda. Por outras palavras. também ao concei- · tribuhal. em todos os casos difíceis. pelos indispên.Sá-
to de facto dircctamente relevante pertence uma cena vcis peritos. As diferentes formas sob as qua.is se Ôos
relatividade. Entre os indicios. a confissão do acusado apresenta a êOõCfúSáo - b~sêada naS rfgrãS ac--Cxpe~
goza de um crédito particular no processo penal. (Não riCncia não podem ser objecto da noSSa lndagaÇão~ De
falaremos aqui da sua função especifica no processo Particular importância são as conclusões do efeito' pãi"a

•••• civel ). Com razão acentua o jurista moderno que a


confissão do acusado no processo penal nào fornece
qualquer pro\•a vinculante da culpa do mesmo acusado,
antes. nada mais é do que um indicio. um facto
presentemente apreensível que permite concluir para o
a causa ou da causa para o efeito - as conclusões
causais. portanto. O principio director de toda a prova
indirecta poderia consistir em considerar os factos indi-
rcctamente relevantes. que constituem o escopo proba-

r•••'•
tório propriamente dito do processo. como a Unica
facto punivel confessado. Não raras vezes esta conclu- explicação praticamente possível dos factos indi-
são é enganadora. Pois acontece um acusado confessar rcctamente provados. No nosso exemplo. a compra do
um facto que não praticou. Anote-se de passagem que. veneno pro,·a o envenenamento. se ela apenas pode ser
Por esse motivo, também a solução frequentemente explicada como meio para o assassinato e. consequen-


P~posta para o problema da pena de morte, oü seja.
1 temente, como constituindo o pressuposto deste. Se
so a executar na hipótese de confissão, se apoia em
1 .. suporte frágil, pois que também nesta hipótese não
apenas o facto criminoso nos fornece a chave do escla-
i• recimenlo dos factos indiciais provados. ele próprio

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menta por escrito duma testemunha, em lugar do
ficará provado. Sendo assim, está tudo preparado para depoimento pessoal, ele pretende por esse meio servir
que o integremos na premissa menor. ao próprio interesse probatório, pois as declarações
Se acima chamámos a atenção para a semelhança orais da testemunha perante o tribunal são mais conclu-
que há entre as verificações de factos feitas num dentes do que as declarações por escrito adrede prepa-
processo judicial e as feitas pelos historiadores, isso não rado e elaborado. Inversamente, quando o § 252 do
nos dispensa de nos referirmos agora a uma diferença mesmo Código proíbe tomar em consideração as afir-
verdadeiramente essencial, a qual todavia não é uma mações anteriores duma testemunha com direito de
diferença de carácter pronunciadamente metodológico. recusar-se a depor (por exemplo, dum parente próximo
O historiador é livre na utilÍzação das fontes_ ao..se.u...dis- do acusado) e, especialmente. ler a acta do processo em
j;Or e ná inveStlgâçãÔ.éiõii fáctas, q~e nel_a~_se_.fun,da.-1~.le__
que foram reduzidas a escrito as suas declarações ante-
apenas está VinCUláaO" a directiVas .cientificas. Pelo
riores, caso a testemunha no julgamento faça uso
'contrário, a indagaçãÜ processual da verdaa--;:t=j~cidi~-­
daquele seu direito de escusa, esta <íproibição de prova»
~amente regulada numa larga~-m~dida. E cerjç_qlJ~_J!Ql~
baseia-se numa consideração humanitâria de interesses
__?custo encontramos já no processo as chamadas.p~s
compreensiveis de quem tem esse direito de escusa,
Jegais, isto é, regras probatórias estab_eleC.!!J!QP__'l!J~_-,_
interesses esses que são antepostos ao interesse no apu-
produzidas determina9as provas (confissão, declarações
ramento da verdade. De uma vez, por exemplo, impres-
concordantes das ((clássicas» duas testemunhas,,_ apre-
sentação de documentos especialmente Qualificados );_Q sionou-me ver como um homem, que havia sido denun-
thema probandi que elas demonstram seja sem mais ciado à polícia por sua própria esposa por actos indeco-
havido como provado. Vale antes em geral o «princij)i-o rosos praticados sobre os filhos do casal, teve de ser
da livre apreciação da prova», que o § 261 do Código absolvido, porque a mulher mais tarde se recusou a
de Processo Penal exprime nos seguintes termos: «So- repetir, perante o tribunal, as acusações que ante-
bre o resultado da pxova decide o tribunal segundo a riormente havia feito contra o seu marido. Não pode-
sua livre convicção, colhida de todo o procedimento de mos tratar aqui_ doutras partic_ulari_dades .dõ--regifilé
produção e discussão da mesma prova». Todavia, sobre jiirídiC·_oaa-píOduçi!_~__da_ .PiQV_a:-Q~-s-eU estüéíõ 'COffiPete
a produção e utilização dos meios probatórios há vários _íQS_:tiatadQ~ d~Qfr~ito processu~Q_-qllé~JiP~~uiseITlOs
preceitos legais - os quais, é certo, em parte se fo_~j:;lQ.:.s.Q..pô.r~I!!.. evidenêfa·,-n~strando-os com ~~g1,1ns
apresentam como a estratificação de experiências sobre :~~1J1pl9_s., o.~.1~~-~~j_u"'!Jclíc·o.§~cJã]ndagaç-ão ·prõ-Cess~al
a aptidão probatória desses meios, mas noutra parte da verdade0l. ·
surgem como comandos impondo a relevância de inte- ---?ra se a verificação dos factos integrada na
resses estra~?s à prova. Quando, por exemplo, o premissa menor como um resultado parcial é já o
§ 250 do Cod1go Penal proíbe a utilização do depoi- produto de actos cognitivos e deduções complexas, algo
1'

92 93

de semelhante se passa com a subsunçii.o, que agora recentes. foran1 induz.idos a subsunções inteiramente
passaremos a considerar em si mesma. A proposição novas - pois e precisamente nas subsunções novas que
aparentemente tão simples: <<A cometeu um assassina- nós melhor poderemos apreender a natureza da sub-
to)), não nos surge imediatamente de per si, mesmo sunçào cm geral. O ~ 243. n. 0 2. do Código Penal
depois de esclarecidos todos os factos pertinentes. define o conceito e a hipóte~e do chamado furto co1n
Podem deparar-se-nos dificuldades na subsunção. Neste arrombaniento. dizendo que e aquele que se pratica
ponto o ~ 21 l do Código Penal vem em nosso auxílio, quando 1<sc furta de dentro de um edificio ou espaço
ao definir com certo pormenor o assassinato. Assassino fechado. Por meio de arrombamento ... n. Ora hoje
é, nos termos daquele § 211, aL 2, «quem, por cruelda- sucede não raras vezes que alguém rasga a capota de
de, para satisfação dos impulsos sexuais, por cupidez u1n auto1nove[ de passageiros e furta lâ de dentro
ou por outros baixos motivos, mata um ser humano trai- objectos que ai se encontram. e. g .. uma gabardine ou
çoeiramente, de modo cruel, por meios que constituem uma pasta. Este furto deve ser subsumido à hipótese do
um perigo comum, ou para tornar possível ou encobrir S243. n.º 2'? E que significa aqui a «subsunção»'? O
outro faclo criminoso>>. Muito frequentemente, porém, o Tribunal do Relch rejeitou outrora essa subsunção. O
juiz ficara na dúvida sobre se estas características se § 243. n. 0 2, .;1nào respeita ao cas01>. pois o agente não
verificam nos factos apurados como assentes, sobre se, furtou de dentro de um edificio ou de um espaço fecha-
e. g., a morte de um rival político ou de um co-amante do: edifícios e espaços fechados seriam sempre partes
ciumentamente odiado é um homicídio realizado «por delin1itadas da superflcie do solo ou da água (RGStr.
baixos motivos», ou se a morte de uma pessoa a dormir vol. 71, p. 198). Inversamente, o Tribunal Federal, ao
é um homicídio <~a traição>>. Poderíamos supor que aqui fazer a «nova» subsunção, entendeu que um automóvel
as dificuldades da subsunção assentam no facto de os fechado de passageiros é um «espaço fechado>> no
conceitos «baixo», «traiçoeiro>1, utilizados pela lei. sentido (e para os efeitos) do § 243, n.O 2 do Código
estarem providos duma carga valorativa ..f:sc<:lhamos Penal (sentença de 21.3.1952, BGHStr. 2, pp. 214 e
.por isso um .exemplo em que a lei, para a descrlÇãO. dó ss.; cfr. também RGHStr. 4, pp. 16/17). Precedente
tJpo legal, .se. ser:ve de conceitos que, no seu dir.ecto desta foi uma decisão do Grande Senado de 11 de Maio
sentido, não.. re.querem quaisquer valorações, qu~_por­ de 1951, na qual uma ~<roulotte» havia sido considerada
"tantO·, como usamos dizer, não são (;Onceitos «normati:o como espaço fechado, e isto com base na definição
V(;s»- -~ás - ~~~~itos -~<descritivos». PoderiamoS- aqui geral por ele estabelecida de que um espaço fechado é
voltar ao co~~e-Ú·~-d; «c'"Oisa)) e â questão de saber se a «toda a construção delimitadora do espaço que não seja
energia eléctrica deve ser subsumida a este conceito. edifício (= uma construção limitada por paredes e
Queremos contudo tomar um exemplo ainda mais telhado e firmemente ligada ao solo, que se destina a
actual, a propósito do qual os tribunais, em tempos pennitir o ingresso de seres humanos e a barrar a entra-
94 95

da a pessoas não autorizadas) ou receptáculo (= cons- um caso individual à hipótese ou tipo legal e não
trução, delimitadora do espaço, que'serve para a recep- direct3ITi-cnte da sUboíctiOãçãÕ Oii eõ{iU"adrãmeiiio aeu;
ção de coisas e que as circunda, mas que não se destina f;f-upo de casoS ou de u~a espér;ie - d~ ~ª~·07· E;:;;-·
ao ingresso de seres humanos) ... , mas se destine (pelo s°êg-undo lugar. devemos ter presente_ QuC. ~C-ônitr já
menos também) ao ingresso de seres humanos, e seja àCCãfüá~ffiõs·: 0-õs ·repreSenta·mõs--íi-subs~Dc;ãO:-cOn~(L~a
cercada de dispositivos (pelo menos em parte artificiais) ·subsuhÇàCi-nõva·: lima -subSllliçã:Oafa~er pela. pri.m~im
com vista a impedir a entrada a pessoas não autorizadas -vez, e TiãO~ Poí~ãiitO: com-o sil\lPl.es repetição rotineira
(BGHStr, 1, pp, 158 e ss,), Nesta decisão do Grande .de subsunÇÇ>es que j~ m_uitas vezes. foram (ei~_s _para
Senado foi abandonada a concepção do Tribunal do caSOS ·do mesmo tipo.
Reich segundo a qual o espaço fechado seria sempre · -·Terri-Se cii"io qi.ie a sotoposição de_ um_ caso· real
uma parte delimitada da superfície do solo ou da água. indi~iª"~ª.1---; um .conceito é um absu;do- lógic_o. ((SO_ITle.tl:::-
A decisão posterior, contida no volume 2, j>p. 214 e te um igual pode ser subsumido a outro iguab). A um
ss., julgou, porém, poder apoiar-se na decisão prece- conceito. apênas pode ser subs-Umido U!TI conceito~~) :,_De_
dente do Grande Senado, na medida em que esta não conformidade com esta ideia um trabalho recente sobre
tinha considerado as «roulottes» como espaços fecha- ã e·stru-tu~_~IQg!~!!._d_UPuc~ç_㺠düDir~ito -ª~~~~i: ª
dos no sentido do § 243, n. 0 2, por elas «servirem de -s-ub~~nÇão- d-um ca_sq_ a_ ui!t-Conc;eiio' jUrldíCõ-«fepreseõtà
habitação às pessoas», mas por se destinarem ao uma relação --eíl-tre conceitOs: -u-m -Tacto tem de-- ser
ingresso de seres humanos e estarem cercadas por dis- pensado em conceitoS, pÜis _que de _outra forma -=- Cóirio
positivos de protecção contra a entrada de pessoas não facto - não é conhecido, ao passo que os conceitos
autorizadas. Ora isto aplica-se não só â.s «roulottes» jurídicos, como o sellílome o diz~ -s-ão.sem.pre pensados
mas também aos automóveis de passageiros. De resto na forma conceituai»: ··sao, portanto, subsumidos con-
esta jurisprudência do Tribunal Supremo encontrou um _cej_tos de_ fac_tos a. Conceitos -jurldicos. Não podemos
aplauso quase gera), BOCKELMANN, no entanto, deixar-nos arrastar aqui para indagações de lógica
considerou como «critério decisivo» do espaço fechado formal e de teoria do conhecimento. Deve no entanto
o facto de este ser «lugar de habitação do homem)). Isto acentuar-se que a subsunção de uma situação de facto
pode ser afirmado de uma «roulotte», mas já não de um concreta e real a um conceito pode ser entendida como
vulgar automóvel de passageiros, assim como também enquadramento desta situação de facto, do ((caso», na
não, de resto, de uma carruagem do caminho de ferro. classe dos casos designados pelo conceito jurídico ou
O que é que si_gnifica, pois. num_cªs~Lcomo o que -- pela hipótese abstracta da regra juridica. Se temos de
acabámos d~ descrever, a Sl..lbsUõÇãô? f{~_y_e~~Sd~ ter decidir o caso de um furto de dentro de um automóvel
em mente duas coisas._ Na subsunção, tal cOfõQ__á_ffifã--a_· de passageiros, praticado através de rasgamento da
encaramos, trata-se primariamente da sotoposição de capota, a sua subsunção ao conceito geral contido na
- --
-·-~
..,
96
r 97
1

hipótese «furto de um lugar fechado por meio de 1nais lato sentido). continua a ser u1n problema dificil o
arrombamento» significará o mesmo que: o concreto de saber se o enquadramento na 1,,;lasse de um novo
furto de dentro do automóvel é um elemento da classe objecto que ate aqui ainda não foi considerado co1no
compreendida no conceito «furto de dentro de um pertinente a rnesma se justifica ou não. se, por outras
espaço fechado ... ». Somente por detrás desta operação palavras. a referida equiparação e ou não admissivel. A
é que surg~D'!--~51~~.isíVas d~ lógica ~rídic~ problcmaticidadc resulta designadamente do facto de
-em qÜe Se- (uoõant~.n~ _p~op~~ªrl!.~~!:_e~file..enquadr.am~n=-. que, em cada subsunção efcctivamente nova, o caso a
to da concreta situação_ de facto na classe designada subsumir difere sob qualquer aspecto dos casos até
·pelo con~eito jurídico? A res·P~Sta, efn minha Oj)iÕião, · então enquadrados na classe e, por conseguinte, põe
deve ser: ela-fundamenta-se numa equiparação do novo sempre ao jurista. que está vinculado ao princípio da
caso àqueles casos cuja pertinência à classe já se encon- igualdade, a penosa questão de saber se a divergéncia é
tra assentel 9l, no nosso exemplo, por conseguinte, na essencial ou não. Mas esta questão de saber se existe
equiparação do furto de dentro do automóvel fechado uma igualdade essencial ou uma divergência essencial
àqueles casos que até aqui foram já submetidos com entre o novo caso e os casos até agora submetidos
segurança ao § 243, n. 0 2, como, por exemplo, o furto aquele conceito ou classe conduz-nos a uma nova
de dentro das instalações fechadas duma mina (cfr. questão: De que ê que se trata propriamente? No nosso
BGHStr. 2, pp 411 e ss.) ou de dentro duma «roulotte» exemplo, a propósito do conceito juridico do espaço
(BGHStr. 1, pp. 158 e ss.). Em que se fundamentam, fechado, trata-se de este representar uma «parte da
por seu turno, a determinação da própria classe e o superfície da terra» (como pensou o Tribunal do Reich)
e~quadramento seguro dos casos que servem como ou trata-se apenas de o espaço estar fechado - em
material de comparação, eis uma questão que por parte através de dispositivos artificiais - (tal como
enquanto deixaremos de remissa. Ela pertence ao decidiu o Supremo Tribunal Federal)~ Além disso,
domínio dos problemas de interpretação .. !'ies_!_a medi- trata-se de o espaço servir como <dugar de domicílio»
da, a interpretação do cqn_~~jtojurid~co é o__ pres§_IJJ}Ostó (neste sentido BOCKELMANN) ou apenas de ele se
lógico dª'_§_ub.~unção, a qual, por seu turno, uma vez rea- destinar ao ingresso de pessoas (como decidiu o Supre-
lizada, representa um novo material de intefpre1ação- e mo Tribunal Federal)? Se admitirmos o ponto de vista
pode posteriormente servir como material ou termo de de que apenas se trata de que um espaço seja fechado
compara_ção, __coJ]lQ_podert_J.oS verificar p~la evülü-Ção __ç!_Q por todos os lados e se destine ao ingresso de pessoas,
BGHS.tr. l,_pp . .158 e ss., até ao BGHStr. 2, PP 214 e então, «sob estes aspectos», o automóvel de passageiros
ss.< 10). Pressupondo, porém, por agora, que sabemos o deve ser equiparado a uma «roulotte)) ou a uma insta-
-bastante sobre a classe como tal, a qual no fundo lação mineira. Estes «aspectos» serão então precisa-
apenas significa um grupo de objectos iguais entre si (no mente «aspectos essenciais». _E~ide_ntem~!lte _qu_!! é d:~
98 99

novo uma questão de interpretação a de saber a que se crimes, que a punição pensada na premissa maior para
jfreré-um-Coõceitõ 'conio o -de espãÇo fechado:-e se o's aquela espécie de crimes podia deduzir-se como devida
asPeéiõs sob oS-qllals õS CãSOsSê ·eq~iv~le;-;ão (devendo-ser) para o caso concreto. Mas como se
~esSêflciaiS Õ~ não. A interp~etâÇão nã~ só. fo~ece o passarão as coisas quando o juízo que constitui a
...tiiiiteriai 'àê confroiito para a subsunção como ainda os premissa menor não pode ser enunciado, quer porque
pontos de referência para a comparação. Desta forma, não é possivel verificar factos relevantes, quer porque
ela decide ao mesmo tempo sobre aqueles momentos os factos verificados não se deixam subsumir ao concei-
(aspectos) do material de confronto e da situação de to da hipôtese legal utilizado na premissa maior? Por
facto a decidir que hão-de ser entre si comparados. exemplo: no nosso furto, pode acontecer que não seja
Finalmente, é ela ainda que decide por que meios do possível verificar se o acusado é justamente aquela
espírito a comparação deve ser realizada: se com meios pessoa que rasgou a capota do automóvel e retirou as
dos sentidos ex~ernos ou com meios do pensamento e, coisas de den~ro do mesmo. Mas também pode acon-
neste último caso, se com meios do pensamento «cogni- tecer que adiramos à concepção segundo a qual o auto-
tivo» ou do pensamento «emocional»1111 • A questão de móvel não é um espaço fechado no sentido do § 243,
saber a que se deve ater esta interpretação ela mesma, n. 0 2, e que, por isso, a subtracção de coisas de dentro
se ao «uso corrente da linguagem», à «vontade do dum automóvel não seja subsumível às conotações da
legislador», ao «fim racional da leiH ou seja lá ao que hipótese legal deste preceito.
for, é problema que temos de reservar para um capí- 9~~· ~um poi:i!o de vista pµrame_~te lógico, dQ__.vão
tulo especial. ~stabelecimento da premissa menor não se segue abso-
No presente capitulo temos de fazer ainda algumas lutamente nada, pois a lógica ensina-nos, efectivamente;-
breves considerações sobre as consequências que resul- (iúe com o fundamento se põe a consequêÕ.cia (modus
tam de eventualmente se não lograr estabelecer a pre- jJOnens) e que, por outro lado, ·desaparecendo a conse-
missa menor. Até aqui temos na verdade pressupos- quência desaparece o fundamento (modus tol/ens ). Pelo
to que se consegue obter efectivamente a menor, que, cOntrário, a lógica não nos ensina que, com o desapa-
portanto, se chega à verificação de factos que podem recimento do fundamento, também a consequência de-
ser subsumidos a um conceito jurídico, e isto de modo a saparece. Portanto, se o juiz há-de, no caso de não ficar
podermos, da combinação desta premissa menor com a estabelecida uma premissa menor que é afirmada pelo
maior, deduzir a correspondente conclusão._ E_~pecial­ acusador, poder proferir uma decisão ou juízo que, por
mente em relação ao Direito penal, que nos fomeC-eu Õ,s seu lado, seja também deduzido de- certas premis~as,
exemplos, supusemos que podiam ser verificados factos então precisa de premissas adicionais. Concretizando:
que se deixavam subsumir no seu todo aos diferentes se o Ministério Público afirmou no processo que A
conceitos ou conoM.ções de uma espêcie legal de furtou do automóvel de passageiros de K, por meio de
100 101

rasgamento da capota, certas coisas, e dessa forma se ou a rejeição de uma acusação, duma acç_ão o.u. de
tornou réu do crime de furto qualificado, nos tennos do (iü3Iquer~Oüiiii fomía de. PietfflSão-~~qu;Ú.ia ..em;tizo~_e,
§ 243, n. 0 2, pelo que deve ser punido com prisão por ouiiõ lado;- 8qüé1a:s-queSereferem ao chamado
maior, e se o tribunal não pode fazer suas estas ·onUs dQ p"rova-. - Se .tõma:n"TIOs ~COmo exemplo dfima
afirmações do Ministério Público, porque não considera PremiS:Sa maior -do primeiro tipo a absolvição em pro-
provada a autoria de .4 ou porque adere a opinião de cesso penal, verificaremos que existe um preceito legal
que um automóvel de passageiros não é um espaçó e uma correspondente premissa maior nos termos da
fechado no sentido do § 243, n. 0 2, então o que o qual o acusado - ãbstracção feita de obstáculos
tribunal imediatamente sabe é que ele não pode deduzir processuais - deve ser expressamente absolvido atra-
a sua conclusão da .premissa maior correspondente ao vés duma decisão de fundo quando não possa ser
§ 243, n. 0 2. Agora podem pensar-se como soluções condenado. Portanto, se não se chega ao convenci-
possíveis as seguintes: abster-se o tribunal pura e mento de que o acusado praticou o facto que lhe é
simplesmente de qualquer decisão, porventura .recor- imputado ou se o facto provado não constitui uma
rendo à chamada ahsolutio ab instantia (ver ·infrti ), ou acção punível segundo a lei, o dito acusado é absolvido.
proferir uma decis·àa diferente daquela que o Minis- (Abstraimos aqui da possibilidade de aplicação duma
tério Público propõe, aplicando, por exemplo .• uma medida de segurança). É claro que a absolvição não
«pena de suspeição» ou uma «pena extraordinária» - constitui de modo algum uma conclusão lógica do facto
como foi de uso em tempos antigos -, ou condenar o de a hipótese legal da nonna jurídico-penal abstracta
acusado - o que ainda hoje se faz - por um outro ou, o que é o mesmo, a premissa maior que a esta
delito - por exemplo: por furto qualificado nos termos corresponde, não se verificar in concreto e de, portanto,
do §243, n. 0 4 (cfr. RGerStr. 71, p.198) ou por furto a correspondente consequência juridica não poder de-
simples -, quando se verifiquem os seus pressupostos, sencadear-se. Antes, a absolvição é tão-só a conse-
ou, por fim, absolver pura e-simplesmente A. Todavia, quência lógica do facto de existir uma premissa maior
nos quadros do princípio da legalidade da jurisprudên- especial que a prescreve (cfr. a propósito o § 260 do
cia, é necessário que se retirem da lei novas premissas Código de Processo Penal). Sem esta premissa maior
maiores, com as quais se haverão de combinar as especial seria também concebível uma sentença de
correspondentes premissas menores, a fim de funda- conteúdo completamente diverso, e. g., a já mencio-
mentar a sentença sob a forma de uma conclusão. nada absolucio ab instantia, como antigamente acon-
De_ntre estas premissas maiores são de especial tecia (quer dizer: um adiamento da decisão até nova
Jntefes.Se, Por um lado, aquelas {iue, na hipótese-de ~ão ordem, sob reserva de uma posterior renovação do
ser possível uma subsunÇão corri vista a urifa···aei"e~­ processo e de uma posterior condenação), ou então a
Ilacta consequência· jurÍdica, prescrevem a abSO!i/iÇdo, também já referida declaração de suspeito com a
102 103

aplicação duma poena extraordinaria. Estas possibi- de facto. O tribunal tem de resolver o litigio, muito
lidades estão hoje excluídas entre nós, mas por razões embora não possa resolver a dúvida. De outro modo,
humanitárias, não por razões lógicas. · ele não se desempenharia da sua função que consiste na
Por outro lado, pelo que respeita às .premissas pacificação em concreto das relações da vida. Qual a
maiores sobre o chamado «ónus da prova», trata-se de decisão que ele há-de proferir em tais Circunstâncias, eis
uma das figuras de pensamento mais ricas de sentido precisamente o que lhe vem dizer o ónus da prova, mais
que a razão dos juristas tem elaborado. O ónus da exactamente, a regulamentação do ónus da prova. Esta
prova relaciona-se co_m a_ hip_ó_tese ~-e, _ap~~i!t_-ªe todas 1 regulamentação é relativamente simples no Direito
as ãctividade·s_ probató~ias, subsistifém ~~-yjçl_~_na ques processual penal. Neste sector vale, à parte raras
tão de facto. (Dúvidas nã questão de direito, na excepções, o princípio: in dubio pro reo. Es_t~. p_rin.ciP-iQ
«quaestio juris>>, sobre o .alcance- .do ê_Qil_ç_~!~9:·«espaço diz-nos que, quando existe~.J!~Xi9-M...ª-0.6Íe-,as cil:etns-
fechado», por exemplo, tem o juiz que as ~~~o_lv~ sem- fâllciãs de factá--releVã.ntes para a condenação--ou
pre atr<ivés da sua decisão; ele teil)., pois, de aderir S:~m_­ absolvição do acusado_. o juiz há-de «presumjpt~.a
··pre a uma determinada concepção, mesmo.. clue i-~tima~ Situação de facto que conduza a uma decisãO_-ffi"ais favo-
_!IleQ.te. h_esjte_ e_ntre esta concepção e aq-Üelàllti-a ·-t3m-- raver àquele. Portanto, se existeffiOirVlctãS--Sobr~ a--;;uto-
bém_ PÇ>ss_ivel, -- E--peTo meil9s eSta a· jXfsiçãõ--dõ- 'noSSc; ria, deve PreStimir-se que o acusado não foi o autor do
'Direito vig~nte .. Também aqu_i se não Trata dllrrl" prin_cí- facto delituoso. Se existem dlividas sobre se o acusado
-pio lógico ou sequer dum pr_incípio ·«natural))). Qúkdo praticou o facto em situação de legítima defesa, haverá
o tribunal duvida . por exemplo, se o --âui:Õr -do facto é o de presumir-se esta, enquanto não se provar o contrário.
acusado ou uma outra pessoa, ou - para tomar ainda Se existem dúvidas sobre se o acusado ao praticar o
um exemplo do processo civil - se o demandado facto estava na plena posse das suas faculdades men-
reembolsou o empréstimo que lhe fora feito, tal como tais, há-de presumir-se que o não estava, enquanto se
ele próprio afinna; e o autor contesta, então não lhe é não fizer prova em contrário. A_s coisas cqmpliça_m-se
poss ivel em principio declarar como única correcta uma muito mais no processo civil, pÕis que no dominio__deste
das alternativas em questão e sumariamente declarar, dá-se a chamada repartição do ónus da prova. O
pois, o acusado como culpado ou não culpado ou o complexo de tod_os os factos é dividido em faCtos-Cllja
emprestimo como já restituído ou ainda não restituído. prova se encontra a cargo do autor e factos cuja p__!"ovã
As dúvidas sobre os factos não podem, como as dúvidas compete ao demandado. Por exemplo, ao autor que
sobre o Direito, ser afastadas esforçando-nos simples- reclama a restituição dum empréstimo, cumpre-lhe
mente por nos decidirmos por uma determinada concep- provar que fez o empréstimo ao demandado. Se este
ção_ Por outro lado, é também proibido ao tribunal facto é contestado e as dúvidas sobre a erltrega da
recusar-se a decidir alegando a sua dúvida na questão quantia mutuada não são eliminadas através da produ-
,. 104

ção da prova, haverá que decidir contra o autor ou


demandante. Aqui vale, portanto: in dubio contra aeto-
apenas chega àquilo a que chamamos um «resultado
alternativo1), Num processo penal, por exemplo, ele
105

••• rem. Se, ao contrário, o demandado admite ter recebi-


do o empréstimo e apenas se limita a contestar alegando
que já o restituiu, caso a restituição continue a ser
pode chegar à conclusão de que uma coisa alheia
encontrada em poder do acusado foi_ por este ilegitima-
mente obtida, ou através de furto ou por meio de

••*..
objecto de contestação e de dúvida, é ao demandado receptação. De qualquer das formas, está-se 'perante
que cabe o ónus de provar esta «excepçào». Se não for uma acção punivel, mas não pode afirmar-se com segu-
capaz de demonstrar a dita restituição, será condenado rança qual das duas espécies de acções puníveis foi
a pagar ao demandante e perde, por conseguinte, o realmente praticada. Que atitude deve tomar o jlliz em

•t processo. Nesta medida vale, dentro do processo civil:


in dubio contra reum. Os romanos diziam (D 44, I, !):
«reus ín exceptione actor est)). Isto significa: relativa-
tais casos? Deve ele, em conformidade com o principio
«in dubio pro reon, absolver o acusado, ou poderá antes
concluir por uma condenação, em vista do facto de o

••i mente àquelas oposições ou excepções cuja prova


compete ao demandado, este é equiparado. pelo que
respeita ao risco do processo, a um autor ou demandan-
te que não consegue levar a bom termo a sua pretensão
acusado ser de todo em todo culpado de uma acção
punível? A teoria e a prática votam hoje predominan-
temente, dentro de certos limites, por uma condenação
em que seja aplicada a lei menos rigorosa. Mas ao leitor

!.'.I
• '<1!1
por não poder provar os factos que a fundamentam .
Não podemos deter-nos aqui com mais pormenores
serà lícito ponderar que este resultado, p-raticamente
dese]ifVel, n-ão só suscita dificuldades dO j)õntO-éfe vista

,.
sobre o regime do ónus da prova nas diferentes espécies dos princípios jurídicos, como tanibéÍn não é nada -fàcil
de processos. Apenas nos interessou mostrar o .que de construir logicamente.


!· ·.·;
significa o ónÚs~ da prova do· POntO- de vista aa lógica
juridic~, a saber: uma injunção ao juíz sobre Como ele
. -há-de decidir sei:npre que não possa afirmar -ou negar
co_m segurança factos juridicamente ~releVantes~ 'Neles se
i'• . exprime, Portànto:-«ürri-a regra juíictica··seguncto a quãt,
:• independent.erftente de o conteúdo da decisão séfóu não

.':•••
a
objectivamente justo, ao menos se determina ·Juridici-
dade (conformidade com o Direito) do compÕftàiiiénto
do j~iz enquanto tal».
Mas deven1os referir ainda uma interessante com-

••
plicação. Acontece não muito raramente que o juiz, ao
esforçar-se por realizar uma subsunção apropriada,

~:
106 /07

ANOTAÇÕES ESSER. Grundsatz und Nonn, 1956, pp. 19, 256. Mais longe
ainda do que ISAY vai Jer. FRANK (cfr. ESSER. p. 21 ).
1. Para nós, portanto, trata-se apenas da «determinacào do A minha polêmica com ISAY. que se não dirigia contra o
_dever-ser como pura forma de-pensamen.fQl•__ con..!i.Qa .na sentença, valor da obra. mas contra certas teses nucleares da mesma, depa-
etc., e não do teor imperativistico que.. eventualmente a isso rou com múltiplas oposições. Assim, além de ESSER (Arch-
.c:acresça (v. infra, ·no texto); cfr. a propósit~ ~s~ meus Log1scne-· RuSo,Phil., vol. 43, 1957, p. 263)0 P. SCHWERDTNER,
--Siliilien-:P. 4, assim como J. RÓDIG, Theorie des gedchtlichen Rechstheorie, vol. II, 1971, p. 70 (aqui fala-se de uma \(alterna-
Erkenntnisverjahrens, 1973, pp. 10, 63 e s., 82 e ss., 113. tiva completamente d;;:slocada1•) e H. KENTH, Logik der
2. Em bom rigor, aliás, temos aqui uma dupla conclusão do Normen, 1972, pp. 38 e s. (com um apelo à consciência do juiz
geral para o particular: alem da conclusão relativa ao deVer-ser- não poderiam contraditar-se afirmações sobre uma conduta
-punido do homicida, surge, do imperativo dirigido a todos os factual). Todavia. não pode contestar-se que ISAY, por um lado,
juizes mandando aplicar a pena ao mesmo homicida. a conclusão radica num facto psicológico (ou, como diz SCHWERDTNER,
paralela para o imperativo C-Oncreto endereçado precisamente ao «antropológico')) emocional, o sentimento jurídico (v. o seu livro,
juiz que está a julgar e ordenando-lhe a aplicação hic et nunc pp. 60 e ss.), aquela decisão judicial que, segundo o seu ponto de
da pena. vista, é típica e ao mesmo tempo paradigmática, e, por outro lado,
3. Primeiramente mediante o (<câlculo modah> (cfr. O. recusa â norma legal a função de fonte de conhecimento originá-
BECKER, Undersuchungen über den Modalkalkül, 1952, pp. ria da decisão justa, antes lhe reservando apenas uma função sub-
40 e ss.), depois no quadro de uma específica lógica «deóntica>1, sidiária de controlo. Nisto vejo eu não apenas uma falsa ilação do
relativamente a qual surgiu uma literatura própria. que possa acontecer (que o juiz primariamente se deixe orientar
4. Sobre este ponto e seguintes, v. agora também E. J. LAfl..f- pelo sentimento jurídico e só depois se preocupe com as normas e
PE, Jur. Semantik, 1970, pp. 40 e ss.; considerar em especial a interprete estas sempre que possível por forma a harmonizá-las
p. 48: "Todo o enunciado jurídico imperativo.. implica um com o seu sentimento juridico) para o que ~·é correcto)), e também
enunciado juridico indicativo que estabelece que ... deve ser, o que não apenas um perigo (a saber, o do subjectivismo frequentemen-
ele ordena». _No Festschrift P._O,_J~.JS:.!:!t.._9~__(§!~.!<~<?l_!I.D..-19-R.­ te enredado em preconceitos, para o qual apontou já KARL GEI-
pp. 502 e .ss., fala M. MORfT2. d.~-2~juizq_s~alelos)) aos impe- LER, na sua extensa recensão da obra de JSAY no Archiv für
rati ...·os jurídicos e, recQrrendo a eles. chega ígüãlmenre-ãllill Rechtsphilosophie, vol. 24, 1930, reimpressa em (<Beitrãge zum
<(silogismo com o auxilio do qual se pàde de-cidJr·se uma~i1çã_ modemen Recht1), 1933, pp. 135 e ss.), mas antes de tudo uma
judicial conCOrda OU nãOfoímálnieflte-éOrii""ã l~i»l·(p.-S-02)-e-isto contradição com a vinculação do juiz a lei (Art. 20 da Lei
jÜStaiiieii.Iê .. <<meSffiO que. as. regras· JU.riâicas· sejam ·-cDnCebidas--· Fundamental).
OOITiO"imperativoS»'{i:). -5 I8j. Põr ou.tro lado, -crnicae·stepüiiiõae- . Não pode de resto negar-se a propensão para pseudo-
vista K. HAAG,em.-;,Rect.tsllieorie>) (ed. Arthur Kaufmann), -fundamentações por amor de um resultado tido por satisfatório.
1971, p. 139. É de ter em conta, porêm, tanto na doutrina de Sobre este ponto. Fr. BRECHER, Nikisch-Festschrift, 1958, pp.
MORITZ como na minha, que os imperativos não são transfor- 227 e ss.; K. ENGISCH, JVahrheit und Richrigkeit im juristis-
mados em proposições, mas se fala sobre eles em proposições chen Denken, 1963, pp. 11 e s.; W. SCHEUERLE, Arch.ziv.
enunciativas. Pr. 167, 1967, pp. 305 e ss.; M. KRJELE, Theorie der Rechts-
5. Ver sobre o ponto a minha Jdee der Konkretisierung, gewínnung, 1967, pp. 218 e ss.; W. HASSEMER, Strafrechts-
195 3, pp. 188 e ss., com bibliografia: E. SCHWINGE, Der dogmatik und Kriminalpolitik, 1974, pp. 47 e ss.; Fr.
Jurist und sein Beruf, 1960, pp. 40 e s., 101 e s.; diferentemente MÚLLER,Jur. Methodik, 2.ª ed., 1976, pp. 196 e ss .. Instrutivo
(concordando com ISAY. RADBAUCH-ZWEIGERT, Einfüh- ê o «caso da banheira)} (RGerStr. 74, pp. 84 e ss.), sobre o qual
rung in die Rechtswissenschaft, 9.ª ed., 1952, pp. 160 e s.; pode ver-se: HARTUNG, JurZ 1954, pp. 430 e s.: - Para evi-

/08 109

tar uma sentença de morte e a sua execução. o Reichsgericht apresentarem-se perante o tribunal com determinadas expectati-
(Tribunal do Reich), fazendo uma aplicação '<arrevesada)> da teo- \'as e pretensões relativamente ao tratamento juridico do caso e,
ria subjectiva da participação. <{cons.truiu» como auxílio ã prática enlâO. deixa que a «interpretação» se oriente por detenninadas
do crime o afogamento de um lilho nascido fora do casamento considerações sobre o que possivelmente é juridicamente acertado
pela irmã da màe. Critério para a distinção entre fundamentação e. nesta medida, deixa que ela se oriente por <ipré-valoraçõesn,
auténtica e pseudo-fundamentação so pode sê-lo. em meu pare- por 1<pré-juízos»: A procura da norma ajustada. a escolha desta
cer. a honestidade subjectiva. ~<Pseudo-fundamentações incons- ou daquela norma. a decisão sobre a sua aplicabilidade ou não
cientes)1 (BRECHER) não as consideraria eu 'como «pseudo-fun- aplicabilidade. podem frequentemente ser dirigidas por tais ante-
damentaçóes>>. É digno de nota que, no caso da banheira acabado cipações (cfr. o que j:i antes se dizia nesta idntrodução)) ). Por
de referir. HARTUNG pôde dizer que ·ele, ~·científica­ outro lado, a idógica fonnal», da qual KRIELE e ESSER não
mentell, coincide inteiramente com a decisão por ele próprio tém uma opinião muito favorável, fornece apenas a condição
proposla. Se se pane da presunção que. ao fim e ao cabo. não.JL_. necessária (em todo o caso: a necessária!), mas não a condição
~ad~de.___.que lisJeiS~prcçédel!!~~ res~-~ suficiente da «correcçãoi) da decisão (assim o próprio ESSER,
~<raçion<!-is1! _ (OQ que__ çreio estar de acordo com '"'ESSER e Vorverstãndnis. p. 77: quem é que ainda hoje ensinará outra coi-
_K,R1ELE - este UltimÕ diz~ ex::ap:~T69"ilã õora· citãaa:-um-- _ sa? Cfr. sobre o ponto também Fr. MÜLLER, Normstruktur .
.!~~to lega~ só pode •(ser correCtaiUente_ inç~rpi:_e~t:a~~ qu~~~~~t~ 1966, pp. 40 e ss.;Jur. Methodik, 2.ª ed., 1976, p. 62~ CANA-
se subentenda ... a intenção da radonaiidade1• - ), então por via RlS. Systemd_~nken und Systembegrif{ i. d. Jurispr., 1969, pp.
. de regra tais resultados podem ser fundamentad{j§.--lãnl~_m •. sem -- 22 e s.; J. RODIG. Theorie des Gerichl. Erkenntnisveifahrens.
((truques>) espedais, duma maneir~_ raç_ional, isto e_•. PO!_ d!_~~ção· 1973. pp. 148 e ss., I 77 e s.). Mas, sob o domínio da nossa Lei
da lei ou çom apoio nos preçedentes. Completamente diversa é a · Fundamental e do seu Art. 20.0 , 3. importa em Ultimo termo -
questão de saber se o juiz pode e deve consçiente e abertamente como tembérn ESSER e KRJELE não desconhecem - que o
recusar obcdíéncia a uma lei 1<irraciona[» (ou a uma jurisprudê:i- <(resultado» a que se chegue seja kigíca, metodológica e juridica-
cia firme - mas criticável). Sobre o ponto, veja-se o capítulo mente sustentável. E. para tanto, devem ser mantidas mais rigo-
VII. rosamente separadas do que por vezes sucede (em ISA Y, pelo
Atraves dos livros de ESSER (ver agora também o escrito menos. mas também sem dúvida em ESSER e KRIELE) a
deste autor Von•erstiindnis und Methodenwahl in der Rechts- quaestio facti e a quaestio juris, quero dizer: o problema psico-
findung. J 970), KRIELE e Fr. MÜLLER, cujo estudo terá que lógico e sociológico de como os nossos juízes de facto procedem,
ser feito pelo leitor interessado numa indagação mais "aprofundada por um lado. e o problema lógico--gnoseológico de saber sob que
dos problemas do pensamento jundico, entrou num novo estádio a pressupostos fonnais e materiais o resultado da descoberta do
discussão sobre a fundamentação racional dos resultados <1razoá- direito (Rechtsfindung} é verdadeiro ou correcto. (Segundo colho
veis}), «justOSH, «Satisfatórios•}, assim como a discussão sobre a do relacório de N. HOERSTER em Arch.ziv. Pr. J 71, pp. 188 e
relação entre teoria e prática [cfr. KRJELE. pp. 37 e ss.) e ainda ss., sobre um livro de WASSERSTOM, também por este autor a
sobre a relação entre psicologia e lógica da decisão (Urteilsfin- referida distinção é claramente salientada; cfr. também a crítica
dung). ESSER dá razão a !SAY quando agora acentua (Vorvers- a ESSER em LARENZ, Methodenlehre, 3.ª ed., pp. 187 e ss.).
tcindnis. pp. 132 e ss., 175 e s. e passim) que o juiz se abeira do O modo como e a medida em qutl, p. ex., os nossos tribunais se
caso com uma certa <(pré--compreensào)), cuja «constituição}) ja é orientam efectivamente por precedentes não nos fornece ainda, ou
determinada por uma «espécie de 'pré--decisâo'i•. como entretanto pelo menos só sob determinados pressupostos nos fornece uma
tambem HRUSCHKA. no seu Die Konstilution des Rechrs- resposta à questão da correcção desta orientação. O facto de que
palles. 1965. tinha exposto em mais pormenor (cfr. também «uma regra metodológica é seguida umas vezes e outras não1> não
infra, nota 3 do Cap. IV), e que o mesmo juiz vé as partes significa, como afinna KRIELE a PP- 25 (com o acordo de
!'!'..
1:~ ili
!:~
110

!1W RÕDIG), que «ela não vale». O facto de a hi:rarquia entre os notavel inves1igador togico Heinrich SCHOLZ qualificou Hegel
jf.11 diferentes metodos de interpretaçào não ser ainda segurda fi{v~r como o «homem fattdico que criticou de forma radical a lógica
!: infra, no texto) não nos liberta ~a obrigação ~e a procurar e 1mr. formal aristotelica e por esse modo onerou a imensa obra da sua
.·.1~·.l

l
por mor da decisão correcta. \o. _em conformidade ag~ra CANA- vida com um infortunio que dificilmente poderá ser sobresti-
RIS. ob. cit.. p. 91. nota 23. Naturalmente. que nao d_eve ~er mado» {Geschichte der Logik, 1931. pp. 11 e s. ). abstraindo dis-
1.~ contestado o direito próprio de uma ~·psicologia» ou <1soc10Jog1a" so. dizia. é verdade que a conclusão subsuntiva como todo, não
1· • • da decisão jurídica (da Rechts;indung) que a si _próp~a as_sim dse obstante a sua importância. e focil de realizar (cfr. sobre o ponto
!1 entenda duma maneira explicita (penso nas tnvesugaçoes e os meus Logische Studien, p. l 3 ), mas ja não assim a subsunção
li BENDIX. BOHNE. WEIMAR. OPP e ROTTLEUTHNER, como juizo (acto de juizo) que co-<:onstitui a premissa menor.
\'.!J:. entre outras). Também não deve de modo algum afastar-se de Certeiro. quanto· ao ponto, v: agora J. RODIG. Theorie des
11. antemão a possibilidade de que existam interc~nexões. entr~ a gerichtlichen Erkem1nis1•erfahrens, 1973. p. l5l. ESSER, que

!
'!~:\. quaesiio facti e a quaestio juris, sobre ~s q~a1s, porem, ~~ a na Von•erstiindnis (pp. 28. 40 e s .. 48. 50 e s .. 60 e s., 65 e ss .. )
própria lógica (no sentido mais amplo, 1nclumdo uma (dogica igualmente nào distingue com precisão entre conclusão por sub-

~•
material») pode decidir. Sobre este ponto, ver K. LARENZ, no sunçào e subsunção enquanto parte da premissa menor. reco-
1 Festschrift für E. R. Huber. l973. pp. 301 e ss .. O acento do nhece no enlanto muito claramente a gravidade do problema da
/!~ presente li~·ro recai em todo o e.aso por completo sobre a lógica e subsunção enquanto tal (pp. 45 e ss.). ponto que KRIELE

1.t
a metódica do pensamento jundico, como lambem acontece, p. tambem aflora quando aponta a teoria de Montesquieu sobre a
ex .• com o ,,pendular da visào entre cá e lá», entre o (<cas~)) e~ função do juiz como uma questionm:el Hdouliina1) da subsunção
1 "norma>), atacado por KRlELE e ESSER. e que ~or mim _foi (p. 49). bem que tomando como referência a errónea teoria de
inserido num puro contexto lógico: tratava-se para mm~ de evitar que a subsunção e uma operação de pensamento puramente
um circulo logico (cfr. logische Studien, pp. 14 e s. e infra, nota racional. facil de realizar e conducente a um resultado inequ1vo-
3 do Cap. IV). co. Este entendimento basicamente errado da subsunção, de uma
6. Aqui, em ligaçào com o que vai dito na anotação anterior. subsunção que frequentemente (talvez mesmo a maioria das
1'ji•
I:
i.• seja-me permitida uma anotação de lógica formal. Quando KRJE- vezes) e acompanhada de uma valoração, encontramo-lo infe-
LE, ob. cit.. p. 51. diz: «O pretenso problema da subsunção lizinente a cada passo. p. ex .. agora tambcm em Fr. !VtULLER.
h~. correcta não chega a ser qualquer problema ... Podem construir-se ob. cit.. pp. 59 («subsunção !ogica"). 83 (onde se fala de
~p exemplos divertidos de uma subsunção silogística falhada:·· deve «premissas menores postuladas logico-formalmente por uma
1'. •
, . contestar-se que se verifique uma omissão quando um ltvro de ·subsunçdo" positivista»). Sobre a subsunção, tambCm infra. no
metodologia não faça mais largos desenvolvimentos sobre a texto .
.!.•.
· conclusão subsuntiva>}, e a propósito se reporta às 1(palavras de
J2o.m .. a mesma faila de cuidado com que se lida com o
1 oiro>' de HEGEL, segundo o qual «nunca pensou uma coisa tão conceito de- ·;,sUbsUnç-áü>> tambem se opera com o Conceito de
li~ chata» como a _que se apresenta no modus barbara, toma-se visi-
"Prê1Tiis~ª--~nõraõSi1og1s·in_Q ãa- aeciSão- ruarctai. ·jã-rCfef!Ildó-0
1
1~
I!.
vel que se entende aqui a conclusão subsuntiva como um todo
{sobre o ponto. p. ex .. B. KREIBIG, Die inte/lektuellen Funk-
-n-pf:.ilã.s a questª-o de facto-~ A .''ªRreCiaçao-·dà-proVal>-(K.RfELE.
p~- 48. __ E.SSER. p ..4.6. ZIPPELIUS. lvfethodenlehre, 2. 3 ed.,
tionen, 1909. p. 216). não a subsunção como parte da premissa 1974. pp. 88. 93: Fr. MULLER. ob. clt.. p. 27 («a situaçào
'I'1~ menor {no exemplo do texto: <>A é assassino))). Abstraindo do
factual da vida como premissa menor,. ).ja abrange.ndo tam_hem (e

t
'1., tàcto de que as palavras de HEGEL sobre o modus barbara.
_nesta. mcdida_.com .tod.:'! ..'.J. razãp.~ESSJ;R~ R~ _5.0f nCi~- o. <1ju1zo
l\Jii.. aquele modus segundo o qual do carácter mortal de todos. muitas
sob_re os factqs1> V< apreciação do.?S fa~to~·;J: \:er sobre_ es_te p9_n.to
1
1• vezes com angustia, concluimos para a mortalidade de cada um
de nós, não são de modo algum "Palavrns de oico», e pm isso o
1!1_~\S dcscnvolvidamen!e: Logisclie Studien, pp. 18 e ss.:
1

SCHEUERl.E. RiéhrSánfrendung, 1952. p. 38. e· LARENZ.

IE _
!"
113
112

Methodenlehre, 2.• ed., pp. 228 e ss., 232 e ss., 254 e ss .. 3.a ed. p. 258 (subs_unção é a «afirmação de que as caracteristicas refe-
1975, pp. 262 e ss .. ridas na hipótese da regra jurídica se encontram realizadas na
7. Limites a uma verificação historicame~rosa da ver- situação de vida a que a mesma afirma<;ào se reporta"). pelo
j_a4e_ riOJ!_r_oCeSsõ- dep_a{aâ\.:Sê:fio<; ~ 9.l!.ando vigora o contrário. tem uma noção diferente de subsunção. Outras vozes
~(_pri~~ íp_io~.dispp2tjy_o», -~Q~H_)__ af911te.c~n9_ºroce~~o e ivil alem_ào criticas em relação ao texto que merecem ser consideradas: K. H.
_em gue_às partes é..deixada. =-henLque .dentro de certos limites ~ STRACHE, Das Denken in Standards, 1968, pp. 52 e ss., na
_a possibilidade_de .determinareffi-a_matér{<i_~e-lãçro a ap1eelar nota 132; R. v. HIPPEL. Gefarurteile. etc., 1972, pp. 7 e ss ..
juridicamente, na medida em que alegam ou nãO cei:f:ru;_j'actos;-es--. Como LARENZ, também STRACHE, R. ZIPPELlUS (Metho-
ic41litem ou '_n_~g ..:_oonte~tãf!l;-:a.presenram ounàOcertas provas. denlehre, 2.ª ed., p. 100) e W. FRISCH, NJW 1973, p. 1346,
Pode, p. ex., deixar de ser considerado o facto de um contrato ter-- nota 16, preferem ao entendimenlo lógico-extensivo («extensio~
sido concluido em estado de embriaguês, quando as partes se na]1>) de subsunção que se dá no texto um entendimento lógico-
sentem constrangidas a não mencionar esta circunstância. Cfr. -intencional ou de contetido (1<intencionah• ): a subsunção é deter-
sobre o ponto, além de DÕHRJNG, ob cit., p. 9; LARENZ, ~!~<J.çâo__ d~a__-~ncidê_:ic_i_~-.-~.~~~!!'.Pl~xo cÕnêretc>de cafâCfe-:
Me1hodenlehre, pp. 206 e ss., 2.ª ed. 1969, pp. 240 e ss., 3.ª ed. nst1cãs)) com a (<âeiiníÇão abstracta .dQ conce1to>routleterrnina-
1975, p. 293. Sobre a fórmula «verdade formal)) usada neste 3~':~jçien.tida.de$Qf."~·os~S:óíl~~-~~ ·ª~-~_&JefiénCta ·sig?iifiCados
contexto, v. agora RÔDIG, ob. cit., pp, 151 e ss .. .~IT!....&.f!raL~las_~.mtlavra_~_ Q.l!..J~j__(p~zinar de CãrrOS)-e-o ,facto da
8. Assim, SOMMER. Das Reale und der Gegenstand der experiéncia imediatamente E_ercepclOnav-el-dti-situação- concreta
Rechtswissenschaft, 1929, pp. 119 e s .. De idêntica natureza são (buz.iilar _deste ~arro_j))_ Ná-minhà .QP.i.ntã.o ambos- osentehdiriiên-
as dúvidas agora suscitadas por K. MICHAELIS, em Über das ros·. i. e, o extensional e o intenciona1;·poaem · coex·iSür lado a
lado. - ---- · - -- --- --· - ·--· - ·-~-- -·-
Verhâltnis von loxischer und praktischer Richtigkeit bei der
sogenannten Subsumtion, Festschrift für das OLG Celle, 1962, 10. Sobre a relaçào entre subsunção e interpretação, v.
pp. 117 e ss. ( 130). a saber, que ;1a hipótese legal abstracta e o tambem os meus Logische S111dien, pp. 26. e ss.; SCHEUERLE.
juízo çonç_r~.to da. §.l!.f?..sµn_ç_ª-Q. .:Íià"o-j)()Clem ser· confrontados cÓ;., ob. clt., pp. 166 e ss.; D. JESÇH, Arch.õff.R.82. 1957, pp. 186
vista a excluir __a_ CO!ltr~dição lÜgica~eot~~I~~~ úâlãVeZqüe-os e ss.; J. RAUTENBERG, DOV 62, pp. 253 e ss.; MICHAE-
respectivos objectos - _n.urn c~~9 ª·hipótese absl:râctaiiõ· õlitro a LIS. ob. cit.. p. 136. Também as «subsunções finais}> tratadas por
concreta situação dc:i fãcto ---:- n~?. s~çi__ lôgíCimente OS_riléSiriOs e SCHEUERLE no Arch.ziv.Pr. 167, 1967, pp. 305 e ss.,
da det~~inaçâo em abstracto da ~~P?:t~se-!Cgal riãõE2ç.de logica- inlerferem no domínio da problemática da interpretação, como
mente deduZif:sê ~CCõni::-õfáãnélãc_oni ~la -dã cõriCrêta· sit~ação de resulta de pp. 329 e ss. (a «interpretação final1> está ao serviço da
facto". Crei9 que eftas-difii::i.t!áa~eS não sUrgeiil <]ii.ã:êí.do se ienha HSubsunção finab1 ). Cfr. ainda W. HASSEMER, Tatbestand und
em conta o exposto no texto. E que, como observa o próprio Typus, 1968, pp. 19 e s. e pp. 98 e ss.; Fr. OSSENBÜHL, DÓV
MICHAELIS. não se compara um concreto com um abstracto 1971. p. 403 (onde. para a interpretação de conceitos indetermi-
mas um concreto com outro concreto. Cfr. agora também LA- nados, reconhece uma 1datitude de possibilidades de decisão)J,
RENZ. Methodenlehre, 3." ed. 1975. p. 258. mas não uma pluralidade de decisões conformes ao direito ;<no
9. Encontra-se uma concep<;ão semelhante em Arthur caso concrelOJi. o que considero problemático). Observe-se ainda
KAUFMANN, Analogie und «Natur der Sache>), 1965. pp. 29 em particular que também a rejeição de uma subsunção (p. ex.:
«uma viatura fechada não e um ·espaço fechado" no sentido do
e ss.: W. HASSEMER. Tarbestand und Typus, 1968, pp. 17 e
s. e em J. ESSER, Voniersrdndnis u. Methodenwahl, 1970, p. *243,,) contém o resultado de uma interpretação: cfr. sobre isto
Logische Studi!!n, 1943, p. 28, assim como A. WOLFERS,
30: a partir da norma legal forma-se «uma panorâmica de casos
de aplicação possiveis, com a qual se pode cotejar o caso sub Logische Gn1ndforn1en der jun'stischen lncerpretation, 1971, pp.
judice». LARENZ, ob. cit., 2.ª ed., p. 263, nota 1, 3." ed., 1975, 11 e s .. Oigno de nota. do ponto de vista filosófico, sobre a
114

relação entre interpretação e aplicação (do direito): H. G. Capítulo IV


GADAMER, Wahrheit und Methode, 1960, pp. 290 e ss ..
11. Sobre a distinção entre a subsunção como elemento da A ELABORAÇÃO DE JUÍZOS ABSTRACTOS
premissa menor e a conclusão subsuntiva como silogismo ver já A PARTIR DAS REGRAS JURÍDICAS.
supra. nota 6. Pelo que respeita à subsunção como tal, que é a
única que agora nos interessa, são de cfr.: W. SAUER, Jur. INTERPRETAÇÃO E COMPREENSÃO
Elementarlehre, 1944, pp. 32 e ss.; W. SCHEUERLE, Recht- DESTAS REGRAS
sanwendung, pp. 148 e ss. (cuidadosa análise na esteira de H.
MAIER); H. COING, Rechtsphi/osophie, 1950. pp. 244 e ss.,
268 e ss., 3." ed .. 1976. pp. 322 e ss.; JESCH. ob. cit., pp. 178 e
ss. (188 e ss.): LARENZ, ob. cit.. pp. 210 e ss.: 2. 1 ed. 1969, pp.
254 e ss., 3.ª ed. 1975. pp. 257 e ss.; D. HORN, Studien zur
Rolle der Logik bei der Anwerdung des Gesetzes, Berliner Oiss.,
J 962; KUCHINKE, Grenzen d. Nachprüfbarkeit, 1964, pp. 58
e ss.; H. HENKE, Die Talfrage. 1966, PP- 106 e ss.; 177 e ss.; No capítulo precedente ocupá.mo-nos especial-
Fr. WIEACKER, Festschrift J. W. WEBER, 1974, p. 423; Fr. mente do silogismo juridico. A premis~ª- _f!l~nor é o
MÚLLER,Jun'stische Methodik, 2.ª ed., 1976, pp. 59, 66. 153
nervo que veicula até flO c_aso concreto as ideias
e passim. ~ confr?__!l!.'?_ ~o J!l.e!! ~2~.i!Q-9~ subsuncâo, que
tambem compreende comparações (equiparações) com base em ftii1d1C"âSgfrãiS~é:9ntiCfas ~~l If:i,_-que_o mfsmo é dizêr~-na
'i•valorações irr<iclCi"naiSi>, eilCôritíàirlos -nõSmendõnados autores PíeffifSS:i ~aior, e desse modo tof11a possível a decisão
conceitos de subsunçâ9 mais estrito~. Iirilitáõo.§·_:-a~c?Jfé.fa~ões do tj1esmo caso em conformidade cofn a lei .. cOmo
racionais. que depois c_arecem obv.iãmente de complementação
através de outros conceitos da <<apreciação juridica;;·.d_eiiir-0-da concentrámos inteiramente a nossa atenção sobre aque-
premissa menor. Cai-se no erro oposto quando se consideram la premissa menor e os seus elementos constitutivos,
iodas as subsunções c_omo_ assentes em Valàraç<)es. ·E·m-m:U-ilos poder-se-ia porventura pensar que a ideia juridica geral
conceitos {udescritivos») não se requer nerlhuma valor3.(;ão p~ua a
a extrair da lei e algo de clara e firmemente definido,
subsunção. mas um conhe_ciJI1~11to da_ cxperíencia ·(exêiilp1o·: 1•A
ultrapassou a velocidade máxima de 50 km1> ). Cfr. -laillbéin algo como que cristalizado, e que, portanto, toda a
supra, nota 6, e infra. nota 2 do Cilp. VL dinâmica do pensamento jurídico se concentra na
premissa menor. Esta opinião, todavia, seria errónea!I'.
A premissa maior jurídica, com a qual se combina a
meiior, é ela próprja, por seu turno, o resultado de uma
penetíante actividade do pensamento jurídico. Assim é.
pelo menos, quando nos ocuPamos em descobrir o
Direito atraves de dcduc;ões feitas a partir da lei e COpl
fundamento nela. Poderemos mesmo dizer que aquilo a
que se chama <~rÚeiOdoiogia JufIJíCâ~~~tem_pOr Obí~-~~O
e_m primeira linha a obtenção ~a premissa maior juridi-

( 115)
116 117

ca. Também já vimos, no capitulo preceden~e a desde logo as conotações conceituais aditadas na ai. 2
sübSunçaoco_nuc_tâ_ na_pfei:ri~s~~. !ll~~<?r it"9_~.7i1J1>te -P~ra- - deste paragrafo. apenas contém uma parte dos elemen-
Üffia ~<inie;.pretação>> da lei e, dessa forma. P.ar_a_urna tos essenciais à premissa maior jurídica completa. É
àCtiViCf<ide mental realizada em tàfll~ ~a _premi.§.g_ preciso ter em mente que o assassino, para ser punível
. ffiaiór .-Importa. porém, que avancemos gradualmente. como tal, deve ser imputável (ao que se referem os
Dissemos que a premissa maior, com a qual a § § 51 e 55 do Código Penal e a lei sobre os tribunais
menor se combina, é extraída da lei! 2l. De conformidade de menores), que não deve existir qualquer causa de
com aquilo que atrás foi dito, representámo-nos a lei justificaçào do facto (v. gr., legítima defesa, § 53 do
como imperativo condicional, ao passo que a premissa mesmo Código) nem qualquer causa de exclusão da
maior correspondente à lei a pensámos como um juízo culpa (v, gr., estado de necessidade, nos termos do § 54
hipotético em sentido lógico. Ora a elaboração da do mesmo Código). A premissa maior completa ficaria
premissa maior seria de facto uma actividade mental assim com o seguinte teor: Segundo o Direito penal
bem elementar se apenas consistisse em converter o alemão, deve ser punido como assassino com prisão
imperativo condicional contido na lei num juízo hipoté- perpétua aquele que, sendo uma pessoa imputável e
tico em sentido lógico. O imperativo do § 211 do sem que exista uma causa de justificação do facto ou de
Código Penal, que prescreve a punição do assassino exclusão da culpa, provoque intencionalmente a morte
COJll prisão perpétua, pode, por exemplo, ser com a de outra pessoa, e pratique o acto homicida por crueldà-
maior facilidade convertido no seguinte juízo normativo de, para salisfazer os jmpulsos sexuais, por cupidez ou
abstracto: «Se alguem é assassino, deve ser punido com por outros baixos motivos... A complementação da
prisão perpécua, segundo o §21 l do Código Penal>>. premissa maior será, conforme as hipóteses, tão extensa
Uma primeira e mais complicada tarefa de que o quanto o exija a apreciação e decisão do caso. Por
jurista tem de se desempenhar para obter a partir da lei exemplo, poderemos deixar fora da premissa maior a
a premissa maior jurídica consiste em reconduzir a um referência â não verificação de uma causa de justifica-
todo unitãrio os elementos ou partes de um pensamento ção do facto ou de exclusão da culpa. quando não haja
jurídico-normativo completo que, por razões «técnicas)), motivo para supor que, inconcreto, se põe a quescào da
se encontram dispersas - para não dizer violenta- sua existência·J 1 • Uma boa ilustração da dificuldade da
mente separadas. Mais exactamente, é tarefa do jurista tarefa com que o jurista neste ponto se defronta forne-
reunir e conjugar pelo menos aquelas partes constitu- cem-no-la as acusações deduzidas pelo Ministério Pú-
tivas do pensamento jurídico-normativo que são neces- blico nos autos. O Código de Proceso Penal exige, com
sárias para a apreciação e decisão do caso concreto. Se efeito, que a acusação qualifique «o facto imputado ao
voltarmos ao nosso exemplo do assassinato, verificamos acusado pondo em evidencia as suas denotações le-
que o § 211 do Código Penal, mesmo que tomemos gais». Desta forma, aquele Código exige, em certa
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118
acontecia que estas não podiam coritinuar a arrastar
medida. a cxacta elaboração da premissa 1naior juridica
atrás de si os caYalos que haviam cansado. Um soldado
a partir da qual pode ser deduzida a punibilidade do
forrageiro, por tal motivo_. vendeu um_ cavalo inapto
acusado. Ora precisamente isto apresenta com frequên-
cia consideráveis dificuldades. Noutros domínios juridi-
para a marcha a um camponês. pelo preço de 165
cos as dificuldades não são menores. Quanto mais Marcos. Este alimentou o cavalo com rações elevadas e
compreensiva e subtil se torna a legislação. maiores são um ano depois vendeu-o pelo preço de 6000 Marcos. O
Reich (o «Fisco do Reich;>) exige agora do campones a
as exigências postas pela reunião e conjugação das
soma de 4100 Marcos como «enriquecimento sem cau-
partes que integram a norma jurídica a fim de se lograr
sa>), havendo sido deduzido do preço que o camponês
um dominio mental das leis. O jUsfilósofo STAM~1LER
cita esta frase: <(Quando alguém aplica um artigo do obtivera com a venda do cavalo a importância de 165
Código, aplica todo o Código)>. Podemos considerar Marcos, pela qual ele o havia comprado. mais uma
esta tese como um pequenô exagero. Todavia, ela põe quantia razoável para as despesas com as rações
en1 evidência a unidade da ordem juridica. a qual no alimentares. As instâncias inferiores haviam negado
nosso contexto se t_raduz em que as premissas maiores provimento à acção. Como muito bem me lembro,
jurídicas tem de ser elaboradas a partir da consideração dominava então a tendência, baseada num sentimento
de todo o Código e, mais ainda. socorrendo-nos tam- de justiça, para favorecer os camponeses em casos des-
bém de outros Códigos ou leis. Subentendemos que as tes. As fundamentações jurídicas - e aqui temos atê
regras de um ordenamento contên1 um complexo homo- certo ponto um contributo para a tese de ISA Y atrás
géneo e harmonicamente solidário de pensamentos mencionada - eram um pouco forçadas, como que
jurídicos. Seja-nos permitido demonstrar este importan- arrancadas pelos cabelos. O Tribunal do Reich, porêm,
te aspecto da arte do jurista ainda com um caso de incomovivelmente aferrado à lei, concedeu provimento
Direito civil. que é apenas um exemplo entre mil mas à acção e condenou o camponês no pagamento da
tem a particularidade de me haver impressivamente quantia reclamada. A pretensão do autor foi «declarada
revelado a especificidade da combinaçào juridica dos fundamentalmente conforme ao Direito». O parágrafo
preceitos legais já na n1inha juventude, pois casual- do qual aquele Tribunal imediatamente lançou mão foi
mente tive de me ocupar do caso durante os meus o§ 816 do Código Civil. Diz ele: Se alguém sem titulo
le1npos <le Referendar (juiz tirocinante). legitimo (no nosso caso. o camponês) dispõe (no nosso
O caso, que subiu até ao Tribunal do Reich e foi caso. a disposição traduziu-se na venda do cavalo por
um entre muitos semelhantes, pode ser lido nas Deci- 6000 Marcos) de um objecto (o cavalo) e esta dis-
sões do Reichgericht em matêria Cível, vol. l06. pp. 44 posição ê eficaz em relaçào à pessoa legltimarnente titu-
e ss. Apôs o termo da primeira Grande Guerra. quando lada (o Fisco do Reich), será obrigado a restituir a esta
as tropas se achavam em retirada. frequentemente o que obteve (os 6000 Marcos) através da referida dis-
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posição. Todavia, até um leigo reconhece imediatamen- Todavia, como é que este acto de disposição foi
te que este preceito, tomado de per si, não fornece ainda· <\eficaz em relação ao detentor do título legitimo». pois
uma premissa maior adequada. Com efeito. precisamos tal é outro dos pressupostos do § 816? Assim como o
Jogo de preceitos jurídicos que nos pennitam determinar forrageiro não pudera transmitir a propriedade ao cam-
em que medida o camponês não era detentor de um ponês, tão-pouco este poderia transmiti-la ao terceiro
título legítimo e o Fisco do Reich (sei. a Fazenda comprador. O camponês não poderia ter mais poder de
Pública) o era. Pois então o camponês, através da disposição sobre o cavalo do que o que antes possuia o
aquisição do cavalo, não se tornou proprietário e, nessa forrageiro. O certo, porém, é que o terceiro adquirente
medida, detentor de um titulo legitimo, deJX)is de ter julgou que adquiria o cavalo, não de um simples titular
sido o Fisco, anteriormente, o detentor desse titulo? O do poder de disposição. mas do proprietário. Pois que
facto ê que o camponês não se tornou proprietârio e, ele considerava o camponês proprietário do cavalo. Ora
portanto, continuou a ser uma pessoa não-titulada, e a boa-fé referida à propriedade é - diferentemente da
isto porque o forrageiro, do qual ele havia adquirido o boa-fé referida ao poder de disposição - protegida
cavalo, não era proprietário do animal nem possuía ( § 932 do Código Civil). Aqui intervém, porém, dois
qualquer poder de disposição sobre ele e, por isso, de preceitos excepcionais. Um deles é o § 935 do Código
acordo com as disposições relativas à aquisição da Civil, que exclui a aquisição da propriedade com base
propriedade ( § § 292 e ss. do Código Civil), não podia na boa-fé quando se trate de coisas «extraviadas».
transmitir esta ao camponês. A boa-fé do cainponês, Todavia, em relação ao Reich o cavalo somente ficou
que ilgira na convicção de que o forrageiro tinha o extraviado no momento em que o forrageiro, enquanto
poder de dispor do cavalo, de nada lhe podia valer. O simples ~<possuidor em nome alheio» (§ 855 do Código
camponês. portanto, continuou a ser, como até ali, uma Civil), o entregou ao camponês. Em segundo lugar,
·pessoa sem titulo legitimo no sentido do § 8 I 6 do intervém ainda um decreto especial de 23-5-1919 que
Código Civil. É isso o que resulta dos preceitos sobre a exclui a boa-fé na aquisição de bens pertencentes ao
transferênci.a da propriedade que, sob este aspecto, exêrcito da mào de pessoas sem título legítimo. Mas -
esclarecem e completam o §816. Que o cavalo é um temos de perguntar de novo - como é que a trans-
<<objecto)) no sentido desta disposição, isso resulta do missão feita pelo camponés ao terceiro adquirente
§ 90 do mesmo Código: pois o cavalo é em sentido constitui uma disposição eficaz em relação ao Fisco do
jurídico uma coisa e uma coisa é um «objectoi1 corpó- Reich, que era o legitimo propriettirio da coisa? Neste
reo. Sobre este objecto havia o camponês praticado um ponto ao Tribunal do Reich ocorreu uma ideia que só
acto de «disposição:-}. segundo os termos usados pelo um jurista inventivo conseguiria descobrir. Foi buscar à
Código Civil. acto de disposição esse que consistiu na Parte Geral do Código Civil o § t85, que diz: «Um
alienação do cavalo a um terceiro. acto de disposição (sei. a alienação do cavalo ao

,I
' •.

122 123

terceiro ·adquirente). que urna pessoa scrn titulo lcg1ti1no premissa menor e, através ~ela. a CQnclusã9. Não
(o nosso ca1nponês) praticou sobre u1na coisa (o cava- pudemos- ·aqui· âií"alisar e pôr a descoberto como se
lo). ( .... )torna-se eficaz .:;e o detentor desse titulo (o estrutura rigorosamente. denrro da premissa maior, esta
Fisco do Rcich) o continna». Ora a confinnaçào ao «conexão intrinseca»: pois que são 1ntiltiplas as rela-
acto de disposição do ca1nponês foi dada pelo FiSco do ções ou conexões materiais que fundamentam aquela
Rcich ao propor contra o dito camponês Ufna acção conexão. Ora se trata de que um parágrafo explicita
pelo preço obtido co1n a venda do cavalo: «Ao preten- outro. ora de que por qualquer forma o complementa.
der, através da acção. o preço da venda. ele confirma o ora de que lhe abre excepções. Sào as conexões mate-
acto de disposiçàon. Desta forma, e só agora, se riais (sachliche) que, sobre a base do princípio da
encontra1n preenchidos todos os requisitos do § 816: «unidade da ordem jurídica», apontam para aquela
urna pessoa sen1 titulo (o carnponês)_praticou sobre uma reunião de pensamentos jurídicos dispersos e prefigu-
coisa u1n acto de disposiçào que e eficaz em relação ao ram a articulação destes no mosaico da competente
detentor do titulo. 1nais rigorosamente: que se tornou premissa maior. Aqui. porém. toma início o trabalho
eficaz <(retroactivamcntc)> (cfr. ~ 184 do Côdlgo Civil). inteiramente concreto do jurista. do qual já nos não
atraves da acção peio preço da venda e da confirmação podemos ocupar.
nela iinphcita. Conjuntamente com a integração do sentido do
Não cura1nos agora de saber se esta forma de dis- S816. a partir doutras disposições do Código Civil,
correr. que um jurista achará digna de nota, encontrará processou-se~ como vimos, urna interpretação daque~
tambén1 nurn leigo plena compreensào. Nào curamos Je· preceito. Com efeito, nós interpret_ámos os diferentes
1nes1no de saber se ela é inteiramente forçosa. O que requisitos do ~816 (pessoa sem titulo legítimo, etc.}
agora nos interessa é apenas mostrar como o jurista recorrendo aqueles outros preceitos que pudessem de-
retine os parágrafos dispersos pelo Código ( § ~ 816, sempenhar uma função interpretativa. Entretanto. a
929 e ss., 932. 935, 855, 185, etc.) num todo unitário inte11Jretaçào de um preceito através de outros preceitos
co1n sentido e, desta forma. prepara a «premissa maior.» da lei não é ainda toda a tarefa interpretativa com que o
de que necessita no caso concreto. Se a esta premissa jurista se defronta. Podemos antes dizer que fo1nos
1naior se pode dar ou nào uma formulação linguística conduzidos ao problema geral da interpretaçào quase
satisfatória. isso é coisa secundária. Talvez que ela se sem darmos por isso. Para este problema nos voltamos
apresente co1no uma tessitura de pensamentos que só agora, cientes de que nos é licito considerá-lo como o
possa receber expressáo linguistica adequada numa problema central da metodologia jurídica. Ao tratá-lo.
serie de proposições. Essencial é e será que, no sentido vamos como que ser reconduzidos do domínio do
lógico. ª. cone~ào intrínseca dos pensamentos jU"riOíé:.os «extensÍ\'O» para O do «intensivo», isto ê_. da «Sub-
forme aquela premissa maior com a qu.31 se conibifi~3.m a sunção globab> para a «subsunção particular».
1
124 125

1) Para tanto, pensemos de novo, por breves mo- ciais com vista a impedir a entrada a pessoas
mentos, no exemplo do capítulo anterior. Um automó- não autorizadas. furta de dentro dum espaço
vel de passageiros é um «espaço fechadon no sentido do fechado.
§ 243, n. 0 2, do Código Penal? Dissemos então que a
subsunção como tal se processa pela equiparação do
caso a decidir hic et nunc .àqueles casos que sem dúvida Ili - Se alguém furta algo de dentro dum espaço
são abrangidos pela lei, mas acrescentámos que a nova fechado que se destina ao ingresso de pessoas
questão de saber quais são estes casos e sob que pontos e ... , deve ser punido por furto qualificado com
de vista e aspectos o novo caso lhes há-dé ser equipa- prisão maior até dez anos.
rável seria decidida através da interpretação da dis-
posiçào legal em causa (do § 243, n.o 2, portanto). Ora IV - Se alguém furta de dentro dum automôvel de
diz-se às vezes que, através desta interpretação, a passageiros, furta de dentro dum espaço que se
premissa maior directamente colhida da lei com as suas destina ao ingresso de pessoas e ...
conotações abstracta_s é (<aproximada» do caso concreto
a decidir. Isto é na verdade correcto, mas não passa
duma imagem. Se queremos emprestar a esta imagem V - Se alguém furta algo de dentro dum automóvel
~ma expressão Jõgícã-IT:iáls--e~ãcla te-mÕs-de~di_~~r qu·c-, de passageiros, deve ser punido por furto qua-
através da interpretação, são intercaladas entr~ ~- pre.::- lificado com prisão maior atê dez anos.
missa maior juridica direclamente retirada da lei e a
decisão do-- caso, não simplesmente um~- p;emi-~sa VI -A furtou de dentro de um automóvel de pas-
menor, mas várias. as quais facilitam a_ sub5_11QÇào. A sageiros.
sequência conclusiva, globalmente considerada. ~pre-
sentar-se-á da Seguinte fonna: - -
VII -,4 deve ser punido com prisão maior até dez
1 - Se alguém (por meio de arrombamento) furta anos.
algo de dentro dum espaço fechado, deve ser
punido por furto qualificado com prisão maior Nesta cadeia conclusiva as premissas II e IV
até dez anos. traduzem duas proposições mais especificas que servem
para «aproximar» do caso concreto a decidir (furto de
li - Se alguem de dentro dum espaço que se destina dentro de um automóvel de passageiros) a premissa
ao ingresso de pessoas e que. pelo menos em maior geral I. que resulta directamente da lei. II e IV
parte. se encontra cercado de dispositivos artifi- são aqui. vistas sob o aspecto lógico, premissas meno-
R
126 127
1

e
res. 111 V novas premissas maiores mais especificas. «documento», relevante para efeitos da hipótese jurídi-
E~ V alcançamos nós uma premissa maior tão especial 1
co-penal da falsificação de documentos ( ~ 267 do
que a subsunção propriamente dita pode fazer-se em VI Código Penal). Um dos nossos principais Comentários
sem dificuldade. Para tanto é já necess<irio recorrer a ao Código Penal diz: i<Üocumento no sentido do
uma «prolepse>>, quer dizer, â «substituição do portador Direito penal material é toda a declaração firmemente
abstracto do predicado (alguém) por um sujeito determi- ligada a uma coisa corpórea, compreensível por toda a
nado (A)». Vê-se que a <dnterpretação» se situa nas gente ou pelo menos pelos int~ressados, que se destina e
premissas menores especiais II e JV. Podemos tirar isso é apropriada para. no tráfico jurídico. provar um facto
a claro fazendo à premissa maior geral esta pergunta: quC lhe é extrinseco, e que ao mesmo tempo designa ou
que si'gnifica aqui <1espaço fechado>>'? A esta pergunta permite conhecer o seu autoP) (definição do conceito de
dá logo a premissa menor lJ uma resposta, a qual se documento). Mais adiante diz-se então: i<Ajurisprudên-
apresenta como uma típica interpretação que a trans- cia classifica entre os documentos os chamados escritos
formação linguística realizada no interesse da cadeia probatórios» (indicação de um grupo de casos com vista
conclusiva nos não poderâ ocultar. O sentido desta a determinar o alcance do conceito: todavia, acrescenta-
premissa menor intérpretativa é este: espaço fechado é -se a seguir uma definição particular para o conceito de
aquele que se destina an ingresso de pessoas. etc. A escrito probatório). Posto isto, indicam-se alguns casos
sotoposição dos automóveis de passageiros a este particulares pertinentes ao grupo dos sinais ou marcas
conceito, feita pela premissa menor IV. continua então probatórias: ((Corno sinais probatórios e documentos
a interpretação. consideram-se, por exemplo, o número de matricula de
També_m RQ~mos exprjmir da seguinte for~-ª-- o um carro, o número do motor assim como a placa com
que sfi~fri~a-logicamentc ~ i~lerJ)fêt~§ãOPãr~~s dedu- a indicação do tipo do carro. a marca da rolha -numa
ções juííctlCas: ·a t3refa da inierp~etaçào e fornece~-ª-º_ garrafa de vinho ( ... ),a assinatura do artista num qua-
j~rista o conti?zido e o alcance--(e.~f"énsãÕ) doScó~ilos dro» (ver SCHÔNKE-SCHRÔDER, Komm. z. StGB,
juridicos. A iiidicaçào do i:onteúdÜ ~e-feifa--jX)f"'íneio lO." ed., III ao § 267).
dUma definiçào. ou seja. pela indlc'ãÇao diiS.OOnotaçõ_CS. li) Mas pode dizer-se com uma certa razào___-9,U{'. ~
conceituais (espaço fechad_o ·-e-un; ·espãÇOqü~TA tudo isto apenas nos 1nostra o resuliado-finãf-e.-e-;; c.erl-3
iÍldicação ·do aiCânce (e~te~;áõ )éfi;hàpera-·ãprese·iitã~ medida, o lado exterior da interPrct'~Ç~q. 'Nã~--~m a
ção d_e grupos de casos ir.dividuafs-q~.e ~são ..éie S~~Of~fi-. interpretação de penetrar mais fundo, não tem ela que
nar, quer dizer, subsumir. ao conceito juridico. Uma apreender o sentido dos preceitos jurídicos, não há--de
S-iinples vista de olhos lançada ao -êOméntã:fiôteita~ ela tornar-se uma co1npreensào'~ Não é verdade que
Uma lei nos pode iníormar sobíe eSie ponfü:-COITIO só através da interpretação como compreensão e posto
exemp1o tomemos de novo O - conCcito jurídico de a claro e apreendido o conteúdo material intrínseco das
128 129 1

regras jurídicas'? Somente o jurista que s_e_ es_fua;a_por pre1ação, àa apreensão do sen!ido e do comp_r_e_g_tlder D
atingir o verdadeiíó-sentido-e· a correcta co'!!preensào }Urtdtcos.- prirtreiramente através-·dU1n flóVo exe'!!Elp J
doS pféCêitó-s-júíTdíCOS ioína plaUs1vel ~ -ª~IJDação de tjue me parece eicelerüemente aprOPiiado pa-ra~eS.te f~rn
qu-e ã- cíeãda-jiírldica-e--u~á:· d3~_:_i~nc~s__~9~-~it_o. particular, ou seja, o exemplo da receptaçãÜ. O texto de e
Püis que~·-segUndo as concep~õ~s mod~mas • .o ~entido -e cuja iriterpretaçàó se tfata é o ~ 25·9- dÜ 'Código Penai. ;
a·--cómpreenS'ão são o criterio decisivo de tais ciências. do qual, porém. só nos interessam ·algumas palavras.
Óra COmo se passam as coisas quanto _à apreénSã-o do O § 259 diz: ~<Aquele que, con1 mira num proveito
sentido e ao compreender na ciéncia juridica '! pessoal, esconda, compre. ton1e de penhor ou por
- - Queref- esclarecer filosoficamente -a(iü~ e assim de qualquer outra forma chrune a seu poder coisas que
passagem o conceito de «sentido» é querer o impossí- sabe ou. dadas as circunstâncias, deve presumir. t~rem
vel. Ele conta-se entre os conceitos mais problem<i.ticos. sido obtidas por meio duma acÇào punível. .. será punido
Uma análise aparecida há alguns anos sobre o «Sentido com prisão como receptador». Desta disposição
da Existêncian distingue logo de começo dezasseis ocupar-nos-emos especialmente com as palavras: HObti-
significados do vocábulo «sentido». O conceito filosó- das por meio duma acção punivel». A sua interpretação
fico geral de «comp.reendér» é igualmente composto de apresenta dificuldades específicas. Se começarmos com
muitos estratos e tem múltiplas faces. Por outro lado, o lado prático da disposição, ou seja, com o conteúdo e
aquilo que usualmente nos e oferecido nos tratados o alcance do conceito de «obtenção por meio duma
como ((hermenêutica jurídica>> e muito dogm:itico e acção punível», levanta-se antes de tudo a questão de
muito seco. Por isso. e1n vez de começarmos con1 saber se esta obtenção deve ter sido conseguida ((direc-
considerações abstrac[as. preferimos mostrar, a traves. tamente» por meio duma acção punivel. ou se basta
dum exemplo concreto. os esforços do jurista em tomo uma obtenção indirecta ou mediata. Referida especial-
do sentido e da compreensão dos preceitos legais. e mente ao alcance da norma, a questão ê a de saber se
avançar a partir dai para o dominio de problemas da não só as coisas furtadas ou de qualquer forma crimi-
hennenêutica. , nosamente adquiridas, mas também aquelas coisas que
Daremos o texto da lei como seguramente estabe- com estas foram adquiridas e por elas trocadas se
lecido. Não nos ocuparemos. portanto. dos problemas consideram «obtidas através duma acção punivel».
rclalivos a critica de texros. pois estes probJemas -não Vejamos um exemplo: Certamente que é receptador
têm propriamente Uffia'IiãtITTeza Jógico~JITT"fdica. E. dado aquele que recebe dum ladrão de jóias uma parte das
o processo moderno de publicar ãS. le-íS eiTICOíeêtãnea-;--
jóias furtadas como oferta. Mas será também recepta-
ofic-iais. também só muito ~xcepciori:ilfrleillê'SUrgifIO dor aquele que recebe como oferta jóias que - confor-
dificuldades na determinação do_ texto-;··-·---- -- - me sabe - foram compradas com dinheiro furtado ou
V~mos demonstrar agora a--,~~tÕdô!ogi'!:__dl!. !!uer- com o produto de coisas furtadas'? Neste último caso
131
130

fala-se de ((receptação de sub-rogado». pois que a não conduz, no nosso exemplo - como de resto
receptação não se refere à própria coisa furtada (o também em muitos outros casos - a um resultado
dinheiro. etc.). mas a uma coisa que veio ocupar o seu absolutamente unívoco. A palavrinha «meio» na ex-
lugar (as jóias compradas com o dinheiro furtado). Esta pressão «por meio de» (mittels} é ambígua: tanto se
receptaçào de sub-rogado é receptaçào punível nos conforma com «letra da lei» a opinião de BELING
termos do § 259? Tal a questão. A resposta afinnativa como a do Tribunal do Reich. E isto é essencial, pois
ou negativa depende da interpretação das palavras: que, segundo a doutrina dominante, não pode ir-se além
(<obtida por meio dum acto punivel» - como então se do <<teor literal» quando se trata de punição: Nullum
dizia. O Tribunal do Reich disse numa decisão bastante crimen sine lege (cfr. supra, pp. 64 e ss.). Mas por aqui
antiga (Vol. 2, pp. 443-44) que, «segundo o claro Se não fica ainda o jurista com o seu latim. Antes, ele
teor verbal do § 259, por ·coisas obtidas por meio vai continuar a interpretação - dentro dos limites da
{como então se dizia1 ~ 1 ) dum acto punive\' só podem ambiguidade do teor literal - através doutros meios.
entender-se aquelas coisas individualmente determina- Oferece-se-nos aqui â nossa consideração, por exemplo,
das que foram directamente obtidas através dum acto a colocação sistemática da receptação. Pelo que a esta
punível, mas de forma nenhuma aquelas às quais não respeita, duas possibilidades imediatamente se nos
inere uma tal mácula, mas. antes, vieram ocupar o lugar deparam. Podemos colocar a receptação ao lado da co-
das primeiras ... ». A esta concepção estreita se opuse- -autoria, da instigação e da cumplicidade, entre as dis-
ram muitos autores. entre os quais um dos mais posições relativas à comparticipação (criminosa) como
eminentes criminalistas do nosso século. ERNST BE- uma espécie de «auxilium post delictum)) e, JX)rtanto,
LING, o qual foi de opinião de que também «o produco como uma promoção ex posr do acto criminoSo. Mas
(da venda) duma coisa furtada, aquilo que foi comprado também a podemos considerar como uma espécie
com o dinheiro furtado, o dinheiro trocado pelo dinheiro criminosa autónoma, tal como o furto, o roubo, a
furtado, (são) obtidos através do furtoH. ~<Pois uma extorsão e a burla. O nosso Código Penal decidiu-se
coisa é adquirida pelo autor de certo acto ·por meio do neste Ultimo sentido: ele inseriu a receptação, junta-
mesmo acto' quando este: como acto prévio. foi causal mente com o encobrimento (pessoal). na parte especial,
relativamente à obtenção da coisa}). O valor obtido com entre os tipos de crime acabados de referir.· Resulta dai
a coisa furtada como que adere ainda, ele prôprio. ao algo para a compreensão do sentido do § 259? De fac-
acto que o condicionou, ao «acto punível». Está bem de to, MAURACH, por exemplo, na sua exposição da
ver que BELING. tal como o Tribunal do Reích. nada parte especial do Código Penal, parece ter querido
mais quer do que apreender o ((sentido literal» do ~ 259 concluir do ~<desenvolvimento sistemático que parte da
do Código Penal. Também cura apenas daquilo a que comparticipação e segue até ao delito autónomo» pela
chamamos uma interpretação gramatical. Esta, porem. necessidade de referir o acto criminoso da receptação
132 133

-:íexactamente à coisa concreta que o primeiro agente duma maneira mais abstracta o preceito relativo à
obteve através do seu acton. Outros. pelo contrário, são receptação, criou a possibilidade duma interpretação
da opinião de que, da colocação sistemática no Código, extensiva que inclua a receptaçâo de sub-rogado no
nada resulta relativamente à nossa questão, ou então âmbito da punibilidade. Esta interpretação é ainda
resulta precisamente o col'ltrário, isto é. a punibilidade apoiada pelo facto de o Código Penal do Reich de 1870
da receptação de sub-rogado. Em face desta nova expressamente exigir que o receptador tenha agido «em
ambiguidade temos que recorrer a um outro processo seu proveito», ao passo que o Código Penal prussiano
interpretativo, o qual de resto já _transparece em MAU- não i-eferia este requisito. Desta sorte, também a
RACH: a evolução histórica do crime da receptação e história do aparecimento do § 259 permite operar em
a «história de como surgiu» o § 259. Decerto que nos dois sentidos. Portanto, não só o «teor verbal)) e a
conduziria demasiado longe relatá-las aqui em porme- «colocação sistemática)>, como ainda as «fontes histô-
nor. Isso fê-lo MEZG ER no seu estudo há pouco cita- ricas», nos não conduzem a um resultado líquido. Nem
do, no «Zeitchrift für die gesamte Strafrechtswissens- a interpretação gramatical. nem a sistemâtica. nem a
chaft)). vol. 59. N_ós apenas destacaremos que os histôrica alcançam o seu objectivo. Poderemos nós
Ultimos passos que, na histôria do § 259, conduziram à porventura conseguir um resultado positivo por uma
sua elaboração consistiram numa receptaçâo dos pará- outra via? Efectivamente o jurista moderno, a todos os

ir: grafos do Côdigo Penal prussiano sobre a receptação


u1n tanto modificados. O pa_rágrafo do Código Penal da
métodos de interpretação até agora mencionados. prefe-
re em certa medida o chamado método <'teleológico» de

~-
Prússia (§237) ao qual corresponde o nosso §259, interpretação, o qual procura o fim, a «ratio)), o

i,
diz: «Quem esconde, compra ... ou de qualquer outra «pensamento funda1nental)) do preceito legaL e a partir
forma chama a si coisas que sabe terem sido furtadas, dele detern1ina o seu «sentido)>_ Aqui, portanto. o
fraudulentamente subtraídas ou obtidas por meio de (;sentido» é o fim visado pela lei. Com referência ao
outro crime ou delito ... >>_ Esta formulação vai muito nosso exemplo da receptação, trata-se. pois. de pór a
mais claramente no sentido da concepção do Tribunal claro com que finalidade e por que motivo é punida a

• do Reich e, portanto, contra a admissão da punibilidade


da receptaçào de sub-rogado. Com efeito, a prévia
indicação dos concretos grupos de casos (furtadas,
fraudulentamente subtraídas) lança também luz sobre
a subsequente fórmula geral: «obtidas por meio de outro
receptação em gerai. Pode duma maneira geral dizer-se
que as normas penais se propõem como fim a defesa
contra as acruações nocivas para a comunidade. Mas,
em que medida é a receptaçào prejudicial à comunida-
de. o que é que nela e tido como merecedor de repúdio.
crime ou delito))_ Parece claro que apenas se pensou .no por que razão deve ela ser punida? Infelizmente tam-
facto de a coisa ter sido directamente obtida por aquele bém para esta pergunta não existe u1na resposta abso-
meio. O Código Penal de l 870, porém, ao formular lutamente univoca. Antes. de novo se aprcsenta1n duas

E
134 135

soluções possiveis do problema, soluções essas em intuito lucrativo, de actos puniveis que outros comete~
tempos recentes transformadas em «teorias)} que se ram, é, numa palavra, o pescar em águas turvas. O
apresentam como construções em certa medida acaba-- receptador é o parasita do crime, o «alcoviteiro dos
das, e que já na história do conceito da receptação nós ladrões». Como cal merece ser punido. Este ponto de
vemos entrarem em conflito mais ou menos aberto uma vista avulta claramente, por exemplo, na Compilação
com a outra. Primeiramente, pode dizer-se, com efeito, Geral do Direito Prussiano de 1794 II, titulo XX,
que o receptador merece ser· punido porque continua e § 83, segundo o qual receptador é aquele que «cons-
mantém (diz-se também: «perpetua») o prejuízo ou ciente e livremente participa nos proveitos de um crime
dano que o principal agente, o ladrão, e. g., provOcou: após a realização deste». Mas encontra também apoio
se o receptador chama a si a coisa que aquele furtou, no teor verbal do nosso § 259, na medida em que o
dificulta a restituição desta ao proprietário. Expressa receptador há-de ter agido «em seu proveito» (por
em termos juridicos rigorosos, a essência da receptação motivo de proveito pessoal}. Em tempos recentes foi
consiste na «manutenção duma situação patrimonial esta concepção defendida por GALLAS, entre outros: a
ilícita estabelecida por uma conduta anterior de outrem essência da receptação de coisas seria «de detenninar
contra a qual é cominada uma pena». Apoiando-se como uma participação, em proveito pessoal, no pro-
nesta concepção, o Tribunal do Reich, com a adesão de duto de um acto sujeito a pena por motivo de defesa de
vários autores, conclui pela rejeição da receptação de interesses patrimoniais)}. MEZGER reconhece a esta
sub-rogado. Com efeito, nesta, o aparente «receptadon>, teoria uma certa razão de ser, pelo menos em combi-
que na verdade o nào é, não chama a si aquelas coisas nação com a citada teoria da manutenção. Do ponto de,
que o principal agente adquiriu através duma conduta vista desta teoria do proveito. a questão decisiva não
punível. mas outras coisas com que de certo modo nada está en1 saber se o receptador chama a si precisamente
tem a ver o prejudicado por aquela conduta. «Se. a aqueles objectos que o primeiro agente adquiriu directa-
essência da receptação consiste na manutenção da mente por um meio punível. Deve bastar que ele chame
situação criada pela conduta punível do principal agen- a si aqueles objectos que o dito agente adquiriu em
te, então o receptador apenas se pode apossar indevi- estreita ligação com o acto punível. e aos quais adere
damente do objecto corpóreó que foi ele mesmo ·obtido' ainda a 1<m:icula da aquisição criminosa>>. Pelo menos
através da acção do primeiro agente» (exigência da dentro de certos limites, a receptação de sub-rogado
«identidade da coisa))). Mas pode ainda aceitar-se urna deve ser punida. As coisas que são compradas com
outra concepção da essência da receptação, a qual, sob dinheiro furtado e, inversamente, o dinheiro obtido-com
o nome de «teoria do proveito», é contraposta àquela objectos furtados, bem como as coisas compradas com
teoria da manutenção ou teoria da perpetuação: o que este dinheiro e, finalmente, o dinheiro pelo qual foi
merece punição na receptação é a exploração, com trocado o dinheiro furtado, tudo isto deve constituir
136 137

objecto Possível duma receptação. Deverá na verdade (~anexidade) lógica (a interpretação ~dógica)) ou «sis-
fazer qualquer diferença se, por exemplo, o principal leiTiáfiC3>),que se apoia na·iocaliZaçãOOeum preceito
agente oferece uma das cinco notas de vinte marcos no-teXtO da lei e íla sua conexão com oUtros preceitÓs),
furtadas ou se ele troca no banco uma nota furtada de a··m1erpretãÇão -a partir da coneXida-de histonca,-parti-
cem marcos por cinco de vinte e depois oferece uma C~_larrnente ·a baseada na- (<históría da généSe-do ~pteêei-_
destas'? O receptador não é tão merecedor de punição to>?, e finalmente a interpretação baseada na raiis)..JJO
neste último caso como no primeiro? Ê verdade que se trffi, no -<~fUildameni~» do--prêceilO- (a· ini-~~pret~ç_ão
pode lançar sobre a teoria do proveito a suspeição de «teleológica))). Sob esta for.na ou semelh.ante ~-as quatro
ser uma teoria moralizante, uma teoria juridicamente espécies dê interpretação pertencem em certa medida.
menos rigorosa. Mas então surgirá de novo um proble- desde SAVIGNY, ao património adquirido da her-
ma de interpretação, qual o de saber se não estará na menéutica jurídica. O tratado de Direito Civil de
base da punição da receptação uma ideia moral. Logo, ENNECCERUS, que continua a ser um texto modelar.
na interpretação do- ~259, defrontam-se uma concepção declara que a interpretação tem de partir do teor verbal
moral e uma concepção estritamente jurídica do Direito da lei, o qual hâ--de ser posto a claro «tendo em conta
penal. as regras da gramática e designadamente o uso (corren-
Não ê aqui o lugar prôprio para decidir o conflito te) da linguagem». tomando, porém, em particular con-
de opiniões sobre a natureza da receptação e a punibi- sideração também os {<modos de expressão técnico-ju-
lidade da receplação de sub-rogado( 5 J, nem para deter- rídicosH. Acrescenta, todavia, que além do teor verbal
minar com rigor os limites que têm de ser postos a uma hão-de ser considerados; «a coerência interna do precei-
punição demasiado extensiva da receptação de sub- to, o lugar em que se encontra e as suas relações com
-rogado do ponto de vista da teoria do proveito ..A..gora outros preceitos» (ou seja, a interpretação lógico-siste-
apenas tratamos, exclusivamente, da natureza e da mãtica), assim como «a situação que se verificav.a ante-
metodologia da interpretação e da compreensão. Por riormente à lei e toda a evolução histórica», bem assim
isso, fazemos aqui uma pausa para nos perguntarmos o Ha história da génese do preceiton, que resulta parti-
que é que pudemos até aqui colher do nosso exemplo cularmente dos trabalhos preparatórios, e finalmente o
pelo que respeita à interpretação e à compreensão, e «fim particular da lei ou do preceito em singular» (ou
que problemas se encontram porventura ainda em seja, a interpretação teleológica). ,:\Jerminar acentua-se
aberto. _ainda, porém. que _taCDbém releva ou ten1 importância o
Em primeiro lugar, vimos em acção diferentes valor do resultado, q~e o direito apenas é uma P..afie..da
rn~tüdos" C_gqn_t9~ · g_~ ~Vista iriterpretaÜvo·s; a s-ãber:. a cultura global e, por conseguinte, o preceito da l_ei de1.o·e,
'interpretação segundo -o téor verbal Tà-·inr:erpreta·çao ~a dúvida, ser interpretado de modo a «ajustar:-$e o
«gramatical>)). a inlefPre-tação corn--b~se ~a --~Õeféncia rnaiS possivel às ·exigências da nossa vldci em soc-iedade
138 139

e ao desenvolvimento de toda a nossa cultu_i:a>~ fç_ que. legislativa). Disse HEGEL que tomar o Direito, por
~todãvia. em minha opinião, pode--ser iilcfuído n~_cqn­ causa da sua formulação, apenas acessível àqueles que
ceito da interpretação te-leológica). A eSt:is rePr~S~111e.:_ sobre ele eruditamente se debrucem. constitui injustiça
. tivas fo~ulaçõeS muitaS outras semelhantes ~ __QQ_de- igual àquela que o tirano Dionisio cometeu quando
riam acrescentar. Como é natural, hâ mu.itãs divergên- mandou postar as tábuas da lei tão alto que nenhum
cias na teirninologia e também na substância. O essen- cidadão as pudesse ler. BINDING, porém, escreve:
cial é que também a prática jurisprudenciaJ. nas suas «Nada hã de mais falso do que a afirmação tantas vezes
grandes linhas, opera com os mesmos pontos de vista. repetida: quando o significado de urna expressão da lei
Só muito sucintamente nos podemos referir às for obscuro, deve ligar-se-lhe o sentido que ela tem na
particularidades da hermenêutica jurídica, a qual entre- linguagem corrente ... O ~9D_ceito_jQrj_cJ_iç9 _J:!~Ce_s~ita_~
tanto se transfonnou numa dogmática interpretativa segurança no s~u çonteúdo_ ~ exac;ti~Jio nos -~-e.us !imi:::
canonificada. Com referência â chamada interpretaçiío t'ês». O Direito ((fala a sua própria lingtia». Por isso_, o
gramatical, deve começar-se por observar que é fre- ciue importa sempre. é o <~sel).tidQ- t~_cPico-~jufídi~Ô;;, o
quente o mal-entendido que consiste em se supor que qual possui contorn9_s mais rigorosos que o conceitoJ!a
existe uma pura interpretação verbal ou terminolôgica linguag~m corrente. ç,ã"trétailtO~--pÕrém, n0Sj3 tivemos
distinta de ·uma interpretação do sentido. Assim, por OCasã°ão de verific-ª_r que tâffibeni a-tiTigºagem.:tecnt~o­
exemplo, escreve ZWEIGERT: «A-interpretação "."~r­ -J~rídica da lei de modo algum é tão rigorosa como
bal da norma duvidosa, que em geral é ~pontada· como pe_nsa BlNDING. tvtuitas vezes o legislador liga-á uma
a primeira fase da interpretação, não conduz em regra a e mesma palavra, na mesma lei e em leis diversas, um
qualquer resultado ... Antes, a dúvida só poderá ser sentido diferente. Tal é o caso. por exemplo, com as
resolvida - nisto todos estão de acordQ"--'--investigando- palavras «funcionário», «posse». «propriedade}>, «puni-
o sentido da norma ... )). Mas a verdade é que contrapo- bilidade», «negligencia», etc. Fala-se também, nestes
sição apenas existe entre a interpretação segundo o casos, de uma «re!atividade dos conceitos jurídicos»
sentido verbal e a interpretação segundo um sentido a (MÜLLER-ERZBACH). Ela_ resulta inevitável, dada a
determinar por qualquer outro modol 6 t. Pelo que respei- inserção dos conceitos em contextos ·-s"i"stémciticos e
ta ao sentido verbal, do qual se trata ~a·-in_t_crpretaçaõ teleológ_icoS dife_rentes. A Plira <<lriterpretaçã~-;~rbal» é
gramaticalº), compreende-se· que se _v~rifiqg_~~nia ·ti!1- ·afastada· Pclá inteqif51ªç;10_sisteffiai!Ci _e teleoió.giCa.
são entre duas tendências: por um lado, a de fazer · Pelo q~e re~peita agora a estes dois Ultimos métO-
prevalecer o sentido natural ·e corre·nte da línguagê·m· e. dos da interpretação, pode ainda dizer-se deles o
pelo outro, a de privilegiar o serÍtÍdÜ técnico-júíídl_éo da~ seguinte: devemos considerar ambos os métodos corno
inesma linguagem. A metodologia da interpretação muito mais complexos do que à primeira vista parecem.
depende aqui da metodologia da legislação (actividade A conexidade (coerência) lógico-sistemática não se
140 141

refere sô ao significado dos conceitos jurídicos em cada normas -, a custo se consegue separar a interpretação
concreto contexto de ideias (como, v. gr., o significado síStfriiática da teleológica. -Enquanto inteÍpretação siS~
do conceito de posse no quadro dos parágrafos relativos telnãtica ela é já, em larga medida e simultaneamente,
ao abuso de confiança). e também se não reporta interpretação teleológica. Mas não exclusivamente.
apenas a colocação ou siluação meramente extrínseca Assim, por exemplo, poderemos considerar uma inter-
de uma regra juridica no texto da lei. situação essa que. pretação sistemática, mas não teleológica, a explicita-
sem dtivida, bastante frequentemente fornece pontos ·cte ção do sentido duma corninação penal no sistema das
apoio para a interpretação (assim, v. gr., a colocação no penas sob o ângulo da Justiça retributiva. Inversamen-
nosso Código Penal do preceito visando a denúncia te, temos uma interpretação teleológica, mas não sis-
falsa a seguir aos preceitos relativos ao perjúrio permite temática, quando os fins prosseguidos pela norma se
concluir -que, tal como este delito. também aquele é situam fora do próprio ordenamento jurídico (como, por
primacialmente um delito contra a actividade judicial e exemplo, a educação visando a formação de um homem
não um delito contra a honra das pessoas). ,g1a (aque_!a
conexidade) refere-se antes, em últi~2.J.~!1!!9-!!J~ffnitU:­
~e --dO -Pe-risáméntõ '"Jtiddico f<ilei1tê" na _~~r_uu~Jdi~-ª
ºe _
de bons costumes}.
r_es~, tajn!Jé~__í;l __ ~T_Jterpre~a._ç~o !eleojqgicd!!_
como tal constitui um método pluridimensional. Aca-
individual, com a sua mul~~pli_cidâde d_e_~!!f~_às.­ DltnrcJs-cre-·referir" que os· firiS--PfOSSegÜidõS~I.~s normaT- -
.õUlra-s parteS- COfistffutivas do sistema jurídico global. j'tlridic-áS tanto Podem situar-se #efztfo-ÇOI.Tio /<!'ª _d~_l?-s_,
Assim. por exemplo, a receptaçàd s() j)õOeSer-<<com- No primeiro- e-aso, tiatã~se de certos problemas que sen-
preendida)) em conexão com as disposições gerais sobre do -sUSciiados por urna parte do 9r_ctfD~f[itg_JµfütiCo
a cornparticipação (§ S 47 e ss. do Código Penal}, com São resolvidos por outra p~rte fio mesmo.ord~namento.
a instigação ( § 257 do mesmo Código), com os delitos ASsim, O Direito penal aparece como instrumento e
contra o património (burla, extorsão, etc.), com o acessório do Direito civil quando sançiona o regime
regime de Direito privado relativo à válida aquisição da juridico-privado da propriedade através de preceitos
propriedade. etc. (Assim, também no nosso exemplo de penais dirigidos contra o furto, o abuso de confiança, o
pp. l l 8 e ss., o ~ 816 do Código Penal só podia ser roubo e o dano. O Direito processual é instrumental e
compreendido em conexão com o regime dos actos de acessório em relação ao Direito substantivo. No segun-
disposição de pessoas sem tí_tulo ). C_9mo esta referência do caso, trata-se de que a vida, - por si mesma, ~.:e
do sentido de cada regra juridicaao ~__i_:d~~~õto ConfõnTÍada (modelada) pelo Direito. _As~penas e as
jurídico global é em boa rn_eâiQ.ãji/_g_Õ_l_Qgiçg - --: na. ·mectidãs de segurança têm o fim de dirigir e edl!ça_r_os
medida em que as regras jurídicas tém em gÍ_a,Qd.ti~r!e.­ JfldíVíduos·:-Mas tàriib~rri~e:áa-lngeÜuidade ~quere.r...sutl=-
por função preencher certos fins e~---~m.--~~~ação co!!l. 1>9r a cada normã Jii°_rÍdiça u~ cje~er!Ilir:iad~o !!ª1.:.. Hâ_ªn§.
outras normas, completar finali~~c.filTI_~nt~ --~~tas..outrãS __ _ rr{als- pró~imos e mais remotos, menos e mais_ e_leyados.
142 143

O conceito de fim é elástico e plurissignificativo. Ele só a contragosto pensaremos e fonnularemos como fins,
estende-se. segundo o seu conteúdo, desde o efeito real podem constituir os fundamentos decisivos para a
e concreto, como, por exemplo, a criação de um contra- interpretação e compreensão das normas jurídicas.
-motivo duma conduta indesejável, até a escopos tão Estamos a pensar em princípios éticos (retribuição pela
abstractos e ideias como: a manutenção da segurança culpa). postulados da justiça e da igualdade. postulados
jurídica, a instauração da paz, a conservação da ordem politico-ideológicos (mundividenciais ), Forças irracio-
ptiblica, o bem-estar social, as «precauções com a nais con10 o poder e o ódio. Já vimos aparecer, a
existência», a humanidade, a protecção da boa-fé no propósito da punição da re_ceptação de sub-rogado, um
trâfico jurídico, a satisfação do sentimento de justiça. a pon(o de vista moralizante. De qualquer forma. o
rapidez na aplicação do Direito e outros semelhantes. É conceito de interpretação teleológica aparece como
à luz destes pontos de vista ideais que querem ser demasiado estreito. Por esse motivo tem-se exigido, em
compreendidas e apreciadas instituições como a força lugar de u1n pensamento jurídico teleológico, um pensa-
do caso julgado da decisão judicial, a autoridade da mento jurídico «causal». A «interpretação a partir do
policia, a renúncia à pena de morte, o regime do erro fundamento ou razão» sê"r.iã"tâlvez-·~maiSajüifiããã:-·
nos negócios jurídicos, o reconhecimento da aquisição Põrqae·· nrais -cOmpreeilS'iva "(de· fll_âf;-i_~(;-~i"c~nc~JJlo
de boa-fé a non domino, a amnistia de criminos'Os ê;ue a «interpretação a_partir_ Q_o.,_fi_m d~ lei>~.J
julgados e condenados. Podem além disso ser tomados POr-Í.i/tirriO. -cumpre ainda dizer algumas palavras
em consideração tanto· singulares interesses isolados de esclarecimento com respeito a interpretaçào a partir
{bens jurídicos). enquanto pontos de referência teleo- da histón"a do preceito. Também aqui nos devemos
lógicos da interpretação. como complexos conflitos de fazer cônscios da riqueza de perspec!_ivas com ·cfUe
interesses, cuja solução postula que sejam também te1nos de contar ao ren1ontarmos aos fundàmefltõ~S Ou
tomados em conta os «in(eresses opostos».~ ~l:!,ª-rl}a_da razões históricas191 . .Não p_ode tratar-se apenas de" inVes-,-
Jurisprudência dos iÍ1teresses. à qual mais tarde nos tigar o surgir de um preceito a partir dos projectos e
voltaremos a referir. pensa- - pelo menos n_a-fOoila que rriodelos contidos em outrãs leis ou no -Direito -Cõns-~;­
lhe deu PHILIPP HECK - a interpretaçào teleológica tudinário, ne~ tão-só de trazer à luZ.as caúSàS (}ÕiiiiCaS,
prinCipalrrtente como uma soluçãO m~tódic"a~i­ económicas e ideológicas das disposições legais, nem
tos de interesses através de critérios. valorações e ainda de simplesmente d_es_q1car a m3is ou inenõ~ftasu_al
opções legais. Todavia. apesar de toda a cap~id~de- de HOCcasio legis)). Trata-se antes - para usar as palavras
'expansão que comporta. a ideia da interpretação teleo- de WINDSCHEID - (\de. tendo em atenção todos os
lógica não deixa de necessitar de complementação. elementos dentro do nosso alcance, penetrar o mais
Nem sempre e em todos os casos os «fins» nos ofe- completamente passivei no espírito do legislador» e, a
recem os Ultimas princípios validos. Ideias e forças que mais disso. tomar em linha de conta ~~a situação jurídica
144
t 145

existente no momento em que a lei foi editada, situação


essa que é de presumir o legislador teve presente». A
l reside especialmente no facto de não termos ainda ao
nosso dispor uma «hierarquização segura;> dos múlti-
interpretação teleológica e a interpretação histórie3
e-ITTrél3Çaitf-Se--úfrúi · õãõlitfã,...êSpeCiâlmêiltê ·quando é-
'POSto a ãeScôlJertõ-o· fim qoeolegiSiadÜr teve em men-
li plos critérios de interpretação. Quando S&YIG~iz
q~~s elementos_ gramatical,.__f9giÇO~,tq~i.ffi...uiSt.e-
mático _nãõ-constituem «qu~~-0.,,~SP~.c.ie.s....de..interpreta­
fé. Pã.ra além díSso;·a correcta1:0rtipre-énSáo dos precií- çãO._âe-entre· as quais podemos .escolher confo-cme~ o
lóS esforça-se por descobrir os fundamentos -históri- n~_Sso gosto e _arbítrio, mas diversas actividades-que
co-culturais e o significado da tradição. Assim, por d~ in~i!_59').iun.tªm~_nteyan!_ gu5_ ~.t.P.Qfil>~r
a uma-interpretação bem logfad,!!)),_Q ,.que......ele...fa.z.,é-.
exemplo, o principio de que só há lugar à punição
quando exista um fundamento (Nu/lum crimen sine
1 passar-póf""''êiriiã do·· problema com uma formulação
h~~if_~s ternos cte cÕ.Õtar ·com ã-pÕS;Ibiüdáde- de- oS
lege, nu/la poena sine /ege), hoje expressamente formu- 1
lado no artigo l 03 d~ Constituição e jâ por nós várias ·diferentes métodos conduzirem a resultados contraditó-
vezes referido, apenas pode ser compreendido e adequa- rios, com a possibilidade de, por exemplo, o sentido
damente interpretado remontando às suas raízes histó- verbal nos encaminhar numa determinada direcção e a
ricas no século do Iluminismo. Também o Direito das coerência sistemática ou a génese histórica do preceito
obrigações do Código Civil somente pode ser compre- numa outra. Não domina bastante frequentemente o
endido e interpretado em conexão com a tradição arbítrio na escolha ou preferéncia de uma ou outra
romanistica nesta matéria. e os direitos reais do mesmo espécie de interpre(ação no caso concreto? Quando
Código somente o podem ser à luz da tradição do Sl:~_EUERLE, no seu estudo sobreHa !ll'li_<:5,!i,O dji
Direito germânico. E também certos conceitos em sin- D1re1to. diz: «A função med_iadora da inte.rpr~.tação
gular. por exemplo, o conceito de infidelidade conjugal, manifesta-se no facto de a aplicação prática. do.D.ir.eito
tém o seu conteúdo tradicional, em cuja conformidade se_ servir discricionariamente de todos os métodos que a
devem ser interpretados. Inversamente, é hoje em dia de teoria interpretatíva conhece» (p. 167), êonsíd.er3.'-ComP
reduzida importância a individualidade histórica do legitimo. um processo que bastante freque1_1t_e"ffiêflie · ~~
criador da lei. pois que este, no moderno sistema de pode notar na prática dos tribunais, a sã.ber·, ~ escolha,
legislação parlamentar. passa a segundo plano. de caso para caso, daquele método de interpret.i'Çã~ q·ue
Neste lugar. não poderíamos nem desejariamos conduza a resultados satisfatórios. Aqui teríamos de
mais que aludir aos métodos de interpretação que come- novo um argumento a favor do ponto de vista dos
çámos por desenvolver a propósito do exemplo da adeptos do Direito Livre (designadamente de ISAY),
receptaçào e que de seguida apreendemos no seu segundo o qual a fundamentação das decisões é arbitra-
significado geral. ZWEIGERT queixa-se, e com razão, riamente elaborada pelo pensan1ento com referência aos'
de que o defeito da ryossa teoria jurídica interpretativa resultados obtidos atraves do sentimento jurídico.
147
146
locar cada vez mais para um primeiro plano em relação
Na verdade, a questão é intrincad~. N~o _fa~~ a «interpretação literal». Segundo o principio de há
tentativas para determinar uma rela~ao - h1era.~qu1ca longa data conhecido: «cessante ratione legis, cessat lex
~-Otre· 05 -ctiferentes métõdos de interj:>ret~çào. Frequen-
ipsa)), deve importar mais o fim e a razão de ser que o
temente _ v. gr., por parte dos pandectistas WI~D~­
respectivo sentido literal. A «ratio» deve impor-se, não
CHEID e REGELSBERGER - coloca-se em pnme1-
apenas dentro dos limites de um teor literal muitas
ro lugar 0 sentido literal. Partindo da ideia d~ que. uma
vezes equívoco, mas ainda rompendo as amarras desse
interpretação que procura discutir o sentido hter~~
teor literal ou restringindo uma fónnula legal com
«claro e unívoco)) não pode propriamente chamar-se Jª
alcance demasiado amplon 1i. Nestes últimos casos fala-
«interpretação.», considera-se justamente ~ste. sentid~
-se de interpretação extensiva ou restritiva. Com mais
literal como aquele que é decisivo em primeira hnha. So
quando o sentido literal seja ~<ambiguo>},. subs~dia­ reservas se procede, ao contrário, nos quadros da
riamente, portanto, podem ser chamados a intervir os «interpretação conforme à Constituição>), a que nos
outros métodos interpretativos< 101 • ~-~chamad~<teo_i:!_a_ últimos tempos se faz apelo com frequência. Esta, nos
da alusão» (<(Andeutungstheorie») reduz, ~ª-".~da_?_:_.___a casos, mas só nos casos, em que o «teor verbal» não é
ifilpÜrtáiiCia do-se~ritidO literal, fliaS eXigé c:iu_~--e~~e s~a unívoco, e, portanto, especialmente naqueles em que de
pelo menos respeitado como linüte da interpr~taç~o: o antemão se consente uma interpretação mais restritiva e
sentido a obter através desta deve por qualquer forma uma interpretação mais extensiva, procura decidir-se a
ser ainda compatível como o «teor literab> da lei, ter favor daquele sentido da letra que conduza a compatibi-
por qualquer modo «expressão)) na lei. Segundo a lidade da disposição legal interpretada com a Constitui-
doutrina dominante. e esta a posição que o 'sentido da ção e os seus princípios. Aqui pressupõe-se, portanto,
letra da lei reivindica no Direito penal. tendo especial- um sentido literal não unívoco, e não se opera co'ntra o
mente em atenção o princípio nullum cn"men sine lege. s'eritido Üteral que directamente se ob"tém ai"rav~s da
Daí que, por exemplo, uma chamada telefónica mali- i~terpretação <<gram!itical» da lei. Todavia, na m~did-a
ciosa feita durante a noite não possa j<i. ser considerada, em que por esta forma se realiza uma «interpretação
segundo o teor literal, como ((Violação do domicilio>} e conforme à Constituição», esta traduz-se afinal em que
não possa, portanto, ser qualificada como quebra da a «referência do sentido de cada norma ao ordenamento
paz doméstica, nos termos do § 123 do Código Penal. jurídico global~>, a que acima aludimos (a páginas 140),
E também muitos outros civilistas são de opinião de chama a campo uma <<interpretação sistemática», fá-la
êille passarPor cima do sentidoJjti"rl!!_l<i ·rlã(): r]:Qresentà correr em auxílio da pura «interpretação gramatical•1i e
Tri.1ê'íj)iétaÇão mas ·recurso à 'ãnalogia. Erri -todo o CaSo. e ainda ela quem decide em tiltimo termo - pelo que o
aPós a vitoriosa investida da iuriSj)riicfência dos fins e que aí há de particular é o facto de aquela referência ou
dos interesses, o método teleológico tem-se vindo ades- conexidade de sentido render tributo simultaneamente à
149
148

elevada hierarquia e à grande capacidade Jfradiante da do Direito, importa que nós juristas. ao interpretar,
Constituição'· 1~ 1 . Entretanto. não precisa1nos <-"!: tr~t~s transcendamos o horizonte visual do simples prático e
agora de modo eSgot3.n-le a relação de hierarquia ~Qtr~ nos esforcemos por alcançar uma compreensào de puro
às- diferen-tes especics de interpretaGãon-•i. uma vez q~ plano espiritual-cultural. Poderemos também dizer que
--em. breve teremos de voltar a considerar o significado n~_E-~penas dagui~o_a que o jurista do g_uoti-
dUrna delas. a saber: a interpretação histórica. É eviden- ~!2'.h.a.ma (.(i~terpretação», m-ãS-ãincta_ u~~ __y_er-
.t~ {iue tem sido feitas tentativas.no sentido de determi- · d~-~~ª e_ Offi[ltmoda compreensão num sentido m_ais
nar e fixar a relação entre os métodos interpr!!tativos, eJ~vado, mesmo que e~la ·nos airaste"-pãra-i.iina.Posição
mas não ê menos evidente que todas as teses a este filosOficã. histórico-cultural ou pohtica. ----
respeito pairam no ar enquanto se não estabelecer um Com isto, porém, e-ntramOS. nu-rri-dominio de consi-
sólido fundamento teorético para a doutrina da interpre- derações a que tem de ser dedicado um novo capítulo.
tação em geral. Para fixar a cada método de interpre- ·
tação o seu estatuto relativo e o seu lugar lógico
particular. carecemos de pontos de vista mais funda-
1nente radicadosl 14 '. Estes pontos de vista temos aindá
que os procurar. Somente eles nos poderão socorrer
ainda quando -- corno sucede no nosso exemplo da
receptaçâo de sub-rogado - ao cabo e ao resto todos os
tradicionais métodos de interpretação conduzem a re-
sultados mais ou n1enos ambiguos.
Uma maior radiç_ªlização dos fundamentos exige
ainda novas considerações. Até aqui con1provámos. de
preferência em face do caso prático .. a na~u1:eza e o
·processo da actividade interpreta~va. Apreendemos de
um modo in1ediato a interpretação gramatical, a siste-
tn:itica, a teleológica e a histôrica. enquanto métodos de
dominar uma questão jurídica duvidosa (o problema da
receptação de sub-rogado). Não devemos, porém, per-
mitir que o nosso horizonte se encolha. Não por amor
da árida teoria apenas, mas. antes, a fim de em nôs des-
pertarmos uma comp;eensão dos preceitos jundicos que
é altamente frutuosa para toda a nossa atitude em face
150 151

ANOTAÇÕES pode «retirar em conclusão>) se não é poss1vel pela pressuposição


d~ .u~ funda~ento valorativo indicar os criterios que pennitam
l. Cfr. sobre o ponto agora ESSER. Vorversttindnis, passim. d1ng1r o movimento do pêndulo para uma. {<determinada sub-
p. ex. pp. 71 e ss .. Quando ESSER a1. a pp. 75 e ss .. parece ~unç.ão)1. Aqui se insere a {<pré-compreensão•), aparentemente
admitir que eu subestimo demasiado o trabalho de elaboração da inspirada ou pelo menos co-determinada por HEIDEGGER e
premissa maior, esquece que eu no mencionado trabalho, «Lo- GADAMER. a qual foi intrcx:luzida no debate da hermenêutica
gischen Studien zur Gesetzesanwendung», como logo o título juridica por ESSER. VorversJiindnis und Methodenwahl. 1970.
sugere, apenas me proPus um objectivo limitado (cfr. ai mesmo. So~re as bases filosóficas ver, além de HEIDEGGER. Sein und
p. 6: não se cura de um tratamento esgotante dos problemas da Zell, 1927, S 32 (pp. 148 e ss.), § 63. H. G. GADAMER.
fundamentação do juízo juridico de dever-ser!). A presente Wahrheit und Methode, 1960, pp. 250 e ss .. 277 e ss .. JDEM.
introdução ao pensamento juridico mostra, pelo contrário. a · no artigo «Hermeneutik» no Hist. Wónerbuch der Philosophie.
grande importância que eu também dou justamente a preparação vol. 3, 1974 (com referências também ao teàlogo BULTMANNJ
da premissa maior, designadamente através da <!interpretação)) e e ainda: E. BETTI. Allgemeine Auslegungslehre, 196 7, pp. 17 2 e
do «preenchimento de lacunasn. Certo é, no entanto, que eu ss.; O. Fr. BO~.LNOW, Philosophie der Erkenntnis. 1970. pp.
decomponho nos seus elementos o ((todoJ>, declarado <(indecom- 102 e ss.; O. POGGELER, Hermeneutische Philosophie. 1972.
ponive!J> por ESSER. da aplicação e da compreensão da norma. pp. 23 e ss .. 43 e s .. 117 e ss.; J. HRUSCHKA. Das Verstehen
Também isto corresponde ao já referido aspecto lóg.ico (supra, von Rechlstexten, 1972. Sobre ESSER. cfr. as recensóes de B.
notas 5 e 6 do Cap. III). KUMMER. ArchRuSozPhil., vol. 59. 1973. pp. 580 e ss. e H.
2. Seja expressamente observado - jâ que agora se refere J. KOCH em Rectstheorie, vol. 4. 1973, pp. 183 e ss .. e ainda:
por vezes esse ponto {p. ex., em J. EBSEN, Gesetzeshindung LARENZ. 1\.lethodenlehre, 3.ª ed .. 1975. pp. 183 e ss .. \V.
und «RichligkeiP> der Entscheidung, 1974. pp. 31 e ss.) - que, FIKE!"SCHER.klethoden des Rechts, vol.111, 1976. pp. 435 e
tanto nas próprias leis como nas premissas maiores fonnadas a ss .. 7.:>3 e ss .. Ch. PERELMAN. Logique juridique. 1976. pp.
partir delas. devemos manter como coisas distintas. por um 81 e ss. Ver, ademais, sobre o conceito da pre-compreensào
lado, a expressão verbal [o utextoJ>, o \deor literal))} e. por outro. (carecido ainda de maior clarificação, por indefinido nos seus
o «sentido)> ((<contetido de pensamento•>) que nela se alberga. A contornos) em geral e dentro da hermenéutica jundica. assim
primeira e o objecto. o segundo o escopo da interpretação. Sobre como sobre o circulo hermenêu1ico com ele interconexo. além
os «problemas semióticos" que aqui se levantam nada diremos. A de LARENZ, ob. cit.. pp. 311 e ss.: H. WAGNER, Arch.ziv.·
literatura sobre a matéria e jã inabarcãvel. Pr_ J 65. pp. 535 e ss .. 542; Fr_ MÜLLER. 1Vormstruk1ur. J 966,
3. Sobre o problema do circulo logico que aqui se levanta. pp. 48 e ss.; IDEM, Jur. Methodik, 2.a ed .. 1976, pp. 133 e ss ..
vide Log. Studien. pp. 14 e s .. A expressão ai utilizada (mas que 191 e s.: K. H. STRACHE. Das Denken in S1andards. 1968.
por mim não foi usada com particular destaque e nem sequer ana- pp. 102 e ss.; R. WEIMAR, Psychologische Strukturen rich1erl.
lisada mais de perto). ou seja. «o pendular entre cã e tá do olhar, Enlscheidung, 1969. pp. 64 e s.; A. MENN1CKEN. Gesetze-
entre a premissa maior e a situação da vidai>, foi acolhida favo- sausiegung, 1970, pp. 91 e ss.; W. HOFFMANN-RIEM.
ravelmente por LARENZ,Merhodenlehre, p. 203. 2. 2 ed., 1969. Rechtsanwendung und Se/ektio11, JurZ 1972. pp. 297 e ss.; H.
p. 237. 3.ª ed., 1975, p. 265: HRUSCHKA. Die Konsti1ution ROTTLEUTHNER. Richrerliches Handeln. 1973. pp. 32 e ss ..
des Rechtsfalles, 1965, pp. 55 e ss.: H. E. HENKE. Die Tatfra- 42 ~e ss.: IDEM in Jur. Methodenlehre (Edit. H. J. ·KOCH).
ge, 1966, pp. 137 e ss., e ainda por KRIELE, Theorr"e der 1916, pp. 19 e ss.; Arth. KAUFMANN. Gallas-Fcstschrift.
Rechtsgewinnung, 1967, pp. 157 e ss., e outros, sendo. pelo 1973. pp. 17 e ss.; J. RôDIG. Di'e Theorie des gerichtlichen
contrário, um pouco ironizada por ESSER, oh. cit., p. 76. Este Erkenn1nis1·erfahrens, 1973, pp. 292 e s .. nota 39: Fr.
último diz que, de um tal (<pendular sem fimJ> nada de direito se WJEACKER, Festschrift f. W. Weber, 1974. pp. 432 e s.: K.
152 153

LARENZ. Festschritl f. E. R. Huber. 1974. pp. 297 e ss.: H. com referências a HRUSCHKA. ob. cit..·. que por seu turno ana-
OTTO, Dogmatik ais Al{fgabe der Rech1swissenschafl, lntem. lisa com mais precisão a iníluência da «questão fundamental)) de
Jahtb. für interdisziplinãre Forschung li 2, 1975. pp. 116 e s~. direito sobre a «configuraçào da situaçào da vida)> e. inversamen-
(127 e ss.): Arthur KAUFMANN. JurZ 1975, pp. 340 e s.: K. te. a iníluênc:ia da ultima sobre a «escolha e elabor:ação das
HESSE, Grondzüge des Verfassungsrechts, 9.ª ed .. 1976. pp. proposições juridicasn. A este respeito, algumas citações: «Ü
25 e s.: H. ZIMtvlERMANN. in Jur. Melhodenlehre (Ed. H. J. caso (Sachverhalt) enquanto representação ordenadora e arti-
KOCH). pp. 70 e ss .. culadora da situação de vida e assim inteiramente predeterminado
Para esclarecer o leitor desta Introdução ainda não familia~ quanto ao seu conteUdo pela "questão fundamentah>. ·ob. cit..
rizado com o problema a que se refere aquilo que digo no inicio p. 29; e, adiante. pp. 47 e s.: bem que «muitos juizos .. mante-
desta anotaçao. acíesceniaremos ao que se diz no texto a seguinte nham a nossa atençào (o nosso olhar) dirigida para regras juridi-
ilustrac;ào. Aquando de uma rixa com recurso a vias de facto e cas inteiramente detenninadas logo na recolha e visualização dos
consequências mortais. tal como. p. ex., o caso descrito no factos que por fim são descritos no caso (Sachverhalt)>), no
RGerStr. vol. 66. p. 244. põe-se a questão de sabei' se o agente, entarito (<o significado ou relevância jurídica de um facto e
que espetou o adversa.rio com uma faca. deve ser condenado por reconhecido em muitos casos sem conhecimento da lei)) (a saber,
homicídio doloso (assassínio) ou por lesão corporal intencional por referéncia, no entanto, â ideia de Direito); cfr. depois, por
com conscquéncias 1nortais. ou deve ser absolvido com funda- outro lado, p. 49: «Para a concepçào linguística das regras
mento em legitima defesa. Então. em parte com base nos jundicas a aplicar mais tarde e apenas essencial aquilo que se
conhet:imentos de um simples leigo, em parte com base em reporta ao caso concreto'.>1. Cfr. também W. HASSEMER,
conhecimentos profissionais das questões de direito e dos con- Tatbestand und Typus, 1968. pp. 105 e ss ..
ceitos juridicos pertinentes. vão procurar-se as determinações 4. Deve neste ponto observar-se que a alteração da fónnula
iegais que porventura interessem ao caso e cujas hipóteses com as do S 259 levada a efeito no ano de 19'74 pela Lei de Introdução
suas caracteristícas (que em caso de necessidade importará ao Código Penal tem relevância noutros aspectos. mas não afocta
interpretar com mais precisão. em último termo recorrendo· ã o problema da receptação de sub-rogado por mim referido no tex-
"imagem natural do mundo») remetem de novo a nossa atenção to: a palavrinha «durch» não diz em particular coisa diferente do
{o nosso olhar) para a {•situação da vida». para verificar se e em que dizia anteriormente a palavrinha 1<mittefs».
que medída elas ai se encontram «realizadas». desta fonr.a se 5. Para i.<ma orientação deve remeter-se para os recentes
dcsrncando na situação da vida como «essenciais)> e con10 manuais de direito penal, parte especial. assim como para os
objecto de prova aqueles momentos concretos que são sub- coment:i.rio.s ao Código Penal na sua nova fonnulação. Aqui
sumiveis ãs hipóteses legais (eventualmen1e a hipóleses-excepc;ào, indicarei apenas: H. BLEI. Strajrecht, Besond. Teil, 10.3 ed ..
como p. c:x., a da legítima delesa). Este andar entre t(Cá e lá)i 1976. ~ 72. e W. STREE, em SCHÓNKE-SCHRÓDER.
encontra o seu «termon com a afirmac;ao ou a negac;ào da Kommentar z. SEGB, 18.ª ed .. 1976, notas 13 e 14 ao $259 do
aplicabilidade das determinaçóes legais tomadas em linha de con- Codigo Penal. Deve ainda salientar-se que a fundamentaçào dada
ta. O circulo lógico. que poderia ser visto no f~ct9_~JLP!:emissa a nova formulação do § 259 se pronuncia decididamente pela
ou as premissas ni<i.lorcS -~forem· procul-ã:das a partir do--Cãso «teoria da manutenção•) (citações em BLEI. ob. ciL. sob li), o
Concreto, que nos impele ·a cham3:-1as â·cota:ÇàO: e eiri-tjue. por que é de grande importància para o tratamento da receptação de
outro lado. no caso concreto sO é «ess·e·nci2.I>; --áêjWIO qúe· tem sub-rogado no quadro de um <{método subjectivo-teleoJógico» (ver
correspondCncia com a premissa maior em CaúS:a.·-·re·Velã=se- infra. no texto).
partanto como um «circulus vitiosus» apenas apaíente:Ur:Sotíri:i 6. tv!a.~_jà__f!do __ ~~.z_a aJlnuação _de que uma ,norma·de
o ponto, desenvolvidamente. também LA.. RENZ.'Ob:·C!t. pp. 200 __se_ntido lite~al inequívoco não carece de quãlquêr -i~terpretaçào.
e ss .. 2.a ed., ! 969. pp. 233 e ss., J.a ed., 1975. pp. 262 e ss .. Assim p. ex .. BGHZiv. "NJ\\I 51, p. "922. n:.; 9: e NJW-só.-r·
154 155

1553; BVerfG Bd. 4. pp. 331 e ss. (351); mas também Th. VII l (não deve proferir-se qualquer decisão «contra o teor literal
RA!'v1M. Arbeit und Recht 62. p. 356: O. BACHOF. JurZ 63. p. inequtvoco da lei))!). e por outro lado B. HEUSINGER, Rechts-
697: Arth. KAUFl\-1ANN. Analogie und «Nacur der Sache)), findung und Rechtsfortbildung, 1975, pp. 94 e s .. A última tese
1965, p. 4 ((\a interprelação ... só começa onde já não exista continua a ser discutivel quando parta também do problemático
qualquer sentido univoco>' ); ~I. KRJELE, Theorie der Rechtsge- pressuposto de que pode existir um sentido vocabular univoco;
winnung, 91 (1<A interpretação só começa quando surgem dúvi- este sentido é frequentemente posto em dúvida, pelo menos para a
das e divergências de opinião))): G. STRATENWERTH, Fests- maioria das palavras da lei: veja. p. ex., além de LARENZ, ob.
chrift f. Gennann. 1969, p. 267 (apenas um ((texto legal com cit.. já SAX, Das stra/rechtliche «Analogieverbot», 1953, pp. 52
mais que um sentido exige interpretação»): e recentemente de e s.; D. HORN, Studien zur Rol/e der Logik hei der Anwendung
novo K. HESSE, Grundz. d. Verfassungsrechts. 9. 3 ed .. 1976, p. des Gesetzes, 1962, pp. 64 e s.; Arth. KAUFMANN, oh. cit., p.
21 ((<Quando não existam dti\'idas não se Interpreta e o certo é 4, e Engisch-Festschrift, 1969, p. 270 («A linguagem voltada
que muitas vezes ( ~) não é necessária qualquer interpretação»). para a realidade - e, portanto, também a linguagem juridica -
Pelo contrário. nada hã a opor quando LARENZ, em Methoden- não se conforma com a univocidaden )~ J. ESSER, Voniers-
lehre, 3.ª ed., p. 181. separa terminologicamente <(compreensàO>J tãndnis, l 970, pp. i 34 e s .. ~-º-2--~~!C!·,.J>Ode 2.!.ll!~ ..
e i<interpretaÇâOJ>, limitando esta Ultima .ã compreensão «reflec- univocidade nas palavras que representam. um nlimero. _uma
tida)>. ffiedída e um-p!SO,_ ihãs:Jarilbem:.-estas ... pafav.rru; tém_de_ser.
Tomam posição critica contra a doutrina do i(clair-sens)), «CntencfiQãS>,-e portanto 1<e?C-pli_cadas11. ÜJJtra quç;;t~Q. aiJ]d;.té...a_de
contra a doutrina segundo a qual. no caso de um <<teor literal saber em que rriidida a pluralidade de sentiQo.~ sQ_ defQf!~ do
univoco1>, não existe lugar para a interpretação: J. ESSER. .contra-Senso aa.s-consequ-encias··ae-i.üíi sentido. vocabulac. apa_-
Grundsatz und 1Vorm, pp. 179, 253 e s.: Th. ZIMMERMANN, fentemente univoco (cfr. KRIELE, ob. _c[t.,_pp, .. 215--e ss.). E
NJW 56, p, 1262; W, WElNSHElMER, NJW 59. p. 566; talii6emOiSéú-tíVel -a tese-de-que ·apro-biémáfica da interpretação
ENNECCERUS-NIPPERDEY, ob. cit., 15. 3 ed .. 1959, §56 1 tem a sua origem na divergéncia entre a expressão e o pensamen·
4; LARENZ. Merhodenlehre, pp. 234, 258. 2." ed., 1969. pp. to; ver p. ex., P. SCHNEIDER, Prinzipien der Verfassungs
292, 320. 3.a ed. 1975. pp. 298, 332: H. e K. CLAUSS, JurZ lnterpretalion. 1963, pp. 4 e s .. Ver de resto mais adiante o
61, pp. 660 e s. (cfr. jâ K. CLAUS. JurZ 60, pp. 306 e ss.);_ E. próprio texto deste livro e respectivas notas.
BETTI, Allgemeine At1Slegu11gslehre. 1967. p. 251; Fr. MUL- Agora no que respeita ao termo frequentemente usado de
LER. Jurist. l'lfethodik. 2.ª ed .. 1976. pp. 128 e 224; W. (1teor literah (em vez de GSCntido literal))), ele tem na base a falta
FIKÊNTSHER. Methoden des Rechts III, 1975, pp. 658 e s .. de distinção e separaçào entre signo linguistico e significado
Da literatura suíça: ·A. KELLER, Die Kritik, Korrekrur u. lnter- linguistico. Em bom rigor o teor literal (Wortlauc, letra) é
pretarion d. Geseu.eswortlautes, 1960, pp. 16 e ss .. 44 e ss .• 83 e 11objecto ··da interpretação1> (RÕDIG, Theon"e des gerichtl.
ss.·. Da literatura austríaca: Th. MAYER-MALY, Jur. Blãtter Erkenntnisverfahrens, 1973, p. 282), o •isentido literah>
1969, pp. 415 e s .. Sobre a, inadmissibiHdade de uma •dnterpre- (Wortsinn). que se trata de descobrir, é escopo da interpretação,
taçâo conforme a Constituição·~ contra o Pretensõ sentiâO.Jítêral a c<gramli.tica') e a <(sintaxe)> sào meios da interpretação. Usual-
ffietjilívOco, cfr. também infra, nota 10. mente quando se diz ((teor literal)) pensa-se no cisentido literal)).
Deve, porém, distinguir-se entre a tese de que, perante um 7. Q~!!çlo KRIEL!;:,_qb_,_.~i~-: P..: 8_2_, fl_ota que.~o ~~@ ..da
teor literal unívoco. não há lugar a qualquer interpretação, e a descoberta do «sentido literal•1 se acha não só a chamada
tese de que, contra um teor literal (pretensamente) univoco não «ifile-rpretaçãO ·gr<llnaticah> (pela qual ele çnte~de l<a expliCitã"Ç_ãó
podem ser considerados quaisquer outros pontos de vista interpre- d:is"'leis··cte lingtiagem usadas pelo legisladon> )_mas ev~!1.~l,l~~e.nte
tativos. Cfr. p. ex. H. P. SCHNEIDER. Die Geseumdssigkeit também um outro elemento interpretàtivO coffiO. p_ ex.,,· a ·inter-
der Rechtssprechung, DÔV 1975. p; 448. sob IV 1 e p. 452 sob prêtação sistemática (ct"r. tambem LEGAZ Y LACAMBR-\.
~
156 157

•,• Rechtsphilosophie. p. 514 ). deve dizer-se que ê sem dtivida e.'l:acto


que para a clarificação do sentido. de uma passagem da lei
contribuem e cooperam rodas as modalidades de interpretação.
fi.o~~!U.a.Q!Q,
u_~ado ~f!
_ct?.11'! .º v~cabul_o -'!.~m_ui(Q precjs.Q _rnas-agoi:a..muit_o
«interpretação gramaticaln que~-se gb-'li.a_!!len~11~1-
rações de G. WARDA. em Dogmalische Grundlagen d. n"chter!.
Ermessens im Strafrecht, l 962, pp. 111 e ss ..
. 9. Elucidativa é, p. ex., a distinção agora sugerida por Fr.
MULLER,Jurist. Methodenlehre, 2.~ ed., 1976, passim (nomea-
damente PP- 226 e 268 e s.), entre interpretação «genética)1 e

•• licar apenas aqucl!õ! método eSpeç_ilico _ç!a determi_!:'açãodo sentido


que (pelo menos de -cOinCço) Se orienta --pe10
siiiilifiCaàO-US~!J:f·
ifrequentemente determin.ª-vel mediante um léxico) das palavras e
interpretação propriamente l(históricaJ>: «genética)) é aquela que e
feita _com base na 11história do aparecimento>) e nos {<materiais1•
da norma legal, {<histórica11 em sentido p.-óprio é aquela que parte

••
·pela sua interligaçàó sintli.ctica. Nào é ciutraêõiSã aquilo que se - das «normas precursoras1~ e procura a resposta à questão: <icemo
"Cntcnde por «sentido literah~ como tal. Como jã se disse. este a e que isto era anteriormente regulado?» .
maioria das vezes não ê univoco. 10. Isto é acentuado pelo BVerfG mltltiplas vezes e com
8. Sobre o ponlO, EKELÔF, Teteo/og. Gesetzesanwendung, particular entono para a chamada «interpretação conforme à
Ôsterr. z.f ójf R. IX. 1958; LARENZ, ob. cit.. pp. 250 e ss .. 2.ª Constituição» (sobre esta. ver infra no texto e na nota 12). Ver

• ed .. 1969. pp. 311 e ss .. 3. 3 ed .. 1975. pp. 315 e ss., 322 i! ss.;


KELLER. ob. ciL. pp. 1!7 e ss.: H. F. GAUL. Arch.ziv.Pr:
168. 1968 pp. 27 e ss. (37 e ss.): ESSER. Vorverstiindnis, pp.
142 e ss.: BACHOF, JurZ 1962, p. 351 1 4. 353 li 12. 355 Ili
designadamente BVerfGE 4, pp. 331 e ss.; 8, pp. 28 e ss.=NJW
58. p. 1227 (com anotação de KJ. STERN a p. 1435). Ai é
fixada a seguinte directriz: (<O juiz não pode, através de uma
interpretaçào "conforme à Constituição' dar a uma lei de teor e

=
25: lDEl'v1 JurZ 1966 .. pp. 14 e s. sob 1 8 e 9; GERMANN. sentido literal unívoco um sentido opostoll. Ver ainda BVerfGE
Probleme u. Methoden d. Rechtsfindung. 1965. pp. 80 e ss.: 38, pp. 41 e ss. = NJW 1974, pp. 1901 e s.: «O teor literal
1 FIKENTSCHER. ob. cit.. pp. 279 e s .. 676 e ss .. Interessante inequívoco da lei exclui11 a interpretação ccnfonne à Constitui-
do ponto de vista histórico. agora J. EDELMAN. D. Entwick- ção. Cfr. sobre o ponto H. SEITZ in H. J. KOCH. Jur,
lurig d. lnreressenjudsprudenz, 1967, pp. 15 e ss .. A distinção A!eihoden/. 1976. pp. 232 e s. 239. E questão debatida a de
feita por SCHEUERLE in Arch.ziv.Pr. 167. 1967. p. 331. entre saber se o BVerfG e outros tribunais que fazem apelo à 1iinterpre-
interpretação teleológica. retirada do fim da própria norma. e tação confonne à Constituição>J têm sempre respeitado estes e
interpretação <<Íinalislica». que recebe o fim «de fora da norma». outros limites relevantes. Assim R. ZIPPELIUS, .in .~1Bundesver­
e possrvel. mas não C considerada por mim no texto. fassungsge_ric~t tind GruridgeSCtz.1), ]976, p.-_16,._salienta_que o
A interpretação teleológica actuo~.§_em_d.1.t0..dap_o_ ~tinâmc_!!­ BVerfG in Ê 35, pEJ. 278-e s .. «com o maior a-vontade» declarou:
toa. celebrado com razóes por E$Sª_R._!'r~U.l'ind11is, pp. 54s_- de
\1_0~jüii não precisa de se deixar Jirriitãr pelü teor tfle-r~-1 uma
- s .. i_los conceitos de <(causa!idadcH. ,;doio>). <(negligéncia>·. sob_ o ncimlàl,_ Nfais pormenores sobre a in(erpretaÇãó. COnfoffite _-à
:pon_co de vis~a de_ Ul_'.l_aJ':'.:'.P~~:ÇãtU~~i~-=_É~}!.O_- aomjnio-.-d~­ Con~ti~u_iç-ãÕ _na qota. 12 e nos. autgres_. aí refCiidõs __ (alé~r!i-de
intcrpi"Ctaçâo teleológica pertence obv1amentc. tambern a conside- ZIPPELIUS. especialmente SPANNER, BOGS, BUiiMEIS-
-~ação "eco_i:iolllicªu .no-_dirci.((J f~~1.AsSiffi':"P<:to Tncnos: o ·affITna TER. GÔLDNER. MÜLLER).
R. THIEL. Stcuerbcratcr Jahrb. 1963/64. pp. 181 e s .. Segundo l 1. Sobre o ponto. ENNECERUS-NIPPERDEY, Lehrb. d.
J. A. E. rv!EYER. Jahrh. f. Rcchtssoziologic. vol. 111. 1972. pp. biirgerl. R. l 1. 15.ª ed., 1959, § 56, anotação 10; REINICKE,
148 e s .. tambern a tese de H. \.VELZEL segundo a qual as NJW 52, PP- 1033 e ss.; ZIMMERMANN, l. cit.; SIEBERT,
«condutas .socialmente adequad:ts», que se comportam nos qua- L cit.. p. 43: RENDER, MDR 59, p. 445; KELLER, ob. cit.,
dros dos «ordcnamenti)S ético-sociais historicamente constitui- pp. 134 e s., 143 e ss.; CANARIS. D. Fesistellung von Lücken
dos>)_ são exclu1das do circulo das condutas penalmente re- in Gesetz. 1964, pp. 189 e ~s. (aconselhando preCauçã.o); GER-
levantes. se reconduz a interpretação telcologica da lei. ~1ANN. Probleme d. Rechstsfindung, pp. 104 e ss.; KRIELE,
Cfr. alem disso sobre o que vem a seguir no Lcxto as ctmsidc- ob. cit. p. 224: K. ROTH~STIELOW, NJW 1970, pp. 2057 e s.;
:• 158 159

••
Br. HEUSINGER., Rechtsfindung, etc., 1975, pp. 94 e ss. (com 12. Sobre a interpretação conforme ã: Constituição é funda-
dados jurisprudenciais). <~A posição do séc. XJX ante o desapa- mental a decisão do BVerfGer vol. 2, pp. 266 e ss. = NJW 53,
recimento do fundamento da lei>) é tratada por H. J. HAGG na pp. IOSi e s. (designada por MAUNZ-DÜRIG, no Komm. zum
sua dissertação apresentada na Univ. de Munique, 1966, com GG. 1970. nota ao art. 11. como ({paradigmática»). Trata-se ai
esse mesmo titulo. Cfr. de resto infrti, nota 23 do Cap. VII. Da da conformidade ou desconformidade á Constituição da Lei· de
prática jurisprudencial. e não obstante a recente legislação que acolhimento de 22.8.1950, ~ 1, secção 2, que parece conferir aos
entretanto veio esclarecer o problema, continua a ser metodo- habitantes da zona oriental e de Berlim leste um direito ã: auto-
logicamente rica de ensinamentos a decisão sobre registo~ í~n':" rização de estadia na Reptiblica Federal apenas quando exista um
gràficos do BGHZiv. 17, pp. 266 e ss., que assenta no pnnctp10 perigo para a integridade física e a vida ou para a liberdade
«cessante ratione ... )) e confere à interpretação ((consoante ao pessoal, ou existam outras razões imperativas para deixar a zona
sentido e fim da lei)) a prevalência mesmo ante um <~teor literal oriental. Esta limitação a livre circulação de pessoas parecia
linguisticamente unívoco». Da mesma fonna a «decisão s~b~e contrária ao art. 11. sec. 2 da Lei Fundamental, segundo o qual a
fotocópias>), BGHZiv. 18, pp. 44 e ss. Concorda com a decisao liberdade de circulação só pode ser limitada por uma lei (como
sobre registo fonográfico CANARIS, ob. cit., pp. 190 e ss .. a Lei de acolhimento) quando <mão exista uma base de sub-
Toma posição crítica relativamente il interpretação contra o sistência suficiente e dai possam resultar para a colectividade
sentido literal designadamente LARENZ, ob. ciL, pp. 243 e s., encargos especiais ... ". O BVerfG pôde declarar a Leí de acolhi-
258, 2.• ed., 1969, pp. 303 e s., 3.• ed. 1975, pp. 309 e s., 332 e mento como conforme à Constituição, interpretando-a no sentido
ss. (cfr. por outro lado pp. 273 e s.; 2.ª ed. 1969, pp. 341 e s., de que. verificados os pressupostos do seu S 11 sec. 2, a auto-
374 e ss., 3.ª ed, 1975, pp. 350 e s., 384 e ss., assim como rização de residência teria de ser concedida sem mais e de que.
Olivecrona·Festschrift, 1964, pp. 398 e ss.). quanto ao mais, seria de verificar caso por caso se existiam os
Em duas novas e significativas decisões o BArbG e o BFinH pressupostos do Art. 11 sec. 2 da Lei Fundamental para a
serviram·se também do principio (<cessante ratione ... ». Ver denegação da autorização (critica esta decisão BOGS - ver
BArbG 16.3.1962 (plenário), Arbeit und Recht 1962, pp. 383 e infra - pp. 35 e s.).
s. = NJW 62, p. 1694 (direcliva) («O juiz não é servidor da pala- Como já se salientou no texto e na nota 10. o BVerfG
vra da lei, mas do seu sentido e escopo))). Critico sobre este pon- prcssupóe repetidas vezes - quando não sempre - explicita-
to, Th. RAMM. Arbeit und Recht 1962. pp. 353 e ss. Ver por mente que a interpretação conforme à Constituição é chamada a,
outro lado BFinH 30.11.1960, BFinHE 72. p. 412=JurZ 63, p. no caso de um teor literal com \'ários sentidos, escolher entre os
261: «A interpretação duma lei contra o seu teor literal... e sentidos possíveis aq·uele que melhor se harmonize com a Lei
admissi vel e de preceito quando, ou é de admitir que o legislador Fundamental e os seus principias. Assim é entendido o BVerfG.
de facto quis algo de diferente daquilo que exprimiu, ou a p. ex., também por LARENZ, Methodenlehre, 3." ed., 1975, p.
aplicação literal da norma conduziria a um resultado que repre- 329. Este cânon interpretativo sui generis pode ser melhor
senta um contra-senso insustentável»). Muito critico em relação a compreendido e legitimado enquanto caso de aplicação do prin-
esta decisão, D. JESCH, JurZ 63, p. 241 e ss .. e isto enquanto cipio da unidade da ordem juridica (v. infra) e da «interpretação
sequaz da teoria da alusão. Cfr. por outro lado O. BACHOF, sistemática». com ele conexa. O dito cànon tem um significado
JurZ 63, pp. 697 e ss., que analisa a relação desta decisão com a pratico mais patente {ainda que não apenas ai) no processo do
restante jurisprudência do BFinH e reconhece a esta jurisprudên- controle das normas. quando se trata de averiguar se uma lei
cia em geral assim como â. decisão de 30.11. l ?60 uma certa. ordinária está em harmonia com a Constituição. Mas a nós não
consistência metodológica (1. cit., pp. 699 e s.). Concorda nos interessa_ neste. lugar este processo como taí.-Cúni õS .SeUs
também com o BFinH: H. W. KRUSE, Steuerrecht 1, 1966, § 8 p_~oblemas particulares. pois apenas nos Imp-Órta· o.. -ãspecto
Ili 3. metodológico. Sob este aspecto é em si indiferente a que e~e_écie

.i
~··.

1\ 161
160

de normas jurídicas (lei, decreto, t_ratado. nc_va no?11a ~onstitu~ filmes como compative! com o art. 5 da Lei Fund. (liberdade de
~ional ~e colide cofn uma norma consQ_!Uctonal-1mut~U~ª! informação e proibição da censura), na medida em que, numa
_iireric!!__ a in~e_ii)!~~ção_ c~nfo~e â Constituição, desde-~u~-.ª interpretação restrirfra em conformidade com a Constituição. se
Constituiçaõ(em particular a Lei Fund~cºtAI) forne;ça o.e~ reporte aquela Lei apenas ã importação do estrangeiro para a
Oâfo.'teipretação c<correcta~) .. Para tant~ ~em que na_turalmente _a Reptiblica Federal de filmes «cujo contetido vai tendenciosamente
Própria Constituição ser igualmente su1e1ta a uma Lnterpretaçao dirigido a combater a ordem fundamental da democracia e da
(cfr. ZIPPELIUS no c•Bundesverfassungsgericht und Grundgese_- liberdade1> (fazendo recurso também ao §86 do Código Penal).
lZ)), 1966. p. 112). Também metodo\~gicamente _im_portan~e ~· Também esta decisão é acompanhada de voto de vencido.
porém. que a intenção muitas vezes mamfesta~a na 1unspruder'.c1a Da numerosa bibliografia sobre a interpretação conforme a
do BVerfG - intenção essa de forma alguma incontestada {cf1. p. Constituição destacarei. além dos manuais de Th: MAUNZ,
ex B. BURMEISTER, Die Verfassungsorientierong der Aus/e- Deutsches Staatsrech1, 20.ª ed .. 1975, S 7 II 6 e de K. HESSE,
gu~g. 1966) e que certamente també~ não é.ª ~n!ca decisiva-:-- Grundzüge des Verfassungsrechts, ·9.a ed., 1971, pp. 31 e ss., e
de utilizar a •1interprelação conforme a Constttulçao)> com'? me~o além do trabalho de ZIPPELIUS citado em nota 10, a seguinte:
de evitar ou limitar a declaração de nulidade daquelas leis .C~Jª B. BENDER, MOR 59, pp. 441 e ss.: Fr. SCHACK e H.
compatibilidade com a Constituição se tornou proble~atlca MICHEL, JurSchulg. 61, pp. 269 e ss.; O. BA.CHOF, JurZ 62,
conduz simultaneamente à interpretação restritiva ou extensiva_ ou pp. 351 e 66, p. 16; P. SCHNEIDER e H. EHMKE.Prinzipien
mesmo ao preenchimento de lacunas das !eis que á primeira vista der Veifassungsinterpretation, 1963, pp. 29 e ss., 58, 74 e s.: V.
conílituam com a Co11stituição (e portanto se não rec?nd_uz HAAK, Normenkonrro/Je und velfassungskonforme Gesetze-
apenas a uma escolha entre várias interpretações que ~ pnmeJra sauslegung, 1963; W. D. ECKARDT,Die velfassungskonforme
vista se apresentam corno passiveis). Como umpreenc.h1ment~ d_e Gesetzesauslegung, 1964: E. STEIN. NJW 64, p. 1750; O. A.

'••
1
lacuna (e não uma simples <<interpretação confonne a Const1tu1-
çâo») vê, p. ex .. ZIPPELIUS (ob. c1t., p. 122) o alargamento da
assistência judiciári.'.l do direito processual civil ao processo de
acusação particular no dommio processual penal (ver BVerf?_er.
vol. 2. pp. 340 e s.). Ao dommio da in1erpre1oçà_o _restnllva
pertence. na minha opiniào, a muito contestada «dec1sa~ sobre a
cscutal>. BVerfG. vo!. 30, pp. 1 e ss=NJW 71. pp. 27:.i e ss.: o
posterior al<1rgamento do Art. ~O. sec. 2: da_ Lei F~ndam_e~t~l
relativamente a limitação da estera de pnvac1dade nao cohd1na
GERMANN ,Probleme der Rechtsfindung, 1965, pp. 59 e s.: H.
SPANNER. Die veifassungskonforme Ausfegung in der Rechts-
sprechung des BVerfG, Arch.õff.R. 91, 1966, pp. 503 e ss.; H .
BOGS, Die verfassungskon/orme Auslegung von Gesetzen,
1966; J. BUR~IEISTER, Die Veifassungsorientíerung der Ge-
serzesauslegung, 1966; D. Chr. GÓLDNER, Verfas-
sungsprinzipien und Privatrechtsnorm in der verfassungs-
koeformen Auslegung, 1969: LARENZ, Methoden/ehre, 2.• ed.,
1969, p. 319, 3.' ed., 1975, pp. 329 e ss.; J. SCHM!DT-
com o art. 19. sec. 3, da mesma Lei Fund., relativo este iI ·SALZER. DOV 69, pp. 97 e ss.: V. KREY, NJW 70, pp. 1908
inad1nissibilidadé de certas modificações constituci.onais. na me- e ss.: G. WITTKÁMPER, Theorie der /rJ/erdependenz, 1973.
dida em que aquele alargamento por força do <(contexw de ~enti· PP·. 58 e s.; H. P. PRÜMfvl. JuS 75, pp. 299 e ss.; Fr.
do». ou seja. por força da interpretação sislemática. SeJa aphcad~ MULLER,Jurislische Methodik, 2.ª ed., 1976. pp. 72 e ss.; H.
por forma a harmonizar-se com os princtpios elementares da Lei SEfTZ, Verfassungskonformitàr, etc., in H. J. KOCH (Edit.),
fL1ndamt?ntal na ~ua ordem de valores (atente-se no 1<voto de Jurist. MeEhodenlehre, 1916, pp. 214 e ss., onde especialmente
venci<lü'' anexo a decisão e na dura critica de H. H. RU.PP Íll se procura esclarecer o termo ({konfonnH.
lVJW 71, pp. 281 e ss .. assim como na ~<Analise e criu_ca da Deve particularmente ler-se em atenção que a «interpretação
sentença» de P. HÃBERLE. JurZ i I, pp. 145 e ss.). Vc;r ainda a conforme a Constituição)), mio obstante certas interconexões, não
igualmente debatida ~.:ntenc;a BV.:-rfG vol. 33. PP- 52 e pode ser confundida com a Hinterpretaçào do direito constitU-
5$. = NJW 72. pp. 193..t e s.<;.: Manuter.Çào da lei de controlo dos cionali>, e que tambêm não é reservada apenas ao Tribunal

1
!~
ló2 163

Constitucional (cfr. GÓLDNER, oh. cit.. e BGHStr. 19. pp. 325 aceitabilidade numa dada ordem social». Um tal processo apro-
e ss.). Juntamente com HAAK (ob. cit., pp. 259 e ss.), BOGS xima-se da <(jurisprudência socialmente finalizada)) proposta por
(pp. 25 e s.). SPANNER (p. 59). C. W. CANAR!S, Systemden- G. OHR. NJW 67, PP- 1255 e ss., na esteira de H. LANGE, e
ken in der Jurisprudenz. p. 130, nota 65, entendo. como já significa seguramente em larga medída uma preferência pelo
observei, que a interpretação conforme â. Constituição .e de método teleológico, se bem que ESSER presuma existir aqui uma
considerar como uma modalidade da interpretação sistemática e, certa arbitrariedade e em parte uma orientação por um resultado.
ao mesmo tempo, deve ser posta em ligação com a unidade da ÇANAR..IS.,..S,V.rtemdenken•. _pp:... 91 e s., nota 23, P!2~.t1n.cia-se _
ordem jurídica (já no meu escrito t<Die Einheit der Rechtsor- 3;.~ra _ç!i!i:!..~_4~ic!~~~n~ .~E.~~ ~'-~~~-h~r~~ ~'?~
dnung>,, 1935, pp. 35 e ss., apontei para a conexão entre e~te diferentes meios de intewretação)), colocando no topo .a .inlerpre-.
princípio e a interpretação em geral). Segundo BOGS. ob. c1t., Üção-teleOióiica.,
p. 17, a interpretação conforme ã Constituição é «expres~ão_ ~e - -· 14. Para esclarecer o ponto desde já (ver ittfra, no texto),
um principio geral de interpretação», a saber, do pnnc1p10 seja notado aqui a titulo de exemplo que, quando se tome partido
segundo o qual «a nonna de hierarquia inferior deve ser interpre- pela teoria subjectiva da interpretação de que falaremos no
tada a partir da norma de hierarquia superior». Sobre a «colma- próximo capitulo, teoria essa outrora dominante e ainda hoje
tação das lacunas)) conforme ã Constituição, ver, na mesma obra, muitas vezes sustentada, segundo a · qual o que importa é
pp. 46 e ss., e mais recentemente ZIPPELIUS, ob. ~it., PP·. l ~ 1_e detenninar a vontade do legislador histórico, desde que esta
ss .. Sobre a relação entre a interpretação conforme a Consutu1çao encontre na lei «uma qualquer expressão» (ver iefra, no texto), a
e outras formas de desenvolvimento do direito em conformidade · chamada interpretação gramatical fonna na verdade uma moldura
com a Constituição, ver KI. STERN, NJW 58, p. 1435, BOGS, para as possibilidades interpretativas, mas quanto ao mais a
ob. cit., p. 33. KREY, ob. cit.. Perante o direito preconstitucional <(escolha dos métodos11 orienta-se pela adequação do método a
aceita-se facilmente uma maior liberdade (SCHMIDT-SALZER, considerar para trazer ã luz a vontade real do legislador. Um
L cit., e infra, no texto, assim como na nota 17 do Cap. VU). metodólogo da craveira de PhiJipp HECK tinha a este respeito
Pelo que respeita ao peso da interpretação conforme à Constitui- uma concepção muito clara (se bem que possivelmente já não
ção, feita pelo Tribunal Constitucional, para a jurisprudéncia dos vãlida hoje: cfr. ESSER, Vorverstiindnis, pp. 129 e s.). Uma tal
tribunais ordinários, e ainda pelo que respeita à própria compe- concepção deverá estar também no espírito do BG H, quando
tência destes para tal espécie de interpretação, remeterei em declara: «Servem à finalidade de descobrir a vontade .objectivada
especial para BVerfG vol. 40, pp. 88 e ss. = NJW 75, pp. 1355 e do legislador os métodos de interpretação, reciprocamente com-
ss.; e sobre esta U. SEETZEN, NJW 76, pp. 1997 e ss., com plementares, que partem do teor literal da norma, do seu contexto
novas remi5sões. de sentido assim como dos materiais legislativos e da história do
13. As dificuldades da solução do problema, segundo o que aparecimento do preceíton (BGHZiv. 49, p. 223, citada por
se diz no texto, são patentes. Na opinião de LARENZ, sempre se ESSER, ob. cit., p. 122). Im,2Q!YI em todo o cas.o_pf9cµ_r_~_r__~
poderiam ~<afirmar alguns enunciadosn sobre a relação entre os princípjo _da determinação dá" relaçâÜ Cntre as·m~todos interpreta-
critérios de interpretação. KRIELE, l. cit., faz ele\'adas exigên- tiVOs que em- ãlguma medida - -na- medida do exequível de-ntro
cias. dificilmente preenchíveis. para uma <(hierarquia escalona- dõSlin1iteS da capacidade de conhecer do juiisYâ·...:. Sejii~v_e_L
da~>. Segundo ESSER, Vorverstãndnis, p. 122, (<a esperança de e de credibilidade·· garantida. Ora este problema é-nos posto.
que se possa um dia estabelecer uma hierarquia em que sejam "se- Talvez não possa ser resolvido com validade geral. Talvez exista.
riados os trãmites da interpretação· está condenada ao f~acasso1>. pois, apenas uma solução ligada ã situação em causa (SAX. Ana-
A <<situação normal para aquele que aplica o direito>) seria esta: logieverbot, pp. 75 e s.: sobre isto. no próximo capitulo). Se, pelo
~<ele orienta a sua escolha do método a partir de um controlo contrário, se considera este problema como absolutamente ínso-
teleológico da justeza do resultado sob o ponto de vista da sua lUvel. então não haverá já sequer qualquer modo de, por aproxi-
164
mações sucessivas. dominar os problemas da heuristica juridica
em termos de despertar confiança (cfr. OBERMEYER, NJW 66,
p. 1888 r.). Pois todo o transcender não mediatizado para os Capitulo V
dommios do Direito Natural. da Justiça, da Racionalidade, ex-
põe~nos à relatividade das opiniões (dos pontos de vista partidá- INTERPRETAÇÃO E COMPREENSÃO
rios, das (<concepções do mundo•>), que ai dominam. e, em último DAS REGRAS JURÍDICAS
teimo. ao decisionismo das sentenças dos tribunais superiores,
relativamente as quais nos perguntamos em vão em que ê que elas
CONTINUAÇÃO: O LEGISLADOR
propriamente podem assentar e por que e que se podem orientar OU A LEI?
senão pelas suas próprias \'alorações, com uma validade tão-só
relativa, sempre que se trata de questões de aplicação do direito
ainda por esclarecer. Sempre que as leis vinculam os tribunais e
as autoridades adminisliàiiVãS, Soiri.Os remetidos· para~­
dlêã 'da aescoberta do direito elaborada até ao fim, acãfüldã,- a
qual Perienée também um principio regulativo sobre a «escolha A moderna doutrina filosófica da compreensão
dos métodosJ> credível e caucionado do ponto de vista do direito conhece múltiplas distinções do «compreender». Dis-
positivo. Que. para tanto. designadamente no quadro do ffietõdO tingue-se, v. gr ., o puro «compreender de um sentido>).
teleolôgico da descoberta do direit~, que surge como parti- enquanto apreensão do conteúdo real (objectivo) de
cularmente importante, são chamados à colação pontos de vista
de justiça. de prática conveniéncia e de razoabilidade, eis o que
uma expressão, do <(compreender pelos motivos)>, en-
de per si bem se compreende e o que é posto em relevo em muitas quanto apreensão dos motivos daquele que se exprime
passagens deste livro. _Não obsta1:ite_ a~_di(er~nÇ_E.~ 9~.<l~entuaçâo, (G. SIMMEL, M. WEBER e outros). De fonna
creio por isso não me achar em _ç__ontradiÇ°ào insanáveiCoin ·os semelhante, JASPERS distingue o «compreender
PõritôS de vista de KRIELE e ESSER. menos conserVaáôíes e
mais reservados relativamente á ap"reciaÇào -e valóra_Çào -da
espiritual» de conteúdos mentados do ((compreender
metodologia tradicional, desde que estes não ponham de forma psicológico» a partir dos motivos. Como escopo Ultimo
alguma em questão a vinculação fundamental da jurispíudência à do compreender considera-se ainda um encontro espi-
lei. Cfr. relativamente ao que antecede, nomeadamente, LA- ritual com a individualidade que se exprime (ROTHA-
RENZ, _iUethodenlehre, 2.~ ed., 1969, pp. 323 e ss., 3.ª ed.,
1975, pp. 144 e ss., e ZIPPELIUS, Methodenlehre, 2.ª ed., CKER, BOLLNOW). Mais, JASPERS conhece, além
1974, p. 85, aos quais apenas posso dar a minha adesão. do compreender espiritual e do psicológico, um com-
preender existencial e metafísico, e também BOLL-
NOW fala dum contacto de <{existência a existência>.1.
Se aqui se descobre a tendência de avançar pela
-~O~_e!'e_ensão do real (objectivo) para o pessoal, do que
exteriormente ãparece para o fundaffiento profundo,
_DJLTHEY, pelo contrá1;0, considerou como grau mais
elevado do compreender a apropriação das (<manifesta-

(165)
166 167

ções da vida duradoiramente fixadas~> como tais, sobr~-=. GOETHE são conhecidos dois versos das Zahmen
ti.ido ct·os ·mon·üilleriios escrifOS: Para -elé, «i ã"rié do Xenien: «Interpretai com frescura e vivacidade - se
compreender» teria «o Seu-púá.tõ central na interpreta- não tirarmos e libertarmos o sentido da letra, algo aí
ção dos restos de existência humana contidos no escri- nos ficará oculto>). De um modo muito belo diz
to». Aqui teria o seu ponto de partida a filologia e toda ANDRÉ GIDE em Paludes: «Antes de explicar o' meu
a verdadeira arte do compreender. Todavia, BOECKH livro aos outros, aguardo que os outros mo expliquem a
havia descrito o compreender filológico, numa formu- mim. Querer explicá-lo primeiro significaria ao mesmo
lação muitas vezes citada da sua «Enciclopédia», como tempo limitar o seu sentido; pois, ainda que saibamos
«conhecimento do conhecido» (mais exactamente: co- aquilo que quisemos dizer, não sabemos todavia se dis-
mo «O conhecimento daquilo que foi produzido pelo semos apenas isso. - Dizemos sempre mais do que
espírito humano, isto é, do conhecido»). Em conformi- ISSO. - E o que especialmente me interessa ê preci-
dade com esta mesma ideia, diz DILTHEY: «O espi- samente aquilo que ai meti sem o saber -a parte do
rita compreende aquilo que ele criou». Com base nestas inconsciente, à qual eu gostaria de chamar a parte de
últimas considerações tem-se caracterizado a interpre- Deus ... Um livro vale tanto mais quanto menor for nele
tação filológica como método empírico. Assim, diz a parte do escritor, quanto maior for nele a recepção
RADBRUCH na sua Rechtsphilosophie: «A interpre- (fecundação) de Deus ..Aguardemos de todos os lados a
tação filológica visa a determinação de um facto, do revelação das coisas, aguardemos do público a reve-
sentido subjectivarnente mentado, dos pensamentos lação das nossas obras>). De igual modo pode ler-se em
cfectivamentc pensados de homens reais)'. Acr_escenta, T. S. ELLIOT: <<Se a palavra 'inspiração· hã-<l.e ter
porém, que a moderna ciência da literatura Se em;nClpa qualquer sentido, será ele o de que aquele que fala ou
cada vez 1nais de urna tal interpretação filológi~~ e se escreve exprime algo que não compreende inteira-
volta para a «investiga_ção do sentido object_iy;;i.m~nte mente ... )).
;,:ãEGO -da poesiã.», para desta maneira «co_mpr.ee9der Onde é que devemos nós, pois, no seio desta região
melhor o autor do que ele se compreendeu a si pró- espiritual, situar a interpretação e con1preensão juri-
prio}1, segllndo afirma um modo de dizer - um tanto dicas? Teremos em primeiro lugar que distinguir entre
escolar· - Gue jâ remorita a KANT. A este Inei'i1~r as intenções da história do Direito e as da dogmática
·corripi-eender se refefem também os grandes poetas, ora jurídica. Ao histon"ador do Direito iinporta, atraves das
ironicamente ora a sério. Em «A tempestade>' de suas investigações sobre o imediato sentido das fontes
SHAKESPEARE, diz Gonzalo: «Vós haveis falado jurídicas, descobrir os motivos das leis e dos usos
mais acertadamente do que estava na vossa intenção)), juridicos (compreensão pelos motivos), mostrar, por
ao que Sebastian responde: «E vós havei-lo entendido vezes, as personalidades e forças espirituais que tiveram
mais inteligentemente do que eu o pensei». De actuação na elaboração do Direito («compreensão
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pessoal>>, etc.), e~ finalmente e por outro lado, pôr a a uma exigencia» calculada para «provocar o toiro gaü-
claro toc:fa a situação histórica da qual emergiu o Direi- les à investida>> e sujeitar o governo frahcês a um de-
to. Tudo isto pertence à forma originária do compreen- saire diplomático aos olhos da opinião pública euro-
der histórico-jurídico, ao passo que aquilo que RAD- peia. A compreensão histórica também abrange, pc):is,
BRUCH tem em vista como «investigação das evo- como é evidente, o acolhimento que se aguardava para
luções do sentido objectivo», como «história espiritual aquela atitude. Segue-se a consideração dos motivos do
colectiva em acção)) e cujo modelo ele encontra explici- comportamento de Bismarck, a penetração psicológica
tado pela primeira vez em HEGEL - enquanto este da sua personalidade, a análise da situação histórica, tal
trata de desimplicar os sistemas de pensamento nas como ela se apresentava ao próprio Bismarck e como se
suas «conexões reais» e de «conceber as suas conse- nos apresenta hoje a nós, a dilucidação do «espírito da
quências históricas como um processo lógico ... , de época>>, ~entendido este simplesmente à lu~ das ideias
explicar o curso do espírito objectivo como obra de um então dominantes.
Espirita» -, já não seria de considerar como puro Q!~ . . Q.Ç...JQana ...i~~:l __o~ _~melhante se processa a
compreender histórico mas como «explicação» históri- compreensão histórica de umà'7e;:--ê6meçando com o
co-filosófica. A atitude do historiador do Direito em seni~dO faCfllil.!ITi~rl~_~tãao....e querido_.~_12õe ~~!da­
face duma fonte jurídica, especialmente em face duma mente a claro as conexões históricas mais próximas,
lei, não difere da do historiador político em face dum _c!fSCobiê.ôSZ~mOtiVOS~fqt~Õs~-~§. pontmde -;jsta ~~s
documento político. Tomemos como exemplo drástico o seus "autores· e, fifialmente, investiga todÚ OSi~I)sÕiO~d~s
telegrama em Ems11 J. O que historiador logo procura íãfzeS-h15tOTiC-as··ea-atmciSfêfãeSPJiiwa1_e.n1~.qij_~~]ei_s.e -
indagar é o sentido mentado e querido por Bismarck d;S!_nyQiveu .L(oJroQ..u,_ -Nesíe-SenJi®-Qôde efectivamen-
com o seguinte período: «Sua Majestade o Rei recusou- -~~ WINDSCHEID dar ao intérprete a seguinte direCti-
-se a receber novamente o embaixador francês e man- va: ((e_ntrar e iiitegf"âf::-se õ mais _pOSsiveinq_ êSJ'Hõttr:ào
dou informar este pelo ajudante de campo que Sua legislador, toâiando erri·contãtoctoS as· eie'~entos de que
J\1ajestadc nada mais tem a comunicar-lhe». Para tanto, Seja possível-lançar mão>>. --
o historiador compara este sentido com o do telegrama Mas --Podera utilizai-se a mesma receita pelo que
originário, tal como ele foi comunicado de Ems a se refere à dogmática jurídica? A esta há-de interessar
Berlim através de Abeken, para deste modo apurar na verdade o conteúdo objectivo da lei per se, e em
quais as omissões e alterações que fazem da «cha- primeira linha o seu alcance pratico, assim corno lhe
made•> uma {<fanfarre)) (falar duma «falsificação)) é hão-de igualmente interessar o conteúdo e o alcance
incorrecto e pouco objectivo). Tratar-se-a, em seguida, (extensão) dos conceitos e normas jurídicas, mas em
de situar no seu contexto histôrico a fôrmula do segunda linha interessarn·lhe tambêm os significados
telegrama publicada, de a compreender como «resposta politico, êtico e cultural da mesma lei. Tudo o que é
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elemento histórico apenas pode estar subordinado a sarnento no ponto de vista do legislador e recapitular
estes conteúdos objectivos e colocar-se ao seu serviço. meiitalm-érite- a Si.ia act!\j_d~de»_;_ -sysiêín,- p: ·-2-13 ),
Todavia, seria precipitado tirar imediata.Inente a con- WINDSCHEID (a interpretação é a «determinação-do
clusão de que uma interpretação histórica e filológica é sentido que o legislado~_ liiou_-~s_.Pala~;;; po11-ele-·uti-
falsa, de que o escopo da interpretação jurídica apenas lizadas», o intérprete deve «integrar-se o mais possível
pode consistir em destacar o «Sentido objectivamente no espirito do legislador»; Pandekten § 21<2i), REOE-
válido da regra jurídica.)• Antes, é precisamente aqui LSBERGER («A lei_é _a ~~pressJo..Q'\_ vo;;lad:eJi<'-
que começa a problemática central da teoria jurídica da legiS"iãdOr·,-COilteúdo da l!i é aqyj.!o tlil_f?. ~e,..r~f9~J1~~e. ~t­
interpretação: O conteúdo objectivo da lei e, consequen>; sido _queridô ~~lo legiSlador, a vontade do legislador»;
temente, o último «eséopo (la]ITTerpretaçao», são de- Pandekt;n, p. 143), ENNECCERUS («Decisiva é a
terminados-e fiXaãc5S3líãVéS-dã «vOntãde~>-~Ç~gi~~ vontade do l_e_gislador-eXpresS"âilãTei»~ iêhrbU~ch~ vol~
'históricõ, manifestada então e uma vez por todas, de !, iíâS.ciir;,-~ntes-«ctições), iiERLING. ç,;,. Prin;ipien-
modo que a dogmática jlirídica: "deva· Següi~ ·ai~!~d-~s __ /ehre IV, pp. 230 e ss.), HECK Jqo!!le.ad.amente em
do· historiador ____:_ não, claro está., em razão da his.19ria:.,!. Gesetzesauslegung und InteTêssenjurisprudenz: .<!.º-~rn_é;­
mas em razão.da pfópria matéria em causa-, OY,_!1ª-.0 todo_ correc;to da jnterpretação-da-lei-é.,,.-Uma-invest-i-
serâ, pelo contrário, que Oconteli.do objectivo da lei tem- gação histórica dos com_andos e Qos i9~~_e_~l.~.Q,_~9),
autonomia em si mesmo e nas suas «palavrasn,-enquan- BELING (o juriSta tem «d~ li:i~~~tigª.r as idei_a_s_ya_lo.=
to «vontade da lei», enquanto sentido objectivo que é radoras que-tive-ram oS hõm~ns eµipítjc9§ ~Ol}ÇI~t!ll._qµ_e
independente do mentar e do querer <(subjectivos» do criaram· a lei, a 'vontade do legislador' no _se;ntido .da
legisladOr histórico e que, por isso, em caso de necessi- clássica teoria da interpretação»; Tubinger Festgahe ),
dade, é capaz de movimento autónomo, é suscePtíVeT de SJAMMLER (por último no Lehrbuch der Rechtsphi-
eVOluç·ão Coriio tudo aquilo que participa'--ao· eSPfrito losophie, § 129), PETRASCHEK (System der Rech-
·<(objectivo»? Em voltá desta problemática ·s~~ t(~va_ a tsphilosophie, § ·30), e mais recentemente também
luta das· teorias ·da interpretação jurídica - designa- NAWIASKY (Allgemeine Rechtslehre, 2.• ed., § § 126
·ctas abreviad3.mente por teoria subjectivista e t~orj_a ss.Pl). De todo em todo, porém, a chamada teoria ob-
objectivista - até aos dias de hoje. jectivista da interpretação começ_~-Ü- 'ct~_s_dj_ "i-1;,i_aigllffi_as
Descrever em pormenor os termos desta luta décadas a vir ao de cima, o que aconteceu em transpa-
conduzir-nos-ia demasiado longe. Pelo que respeita à rente paralelismo com o emergir do princípio constitu-
distribuição das opiniões, devemos dizer que a teoria cional e democrático; sob o Nacional-Socialismo hou-
subjectivista foi no passado mais frequentemente de- ve, por isso, e neste asp~cto, um certo retrocesso,-v-iSte--
fendida que a outra. Subjectivistas fora~ ou são: o «princípio do chefe» (<<Führerprinzip») parecer legi-
SAVIGNY (interpretar significa «colocar-se em. pen- tiffiar um método su!°Jj~~tiytsta__9~_ in!__e_rpretação. Já no
- --·---- ... . -·-- -
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final dei século anterior tinham os grandes juristas ram uma lei. A própria lei e o seu contelido interno não
BINDING, WACl:l e KOHLE_R defencjjdo_unq>onto são uma coisa estàtic3 como qualquer raCto histórico
de"J~iã~bj"êctivista. Hoje a teoria objectivista '-se bem j)àssaao {«eterõãrrié"i'lte quieto per~.!le~e .2..Pill3lll.9ll.).
Que em. diferentes variantes -- e prénamente domi~an­ mas ·são- algo de- vivo e de mutável e são, por isso,
fe'"J~- Erlf todo o caso encOntratn-Se-·pos1çoeS.intermé- S:Usteptíveis de adaptação. o· Senüao·-aa· ·íet iõgó ·se
dias, por exemplo em SCHREJER, BARTHOLO- 'êiúJdificà-peió--facto de eia-Constituir parte integrante da
MEYCZIK. DAHM e LARENZ'"· Sem _que~l"."'os ordem juridica global e de, por isso, participar na sua
destacar ag~ra em especial um ou outrOdos repreS"~~~=-­ constante transformação, por força da unidade da
tantes da teoria objectivista, procuraremos levar--ao ordem jurídica. As novas disposições legais reflectem
c~nhecimento do leitor as ideias ~asilares _desta .teP= sobre as antigas o seu sentido e modificam-nas. Mas
rial&J_ não é só uma mudança no todo do Direito que arrasta
. Com o acto legislativo, dizem os objectivista.s, a lei atrás de si, como por simpatia, o Direito preexistente:
desprende-se do seu autor e adquire uma existência também o fluir da vida o leva atrás de si. Novos
objectiva. O autor desempenhou o seu papel, agora de- fenómenos técnicos, econóffiicos, sociais, políticos,
saparece e apaga-se por detrás da sua obra. ~ o_b..!"a ~~­ culturais e morais tém de ser juridicamente apreciados
texto da lei a «vontade da lei tomada palavra», o com base nas nonnas juridicas preexistentes. Ao ser o
«possível e ;fectivo conteúdo de pensamento das Piia- Direito obrigado a assumir posição em face de fenóme-
vras da lei». Este conteúdo de pensamento e. de vontade nos e situações que o legislador histórico de maneira
imanente à lei é de futuro o único decisivo. Com efeito, nenhuma poderia ter conhecido ou pensado, ele cresce
só ele se constituiu e legalizou de acordo com_ __ a para além de si mesmo. <(,.\ lei, Jogo que surge na
Constitui_ção, ao passo que as representações e expecta- existéncia, insere-se num cãITlpo de forças· social do
tivas do autor da lei, que em volta dele pair~, não qual, de agora em ctiante, ... ela vai retirar a-n'Ova
adquiriram carâcter vinculativo algum. ~!! ~_?-~tráriSJ: configuração do seu conteUdo)> (MEZGER). Poi-isso
como qualquer outro, também aquele que participou no mesmo nos encontramos nós em situação de «com-
acto legislativo fica, de agora em diante, êié~p~(?,p~o, preender melhor» a lei do que a compreendeu o próprio.
sujeito à lei. Ele tem que se deixar prender pelas legislador histórico. Não pode ser nossa tarefa deixar-
próprias palavras e deixar valer e actuar contra si a mos o presente com os seus problemas e retrocedermos
vontade expressa na lei. O sentido incorporado na lei anos ou décadas para entrar no espírito de um legisla-
pode também ser mais rico do que tudo aquilo que os dor que propriamente nos não interessa já. Logo:
seus autores pensaram ao realizar o seu traba1ho - interpretatio ex nunc e não interpretatio ex tunc. A
quando pensaram sequer algo, o que nem sempre se partir da situação presente é que nós, a quem a lei se
poderá afirmar em relação aos parlamentares que vota- dirige e que temos de afeiçoar de acordo com ela a
174 175

nossa existência, havemos de retirar da mesma lei transparência, há ilnportantes contra-argumentos que já
aquilo que para nós é racional, apropriado e adaptado HECK, -de-sigrtã.dãinente: soube esgrimif-COni~acerto.
às circunstânciasl 71 . Fidelidade à situação presente, Ele tOmou j}Of alVo, sobretudo. quatro -a-rQ:~.W~
interpretação de acordo com a época actual, tal :"-tarefa çentrais e sempre repetidos da teoria Qbje_c_tirista, a ·
do jurista. A sua mirada não vai dirigida para o passa- saber: o ~(argi.Jme-rrro- da -vontade)> (nào existe um
do, mas para o presente e o futuro. F~er tjQ__.ói:gão legislador dõtado-ae ·vontade próp.ria)~ o (<-arguffiêptQ da
aplicador _do _Direito um oQ__edi~nte _seO'O-do-leg.islador "forma))._(só as manifestações de vontade v~r!!d9s~ na
(cOnlOéôn~e~~ .d~- «-obediência pe_v.5JID1e~gpe.r9!L1i~ tem
..__fõrffi'a da lei força legal), o «argumento da confi<J.D-
Signada.infnte-o subjectivista. HECK) l)ignific~ria_ degm:__ Ça>> (os destinat:irios da norma ·devem poder confiar na
dà-lo. O juiz em esPecial é, como po$_Q()t_ d_o_.!! T_erceiro Palavra como tal) e o (<argumento da integração)) (Só
Poder» d_o. Estado~ u_m igual ãO__I~gislador. N~__m_~dida Ü1na interpretaçào objectivista se ajusta aos inté"r;sses
ffii que: por meio da int~rpretação objectfv.is!~~ ap~Ea.-s da integraçào e complementação do Direito). Como,
deixa valer a lei com este sentido, ele defende a sua poretn, nào podemos acompanhar aqui esta pendência
própria autonomia. Por último e par.i Coricluii: O que é ate ao seu termo, remeteremos, pelo que respeita a
hoje em dia um legi$lador cuja vontade «pessoab) possa defesa da teoria subjectivista contra estes argumentos
orientar uma interpretação «histórica))? «O legislador da teoria objectivista, para HECK e outros. Queremos
moderno é um ser anónimo constituido poí UJ}l_<_!_R!.!:!-ra· liinitar-nos a destacar aqueles pontos de vista que, em
!idade de pessoas e, portanto: por uma ffiultiplii;ig_ªde de nossa opinião, são hoje decisivos para a solução do pro-
direcções de vontade)} (ZWEIGERT). O sentid_o c;!a lei, blema.
todavia, apenas pode ser um só, coerente e isento de Ern primeiro lugar, havemos de usar de cautela na
contradições. utilização de imagens e paralelos. RAQB_RUCH__com-
Nestes termos, ou em termos semelhantes, se parou a passagem da interpre_taçâO filológica para a
exprimem os objectivistas. RADBRUCH reuniu e interpretaçào jurídica com um na~iÜ que, «ã. saída~ é
elaborou os respectivos argumentos da forma mais .di.rigido pelo piloto da barra seglindo -um _r;~curso
fascinante. Foi também ele quem chamou a atençào ·pree~t~~~~ci~o_ ~trave~ d~~ -~guas do pqf12.L!!l~!!~ec?is,
para o paralelismo com a interpretaçào objectivista nas no mar li.vre.. busca _o seu próprio ru1no sob a orientaçào
lendas, na magia, na retórica, na Escolástica, nos ~do capitào». Sentimo-nos- tãffibem -têntiidos a Pefisilf ~ ~
sermões proferidos em festividades reiigiosas, no «bibli- propósito da relaçào entre o legislador e a sua lei, na
cismo» e na moderna ciCncia da literatura. relação entre pais e filhos: a estes começa por ser
E, no entanto, o problema da teoria da interpretaçào inculcado o espirito do lar paterno, mas eles logo
nào pode ainda considerar-se como definitivamente. entram de tornar-se cada vez mais independentes, até
resolvido. Contra o objectivismo, apresentado com tal que enfrentam os pais com ponlos de vista e decisões
176 177

própriOs. Tais imagens podem na verdade fazer o que se desprendesse do autor do pensamento sig._rüfic_a_-_
pensamento intuível, mas não têm qualquer força na algo de funCJãmentalmente diver.so ·e-Consistir.ia-em-
probatória. O mesmo se diga pelo que respeita aos ~ribuir às pàfàVrã"s sentidos que -~Ias·-n-ão_ c_omp_oriamr
paralelos com outras ciências. Que a ciência da literatu- e'm- -·cOiriplementar o se~ sentido, especialmente por
ra, em tempos recentes, propende a avançar da interpre- párté.. âôS «senhóieS_ cheios de si» que se comErazeTiieffi
tação filológica para a <~pesquisa do sentido objectiva- Vêí-se rêffê"CilctOs - TIO eSpelho das palavras_alheias.
rnente válido da poesia», pode na verdade mencionar-se Como-no-:fcf mõSfra umã ·vista de ·olhOs sob;e as outras
como interessante do ponto de vista das ciências do ciências do espírito, a palavra e o conceito «interpre-
espírito~ mas só demonstra algo válido para outras des- tação>} têm elasticidade bastante para darem cobertura
tas ciências quando se creia em leis objectivamente assim a uma interpretação histórico-subjectivista como
válidas da evolução do espírito humano. Quem proceda a uma interpretação objectivista. Se da palavra, do
com a necessária precaução lógica investigará primeiro conceito e da essência da interpretação nada resulta,
os métodos de interpretação das diferentes ciências do pois, de decisivo para a nossa questão, então nada de
espirita, para depois verificar se aí se nos revela um unívoco se poderá afirmar a priori sobre a pendência
conjunto de leis gerais. Talvez que exista uma impor- entre as duas referidas doutrinas. Pelo que bem podem
tante diferença entre as obras poéticas e artísticas, que, ter _ ra~ªº __aqueles que dizem que ~estao ao correcto
- mesmo na nossa desdivinizada época - revelam o ;;"6todo intêrpretatIVO, qu-e~ .dizer, do escopo últiino da
cunho da inspiração, e as leis jurídicas, que são o . iritérPreiaçào; não p~de ser decidida de uma vez por
produto de um trabalho muito árido e cingido às rea- todas no sentido desta ou daquela do:u_tI:.i!1~. mas antes.
lidades. Por isso, mais facilmente aceitaremos uma está- ·e-sse métod_o :_n.fl depenafõC-i-;- das particulares
interpretação que «compreende melhor>} no domínio da -iafffas que lhe cumpra levar ~l- cabo~- Aplic-aâo ao
poesia e das obras de arte - de resto, nem aqui ela e Direito significà isto que· depende da- função juridica âa
completamente isenta de problemas e de perigos - do interpretação, da atit11:de do intérpre-te pêrante a lei em
que no dominio do jurídicoc. De todo em todo, uma vista cada caso e, em certas circunstâncias, mesmo da
de olhos sobre outros doffiiãiOS. dã CriáÇãlY- e-s_pi-i=itual ;;t~tiirii da ordem jurídica e de regras legais positivas,
SeIDP~e nos -~t! ensinar o s~g~inte: ciu_e 9 ~nce~e a questão- de -~aber-··qüal dos métodos é o correcto.
«interpretação>} não está desde lqgQ. presE a !trna _SOMLO distjnguiu e-ntre ((teorias fundamentais da
interpretação histórico-subjectivista_: Doutra rõffila fa- interpretação jurídica» e «disposições_ ~obre a interpre-
cilmente se seria levad~ a crer qtÍé ã <ünte"rJ)fe-taÇãó>> taç_ão coni uri1CüllteúdÕ Jurídico>>. As prime-iras, -entre
constitui como qtÍe uma determinà"ção, «segiiii"dO leís .. as ci~.lis se cõnta deSignadarnent:-o Í>rin~ípi9 segundo o
essenciais», do pensamento pessoal _expresso effi pãla- qual_ <~u_m determinado conteúdo juridico não pode
vras e outros simbolos, que uma apreensão do-sentido excluir totalmente a -né"~e.Ssidade de interpretação»
. ···--.
179
178

(impossibilidade da proibição de interpretar), __y~e.m--a.- regras legais i~!<:_rpreta~i_v_as. Tal o que aconteceu, por
. n· ·mas as segundas não.- Ora entre as ultimas
prio, ._ exemp!Ü, com o § 1 da Lei de reforma fiscal de 16-10-
coloca ·sOMLO precisamente o problema da opostçao -1934. Esta estabelecia: «.i\s leis fiscais devem ser
entre o método subjectivista e o objectivista, problema interpretadas de acordo com a ideologia (concepção do
esse que, por con_seguinte, poderia s~r res~lvi~~ pelo mundo) nacional-socialista». Esta disposição parecia
Direito positivo. E verdade que se nao atr1bu1ra uma favorecer a interpretação objectivista._Ç.9!11.Q, .I?o~é_!Pi.. Ç~
importância por aí além a regras g~rais interpretativas ideologia nacional-socialista fazi~ parte !J princípiu..--<lo-
desta espécie, de origem legal. A parte mesmo as -Chere (Führérprinzip) e este fazia pen~~r Pªlª-ill!l.
~proíbiçõ~§ de inte_rp_r_~~ar» (mai~ Corr_ectamente: __~~9~ rriefodo subjectivist3 cte interpretação (a lei er~ ~--·
biÇóe"S de_ CQJll~J!!â~~,__gu~...nãoJ~e~Se~dd~-~~u~ <<-Vonurde do chefe))), t<irribem um métOdo ·SUbjeCti_vi§._ta
São OOnhecidas na história do PireitQ como memo_na1s a SC?õderi·ã-·apo-iar naquela· regrâ · 1egal irliefpret.ªtiva~_
·ingenuidade do legi_~laçlo~. ã sua força é diriiiilu!3. Se, e. A:lénl dissa-·levantou-se a questão de saber se aquele
g., uma regra interpretativa legal exige que o intérpr~-~e preceito era susceptivel de generalização. Valeria por-
se Cinja rigorosamente ·à vontade·do-legisla1lõr;efa será ventura apenas para as leis fiscais. e não também para
Válida e fará sentido, mas não poderá -impedir-que. as outras? - Menos ainda do que as regras sobre
fazendo apelo às verdadeiras intenções do legisladôí.ou interpretação contidas na lei, nos proporcionam qual-
à impossibilidade de descortinar intenções claras e quer indicação para uma solução fundamental do pro-
unívocas, uma interpretação objectivista volte -a reins-
blema as chamadas (<interpretações autênticas)), a que
talar-se. Se, inversamente, uma regra legal interpreta-
tambêm damos o no1ne de interpretações legais. I;Jªs
tiva exige que o intérprete, por qualquer modo, ~aja ·de
apenas t~m significado para a disposição CQIJCreta cuja
descobrir o sentido objectivo, pode apesàr disso aCOnte-
interpretação esclarecem. «Aquilo a que chamamos
cer que este sentido seja procurado através -~é!_S iEten-
interpretação legal é o estabelecimento duma nova regra
ções do legislador histórico, por de~sa maneira melhor
juíídica» que «constitui ela própria. por seu turno,
poder ser descoberto ...Pe resto, também aS r""ê~ras~-1e~_ais
objecto da interpretação cienúfica» (REGELSBERGERJ.
interpretativas necessitam, por seu turno, de interpreta-
Se, portanto. as regras legais sobre interpretação não
ção. Deve.mos nós aplicar uma tal regra a sr·p-rOpria'!
têm para nós qualquer relevo e se, por outro lado. os
Não serão de recear então verdadeiros paradoxos,
princípios aprioristicos também não resolvem o proble-
como, por exemplo, declarar o legislador, através duma
ntáxima de interpretação objectivista, que quer que a ma, apenas nos resta a já mencionada funçào jurídica
sua vontade não seja decisiva? A pendênci~.!1Y~-ª.1e_g-_ da interpretação como critério do método interpretativo
correcto. Uma interpretação orientada de um modo
ria subjectivista e a objectivisiafB.ciTõlente se r~_st_a_be­
lecerá de novo a propósito da pfópriã-·irite-ipi-etação das puramente cientifico pode, sem dúvida, servir-se de
cada um dos métodos e deve mesmo. fazê-lo. O teórico
180 181

do Direito pode, se quiser, assumir a posição do histo- ~~~ -~ó~-~-I_!l~ _r~~!u5ão_, o méJ.od..9 9a i11t_e_mretacão_
riador puro, mas também pode, dos mais variados S~Jª. duplo: um relativamente ao Direito anterior. e Q_utro
pontos de vista objectivistas, interrogar o teXto legal em face do DireÍto _novo_ O Direito antigo se~á. por
sobre o seu possível conteúdo e destacar aquilo que nele VêZ'es~"'ãOapfado ao novo estado de coisas criado pela
se contém e dele resulta de «razoáve!H, Hadequado aos revolução através duma metódica objectivista; o Direito
fins práticos da vida», ((ajustado à actual situação». novo, pelo contrário, será interpretado ponto por ponto
Uma outra questão é, porêm, a de saber em que medida segundo a vontade do legislador revolucionário que
estes conteúdos de sentido, quer sejam históricos ou conquistou o poder. ~-~__n__ãp_RQdemq_~-i~litar <lema-
objectivos, são vinculativos para a aplicação prática do s~~~~ <!_S cois~~--~.--ªflf!!l~..!~ ~aj~ __gm:,~~ ...!odq_ C!
Direito( 81 • Esta questão, decisiva Para o prático, e para sistema const1tuc1onal parlamentar e democrático 0
a dogmãtica colocada ao serviço da prática, apenas mitóao ·a~jectivJsta de interp7Ciitçá0 ·é_() UnicoTosS'i;_eL
poderá ser respondida tomando em consideraçâO as A mim quer-me parecer que se me~~sp~ez;-~;:;; de~~sia
relações entre os diferentes poderes do Estado, a função o significado voluntarista, político-decisório que a le-
legislativa, por um lado, e a função judicial (a aplicação gislação também tem na democracia. e que se confere
do Direito), por outro, tendo em conta especialmente a demasiada autonomia a outros poderes do Estado que
posiçào que o órgão judicial assume ou deve assumir devem em certo sentido subordinar-se à vontade do
ern face da lei. Pensemos aqui apenas no juiz: tratar.-se- legislador e às suas directivas, fontes de coesão do todo
-ã antes de tudo 'de saber q~ál a sua posição dentro ~o estadual. Ora isto implica o perigo do abuso e da'
«desintegração» -~J. <?___~ét9d9....o.bjeç_t_iyi?.ta dª in_terpr.e~
1
Estã.do e como é regulada a sua relação com a lei. Já
por varias vezes se tem observado que_ o juiz que, cÕmo ta~-à~ sobrestima. antes de mais, aquela combinação do
servidor de um monarca absoluto, aplicava as suas leis, ar?uménto dá. voritacte e_ do argümento _da forma._que
tinha de interpretar segundo métodos subjecti1iistas, afinna que apenas a vontade da representação popular
Pois que devia «indagar da vontade pessoal do senhor foi vertida na forma jurídico-legal e que esta vontade
do território)>, «já que esta vontade precisamente ... é decisiva não é qualqut;r realidade palpável. Por mim.
que era a lei)) (REICHEL). Ideias semelhantes foram continuo fiel àquela tào injuriada concepção segundo a
defendidas relativamente ao Estado nacional-socialista, qual uma representação popular que não apresenta
governado por um chefe (Führer-staat ). Num estado como decisivo ou relevante qualquer sentido especial e
constitucional ou democrático, com divisão de poderes proprio durante o processo de deliberação e da concep-
e pluralidade de partidos, as coisas podem apresentar-se ção definitiva da tOrmula da lei, aceita aquele sentido
sob uma luz diferente. É sem dúvida verdade que «a que os verdadeiros aurores desta dera1n ao texto por
situação constitucional geral tem incidência sobre Q. eles elaborado durante a sua feitura e que eles revclain
entendimento hermenêutico da lei>~. É mesmo po~~ivel na «exposição de n1otivos)) {e a cha1nada (<leoria
182 183

pacticia» ). Não analisarei aqui mais de perto o «pro- ~1. adequa~_ -~s _finS: do Direito. A nossa (dntrodu-
blema dos trabalhos preparatórios». Todavia, a objec- çâo» nào se propõe a tarefa de estabelecer dog1nas
ção muitas vezes repetida de que esses trabalhos ou firmes. Pretende apenas indicar os prob_lemas e apontar
materiais legislativos não são a lei, não colhe, em minha a _direcÇaO ernque-~~criva solus÷~~hci--Oe ser
opinião, pois que na verdade tais trabalhos ou materiais
~S~ã:çfàttai·: ···- · ·-·-·-- --------·- "- ·· -··---~·

apenas devem ser meios para o conhecimento daquilo Interrompamos. por isso, a discussão sobre a
que se pensou ao conceber a fórmula da lei. Em todo o pendência entre os métodos de _interpretaçào sub-
caso, não é possivel põr e_m prática uma teõi'ía JÜb:- jêCfiVlstã" é-·oojê'CtiviSta: .. e-va~os- aPe·n~S recou1era1gu-----·-
jêCti-vista entendida em termos sérios senl 1!.,.JP.-ª~~ons­ inãSCõriCiüsões fitiâls: - _ " ·-- - ·-
clehêiosa apreciação doS ffiate.riãis 1eglsialivos (traba- r
·-~ ·-·· 1-:à co·m.-eêeffios p~r pensar de novo nos pontos de
lhos preparatórios) e de toda a história da _g~·neSe ao partida que foram postos em evidência no final do
píeceitO. E- tiirTibem ·e SegurO-que··a·quéstãõfundamental capítulo anterior e que serviram de introdução ás
é propria~ente esta: é-nos lícito passar por cima da considerações do presenre capitulo. Julgamos ter mos-
vontade do legisla~or histórico onde essa vontade se trado em breves palavfas como se correlaciona1n recta-
mostre firmemente estabelecida e só o modo da sua mente a compreensão teorética e prática. a concepçào
expressão na lei se revele ambíguo'? Na rµedida ~rn_que histórica daquilo que foi propriamente mentado e que-
a vontade do legislador histórico nãÕ- i apreensível, já rido e a desimplicação do sentido por forma ajustada a
pode daf-Se. a palavra ao sentido .«rriáis Íaz~ável>>·;-do actual situação. Mas_ tambérn se nos deve ter tornado
qual se pode na verdade afirmar que, na dúvida, deve claro que soment;- ;m~ tofnadá-·de.POSiÇào1'e-rri" furida-
ser considerado como aquele qUe -o legisladof ql.íis. , . mentada a propüsito da pendé~cia entre aS teorias
Tudo isto, porém, não significa que a teoria objectivista ·~é\ ativas aO escopo próprio da interpretação nos penni-
deva ser apresentada coino a verdadeira. Sou antes da tii:_;!_ og~_far frutuosamente corri o.S tradicionais nietodos
opinião de que todo o problema aguarda ainda uma interpretativos (interpretação gramatical, sistemática e
solução definitiva e que, como todos os verdadeiros teleológicaf 1 11 • Regressando agora ao nosso exemplo da
problemas fundamentais, nunca poderá ser definitiva- receptaçào de sub-rogado, facilmente reconheceremos
mente resolvido. Ele exigirá sempre de nós uma nova que sü através da combinação dos métodos ante-
decisão, e1n conformidade com a nossa época. Tería- riormente descritos com a determinação, ou histórica ou
mos ainda que verificar se não se terá poryf.i!t~rá-­ objectivista, do escopo interpretativo. se podem obter
constituído um Direito consuêtúdinário. que confere ao decisões seguras. Em Lodas as tàses da interpretação, a
juiz-1egitiinidade para, despi"eitderidO-Se da Vo-iita-de do saher. nas fases gramatical. lógico-sistennitica e Lelco-
lêgislador histórico·; prf-encher o·texto da lei cOm-·um lógica, pcrsistirào. relativamente à aplicabilidade do
sêntido ajustado ao momento áctual, um sentido razo_á- 3 259 do Código Penal à receptaçào de sub-rogado.
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questões em aberto e pontos ambiguos, enquar.to não isto. fala-se tambêm de um modo de interpretação
soubennos se o que propriamente importa é a «vontade e:fãrilãiicar=-Subjectivo oü- ·gramati_c_~l-objeclllio .ê:têJ.eçl_o
do legisladorn, quer dizer, pois, do autor do §259, ou a ~icü-sUbjectivo oU teleoIÓii~~-objectivd 1 ~ 1 , re5_0..ofil!zin-_
Hprópria vontade da lei)). Em todas estas fases se nos dÕ- a uma unidade esCopo inlerPíet_ãtfv~· ~---é~~~e
depara a alternativa: o legislador ou a lei? Que sentido _lnterpretaçào.
ligou o legislador as suas palavras, ou então, qual o 2.ª) Mas então haverá ainda que ter em conta. por
sentido de que as palavras da lei são em si mesmas outro lado, que º.~!>jectivismo e_o .objecti.rismQ,j_Ç_e_or
portadoras? Que significado tem a conexão lógico- si. não caracteriza/Os méto9,o_s _da __inte.rpre_tação .e· _da
-sistemática segundo as intenções do legislador, ou que cÜmpreensào._ Se, por -e~e~Plo, me coloco do ponto de
significado resulta dessa conexão dentro da própria lei'? Vista subjectivista, permanece ainda a questão de saber
Qual o fim que persegue o legislador histórico ou qual o o que é que deve decidir em primeira linha, se os
fim imanente à lei'? Mesmo a <(história da génese do ((comandos que se representou)) o legislador histórico
_ptegito» ,_por mais paradoxal que pareça, podemos não (quais as hipóteses e quais as consequências juridicas
~------
só investigá-la por Uf!!_Q(q~_esso -rigo[jjSam.e.nte~bistóri.co- que ele teve em mente·?)~ os seus «fins» (quais os efeitos
-fnas lanlbétÚ_ teãiã-r «interpretá-la» objectivamente va- próximos e re1notos que o legislador quis obter através
. lorando -oS rilaifriàTs -legislativos~ ~nao--tanto ·enqt./anto dos seus preceitos'!Y 131 ou a sua atitude globalmente
e
meios de prova -dos reais pensamentos interiÇOes do considerada (por que ideias e princípios se deixou ele
legislador, como antes enquanto base ou-fU:fl.dam"ênto de conduzir:). g ~e modo paral~l_o se passam as coisas
construç_ões históricas dotadas de um sentidO-obJeCtivo. quando se assume um ponto de pariid-à objcc-tivista.
No momento em que rios decidimos por uma-determi- Sim~ a teoria objcctivista força-nos, nuffia medida ainda
nada teoria da interpretação, também as questões maior, a considerar os escopos e pontos de vista
relativas ao teor literal, à conexão sistemática e ao fim segundo os quais o sentido objectivamente implicito na
assumem uma configuração mais precisa. Se. como lei deve ser actualizado_ Aquilo que há-de ser retirado
mostrâmos, todos estes elementos são, tomados de per da lei co1no objectivamente razoável. justo, pratica-
si, multissignificativos, o quadro modifica-se quando mente acertado, de acordo com a nossa época, ajustado
sabemos se, por sob o teor verbal, a conexão ou o fim, a situação actual. apenas de lã pode ser deduzido
havemos de procLJrar uma vontade pessoal histórica ou quando saibamos o que queremos. Poderíamos também
se temos antes de descobrir ai uma decisão razo:ivel e dizer: um entendimento correcto da lei tem como
ajustada à nossa actual situação ..Ainda que a resposta pressuposto que nos entendamos a nós próprios correc-
nos acarrete novas dificuldades e contiõúe· á--;erd~~idO­ tamente. Somente quando _tenhamos já concebido de
-Sa, a questão todavia é clarame~_te-·1~-~ª~-ª---e o antemão a'"decisão e os fundamentos materiais .em--que
método da resposta é seguro. De cOilfOrmidadê.Cõm e!~--Se apOia podeinOs pe~gunla~ .il~i em que medict_a

'"
186 187

esta decisão é «imanente» as palavras __d__a__ lei .CQ_Jno violação de bens juridicos, mas, para além disso, ê vio-
Se-ntido possivel1141 • Aqui se revela um campo de fru- lação intolerável da ordem moral». Durante certo
tUos·a iiiVéSTigaçàO -de ponnenor, pois nos últimos te1n- tempo operou-se também no Direito penal com o
pos modificaram-se frequentemente e profundamente os conceito de um «tipo normativo de agente». a tim de
pontos de vista sobre a substãncia dos preceitos juridi- exprimir o teor da ilicitude da acção punível que passa
cos. Para tornar este ponto mais claro, tomemos hipote- alem da simples violação de interesses: Nos tipos legais
ticamente o partido dos objectivistas. Deste ponto de de crimes mais importantes, todos nós, incluindo o
vista, e se estivéssemos nos velhos tempos, no nosso legislador penal, nos representamos mais ou menos cla-
exemplo da receptação de sub-rogado provavelmente ramente uma imagem criada na consciência popular do
contentar-nos-iamas apenas com perguntar o que se acto crimino.so, do tipo de pessoa e de caracter que está
pensa, segundo o uso corrente d3 linguagem, perante as por detrás dele, imagem essa a que o interprete dos
palavras «obtidas através duma acção punivel», e ain- «tipos (hipóteses) legais» se pode ater. Há, v. gr.! o
da, quando muito, qual o bem jurídico, qual o interesse «assassino» típico, o «burlão>} típico, o «rufião» típico,
merecedor de protecção no encobrimento (receptação) etc. Um dos principais representantes da teoria do tipo
de coisas. Evidentemente que também hoje se farão nonnativo de agente. DAHM, escreve a propósito do
estas perguntas. O facto, porém, é que entretanto foi nosso exemplo da receptação de sub-rogado: ((A exten-
ultrapassada a Jurisprudência filológica, mas também o são do § 259 do Código Penal à receptaçào de sub-
foi a Jurisprudência teleológica em sentido estrito, quer -rogado funda-se ainda na circunstância de, segundo o
dizer, ~ma Jurisprudência orientada pela protecçào dos sentido que lhe dá a concepção popular, ser tambem
interesses. O Direito em geral e o Direito penal e1n receptador aquele que não recebe a nota furtada de l 00
particular já se nos nào apresentam so1nente como Marcos. mas duas notas de 50 N1arcos>). Se bem que
protecção de interesses e decisão de conflitos de inte- esta teoria do «tipo nonnativo de agente», depois de
resses, mas tambêm como portadores de um pensamen- 1945. tenha passado a segundo plano, todavia continha
to ético; O çlesvalor jurídico de delitos tais como o um núcleo de verdade. a saber, a ideia de que num
perjúrio, o inCesto, a homossexualidade, o lenocinio, a crime nãO interessa só o efeito exterior mas importam
rufiania e também a receptação não se esgota no facto essencialmente ainda outros momentos, designadamente
de serem lesados «interesses merecedores de tutela)) o carácter do agente ou a sua especial posição como
rigorosamente determinados, mas assenta também na pai, funcionário, etc. E também a consideração, fre-
circunstãncia de estes delitos abalarem a ordem moral quentes vezes necessária. das situaçàes excepcionais e
que o Direito é chamado a consolidar. Neste sentido, dos interesses çontrapostos, tal como se impõe, por
por exemplo, H. MAYER. que no seu Lehrbuch des exemplo, na interrupção da gravidez por indicação
Strafrechts (l 953, p. 50) diz certeiramente: <(O crime é medica. não se apresenta à consciência do homem de
188
189
hoje como u1n acto de simples «ponderação de intc-
Jinguistico e contrapomos um sentido «Ítncdi~uoi•. «es-
resses>i. mas como valoraçào êtico-socialmente condi-
trito», ((rigoroso)). ((restritivo1> a uin sentido «afastado>>
cionada da situação de facto na totalidade e na pleni-
ou «mediato», <datoll, ((extensivoH. Relativa1nente ao
tude dos seus elementos. No momento. porêm. em que
exemplo da receptação pode1nos dizer que ((obtidas por
uma nova concepção fundamental da essência do crime
meio duma acção pun1vel>r em sentido (<estriton apenas
abre caminho. ela.deve. do ponto de vista de uma teoria
o são aquelas coisas direc[a1ncnte adquiridas através do
objectivista, exercer influência sobre a direcção que a
1 acto punível do prin1eiro agente. e que constitui. pelo
interpretação hã-de seguir • Não deverá, portanto, a
contrário. uma Hextensãon do sentido das palavras,
receptaç:ào de sub-rogado ser punivel com base no
referirmo-nos também as coisas sub-rogadas ein lugar
«sentido literal passivei» do ~ 259, que a abrange, por
daquelas co1no 1<adquiridas por 1neio du1na acção
isso que - não tanto do ponto de vista da protecç:ào
punível». Ou: «faz-se interpretação ·estrita· quando
dos interesses, ·mas antes do ponto de vista da valoração
uina disposição que exclui de dcterrninado cargo aque-
ético-social -. segundo a nossa concepção actual, ela
les que sofrera1n u1na condenação penal é entendida
deve ser classificada como receptação'! Somente uma
como referindo-se a todo e qualquer u1n que alguina vez
interpretação histórico-subjectivista teria de perguntar
e de alguma forma sofreu condenaçào penal: uina
até que ponto tais concepções morais teriam presidido à
interpretação ·Jata · seria, pelo contrário. entender tal
criação do ~ 259 do Código Penal. São patentes os
disposição co1no referindo-se apenas a u1na condenação
perigos que acarreta para a vinculação legal da aplica-
que não seja j<l deinasiado antiga e que não tenha sido
ção do Direito e para a segurança jurídica uma (<inter-
pretação objectivista'>. desde que as suas fórmulas sofrida em razão de sin1ples contravenções de policia. A
sejam efectivamente tomadas a sério. E este um risco priineira interpretação atém-se rnais cstritainente e a se-
que vai incindivelmente conexo com as suas vantagens. gunda 1nenos estritainentc ao sentido linguistico das pa-
3.ª) Precisamos ainda de completar. sob um outro lavras;,_ Muitas vezes utiliza1n-se os conceitos de in-
aspecio. o quadro problemático dominado pela oposi- têrpretaçào extensiva e restritiva de u111 1nodo ainda
ção entre teoria subjectivista e teoria objectivista da mais livre, referindo-os ao afasta1nento completo do
interpretação. Já u1na vez nos refeJ:imos_de passagem sentido literal a favor da genu1na vontade do legislador
aos conceitos ae· iilte[rretaçào extensi~·a e interpreta- ou da lei. i\.1as. por esta fonna. diluem-se os lirnites en-
ção restritiva. Ora também estes cqnceitos .. metodo*- tre a interpretação, por um lado, e o preenchiJnento de
lõgicos · nào sào unívocos. Com referência a eles po- lacunas e a correcção da lei (matérias que ainda vainos
dCinos destacar pelo menos 'três, se não mesmo quatro, tratar) por outro. {Cfr. ta1nbé1n infra, pp. 162 e s.).
direcções de pensamento, em parte conexas entre si: b) Por outro lado, o referido par de conceitos ind~.z
a) Por um lado, situamo-nos no terreno dõ ·seillido a pensaf·na i'elaçào entre o sentido das palavras d""ê_ u~
determinado pr_::~eito e o seu dotninio de ~P(i~aç~q_-: __a_
'-·~---
190 191

interpretação estrit? (restritiva) r~_f~r-~ o precei_to a um se tivesse produzido dum modo inteiramente espontâ-
clrêülo merior-áe--caSõS do q~e ?. .!n~~rP~~çtç__Ja.ta neo: pelo contrário, este acrescentamento significava,
(•extensiva). As íl.OSsáS 1eís servem-se frequentemente da do ponto de vista do sentido literal, uma «extensão»,
·palavra· ~<causa», por exemplo. Esta palavra é interpre- pois que a «espontaneidade de vontade» não era
tada, já no sentido de <<relação condicionante», jâ. no especialmente referida na lei( 1: 1• O Tribunal do Reich;
sentido de «conexão tipican entre uma conduta e um num caso em que um incendiãrio regou com álcool e
resultado. Segundo a primeira interpretação, todo e chegou fogo aos papéis contidos na gaveta duma mesa e
qualquer ferimento por mais leve que seja que, por depois, porque sentiu alguém aproximar-se, apagou
qualquer complicação, conduza â morte, é <'causal>' em precipitadamente o fogo, não aplicou o § 46, n. 0 2, se
relação a esta; segundo a outra interpretação, pelo bem que o facto, segundo os termos desta disposição.
contrário, tal ferimento só é <(causal>) em relação à <<ainda não tivesse sido descobeno». Ao decidir-se
morte que condicionou quando seja tipicamente mortal. assim, o Tribunal do Reich «restringiu» o domínio de
A última interpretação apresenta-se, cm face da primei- aplicação do § 46, n. 0 2, exigindo uma genuína espon-
ra, como «restritiva1>, enquanto restringe o domínio de taneidade da vontade a que a lei nào faz referência
aplicação do conceito de causa e. portanto, o dominio (RGerSt. 38, pp. 402 e ss.).
de aplicação de todo o preceito. Se agora voltarmos de e) ~e bem que o entendimento da contraposição
itovo a nossa atenção para o exemplo de BURC- dos dois conceitos acabada de explicitar na al. b ), não
KHARDT· há pouco referido. o da condenação ante- ;eja-já.Pliramente linguístico, 1nas, _antes, objectivo ou
rior, devera então, diferentemente do que fizemos na ai. de- fundo (sachlich }.' todavia _é~lhe ainda inerente um
a), chamar-se restritiva àquela interpretação que limita certo formalismo, na medida em que ele se refere à
a inaptidão para o cargo ou função aqueles que recen- relaç·à~o extriilseca dos preceitos da lei com o seu
temente sofreram condenação penal, ao passo que por «âmbito>•. quer dizer, com o seu domínio de aplicação.
interpretação extensiva se deve designar aquela que Ora a distinção entré interpretaçào restritiva e extensiva
afasta do mesmo cargo qualquer pessoa que tenha adquire uma significação maten'a/ (maten'el/e) quando
sofrido uma condenação anterior. Um novo exemplo: a referimos à relação entre as normas jurídicas e a
quando o § 46, n. 0 2, versão anterior, do Código Penal liberdade ou a posse de direitos subjectivos, ou a
isentava de pena aquele que, tendo tentado uma acção preexistência de um principio geral. Por vezes afirma-se
punível, «afastou. através duma actividade sua, a veri- designadamente que: «in dubio pro libertate>> ou: <(sin-
ficação do respectivo resultado ... num momento em que gularia non sunt extendenda». Neste caso, uma inter-
o acto ainda nào tinha sido descobertoH, constitu1a urna pretação estrita e rigorosa (r~tritiva) equivale a um
interpretação restritiva do seu domínio de aplicação se a entendimento em que· as leis penars,·- as restrições a
mais disso exigíssemos que o afastamento do resultado pfop-iléd3.de, as imposições de deveres, as excepções .. a
19]
191

um princ_ípio, ;;;ão i_n_t~m.1:..~tadas po_r fo_r:ma__a~....ser..em afastar u1n perigo actual para a integridade fisica e a
limitados tanto quanto possível o poder pQI)itil10, a Vida-'ml1Y0cVêITTS-Ci s·uj1..•ífos ·a-pu-ill'Çaq_._ê!Tib~Hil -~
-1nterferênCiã- ha pÍOpfiedade. a- lmPOsição -~e -~_brjga--~ êircunstânciás scjan1 punivci~ (estado_ de _nç_çe.s.s.i.dadc:
-çôes ou a excepçào a uma regra. Neste sentido é t~de ·-~54 do· CÜdigÜ -pen;!)·, -u1na extensão deste
~;reslritiva» aquela interpretação d'a conceito de «con- PíincipiÜ significn u1na iíltcrpretaç-30 re-slífrlVa _tULÜ)C.'."
denação anterior» que na al. a) se apresentou como dida êm que iünila aPuiiibi"tidGde, se b~-~ que por esla
extensiva. Tipicamente ((restritiva» no presente sentido form·a- seja alargado o-do1niniO-dé-aplicaçáO-do j)rin~·ip!q
era-o tambêm aquela utilização do «tipo normativo de ào estado de necessidade. Por outro laCIO:-t~inos u1na
agente)) que servia para impedir uma punição dema- eXc"l!pcao a es.tc principio (do estado de necessidade)
siado ampla do «rufião» ou do «inimigo público» quando um individuo. sendo marinheiro. e constitu1do
(Volkschüdling) (o «teor verbal» era por essa via na obrigação de resistir e manter-se no seu posto co1n
tornado mais elãstico - pelo que, no sentido da ai. a), perigo de vida e e1n quaisquer circunstáncias (cfr.
estariamos perante uma interpretação extensiva). Por S S 106 e 109 da Lei da ~1arinha). Masjã tcrc1nos uma
outro lado, à luz da nossa presente distinção. é <(exten- interpretação extensiva, contrária à maxima Hsingularia
siva» aquela interpretação que alarga o poder do non sunt cxtendcnda)). se se estendem preceitos como
Estado a expensas da liberdade, prejudica os direitos os dos ~ ~ 106 e 109 da Lei da J\.1arinha a pessoas que
subjectivos ou quebra em maior medida os principios por eles não são directa1nente abrangidas - se bc1n
jurídicos fundamentais através do alargamento das que, sob o aspecto puraincnte forrnal, se possa ver aqui
excepções. A punição da receptação. de sub-rogado é, uina interpretação restritiFa, no sentido da al. b ). na
neste sentido, sem dúvida alguma. (<interpretação ex- 1nedida c1n que o preceito relativo ao estado de necessi-
tensiva1) do S259 do Código Penal, enquanto, por dade ctintido no ~ 54 do Codigo Penal é restringido no
exemplo, ê (•restritiva1), no presente sentido (e de resto seu alcance atraves do alarga1nento do dever de enfren-
também no sentido de ai. b ), mas não no da ai. a)). a tar o 1ncs1no estado de necessidade. O últilno exeinplo
interpretação que conduza a e_xçluir da hipótese d_a - uma vez 1nais nos elucida sobre o CãíãcTe-r tOrrrial ·do
Íeceptação o chamar a si de coisas obtidas através da conceito de ((do1nínio de aplicaç-ào)), ja por nós salien-
m'êizdicidade. A interpretação que o Tribunal do Rei~h t3.dõ. e ao mesmo tempo talnbe1n sobi-e a relatividade
dêü ao § 46, n. 0 2, do Código Penal é, do ponto de dos conceitos de «princ1pion e 1,excepçào>-1: em certo
Vísra· ·dã- libei'iiâife, igualmente «extensiva>~; põrqiie- SêTrtido. o regiine excepcional -·da_ -~ei da Marinha
a'trâVéS dela a punibilidade é alargada, -ao pass~ que ~Q Co~·stituiu um retorno a ~egra da punibilidade. pois que
Sentido da anterior distinção (ai. b ). era restritiva (e de. se apresenta curno exccpçCl.o a uma excepção, a saber.
novo exterisivã, péIO conti-ário, no sentido da a?:-â). como cxcepção a irnpunibilidade excepcional dos actos
Ou: Val~ndo o principio de que os actos praticados para Praticados ein estado de necessidade.
195
194

E com isto entramos já na critica das distinções até mente se nos depara. Aqui as palavras da lei são
agora feitas entre interpretação extensiva_ e restritiva. consideradas como meios de expressão da vontade do
Com o entendimento que até aqui lhes foi dado, todas legislador ou da lei e o seu sentido e ampliado ou
elas estão sujeitas a certas reservas. A distinção feita na restringido de acordo com essa vontade. As coisas
al. a) depara frequentemente com a dúvida quanto a apresentam-se dum modo muito simples do ponto de
saber qual o sentido literal que é propriamente o sentido vista da doutrina subjectivista. Du_ma forma clara e bela
(<imediato». uma vez que a lei muitas vezes tem a sua disse ja SÃVlGNY_nQ=•~~-Sys~,,;:·es ÜJ qu~-~-d.is­
linguagem própria e se serve duma tenninologia técní- tiilç.ão entre inte·rp~!<:1_çã9 ~xtensiva- e reStritjya,_se..[efere
co-juridica. A distinção da ai. b) é demasiado extrínseca aj}eilas -«a-feliição lógica <!a e~p~essào co~ _o p~nsa­
e formal, porque vai sempre e exclusivamente conexa men10; ·na-medidà em que aquela pode ter-um conteúdo
com cada preceito em singular. Na medida em que menor ·ou ··maior do que este». «No primeiro caso a
vã.rios preceitos mutuamente se completem, a limitação Correcç3.o da expressão realiza-se atravês de uma
ou extensão de um dos preceitos pode ser, inversarnen: interpretação extensiva. no segundo atravês de uma
. te, um alargamento ou restrição de outros preceitos. E interpretação restritiva. Ambas se propõem simples-
igualmente relativa, como já se notou. a relação entre mente fazer coincidir a expressão com o pensamento
regra e excepção no sentido da ai. e) . .§~é_,rrl-~o efectivo (sei. do legislador)». Formulações semelhantes
conceito de liberdade é ele mesmo muitas ~ezes_ f~~!i­ se encontram noutros subjectivistas. por exemplo em
Vo: cÜm efeito, num conflfto entre um funcíonário da WINDSCHEID (Pandekten, § 21 ), REGELSBER-
Polícia e um cidadão que conduza a um acto_ de GER (Pandekten. PP- 152 e ss.), ENNECCERUS
((resistência contra a autoridade>), nào está som_ente em (Lehrbuch 1, 15.• ed., ~ 57). Este últi~o ademais
jogo a liberdade do cidadão mas tambCm a liberdade de acentua particularmente que uma «íiiterpíelaÇão Cofrec-
actuaçào do agente policial. As máximas (<in .dubio pro tiva)) em qualquer sentido apenas é admJss~Vel no·~ ~ifsÕ
libertate)), «in dubio contra fiscum)) ou «singularia non de- (<as p.ilãVfas Oa -lei poderem_ ser consideraQas ainda
sunt extcndenda•>, são pouco seguras._ É o que__ ?~en­ cOmo uma declaração da sua vontade, se bem que
tUam ãté juristas liberais como BURCKHARDT e impeffe_it"a, tOdavia _i_nteligivel. quarldo seriâffi-to~adas
NAWIASKY. em Consideração todas as circunstâncias -~eievante,"i)J.
d) Ora, sendo assim, é então perfeitamente cor- Com isto quer-se significar que a interpretação se deve
recto aceitar aquele cntendimênto da oposição co_!1cei- manter sempre de qualquer modo nos limites do ({sen-
iual em referência que até aqui foi mantido num tido JiteraJ•, e. portanto. que pode quando muito (<for-
sêgundo plano. mas que agora volta a operar com os çar>) estes limites. mas nunca ultrapassá-los. Para aléin
·Conceitos vontade do legislador e vontade da lei. de tais limites já não h3 interpretação extensiva mas,
entendimento esse que é també~ o. qu~-mais -frequente~ quando muito. (<analogia». E o mesmo se deveria dizer.
196 197

mutatis mutandis, pelo que respeita à interpretação encontramo-nos já nos limites do domínio àa. metodo-
restritiva. (Cfr. supra, parte fina] da ai. a)). Aquelas logia da interpretação propriamente dita. Em ce®~
disposições, p_or_ e_xef1_1plo,_.que__çxp~s~3.Jl}en_k aiõda (júf sentido a interpretação extensi".a ~ a .JntiiJ?.ret.a&._ão
em Cõritíi'rlO da verdadeira vontade cto legislador, s_e rCStriilVaix)dem- já ser-êonSicteractaS -~~~-º 1!!!1ª ,$~pé_çje
referem apenas a «homens» (varões), nunC-~ j)Od~_ffi, de complementação da l~ais um.p_a~nCQAffa­
ãfravés "dliina rnre·rpretaÇão extensiva, abrangei--tfilnb_&~~ IE~-~Os__ ~?.m_!.E~~~® heurístic<J. juríºiç~ __(~~_sc~be_Ea
as «mulheres», séndo assim alargadas aos «se_!:._Cs -~u: do Direito) «praeter legem))_, cujo principal.exemplo é a
manos em geral». aíialogia~ ·e Cóm. a heuristica jurídica (<contra leg~~» ,- ·
Como se apresentam, porém, os conceitos de que em sentido estrito significa !.!_ma_ <<coIT!.!_cção~>.d.ª-.lei,
interpretação extensiva e restritiva do ponto de vista da ao passo que a verdadeira interpretação se ap~esenta
teoria objectivista? Dado que esta teoria concebe e como via de uma descoberta (heuristiCa) do ÍlirCit~
respeita o texto, independentemente da vontade do. «secundum legem», de acordo com o princípio da
legislador, como portador dum sentido imanente, á fidetidade ao texto Jegal. M_as antes de passarmos à
primeira vista parece que nem sequer há qualquer Ileõ7ístiCã jurídiéa·prlzf.ter e- contra /egem temos ainda
margem para uma interpretação extensiva ou restritiva. que completar num ponto essencial as considerações
Se o sentido literal é unívoco, é porque o espírito que até aqui fizemos sobre a .descoberta do Direito
ôbjecúvO se manifestou precisamente deste modô~se o secundum legem (Cap. VI). - - .. - ·- ·.
~entido literal é eQuivoco, a decisão há~e ser e~tão a
fâvor do sentido «razoâvel». Todavia, também nos
objectivistas deparamos com os conceitos de interpre-
tação c<extensiva» e «restritiva». Assim, diz por exem-
plo W ACH: «Para fazer vingar o sentido razoável face
ao teor verbal incorrecto, tem muito frequentemente de
verificar-se que a lei foi defeituosamente concebida
(interpretação extensiva ou restritiva)». Para sa~s(açãó
nossa notamos, pois, que, do _poll;to de VTSta "óbJectiyis_ta,
I!~º só a lei pode ser mais inteligente do que o seu
autÕr, como também o intérprete pode ser mais inte-~
Hgente do que a lei. -
-. "1YeS-te modo, e provisoriamente, vamos pôr um
ponto final na teoria da interpretação. Com as nossas
últimas considerações, em certa medida complicadas,
198 199

ANOTAÇÕES tschrift. 1969. pp. 258 e s .. 262. 267. 270. W. NAUCKE.


no Engisch-Festschrift, 1969. pp. 274 e ss .. expõe a «Utilidade
l. Sobre o ponto, J. DIITR1CH. Die Welt ais Geschichte da Interpretação subjectivista no Direito Penal-": mas. contra ele.
XIII, 1953. Agora veja-se ainda a grande obra do mesmo autor, no mesmo lugar. Arth. KAUFf\.1ANN. p. 269. Sobre o papel
com o título «Bismarck, Frankreich und die spanische Thron- extraordinariamente grande que o metodo de interpretação histó·
kandidatun> 1962, e sobre ela Er. EYCK. DLZ tg. 63, pp .. 617 e rico-subjectivista abertamente tem na jurisprudencia penal do
ss .. Um outro exemplo histórico oferece-no-lo a afixação de teses BGH (muito embora se não possa sem mais confundir «sub-
de Lutero, para cuja 1<compreensâo1> encontramos excelentes jectivista» com <thistórico» ). ver o instrutivo trabalho de J.
reílexões em K. G. F ABER, Theon·e d. Geschichtswissensch .. RAHLF in E. v. SAVIGNY e outros.Juristische Dogmatik u.
1972, pp. l28 e ss .. Wissenschaftstheorie. 1976, pp. 27 e ss ..
2. A tal respeito, assim como sobre os fundamentos filosó- 4. Sobre as três estrelas BINDING. WACH e KOHLER.
fico-juridícos e sobre certas modificações. v. agora LARENZ, mais ponnenorizadamente em LARENZ, ob. cit.. pp. 30 e ss .. 2.ª
Methodenlehre, pp. 25 e ss., 2.• ed. 1969, pp. 27 e ss .. 3.• ed., ed .. 1969. pp. Jl e ss .. 3.• ed .. 1975. pp. 34 e ss .. Mais
1975, pp. 29 e ss .. De resto, LARENZ (pp. 13 e ss., 14 e s., 16. representantes da \<teoria objectivista» em ENNECCERUS-
e s.) não quer contar SAVIGNY entre os subjectivistas.~, -NIPPERDEY. ob. cit., ~ 54 li nota 5. aos quais naturalmente
ª-~1'1!1ação citad~ no texto e_stá ~a rea!idade muit~ próxima du-mâ entretanto outros se vieràm juntar. p. ex .. ARN DT. NJW 63. pp.
interpretação subjectivista. Talvez que ·a faiz da diVefSidàQ(:de 1273 e ss.; H. J. HIRSCH. Jur. Rundschau 66. p. 338. Também
o{:>iillões esteja na inSuficiente distinção entre interpretação de o Tribunal Constitucional Federal aderiu à teoria objectivista (p.
cada uma das leis e interpretação das fontes de direito em globo, ex .. no vol. l l. pp. 126 e ss .. 130 e ss.); sobre este ponto
que KRIELE, oh. cit., pp. 68 e ss., elaborou a propósito de SP.ANN_ER. Arch.õfLR 91. pp. 510 e s .. assim como F~.
~1ULLER. Jur. 1'vfethodik, 2.• ed .. 1976. pp. 27 e s .. Uma
SAVIGNY (sendo a primeira seguramente subjectivista).
3. Em geral sobre o método <isubjectivista)}: ENNEC- exposição e cntica desenvolvida da teoria objectivista pode ver-se
CERUS-NIPPERDEY, ob. cit., § 54 II; KELLER. ob. cit., pp. agora em A. MENNICKEN. ob . .cit.. pp. 24 e ss .. 48 e ss ..
88 e ss.; GERMANN, Probleme d. Rechtsfindung, pp. 66 e ss. Instrutivo sobre as Hmodalidades>) do método objectivista. A.
(que, em minha opinião, não distingue suficientemente entre uma KELLER. ob. cit.. pp. 161 e ss .. que - como o seu professor A.
teoria subjectivista. que se articula com a «teoria da alusão» (ver t-.1EIER-HA YOZ (Bemer Komm. zu Art. 1 ZGB, pp. t 22 e ss.)
no texto) e. portanto, considera determinante a vontade do - se confess_a adeptQ ele próprio do metodo objectivista._ mas
legislador - que eventualmente emerge dos materiais legislativos tomando por base <•Os usos de lin,iuagem e as. re~lid<!deS".exiS.~eT\~
- . desde que uma tal vontade encontre por qualquer modo les ão tempo da publicação da lei~1 <jSsim_ como HO restante direito
expressão no texto, e uma teoria objectivista, que deixa comple- vi&e_11te naquele mOmento)) ·(pp, 161. 4_25: «mé_todo objeclivjsta
tame_nte de lado a vontade do legislador e conseque_ntemente histürico» ). pelo que são feitas concessões essenciais ao «histo-
considera os materiais legislativos completamente irrelevantes); riCismO». GERMANN. ob. cit., pp. 74 e ss .. 79 e ss .. 96 e ss. e
por ultimo também MENNICKEN, Das Ziel der Gesetzesaus!e- pelo- contrário adepto de um método objectivista que. para a
g~ng, 19_70. pp. 19 e ~s. (exposição) e pp. 30 e ss. (crítica). e determinação do vsentido imanente da leiJ>, se reporta basicamen-
ainda RODJG, ob. cu., pp. 281 e ss., e H. SOELL, Das te ao momento da aplicaçào do direito («metodo objectivista
Ennessen derEingrifJsvervaltung, 1973. pp. 16 e ss., 142 e ss .. actualista)): cfr. nota 6. infra; exccpções: GERMANN, .ob. cit.,
Pode ver-se uma renovada defesa de uma «interpretação vincu- p. 103). Para o direito estrangeiro ver por todos W. G. BEC-
lada ã vontade do legislador hislórico» feita agora na Suiça por KER. Gegenopfer, etc .. pp. 430 e ss .. A distinção entre o ponto
DESCHENAUX (Schweiz. Privatrecht II, 1967). sobre o qual, de referência historico e o actualisla do mCtodo de interpretação e
mais ponnenorizadamente, STRATENWERTH. Gennann-Fes- agora nitidamente destacada também por MENNICKEN. ob. cit.
200 201

pp. 16 e ss .. que caracteriza o primeiro método como <(objecti- taçào e uma compreensão da norn:i_a_!& _ g_ue _!..QID_t.P..Q.S~iyel a
vista-histórico)> e o segundo simplesmente como «objectivisrn1>. deciSão justa no caso cOncrefó. O Ju.iz cheg_à_ à decisãQ...i!!s_ta no
De igual modo adere a um ponto de vista actualisticamente caso-'--Concréto éspecialmente rescilvendo em_ si~íi-dj~cçãu...,a
orientado G. SCHWALM, Der Objektivierte Wille des Gesetz- tensão entre segurança jurídica e ·justiÇ.ã".":_1> (p: 106 ). Sobre a
gabers, Festschr. für Ernst Heinitz, 1972. pp. 47 e ss .. e minha própria posição, igualmente Hintermedia». ver infra; nota
fundamenta ai. fazendo apelo também á jurisprudência do BVer- 10. Considera •<imprestável» a <1difercnciaçàol1 subjectivista-
fGer. e á jurisprudência que segue na mesma esteira. a distinGo -objectivista Fr. MÜLLER. Jur. J.fethodik, 1976. pp. 204 e s.,
entre·· "m-éfõôci- i.-Q.bjElefiViStã>J e ·métOdõ-;:Objc-cf.i~antc»: ;ãc; a 278 (penso que sem razão). .
v'õn"fade do. lêgisfridor vinculada ao real espirito "objt!CtiYO:-iTiaS a 6. Tomo para referéncia aquela modalidade que hoje me
võntade· do legistatlor·q~ se ·nnrnifeslã em õDjecti'{açõês;"êÇy.JaS parece ser a mais largamente aceite. que KELLER. l. cit., desi-
iniêhções lêl:il ·de ser sempre redescobertas a cada momento e gna como a «actualista)) (•(geltu11gszeitliche)) - cfr. nota 4), pela
estão sujeitas a uma «mudança de sentido>1, constitui o escopo da qual fundamentalmente tambCm opta GERMANN (Rechtsfin-
interpretação da lei. dung, pp. 96 e ss.) e que também MENNICKEN {ob. cit.. pp. 16
' 5. Todavia, o t.iltinio autor citado (ob. cit., pp. 238 e ss., 2.a e ss., 26. 53 e ss.} vê como a mais pura corporização do método
ed .. 1969, pp. 296 e ss., J.a ed., 1975, pp. 302 e ss.). colocando o objectivista. Segundo ela «a he_uristica j_uridica te~ gui; rs_solyer o
acento no lado objectivista e no momento <{actualistan: <<Escopo seu problema ·aenovo para cadá -moment0_~~-ª~@!1.cia _da.lei.,-e
da interpretação é a descoberta do que (hoje) é detenninante, is10-1omar.do por base os llSos deJtnguagem e as realidades
portanto, de um sentido ·normativo' da lei>1 (2.ª ed. p. 300). donliriantes em cada momento de vigênéia aS.Sifn cÕmoO.íeSiãrite
Co1no representantes mais antigos de um ponto de vista inter- direito vigente naquele momentoll (KELLER. ob. cit., p. 162).
médio indica LARENZ, na parte historica, ainda W. SAUER, J. De--tOdo o modo este método objectivista que,~defende. urna
BINDER e G. HUSSERL (pp. !02 e s .• !08es .. 119. 2.' ed .. interpretação ((actualistai> parece-rrle ser a_\!:adante menoS...tr.a.Asi-
1969, pp.106 e s., 112. 123,e igualmente 3.ª ed .. 1975, p. 305). gente da teoria objectivista. Por ela se decide agora tambem
Sobre a distribuição das posições, uma boa orientação também ZIPPELIUS, Methoderrlehre. 2.ª ed .. I 974, pp. 29 e ss ..
em W. FIKENTSCHER, 1U.e1hoden des Rechts voL III, 1976, 7. Quando KELLER, pp. 149 e ss. (l53). relativamente à
pp. 66.2 e ss .. modalidade por ele preferida do método objectivista (a saber. a
Nos últimos anos decidiram-se por uma posição intermédia: <<historicista» ). declara que nào está em cau:>a a razoabilidade do
LEGÃZ Y LACAMBRA. Rechtsphilosophie, 1965. pp. 515 e resultado mas a cõmprcensão do -inlerpi-f:te. esta afirtnáÇão -na.ó cor-
ss.: Arth. KAUF~1ANN. Engisch-Festschrift, 1969, pp. 266 e reSponde de modo algum à concepção objecti ..·ista dominante~- de
ss.: STRATENWERTH, German-Festschrift, 1969, pp. 263 e orientaçào «actualistall (Cfr. em KELLER as notas 239 e 272:
ss.: WJEACKER. in Hermeneurik und Dialeklik II. 1970, ver agora·tambem H. \VAGNER. Arch.zh'.Pr. 165, 1965, p. 541).
p. 334. Encaminha-si:, também par~ uma superação da c~ntrapo­ 8. Os principies interpretativos alcançam então uma qua-
sição enfre interpretação objectivista e subjectiv1sta ESSER. lidade jurídico-normativa (ESSER, Grundsatz u. Norm, pp. i l6
Vori•erstândnis, pp. 125 e ss .. e igualmente MENNICKE.N. 1 e ss .. Von•erstiindnis, pp. 118 e s_)_ Mm• contra uma ((juridifica-
cit., que, após exposição e critica de todas as outras teorias çào>J dos metadas interpretativos volta-se agora muito decidida-
(mesmo daquel_as que se esforçam por unia unificação de metó- mente J. HRUSCHKA, Das Verslehen i•on Rechrstexten, 1972,
dica subjectivista e objectivista, defere ao juiz a tarefa de ~•conci­ pp. 89 e ss .. Ele exige uma_ (fenomenológica) <(análise daqm.;_la
liarn (pp. 78 e ss.) a tensão entr~ os int~resses da estabilidade, especifica actividade cogíioscitiva que e realizada logo antes de
qul! estão por detrás da teoria subjectivista, e a justiça material. toda e qualquer direcção impressa pelas regras jurídicas às teorias
que postula um desenvolvimento evolutivo do direito e, nessa interpretativas tradicionais>) (p_; 92). M_as não nos movemos-BC-jiii
medida. fundamenta a teoria objectivista: (<~scopo da interpre- ·em planos coffiplétamente distintos? -· ·
203
202

9. e. SCHMITT. ob. cit., pp. 20 e s .. salienta com razão mente os fins prosseguidos pelo legislador, reconheciv.eis me-
que. qliando as directrizes do legislador são meios de planeamen- diante mêtodos históricos, fornecer-nos conclusões s_obre o qu: _f~i
to e orientação. a sua vontade deve ser determinah.te. Cfr. qllerido. Assim, na verdade, nenhUina _interpretãÇão ·(mesmo
tambem GERMANN, ob. cit., p. 105. e ESSER. Vorversttin- exlenSiva olrrestritiva}pode fazer êle uma '.(inUIH'er» Jl~-~v~ãó')
dnis, p. 82. ou de um animal um homem;-·mas já Pode restri!l&!r_Q.J~m:io
JO. Agora. depois de na nota 14 do .fªP.· a_nterior-.ter jufidlco (<causal> á interconexão de coildiçO_e~ adequadas (cfr.
expressam~·nte acentuado a necessidâde de- Uma.-solução-~do infra, ·no texto). · - · - ~·•·•,,«- " - .
probleína metodológico, especialmente da _gue~~âo_.~ão_~ 3) Q~..a ~:'.r'!~~.de c,!Q..)l!gi~~a_d~ ~º.P~~.~r rei::o~he~1d~
enue··:;i· dos-·diferentes-meiôS ..l'ntêrpretativos, considero que é nem nos lermosCio n. 0 1 nem nos termos do n~º-- 2, .entao esta
indicado forriecer alguns dados sobre .9. minhâ-próJ!!i_! PQ~içiQ....Dil~ . ifldicada uma «interpretaçãCm '(razoàvel>) actualista, particular-
b'ãiê" ao-nossõ-"ae1uâ1-õi'déiia1nêõfõjüíiai~Í,} .ilobal, e_ pi:QRÕ-los mente uma interpretação <1objectivo-te!eológica>> (isto é, -como
como teses a discussão: a que parece hoje àdequada para a a_plicaç~~- d'! di~eito), na
- .1) Conpnuo a considérar a teoria subj_ec;tivi_sta_~t?,,IAQ..COrrec­ mC:Clida em que não ·coritlitue com o «sentido Jitei:al possível•).
tá, dentío de cer1Q àmbíto. nõ· seritido de que aquilo_ que o Aquilo que, portah.to, para uma interpretação (<objeclivista-actua-
-p ·1e~slador quis por maneira determinável e clar:a -~~<? _P~~b!d_o,
obrigatório. permitido, etc., e como querido o declarou, tem de ser
lista» pode ser retirado das palavras da lei como {{sentido
razoável imanente>>, já através duma interpretação teleológica. j:i
tomado como conteúdo da sua regulamentação. Para tanto o uso mediante uma interpretação conforme a Constituição, é sem
da linguagem (já da linguagem corrente, já da linguagem técnica dlivida de reconhecer como um resultado interpretativo legitimo.
do jurista), e eventualmente tambem o «sentido literab> precisado sob o pressuposto de não çontradizer a vontade _claramente
por urna (<definição legal», e. por um lado, limite a uma <{interpre- r~ognoscivei do leglslador.
tação em sentido estrito>), na medida em que uma vontade que de 4) Todo o'"desenvolvimento de pontos de vista jurídicos que
modo algum encontrou expressão nas palavras da lei, tambêm se coloca em contradição com aquilo que foi clara e visivelmente
não pode ser retirada da lei por interpretação (ela apenas pode, na querido pelo legislador (cfr. supra, no texto, e nota 11 do cap.
melhor das hipóteses, ser considerada com base numa colmatação a-nterior), jã não é (dnterpretaçào» mas (<complementação gg
de lacunas ou desenvolvimento do direito): pelo que se não pode direito1> nO ·sentido Jato e carece de ~special legitimação e.orno
por interpretação sotopor uma mulher ao conceito juridico 11va- «integração de Jacuna>1, c;correcçào de um lapso de redacção>1 •
rão)•, um gorila ao conceito juridico <ihomemJ•. Por outro lado, t(descoberta do direito contra legem», etc.
porém, aquele uso de linguagem ê meio para a pesquisa da 5) Que as fronteiras entre «interpretação» e estes outros
vontade do legislador ao lado de outros meios interpretativos métodos de descoberta do direito não são claramente recortadas.
dirigidos ao mesmo objectivo (interpretaÇão a partir do contexto. é Uma verdade. e não deve por isso contestar-se a posição daque-
do fim prosseguido, el:CJ; Sobre a preferência a dar a um ou aos les que acentuam isto mesmo (como. p. ex., KRIELE. ob. cit.,
outros meios- decide, como em toda '3 pesquisa· histórica. a pp. 221 e ss.: ESSER. Vorverstiindnis. pp. 117, l74 e ss.; MEN-
apropriação ou adequação de tais meios. Os materiais Jegislativós· NICKEN. Gesetzesauslegung, pp. 100 e s.). Na dúvida, pode
são neste ponto indispensãveis, mas tainbém apenas enquanto aceitar-se como «interpretação•), quando tal seja por argurii m9<Jo
meios auxiliares da indagaçào (ver infra no texto). susteritável. Assim, tendo em consideração uma mudan~a_ de
2) Se o querido pelo legislador não é directa e claramente Sêhtido, o conceito 1<arma•) no §" 223 a d<! Códigq_ ~e~8.I P.Óde §er
declarado como querido, então pode eventualmente ser eliciado <dii:rerpretado•~ por forma a abrãllger -também ácido sulfúrico (ver
Cfa lei atrâves de intcrpretaçào <(extensiva)) ou <(restiitiva~> (ver Infra no texto). Mas por qualquer ponto passam limites e dife-
infra, no texto), na medida em que não surja nenhu~a ~op.tradi­ renças que põem em evidéncia a radical diferença de metodos e
ção com o 1<sentido literal claro>J. Neste ponto podei:i _:sp:_cial- da sua legitimidade, e postulam respeito, sobrewdo no Direito

"•
''
204
Capitulo VI
penal em que vale o principio <(nullum crimen sine lege». De
nenhum modo se deve aqui argumentar com a palavra ((inlerpre~ DIREITO DOS JURISTAS"'· CONCEITOS
taçào» (ver supra no texto). Trata-se antes da relação substantiva
entre o juiz e a lei no nosso Estado. tal como. em minha opiniào.
JURiDICOS INDETERMINADOS.
é fixada na nossa Constituição. designadamente pelo art. 20, sec. CONCEITOS NORMATIVOS,
3. da Lei Fundamental. PODER DISCRICIONÁRIO
11. fnfeiizmente a expressão «teoria interpretativa'' tem mais
que um sentido. Por um lado, e!a é usada para os meios
inte:rpretativoS. de qucTrità§:óS íiciajã: -e.~j)Oi ~~trõ~·p.i_"ri!_,O
método de interpretação subjectivista ou objectivista que determina
o--escOpo da interpretação. Ter.ri de, em cada Ca"So~-rêsultar-·élo
Contexto o que com ela se quer exactamente significar.
12. Sobre este ponto LARENZ, oh. cit., pp. 250 e ss., 266 e
ss., 2.•ed., 1969, pp. 311 e ss., 335 e ss., 3. 1 ed., 1975, pp. 322 e Até aqui mantivemo-nos tacitamente apegados ao
ss .. Em minha opinião. sob a rubrica <(interpretação objectivista- pressuposto de que, na aplicação do Direito e na
-tele<llógica>1 (sé não ·e-ntehdiela demãsiado --estritamente}cabe interpretação que a serve, se trata essencialmente de
também em largã medida a metôdica aconselhad~ Por KRIELt,
ob. cit., pp. 167 e ss., e ESSER, Grundsatz und Norm,· pp. 256 actos do conhecimento, se bem que dotados de urna
e s., Vorversliindnis. pp. 274 e ss., a qual se orienta pelo estrutura espiritual sui generis. Mesmo assim muitas
«resultado razoáveh; assim, escreve. p. ex., ESSER. Vor.,,ers~ coisas com que deparâmos são de molde a irritar-nos, a
téindnis, p. l 75: 1<A base de uma compreensão da lei __é _·natural"
afligir-nos mesmo: taJ a insegurança ao realizar a «Sub-
inclusão tle todos OS Eonteüdõs-que .... •têm·, de estar implicita-
mente subentendidos na finalidade da respectiva regulamcntaçB.on. sunção», a ambivalência com que a interpretação se
13. A distinção entre uma concepção como que psicológica e debate em todas as fases. a diversidade dos métodos
uma concepção teleológica da vontade do legislador histórico de interpretação e a pendência sobre o escopo funda-
resulta claramente na contraposição do metodo da 1<pesquisa
históriCJ da representação». de BIERLJNG, ao mêlodo da «pes- mental da mesma, e finaln1ente ainda a pluralidade de
quisa histórica dos i1tteresses». de HECK. Ver a propósito sentidos dos conceitos de interpretação «extensiva>} e
HECK, Gesetzesauslegung, etc, pp. 207 e s .. <{restritiva». Mas a verdade é que toda a ciência tem de
14. As frases ~eguintes estavam já contidas na J .a edição se defrontar com dificuldades. O importante e decisivo
deste livro ( 1956), antes ;únda de a ((Vorverstiindnis)> ( Hpré-
--compreensào») se ter tomado um tema da moda na metodolo- e saber se, em principio. a procura da «verdade» tem
gia juristica. sentido e promete êxito. Entretanto, no domínio do
15. O antigo ~46, n. 0 2 do Código Penal. anterior versão. Direito e do seu conhecimento, h<i. uma serie de
esta agora substituido pelo § 24 do mesmo Código, onde a fenómenos que fazem do próprio princípio da investi-
vontade espontânea (livre) é expressamente erigida em pressu-
posto de isenção de pena por desistência. Como exemplo metodo- gação da verdade um problema, que fazem com que os
lógico seja licito referir mais uma vez aquele § 46, n. 0 2. limites de um conhecimento puramente científico apa-
reçam aos nossos olhos como uma «linha de pe-
numbra».

(205J

1
1.1.
1e

,.:•,.
206 207

Houve um tempo em que tranquilamente se assen- rar como ideal aquela exigência da vinculação ã lei. À
tou na ideia de que deveria ser possivel estabelecer uma medida que os tribunais se foram libertando do poder
clareza e segurança jurídicas absolutas através de dos senhores da terra e passaram a autonomizar-se
nonnas rigorosamente elaboradas, e especialmente ga- como verdadeiras autoridades jurisdicionais «indeperi-
1 rantir uma absoluta unívocidade a todas as decisões dentes», com a objectividade e o sentido da justiça
judiciais e a todos os actos administrativos. Esse tempo próprios da sua função, começou a pensar-se ser lícito
19
''
foi o do Iluminismo. BOCKELMANN em 1952 expós
uma vez mais a respectiva concepção fundamental em
desembaraçá-los também das andas da lei a fim de eles
disporem daquela liberdade de decisão de que precisam
para dominar a vida na pluralidade das suas formas e
1• termos certeiros: «Ü tribunal, ao aplicar o Direito, deve
funcionar como um autómato, com a única particula- na sua imprevisibilidade. Não é aqui o lugar apropriado
:•
1•i• ridade de que o aparelho em função não é um mecanis-
mo automático mas um mecanismo lógico». A descon-
fiança que haviam chalnado sobre si os juízes no
período da justiça de arbítrio e de gabinete (quer dizer,
para descrever esta evolução em pormenor. A situação
actual é a seguinte: a vinculaçào â lei dos tribunais e
das autoridades administrativas não está tão reduzida
quanto, no começo do nosso século, a chamada Escola
do Direito Livre considerou ser inevitável e correcto;
i• de· uma justiça que se acomodava às instruções dos

·le senhores da terra) e, por outro lado, a adoração da lei


animada por um espírito racionalista, fizeram com que
a estrita vinculação do juiz à lei se tornasse no postu-
est::i.--o todavia em certa medida e de modo a obrigar-nos
a orientar as nossas considerações metodológicas nou-
tras direcções e por outras vias.
11• lado central. Ao mesmo tempo, foi-se conduzido ao O principio da legalidade da actividade jurisdicio-

:•
1•
i.•
::e
exagero de estabelecer insustentáveis proibições de
interpretar e comentar a lei, à exclusão de qualqu,er
graduação da pena pelo juiz (sistema das «peines fixes»
no Code pénal de 1791) e outras coisas semelhantes. O
juiz deveria ser o «escravo da lei» (BOCKELMANN).
nal e administrativa, em si, permanece intocado. Co-
nhecemos já o art. 20. ai. 13, da nossa Constituição, que
vincula a lei o poder executivo e a jurisdição. As leis.
poren1, são hoje, em todos os domínios juridicOS:-éiâbÕ~
ràdas por ta:rforma que Os Juízes e os funclonáriÔs ·da
Esta concepção da relação entre a lei e o juiz entrou de aamihistração ó.ão descohrem e fundamentãni. as' suas

r:• vacilar no decurso do século XIX. Começa então a


considerar-se impraticável o postulado da estrita vin-
culação do juiz à lei, por isso que não é passivei elabo-
decisões tàO-soménte através da subsunÇ°ão a conceitos
a
jUrícticos fixos: ·conCeltos cujo conteúdo sej~· explici-
t?-dõ com segui-ança atraves da interpretação, fias aflies
1.11•
'il•.'. rar as leis com tanto rigor e fazer a sua interpretação
em comentários oficiais de 1nodo tão exacto e esgotante
que toda a dúvida quanto ã sua aplicação seja afastada.
sào chamadÜs a valorar autonomamente e:·Por.,:ezes, a
decidir e a agir de ~m mOdo semelhante ao do Jegi~la­
_dor. E assim Continuará a ser no futuro. S~rá sempre

1:• A mais disso, com o tempo, deixa-se também de conside- questão apenas duma maior ou menor vinculação à lei.

111!
208 209

Consideremos por isso um pouco mais de perto como se indeterminados. ___ptlQ..mc;nos~em_,p-ª.rl.~(~-·--É o que pode
configura o pensamento jurídico quando temos que nos afirmar-se, por exemplo, a respeito daqueles conceitos
haver, neste sentido, com o chamado (<Direito equita- naturalísticos que são recebidos pelo DireitO, como os
tivo» (ius aequum ), por contraposição ao «Direito de uescuridão>), «sossego nocturno>>, «ruido>>, Hperigo)).
estrito» (ius strictum ). «coisa>>. E com mais razão se pode dizer o mesmo dos
O ponto de partida das nossas novas considerações conceitos propriamente jurídicos, como os de «assassi-
terá de ser a metódica da própria legislação ao afrouxar nato>~ (<(homicídio qualificado»), «crime>>, «acto admi-
o vínculo que prende à lei os tribunais e as autoridades nistrativo», «negócio jurídico», etc. Com PHILIPP
administrativas. Pois que se nos de,eararn hoje diversos HECK( 4 J. pod_emos dis_tinguir nos__ ~Ollç~itg~jyridi_ç,.oj
modos de expre~SãO-Iêgislativa que são de mÕfãeãfa~F­ Inaetêrffii.iladõS ~~_nú~l~Õ~ c9n~~!l~a.l_ ~u_!!1__hglo_ç2ncei-_
~om quê- ô--jiilgadõf~(Uórgão"-11pli~atlõfã0Díféifü) tUã1~·sempre qüe- temos uma noção clara do conteúdo e
ã.dqUiia autonÜmia em_ fiú:;~~,-Oa~~!~~ -~~".1.1-~!PQC!Q_~. de da extensão dum conceito, estamos no domínio do
-exj)íessão deste ~ipo di§ti~guir.iinos: os c_onc:.~i~os i':!r~di­ núcleo conceitua!. ~d.as_çq_meçan_i, começa
cos indetefrninados, os conceitos normativoS, os concei- .o halo do conceito. Que numa noite sem luar, pelas--
-lõS -ct{SCTiCiõOãiíõSe·asc1ausü1ãSgerrus12-'.."frife1izmente virlie - e·quãtrohaíãs, nos espaços não iluminados,
~-tCrminologia n-ão é-ünifõiriie. Nela lnte-ífêTem tanlb-éiTI domina a escuridão na nossa latitude. é uma coisa cla-
problemas qUe, coinO fais. nós não interessa tratar aqui, ra; dúvidas fazem já surgir as horas do crepúsculo. É
designadamente os problemas da anulabilidade das fora de toda a dúvida que os imóveis. os móveis, os
decisões judiciais e dos actos administra~ivos através do produtos alimentares, são coisas; mas outro tanto se
recurso. Aqui não podemos nem queremos fazer mais não poderá dizer, por exemplo, relativamente à energia
do que apresentar as diferentes IOnnas daquele afrou- eléctrica ou a um penacho de fumo (formando as letras
xamento da vinculação legal, tal como se entende e de um reclame) no céu. Ê certo e seguro_ que, verificado
convém na perspectiva dos nossos problemas metodo- um parto bem sucedido e o nascimento de uma criança
IOgicos. de progenitores humanos, estamos em presença de um
l) P()r conceito indeterminado enten.<::Jernos um <<homem» em sentido jurídico; mas já não tem resposta
conceito cujo Contetido e- extensão são emfarga medida tão segura a questão de saber se e em que momento nos
intertoS-. OS concéitüs absolutamente deterrniiladOs- são encontramos perante um <<homem» (e não já um sim-
-muito ra·ros no Direito. Em todo o caso de-v~n'fos ples «feto») logo durante os trabalhos de parto (depois
Considerar conio tais os conceitos numéricos (especial- de iniciadas as contracções). Esta questão receberá
mente em combinaçào com os conceitos de medida e os mesmo diferentes respostas consoante os diferentes
valores monetários: 50 km, prazo de 24 horas, 100 ramos do Direito: para o Direito civil, somente temos
marcos). Os conceitos juridi_cos sào predominantemente um homem dotado de <<capacidade jurídica» com o
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termo-do nascimento, ao passo que. segundo o Direito tivas»? Infelizmente o próprio conceito de conceito
penal, já «durante o nascimento» (mas a partir de que «nonnativo» não é «unívoco». $!! ~t:I-~-~9S....9!m....Wdo
momento?) existe um «homem» que pode ser objecto de o conceito jurídico é el~-~~_!.o__fQ!l~tµJiv.o de "ma
um assassinato, de um homicidio voluntário ou de um norma jurídica e dela recebe o seu sentido e o seu
homicídio por negligência. Mas os C()!1C~~tq~ _fild_~ermi­ ~'!_~~dõ, ~-n_§o parece que devenamos àêSi&llãf ..R!'Õ":'
nados podem aparecer nas iiõ~as jurjdicas"não.só_na._ priarnente como «normativo» todo e qualquer conceito
ch-amadâ <<hipótese»~ êônio aind~- na «e_~.tªtuiç.ão.v. j~~co_ re;-ctentroaaiifüpotese legal», toda ~_g_~uer
Exemplo disto fornece-no-lo -o § 231 do Código de conotaçao Cfa-sttu:rçao ae-racto ),_o _que, ªlíá.s..,já_a.c.asio-
Processo Penal: o juiz-presidente pode tomar, relati- nalnietite sê fez (ERÍK WOLF). Mas então também os
vamente ao acusado que compareceu em juízo, «as cõflceitOS ·«aeSCTitlvõS»acimâ. ffiéncionados seriam no
medidas apropriadas» a evitar que ele se afaste para fundo concei~s «normativos», pois que os conceitos de
longe. «homem», «morte», ·«escuridão», têm na verdade,
2) Muitos dos conceitos indeterminados são, num enquanto conceitos jurídicos, uma significação sui gene-
sentido que já vamos precisar, conceitos «noimãilvôs)~. ris que muito bem se poderá diferenciar da dos corres-
-Contrâi)Oem-se é~fres coii"ceífOS~~os _ c9_r_:ce1tos =<~s­ pondentes conceitos biológicos, teleológicos ou físicos.
critiYos»: qUei dizer: ··àciueieS -conceitos que designam Contudo, gu_ando fa_l_amos de con,ÇeUgs_ jurídicos norma-
<~d~scritivamente»- objectos reãis OU Objectôs -que~ de ti~•os·por ·oposição aos conceitos jurídicÔ~ des~·riti;o~. é
certa forma participam da realidade, istO é, objectos, p~tefite que queremos significar algo de Cspeclfiêo~-ah~ó­
que são fundamentalmente perce"ptíveis pelos seOtídos de diferente da simples pertinência aO ·sistema das
ou de qualquer outra forma percepcioná.veis: «homem>>, normas juridicas ou às conotações das situações hipo=-
<<morte>:., «cópula>>, ·«escuridão)>, <<vermelho>>, <<VelOci- tísadas pelas mesmas. (Esta pertinência comJ:>ete_ã"_tõcfo
dade», <dntençào)}. Como estes exemp!Õs mostram, o conceito jurídico. Ela opera aquilo a que podemos
também entre os conceitos descritivos se encontram chamar «referência a valores», a saber, a referência do
muitos conceitos indeterminados. Q~mode-alglllll_Se conteúdo e da extensão de todo o conceito jurídico às
po9~râ. _di~e~,. po!1ª11!.9, ~ll:e t~_dos _t?s_ci:nceit?:_~nEe!er­ específicas ideias valoradoras do Direito). Mas, quanto
minados sejam ao mesmo tempo «norm_!t_t_i~os)>. Toda- à questão de saber onde deve ser procurado esse
vi; os coriceitÕs- nOmiaijyo~ São_fr~g~~l!t~JTiêO.te_ l!]d_e- momento específico dos conceitos jurídicos normativos
terminados num grau particulãrmente elevado e ofe- stricto sensu (por oposição aos conceitos juridicos des-
recem ,_por isso, muitos. exemP10S ITúSiíãü~OS-Crà iiide- critivos), as opiniões encontram-se ainda divididas
tenninaçào, .e ao meJ>mO -tempO, porta.fito-, da""ín·segu- sobretudo porque se trata aqui, até certo ponto, d~
rança ~relativa desvinculação na -aptiZa"çãõdã 1ei. Que questões de terminologia que dependem do gosto de
é-Que devemos entender, pois, por cõilceitos-·«norma- cada um. V amos destacar dois significados diferentes
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da «normativo» stricto sensu, para finalmente dar pressupostos da sua aplicação são definidos de modo
preferéncia a um deles. Primeiramente, podemos enten- bastante preciso. Existe mesmo a possibilidade de defi-
der por conceitos '<normativos» aqueles que. contra- nir estes pressupostos através de conotações descritivas,
riamente aos conceitos descritivos, visam dados que por exemplo, declarando «menor» aquele que ainda não
não são simplesmente perceptíveis pelos sentidos ou completou 18 anos. Em virtude desta redutibilidade a
percepcionáveis, mas que só em conexão com o mundo conotações descritivas, muito do que acabámos de dizer
das nonnas se tomam representáveis e compreensíveis. sobr: o sentido do «normativo» pode parecer não
~ conceitos descritivos de «homem», <<morte» e suficientemente especifico. O significado próprio do
«escuridão>>, posso representá-los como s1mp'tes-een- t:~o -~n~.~a!i~c;»>, que é slmuttarieamen~e-~~o _segWlctÕ
éeitos di expenênclã, rÜe"Sãiõ'qUàii'd()~janrniferidus--a s_1gn1ficado do nonnatívo em sentido estrito e _?qlJeJ~ .9\!S
valores.· mésffiO qUâii.dO;· porran:tcr;"o--seu---<:ente\lfk>-e-o · merece a nossa preferência, apenas poderia ser encon-·
_s~u alcance são determinâdos a- partírllã'nOiiTI.ajrnidi- _trado no. fªcto de_ que é Sempre "precisa un{~_-r.al<irq;óO
c~.PCí~- c~ntrário, .dizef que urn:á·coíSa ·e ·«alheia>~ e para aplicar, no caso concreto, um conceito normativo.
podê: portanto, ser_possível objecto de um furto, de um Se alguém _é casado ou é menor, isso pode ser (~e;tabe­
abuso de confiança ou de um dano patrimonial, significa ~ecido» através de critérios descritivos. Ao contrário, se
que ela «pertence» a outro, que não ao agente. Por _um~ i:'r~~i~posiÇão cciraCtereológica é_ ~~iiJ.dW}-ª>;. si:lun
conseguinte, pressupõe-se aqui logicamente o regime motivo é ((Vil», se uril escrito é «pornográfico», se uma
de propriedade do Direito civil como complexo de representação é «blasfema» - pense-se á e-ste j:lrÕpÓ~
nonnas. Eu não posso de forma alguma pensar uma "sito no célebre quadro de GEORGE GRO~?;,j:~
coisa como «alheian sem pensar ao mesmo tempo nas sentaqtj9 Cristo na cruz co_rp. a m~s~ara ~~@§..nJLÍ&C~ -:e
normas sobre a propriedade. Sentido normativo (e não botas de soldado nos pés (sobre o caso, RGerSL 64, pp"
simplesmente referido a valoreSj ..íêni~fiO de· igliâl ~inódo· 12 I e ss.) ~, isso só poderá ser decidido ·com b"ãse
coriceitos jurídicos como: «casamento», ~<afinidade», numa valoração. Os conceitos norriiativos deSta- eSp'écie
«funcionário públicoi>, «menor», «indecoroso», <<Ínte- chamam-se conceitos ((Carecidos de um preenchimento
gro», <(indigno», «vil>) («baixo») e outros semelhantes, v~lorativo». Com esta horrorosa expressão quer-se
tôdos os quais radicam o seu teor de sentido em dizer que o volume normativo destes conceitos tem de
quaisquer normas. quer estas normas provenham do ser preenchido caso a caso. através de actos de valora-
Direito, da moral ou de qualquer outro· dofuíilio da •;ão. Entretanto, deixaremos por ora em aberto a
_cultura. Com isto não fica ainda dito que os conceitos questão de saber se esta valoração é uma valoração
jurídicos assim definidos tenham de ser inteiramente pessoal subjectiva de quem aplica o Direito Ol! se não
indeterminados. Conceitos como «casamento» e «me- tem antes de procurar ligar-se às valorações preexisten-
noridade;> são relativamente determinados, pois que os tes da <<generalidade das pessoas» ou de uma <~camada
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representativa}>. Provisoriamente, <~valoração>> repre- para a sindicabilidade dos actos discricionários. Só em


sentará para nós tanto a và1õfãÇão individual autónoma seguida surge a questão do chamado «rigor do contro-
como á iffipieffiCõtáÇãÕ- de valorações alheias. Seja lo», isto é, a questão de saber se tais actos estão e em
c~ITi.O TOr; aV"ãfõ.íaÇão-Ifá inerente uma indetenninação que medida sujeitos ao controlo judicial, para o que não
Que nos - ·mc;~tr~ -o~ - co~~eit"o~ ~oi=i'uativos como uma contará então apenas a «essência» da discricionaridade
C1ãSse êSpecial-Oecônceik'>Siiídetemiiriâêlõst'-t:"""---- - mas também podem ser decisivas considerações proces-
"3). A--·~<atitOáomíâ>;-- dã V3.10íaÇãó"'""'pessoal a que suais especificas que, p. ex., decorrem da estrutura da
acabámos de nos referir parece à primeira vista ser a decisão atacada e da instância que a emite< 6l, ou da
característica específica de uma particular classe de função da revisão. Corresponde porventura â função de
conceitos que igualmente se põem ao serviço do afrou- um tribunal penal constituído desta ou daquela maneira,
xamento da vinculação legal, a saber, a classe dos mas que decide sem nova formação de prova, verificar
conceitos discn'cionários, a que hoje tantas vezes a em instância de revisão se as consequências jurídicas
doutrina se refere. A «discricionaridade judicial» e a impostas a um facto punível são «adequadas>) (propor-
«discricionarídade administrati}!M....Que si~as cionadas) pela sua natureza e pelo seu grau'? É verdade
senãÜ "Oli~;-,p~;~;r Pessoal do juiz -ou do func1oíiãfi0 que frequentemente se salienta isto, que aliás não pode
~dl]liii!_Slf'§@Q?-Mas_o ~<:pnç_el!Q _4CLc!i.Sf!,iCionarid3:de de modo algum contestar-se: que é uma caracteristica
(poder discricion<irio) é um dos conceitos mais plu- das decisões discricionárias. nomeadamente das das
fissignificatiVõs' e mâiS dif{C'eis da teOriã" d.o DireíiO··: As autoridades administrativas, mas possivelmente também
dificuldades adqÜ.irem uma Particular premência e um das dos tribunais, o serem livres, que elas não podem
peso particular pelo facto de a teoria da discriciona- ser impugnadas com expectativa de êxito enquanto se
ridade se ter tomado ao mesmo tempo um ponto fulcral mantiveram dentro de certos limites jurídicos, cuja
do Direito píocessual. Trata-se aqui da importante preterição pode, então, induzir de novo os tribunais a
questão de saber se as decisões discricionárias das auto- intervir: o ((abuso do poder discricionário», o «détour-
ridades administrativas podem ser revistas e corrigidas nement du pouvoir» torna a decisão discricionária
pelos tribunais e se as decisões discricionárias dos uma decisão viciadaº!. Entretanto, embora_ seQ'l _çiue-.
tribunais podem ser revistas e reformadas por tribunais rermos minimizar a sua iffiPOnãnCTâ:-dei~~~o; deJado
superiores. Ocasionalmente tem-se mesmo pretendido e-
a interdependéilci3 entre a discricionaíiJtide a--si~d·i­
definir «decisões discricionárias)> precisamente como c~~ia__judiçi_al _nas . su-ãs. pãr.ticu!aridades e concentre:-
aquelas que não são judicialmente sindicáveis. Do mos totalmente a nossa atencão sobre o esclarecimento
ponto de vista lügico, que para nós releva, porém, tem àOCOnCe-ito "dê discilciOnaficÍa·de ~; S-u~- estrutura dog-
que se começar por esclarecer o conceito de dis- máUca ·sob o· ângulo visual do «direito dos juristas><
cricionaridade sem olhar de imediato ao seu significado l)e"ste-porítõ de vista trata-'se da..qUéStão de sabér se. ao
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I~~~--C5?E_.~S jp.Qeterntinados_ e_conceitos no[!ll-ª!!:_ portanto. pode optar por A ou não-A, sem agir contra-
vos. acima tratados sob 1) e 2), podemos reconhecer riamente ao direito em qualquer das alternativas, então
tãinbérn -conce'itós discrício-nãrios qué- corldiCiõrlain e temos ... poder discricionário». Igualmente W. JELLl-
·postulan1 uma particUlãr···p0siÇã'á "Ou- at1túdedo funcio- NEK vê a essência do poder discricionário no facto de
ô~áriO-ãdihi-nístnitivo ou· do juiz. Efectivamente-a inde:- que <(decide a concepção pessoal do agente administra-
'teriniiiaÇão e a·-·nonnatividàde -apenas não fazem de um tivo.». Mesmo casos de recorte igual podem ser aprecia-
conceito (na «hipótese» ou na (<estatuição») um concei- dos e decididos de maneira diferente por diferentes
to discricionário. Algo mais deve acrescer<1'), se há-de funcionârios, sem que isso signifique uma violação do
ter sentido a aceitação de específicos conceitos dis- direito. «Esta pluralidade de sentidos querida pelo
cricionários. Em que consiste este algo mais é o que legislador é imanente ao poder discricionário)}. Em
agora vamos indagar. algumas destas formulações ecoam, porém, além do
No início do n. 0 3 deste capítulo foi já sugerido que momento do «ponto de vista pessoal», também outros
pode ser (<o parecer pessoal do juiz ou do funcionário momentos corno critérios do poder discricionário: possi-
administrativo>> aquilo que caracteriza as decisões dis- bilidade de escolha entre possibilidades opostas de
cricionárias. !k.-fa~to a djscricionaridade genuína., lá decisão, pluralidade de sentidos. Para FORSTHOFF
onde ela_~.~conheçid~ª"z-~- interpretada J..L!:_pelos clássi- as coisas apresentam-se assim: POcfer CllsCiiêiõõãDO
êO-s da doutrina da diss:rtc}.2i:t.~r.i_d_açl~ n_o .se~ti_do de que o sign-ifica <(uffi espaço de liberdade para a \l,Cção e pai::a a
ponto de.vísta--daêiuele gue exerce o__poder--discfrciv_nª-rio reSolução, a escolha entre varias espécies de conduta
deve valer como relevante --e _.decisivo. Assim, diz i&Ualmerite passiveis ... O direito p~sitivo não dá a
RUDOLF LAUN: Quando é conferido um poder dis- qu-alquer destas espécies de conduta Prefefência sóbre
cricionário aos órgãos do poder executivo. estes «têm o as outras.>> Põe-se neste momento a questão de saber
poder de determinar eles próprios, segundo o seu modo como é que estas diferentes formulações do 'conceito de
de ver e o seu próprio querer, um e outro em consonân- discricionaridade (ponto de vista pessoal, possibilidade
cia com os deveres do cargo, qual deva ser o fim próxi- de escolha, espaço de liberdade, multiplicidade de
mo. imediato, da sua actuaçâo);. Quando o «interesse sentidos) se correlacionam entre si. Significam elas
pLiblicoH é incluído no conceito de discricionaridade~ 9 J, porventura todas o mesmo? Não será lícito, sem mais,
isto significa (segundo LAUN): «Aquilo que a auto- afirmar tal. Assim, p. ex., H. J. BRUNS, no seu
ridade considera ser o interesse público é no sentido importante <(Direito da Medida da Pena>), deu à possi-
jurídico efectivamente o interesse público». Por outras bilidade da escolha (-:<faculdade de opção») uma inter-
palavras: «Quando podemos admitir que, segundo a pretação que nào permite tomar em conta o ponto de
vontade da lei, duas possibilidades entre si contrapostas vista pessoal daquele que escolhe e que também não
são igualmente conformes ao direito, e a autoridade, implica «pluralidade de sentidos». Segundo a sua
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218

concepÇão, «a faculdade de escolha_. que é conferida ao dentro da moldura penal). Também relativamente ao
juiz, de graduar a pena dentro da moldura penal, não «espaço de livre apreciação», de que já iremos fa!~,
significa liberdade de decisào material entre duas solu- deve ser igualmente verdade que se trata da poss1b~­
ções justas. mas simplesmente uma possibilidade de es- lidade de se decidir por uma de entre várias alternati-
colha externa, para encontrar a (?)pena justa. Com o re- vas. Se confrontarmos a possibilidade ou liberdade de
conhecimento da possibilidade de escolha externa nada escolha com o critério da «pluralidade de sentidos>>,
se diz ainda sobre o conteúdo justo da decisão~>. Para apenas faremos ressaltar que aquela po~~ibi~idad.e .de
ctlmulo, aparece ainda aqui o conceito de <<justiça)>, que escolha aparece encastoada na indumentaria hnguIStlca
por seu turno não é de modo algum um conceito finne. de um conceito indeterminado (p. ex., «interesse públi-
Que significa «justiça»? Justiça univoca, que exclui vá- co») que pode ser entendido e aplicado de maneira_s
rias respostas diferentes a urna questão (que exclui, por- diferentes. Se nos fixássemos neste elemento, os_conce1-
tanto, neste sentido, <(pluralidade de sentidos»)'? Ou não tos de discricionaridade não seri~._!TI.aj~-q~,ç:..Q__n_ç_eij.~s
será talvez «justiça)) o mesmo que justiça individual, não íiláêtC-ITniii3.dôS ~ê deverialn ser reconduzidos ! categ.9!!ª
será solução «justa» o mesmo que solução «defensáveb> de-êôiiCêrtos-ae-qiiê ·ra1amos-ã~~-~ Sob 1). ~ª ~inha.­
ou algo de sernelh:lnte - o que continua a deixar em õi'áneifà ~ de---ver,-:põe-.:se --e~· ·~v~dên~~~_:i::ia parttcula~
aberto ainda um «espaço livre» para várias respostas ridade dos cpnce_it9s _.de,. 4~§C:~•.C::!2.nan~tª_Çf~_qyan.díLOO&­
divergentes no seu conteúdo mas, quanto ao seu valor, centramos no conteúdo intrínseco_ do_critério. J.massibi:_._ ..
igualmente justas? O que significa propriamente a !idade de escolhª>! ...e ~o .. m_e~m~ t~!_I\P-º y~nsamos
imagellJ «espaço livre»'? naCÍ1.nloCJU-e :Bil.UNS _~isse_ ª-~~_.s_e_,!!s_ESito. ~e!fi term~s
Se partirmos desta imagem, vemos que ela não re- que nos deixar envolver nas subtilezas· lógicas e filoso-
mete para outra coisa que não seja a possibilidade de es- ficas do conceito de possibilidade, que tantos aspectos
colher entre várias alternativas diferentes de decisão, quer apresenta, podemos salientar que a possibilidade de que
o espaço livre esteja apenas entre duas decisões contra- agora falamos é n~~_!!_penas uma possi~ilida~e 4.~~to..
ditoriamente -.opostas (conceder ou não urna autoriza- mas tambêm uma possibili4ªQ_~_iu.rlID~a: __e_u__direito,
ção, uma homologação, fazer ou não uma concessão, con- qu-;;;-;e;-p~;; lei,--q~e-~:º.1:!!!'.~Y~-~--~~1!2-~ª-ª~-ª
ceder ou não uma naturalização, aprovar ou reprovar pc)SSihíHêfãde- de urria escolha entre várias alternativas--·-·
num exame ou concurso, etc.) ou entre várias decisões de·ractO"PoSS_iVeis·.-·E-êStâ-põSslbilidade jurídica recebe o
à escolha numa relação disjuntiva (nomeação de um pro- seüSellúétõ-~;tis próximo através das intenções que de
fessor universitário para uma cátedra, de uma lista no- direito - ou por força da lei - a ela se ligam.~ode de
minativa de três; apreciação de um trabalho, sob um de facto suceder que a possibilidade jurídica de escoJha
entre vários aspectos: escolha de uma determinada me- apenas· Sê]ã-recõitheCi~-:-p_âf_a']Li.i~:::q-:g~rep.dm1n1,SJI.a-
dida da pena. de entre as numerosas medidas comportadas ~vo· ali o-juiz·-qu~_·P?r -~s~?."f9una .é___<(habilitafi0» (a
210 221

quem·é «Conferido O poder>)) profira a decisão ünica e do. Este é o conceito da discricionaridade vinculada, tal
üãJ'êãffieÕ.têJiistâ fCõITectã}_ tõriialidO .em consideração to- -cofno o elaborou recentemente SOELL enquanto «dis-
das as circunstâncias d-o caso. cO~C~iiO - p. ex., encõil- cricionaridade da administração intromissiva)) (Eingri[-
-tre aquela pena que é a úniCa-jti.S_tá.ê"'adequada. É isto que rsverwaltung) - e especialmente desta. Deste pode
está presente na ideia de BRUNS quando ele usa a Japroximar-se o conceito de c<espaço de livre aprecia-
expressão «possibilidade de escolha externa», quando ção>} (Beurteilungsspie/raum) introduzido na discussâ?
ele caracteriza esta como a competência para retirar de por HACHOF tendo em vista nomeadamente as deci-
entre as numerosas graduações de punição contidas na sões de um júri de exame ou as decisões (juízos) sobre a
moldura penal uma (?) pena justa»IJOl_ ~~m t.aLcaso aptidão para o serviço (para o lugar), as quais exigem
esta competênç_ja,_cçpf_e1j_da pelç legislador ê uma dele- sempre uma valoração (individual) - que, por seu lado,
gaç30 do poder .para tomar uma decisão que o _legisla- não é judicialmente controlável, mas no entanto almeja
dOf não ·tômOu ele mesmo, mas remeteu para o agente ao «objectivamente)) justo. Os es_p_~ t!_~ !,i.V!._€?.Y.ELecia-
administrativo ou para o juiz, porque só- POde- ;e~ ção distinguem-se das genuinas atribuições -de--poder
-tOrãada considerando os factos e circunstãnciaS que diSCricionário (isto é, atríbuições de poder _para_uma
~penas in concreto podem ser descobertos. diSC'ric1onaridade «livre))) pelo facto de que as últimas
Aqui podemos também lançar mão do conceito reconhecem um «espaço ou domínio de liberdade: tj_e
evanescente de «discricionaridade vinculada» e ·cnzer·- decisão própria» onde deYe decidir-se segundo as
que a discricionaridade é vinculâda n.o sentido de que o ((c-oncepçôes próprias>> daquele a quem a competência é
exercício do poder de escolha deve ir endereçado a um atribuídaOt>. Se, de acordo com o nosso conceito,
escopo e resultado da decisão que é o «único ajustado», deixarmos de remissa o critério da sindicabi1idade
em rigorosa confonnidade com todas as directrizes judicial, alcançamos agora efectivamente, com a carac-
jurídicas, e particularmente legais. que são de tomar em terística acabada de referir, a essência do ({poder dis-
c9nta, ao mesmo tempo que se procede a uma cuida- cricionário», aquele traço distintivo que, do ponto de
dosa pesquisa e a uma cuidadosa consideração de._todas viSta m-etodÕlógico, nos interessa e que permite conferir.
as <'circunstáncias do caso concreto)). A -íilcertiz-a que aos genuínos conceitos de discricionaridade uma colo-:_
em todo o caso frequentemente subsiste quanto â raÇão es"peciai ao lado dos conceitos indeterminados e._
decisão «ju:::s-.:J.:·~ seria então um "mal» que se tem de dos conceitos norffiativos.
aceitar. Trata-se aqui de um «espaço residual» (po_i:_tan- Regrf:ssamos assim iaquela determinação da «livre
to, de um espaço livre - restringido) da «subjectividade discricionaridade)) que aprendemos com LAUN e JEL-
na apreciação do justo)> que persiste depois de terem L1NEK e que consideramos - certo que se trata de _
sido consideradas e atendidas todas as possíveis regras uma opção puramente terminológ.ica - metod?-)
e circunstâncias e que não pode-Ser totalriiente elírfiiiiã-:: logicamente relevante. O autêntico ~<poder d1s-·
222 223

cricionári~» -~- '!!fib~íd_2 ~Jg_djr~!1Q ~___la lei q 11 an<l 0 a- sempre e necessariamente compreendido de uma manei-
deCisãO tittima sobre o justo (correcto, conveniems.., ra individual» - isso mesmo vale agora corresponden-
apropriado) no caso conCretÓ ~- g}nJi,~cJ.il·-_i_f~PQm'abi­ temente para a decisão discricionária, relativamente à
liOade _de ajgué~, __ é ~_ef~ri~ã."_,_à .._.~-º~~epç~_ .ú!m PAi:ti- qual é frequente um «compreender)) que opera como
cülar, à valOràção) individual da personalidade chamada factor de reconhecimento do valor: tal decisão não se
(eventualmente «àrficulariOO»- ô seu~poõfõdêtiisfa êom refere apenas ao individuall 13 J, mas é ela mesma exterio-
a-cteliberaç·ao tomada nó- seio de uma a~eID1ãç30 õU rização {manifestação) de uma individualidade.
~OtégiO) à cteCidir -enl-Cõfi~-feiõ ;-l'.- -i~~C!-~-ã_ô ape·~~s~ Naturalmente que se levanta também a questão de
~ão é possível excluir um «resto» de ins~gu_rã.n_s-ª, saber como é que isso pode ter cabimento na nossa
mesmo através de regras, por mais minuciosas que estas ordem jurídica informada pelo principio do Estado de
sejam, mas porqU~ sé __ conSidera s~r _!ileJh~r-.S_õfY_ção Direito, assim como ainda a questão de saber corno é
aquela em que, dentro de determinados l_imite_s, _al~ém que isso se pode justificar. Pelo que respeita à primeira
olhado como peS~o~ ci?fis_~i-~!l~E:!- çtª--~~~-ª~J~Õfls;i'?_if{da­ questão, depende por sua ~Vez_ da-_d_i_scõciónãfidãêfe~4o
de, faça valér Õ seu próprio «ponto de vista»º 2). Deste legislador, ou decorre do d.iÍ~itO- cOfiS~~-t~di~ário oµ da
rrtódo será precisâni.entê e·ste Ponto "°ae--vlStà, ao qual «ilatureza das coisas» (da ((:ri-átureZ3 da Administra-
chega o funcionário que actua ou julga no exercício e ção», da (<natureza da gré.!d~ação da pena)), etc.) que
em cumprin1ento dos <1deveres» do cargo, e que ele exista, possa existir ou mesmo tenha de existir um
talvez tenha alcançado depois de vencidas várias difi- «poder discricionário)} no sentido descrito. É seguro,
culdades, será este ponto de vista, diziâ., que se tornará P- ex., que, até hoje, na nomeação de um professor uni-
em critério do juridicamente justo ou correcto, ao lado versitário para uma cátedra (com base numa lista
dos critérios gerais que delimitam o poder discricio- proposta pelo departamento da especialidade), o minis-
nário. ~quilo que hã de individual no çaso concreto tro competente detém um poder de escolha que lhe
torna-se então relevante, não sob__ o asl?_ecto 9~jec.!_ÍV..Q permite decidir se a cátedra deve de preferência ser
(do lado das circunstâncias particulares) apenas, .. mas provida segundo o critério da aquisição de um grande
também sob o aspecto subjectivo (do lado da instância sábio. ou da aquisição de um didacta eminente, ou da
que julga e aprecia). O que há de individual no obj~~t~­ de um organizador ou terapeuta particularmente dotado
(no caso concreto) e a individualidade do sujeito para a estruturação de um instituto ou de urna clínica.
(daquele que aprecia o caso) convergem num certo pon- O ministro da cultura dispõe precisamente aqui - para
to. Aquilo que o filósofo THEODOR LITT disse falar como LAUN - do poder de, segundo o seu modo
outrora, a saber: «A 'forma' individual não pode ser de ver e em conformidade com os deveres do seu cargo,
vivenciada senão por um modo individual», «o que é determinar qual deva ser «o fim próximo, imediato» da
compreendido é o individual, mas, mais ainda, ele é sua acção (pelo contrário, não lhe é lícito deixar-se
224 225

condllzir por «critérios impertinentes» como, neste poder discricionário. Para já trata-se para nós ainda de
caso, peia confissão religiosa de um ou outro dos prosseguir no esclarecimento puramente conceituai da
propostos; e, de passagem apenas, diga-se que, em discricionaridade. Começando por comparar os éonfei.~ ·,
muitos actos administrativos e sobretudo em certos tos jurídicos que cônferem poder discr!cionárip: com os
actos do governo, podem muito bem entrar em linha de coil."cêitos indeterminados e os conceitos normativos, tal
conta aspectos políticos como a filiação partidária, cômO· os apreSen"támos sob as ~líneas 1) e 2) de.s·te
aspectos estes que, noutro contexto, seriam de qua- ça:pítuJ0 1 -_pode1nos dizer que aqueles representam 1:1ma
lificar como «impertinentes>)). Duma maneira geral é ªº
categoria· particular lado destes ou pelo menos den-
problema da descoberta do Direito em sentido estrito tro· destes. Pois os conceitos indeterminad9s (nomea-
(logo particularmente da interpretação das leis e insti- damente os conceitos descritivos indeterrninad_os) e ...os
tuições) verificar quando é que, na relação entre a lei, conceitos nonnativos (p. ex., características nonnati_y'ª-s
por um lado, e a administração ou justiça, por outro da hip6te.se1egal no direito penal como-·«ma1 seàsiyel»
lado, temos de aceitar a abertura de um (<poder discri- nci .§253 do StGB) não se reportam ainda de per_si a
cionário» (no nosso sentido) - determinar se. p. ex., a valorações pessoais, bem qu~_11olens. volens permitam.
graduação judicial da pena ou a fixação do montante da um «espaço residual de apreciação pesso'!!. Qo jµ~to»,
compensação de um dano moral pertence a este domí- porque a sua interpretação e a sua aplicação no caso
nio. Tem de decidir-se caso a caso que intenção ins_pira concreto é ambivalente114 l. Ora, inversamente, O:eID
aqueles conceitos que se suspeita ser.em conceitos dis- pode dizer-se que os conceitos discricionário.s, como
cricionârios, se eles consideram possível e de preceito a regra, são formulados pela sua própria estrutura como
descoberta de uma decisão como a única justa (correc- indeterminados e normativos (p. ex., «interesse ptibli-
ta) segundo critéfios fi.nnes, ou se são antes de entender co». «equidade>>, «dureza»), se é que chegam sequer a
no sentido de que pode e deve relevar a concepção ser «formulados», isto é, traduzidos em forma legal~ o
pessoal - na verdade conforme ao dever do caroo e que. segundo o que já vimos, não precisa de aconte-
vinculada por criterios de pertinéncia, mas não obst~nte cer.
is·so autónoma - daquilo que é em concreto <<correc- De modo algum se pode afirmar a priori que a
to}). «apropriado». <~usto». <<sede» do poder discricionário, tal como o enten-
Mais dificil do que demonstrar que existe o <<poder demos, seja exclusivamente a administraçti.o - que,
discricionário)} no direito é demonstrar que isso e. não portanto, poder discricionário e discricionaridade ad-
apenas inevitável, mas também algo de bom. A esta ministrativa se identifiquem. Abstraindo de todo da
questão. porCn1, não queremos responder já. mas só a «discricionaridade do legisladÕr» e da «discriCiOna-
abordaremos no final do capítulo. quando tivermos ridade dó governo)), é plenamente defensável o Ponto de-
conhecimento do aspecto que apresenta o exercicio do Vista de que também existe o poder discriCiOnário
226 227

judicial. Este possivelmente aparece na determinação ceitas discricionãrios como o «!ntere,?se pt.iJ)liç.o>?. Q_u_..a
dãS éõÕsequências jurídicas do facto puniveI (se não na ~·;equidaefe;; Podem de igual· forma se~ ?'~ª~º~como
graduação da penac 1s>, pelo menos nas orientações a que pres·supostõs- da -estãtuiçãõ--(Iogo _COn:o _el~l1_1~~~~º,- d~a
se refere o direito da delinquência juvenil), ou na -tiTj)Otese j OU coffiÕ ·eleffi_~~lj_s_ <,!~~-~i~antes ~~ PT?~~a
fixação da reparação pecuniária do dano moral, ou em -estãtulÇaoínr. -FréQUentemente é apenas de uina questao
certas medidas processuais baseadas na mera conve- - cte·te-Ciiléa-1egislativa que depende acharem-se os con-
niência (apensação ou separação de processos penais, ceitos discricionários integrados na <{hipótese» ou na
etc.); o «preceito-poder» (kannvorschrift) do § 4 do (<estatuição», que se formule: <(quando se esteja perante
StPO toma possível a discricionaridade: o «podem» um interesse público, então ... », ou: HO interesse público
não significa uma mera possibilidade fáctica mas traduz pode ser satisfeito, procedendo ... ». A custo fará qual-
um p<Xier de escolha. quer diferença, portanto, que se diga: «No caso de. se
Finalmente deve esclarecer-se se o nosso poder mostrar necessário e oportuno, no interesse do serviço
discricionário apenas aparece como «discricionaridade público, substituir um funcionário», ou que se d~ga
da estatuição» ou tambêm como «discricíonaridade na antes: «Um funcionário pode, no interesse do serviço
hipótese legal>>l 16 '. Não raro a discricionaridade no público, ser substituído)). A lógica consequência disto é
sentido em que aqUi a toinarnoS ·e reserVada--pãrâ a que preceitos aparentemente imperativos (Mussvors-
estatuição da norma juridica. Mas não dciveffios afastar chriften: (<determina que>), etc.) em cujas hipóteses se
a possibilidade de uma discricionaridade na· hipótese inserem genuínos conceitos discricionários ({<interesse
legal, até porque entre esta hipótese e a estatuição e, público)>, etc.} são na verdade preceitos-poder (Kann-
consequentemente, também entre a discricionaridade vorschriften).
naquela e nesta, subsiste uma conexão intríriseca. O resultado a que chegamos com referência à tão
Quando p. ex. o § 66. 2.• parte, do StGB dá ao tribunal discutida discricionaridade é. portanto. este: que pelo
(através de um <{preceito-poder») a possibilidade de menos é possível admitir - na minha opinião é mesmo
aplicar uma medida de segurança sob o pressuposto, de admitir - a existência de discricionaridade no seio
contido na «hipótese legaJ», de que o agente {<seja da nossa ordem juridica conformada pelo principio do
perigoso para a colectividade)), os elementos da hipó- Estado de Direito. De discricionaridade, note-se, neste
tese e a estatuiçào estão entre si numa correspondência sentido: no sentido de que. no domínio da administra-
tal que a decisão discricionária (como por uma vez que- ção ou no da jurisdição. a ·conVicçãO pessoal" (parti- -
remos supor que seja) sobre a perigosidade (um concei- cularmente, a valoração) de quem quer qlie seja chamado
to em parte descritivo e em parte normativo, com ·a decidir, é elemento decistvo para determinar qual d_'.1S
espaço de Jiberdade ou «margem de jogo») e a decisão vã.rias alternativas que se oferecem como pos_siveis ~en­
sobre a própria medida de segurança coincidem . .f.911: tro de certo «espaço de jogo)} serã havida Coffio sendõ a
228 229

melhor e a ((justa)). É problema da hermenêutica jurí- vitima ê gravemente prejudicada no seu corpo ou na sua
dicã -iâd3gâf -orldê._e' com que latitude tal discriciona- saúde ... ». Deste modo, ha\'emos de entender por cláu-
ridade existe. E no plano terminológico. assim como sula geral uma formulação da hipótese legal que, em
metodologicamente, convém reconhecer uma posição termos de grande generalidade, abrange e submete a
particular, em confronto com os «conceitos indetermi- tratamento jurídico todo um dominio de casos. Um
nados» e com os «conceitos normativos», a um concei- estudo de H. NIPPERDEY sobre «Die Generalklausel
to de discricionaridade assim entendido. im künftikgen Recht der unerlaubten Handlungen)) («A
4) Os conceitos _indeterminados contrapõem-se aos cláusula geral no futuro direito dos actos ilicitos>))
conceitÕS detenriiiiadâs°: ·os CMCeitõSnOrmativos con- ( 1940) começa com estas significativas palavras: <(Na
trapõem-se aos déscritivos e Os espaços ou ânibft:Os de medida em que se trate de responsabilidade por culpa
livre discrição contrapOéin-se às vinculaçÓes- aos cri- pràpria, no domínio dos delitos civis são possíveis dois
térios objectivos do justo. Se o conceito rnultissignifi- sistemas de regulamentação legal: ou são enumeradas
cativo de (<c{áusula geral», que não raramente vemos umas ao lado das outras as diferentes hipóteses de actos
confundido com um dos conceitoS.ãCima mencionados ilicitos que devem desencadear a consequência in-
há-de ter uma significação própria, então faremos be~ demnizatària (sei., aproximadamente como se verifica
em olhá-lo como conceito qúe se contrapõe a uma nos § § 823-825 do nosso Código Civil), ou se cria uma
elaboração «casuistica)} das hipóteses legais! 18 '. «Ca- hipótese legal unitária do acto ilícito. Em lugar da
suística» é aquela configuração da hipótese legal (en- fonnulaç:ão casuistica surge, portanto, a claúsula geral,
quanto somatório dos pressupostos que condicionam a que visa a ofensa ilicita e culposa dos interesses de ou-
estatuição) que circunscreve particulares grupos de trem)). Encontramos uma distinção paralela na Lei con-
casos na sua especificidade própria. Uma hipótese legal tra a concorrência desleal. Casuisticamente concebido
casuistica é, por exemplo, a do § 224 do Código Penal: é-0. neste caso, o § 3. que liga o dever de 01nissão
Se uma ofensa corporal voluntária «tem como conse- (abstenção) à seguinte hipótese: 1<Aquele que, em decla-
quência para a vitima a perda dum membro importante rações dirigidas ao público, ... presta informações erró-
do corpo, da visão de um ou de ambos os olhos. da neas sobre elementos de um negócio, especialmen[e
audição ou da capacidade de procriar, ou se a me~ma sobre a constituição, a origem, o modo de fabrico ou o
vitima fica duradoira e consideravelmente desfigurada cômputo do preço ·de mercadorias ou de serviços
ou cai na invalidez, na paralisia ou na loucura», deve o profissionais. sendo tais infonnações de molde a criar a
agente ser condenado a prisão de 1 a 5 anos. aparência de se tratar de uma oferta especialmente
Em confronto com este texto da lei seria de vantajosa ... h. Ao contrário, no § 1 desta Lei estabe-
considerar como <(cláusula gera]>, a primeira pane do lece-se uma cláusula geral: •{Aquele que, no trafico
§ 260 do Projecto de 1930, que lhe corresponde: «Se a negocial e com um fim de concorrência. pratica actos
230 231

ofensivos dos bons costumes ... ». Conhecida é ainda a natureza da pena cabe à livre discrição do juiz». As
distinção entre o «método de enumeração» casuística e claúsulas gerais desta espécie relativas à punibilidade
o da cláusula geral a propósito da admissão do recurso não são consentidas no Estado de Dir~ito. Elas são
administrativo. No primeiro, são enumerados os dife- incompatíveis com o principio «nullum crimen sine
rentes grupos de casos nos quais se pode recorrer para lege>~, o qual torna inevitável um certo casuísmo.
um tribunal administrativo, ao passo que, no segundo, o Não podemos, porém, estar agora a procurar as
recurso a este tribunal é permitido através duma cláu- diferentes cláusulas gerais existentes na nossa ordem
sula geral. É este último o processo actualmente segui- jurídica e a verificar criticamente, de caso a caso, se
do no Código Administrativo de 21-1-60: O recurso aqui ou além nos encontramos ou não perante uma
administrativo é admitido em todos os litígios de Direito cláusula geral no sentido preconizado. De especial
público que não sejam de Direito constitucional, desde relevância são decerto aquelas cláusulas gerais que se
que para tais litígios não esteja expressamente prevista referem a uma ofensa dos <(bons costumes}>. como o já
a competência de um outro tribunal ( § 40). Neste recur- mencionado § 1 da Lei contra a concorrência desleal de
so pode requerer-se tanto a anulação como a prática 1909, ou o § 826 do Código Civil («Todo aquele que.
dum acto administrativo ( § 42), assim como a decla- de um modo contrário aos bons costumes, causa volun-
ração da existência ou inexistência de uma relação tariamente danos a outrem, fica obrigado perante este à
juridica e a da nulidade de um acto da Administra- indemnização do prejuízo causado>)) ou o § 226 a do
ção (§43). Código Penal (<~Aquele que pratica uma ofensa corpo-
A distinção entre o método casuístico e o método ral com o consentimento da vítiina, somente actua
da cláusula geral é, evidentemente, uma distinção ilicitamente quando o facto, apesar do consentimento. é
apenas relativa. Dentro do citado § 224 do Código contrário aos bons costumes))).
Penal, a primeira parte da hipótese legal («um membro De resto. os exemplos já apontados servem para
importante do corpo») quase se comporta, em relação nos mostrar que as clausulas gerais e o metodo casui-
às outras partes constitutivas da mesma hipótese, como tico nem sempre se excluem mutuamente dentro duma
uma cláusula geral, se bem que o todo do § 224, em certa matéria juridica. mas, antes. se podem também
confronto com o do § 260 do Projecto de 1930, seja ca- complementar. A clausula geral do § 1 da Lei contra a
suístico. Por outro lado, a própria «cláusula gerah> do concorrência desleal está ao lado do casuístico S 3 da
§ 260 do Projecto de 19 30 é ainda comparativamente mesma Lei, os relativamente casuísticos § § 823-825 do
casuística quando se coloque ao lado de uma disposição· Código Civil são complementados pela cláusula geral
como aquela concebida pelo governo soviético de Muni- do 3 826 do mesmo Código. Uma combinação parti-
que na primavera de 1919: «Toda a ofensa dos princí- cularmente aconselhável de método casuistico e cláusula
pios revolucionários será punida. A determinação da geral é a do chamado método exemplificativo. Encon-
232 233

tramos este n1êtodo no já muitas vezes citado § 260 do parecer pessoal do órgão apiicador do Direito -- por
Projecto do Código Penal de 1930, que até aqui temos exemplo: «Aquele que voluntariamente põe em perigo a
referido de modo incompleto. À cláusula geral: «Se a vida duma pessoa)>. como cláusula geral do fazer-
vítima é gravemente lesada no seu corpo ou na sua saú- -perigar (Geíãhrdungs-GeneralklauselJ 201 • Praticamente,
de}), acrescenta-se efectivamente uma enumeração ca- porém. quase só nos aparecem cláusulas gerais que.
suística de exemplos: ((especialmente se ela fica con- pelo menos, são ao mesmo tempo indeterminadas e
sideravelmente mutilada, ou fica para sempre notavel- normativas, ao passo que não pode evidentemente di-
mente desfigurada, ou gravemente prejudicada no uso zer-se que as cláusulas gerais sejam a maioria das vezes
do seu corpo, dos seus sentidos, das suas faculdades também cláusulas discricionárias (antes pelo contrário:
mentais ou da sua capacidade de trabalho, para sempre as cláusulas gerais não contém qualquer delegação de
ou durante um longo período de tempo ... »11 9i. discricionaridade, pois que remetem para valorações
Temos que nos perguntar agora como se relacio- objectivamente válidas - isto é válido, por exen1plo,
nam as «cláusulas gerais» com os conceitos indetermi- para o § 1 da Lei contra a concorréncia desleal, o § 826
~ados, os conceitos nonnativos e os conceitos discri- do Codigo Civil e o § 226 a do Código Penal). Ora não
cionários. Significam elas algo especial? Teremos de deveremos nós, pelo menos, considerar as cláusulas
convir em que só condicionalmente assim é. Evidente- gerais incluídas nos conceitos indeterminados normati-
mente que nem todo o conceito indeterminado, norma- vos, e por vezes tambén1 nos conceitos discricionários?
tivo ou discricionário é já uma cláusula geral. Com De facto,_as.cláus_ulas gerais não possuem, do pont.o..de
efeito, a esta pertence, como vimos, uma certa genera- Vista metodológico. qualquer estrutura própria. Elas não
lidade que ãqueies outros conceitos frequenteffie-rite exigem Prricessos de Pensamento diferentes daqueiêS
falta (assim, precisamente o § 224 do Código .. Penal, que são pedidos pelos conceitos indeterminados, os
êoinpletamente casuístico, contém tanto conceifos-iride- normativos e os discricionários. De todo o módo, ãs
terminados como conceitos normativos). Mas nãÕ Será cláusulas gerais aumentam a distância que separa aqué-
porventura que as clásulas gerais apenas formam urn les outros conceitos dos conceitos que lhes são corre-
sector, caracterizado por uma relativa generalidade, do lativos: os ·conceitos-dfterminadOS, ·etc. Mas isto -Sefia
círculo constituído por aqueles outros conceitos? Em apenas urna diferença de grau. não de especie ou natu-
todo o caso não nos é licito afirmar que toda e qualquer reza. O verdadeiro significado das cláusulas gerais
cláusula geral é simultânea e necessariamente indeter- reside no domínio da técnica legislativa. Graças a sua
minada, normativa, ou visa ã discricionaridade, ou é generalidade. elas tornam possível sujeitar um mais
tudo isto ao mesmo tempo. É possivel conceber uma vasto grupo de situações, de modo ilacunar e com
cláusula geral, que em certa medida (!)seria detennina- possibilidade de ajustamento, a uma consequéncia
da, utilize conceitos descritivos e não remeta para o juridica. O casuismo está sempre exposto ao risco de
.,li. 234

apenas fragmentária e <~provisoriamente» dominar a


235

rar as motivações e os fins do agente ... », é evidente-

,.•
::. maléria jurídica. Este risco é evitado pela utilização das mente uma tarefa da interpretação analisar e esclarecer
' cláusulas gerais. Em contrapartida, outros riscos terão estes critérios de graduação da pena (que significa, p.
de ser aceites. Não podemos referir-nos aqui mais ex., «culpa» do agente?). Mas também constitui um
1
detalhadamente âs vantagens e desvantagens. das cláu- acto de inte[J>retação, como já vimos. interrogar os

,,.•
sulas gerais. Elas têm sido muitas vezes tratadas em conceitos normativos contidos na lei para saber se eles
trabalhos recentes. Todavia, não devemos confundir as foram concebidos como objectivos critêrios de valor ou

,.,.•
vantagens e riscos inerentes às cláusulas gerais enquari- como autorizações para se proceder a uma valoração
to tais com aqueles que também as acompanham por pessoal, como conceitos dos quais decorre uma apre-
elas. em regra, serem ao mesmo tempo" indetenninadas, ciação «vinculada» ou um genuino poder discricionário.
normativas, ou discricionárias. Intervém aqui os princípios da interpretação que puse-
Temos agora que nos ocupar das consequências- mos em relevo no capitulo anterior.

'• que resultam para o pensamento jurídico da existência De análise especial apenas carecem. pois, aqueles
das diferentes espêcies de «conceitos desvinculantes» processos de pensamento que, nos quadros das dis-
ou conceitos do «Direito equitativo» (jus aequum). Na posições legais já preparados através da interpretação,


'• medida em que todos estes conceitos se encontram exigem uma decisão suplementar, especialmente uma
delimitados por molduras legais, a determinação destas valoração por parte do órgão que aplica o Direito. Nos

••• molduras ou quadros delimitativos não constitui, por


seu turno, senão interpretação da lei. Assim, é através
de uma interpretação da lei, na maioria dos casos muito
conceitos descritivos indetermin~dos, sem_ dúv:idà que
rios não afastamos aindã. da base da interpretação_ e
daqueloutra operação com ela estreitamente conexa,_a

•• simples, que são estabelecidos os quadros ou molduras


da graduação das penas. E é igualmente através de um
acto de interpretação da lei que são descobertos os
subsunção. ((O manejo de conceitos puramente empí-
ricos é.. interpretação», diz acertadamente FORS-
THOFF. O facto de os conceitos empíricos serem

•• ' pontos de vista ou critérios segundo os quais, por força


da lei. a pena deve ser calculada. Quando o § 46 do
Código Penal agora estabelece: «A culpa do agente é a
frequentemente indeterminados, como, por exemplo,
<<período nocturno», «escuridão», pode dificultar a
iriterpretação, e bem assim a subsunç-ão (que naquela _s~

1.' •
base para a graduação da pena. Devem ser tidas em baseia) dos casos concretos, pode obrigar o órgão
linha de conta as consequências que provavelmente aplicador do Direito a uma particular ponderação e,
resultarão da pena para a futura vida do agente em consequentemente, opor um desmentido à teoria do juiz

••
sociedade. Na graduação da pena o tribunal ponderará Como «boca· que ãpenas repiõduz as p"ãla-Vf:iS-da ·1éi»
e confrontara entre si as circunstâncias que depohham a (MONTESQUIEU), à teoria da aplicação da lei como
favor e contra o agente. São nomeadamente de conside- operação de um mecanismo que funciona (<automatica-


23i
236
cndor e um «memhro importante do corpon. se os
mente» (cfr. supra. p. 206). Todavia, trata-se.-aqui combates de boxe e as lesões corporais que neles se
duma simples interpretação e duma subsunção no aceitam são compat1veis com os «bons costumes}). se
Sentido anteriormente preconizado. A interpretação e a um curador «violou gravemente as suas obrigações de
subsunção com frequência se apresentam precisamente curadorian. se un1a representação gráfica (George
tomo actos espirituais criadores. - Grosz: Cristo na máscara de gás) é «blasfema11 ( ~ 166
M·as o pensamento juridico adquire uma nota intei-
do Código Penal. fórmula anterior) ou pelo menos
ramente nova quando nos voltamos para os conceitos
ttinjuriosan para a Igreja cristã ( ~ 166 do Código Penal.
normativos cm sentido próprio. Com efeito, demo-nos nova fórmula}. se um casamento <cfracassoun, tudo isto
conta da existência, nestes conceitos normati 11os, de
são questões que a lei não quer ver respondidas atraves
uma certa ambiguidade que agora tem para nós certo
de urna valoração eminentemente pessoal do juiz. A lei
peso. Importa distingui_!"__':on!orme a «OOJ]ll!ltiv..idade»
apenas si~ifica que o conceito ênl quêS~o P.T~es~~põe, aqui é antes de opinião de que há concepções morais
Ce acordo com o seu conteúdo, cerfiiS.. normas (meã.õ- dominantes pelas quais o juiz se deve deixar orientar.
_ridade, ·casaffiento, funéion-á'rio pôblico, eic.), oÜ a tcDecisivas são as circunstâncias do caso concreto
normatividade traduz carência de um preenchimento tendo em conta as concepções dos correspondentes
i•alorativo. Na primeira hipótese, o esclarecimento do sectores populacionais» (SCHÓNKE-SCHRÓDER).
conceito de ··novO se· rcConduz â interpretação. e a sua Os ((correspondentes sectores populacionais)) podem
aplicação no caso concreto à subsunção. No segundo se1.n ~~vida ser sempre aqueles sectores da população
caso, pelo contrário. depara-se-nos algo de propriamen- CUJO 1u1zo é aceito como válido por cada ordem estadual
te novo: a valoração do órgão que aplica o Direito. e jundica. Se o proprio juiz se situa dentro destes secto-
Agora ocupamo-nos apenas desta nonnatividade, en- res. ele tambcn1 pode, evidentemente. consultar o seu
~uanto traduz necessidade de preenchimento valora- se~timento etico. ~1as. ainda neste caso. haverâ de ter 0
t1vo. cuidado de averiguar se porventura se não ~ ncontra
. Todavia, já acima notãmos que a valoração que ?ast.ante isolado na sua concepção. Se o juiz se sabe
aqui se faz. desde que não se verifique a atribuição de 1ntetrament.e ~ora daquele sector populacional que, por
um _ccpode~ discricionário)), não precisa de ser uma vaJo- força do Direno. representa o padrão ou criterio (se ele
~~ç~o eminentemente pessoal do órgão aplicador do
e. por exemplo. inteiramente indiferente do ponto de
fi1re1to. Os con~eitos <(normativos» pQdem antes sign·- \'ISla rei" .
1car que 1 d igioso ou se os prazeres da multidão apaixonada
determ · o órgao aplicador
_ d0 d"Jrcito
. deve procurar 'e
inar
social «d. . as valoraçoes ·
preexistentes num sector !;uºpo:~~0~:,0 par~ ele horrores plebeus). não este e
ingente», <crelevante)). Nesta med"d ""-1 a em1nentemence pesso 1 .
remos de valorações ob. . 1 a. Hua- mas. antes. aquilo que «as ª que interessa_.
uect111as. Saber se o dedo indi- nos sectores em questão p;ssoas}) pensam e sentem
· or essa razão e que 0
238 239

Tribunal do Reich, na célebre decisão sobre o quadro Federal pode demonstrar filosoficamente aquilo que
de GEORGE GROSZ representando Cristo com a aqui afirma, se o seu repúdio do «relativismo sem
máscara de gás (volume 64, pp. 121 e ss.), situou conteúdo que opera efeitos corrosivos, porque nada
acertadamente a questão em termos de se determinar mais lhe serve de critério orientador senão a realidade
quais os efeitos que o quadro era susceptível de provo- social, alheia a qualquer valoração}}, se apoia em bases
car no «sentimento religioso daqueles membros da firmes. O problema da lei moral objectivamente válida é
Igreja cristã que se afastam tanto da susceptibilidade um problema filosófico-moral demasiado delicado para
excessiva como da indiferença total»ou. Se se tratar de que o abordemos aqui de modo canhestro. É bastante
questões éticas fundamentais, o juiz não poderá des~ que, em certas questões, exista uma tradição moral
prezar aquilo a que se chama «lei moral objectiva», que firme e tão segura que o Direito a pode tomar por base
o legislador pressupõe e aceita como vã.lida. Neste com o sentido de uma <dei moral objectiva».
sentido, o Tribunal Federal, na sua instrutiva decisão Ma~~- gµei:- o preençhirnento .. dos ..conceitos _objec-
sobre a questão do comércio sexual entre noivos tjvo-ríormativos «carecidos de um preenchimento valo-
(Volume 6, pp. 46 e ss.J 22 l, consid~rou que, no «concei- rativo)). que há pouco __referimos, se POss·â-ãPQíar áuma
to de acto indecoroso (Unzucht), que exige uma valo- ti-adição -moral inteiramente firme, quer se._tenha-de
ração'» e na remissão que nele se faz para um «circulo Orientar pelos juizÕs de valor mutáveis de «sectores
de normas estranhas ao Direito penal», se não trata p~pulacionais em mudança~> - a função destes concei-
apenas de uma referência às «opiniões ou modos de tos normativos em boa parte é justamente permanece-
conduta variáveis de sectores da população também rem abertos às mudanças das valorações - , a «valora-
variáveis)>, pois que o preceito da decência sexual não é ção» que o_ conceito normativo aqui exige é, num caso
um «preceito de simples uso, da mera convenção», mas como no outro, uma questão de conhecimento. O órgão
um preceito ético, um preceito da lei moral. «As aplicador do Direito tem de <(averiguar>) quais são as
normas da lei moral valem por si mesmas; a sua (forte) concepções éticas efectivarnente vigentes. A sua própria
vinculatividade apoia-se na ordem de valores prefixada vaJoração do caso é tão-só um elo na série de muitas
e que devemos aceitar, na ordem dos princípios norma- valorações igualmente legitimas com as quais ele a tem
tivos que regem a convivência humana; elas valem de confrontar e segundo as quais ele, sendo caso disso,
independentemente do facto de aqueles a quem elas se a deverá corrigir. A valoração própria (pessoal) é,
dirigem com a pretensão de serem observadas efecti- portanto, apenas uma parte int~_grante do maten"al do
vamente as observarem e reconhecerem ou não; o seu çonhecimento, e não o último critério de conhecimento.
conteúdo não pode modificar-se pelo facto de se altera- Nesta conformidade, também as decisões singulares e
rem as concepções sobre o que é válido>}. Temos de os conjuntos de decisões através das quais estes concei-
deixar em aberto a questão de saber se o Tribunal tos objectivo-normativos carecidos de preenchimento

11:e
I'.
i~
,.J..
240 241

valorativo são «concretizados» têm o significado de pec11ica. Esta concretização te1n - para usar a~ p~l!:...-·
algo como uma espécie de interpretação destes concei- v.r.as_ de LARENZ - u1n caracter ''.sintCtico1), ela
tos; ao mesmo tempo que também a determinação da determina a ideia fundamental. carecida de preenchi-
valoração correspondente ao caso concreto revela certo niento va!orativo. através da pesquisa da valof'âçâo
parentesco com a <~subsunção». As máximas decisórias cÕnfonne ao esPírito da época, mas sem retirar- _ess·a
como esta: «Os duelos académicos não são contrários determinação do conceito como tal. Além disso, nos
aos bons costumes» (cfr. BGHSTr. 4, pp. 24 e ss.), ou limites em que tal é possivel e faz sentido~ toma em
esta: «Ü comércio sexual entre noivos constitui acto , consideração a configuração especial do ·ca:sO sub
indecoroso no sentido dos § § 180 e s. do Código 1
iudice.
Penal>~, tém, portanto, uma função comentadora seme- ~1as se os ({conceitos objectivo-normativos>) apre·
lhante à que desempenham os desenvolvimentos concei- sent.am, pois, especificidades que imprimen1 urna_no.v.a-
tuais, as classificações e as subsunções no domínio dos direcçào aos processos de pensamento do jurista ao
conceitos descritivos. Por isso elas aparecem nos trata- fazer aplicação do Direito, quando ·nos voltamos para
dos e nos comentários ao lado das definições, delimita- a'1ueles conceitos normativos e cláusulas discricionãrias
ções do âmbito conceituai e exemplificações dedicadas que declaram decisiva uma decisào subjeCúVO.j;éssoal
aos conceitos descritivos - e pretendendo um papel do juiz ou do funcionário" administrativo entra.mos-num
idêntico. Todavia. os conceitos normativos objectivos dominio inteira e completamente novo. Com efeito, não
conservam uma p~priedade. uma vantagem:·· püaemos obstante o carácter «sintético» ou «coílcretizante)) da
dizer, que frequentemente os conceitos descritivos per- aplicação dos conceitos normativo--0bjectivos, sempre
dem: através das valorações para que eles remetem, se tratava neles, como vimos. de uma espécie de
podem adaptar-se elasticamente à configuração parti- «conhecimento>>, de u1na <iaveriguaçüo>> daquilo que é
éular das circuns_tâncias do caso conç_rgtQ_ e ainda a válido. de uma apreensão do univocamente recto em
qualquer muda~ça~ da~ ~oncepçõ~s valorativas ..Preci- conformidade com a intenção e a Ideia. As coisas
samente por -isso é que eles são os pontos de apoio e os passam-se de maneira diferente nos conce~tos norma-
veículos dum <iDireito equitativo» e são tão benquistos tivo-subjectivos, cujos protótipos sào os genuínos con-
nos tempos de hoje. O conceito descritivo «cópula» não ceitOS-dl"ScllCiõnàíi()S-. Os quadros ou molduras da <di-
é capaz de individualização e de variação como o vr"e1' disCrfção.· Es~s- .autQr._i_t;am D órgão aplicador do
conceito «conduta contrária aos deveres do matrimó- Direito a coiúdderar corno .vinculante e «justa>~ a valo-
nio» ou o conceito «acto indecoroso». Assim, o juiz ou ração por- ·ele. Pessoalmenre tida por justa. Nestes
o funcionário administrativo que têm de referir e sub- tennos, cienterilente se ·conformam com uma plura-
sumir um caso concreto a um conceito normativo- lidade de senlidos. Efes e&peíam uma tomada de
-objectivo precisam de realizar uma concretizaçào es- posição individual, confiando em que seguir honesta-
242 243

:.••
:.••
mente u1na linha de orientação pessoal é de molde a
assegurar melhores decisôes do que o tactear inseguro
na procura de pontos de vista ((objectivos''· Teremos
ainda de voltar a fal<.!J_destes actos de valoraçã~jÜÍidica
gue: faZ~m~QcLÓrg-ão aplicad~r do Ói-i:~ft~~--e-; sentido
sarnento volitivos» (H. MAIER). Eo que desde logo
vale pelo que respeita a livre escolha dos fins, que em
larga medida constitui a nota especifica da chamada
discricionaridade administrativa. (Como já vimos,
LAUN pôs em evidência. como essência da dis-
_verdadeiro e próprio. um criador do DiÍeito-. -qÜe O cfiéÍ~naridade administrativa. o facto de aos órgãos
'I _~~~-º -1~@!~Çl"Or_ Qo _ç:_a§o -conc'rê-tÕ~----- estaduais ser atribuido o poder de «determinarem eles


,.•
1. A propósito saliente-se uma vez mais que. como já 1nesmos, em conformidade com os deveres do cargo.
acima observámos. o quadro ou moldura de decisão segundo o seu ponto de vista e o seu querer próprios,

:~ pessoal não só é restringido através de limites legais


claramente visiveis. mas ainda através de outra·s limita-
qual deva ser o fim próximo, imediato, da sua acção»}.
Portanto, esta livre escolha do fim. como exemplo
ções. detenninadas segundo_ o Direito consuetudinário da quã-1-poétêffiOs um-a Vez mais lembrar a Ôpç!l.Ú~~;-e- o
ou segundo a <ddeia de Direito e de Estado)). Finalmen- ii1vCi científico e a ca·pacidadc pedagógica para ef~_os

•'••1.
te, também a proibição da «arbitrariedade» e da «falta
de pertinência>> (Unsachlichkeit) exige consideração.
Assini, por exemplo. é seguro que o juiz penal, ao cal-
cular e fixar uma pena pecuni.:iria, o que nós - acom-
de nomeação dé um professor universitãrio, pi-o-c;~ssa-se
ºSegundo as leis da teleo/ógfca. Neste processo os fins
;; próxiffios» são subordinados a fins mais remotos e
1nais gerais. São ponderadas as consequéncias e os

;.,.,.••
panhando PETERS - consideramos como sendo, den- cfcítos laterais na prossecuçào deste ou daquele fim .
tro de certos limites. uma actividade «discricion.:iria}), Procura-se uma co1nbinaçào coerente co1n outros fins
nào pode, por razões meramente fiscais, recorrer â pena relevantes. De tOrma alguma se impõe u1na uniformi-
' mais elevada possível. No seguimento destas nossas Jadc de decisão. Por isso que, na nomeação de um

,.
con~_içle~é:!S:.~~§ hayernos de Pressupor que, na utilízaçãÜ outro professor universitario, se deu preferencia ao nível
d_o pqder dis_cr_icionário são evitados oS exCessós e os t:ll:nltlico. pode agora atender-se 1nais as qualidades
·~b_u~o~ ~d~;~e- ~deÍ. Neste momento es~ª--ffi_ç,~-ª-~UIJOr- pcUagogicas. Além disso. as leis da tcleolügica domi-
91.!.e a _d~_çtsão.-«_p~SSoal» é uma deClsão-ajustada (sãch- na1n a escolha dos 1ncios. quando estes não estejam ja
gerech1 .!: proferida com base numa convicÇao·--in1ima 1nL'quivocamentc predetcnninados pelo proprio fim.

,.
:.•
e sincera . \-lu1lo.s autores salientatn designada1ncnte. co1n razão,
Seria, porém, um erro supor que as decisões q~~ it.discdC.Q-nJíídãdC.:iffiP\iC";~~~~PCnãS-. liyre escolha
apenas «subjectivamente>> rectas são tomadas sem que ili~- !ins. mas também. ein d_ad<Is_ c_irçu.nstáncias. livre
intervenham na sua orientação pontos de vista não só cS~oll1-a dos. ~eios-. Cinbora ~·à~ scj; poss1vel ncgãr uma
juridicos mas também metajuridicos. Antes, é possível ~~.;,~; -~cl~livid;d~ d~-s_t·a- ctisti~Çâo. Pâ.ra Prevenir certo
pL'Ítgo. dispôe-s~ -~;e~tu-almcntc de ;~rias possibilidades
.~. mostrar certas estruturas lógicas destes «actos de pen-

1:9
!1.
1L...
244 245

de intervenção policial entre as quais importa fazer uma de dar preferência ao justo à custa do conveniente ou ao
opção; ou, para agir contra um delinquente juvenil, conveniente a expensas do justo? Ou não será, antes,
apresentam-se diferentes medidas admitidas por lei que a justiça e a prática convenifncia em larga medida
como equivalentes, entre as quais tem se s'er escolhida se acompanham uma à outra, porventura no sentido de
uma ou outra, ou uma apropriada combinação de vârias que o justo se orienta materialmente segundo o que ê
delas. Nesta escolha interferem, conforme os casos, praticamente conveniente? FRANZ v. LISZT afirmou:
considerações de eficácia, de perdurabilidade do efeito, «A pena justa, quer dizer, a pena correcta, é a pena
de indulgencia, de simplicidade, de economia:, de «pro- necessária». <(A justiça no direito penal consiste em
porcionalidade» - considerações estas que se apresen- respeitar a medida da pena que é exigida pela ideia de
tam no seu conjunto como teleologicamente estrutura- fim (ou prática conveniência) ... A completa. vinculação
das, sem todavia excluirem da decisão a nota pessoal. do poder punitivo à ideia de fim é o ideal da justiça
Porém, com os pontos de vista respeitantes à penal)), Também já se afirmou que o justo é o que
determinação do fim e dos meios também se entrelaçam ontem foi o praticamente conveniente (EXNER). Outro
frequentemente as ideias especificamente ético-jurídi- autor acrescentou que o que hoje se tem por convenien-
cas da justiça e da equidade. É o que logo se verifica te (com os fins práticos) será o justo de amanhã. Estas

i.
em muitos actos administrativos. A transferência de um formulações são talvez perigosas, mas mostram como
funcionário pode ser muito conveniente, mas apresen- nos podemos representar a harmonia entre a justiça e a
tar-se como «não equitativa» ou mesmo (<injusta»_ prática conveniência. Um tratamento acentuadamente
Inversamente, a nomeação de um funcionário para certo individualizante de cada-CrlmiflõSo-, qlle-ã-Piifn€ir::Cvista
TUgãr ou para um posto mais elevado pode ser na ver- cho-c-a o senlimfri1õ da justiça, dePois de tfr demoi1S-

:• dade justa, mas inconveniente por razões de serviço. trà.do a sua prática conveniência e com o decurso do
· tempo mostra-se tambêm c~mo algo --de .evidente ao

'•
i'•
1!
N-ão hão-de, pois, as considerações ou juízos-de conve-~
niência feitos pelo funcionário administrativo, de que
acima falámos, debater-se também com os problemas
da justiça e da equidade'.:' De maneira ainda mais
sentimento jurídico (que, sem dúvida, é por seu úiiiíõ
· em regra ~(subjectivamen'te>.• colorido) volt~dO- p~râ_ ~
ideia de justiça. A justiça en1 si rnesrnã-é um princípio

••
I•
acentuada se faz notar a valência, ou mesmo a preva-
lência das ideias da justiça e da equidade na graduação
demasiado vago para nos garantir, só de per si, uma
decisão adequada. É o que imediatamente notare1nos se
prestarmos alguma atenção a graduação da pena, tão

<•
da pena e no indulto. Nestes dominios a relação entre a
justiça e a prática conveniência ê um problema eterna- fortemente dirigida pela ideia de justiça. Então reco-
nheceremos tambérn a estrutura lógica especifica da
:e mente em aberto. Serão na verdade a justiça e a prática
conveniência pontos de vista inteiramente diversos decisão discricionária neste campo:

•• entre os quais somos forçados a decidir, por forma a ter Depois que o principium talionis, quer dizer, o

i•••
!~
246 247

principio da retribuição d_o _igual com o igua_I__ 1~Q, mo acontece também no plano da (relativamente}
pôr· 01hõ, -dente -por dentê» ). se re_velo!-1. rl~nas (<livre>} graduação da pena: a graduação a decidir dentro
gro·ssêfrO, mas tamQ_~m _c9i:_n_o inexequív~l - n~_m_i!!g.ria das molduras legais não pode bastar-se com· o principio
'dõs-CãSos -·pois, com que se deve retri~u_i,! • .§!:fil!.i.n9_o da justiça somente. Pois também aqui se nos deparam
Cste princípio, um perjúrio, uma falsificação de do- variados pontos de vista que tanto determinam corno
ctimentos, uma alra-=traiçao, üitiá-bTfrfâ'?. - im~o dificultam a ~scolha: Em que medida deve pesar a
Í~teresse da ju"stã-- ixpi?"çãÓ de Um cri.TI~ -;travé~E_a__ (<culpa)) do criminoso, em que medida deve pesar o
.Í!!açãO de Uma pena adequada, achar u~ª 91,1tr_aJQJIDa _ resultado, que importância há-de ser dada para a
de proporcionalidade entre o crime e a pena. A ideia medida da pena a conduta anterior, a conduta durante o
fU:ildamental é aqui muito simples: o crime proporcio- processo (p.ex., a persistente negação do delito), etc.'.1
nalmente mais grave deve ser expiado por uma pena Ternos de convir que também aqui. não obstante todos
proporcionalmeóte mais grave. Mas quais são as penas os esforços da teoria e da.prática para impor a (~ustiça))
que hão-de ser estabeiecidas corno sendo as mais na graduação da pena, acontece que, por um lado, os
graves? Por que modo deve ser graduada a gravidade? juízos de prática conveniência desempenham um impor-
Dentro de que limites se devem mover as molduras tante papel e, por outro lado, subsiste um residuo de

1.,.
penais? Na resposta a estas perguntas já a prática apreciação pessoal que nâo é susceptível de análise
conveniência há-de ter uma palavra a dizer. Pense-se na racional, que não deve apenas ser suportado por nào
discussão sobre a necessidade da pena de morte, a qual haver «outro remédio>> mas ser a~é bem recebido. A
é travada não só sob o ângulo da jUstiça como ainda na ponderação da justiça carece, pois, de ser imediatamen-
perspectiva da prática conveniência. Pense-se ainda na te complementada por ponderações de prática conve-

•• disputa, entretanto ultrapassada. sobre se se deve ou


não manter a distinção entíe encarceramento e prisão
simples em vez de uma unitária <(privação da liberda-
niência. O juiz penal atende particularmente às neces-
sidades da luta contra o crime, às exigências da «preven-
ção individual» e da «prevenção geral)). quer dizer. à

•• de»! A propósito de todas estas questões é licito afirmar


qUe a justiça tarnbêm tem em conta a prática conve-
niência. É o que logo acontece, no plano da legislação,
ef}cácia educativa sobre o próprio criminoso e sobre a
generalidade das pessoas. Mas, por sua vez também.
estas directrízes teleológicas não são univocas. A qual

•• na escolha dos tipos de penas (rejeição da pena de mor-


te, eliminação da diferença entre encarceramento, pri-
são simples e detenção, manutenção das penas pe-
dos diferentes fins possíveis dar preferência: ao da
prevenção individual ou ao da prevenção especial - eis
o que não ê seguro. Nesta medida é-nos licito portan"to

!.•
cuniárias) e de seguida na determinação das molduras falar de novo, com LAUN, de uma (divre escolha dos
penais (p. ex., prisão perpétua ou com duração tempo- fins». !vias se tanto a valoração da justiça axio-
ral determinada por man~ira determinada). Mas o mes- logicamente estruturada 9orno a ponderação de prática
1 •


1....
248 249

conveniência teleologicamente estruturada são factores soai. regras teleológicas e axiológicas, que na \'erdade
inseguros da graduação da pena, então também o não podem determinar exactamente a decisão material,
respectivo produto não poderá ser alguma vez unívoco. mas em todo o caso lhe dão um quadro lógico de supor-
Por consequência, subsiste um resto de decisão deter- te. Subsiste sempre, no entanto, a coloração pessoal das
minado pela personalidade do juiz penal, mesmo quan- valorações maleriais e da decisão de vontade.
do se recorra à ideia de fim (de pratica conveniência) no Se, em particular, retrocedermos ao que atrás dis-
ãmbito da <~usta graduação da pena>~. Mas nem por semos sobre a delimitação, a regulamentação e a
isso nos é permitido chamar sem mais a esta decisão estruturação do exercicio do poder discricionário, con-
uma decisão irracional. Pois ela é axiológica e teleo- cluímos que nos achamos ainda defrontados com a
logicamente articulada. Nos casos normais, não se veri- questão acima posta apenas a título provisório: em que
fica dentro do '<espaço de livre jogo» da graduação da sentido e em que med:da pode ser considerada como
pena uma intervenção arbitrária, mas uma ponderação <(recta» e justificar-se ante os principias do Estado de
judiciosa segundo pontos de vista firmes, pelos quais a Direito uma decisão afinal arbitrária, afinal afectada
decisão pessoal se orienta sem se lhes abandonar por por uma coloração individual. Não se trata aqui apenas
inteiro. da ~<rectitude» que decorre de todas as diferentes vin-
Falta-nos aqui o espaço para maiores aprofunda- culações às quais esta sujeita não só a decisão <(Vin-
mentos. O resultado das considerações fragmentárias culada» como ainda o exercício do poder discricionário
deste capítulo pode resumir-se como segue: De diversas (há que referir, além de todas as directizes jurídicas e
fonnas e em diferente n1edida, o órgão aplicador do axiológicas, també.rn as proibições do particularismo, do
Direito, através do Direito equitativo, através do «jus arbítrio, do abuso e do excesso de poder), mas também
aequum», que se prende com os conceitos indetermi- da rectitude especifica que se toma em problema pelo
nados e com os conceitos normativos, com as cláusulas facto de, no exerclcio do poder discricionário, se ter de
de discricionaridade e as claúsulas gerais, é chamado a reconhecer valor igual a decisões diferentes, mesmo a
descobrir o Direito do caso concreto, não simplesmente decisões opostas. lsto é que é deveras especifico e
através da interpretação e da subsunção, mas também chocante: que decisões numa relação disjuntiva (DI,
atraves de «valorações e decisões de vontade». Neste 02, D3 ou D e não-D) possam na mesma medida valer
ponto, vimo-lo, ora mais subordinado a critérios objec- como rectas perante o Direito - por exemplo, penas
tivos (lei moral, valorações da camada dirigente), ora mais elevadas ou menos elevadas para urn mesmo deli-
mais entregue à· bússola da sua concepção individual. to, notas diferentes num exame, outorga ou não de uma
Mas justamente neste Ultime caso ainda não campeiam concessão, atribuição ou não da cidadania por natura-
a desvinculação e o arbítrio, antes se nos deparam ai, a: lização. Ê óbvio que (<rectitude'' significa aqui algo que
mais dos limites legais e supralegais da decisão pes- não se subordina ao princípio da não contradição,
250 151

significa algo que não é o mesmo que a verdade ou a sável})), pois que na verdade o recto tem de ser se1nprc
univocidade, as quais talvez em princípio (!) não defensável, mas nem tudo o que ê defensável tem de ser
possam ser de modo algum alcançadas nos domínios em aceite como «recto>) (pois que continua a ser discutJvcl
que se acham em jogo valorações. Ao jurista acode logo e merecedor de discussãoy 1.i 1• Na realidade das coisas.
aqui um conceito usado em vários contextos, o conceito dado como pressuposto que existe um {<poder discricio
de fungibilidade: se no exercício do poder dis- nário>>. seremos forçados a aceitar que aquilo que 1ic1n
cricionário surgem várias alternativas à escolha, cada todo o caso» tem de ser reconhecido como defensavcl.
urna delas pode ser <<fungivel» e «defensável», em vista deve valer co1no «caindo no espaço de manobra do po-
da grande ambiguidade que permanece dentro do «es- der discricjonário» e, nessa medida, deve valer co1no
paço de jogo». Pode ser defensável aplicar tanto seis «correcto» (e - permita-se-1ne o atrevimento de tnais
como sete ou oito meses de prisão, pode igualmente ser este excurso: - nào deve ficar sujeito a reexame por
tão defensável deferir como indeferir o pedido de natu- uma outra instância, pelo menos quando esta não esteja
ralização. Toda aquele que se decide, dentro do espaço em contacto tão estreito com o caso concreto e não scj3
de jogo, por uma destas possibifidades, está dentro do essencialmente mais perita na matéria que a instância
direito e ninguém pode dizer que só ele tem razão. Essa detentora do poder discricionário. mas apenas. na
fungibilidade ou justificabilidade não exclui natu- melhor das hipóteses. se julgue Hmais sábia» que
ralmente que se possam esgrimir argumentos e criticas esta).
sobre as razões por que precisamente esta ou aquela Alcançaremos sem dúvida uma mais fundada justi-
decisão é a melhor e «genuinamente» recta. Frequen- ficação desta equivaléncia entre aquilo que é «pessoal
temente o próprio autor da decisão não pode libertar-se mente>' tido por recto e acertado e a rectitude pura e
das suas dúvidas. perguntando-se se «efectivarnente» simples 12 ~ 1 sobretudo quando abramos o espírito às se
toma a decisão acertada; mas dirá de si para si que pelo guintes reflexões: A nossJ vida jurídica. globalmente
menos considera correcta a decisão defensável. Ocasio- apreendida, e modelada por predisposições e impulsos
nalmente também aqui, como na determinação da individuais, en(iuanto parte da nossa multifacetada \·ida
medida da pena, se encontrará apoio em máximas como espiritual. Não só no plano da legiferaçâo de qualqu1.:r
esta: in dubio mitius. Será então uma questão de espécie, mas também no plano da administração e da
conveniente disciplina da linguagem a questão de saber jurisdição os homens são chalnados enquanto ~{pcrsona
se se deve simplesmente fazer coincidir o conceito de tidades» a mcx:ielar e a aplicar o Direito. A {(concee_'!~l!
<<defensável» com o de ((fectitude)) do exercicio do subjectiva do que e recto» ~ão UP~-f!_~s ..!~urn~[CSiJ.wJ
poder discricionário ou se se deve - e para isto me que e preciso suportar penosamente». lo.g?.:.3~º~
inclino eu - considerar o último conceito ( «rectitude») ·infelizmente não pode (pelo -menàs -quanao -~h3i_~ __q_u_c_____,,
como mais restrito relativamente ao primeiro (<~defen- fãiéí valoraçües) ser coinpieiarrieflte e~?L_fJ!J-id_() ~-~11]11~
...... ,..,.
25.! 253

e antes u1n elemento positivo. e que como tal deve ser pios. e faça desvanecer por completo o seu eu (como
~nriTIJdó-: dãCúfturà--JúndlCa~-Assrm CorTIO. -noPJ;no exigia RANKE do historiador na pesquisa do passado,
supcriOr. nào temõS de -i-cprese"iitar o poder legislativo o q:ie de resto seria uma empresa impossível)? Ou não
co1no u1n aparelho racional que, segundo princípios deverá antes ele. como homem entre honlens, tomar
abstractos. produz leis que são as {(únicas justas.>>, mas também uma posição pessoal ante esta ou aquela
co1no u1n processo orgãnico integrado por rni.iltiplas reclamação. relativamente ao valor deste ou daquele
(.;01nponcntcs pessoais que em grande parte são <(mundi- interesse. a força persuasiva deste ou daquele argumen-
vidcncia[., e «politicamente» propelidas. como um to sobre o qual importa rellectir (e isto abstraindo já de
procc~so no qual se luta vivainente pelo «justo» (~~rec­ todo da apreciação da prova em matéria de facto)'? Não
tlJ,,) - assim ta1nbcm nos não C hei to, no plano inferior temos nós mais confiança numa decisão por detrás da
da aplicaçào do direito (no 1nais lato dos sentidos), qual está um titular da função que não e apenas
conceber os funcionarias, as autoridades. o juiz e os funcionãrio, técnico do direito ou (<tecnocrata>) mas
tribunais co1no apenas cha1nados a uma esquemática também(?) uma personalidade autónoma do que numa
1
execução do direito. Eles são antes co1nissionados para outra que se acha orientada ·exclusivamc:nte('. ) por
procurar o que e de direito. o que C conveniente e o que princípios e regras abstractos de toda a espécie"! Aquele
e a 1ncdida justa no caso concreto. por modo a e1npe- que se sinta chocado pelo facto de que, sendo assim.
nhar a sua responsabilidade e a sua <1mclhor ciência e depende da pessoa de quem decide o ser aplicada uma
conscíCnc1a", siin. mas ao 1nes1110 tempo ta1nbC1n por pena mais elevada ou uma pena mais leve, ou o ser
urn 1nodu criativo e talvez mcsino inventivo. Por isso se deferida ou indeferida uma petição. deve tambem con-
\cc1n envolvidos núo apenas nas 1<particu!ares circuns- siderar que não importa apenas o resultado final mas
tancia~" do caso, rnas ta1nbcrn nos interesses pessoais. ainda o processo global, o qual ê conformado segundo
desejos. pretensões. argu1nento~. necessidades profun- as caracteristicas do titular do cargo, e ainda que aquele
das e agravos dos homens que no caso intcrvén1 como que é mais severo e tambêm as mais das vezes, ma~s
< 1 partc~p,_ asSiln como se vêctn ainda confrontados com exaustivo e minucioso e mais justo e aquele que e 1na1s
o:-. pontos de vista dos representantes das partes que complacente ê mais comodista e evita a responsa-
o:xlgc1n analise e discussào. e alem disso no órgão bilidade (e11 rróprio conbeci um juiz que, em casos
-.:olcgial ou no tribunal co!cctivo se vêctn igualmente duvidosos propendia rnuito a aplicar penas leves - as
..:onfronlados i::o1n a concepção dos outros 1nernbros chamadas <<penas por suspeita>), pois - em vez de, ou
Jo (.;okgio. condenar em penas determinadas ou meàidas com ver-
No 1neio desta 1<ten1pcstade interior e luta exte- dade, ou então absolver~ e assim aquilo que favorecia o
rior>• e ad1nlss1vc! que o lünclon;:irio ou juiz que decide verdadeiro culpado prejudicava aquele que na verdade
a c:iusa apenas procure. hirto <.' ngido. regras e princi- estava inocente). Quen1 alguma vez fez a experiência de
I""
254 255

lidar com autoridades e tribunais estará disposto a resse histórico. Mas persiste e reaviva-se a cada passo a
conceder que prefere lutar pelo seu ponto de vista e pela ideia de que não se deve vincular demasiado à lei o
sua pretensão e a discutir com um homem na sua pratico que a aplica ao caso individual, de que temos
individualidade do que com um mero (<aplicador do que lhe dar carta branca e oportunidade para dominar
direito». Para impedir que esta ideia de «justiça pes- de forma sensata, justa e conveniente, tanto segundo a
soal» se não desvirtue bastara, num Estado de Direito. especificidade do caso como segundo a sua convicção
que exista uma ciência juridica evoluida e existam pessoal, a situação concreta, quer se trate de um litigio
funcionários e magistrados educados na imparcialidade. judicial, quer de um problema .da administração~::
na objectividade e na incorruptibilidade. E não podem temente essa ideia assumiu esta forma: __o jui_z não deve
naturalmente esquecer-se todas as garantias contra o --
se;tã~ fortemente - ~~-;-~~~hãdo a <~lei - a -aõ- direito»,
arbítrio asseguradas pela obrigação de fundamentar êõffiO Se ·roía ·um súbdito do Jeg}slad.or é dOS pC)d~
objectivamente a decisão tomada. pela discussão nos qÜe por di!trás deste ··se escoiidem. mas tomar-se__ele
órgãos colegiais e pela possibilidade de revisão da deci- Próprio politico, modelador da vida social, «en~_e_nh_eir~
são na instância superior. ~ social>} ou -pelo ínenos «assistente Social de um genero
Foram- tambfm ideias deste tie:Q_~. já há várias ·particular». abrir-se às corren~e.~ da__epoca, mas con.tfi-
ctecãdaS âlíiTiê"i1taram CleiltfOdã jurisprudênc1â~re ·. búindo ao mesmo tempo para f\S _ d_irigir (WIET-
movúTie~lo q~~--Usainós designar Por ~~m§~vlmelltO--do HÕL TER. RASEHORN, WASSERMANN, OS-
direito livre)>. _Este movimento tem sem duvida pôntos MAYER, entre outros). Como quer que nos sinta-
de vista muito diferentes. Ele pode arrancar ta1nbém do mos em face desta~ tendéncias (por mim, sinto-me
caracter lacunoso de um direito legislado ou do caracter preocupado), elas de qualquer modo conduzem para
incorrecto de muitas leis para depois cometer ao juiz a além daquilo que constitui a arte especifica do pensa-
função de, por forma equiparada a do legislador e mento c<do jurista)} e por isso não podem já ser objecto
c<criativamente», preencher as lacunas e corrigir as leis deste livro. O dcsen1iolvimento da configuração que,
incorrectas (sobre este ponto ver o próximo capitulo). então. deve assumir a elaboração e a aplicação do
Mas o seu fito principal, bem que entrementes destnen- direito deve ser deixado aos protagonistas daquela
tido ante o ataque dos opositores, era se1n duvida trazer concepção - até para que sejam evitadas interpreta-
para o regimento o juiz régio, afrouxar as vinculações a ções precipitadas e erróneas.
lei, alçapremar o «poder discricionario>> a um princípio
amplo da conformação global do direitd:~i. Estes estOr-
ços da escola do direito livre há muito que entrara1n C1n
refluxo. depois de cerem ameaçado espraiar-se e sub-
mergir as margens. Nesta medida. apenas têm u1n intc-
25i
256

ANOTAÇÓES direito. nomeadamente G. RADBRUCH. no seu trabalho sobre


conceitos de classe e conceitos de ordem no pensamento jurídico
l. A expressão ((Direito dos JuristaSJ•, que encima este l(ntern.Z.f. Theorit! des Rechts. Bd. 12, 1938, pp. 46 e ss.) e H.
capitulo e o seguinte. e apenas usada com o sentido de que os J. WOLFF. no seu estudo sobre «Typen im Recht und in der
juristas (teóricos ou praticos ). através duma actividade «criado- Rechtswissenschaft>1 (Studium Generale V, 1952, caderno 4),
ra>!, contribuem de modo particular.justamente sob os pressupos- ocuparam-se do utipo1• de uma forma inovadora, nestes estudos
tos que vamos expor, para o desenvolvimento dos contei.idos do se escorando depois o capitulo da minha «ldee der Konkretisie-
Direito, não se limitando. portanto, a prolongar e a levar até ao rung» acabado de referir. Aí procurei eu especialmente recon-
fim as ideias do legislador. Mas já não podemos versar aqui o duzir o tipo ao ponto de vista da concretização,. ponto de. vista
problema de saber se o Direito dos juristas constitui uma fonte de que ganhou nomeada no título daquele livro. Entretanto surgiram
Direito autónoma. susceptivel de se inserir na ordem fundamental excelentes e. er.l parte, fundamentais investigaÇões sobre o tema
de um Estado regido pelo principio da divisão dos !Xlderes. E um Htipo e direito» (cada uma com novas indicações bibliográficas),
problema que de há muito vem sendo suscitado. J~ SAVIGNY a saber: K. LARENZ, Methodenlehre, 1960, pp. 333 e ss .. 3.a
pôs em destaque a importãncia da jurisprudência para o desen- ed .. 1975. pp. 194 e ss., 206 e s .. 443 e ss., autor que, de resto,
volvimento do Direito enraizado no espírito do !XlVO. No final do com a sua teoria inspirada em Hegel, do ((conceito universal-
sec. XIX, O. Bülow, em Gesetz und Richteramt. 1885. acentuou -concreto>1 já havia contribuído para a tipologia jurídica desde
a igual importância do Direito judiciário. ao lado do Direito 1938; Arthur KAUFl\tlANN, Ana!ogie und ({Natur de Sache)1,
legislado ((<A lei e o juiz produz.em para o povo o seu Direito1) ). zugleich ein Beilrag zur Lehre vom Typus, 1965; W. HASSE-
Naturalmente que também a 11escola do direito livre•1, que MER, Tatbestand und Typus. 1968: K. H. STRACHE. Das
aclamou a ,1rcaleza do juiz», encarou o Direito judiciário.como Denken in Standards, 1968; R. ZIPP.ELIUS, Die Venver.dung
fonte de Direito de natureza autónoma e consêguiu mesmo que o ~·on Typen in Normen. etc. (Festschrift f. Engisch. 1969. pp. 224
Reichsgericht seguisse na sua esteira (vide a propósito E. Fuchs. e ss.); IDEM. (<Der Typenvergleich als Jnstrument der Gesetze-
~Vas will die Freirechtsschule?, 1929. pp. t8 e ss.). Nas Ultimas sauslegung)1, Jahrb. f. Rechtssoziologie und Rcchtstheorie H,
decadas de novo vem emergindo mais e mais a ideia de que o 1972, pp. 481 e ss.; D. LEENEN. Typus und Rechtsfindur.g,
direito dos juristas. e especialmente o Direito judiciário. pode 1971; e, mais recentemente, ainda: L. KUHLEN, Die Denkform
reivindicar a dignidade de uma fonte de Direito. Indicaremos aqui des T,ypus und d. jur. l\lfethodenlehre, in Jurist. f\:fethodenlehre
pelo menos alguma literatura sobre este tema (pró e contra o und anal. Philos. (edit. por H. J. KOCH), 1976, pp. 53 e ss .. Sai-
direito dos juristas e o direito judiciário, quer seja de facto, quer ria dos limites da presente introdução dedicar uma análise
seja de jure): [segue-se uma simples lísta de numerosas refe- metodológica pormenorizada ao multi-significativo conceito de
rências bibliográficas. que se não transcrevem nesta tradução!. tipo. como· o fizeram p. ex. LARENZ, STRACliE e
i Apresentam múlliplos pontos de contacto com aquelas LEENEN. Há um numero infindâvel de aspectos sob os quais o
espécies..dC-COiiCCüoS ji.iriditos-ae que· trãtámôS empõiiüeiiõrílO tipo pode encontrar aplicação na teoria do direito. Do ponto de
texto subsequente "<Js_- (<Cónce~itos ·cte·-tipoS1){ãEfêViadamente: vista metOOológico ele apresenta fortes pontos de contacto com a
{~lipOs)>) que nos últi~os anos vem sendo obj'éêto~e at~o.ção aplicação teleológica do direito em ligação com a qual nós já o
crescente. Estes conceitos em si mismos de há muito que encontrámos acima. Pendo a crer que muitas reflexões que agora
'e"ií.Cõntram 3.plicação na ciência jurídica. mas só recentemente nos são apresentadas -·sob a sigla ou legenda de· «côiiSIC:fêiâÇãÕ.
foram suhmetidos a uma mais rigorosa análise lógica. Tambem 1.ípõlÕgicii>) também podem ser apresentadas- no qcra:dto dáTpliéã- -
fora do direito desempenham um papel importante (informações çâo teleológiCa do direito (cfr. LEENEN, ob. cit .. 'pp: 190e_-ss."):--
sobre este ponto no meu livro «ldee der Konkretisierung in Recht As reSÍriçôes ao dominio de aplicação destes conce"itos juridicos,
und RechtSwissenschaft». 1973, Cap. Vlll). Pelo que toca ao atendendo a «atípicidade•>, encontram o seu lugar na interpreta-
L58 259

çào restritiva, e o alargamento do seu domínio de aplicação, por de vista lógico. Àquele que se interesse por este (<mais>) em
virtude da semelhança tipológica, encontra o seu lugar na ana- dignidade lógica, devo remetê-lo para os trabalhos acima citados.
logia (cfr. LEENEN,ob. cit. pp. 110, 117,-162 e ss., 172 e ss.}. Só mais uma coisa gostaria de dizer aqui. Frequentemente (assim
Por outro lado. numa aplicação tipológica do direito surge nomeadamente em STRACHE, pp. 52 e ss .. 71 e ss .. 78 e ss,
também uma consideração das situações de interesses «típicas)) e 100 e ss., em LEENEN,passim, p.cx .. pp. 183 e s.) aponta-se
dos «tipicos» conflitos de interesses, como é próprio da jurispru- corno especifico dos conceitos de tipos usados no direito o facto
dência dos interesses (ver, p.ex., o exemplo da compra e venda de de que os eventos da vida lhes não podem ser «subsumidos>J, mas
um novo carro, imputando no cômputo o valor de um carro apenas lhes podem ser <isubordinados)). ~~~
antigo dado em pagamento ao vendedor. carro este que depois algum opor-me a uma tal di_ferenciasào ~ológlca...que-até....
se verificou ser de valor inferior, apresentado por LEENEN, ob. êeno ponlõ ~~.J!àêjüS1ifiCa~-aevêí-_tlô- ent.~~--sl-~~~ue subsiste a
cit., pp. 157 e ss., assim como os desenvolvimentos de LA- liJlerãããeâ'e ~-~r _l!.m cpnc~i!l?..Ae. <~~~~~.~~S~'?_l1~."."':" ~?:~ _coi;i:io:.~~-~.
RENZ, Methodenlehre, 3. 3 ed., 1975, pp. 197 e ss. sobre o muito venho fazendo - que se não reconduz a outra coisa senão
<itipo» do (1mantenedor (detentor) do anima!J~, especialmente a "â SuOOíctiõãÇãci"Cle-C!uaisquér-iealídades da vida aôs conceitos da
pp. 198 e s.). Com isto não se põe evidentemente em causa a liipotese legal ou "(fã-eSta-fuiçãO·;- e·-nêSla-·Cõilfoõiiídàde a «sub-
fecundidade de iiiii!fe"nsamento juridiCo tiPQJ_Qg\_Ç.Q,_i:nas pretende- $Unção»-c0rn-preende não ·apenas ã s·li15'ófdinaÇãõ-,(lógiCai):-«r-a-
-se ac_:!_ltU~i a J!!UJ.tiplicidade dos .~~_us asp_ectQ.S_~a compat1bi- éTonal)) _a co'riCe.iíOs de-·c1asse benl dê"fiiíiãos. masJfuíil)êm: a
liôâô'ê com os métodos juridicos clássicos (sobre este Ultimo «sqõõrdinaçàon-(quas~seii'lpre__\'.~!€~ª9@_i\irTiroJieito de tiP.Q,:__
ffe>nto;---"éfr .• porem,-· LEENEN, ob:- · cit., pp: 244 e ss., com AsSiri1. -iião -teôlio quâiS(iuer e5c'rtipulos em falar de (~subsunção1>
remissão para KOLLER, Grundfragen einer Typusiehre im de uma conduta ao conceito de <(comerciante honesto e diligente))
Gese/Jschaftsrecht, 1976 ). ou ao de (<violação do principio da boa-fe)}. E tambem nào
Pelo que respeita âs classes de conceitos jurídicos versadas a precisamos de excluir aqui a correspondência gradual - cfr.
seguir no texto. diga-se que os conceitos jurídicos de tipos se supra. nota 11 do Cap. III. Neste último aspecto, ainda inseguro:
deixam sem dúvida colocar ao lado deles como uma nova classe LARENZ-Festschrift, pp. 129 e s .. nota l 7.
de conceitos aos quais podemos atribuir muitas particularidades. 3. A <dndetenninação>) de conceitos juridicos pode resultar
Mas. em _p_art_e (~), _el~s {!.pr'ªs-~<!.IJ!.-~~ tamb~T!L_ç;9mP_.§~~_ies da plurafídã.Cl'é- dê-seÕtídÔj' de. Uriiã Pálãvrã que· CJPsirTlé-~O. Çç.nc.ei-
dos conc_eitos _«i_ndeterminados» (corii "os - seus c_ontornos {(flui- tÕ. v·.-ex~«~PodêSeí um objecto (<corpóreo)• (como objecto
dos))) ou dos conceitos «nonnativos1>. Assim. p. eX.;'Sào cãíacte- dã Propriedade, do furto, da receptação, da danificação da coisa).
-risticos do tipo i•sociedade)1 ou do de \idelinquente habitual «coisa» pode ser o objecto de um processo ({(apreciação da
perigoso>) os limites imprecisos do seu campo de aplica;;ào. matêria de fundo)>= HVerhandlung zur Sache»), e «coisa» pode
Assim também no tipo do «bonus pater familias1> ou no de ser ainda (na anulação por 'erro) o «objccto do negócio1> {Cfr.
HCOrnerciante honesto e cuidadoso)> surge em evidência o recorte LARENZ, 1Wethodeniehre, 3, 3 ed .. 1975. p. 308). Perante tal
{<normativo», sendo que no ultimo conceito tem ao mesmo tempo pluralidade de sentidos é frequentemente a interpretação ~ partir
o carácter de uma «cláusula geral». Para a conexão enlre tipo e do contexto que rira a claro qual dos sentidos está em jogo em
normatividade no sentido de relevància de «valorações objectivis- cada caso. Praticamente mais importante e mais penosa há-de ser
tas» (cfr. supra, no texto} apontam conceitos <(tipológicos)) como aquela 1dndeterminação)i que decorre da imprecisão do.s limites
o dos «usos do tráficoi> {LARENZ, Methodenlehre. 3.• ed. 1975. do conceito e na qual pensa HECK ao falar do «halo do concei-
p. 447). Assim é que muiio daquilo que se diz das classes de to)) (ver no texto e na nota subsequente). t-Jeste sen~~do ~ç:i!!!!-<!l_é
conceitos de que agora tratamos se pode reportar também aos conceitos exactos. como aqueles que CXP!Lefr_ei.Dj).~nii:.ioS.-t.or.nar­
conceitos de tipos. sem que com isso se pretenda afirmar que ~eindêrenfliõã'tlõ5:?jUàõão·eres· rió"irieádamente significam, p. ex ..
estes conceilos fiquem assim esgotantemente analisados do ponto nõtãS-dee"Xãilie~ãtiVaffie-nte ás qliaíS.ha que-cõríSiderai"'uma
260 " 261

L·crta "illarg.cin de JOgo .. (uaind:i um", «dois ra~o". um «quatro Wertungsprobleme im System. der Grundrech1e. 1962, cap. 2;
110 !imite ~upenor,)). IDEM. JurZ 1970, pp. 241 e ss.: A. PODLECH, Wertungen
4. Ver. p.cx .. Gesn::esauslegung, ele .• p. 173. Begrif.rsbil- und Werte im Recht, Arch.óff.R. 95, 1970, pp. 185 e ss .. Mais
dung, e1e., pp. :2 e 60. Polcmica injustillcada no NJW !959. p. recentemente, cfr. t.ambem W. FIKENTSCHER, Afethoden des
71 l (G LOSSl:. ). l 'fr. tambcm l:.KELOF. ob.cit .. 1958, pp. 183 e _Rechts, vol. Ili. 1976, pp. 40, e ss .. e H. HENKEL. Einf i. d.
ss.: LARI:.NZ. ob. ci1.. p. 242. 2.• ed .. p. 302: assim como rechtsphilosophie, 1977, pp. 321 e ss .• com numerosos dados
/\llULLER·TOCHTERMANN. NJ\.\1 62. pp. 1238 e s. (global- bibliográficos). O termo <1vaJor)). tal como. p._ex .. ·aparece mais
mente coincidindo com o texto). BACHOF. JurZ 66. p. 441. diz abaixo no texto. pode aqui ser entendido no simples sentido.
~uc_ «so d~vc f~lar-se de um .conceito" (üni;i_et~_rrni_nadQ!l-qUan· presente em toda e qualquer teoria dos valores, de uma noção
dú a ·subsunÇão. em \'irtude da pluralid_ªd.5'_!::_ g>J!lPk__tjdade das usada no contexto de valorações, e esta noçào ela própria - para
·cons1deraçóc~ a foz.er. pod_c por em _ca_~§lLL!lnivocid<!-9.e. do me exprimir a maneira de KANT - como predi!:ado de passiveis
resultado. mas não logo que a interpretação do conceito levante juízos (de valor). Se valoro algo como conforme ou como
duvidas;,: neste ·ultimo caso caberia ao· tflbllnaf~a ta-refa 'de contrário à <1justiça1~, isto imediatamente apenas significa: valo-
eliminar as duvidas. Sera esta distinç:Jo cxCq~~~T.· ziPfit::- ro-o como ~<.iuston ou como «injusto».
Ll US. J.fethodenlehre. 2.u ed., 1974. p. 52 prefere falar de um 6. Ver, por exemplo, relativamente a limitação da revi~ibi­
•<espaço de jogo de significação» (uBedeutungsspielraum-") em lidade da gra:duação da pena (de considerar. eventualmente. como
\"CZ de «halo do r.:om.:cito•>. Tambcm H. J. KOCH . o_b. c_il. rejeita questão do dommio da discricionaridade) por razões processuais:
ª....~l!_~gern_ de .H EC K · e su.$'Sji(ui ·a por - de~çriç§i°§ ~_ai_s _preciS_;s- H. J. BRUNS, Festschr. f. Henkel, i974. pp. 296 e ss ..
dâcjuifü tfu'e -se pretende significar com os lermos Hindeter- Freqll;.tm_te~l!nte faz-se n_otar que seria um contra-senso, em vista
minadoS>• ou «vago~>). Importante e tamb~m ··a dístínç_'á~ ~-Íre da especificidaCie de Um ·act0 ad~T;:;iStradVo "e-eITíViffi'--ac--
irÍdeterrninação \cm sentido estrítoJ e «plurtilidade r;il7. sÇ__oti.d9sJ> conhecinientõespeéiãiiladõ e-da in~f!Pendéncla (fl':lo Vii1.Ç~ãǪ2~­
ibidem, pp. 197 e s .. inSCT~ç.Q.ÇITàji.ii'ütórldad.e -enliSsOra do acto administrativo, confiai
3. Acentua LARENZ. Methodeniehre. J 960. pp. J 24 e s .. ÕÚnla f(ffie[hOP) decisão de Uril fribu11a/ administ(atÍ\'O eittí'éêüi'::~é
que o proprio conceito de (•valoraçào» e trémulo e impre-:iso. A de-- ·controlo. Assin1, p. ex., REDEKER. DÓV 7r;-p: ..780.
\ aloração como acto dt:ve ser distinguida do próprio "valor>1. pelo KELLNER, DÓV i2. p. 804. sob d); HORN. Individuaiisierre
t.JU:il se orienta o acto de valoração. Relativamente a esta cla- Normen, eu·., J 976. pp. 96 e s ..
nl"ica..;ao terminolngica deve todavia nolar-se que o conceito de 7. Exemplos de decisões no exercício da discricim1aridade na
"l·:1Juraçáo" tambcm pode ser usado num sentido que abrange o administração ern que e negado o controlo judlcia!: a decisão l_no
:icto e o conteudLl da valoração como um todo, podendo nós - caso particular ultrapassada por uma modificação leg1~lativa. mas
coino êm 1nuitas outras palavras com dcsinéncia _em 1.•ãon significativa pela sua 1ndole fu!Ídamenrnl e de principio) do
(«sensação». "apreensão». «verilicaçà(Jn) -·- distinguir o acto e o Tribunal AJrni:iistrativo Federal. vol. l. pp. 92 e ss .. sobre a
conteudo como dois aspec1os daquele todo. Precisamente neste questão de saber se a autorização de um novo t<ixi era conf·:irme
sentido se usa aqui e nas p:iglnns segui!'ltes o voe.abulo «\·alo- ao interesse do traõJsporte publico lo Tribunal Administrativo
ração». O "valor» em si. com{) IOrrna «ideal" objectiva lP. ex .. a federal declara: «A apreciação da questão de se no caso
ju:-,tu.;a corno valor) representa uma conceituaçào filosoficamente concreto se deu salisfacão aos interesses do transporte ptiblico ... e
problcmatu;a que aqui não pode ser discutida tda mais recente deixada i1 discricionaridadc da adminisrração1>. pelo que 05
Jncr:itura fik1~ol'icl):iwndica gostaria de des.tacar pelo menos: H. tribunais admir11strativns 1<tém simplesmente de atentar e1n se as
COING. Cr"ru11d::tige der Reehtsphilosophie, 1950. 93 e ss .. 151 auturidades administrativas nas decisões a tornar sobrt:: este ponto
e s:. .. J." cd .. 1976. pp. 110 e ss.: LARENi. Afethodenlehre, comeicrnm algum erro de apreciação». não tendo pelo contrario
1960. p. 1~7. J.-• ed .. 1975. pp. 121:< e ss.· R. ZIPPELIUS. Hpoderes para fazer considerações sobr-e o numero de tàxis
262 263

neçessirios e suficientes em cada localidade)•): e ainda a decisão ponto ver depois os comentários à Lei Orgãnica dos Tribunais
do T rib. Adm. Federal. vol. 4. p. 298, relativa ao indeferimento Administrativos e. de entre os manuais, p. ex .. H. J. WOLFF.
de um pedido de naturalização, no caso de ela não ser 1<no inte- Vero•altungsrechl, 8.• ed., 1971, S 31 II, com novas indicações
resse do Estado>1 (decisão no exercício de discricionaridades mas bibliográficas. De entre as obras rnonogràficas. veja-se agora
na qual é de exigir que ua autoridade verifique correctamente os .. SOELL, ob. cit.. 1973. pp. 209 e ss., e - para o direito compa-
factos relevantes e se não deixe conduzir por considerações nào rado - pp. 215 e ss ..
pertinentes»: cfr. também a decisão do BVerfG. de 14 de Feve- Sobre o controlo judicial das decisões discricionárias das
reiro de 1968. in DÔV 1968, p.357); e também a decisão do autoridades financeiras é muito instrutivo W. HARTZ. Gesetzli-
mesmo Trib. Adm. Federal, vai. 8. p. 170 =JurZ 1960, pp. 363 che Genera/k/auseln und Richterrechr, Steuer und Wirt.schaft
e ss .. relativa à não concessão de uma venia legendi numa escola 1968, pp. 245 e ss., sob IV 2.
superior (ela cai no dominio da «discricionaridade exercida em Finalmente, pelo que respeita ao exercício da discriciona-
função dos deveres de cargo», mas não pode naturalmente ser ridade judicial e ao seu controlo através das instàncias judiciais
tomada <{arbitrariamente»): e igualmente a decisão do Trib. Adm. superiores. a respectiva problemàtica surge com particular des-
Fed. de 2 1.1 .í2 in DÔV 197 2, pp. 687 e s. (ponderação dos inte- taque no controlo da discricionaridade do juiz penal exercida a
resses da agricultura e do povoamento citadino, ~<no quadro de propósito da medida da pena ou ao ordenar medidas de segurança
um espaço de livre discricionaridaden ); e coisa semelhante valerà e medidas de reeducação. Pela livre discricionaridade na gradua-
eventualmente no que respeita às decisões de jliris. o que é no ção da pena pronunciaram-se o BGHStr. Bd. 7. pp. 86 e ss., Bd.
entanto muito discutido (sobre o ponto falaremos adiante) e no 17, pp. 35 e ss. e, na literatura, especialmente Karl PETERS (ver
que respeita à promoção de funcionârios. Apropriados exemplos sobre o ponto o meu estudo no Festschrift dedícado ao autor,
cm BACHOF, JurZ 1962, p. 702. n. 0 s 100 e s .. De fundamental 1974, pp. 15 e ss.). No que respeita à revisibilidade, diz
import:i.ncia é. nomeadamente. a seguinte literatura: EHMKE, PETERS no seu Lehrbuch der Strafprozessrechts, 1966. p.
Ermesserr und unbesrimniter RechtsbgrijJ. 1960, pp. 40. 45: 569: ••No dominio da livre discricionaridade cai antes de mais a
OBERMAYER. NJW 1963, pp. 180 e s.; REDEKER, DÔV graduação da pena.. Do conceito de livre discricionaridª-de
1971. pp. 757 e ss .. Para uma posição de crítica: STERN, deçorre que ela. enquant6-tãl, nãõ-·é-~SUsCejit.l\•eTde cqr1_tr9l_q__~ _
Ermessen und unzuliissige Ermessenausiibung, 1964. p. 12: revisão. Liberdade significa predSafl!~_!1!~ .. :f!.eCíS'ifo~\J,cssoaj_~
RUPP. NJ\V 1969. p. l275 (não há lugar para <ideterminantes ótifrém sc·iJJtfOmete, deixa·cte eXiúlr"Tiberdade. Donde--r.esul.ta.:.na
autonomas proprias da adminfatração» ): SOELL, Das Ennessen medida em que a decisào é confiada. :i. livre discrição (p_rudenlc
der Eingrijfsvenvaltung, 1973, que de igual modo se revela - arbítrio), não é possível' um si.ibsequentc controlo pelo.tribunal de
pelo menos para a administração intromissiva (Eingriffsver- revisão)>. Naturalmente que também segundo PETERS tem de
waltung) - como adversàrio da «livre discricionaridade)); ver sêr' respeitados os limites da discricionariadade (as molduras
designadamente pp. 60 e s .. 63 e ss., 368 e ss .. penais, os pontos de vista valorativos da lei - vide agora o ~ 46
Relativamente ao controlo judicial dos vicios das decisões do Código Penal - e as regras processuais). Vejam-se. por outro
discriCio"n:iíias. particulanne-nte no qu·e ·respeita- ao desl:io-do lado. mais recentemente: H. J. BRUNS, Engisch-Festschrift.
Põder-(de"SVio do fim) e·ao exCesso dê poaer (éXceaer--oo-riõ'lites");- 1969. pp. 708 e ss.: H. ZIPF. Die Strafmassrevision. 1969.
veJa--s-e·rogO o ~ 114 da VerWGerO de 21.6.1960: «QbanCfá as assim como W. FRISCH Revisionsrechtliche Probleme der
autoridades administrativas tenham o poder _de agir- diSCTiCiüna- Strafzumessung, 1971: IDEM, NJW 1973, pp. 1345 e ss ..,Os·
riamente. o tribunal a\'erigua se o acto administrativo. ou â recusa autores citados por Ultimo tendem para uma ampla revisibilidade
ou omissào do ·acto administrativo. e ·contrario ao direitu-;--por ãas decisõeS .. dlsCriCfonarias sobre os efeito"S jurídicos· do facto
excede• os lunites do poder discricionario ou por·fazer~-m paõiv"êl. Cfr. tamOém infra, a nota 15. ··
uso não conforme ao fim para que ele foi atribuido». SOõreesrc -- - 8. Como adiante no texto ~e exporá, vejo os conceitos que
264 265

exprimen1 discricionaridade. na medida em que surjam como BÜHL, DÕV 1972, pp. 401 e ss .. o qual consiçf~iUllhaJ.1
conceitos legais. como uma subespécie dos conceitos jurídicos uma ordem jurídica na qual «uma e· :O:ili:~ publicação-a..s.er
indeterminados. Muitas vezf'.~·- porén;i, Q$ ___ÇQ!:l&.eitos jurídicos aprecia.da ··segUii<lO o § 1 do GjS poderia ser ao mesitJ9_tempo
indeterminados sàÕ refenàoS C.QJQO con~c~_.t.o~ubR.ostos _à com"'Pe: peiígOsa para a juventude e não perigosa ·para a juventude» {mas.
ténc1a de liitêipr~taçàO~-~"- s_u_Q_~_L!_f!S:.ã,o~ do_ju~ -;-·,oro~ ao_ e-xprimir-se deste inodo desconhece que o principio da não
CõilceitOS que· il.éSSa medida se contrapõem aos genulnos conc;;-:-- cOntiã(ffÇB.o va.le nô domlnio do {<conbecimento .da 'Lerdaden.rmas
toSãêãiSCriéiôfiafidãde~· Ei'itão-crãSjJ"éc·to·metõa:016g1co toma a ri.ão - segunaõ· a cOncepÇão ((relativis~a" - no dominiw..Q.a-v-alo·-
sttuar-se e a--apagar-se por de~ás do da revisibilidade judiciai (da raçâo}~ e·a.inda·H. KELLNER, DôV 72, pp. 801 e ss., segundo
«barreira de Controlo~>. como também se diz). o qual, na decisão do BVerfGer., apenas se tratou de um (<caso
9. Isto não se verifica apenas dentro da administração em singulan~ (p. 806).
sentido estrito, mas tambén1. p.ex .. no processo pen;il, quando a 11. Para o conceito de «espaço de livre apreciação)),
justiça no quadro do chamado ((principio da oportunidaden tem entretanto um pouco abalado, devemos começar por nos ater âs
de resolver se existe um interesse público na instauração déi acção determinações como que autênticas desenvolvidas e sucessiva-
penal (cfr. § 153 do Código de Processo PenaJ). Sobre o im~ mente reforçadas por O. BACHOF in JurZ 1955, pp. 97 e s:;.,
portante conceito de «interesse plibliC01J e o conceito aparentado JurZ 1962. p. 704, nota ·73, JurZ 1966, pp. 441 e s., JurZ 1972,
de «bem comum>; vide, na literatura recente: {{Wohl der All- pp. 208 e ss. e 641 e ss .. Ele parte dos conceitos indeterminados
gemeinheü U_l}d âfJentliC~es Interesse)> (Hochschule Speyer). e conside~ !ll~J2!l~S~a:.Q!....l!~ntÍg!i ~1-~-~!ticaçâo_d~Je.!Lt:m~
1968; P. HA_BERLE., Ojfentliches Interesse ais juristisches tos juridicç~. e_rgprH,m,en~e. ditos, i_Il_teiramel}t~ s_uj_eitos a controJo_
Probtem, 1970; M. STOLLEIS. Verwaltgsarch. 65, 1974, pp. 1 de revisão (sindicáveis) e poderes discricionários não si~dicáveis
e ss. (com novos dados bibliográficos). Cfr. também STOL- ou apenaS sindicáveis pelo que respeita aos vícios tiPicos da_ 9:i~:
LEIS_. Gemeinwohí.fonneln im nationalsozial. Recht, 1974, e W. cricionaridade, que conferem' à autoridade a que .São atribUidos
FACH, Begriffu. Logik des «Ôflentliches lnteresses>J, ArchRu- ºúffi «es.páço. de liberdade de decisão próprian, ((no qual aquela
SozPhil., Bd. 60, 1974, pp. 231 e ss. deve tigir e decidir segundo as su~.s próprias concepç_ões e, ainda
10. A ousada ideia da única pena corrccta. (sobre esta, por em primeira plana, tendo em conta pontos rie vista de oportunida·
ultimo, V./. FRJSCH, NJW 73, pp. 1345 e ss.) e, mais em geral. de;>. Há como tertíum genus - e como constituindo precisamen-
a ideia (em especial também vàlida para a administração) da te-O 1<espaço de livre apreciação» - aqueles conceitos indetermi-
''unica decisão correctaJ>, na subsunção a uma hipótese legal ou nados cuja aplicação exige uma valoração, a qual, enquanto se
na dcterminaçti.o de uma consequénciajuridica, é muito discutida. mantém dentro do espaço de jogo previsto pela formulação legal,
O BVcrfGer (Tribt.1nal Constitucional), na sua célebre decisão de não é judicialm..:nte revisivel. Na sua anotação à sentença do
16.12.71, em que se tratava de indicar uma publicação como Tribunal Federal Administrativo de 16.12.71 (por ele recebida
{(perigosa para a juventude», declarou sem mais aquelas ser uma como «se'nsacionab•) e na posição tomada ante a decisão do
<lficção1> «a ideia de que apenas é possível uma solução correcta Sena.do Pleno dos supremos tribunais federais de 17 .10. 71,
na aplicação àa noção do que pode representar um perigo para a BACHOF considera a sua doutrina como muito próxima da ((teo-
juventude>). Cfr. a proposito, entre outros, FRANSSEN. JurZ ria da defensabilidade1> (l•Vertretbarkeitslehre)>) de ULE. Rela-
71. pp. 225 e~.. ; BACHOF.JurZ 72, p. 208 (concordando); R. ti_:.::an1en_t~ 1!2 ~.espa~~ de livre apreciação>> destacam-se cla?wnen-
JAROSCH, DOV 74< pp. 123 e ss. (igualmentP.); W. SCHMIDT, te os-seguintes pontos essenciais: na medida em que o conceito se
NJW 75, p. 1735 sob II 3 (igualmente): H. J. KOCH, Der acha tegalineD.te ancorado - o que designadamente ta1nbém pode
u!lbesti"1mte Begnjf im Venvaltgsrecht, in <durist. Methoden- acontecer·ao lado da hipótese da nonna legal (cfr. JurZ 72. p.
lehr~ ... >), 1976, pp. 209 e ss.; H. R. HORN, DVerwBl. 1977, p. 642 sob IV e p. 644; exemplos: <(susceptivel de constituir um
17 (igualmente). Por outro !ado, criticando, p. ex., Fr. OSSEN- perigo moral para a juventudei>. «nào equitativc11; de resto.
266 267

também ·os certificados de aptidão ixxfem ser concebidos como atribuição de um poder discricionário podem ser tluidos. designa-
aplícaçâo de conceitos de aplidão ou de proficiéncia pertencentes damente se se reconhece também uma ((discricionaridade do lado
à hipótese: {(muito bem habilitadO>J. ((excelente proficiência»), da hipótese lcgab) (sobre o jXlnto. v. infraj. Segundo BACHOF.
está em causa um conceito jurídico (indeterminado) que, como em todo o caso. o ponto da questão parece residir essencialmente
todos os conceitos juridicos. começa por precisar de ser cla- no carácter ~(mais apertado da vinculação)) e na necessidade de
rificado quanto ao seu conteúdo através da interpretação do teor subsunção (ob. cit., pp. 643 e s.). Infelizmente domina na
verbal da lei. :ias a_ subsunç~~--~-~J~~s.._~c_>,_!!C~~tas a um terminologi~.-~2s_t~-~~Q__[elatiy_a_me(l_te_ ª-º· _pr.Q.~Lt!JIH!.)!!..­
conceito assim _Preei:icll_idO qllanto ao seu conteúdo _vai de mão rêfaçào entre conceito juridico_ indeterminado. espaço de- -h.v.re
dadâ Conl- valora°Ções que são_ peSsoais e «ifitranSmissTv~i.~t.'..:._-.9.ue apteciãÇãõ;-diSCrjCiéiii"aridade do lado_ da hipótese e. discriciona:
pêlo menos não podem ser verificadas como -~i'!i::tc!_Q -~(-ªl ..únif_as iidade-aõ 1aao-pa"e~tatuiçã0;_.-CQrn. BACHOF. !~~-b~~.-~-~~nh\?.._
Çorrectas>)_(cfr. BVerwGer. 16.12.71, sob JI 4, BACHOF JurZ r~s-ê'rífãi_á_ ~<CÔiltraposição entre conceito juridico e conceito __9$
72, pp. 644 e s.). Na medida em 'que as correspondentes valo- discricionaridade,1·(ob. ·cit.. p. -644 ). NO-êõilleXtô das presentes
rações se mantenham dentro do espaço de jogo definido pela cÕ"n.SídêíãÇõêS" impôrta' totlaV:ia menos-----:---c_omo já no_te~~g_or
interpretaçào. acham-se subtraidas a um controlo ou revisào de-contrcffi)')l-tlo- que TindivídüaliiaÇão -djfãesêobert~ da de-
judicial.
cíSao:"- - .. - --~ --- . - - -
O que distingue o espaço de livre apreciação dos conceitos ~- -- Á~~rca da concepção de BACHOF do espaço de livre
jurídicos indeterminados (num sentido ma·is estrito) é a possib.1- apreciação surgiu uma literatura quase inabarcável. Numa prime·1-
lidade da igual correcçâo de decisões divergentes no caso concre- ra fase, pronunciaram-se sobre ela STERN. RUPP (Grundf~a­
to, a qual faz com que seja um contra-senso pretender substituir gen ), O BERMA YER (Grenzen) e SCHIMA (p. 18~ ). assim
uma decisão por outra {judicial ou de uma instância superior) como numerosos artigos citados por estes autores. Em virtude das
pretensamente «melhor)). mas na verdade <(tão problemática já: vãrias vezes mencionadas decisões do Tribunal Federa.! Ad~i­
como a primeira>), ao passo que o conceitoj\iridico indetenninado nistrativo e do Senado Pleno de 16.12. 71 e 16. l O. 7 L a d1scussao
em sentido estrito visa uma interpretação e uma aplicação sobre aquele conceito entrou de novo em movimento. O Trib.
univocas que. consequentemente. têm de ser controláveis. O que Fed. Adnlinistrativo. na sua sentença (sob li 4). recorreu expres-
enlâo diStingue o espaço de livre apreciação do genuíno poder dis- samente ao conceito de espaço de livre apreciaçào e aceitou-o. O
cricionário é a mais forte (pelo menos quanto ao_ grau) vitié1!§,Sãõ Senado Pleno prefere falar de um (tespaço de discricionaridade>)
a limites que resultaffi do conteUdo do paniCufar Cõ'ii'çii9J~so (((Ermessensspielraum)J) com referência ao conceito de "nào
(frãptidàol1, «ecju.idãdell, «necessidade de serviço1l, etc.) e']. Ç.~.!lsa equitativo» visto por BACHOF como conceito juridico com
(milito embora ad_mi!indo uma certa «latitude" de Po~IBJ.!!Q_as)es espaço de· livre apreciação. Recentemente. porém. tambe~ .º
de- áplicaçào). As genuinas atribuições de poderes discricionár:ios. Tribunal Federal· Constitucional. na sua decisào sobre os radicais
inesmo que possam ser referidas em sentido lato como •(conceitos de 22.5.75 (NJW 75, pp. 1641 e ss.). relativamente à ((verifica-
jurídicos•), não carecem no entanto de ser circunscritas por ção e decisão da questão de saber se a personalidade do
características ou denotações concretas. são porventura atribuidas candidato oferece garantias de que ele estará sempre a favor de
atraves de disposições em que se usa o verbo poder (Kannvors- uma ordem democrática fundamental de liberdade•). se decidiu
chriften) ou mediante a fórmula ><decide segundo a sua livre dis- pelo ((espaço de livre apreciação)) (1. cit., pp. 1?44, sec. _2)._
crição1). e apenas são determinadas através dos limites impostos Da numerosa literatura sobre o espaço de hvre aprecmçao
pelo Estado de Direito a todo o exercício do poder discricioniuio surgida após a anterior edição. indicarei. sem que isto signifique
(pro·1bição do arbitrio, proibição do excesso ou falta de propor- µreferencia perante outras pos·ições que não são ref~ridas: H_. J.
ção, princípio da igualdade. justa ponderação dos interesses). WEIGEL. Beurteilungsspie!raum oder De/ega11onshegrifj7,
Todavia. os limites enlre o espaço de livre apreciação e a 1971; W. FRISCH. Revisionsrechtliche Probleme der Strafzu-
269
268
acrescenta a seguir que o poder discricion3.rio ta~~1E _t~
messung. 1971.pp. 211 e ss.: REDEKER. DÕV 19/L pp. 757 ·função -dê lór-naf possível á ua~'?in~t_rªção açtiva))- U.f!l.PE?..S~<ll!!?
e ss: OSSENBUHL. DOV 1972. pp. 401 e ss., KELLNER. a{ decisão: oeStã-TórITTâ aproxima-se _da concepçao do texto.
OOV !972. pp. 801 e ss.: OTT. NJW 1972. pp. l 219 e ss.: H. J. ~14 Nesta·mea-iiTã'ílão posso concordar com R. JAROSCH.
MÜLLER. NJW 1972. pp. l587 e ss. (com reservas): ULE. oóY 1974, pp. 123 e ss .. e V./. SCHMIDT. NJ".V 1?7~._PP·
DVerwBI. 1973. pp. 756 e ss.: v. OLSHAUSEN. JurSchulg. t 753 e ss., quando eles querem eliminar os ·~~1tos JUTidtcos
1973, pp. 217 e ss.: FRISCH. NJW 1973, pp. 1345 e ss.: indeterminadosn. Estes também não são pr~p~13f!l~n_.!.e... H_ex!rªJU-
SCHMIDT-EICHSTAEDT. Arch.õff.R 98. 197J. pp. 173 e ss.; ·rraíê0s;~·~o-p_iila-- j ARóSCt~c---pOis que, atr~".~~ ~d3..,-~~a
SOELL. Das Ermessen der Eingriffsvers·,,..alrung, 197 3. pp. 207 · ill'SerçãQ.ilÕ Cô~teXio dO direitó. eles se torna~ conc~i~o_: _~~r-~-
e ss.: BULLINGER. NJW 1974. pp. 769 e ss.; KELLNER e êli'C'"óS:-.~---- . '
ULICH. Dokumentarion zum deucschen Verwa/1ungsrichter1ag, ~~1 s. Sobre o ponto em litigio na medida da pena. ver
1974. pp. 45 e ss.; SCHOLZ e SCHMIDT-ASSMANN, in orieniação na pane final da nota 7. De notar é que o BG HStr.,
«Verõffenllichungcn der Vereinigung der Deutschen Staatsrech- vol _7. pp. 88 e ss. declarou textualmente: HÜ juiz do facto tem de
tslehrer>l. vol._34. 1976: LARENZ, Aferhodenlehre, 3.• ed .. decidir segundo a sua discrição funcional {prudente arbítrio) sobre
1976. pp. 279 e s; H. R. HORN, DVerwBI. 1977. pp. 13 e ss .. a modalidade e o grau da pena no quadro dos limites que lhe são
Ao passo que. por um lado. a utilidade do conceito de «espaço de fixados pela lei": «as concepções - correspondentes ao prudente
livre apreciação» ê cada vez mais posta em questão (p. ex ..
arbitrio - Sobre aquilo que é adequado ou proporcionado
recentemente por parte de SCJ·IMIDT e SCHOLZ). subsiste por (podem) ser diferentes para.os diferentes j'uizes do facto dentro de
outro lado a tendéncia_de. pelo menos em substância. o alargar
uma cena margem de variabilidade•). E não ê menos digno de
para além dos dominios. anteriormente preferidos, das questões
nota o que ele acrescentou no vol. l 7. p. 36. a saber. que só o juiz
relativas a provas ou concursos e das apreciaÇões da qu?.lidade de
de facto ,,esta em condições de. com base na audiêncin final de
serviço. No que respeita às questões de provas, Gt•.e apenas têm
discussão e julgamento. formar uma ideia mais completa da
uma :>ignificação paradigmática. portanto. remeto para a edição
anterior. anotação 133. para a situação em 197L e da literatura pcsso::i do arguido e do seu facto e tem de arcar com a responsabi-
mais recente acresc.ento apenas: J. SE~1LER, NJ\.V 1973. pp. lidade pela con-ecrn ponderação dos fins da pena)>_ Pelo contr:irio,
1774 e ss.: B. STUER. DOV 1974. pp. 257 e ss .. p. ex .. BRL!NS. Engisch-Festschrift. p. 71~. declara: ~·Adis­
12. Pretendo com este ~·ocábulo, que pode reportar-se a to- cricionaridade na graduação da pen~ (e) genuína aplicaÇãõ 'do
dos e quaisquer actos de decisão pensáveis, evitar a aceitação direito (subsunção da verificada situação concreta para que ·vai
do (•ponto de vista actuab', considerado por REDEKER. DÔV ser graduada a pena aos principias reconhe-cidos da puníçâÓ
l~7_L PP: 575 e 76i, como acenado, de que o dorr.tnio da dis- estata!>i"): Cfr. poSteriormente ainda: Hertkel-FestschrifL 1974. p.
encw_n~ndade e de limitar à decisão ou opção volitiva. O 294Te tambem ZIPP.ob. cit.. 1969. p. 166: a graduação da pena
_~xerc1CJO <ia discr\cionaridade r.àO é para mim apenas r1a.:iÕ- \<não e uma decisào discricionária. mas pura aplicaçào do
Qe vontade>;. - direito~'-
13. lslo e con.sideratlo por SOELL. ob. cit .. pp. 200 e s .. 16. Pelo que respeita a relatividade de que agora se vai tratar
:om? o P_Onto_ ª.~1~! da_ discricionaridade '.ivincubd::i»: a sua no texlo. ficara em aberto a questão de saber em que medida esta
tunçao sen~. a rna1v1duahzaçào no sentido de adaptação ao caso distinção que se orienta pela divisão da norma juridica em
~~nc~e~~- Jt rde t~rnbem ~U~LINGER. NJ\.V 1974, p, 770, sob ('hipot_es~·~ (pressupo~cosJ e ((cscatuiçào)), já versada no capitulo
J ~- ~ do_m1n10 da d1scncionaridade e o dominio da livre
li .. comc~de _c~m d_istinções tais como aquelas que díferenciam
aprc<.1açao tem de comum a função de dar . . d . .
:e
:ssi~ilidad_c de trar.ar os casos concretos ... ªa~~~~t~~~o o~
-

do:; particulares que os constituem>f. f\:'-1_~~--~(j_!-,!_:.!!:iQE..R


cn,rc _<<~1scnc1onandade de apreciação» ou «espaço de livre
ap~<=c1~ç?º"· _POr um lado, e «discricionaridade na acção» ou
«d1scnc1onandade da conduta» (OBERMEYER). ou <:dis-
r 171
170

na literatura já citada neste capitulo. Literat~ra espccificament.e


cricionar-idade na resolução1•. por outro lado: ou "conceito
relativa a matéria: jsegue-se urna extensa hsta de mer_as refe-
juridico indeterminado», por um lado. e 1<discricionaridade», por
rências bibliogrâtlcas, que se não transcreve, e que tern:nna com
outro lado; ou ainda discricionaridade «conjuntiva». por um lado.
esta referência:\ H. GARSTKA. Generalkl~useln, ~n H. _J.
e discricionaridade •wolitiva•> por outro lado. Cfr .. p. ex ..
KOCH (ed.), Jurist. Methodenlchre un~ analyusche P~1losoph1e.
BACHOF. JurZ 1972, p. 642. sob IV. REDEKER. DVerwBI.
1972. SOELL. Das Ermessen der Eingriffsverwaltung, 1973. 1976. pp. 96 e ss. - [trabalho ª. p~opos1to do qual Eng1sch es~re­
pp. 80 e ss., SCHMIDT·EICHSTAEDT. ob. cit.. pp. 174 e s .. vc:] A investigação citada por ultimo leva-me a fazer o ~egumtc
li9 e ss .. W. SCHMIDT. NJW 1975. pp. 1753 e s .. esclarecimento. GARSTKA refere-se as cláusulas ger~1s cor:io
17. Fala-se hoje nesta medida de <(prescrições de acopla- reoras jurídicas {Rechtssiitze ). Portanto. reporta .QSill]f..Ç!.l<!J!.fl~
mento» («Koppelungsvorschriften»). Também aqui a várias vezes suia geral» a toda a regra jund1ca (o ~lu~almente lqe._e
citada decisão do Senado Pleno dos Supremos Tribunais de pê"rffi'itidO fiiier), ·ao passo que eu no. textt? r~f~r~ ~ss.e _.:;Qn~_;!lQ.
19.10.71 = JurZ 1972, pp. 655 e ss. = NJW 1972. pp. 1411 e nÕiilêã:damente a parte da regr.a juridica-que. e a htpotese J_egal.
ss. trouxe uma inovação na jurisprudéncia. Referia-se ela ao j\féSte caso ã cláusula g~ral torna-se numa. estr~tura_ concei,tu_a,l.
~ 13 J_ da Lei dos subsidios. na antiga formulação. onde se diz: põrSã."hipótese ·legal por si (p. ex .. uquem .fa_z _isto ou_ aqL!1192!.)
«No caso concreto pode ser concedida isenção de impostos e pode ser olhada como. o sujeito da pr~pos1çao (assim _COl!:l-9
doutras prestações pecuniirias', no todo ou em parte. quando a também a estatuição por si !«será pumdo de!ila ou daquela
sua cobrança. segundo as circunstãncias do caso. seja de conside- forma» 1 fXlde ser concebida como o predicado). . .
rar não equitativa ... 11 (cfr. agora sobre o ponto a fonnulaçà.o da --õãJuíis.Priidê'ncia mer·ece particular atenção a tamosa_"dec1-
Lei dos subsidias de 1977. de 16.3.1976. ~ 163: tiÜS impostos sào Lüth!> do BVerfGer. Bd. 7, pp. 198 e ss. (NJW 19J8. pp.
podem ser reduzidos .... quando o lançamento dos mesmos, segun- 257 e ss .. JurZ 1958. pp. 119 e ss .. relativa a clausula geral dos
do as circunstãncias do caso concreto. seja de considerar não «bons costumes" do S 826 do Código Civil).
equitativo»). A dccisáo da de entrada uma panorãmíca das dife- 19. Diferentemente. o Projccto do Codigo Penal de 1962.
rentes concepções na doutrin<"l. Diz-se ai: «Ü conceito ·não ti l47 (nisto semelhante ao ~224 _do Código Penal vigente).
equitativo· nào pode ser apreciad0 abstraindo de que ele tem por pretende de novo detcnninar e.Yausuramente em. q~c casos e de_
consequencia um ·poder' da autoridade ad1ninistrativa». e depois admitir uma ofensa corporal grave: só que a casu1st1ca aparece ai
esclarece numa passagem decisiva que no ~ 1J l da Leí dos sub- perfilada com pouca nitidez de conto_mos. A prática n~o deixara
sídios t~existe uma ligação incindtvcl enuc o conceito de 'não de fornecer esta casu1stica. Cfr. tambem a fundamentaçao do Pro-
equitativo· e a consequCncia ·podem" que. globalmente. «entra no jecto de 1962. p. 283. Na mesma peugada_ vai o. ~rojecto
plano da discricionaridade». Existe 1•uma incxtricável interpene- Alternativo. ~ 110, mas esforça-se por uma maior prec1sao. Um
tração entre o pressuposto e o contei.ido do acto administrativo a exemplo actual do <(método exemplificativo» tirado de legislação
emitir nos termos do ~ l 3 1. al. 1. l ." parle da Lei dos subsidias recente fornece-no-lo agora a nova formulação do ~ 243 do
!anterior formulac;ào ! que se uprcscnta como uma decisão dis- Código Penal. de 2.3.74: «Em casos particularn:ienle graves))
cricionaria umtaria». Ver sobre isto os citados trabalhos de lclausula geral'.) o furto e punido com pena de pnsào agravada
BACHOF. JurZ 1972. pp. 641 e ss. \advertindo contra uma (até 10 a~os). «Um ca::;o particularmente grave verilil:a-se em
interpretação esquematica das prescriçócs de acoplamento sob regra)) quando haja arrombamento. escalamentu. uso de chave
IIJ. KLOEPFER. NJ\V 1972. pp. 1~11 e ss. {igualmente prcca- falsa, profissionalidade. etc. rcasu1stica).
vend~o contra g~neralizaçõcs). W. SCHMIDT. NJW 1975. pp. 20. Ate certo ponto. corresponde a este modelo a primeira
175.J e ss. (designadamente sob IV1. parte do art. ! 382 do Code Civil francês: Toda a acção do.
. 18. No mesmo sentido. SCHHvtA. ob. cit.. 1968. p. 182. homem que causa um dano a outrem obriga aquele por cuja culpa
Sobre as clausulas gerais e sobre a casu1stica encontra-se já muito
tal dano se produziu a reparar os prcju1zos. Cfr. lambem SCHI-
1

1
273

· · d s·gna
1 uma
272 ((defensabiiictadc>) do seguinte modo: <( O Junsla e . d
decisào como ·defensável' quando na_ verd_a~e a sua" rccti~é~
MA, ob. cit., com um exemplo (determinad? recurso j~r~ko _con-
nâo pode demonstrar··Se por forma 1ndub1tavel. n:a~ ta'!1 10
tra t.o<la e qualq~er decisão de uma aut.1ndade adnumstrallv_a).
muito menos se pode demonstrar que ela seja_ ·falsa . se ha pe
21. Depois que o § 166 do Cód. Penal foi alterado pela_ lei de
25.6.1969, a questão referida no texto. formulada pelo Tnbunal menos bons fundamentos a favor da sua recutudeH. .
24. Desde a primeira edição deste livro (1956) valorei
positivamente o toque pessoal n~ decisão «justa)~ ((irecta)) ).
do Rei eh. seria agora de pôr em termos de saber se um tal quadro
implicava uma ofensa ao conteúdo d.a fé cristã capaz de perturbar
a paz pllblica. Para uma apreciação do assunto no momento Tal elemento pessoal ê ainda acolhido como bom por LARENZ.
actual: W. KNIES,Schranken der Kunstfreiheit, 1976, pp. 21 e ,\fethodenlehre. 1960, pp. 225 e s., 2.) ed .. PP· 271 e s .. 3.ª ed .•
ss. Cfr. tambem a documentação de U. SCHNEEDE, G. p. 281, K. PETERS. Gestachten 2.41. Jur. Tag, 1955, PP· 38 e
GROSZ. 1975. pp. 108 e s .. ss .• Scrafprozess, 2.ª ed., 1966. pp. 97 e ss .• Arth. KAUF-
22. Esta decisão _(BGHStr. 6, pf>. 46 e ss.) està ultrapassada. MANN. Festschr. f. K. PETERS. 1914. pp. 295 e ss., 304 e ss.,
na medida em que se trata do conceito de «impúdico)), («indecên- R. ZIPPELIUS. Methoden/ehre, 1914. p. 22. Mesmo H. RUPP.
cia»). não. porém. no que respeita aos seus considerandos propugnador da vinculaçào à lei do juiz e do funcionário admi-
fundamenlais sobre as (<normas da lei morab•. Neste aspecto e nistrativo (basicamente com muita razão), declara no NJW 1973,
também instrutiva a BGHStr. l 3, p. 16 e ss .. e. relativamente aos p. 1973. p. 1774: 1tA lei não se limita a aceitar resignadamente os
(<preceitos da moral e honorabilidade»: BVerwGer. vai. 1O. p. subjectivismos do juiz ou do funcionário administrativo, antes tais
164 = NJW 1960. pp. 1407 e ss.: ((Certo e que os preceitos da subjectlvísmos são acolhidos no pluralismo do Estado de Direito
moral e da honorabilidade são determinados pela concepção - como oportunidade e esperança do individuo de encontrar no juiz.
concepção e~ta modelada pela origem e pela educação - ... das não apenas um computador cego ou um missionário politico, mas
pessoas sensatas, justas e bem-pensantes num certo dominio um ser hu1nano ...)1. Especialmente para a administração exigem
_juridico e cultural. Não existe, porem .... em todas as questões da um «espaço de responsabilidade pessoal>; e de. (<liberdade de
moral e da honorabilidade. uma con.;epçào uniforme ... Sendo as modelação». entre outros. SCHr...UDT-EICHSTÁD. Arch.õff.R
concepções divergentes .... os portadores de uma delas não podem
98. 1973. pp. 173 e ss. (p. 192). M. BULLINGER, NJW 1914,
recusar pura e simplesmente ãqueles que pensam de maneira dife-
pp. 769 e ss. (sob li 1e11 2 b). W. SCHMIDT. NJW 1975. p.
rente a razoabilidade. a justeza e a rectitude do seu modo de
1758. HORI-1. Jndivia'ualisierte Normen, 1976, PP- 96 e ss .. O
pensar. Por isso, tambem não é hcito ao juiz ... considerar a sua
concepção pessoal como a ú.nica relevante e decisiva. Ele deverá. BVerwGer. (NJW 1975. pp. 1373 e ss.) ch.:tma ao planeamento
antes. ponderar as concepçóes cm presença para detcnninar qual sem liberdade de modelação uma contradição em si.
delas ... sobreleva as demais. de tal modo que lhe seja licito ... 25. Arth. KAUFMANN, JurSchulg 1965, PP- l e ss.
toma-la como base da ~ua serrtença». Sobre a própria mate ria em considera iSto um mal-entendido. ~1as releia-se o que expõe, p.
causa_ ~·e1a-se a~ora o S41 a da GeWO {desde 1960). Sobre a ex .. Ernst FUCHS no seu Ultimo escrito: ~Vas will die Frei-
re!a7a~ entre direito e moralidade {bons costumes), no caso de rr:_chtssch11.le?. 1929, pp. l2 e ss .. 15 e ss .• 18 e s .. 21, 24 e ss.!
rcm1ssao do dlfeitu para os «bons costumes>) e em casos apa- Em t?d~ o c~so opina KAUFr-.1ANN que os adeptos da Escola
rentados, v. p. ex. PA\.VLOWSKI. ArchRuSozPhil 50 1964 ~o D1re1to Livre se apresentavam como mais radicais do que na
PP·
., 503 e ss., bem como 0 meu eseu d.o no Schopenh.'.l.ueriahrb
· · ·
1 7 70 ., PP- 107 e ss • · d" . ~~~~; ~r~~a(~~ 5_) .. ~~m~-~~? .:~>:.~?~ão a_fi~!!l~~~!~~ !~oham.
Repudiando vivament~· ~oJ~ri;~r~~aça.<."' d; mais bibliog_ralia.
·J ·
f _ J d1caçao contra o sentido J1teral_ 1ne(luivoco pois
constitucionais. E. STEIN in NJW en~16
13 0
BGH dos 1u11.es a1" _apenas de i<relaxamento,, da vinculação M ·' -, -·-·
23. Cfr b . l 7 4. p. J74~. coosideravam
·
1· · as como e es
~s _eis como iwedominantemente ãffibl" - - - -
RENZ \Í · ~ 0 re o (Xlnto Peterstestschrift. 1974 p 33. LA- cunosas, e entao o «sentimento "urícf . -· ----P~ e la-
- • t efhodenlehre, J.a cd .. p. 280 _ dcterm·,. 0 ;
" agora a ('ª fonte de d.ue1·1o a consultar em
J tco geral>i era ha\•ido coõii
.
p nmeira
· · 1mha». a· · va1orac;ão
- ---
\1
274 1 Capitulo VII
1
IX!ssoal do juiz era acolhida e saudada como a verdadeira e veri- 1
dtCa solução metodológica. Clr. também A. LAUFS. DRiZ '
DIREITO DOS JURISTAS.
rnJ-;-p:l48:- CONTINUAÇÃO: PREENCHltv!ENTO
DE LACUNAS E CORRECÇAO DO
DIREITO LEGISLADO JNCORRECTO

No capítulo precedente vimos o jurista em acção


naquele domínio em que a lei o autoriza a exercer, den-
tro de certos limites, a funçào do legislador, a efectuar,
no lugar deste, «juizos de valor e decisões de vontade».
Agora veremos aquele que aplica o Direito remetido
para novas vias de pensamento quando se trata de
preencher «lacunas» e rectificar ~<incorrecções)) no
ordenamento· juí"idiCo. Podemos réunir <;f3éuflãS.>) e
~<incorrecçôes)> sob o conceito comum de «defiCiên-
cias»1 1 i. Estamos. pois, em face de dua.s_ forn1as..distint-as
de Direito deficiente. A"de!l.~i,gnci~ a .que chamamos
úlãcüàà>i ê afastada ·par- mei~_da 1d!!~egraçãoj~rid_iç_~~­
O_Jutz~~tc·rua-áqul «praeter lege1n», «supplendi _c_a!!s_a))
(«~pl(!t__p~aetor _in eo, quo!i [egi deeJit>d._.DifJ'-
r:~~~-~~~t~.-~ de0cié_ncia a que chamamos ~ünço_rrec­
ç~~ é afastada_ através_ da ~orrecçâo)> da lei: 0 j~~
aq~1 actu~ «contra legem», (<corrigendi causa». A linha
õe fronteira entre o preenc h1mento
· de lacunas e a
correcçào juridica nem sem re e ..
existe t d · - .. P nitida e segura. Ela
, o avia, em pnnc1p10 e e .
em que a atitude do órg:ào ~plica~mpodrtanDt~ º.ª m_edida
~ or o 1reno e. nos

r!7i1
277

276 . - l familiar tomou-se, em


o nosso Direito matnmon1a e Mas agora novas
d. Vamos agora ver. ao ·da um Direito «lacunoso».
dois càsos. inteiramente iv_ersa. orno se define aproxi- larga me d 1 ,
analisar cada um dos conc~1to:, e - imediatamente se levantanL
questoes . .d. d•ntro d2..'!°al se.fil;l$
madamente essa linha limitrote. 1 ')O que é o todo iun ico -~-__,...,- dad<>
. ?U coiiêêifOClelãÇ11JJ~-JUfJdu:;-ª~--n~ _y.er '
a 1acuna. -----~-- -· -~ -- . . de Direito. Se, ao
entrelãÇa-Se c_om ~__r:Qm!9.-~QQÇ.e~l 9 -----·-· __ ..,.., Direito
Col)cel.to de <dacuna juridi- fa~I -·-·ao
armes
õlreito, apenas pensarmos no
lacuna da
Começamos com o
legislado, «lacuna juridica>) é o mesmo que << da
ca».
As lacunas podem aparecer em todos os ramos do lei». Mais exactame!l~~- f9-Jfil~mos .de-~idacuna- .
Direito. Não só o juiz, mas também o funcionârio lein se!!!Pi~:9~~ª~sta s~ não c_ons_eg~e __ r.e.ttrar.,_a_tr_ay_es
administrativo pode sentir-se desorientado por causa da interpretação (no sentido atras exphctt"_d_<;,1'_<E1~~r
delas. Por motivo de simplificação, porém, vamos tratar iesposta -párã ürtja queStã? Juridic_a que: __ teqio_s~d_e,...por ·
o problema com referência ao juiz, pois que também ge:-pe10 contrário. ao falarmos de <<Diretto>1, pensarmos
para os administrativistas valem considerações parale- no (<Direito positivo>> na sua totalidade, o qual, além do
las. A primeira qu"estão, que de modo algum é fácil de Direito legislado, também abrange o Direito consuetu-
responder. é a de saber o que devemos entender e1n diníirio, então sO teremos uma lacuna jurídica quando
geral por uma «lacuna». Se abstrairmos da irr1agem nem a lei nem o Direito consuetudinário nos dêem
espacial ~ fala-se, por exemplo, de uma. lacuna na resposta a uma questão juridica. Se o Direito consue·
dentição ou numa estacada - o elemento conceituai. tudinário nos fornece qualquer indicação onde a lei nos
aquilo que é transplantável para o domínio do Direito, não diz nada. encontramo-nos perante uma lacuna da
podemos dizer: uma lacuna é uma inco1npletude insatis- lei. mas não em face de uma lacuna do Direito positivo.
fatória no sl."!io de um todo. ~R.licaçlo_ ao Direito,_.o Ora, se. o Di.reito positivo no seu Jqdo D-ÇS _apr~Se!ltª
conceito de lacuna significa que se trata de uma um·a--iãcuna, talvez seja po~sivel colmat~r ~§t~ a_tr_avés,
~ii_completUde ins_~tief~!P.d.?.Dº~~~iQ Q_q to_Ço ju]j~}~o. -Um- 09.feçµrso a ideias do Direito suprapositivo~!!!.95
exemplo flagrante forneceu-no-lo. até 1-Vll-l 958. o então ainda em face duma lacuna? Mais: Em certas
complexo de lacunas surgido no Direito da familia por CíYCDnstãn-ciaS.._·e-xTSte. -à- pêlsSibi1idade ae·-·_afa~ij,f--_:{li
força do princípio da igualdade. Como se sabe, a nossa
lacun·as·que paf"eCfm apÍesentar-se em face du1na
~on_stituição, no artigo 3, ai. 2, declarou a igualdade de
~in1ples-í<irirerpretaçao,} das Jeis -e que~ neStes tennOS,
direitos e~tr~ homem ,e .mulher e, no artigo 1 I 7, revogou
todo o D1rerto contrano a este principio da igualdade são:-«lacunas ·da lei», através de «argunlenfos de· ana-
dos s.exos. Durante muito tempo. porém, não se curou logIB)~e\Jlltra~- operações de pensamento -_sem~llirulle.S
de cnar uma nova regulamentação condizente. Por isso, ~-~sea~~s ?~ª- le!,: Se tal é o caso, põe-se entáo de novo a
questao de saber se aqui pode~os sequer falar de u~a
178 279

~i~:.: .r~~~-._gl!_~a__\.çi ... na.,v:ccdade.~c~ que tão-só «espaço ajuridico>>. Aqui não se trata. pois. de lacunas.
mediata1ncntc. responde a qucstào juridica. E como mas de algo que se situa completamente fora do Direito.

0n-cã1'áf úS-cõlSãS. qUán.dO - Tcgi;i;dor. ~t7'avés de Temos, consequentemente, a seguinte alternativa: ou ·
dausulas gerais ou através dum abandono tácito da uma questão encontra solução no Direito positiv~ )
soluçáo du1n probleina ao juiz. autorizou l'Ste a des- êõlào ·nãõ ·estamos· pe'raõte-·"uma·TaêUna.··ó1.reJá'fiãõe' _/
cobrir o Direito por um processo idêntico ao seu'? Nào
significa unia tal autorizaçào que de JOnna ncnhurna ::'::~:,,pelo p~l~e~t~e P:::t:-~:~~;~~~:i-~~r;:~~ Jlf@
1
poderá surgir uma "lacuna1)·. Çomo o Direito da sctnprc trnatqüer-1acuna" J1J.fiâ'iC3-~--êônl et~Ti7;"'. . .'úôla - 'acuna
u1na resposta atravcs do juiz. sobretudo porqur este. juílaíca ··se ri~ um~_!a:u._-~ª.-~l!. tpc!Q.j!1..rid[~9. ~- g. ~DQ.Q_·Q·
y_.

por força da «proibiçàei da denegação de justiçan. e de cffio· e que o· ·espaço ajuridico se eslende para alem e
todo o 1nodo obrigado a decidir todo e qualquer lit1uio em--volta do juridicÓ~(assi;;,, BÊRÓ.!io.fiUf.-. ,__
jundico. e corno. alem disso. esta decisào do juiz ~se ··~ Somente podererrios a~inar com um caminho atra-
apoia sen1pre e1n quaisquer ideias juridicas. dai resulta vés deste emaranhado conceituai se nos concentrarmos
que o Direito no seu todo nunca falha. que o ordena- num determinado escopo teorético e, sob esta perspecti-
1ncnto jundico é «tl:>chado)) (~<cornplcto>~) e. portanto. va.fixarmos certos pontos de referência. Temos. pois.
não conhece quaisquer «lacunas». Nào será assim que nos refugiar numa especie de ((deficiência nomi-
atingidl' na própria raiz o conceito de (<lacuna jundica}} nal}). O nosso escopo é neste momento conhecer um
e-orno i11co1npletudc no todo do Direito'.' Efectiv~unentc. tipo particular da actividade do juiz e uma determinada
houve qucrn desenvolvesse teorctna:~ segundo os quais a metódica do pensa1nento do jurista. Falamos a propó-
"plenitude (tCcha1nento ou co1npletude) d~"\ ordetn jun- sito de (<integração do Direito)). Este conceito de
dican foi transfonnada cin dog1na e contestada a integração juridica pressupõe logicamente um conceito
existéncia de genumas lacunas jurídicas. Estes tcoren1as de lacuna. que nos podemos definir da seguinte manei-
puderam ainda ser funda1nentados atraves de um con- ra: As lacunas _são deficiências do Direito positivo (do
ceito lilosófico-jundico 1nuito interessante: o conceito Direí'tOiegi;\ad~ ou ·cto··:blreitO -~~n~uet~dig~[ip ), apre-
do espaço ajun"dico. Este conceito - de resto em si plu- eflSi~·efa ·como rãit-;S ~u f~lhas de conteUdo de regu-
rifacetado - pennite na verdade a seguinte argumenta- imnenta<;ão Juridica" ·para d_etennlnadas sit9~ç9es de
ção: O to~Q_jlJndicQ çstendc-sc sobre um delcnninado racwe·m qüe_e_d_e ·esP~r~f._es;~--;eg~-Ja~~~t~ção em e
d~n1~rl!õ~ é: nêstes termos. fechado. Ao_ 18.do él3:Clu.efes - que tais fatii"aS · Postulam e admitem a su_a r_ernoção
d~~!,1:~<:':._r~_gi_~9_s., pelo_ Direi~o há. na verdade. aqueles ãüãv·es "duin·a decisào juàiciãl furidicél-i~t~gradora(~r_ As·
outros que não são por ele afeêtado"s. corno. por exe;:n:= fãêuã-ás aParecem, ·pórtãn'tO~-qlla"ridO-õeín_a_ lei riéri10-
plO:--rrs-tlõm1niõsãõpeôSãme·n1opuro. aa·crença ou das Diíeitõ"C~nsuetudifiario 'nOS dão·-umà ·re-sposta im-ed-ia:tã--
~~Um~-q~~stão jurldica. Como já notám~s, a lei fõrn~ce
--
r~tm;Des·ae-·soClãblTfdãde--:, ESte·S~domínios Caen:l7o-
~,~ ..• --
..
"•
•,
·1··
"
d
280
281

•• uma resposta quando esta dela· é retirada por interpreta- plano. ~~eita-se <LI!!.~~<!-~ c_aso_que a linha ,4e f!9!1Jeira

:e • ção, mesmo que seja uma interpretação extensiva. Na


i:ncdid~ .~rn .9.~.e -~~~t~I)?r~~~çfi9_~~s~__ g_ar.a._resp~
questões jur1dicas, o Direito não será, pQ!.sJa.cunoao.
entre a aplicação do Direito secundum legem. e o preen-
chimento d~J<"!-cunas prt3f{er legr;m se torna" põüCÕ _ni:-
tiCiã --nas c!~us~Jas. ge~ais ~ n~s _çláQsUGS·~di;ricio- ·

"•
:ie
Pelo COatiàriO, a (<analogia>> PQSSíi(ja· uma função
integradora. Ela não exclui_as _!~as,_ m~S°fuCha-~u
ro~mata-as·. O niesino vale dizer daquelas consideracões
j_urídicas qi.ie se apo1am__rlo~ ~P!i~çipios _geraís do Direi-
flárias. Por último, deCerto que ~ Uf11;:t questão_termino-,
lõgica a maio~ ou menor exieQSà() do C?Il~_eitp _!)e Ja-
cu.na.
~. 2.ª) Na alinea l.ª) falámos das «lacunas)> sob o
;:• t?.'.~~~t~bém quando o legislador consciente e propo-
sitadamente deixou uma questão jurídica «em aberto))
aspecto da sua relação intrinseca com o todo jurídico.
Agora· temos de dedicar especial atenção ao momento
ii.
••
para decisão, uma questão que ele «deixou ao parecer ou aspecto da incompletude «insatisfatória», da in-
da ciência e da prática» (tal como é o caso, v. gr., se- completude contrán·a a um plano. Com efeito, não
li1 gundo a expressa declaração de motivos anteposta ao podemos falar duma lacuna- no Direito (positivo) logo

!·;·~
1•
1
Código Penal, da tentativa inadequada (impossível) de
um acto criminoso), teremos de falar duma lacuna.
Nestes termos, existem_ não só -lacunas __inv.oluntárias
que neste não exista uma regulamentação cuja existên-
cia nos representamos. Não nos é Heito presumir pura e
simplesmente uma detenTiinaoa fêgUTaiTiêritãÇâó, ·antes,
:'e como também lacunas voluntárias. Inversamente, en1 temos que sennr-ã -sua·Jalra, se (iüefemoS· aPi-êsentar·a-

I••·• minha opiniáo. já não deveria falar-se de lacuna quando


o legisl.ador, através de conceitos normativos indetermi-
nados, ou ainda através de cláusulas gerais e cláusulas
discricionárias, reconhece à decisão uma certa margem
sua não-existência como uma «lacuna>>. Mas a inexis-
têiicia da regulamentaÇãO em cai.J.sa pOdé corresponder
a um plano do legislador ou da lei, e então não
representa uma «lacuna)> que tenha de se apresentar
.·1•
:e
de variabilidade (diferentemente, em rodo o caso. PH.
HEC~K). Com efeito, aqui apenas nos encontramos
sempre como uma «deficiência)> que estamos auto-
rizados a superar. Uma tal inexistência planeada de

.,.• perante ·afrouxan1entos .planeados da vinculação legal, ·certa regulan1entação (propriamente uma regula-
para efeitos, designadamenic, de ajustamento da deci- mentaçã'o negativa) surge quando uma conduta, cuja
são às circunstâncias particulares do caso concreto e âs punibilidade nós talvez aguardemos, «consciente e
concepções variáveis da comunidade juridica. Além dis- deliberadainente» não e declarada como punível pelo

:.••
,.
:e
so, são sempre aqui prefixadas pela lei a autoridade que
decide certas linhas de orientação e certos limites. Por
conseguinte, não havemos de olhar as considerações do
capitulo precedente corno subordinadas às do presente
capítulo . mas cotno situadas ao lado destas, no mesmo
Direito positivo. Se esta impunidade nos cai ma_~.
podemos falar na -ve~dicte-ae -uma <d_acuna políti~_O-:
-jurídiCa>), de uma «lacuna c-rítica», de uma «lacuna
iffiprópria», quer dizer, de uma lacuna do ponto d~ vist_a_
ãe ·um futuro Direito mais perfeito («de lege ferend~v> );
!•
ii!
:!.82
"
1.
283

"-nüo, porem. ~.:._~~~CUJla_ªu~~-l_i.~.!.!._L.12!:..º.Eria. gµ~er pectiva consequência jurídica (da obrigação de indem-
di~cr._ <lu1~1~ l_~cun~ ~~, ,I?~ci~_vig~n,~c__ i<~~~Jege_Jata•> ). nizar) na lei não significa necessariamente a existência
; U1na lacuna de 7egl:! Jercnda apenas pode moü\ ar o"'~· 1 de um espaço ajurídico: pode bem acontecer, antes, que
_ pL)~crle·gi~l~~iio -~ _..l:lnl~ -'i~~rn1~~_do.r:HfeJ1u__1nã~ Q aquela ausência represente uma verdadeira lacuna a
j juiz ã um preenchiinento da dit'! .J?cuna. A~c.ul~.;;ão preencher pelo juiz, por não estar na «vontade» do
\judiçia! de laêunas pressupõe. uma-- lacuna de /egcia.ta. legislador ou da lei a intenção de excluir a consequência
Ora e justan1entc· a partir da tarefa judicial do preen- jurídica em questão.
chimento de lacunas que nós pretendemos determinar o O momento. da_ <~in_çongr.µ~_n_ci<1__çQ_J1L!!!!LQ)ano»
conceito dcstns. pelo que tal conceito e por nós limitado ganhit particular relevància como elemento do conci:.ito
as lacunas de fege lata. O conceito acima referido do de-lacuna-quando· se trata da qµsêJJ.éiã~-iJi;JlsPQSTf;õgs .. ,
«espaço ajundico)) tem. pois, uma certa justificaçào. na excepcionais. -Pfil-a uma consid~raçâC? m_~ra:men.-tt'. fQ!":-
medida em que implica a ideia de que a não ligação. mãr,-Til.tetVé"in-· então pura e, ~implesmente o .preceito-'
<'consciente e deliberada>}, de consequências jurídicas a -regrã:- de_-fo!rna que ~amb~m .aí se .n&Q~-Rod~ria_falar
detenninados factos, possivelmente deixa estes factos ctllroã· ;<lacuna». Se, por exemplo, a intenupção da
totalmente fora do Direito e não provoca qualquer ver- grãVfci~Z.-poÍ «.indicação social», ou seja, por necessida-
dadeira lacuna. Saber se numa dada hipótese a lei deve des económicas, não é expressamente reconhecida pelo
ser entendida e~ terínOS~de-_se concluir que CTrtos~raCtos Direito há-de intervir então automaticamente a dispo-
e
pertencem ão don1lniô-Cfô a}ürtãiCo. rióVa.me71tê"uma sição-r~gra segundo a qual a interrupção da gravidez é
questào de interpretação. na-qua1 a fiítã efiºtre··aSTeür-ias punível como «aborto)), nos termos do §218 do Código
interpretativas se volta a acender. dadQ-ã -qUesfáõ da Penal. Mas devemos pôr ainda a questão de saber se
_ajuridicid.ade_ 1 <con:5cjcnt~ _ê del~~~radan poder· ser res- ~fectivamente no plano do legislador ou da lei está
_P'?~~!da. já d'? pont<:> de vista do legJsl!Jd"Ç_í]istórico.ja. implícita a intervenção da norma-regra, e não, antes,
objectivamente. do ponto cté Vis.ia da lei (cfr. adiante, uma norma-excepção. Na hipótese do nosso exemplo,
p. 286). Mas vai-se demasiri'ao lorig.e qu~nd~ sêc~rÍiente em todo o-. caso, ninguém olhará a intervenção da
se enuncia urn «principio geral negativo>1 segundo o norma-regra como incongruente com o plano do legis-
qual. sempre que não esteja prevista uma consequência lador. Todavia, é sempre verd~de._q!J.e_o.P.Ql!!~ko_p-ª§§0
jurídica no Direito positivo. a aplicação desta conse- a dar a(iürpe10 ·pen.·sanientõ~d~ ;;1gador consiste em ve-
quencia juridica e eo ipso inadmissivel. Assim, por rifiCB.r Q n-ef:éssi~ade e_ a justificação da integração
cxen1plo, faltando a expressa estatuição de uma ·obriga- de lacunas.
ção de indenulizar para certas especies de prejuízos. ter- Vamos esclarecer melhor, através dum novo exem-
-se-ia de concluir sem mais pela rejeiçào da pretensão plo, este ponto metodologicamente tão importante. Uma
do lesado a un1a indemnização. Ora a ausência dares- das mais célebres decisões do Tribunal do Reich em
284 285

matéria penal. a sentença de 11-3-1927 (Vol. 61. p. forçoso do ponto de vista lógico, apenas póde ser
242 e ss.), teve de ocupar-se da questão da interrupção ladeado pelo Tribunal do Reich pelo facto de este haver
da gravidez por indicação médica. Uma médica. c~m reconhecido que a regulamentação do aborto. bem
base num parecer psiquiátrico e para evitar um saicidio. como a do estado de necessidade, eram ~<lacunosas» de
havia interrompido a gravidez numa mulher em que se lege lata. Isto pressupõe que o parágrafo relativo ao
tinham manifestado tendências para o auto-aniquila- aborto co~o que «clama» por uma excepção para o
mento. Ainda não havia então - e de resto em parte caso de um perigo de vida ameaçar a grávida, e que a
tambem hoje falta ainda - uma regulamentação juri- regulámentação do estado de necessidade do § 54, que
dica especial sobre a interrupção da gravidez com o fim apenas prevé a isenção da pena quando o perigo
de salvar a vida ou a satide das grâvidas. O Tribunal do ameace o próprio agente ou um parente seu é, por seu
Reich poderia ter resohrido muito facilmente o proble- turno, havida como insatisfatória do ponto de vista do
ma com base numa simples consideração formal e Direito positivo_ Uma das traves-mestras da menciona-
dizer: «Existe, sim, uma regulamentação jurídica. Com da sentença do Tribunal do Reich e, por conseguinte, a
efeito, nós temos, por um lado, uma disposição penal proposição segundo a. qual o preceito sobre o estado de
que comina urna Pena para a morte do feto duma necessidade contido no § 54 do Código Penal não
grávida ( S 218 ào Código Penal). e temos, por outro impede que «seja excluída a ilicitude de certos actos
lado, certas disposições relativas ao estado de necessi- praticados em estado de necessidade ... com base noutro
dade que excepcionalmente subtraem à punição condu- princípio jurídico, escrito ou não escrito)) (p. 232). Esta
tas que doutro modo seriam puníveis. Todavia, estas proposição significa, à luz das considerações por nós
disposiçües sobre o estado de necessidade não se acima feitas, que a regulamentação legal do estado de
ajustarn ao caso presente. Não se lhe adapta especial- necessidade contida no § 54 do Código Penal não basta
mente o § 54 do Código Penal. o qual exclui a punição para subtrair à punição todos aqueles casos que, de lege
quando o acto foi praticado em estado de necessidade lata, devem ser isentos da pena prevista nos parágrafos
jnculposo e impossível de remover por outro modo, a sobre o aborto. É precisamente aí que se funda o
fim de afastar um perigo actual para o corpo e para a carácter lacunoso de toda a regulamentação legal. Se
vida do agente ou de um seu familiar. Este preceito não nada houvesse a opor à punição, com base no § 218,
serve ao caso, por isso que a médica que provocou o no caso da ~<indicação médica}), se o preceito relativo
aborto nào estava ela mesma em situação de perigo e, ao estado de necessidade do § 54 fosse considerado
pelo que respeita à grávida, não se tratava duma como plenamente satisfatório, e se, portanto, o carácter
parente sua em perigo. Logo, a médica, segundo os defectivo do regime legal não fosse reconhecido através
preceitos jurídicos ·figentes, tem de ser punida pelo duma valoração, não se poderia falar duma lacuna.
crime do aborto». Um tal raciocinio. aparentemente Mas, nos termos expostos, existe uma lacuna que o
286 287

Tribunai"do Reich preencheu pelo recurso ao principio ções de vida pode fazer surgir lacunas que ante-
HSupralegal>) da «ponderaçào e confronto dos bens e riormente não fiãvlãni-- sido notadas e que temos de
deveres jurídicos». estabelecendo a regra de que <1a considerar comÕ Ta~unas._do-_R!Ê.i~e_nte....e-aào
interrrupção medica1nente aconselhavcl da gravidez .. siiiiPfêStilêrite -conlo ~~-1âCUna;}urídicojJolíticas». Como
na hipótese de consentiinento real ou presun1ido da tambem- sê" ~dii., ·n.ao-·há apenas «lacunas primarias»,
gravida. também náo constitui acto ilicito se é empreen- lacunas de antemão inerentes a uma regulamentação
dida por uma terceira pessoa co1npctente para apreciar legal, mas ainda <dacunas secundarias», quer dizer,
a situação (da gravida) e quando seja esse o unico meio lacunas que só supervenientemente se manifestam,
de libertar. .. a dita grávida de um perigo acrual de n1ortc porque entretanto as circunstâncias se modificaram.
ou de um grave prejuizo para a sua salide)} (p. 256 ). Isto vale, de resto, não só para a modificação das valo-
Mais tarde. procurou-se achar a regula1nenrac;ão que ate rac;ões, mas tambe"m pelo que toca à alteração das
aí faltava através do recurso a Lei destinada a evitar circunstâncias de facto relativas ao objecto da regu-
descendéncia degenerada. de 14-Vll -1926-26-VI- lamentação: As regulamentações jur:Kiicas não raro se
-l 935 ). Hoje vigora o pormenorizado 11 regime das tomam posteriormente 1acunosas pelo facto de , em
indicações)) do ~ 218 a ( 1976). razão de fencimenos económicos inteiramente novos
A sentença do Tribunal do Reich de 1927 .mostra- (pense-se na inflação) ou de progressos técnicos (avia-
-nos rambCm uma vez mais como a pugna das teorias ção, filmes, discos, rádio, televisão, cirurgia do cerebro,
interpretativas intervem: A qucstào de saber se a falta inseminação artificial), surgirem questões jurídicas às
de un1a disposição excepcional para a interrupção da quais a regulamentação anterior não dá qualquer res·
gravidez por indicação n1edica signitica de !ege fala posta satisfatória1 3l. Quanto ao mais, queremos abster-
uma deflciCncia, e portanto. u1na lacuna. pode ser ana- nos aqui de novas subdivisões do conceito de lacuna.
lisada do ponro de vista do legislador historico ou da Temos já uma visão suficientemen~~~_c_!a~a qe~te _C_2ECe~~
perspectiva da actual situação jurídica. Muitos créen1 to- Cüino tãf pii.rá ~ agoii-ii.os-··padermos voltar para o
que sô podemos responder à questão de saber se urna pfó"btêfria piilicipal, que é o d~ s~b~~ a_tra~~~s _9e_,~q1,1e, __
regulamentação legal e lacunosa do ponto de vista do rhétodos· âe-pér1s3.ni.ent~ jlirídico se h_á:4e proceder. ao
anterior lcgisl<id0r historico (no nosso caso. c.g .. do preenchimerito das lacunas.
ponto de vista dn legislador de l 871 ). Segundo a teoria - O filais conhecido destes métodos é o argumen~Ç>
da interpretação objectiva. hoje dominante. a qucstào de a.Ila1ôgia: Dei~ nos temos de .ocupar - Se bem que
deve. pelo contrário. ser respondida do ponto de vista apenas sumariamente - em primeiro lugar. Tornemos
actual. Na minha opinião. na determinação das um exemplo sitnples: O já nosso conhecido § 226 do
<dacuna;~ào n;;s PQdeíno.S-CTêé-tlv-an1~Í~- ater ~penas à COdigo Penal determina que as ofensas corporais -por
vol1tadc J;_1 lCgislüd\~~ hfstori~o. A mUdo.nÇa das COOc~p- exemplo, as tatuagens ou experiências médicas no
•:•• 288

corpo humano - não constituem factos ilícitos quando


são praticadas com o consentimento do lesado e não
l

mente com os meios da lógica moderna. A conclusão do


.289

partie-ulaJ para o geral, a conclusão indutiva, desde


:•
,,, são contrárias aos bons costumes. Sobre o significado
do consentimento do lesado quando se trata de privação
sempre foi considerada como logicamente mais proble-
mática do que a conclusão dedutiva. Finalmente, a
da liberdade (cárcere privado), quando se trata, por conclusão por analogia, como conclusão do particular
exemplo, de fechar um estudante a pedido seu nun1 para o particular, é altamente questionável do po~to de
Instituto, durante toda a noite, para que ele ai possa, vista lógico. Com que direito me é lí~ito presumir, ou
se-m ser perturbado, trabalhar na sua dissertação, nada muito menos «concluir», que aquilo que convém a um
determina a lei. Falta uma disposição paralela á do particular também convém a outro particular? Com ~~e
§ 226 a . Nestes termos, pode falar-se duma {(lacuna». direito. no nosso exemplo, concluo eu da eficac1a
Mas esta lacuna pode ser colmatada através de um justific~dora do consentimento nas ·ofensas corporais
argumento de analogia tirado do § 226 a: Tal como a para a eficácia justificadora do consentimento na priv_a-
ofensa corporal com o consentimento do lesado, tam- ção da liberdade (cárcere privado), dado que a lesao
bém a privação da liberdade com o consentimento da corporal e a privação da liberdade são diferentes
vítima deve ser licita, no caso de o facto não ser espécies de ilícito'? A resposta é: a ofensa co~ral e a
contrário aos bons costumes. privação da liberdade são semelhantes entre s1 em tal
A estrutura lógico-fonnal deste argumento tein medida que aquilo que é justo para a primeira também ?
quebrado a cabeça a 1nuita gente. O mais importante é para a segunda. E, assim, o multissignificativo ~once1-
sobre este ponto pode ser encontrado no livro de to de semelhança toma-se o eixo da conclusao. Ao
ULRJCH KLUG. Juristische Logik, 2.' ed .• pp. 110 mesmo tempo, destaca-se a importância do geral, do
ss., onde são apresentadas as principais teorias da comum, para a legitimidade da conclusão. ~ ?!~nsa
lógica tradicional e se._ procede aind_a a um escla~ corporal e a privação da liberdªde h~o-de ter algQ ~
reCiméritO. dÜ argument~. com base na (~~~~tica~- _Nós comum (a saber, a violação de inter~s_ses .pesso~~).
·àpénàs nos referimos àqueles pontos nos quais se situa para j)oderem ser submetidas 3Um tratai:nento. igual ..
a problen1ática especial do argumento de analogia Daí ·a- antiga concepção de que a conclusão analógica se
juridica. Usualmente diz-se que a conclusão por ana~ compõe de indução e dedução. Somente quando, dos
logia é uma conclusão 1<do particular para o particulaP>. fenómenos particulares, a partir dos quais se conclui
ao passo que a conclusão por dedução vai do geral para (no nosso exemplo: a regulamentação da ofensa corpo-
o particular e a conclusào indutiva do particular para o ral praticada com o consentimento do lesado), se
geral. A justificação da conclusão dedutiva, a dedução abstrai um pensamento geral (no exemplo: a licitude da
do particular do geral, é sem mais evidente e é rigo- violação dos interesses privados quando exista o con-
rosamente demonstr<ivel no plano teorético, especial- sentimento do lesado), é que é possível concluir (dedo-
290 291

çãot4l) para um outro particular (a licitude da privação analogia é lícita enquanto se verificar aquela semelhan-
da liberdade quando exista o consentimento da vitima). ça. Lã onde a semelhança cessa, onde aparece uma
Se agora, após estas indicações sobre a lógica do diferença essencial, a analogia encontra os seus limites
argumento de analogia, nos voltarmos mais para a e surge, em certos casos, o chamado argumento a
problemática «axiológica» especial do mesmo argumen- contrario, a saber, o argumento que parte da diversida-
to no domínio do pensamento juridico, poderemos dizer: de dos pressupostos para a diversidade das consequên-
Para que exista uma conclusão de analogia juridicamen- cias jurídicas. Se, por exemplo, um abono foi praticado
te admissível, requer-se a prova de que o particular, com o consentimento da grávida, segundo o argumento
em relação ao qual a regulamentação falha (no exem- a contrario tirado do § 226 a do Código Penal o
plo: a privação da liberdade com consentimento). tenha consentimento como tal não tem poder para afastar a
em comum com o particular para o qual existe regu- ilicitude, pois que o aborto não representa tão-somente
lamentação (no exemplo: a ofensa corporal com con- uma lesão do corpo da grávida, o feto não é simples-
sentimento) aqueles elementos sobre os quais a regu- mente «pars viscerum» (parte integrante do corpo
lamentação jurídica (§ 226 a) se apoia. O § 226 a materno) e, por isso, também não é um bem jurídico
baseia-se na antiga máxima segundo a qual <~volenti pessoal do qual a grávida possa dispor, a mais disso, o
non fit iniurian, cuja validade em todo o caso pres- aborto, na medida em que não exista uma indicação
supõe que se trate de ofensas que afectem aquele que moralmente reconhecida, ofende os bons costumes.
presta o consentimento na sua pessoa, e o afectem den- Como é sabido, tem-se uti.li~ado q_fas;~o _c!_e__!?)~ti~'!,
tro daquela medida em que ele tem o poder de dispor se
frequ·enrem·enú! .en~ontrar pe~ante a alt~~~.!iy~; _argy-
dos seus bens pessoais. O mesmo § 226 a traça .ainda irierito de analogia ou argumento a contran·o, e ~e .§~
um limite especial a esta liberdade de disposição ao debater com a dúvida sobre a qual destes argumentos
exigir que se tenham em conta os ((bons costumes>>. deve dar preferência, tem-se utilizado este f<icto, df:Z.l~
Somente porque a máxima «volenti non fit iniuria» e os p-ara, no plano lógico, lançar uma fundamental _s~s~
respectivos pressupostos vale.n para a privação da Ção Sôbfe- estes modos de argumentaÇ3.6 ju~ídiC_.f.°tspe­
liberdade da mesma forma que para a ofensa corporal, é Cialmente a Escola de Direito Livre atacou neste ponto.
que é possivel transplantar per analogiam a regu- Tomemos um exemplo simples, já referido por ENNE-
lamentação juridica do § 226 a da ofensa corporal para CCERUS e recentemente ainda por BARTHO-
a privação da liberdade. A «semelhança>i entre a ofensa LOMEYCZIK';': Segundo a Lei das Doze Tábuas (cfr.
corporal e a privação da liberdade consiste precisamen- Digesto, Livro IX, Título 1) o proprietário dum «qua-
te no facto de que, aqui como além, são lesados bens drúpeden (quadrupes) resJXlnde pelos prejuízos que ?
jurídicos pessoais que. dentro de certos limites. são animal tenha causado (cfr. de resto a actual responsab1~
confiados ao poder de disposição do prejudicado. A !idade do «mantenedor>~ dum animal: § 833 do Código
292 • 293

Civil). Ora levantou-se a questão da responsabilidade têm de ser adquiridos atravês duma metódica especifi-
do proprietário pelos prejuízos causadps por um animal camente juridica. Podemos mesmo avançar mais um
bipede. por exemplo. um avestruz africano. Se manti- passo e afirmar: o argumento jurídico da analogia não
:ermos o ponto de vista de que. através duma i<Simples se nutre apenas da sua segurança lógica e da sua
interpretação», um animal bipede não pode ser conver- aplicabilidade jurídico-prática baseada na «semelhança
tido num «quadrupes», achamo-nos perante a alternati- jurídica», mas mergulha as suas raízes ainda mais
va: argumento de analogia ou argumento a contrario. profundamente no chão do Direito ao pressupor que,
No puro plano IQgiqQ-fQmiaJ ~stes..dois argumentos. que para a aplicação deste. os preceitos legais e consuetu-
~o~~~~e~ 3:. !es~lt~~<!s completamente dife~nt~s-rem:â dinários podem e devem ser frutuosos não só directa
~esma legitimi_dade. Tanto se pode dizer que aquilO-qU.e. como ainda indirectarnente. Osjuizos de valor iwr.ais...da-
~ale para quadrúpedes deve valer também, em-·virtude lei e do Direito consuetudináno aevem reguh!r e <!_ofl!i-: -~.
d-~ semelhança, para animais bípedes_ igualmente-.peri:_ fiar ·não só Os casos a que imediatamente respeitam mas _
gosos, como se pode conch,lir qq~_ <:!quilo q~e ~ pr_e~rjto tã"mbém aqueles que apresentem uma configuração
e~ re:ação a quadrúpedes não pode ..valer para_ outros sfmêlhãiite.· ~- .. ~ - -~ --

animais. Os próprios romanos preferiram o argumento -Eis -Ô que. de fundamental se pode dizer sobre o
de analogia: «haec actio utilis competit et si non argumento de analogia como meio do preenchimento d~
quadrupes, sed aliud animal pauperium fecit,> (assim lacunas. Quanto aos múltiplos problemas particulares
PAULUS, Digesto, lugar já citado). E isto com inteira conexos CõinO-êOriCeitõ -de <<analogia» nõ Diréi"to. SO
razào, pois que «o fim jurklico---político do preceito suêin.ta·m-ente os ·podemo$ aflorar aqui, que ~~o Írat:Í-IQ~
sobre a responsabilidade era o de estabelecer uma dêSeõ\;oívidamen\e:
r~spons_abilida~e especial por seres vivos que podem, l) Toda a regra jurídica é sus~eptivel de aplicação
sim, agir desat1nadamente, mas que não são dotados de analógica - não só a lei em sentido estrito. mas
razão humana e, por isso em consequência da sua natu- também qualquer espé~ie de estatutõ e "àiriâ3_ a n'2_.rtl]a
rez~ _bestial, podem com particular facilidade causar de Direito ccinsuetUdínário. As conclusões por analogia
preJuizos graves» (BARTHOLOMEYCZIK. lugar já nro têm apenas cabimento dentro do mesmo ramo de
citado~. Verificamos que a escolha entre o arg~mento de Direito. nem tão-pouco dentro de cada Código, mas
analogia e o argumento a contrario não pode de facto verificam-se também de u1n para outro Código e de um
fazer~se no plano da pura lógica. A lógica tem que ramo de Direito para outro( 6 l.
combinar-se com a teleológica. Quer isto dizer: O 2) Vemos a analogia intercalada entre a interpre-
proces~o formal de concludência, que, é claro, tem de. taçào e ·o argumento _a contrario. Assim como não ê
s_er logicamente correcto, praticamente só funciona em rriuito fácil determinar, em cada caso concreto. a justa
ligação com determinados conhecimentos materiais que relação entre o argumento de analogia e o argumento a
294 295

contrarlo, também ne1n sempre é fâcil descobrir a mente a questão de saber em que medida. para a des-
correcta linha de fronteira entre a interpretação e a ana- éõberta dó «pen-Sãnléllto··rlliidãitiên!!ll~_,~(_t~cisi.v.Q,_~~e
logia. De um modo geral podemos dizer: a analogia píocurar a \,ontade do legislador histórico ou a vontade
insere-se por detrás da interpretação. por detrás ·mesmo «Opjectiva);-da PfóPrTa Téc·e:- rógo,·a-Questão de sat:Jer:
da interpretação extensiva. Se, para a interprétaçâo. se que srgni1iêad0l.em os fins inerentes a u!!Lpreceito para
assenta na regra de que ela encontra o /Seu limite lá a-apreensão· do'- re·spêci~~OSê~do(~ão se conhece
onde o sentido possível das palavras já nãO dá cobertura aPenaS uma inteIJir~aÇ~~ ~li9lOgiCa~ ;;a~-~_,
a uma decisão jurídica (HECK: «O limite das hipóteses cõínü . . .PUdemOS -verificar no nosso exemplo. uma ana-
de interpretação e o ·sentido possível 'cte letra'»). é neste IOgiã--re1e·o1ógica)". · - -·-· - - · -
limite que começa a indagação d~ um argumento de · ·--~--:4)-0IS'tifi-gue~Se._tradicionalmente entre analogia da
analogia. Seja-nos permitido lembrar uma vez mais o lei e ariãlogiaâô-Dfíeito.· S'"ão -~s~~s .lJlfiT; ~-l!.~·;;;eqps:;;s
exemplo do avestruz. que nem mesmo com a melhor termos âa--aistifli:;1õ:- Ao passo que_ '!.. ªna!.çgiª""'çiª' lei
das boas vontades pode ser enquadrado per interpreta- parte de uma regrajÚridiCa isolada (v. gr.,_o ~ 22fu ~dQ
tionem no conceito de «quadrupes», pois que a isso se <:;ódigá Penalf é d~f&_ retif:l um-· p~ns~ent~~ -fllnd~--- -
opõe o sentido literal. Não raramente, porém, é duvi- méntãr"aplic-ável a casos semelhantes .. ª ,;J.n,'.l.IQ~Q
doso se o sentido literal não poderá ser referido à D'ireito parte ~<duma pluralid'ade de normas juridicasn _{!
situação concreta através duma «interpretação extensi- (<desenvolve com base nel'as (~trav~s_da irldução") PriA-
va». Quando. por exemplo. o §46 do Código Penal cipiõs mais gerais que aplica a casos que não cabem em..
garante isenção da pena ao «agente>> se este esponta- nenhuma norma jurídica)> (assim ENNE_ÇÇERUS J.7 1••
neamente desiste da tentativa, põe-se a questão de saber Um exemplo de analogia do Direito surge. v. gr.. quan-
se. «segundo o teor literal», por «agente:» se pode do. de uma série de preceitos individuais do Código
entender tarnbêm um comparticipante - por exemplo, Civil que impóc a obrigação de indemnizar por uma
um instigador ou um cúmplice. Seguramente, pois, que conduta culposa em face da contraparte contratual. na
a linha limítrofe entre a interpretação (especialmente a s
fase da contratação(~ 122. 179. 307. 309. 463. 2."
interpretação extensiva). por um lado, e a analogia. pelo parte. 523. al.I. 524. ai.!. 600 e 663 do Código Civil).
outro, é fluida. E isto tem importância prática, nomea- se deriva o principio geral de que logo a simples
damente quando seja juridicamente permitida toda e iniciação das negociaçóes fundamenta um dever de
qualquer espécie de interpretação mas seja proibida ao cuidado entre as partes cuja violaçào induz em respon-
invés, uma aplicação analógica dos preceitos jurídÍcos sabilidade por perdas e danos (a chamada responsabi-
(vide infra, ai. 5). lidade por culpa in contrahendo). Vé-se claramente que
3) As questões da metodologia da interpretação a distinção entre atlalogia da lei e analogia do Direito.
r~_apareCem~ mutatis rizufãitdis, na analogia, eSp{;Ciài- assim entendida. no fundo apenas se refere à base de
296 297

indução usada na elaboração do pensamento fundamen- Processo Penal pennite que o acusado, com direito em
tal, base essa que num caso é mais restrita e no outro é principio a estar presente no julgamento, seja excep_cio-
mais ampla. Com razão se poderia, pois, dizer que nalmente afastado da sala de audiências, porque «é de
apenas se trata aqui de uma diferença de grau. A outras recear que um co-réu ou uma testemunha. ao ser ouvida
tentativas de definir a distinção entre analogia da lei e na presença daquele acusado não dirá a verdade»,, é
analogia do· Direito não nos referiremos aqui. possível uma aplicação analógica deste preceito «singu-
5) Hã. limites para a analogia. Questionável é, em lar)) ao caso de uma testemunha, na presença do acusa-
todo o caso, a famosa máxima: síngu.Ia.ria non sunt do, ficar psiquicamente incapaz de fazer sequer um
êitendenda, quer dizer, os píCCeitÕs ~x~epcionais não depoimento. O Tribunal do Reich teve de decidir o inte-
podem-serestêlldídoS ·-=.. rifm mesmo 3traVés da ana- ressante caso (cfr. RGSt. 73, pp. 355 e ss.) em que
logia, portanto. Na verdade, vale .afirinãr: Se Um~~ uma testemunha, contra a qual o acusado havia pratica-
posição é editada para um detenninado caso excepcio- do uma tentativa de violação, no julgamento e na
nal ou para um grupo de tais casos, não pode, é eviden- presença do mesmo acusado caía em convulsões e
te, ser analogicamente aplicada a· casos nos quais se ficava incapaz de depor. Aquele Tribunal fez apro-
não verifique esta Situação excepcional. Quando, por pósito a seguinte consideração: «O_ pensamerito fun-
exemplo, os § §844 e 845 do Código Civil reconhecem damental do preceito do §247, ai. I, do Código de Pro-
excepcionalmente a certos grupos de pessoas imediata- cesso Penal consiste em que a presença do acusado du-
mente prejudicadas por actos ilícitos um direito a rante a audiência de uma testemunha não deverá cons-
indemnização, conferindo, por exemplo, aos membros tituir qualquer obstáculo à serena indagação da verda-
da familia com direito a alimentos e prejudicados pela de». O receio de a testemunha, por causa da grave
morte culposa do chefe de familia, um direito a uma doença nervosa que o facto do acusado lhe provocou, não
pensão alimentar, estes preceitos não podem ser aplica- poder fazer qualquer depoimento na presença deste,
dos em benefício de outras pessoas indirectamente «deve ser equiparado ao receio de a testemunha não
prejudicadas. não podem ser aplicados, e. g., em bene- fazer um àepoimento verídico, que é a linicajustificação
ficio de pessoas que poderiam ser contempladas com expressamente (!) prevista pelo § 24 7 do Código de
liberalidades ou beneficências espontâneas por parte do Processo Penal para a medida nele referida».
falecido. Aqui há lugar, pois, para o argumento a A máxima «singularia non sunt extendenda» deve,
contrario: na falta dos pressupostos particulares, a portanto, ser manejada com a maior cautela e não diz
consequência jurídica específica tem de ser denegada. propriamente nada de novo em face das considerações
Mas, Por outro lado, nos limites do pensamento funda- anteriormente feitas sobre a relação entre a analogia e o
mental do preceito excepcional. é bem possível uma argumento a contrario. Diversamente,, tem de reco-
analogia. Quando, por exemplo, o § 247 do Código de nhecer-se como limite à admissibilidade da analogia a
J
298 299
!
proibição desta, por vezes estabelecida" pelo legislador. de uma norma de Direito consuetudinário não baste
O mais célebre caso de aplicação está contido no pâraaeScôbíil- - e-fundaITientar ã_· deCIS~óPrQê~-rada.
princípio de Direito Penal «nullum crimen sine lege, -·-como exempro irilpfe-sS"ivo coffieçaremos por esbo-
nulla poena sine lege», o qu_al. segundo uma concepção çar aqui apenas brevemente o problema do erro sobre a
inteiramente dominante, implica a proibição de fundar a proibição no Direito penal, o qual na verdade desde
condenação e a punição por acto ilícito numa lei que 1.1.197 5, em virtude de regulamentação legal pela
apenas mediatamente seja aplicável (vide actualmente o segunda lei de reforma. do Código Penal ( § 17 deste
artigo 103, ai. 2, da Constituição). Isto quer dizer que Código) não representa já uma «lacuna)), mas que até
é, por exemplo. inadmissível punir corno violação de então. à falta de um preceito directamente aplicável.
domicilio as chamadas telefónicas nocturnas feitas com constituía um dos mais inseguros objectos de disputa da
intuito malicioso, pois o preceito penal do § 123 exige dogmática juridico-penal. Pois o Código Penal de 187 1
que o perturbador da paz domiciliar se «introduz» na declarava na verdade que o autor de uma acção punível
habitação. É pelo menos questionável a jurisprudencia não podia ser censurado a título de ter cometido
do Tribunal Federal segundo a qual o acido clorídrico dolosamente o crime, quando desconhecia (p. ex., não
diluído é uma ((anna>), nos tennos do § 223 a do sabia que fazia uma afirmação falsa, ou não lhe passou
Código Penal (BGHSt. 1. pp. l e ss.). Corno critério pela mente que estava a provocar um incêndio) aquelas
decisivo para a determinação dos limites entre uma circunstâncias ou consequências da sua conduta com as
interpretação extensiva, ainda permitida, e uma aplica- quais se preenchia a «hipótese legal>) de um ilicito
ção analógica, que já o não e - determinação essa que. pen'al. Mas já não era respondida a questão de saber
sendo necessária em cada novo caso. é frequentemente como resolver o problema do dolo do agente quando
insegura -, temos de novo o sentido literal possí- este na verdade teve presentes todas as circuntãncias da
v'el<81 - sua acção ou omissão mas julgou que não violava
De. outros argumentos que, de forma semelhante. à qualquer proibição (p. ex., considerava a homosexua-
da cÕilclusão· ánalógica e a do argl!ffiento a cont~;;io-. Jidade corfio licita em geral). Não é já. indicado apresen-
~podem servir para utilizar dadas normas jurídicas com.o_ tar as diferentes teorias que se formaram para a
fim de preencher lacunas, não podemos tratar aqui. colmatação desta melindrosa «lacuna>) e descrever
Deixamos, portanto, de lado o «argumentum _a m~~í'­ como se comportou a jurisprudencia perante esta ques-
ad minus», o seu inverso: o «argtimentúiil" a· miriori ad tão. Mas certamente continua a interessar como é que o
mâjus>~, e outros argumentos semelhantesí 91. Agora BGHStr., pouco após ter retomado a sua actividade,
vamos voltar-nos para a questão de saber por que modo através de uma «complementação do direito» muito
se deve proceder ao preenchimento de lacunas auando a radical (BG HStr. vol. 2, pp. 194 e ss.) fez desaparecer
«capacidade de expansão>) lógica e telc;:ológic;i._ da lei _ou a debatida questão ainda em aberto até aos últimos
300 301

anos. Designadamente; remontou ao «principio básico a eutanásia, hoje tão debatid.2.: Como apreciar juridica-
intangivel de toda.a punição, que pressupõe a culpa)). ffienteüfiltratáJ'.n~t-;;--~édÍco ~om morfina para aliviar
Desenvolvendo mais este princípio por meio de uma as dores insuportáveis de um paciente já irremediavel-
análise da ((essência» da culpa (culpa e ((censurabilida- mente condenado á morte. no caso de existir o perigo
de>>), chegou ã conclusão de que o agente de um delito de através da alta dose indicada, ser apressada a.
só terá procedido com culpa quando tenha tido a m~ite do paciente? Na medida em que nos mantivermos
consciência de praticar um ilícito ou pelo menos tivesse apegados à lei penal e à sua «interpretação>> tradicio~al.
podido adquirir tal consciência «Se fizesse o esforço temos de reconhecer o seguinte: o encurtamento da vida
devido» - uma solução tão simples como satisfatória já conscientemente «aceite» ou «dado de barato» (porque
proposta antes por vários autores na ciência do Direito prognosticado como altamente prov3.vel) é um acto de
penal e que depois tambem o legislador penal aceitou homicídio doloso (voluntario). que em todo o caso pode
com esta formulação ainda mais simples: «Se, ao ser punido com uma pena mais branda quando possa
cometer o facto, falta ao agente o conhecimento de que estar ligado à (<solicita~ão expressa e séria» do paciente
pratica um ilícito, age sem culpa, quando não tenha tido morto ( § 216 ); a qual solicitação de resto talvez não
possibilidade de evitar este erro. Se o agente póde evitar possa ser vista desde logo no apelo usual: ((senhor
o erro, a pena pode ... ser reduzida» ( § 17. do Código doutor, ajude--me !)) . E também e duvidosa a existência
Penal). O BGH considerou expressamente como sendo de um erro invencivel sobre a proibição por parte do
sua tarefa «descobrir e aplicar, pela via heurística médico que provoca a «morte misericordiosa)). Mas
judicial. aqueles principios jurídicos que asseguram a repetidas \'ezes surgem casos nos quais a primitiva
actuaçào do principio da culpa e se conformam à apreciação prima facie de Direito penal é sentida como
essência da mesma culpa». Sim, numa passagem (sob insatisfatória, .sim, mesmo como desumana. E por isso
V) aquele Tribunal declara mesmo que, na busca se procuram pontos de vista que permitam, por um
judicial da regulamentação legal «em falta n se trata de lado. considerar a regulamentação legal como «la-
«princípios juridicos - anteriores a qualquer norma cunosa» e (<carecida de complementação» e, por outro
legal - que resultam necessariamente da essência da lado. rectificá--la de um modo satisfatório. Como tais
culpa)). E, pois, uma espécie de (<direito naturab~ que pontos de vista podem referir-se (em pou~aS-P~i.Cl~ãS[: -
assim é proclamado. a~ü-tOriomia do paciente qU.e está a morrer-1 a yq_ç,íiǪ9
~~:__ ~~~!_i:_ q~i~ermos co_nfrontar com~este :_x_ernplo, im-Utiiêlõriai da- profissão médica, que é ajutjar_ a~e
q~~-~ um ~xemplo ~<histórico» no duplo sfntido._acima com a-s -suas medidas médicas, mesmo qu~ndo _a -~s1ª5
definido. um problema de lacuna «actual>>, candente, e v~ãO- tiiadOS-Certõs riscos, a (<razo3.vel)) pÕ-nc!i::r~ç~~ ~~
~in:~a flão definitivamente resolvido.. s_erve-no_s_ ·pa_i4 ·_Q_ r~te-~es·ses (logo' de novo o «estadq de necessi~a<!e
_efeito um singular grupo de_9asos do domínio do a!:!-_xilio_ Supra-legal»!), o afirmar-se da moral (da moral da
302 303

compaixão) perante_ e_~J.g~J}~i.'.!§ __e~çessivamente rjgo- 20. que. na falta de normas ex: pressa ou analogicamente
rõ;"~~lldanç~ --d~s concepções m_un_çíjvl_den.ci~e aplicaveis. a decisão deve ser retirada '.(a generalibus
ir_fil·
religiosas. ·a ·nêceSsidade d~_ j~lg;·rnento particular iuris principiis cu1n aequitate canonica servatisn. O
J;;S.«criffiinosos por convicçâçi)). a_ consid~~­ artigo 38 do Estatuto do Tribunal Permanente de
«dignidade humana» reconhecid3 na ~eLf\1.p_d.-ª.._m_~tª1 e Justiça Internacional da Haia invoca os ((princípios de
iffiPofldoqtie~·sernpre -q~e-po;sivel. nàO--Se- .de-~:ite--G- Direito con1.:orde1nente reconhecidos pelos Estados civi-
homem expq~to a um fim Hrep'ugnan~e».;,._~Jf-~- __ _ lizadosn. f\tlas o principio que alcançou uma particular
Se agora reconsiderarmos· e indagarmos em que celebridade foi o do artigo 1 do Código Civil suiço,
medida, para alem da analogia. âo argumento a contra- princípio esse que ja re1nonta a ARISTOTELES (Etica
rio e argumentos semelhantes. é possível trazer à Nic. V 14): «No caso de não ser possivel descobrir na
colação máximas e «topai» da espécie das acabadas
1
lei qualquer norma, o juiz deve decidir segundo o
de referir. que se apresente~ como juridicamente Direito consuetudinário e. se tambe111 este faltar. segun-
reconhecidas ou pelo menos discutíveis («defensá- do a regra que ele. como legislador, estabeleceria,
veis•)). encontramos na legislação (como directivas seguindo a doutrina e jurisprudência consagradas)).
gerais). na jurisprudência e na doutrina. além das já Temos que nos abster de focar aqui a questão de
mencionadas figuras jurídicas e figuras de pensamento saber de onde procedem propria1nente todos estes prin-
(essência da culpa. estado de necessidade supralegal. c1pios relativos ao preenchitnento de lacunas e em que
instituição) declarados como cri te rios relevantes ou relaçào hierarquica se e-ncontra1n entre si {se. v. gr .. na
determinantes ainda os seguintes: os princ1pios gerais falta do Direito consuetudinario e da analogia. se deve
do direito. o espirito da ordem juridica. as valorações recorrer priineiro as valorações da camada dirigt:nte e
da camada dirigente. o •~direito justo», o direito natu- so depois aos princ1pios gerais do Direito, ou inversa-
ral ou a «natu_reza das coisas>~. «o meio justo para o 1nente. e ainda se a valoração pessoal do juiz tem u1na
fim justo>>. muitas vezes ainda (nom:eadamente no ünportáncia priinária ou apenas deve constituir u1n
circulo dos sequazes da Escola do Direito Livre) a ultimu1n refugium ). Ela é uma questáo fi!osófico-juridi~
«valoração própria e criadora do juiz». A própria ca por exceléncia. Frequentemente fundamenta-se a
legislação tem-se sentido frequentemente iffij)eJiaaa----· competéncia do juiz para preencher as lacunas e a
-o
reffietei..Paia eSia ou aquela mâxiilla, para ·c"ªs(; do legitimidade deste ou daquele metodo de as coilnatar
àparecim--ento ·cte lacunas. Para os 1<principios gerais}) num poder especial conferido por lei ou no Direito
remete~ª ja o. Õi-~eilo Provincial Geral da Prússia. na consuetudinário. e especiahnente ainda na posição
Introdução. ~49. e o Projecto do Código Civil. S 1. lradicional do juiz - o que sem dt.ivida constitui urna
fazia-0 para o <(espirito da ordem juridica)). O Codex solução positívista da questão. Ao te1na do nosso livro
iuris canonici de 1917 igualmente determina, no canôn apenas pertence o problema de saber quais as ope-
304 305

rações mentais a que as citadas fónnulas nos obrigam. -jurídicos que nós agora não podemos seguir, pois não
Mas também este problem,a é tão complexo que temos podemos of erêéer--aqüíqua1qUer íógíêaºd.O~DTréftÕ~,nãtU.._.
que nos contentar com indicações esquenláticas. Con- rãL -Pelô contrário, na medida em que o preenchimento
fonne o grau de abstracção dos charnádos «princípios ~daS ·"iaCunas recorre a valorações historicamente dadas_,
. do ordenan1ento juridico)), 1 assim resulta uma diversi- aplicam-se-lhe aquelas considerações que no capítulo
dade de fórmulas. Trata-se de principias dotados de anterior dedicámos a valoração judicial ((objectiva»
validade geral, ou deve perisar-se antes em princípios (feita com base em valorações previamente dádas ).
histórico-concretos, pertencentes a uma ordem jurídica Aqui transparece de novo, em todo o caso, que os
<<individual» ?- 10 J. I;: claro limites entre conceitos normativos e cláusulas que
""'-•'-•----··-- qlle
\
um preenchimento
-- -·---~d.e remetem para valorações determinadas (<,ofensa dos
lacunas segundo os principips juridicos._ggrª_is__.g.u
SêgUndo o «Direito natural» te{11 em-vista,_ eq_i. PJi!lleira bons costumes>), e. g.), por um lado, e os princípios do
ILnha, princípios jurídicos absol~tos, de va!!.~~iihi_-­ preenchimento de lacunas, pelo outro, se diluem, pelo
!~tamen_te _geral, º!l p~e1º JJJC_po_s máiima§ .roõ:ri<U_s__.gimo que também os limites entre a descoberta do Direito
o pflílcipiÓ dã pon~eraç~o e confronto do~ ~~e,!ls~sf_e.Y.e.,:. secundum legem e a descoberta do Direito praeter
res juridicos ou o princípio do <•meio justo pa1:a_o_fim legem se nos revelam pouco claros. De especial inte-
juston, cujo conteúdo pode então ser reconduzido s~;­ resse metodológico são, porêm, as máximas formais do
diiVTua:, a pãrtiCulãi-e.S dadOs h!§~Qricos. ÃõêÜntráriOas preenchimento de lacunas, como o princípio do meio
fàímülaS que Se fcferéril' áo «espiriW ,j'; ordem juridi~a>> justo para o fim justo. ou o princípio da ponderação e
ou, ainda mais claramente, aquelas que se referem as confronto dos bens e deveres jurÍdicOs. ou a <dei juridica
~<valorações da camada dirigente)), remetem de modo fundamentab> estabelecida por SAUER, que fixa como
inteiramente imediato para principios apenas histo- critério de orientação a «maior utilidade possível para a
ricamente válidos. Se recordarmos de novo os nossos co1nunidade estatal. um proveito maior que·o prejuizo>).
exemplos, haveremos de ·considerar a solução dada ao Pelo que respeita ao principio do meio justo para o fim
problema do erro sobre a proibição - não obstante a justo, que, por exemplo. Eb. SCHMIDT. na esteira de
sua discutibilidade - como uma decisão de \'alidade certas ideias de STAMMLER e GRAF zu DOHNA,
geral. ao passo que a solução do problema da interrup- recomenda como meio de preenchimento de lacunas (e
ção da gravidez por indicação ética se apresentará antes fá-lo precisamente também a propósito da interrupção
como uma decisão condicionada por valorações histo- da gravidez por indicação especial), e evidente que ele
ricamente variáveis. f.el9. _gu~ -~~~peita agora ao preen- exige, além de considerações puramente teleológicas
c~i_n1e~~?-de. lacunas.. através do recufS'õ _-á -~id~ sobre a aptidão de uma regulamentação juridica para.a
Q~~-~~í? ... ~-~t~~I, __dir~rrios _,q_ue Q pensam~n_to_ji.irídico realização prática de determinados fins. uma valoração
envereda abertamente neste casi;> por trilhos -filosófi-W- jurídica, moral ou cultural tanto do próprio fiin como do
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meio de' que se lança mão para o atingir. O princípio da algo de semelhante se poderia dizer a respeito da 1dei
ponderação e confronto dos bens e deveres, que já apa- juridica fundamentab> de SAU ER.
rece na literatura jurídica do século passado, por exem- Mas tambem a fórmula do Código Civil suiço
plo no Handbuch des Strafrechts de BINDING, de levanta problemas muito delicados. E1n que medida.
1885 (p. 760), foi aceito pelo Tribunal do Reich na sua por exemplo, deve o juiz. que se ha-de comportar como
jâ mencionada decisão sobre a interrupção da gravidez legislador, apoiar-se na sua concepção eminentemente
por indicação médica (RGSt. 61, pp. 242 e ss.) e ai pessoal duma legislaçáo acertada, e em que medida
formulado da seguinte maneira: «Em situações da vida deve ele esforçar-se por manter u1na ligação com o
nas quais urna acção que preenche exteriormente o tipo legislador histórico? Segundo que princípios actua afinal
legal de uma espécie criminosa é o único meio de o próprio legislador na descoberta do Direitoº? Recen-
proteger um bem juridicp ou de cumprir um de\:er temente o jurista suiço A. MEIER-HA YOZ dedicou ao
imposto ou reconhecido pelo Direito, a questão de artigo l, ai. 2. do Código Civil suiço um extenso livro
saber se aquela acção e licita, não é proibida, ou é com o titulo: H Der Richter ais Gesetzgeber)) ( 195 l ).
ilícita deve ser decidida com base no valor relativo que Para ele remete1nos o leitor. O problema da descoberta
· o Direito vigente reConhece aos bens juridicos ou deve- do Direito pelo legislador. o problema da «1netodologia
res em conflito)) (p. 254Y 11 J. É patente que esta fórmu- legislativan. constitui por si um do1n1nio problem<itico
la, além de considerações práticas. além de conside- próprio e extenso a que aqui apenas nos podemos refe-
rações técnicas (qual a gravidade do perigo que ameaça rir mas em que não podemos entrar.
o bem juridico, em que medida é necessário sacrificar Finalmente. pelo que respeita a «valoraçãq p_e_~oa!
um bem ou um dever'!), exige também genuínas .valo- do juiZ». considerada por muitos jurista~: 9~~tro e_ Í'?r~
rações (qual o bem, qual o dever que é mais elevado e dà ·Escola de Díreito Livre, como meio do preenchi-
maís importante?). Estas valorações, por seu turno, mento de lacunas. depoi.S do que sobre ela dis_s~1nos no
hão-de então eventualmente apoiar-se de novo em capitulo VI nada mais precisamos de acrescentar aqui.
quaisquer critérios de valor (<objectivos». O Tribunal do A questão decisiva será sempre a de sabe_r ~m ~que
Reich procurou uma ligação com o «Direito vigente», medida <1a valoração pessoal)) é entendida como uma
considerando que das molduras penais do Código Penal déciSão efe-ctivamente pessoal. subjectiva. e em gue
se poderia retirar uma qualquer indicação sobre a valo- medida ela e uma decisão que encontra ?POlO em
ração relativa dos diferentes bens jurídicos. Assim, por critérios objectivàs. Na duvida procurar-se-a, no preen-
exemplo, como o assassinato (homicídio qualificado) e c1limento de lacunas. uma decisão objectiva.
o homicídio simples são punidos mais severamente do Permanece ainda por tratar a questão de saber se.
que o aborto. isto mostra que a vida duma pessoa apesar de todas as descritas possibilidades de uma des:.
(nascida) tem uma cotação superior à da vida do feto. E coberta integradora do Direito. não haverá casos nos
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quais não seja possivel uma colmataçâo das lacunas. decisão arbitrária. Em geral. todavia. um tribunal não
por outras palavras. se. alem das lacunas do Direito tem competência nem é designado para proferir uma
positivo, não haverá finalmente lacunas da Ordem decisão segundo o arbitrio ou segundo pontos de vista
juridica global. Também esta questão é mais uma de oportunidade apenas. O Tribunal Federal. no seu
questão filosófico-jundica do que uma questão metodo- parecer sobre o problema da igualdade dos sexos.
lógica. _A propósito observemos muito breve1ne!lte q!J..e declarou como incompatível com a divisão dos poderes
de facto podem ficar em aberto lacunãs insusceptiyeis (do Estado) o facto de o juiz, para se desempenhar da
de preenchimento, que o dogma da «plenitude do «sua tarefa de, em caso de necessidade, descobrir o
ordenamento juridico)}. tal como_ foi descr_ito__ p_q! Direito mesmo para além da lei», <(em vez de o indagar
_STAMMLER (entre outros), segundo o qual «Pa-ra através duma simples desimplificação (sei. de um
cada questão juridica há-de ta1nbém ser sempre P9ssive1-, principio jurídico) o procurar estabelecer através de
encontrar uma resposta». não é absolutamente válidõ. E actos de vontade, segundo pontos de vista de prática
verdade que vale em geral a conhecida proibição -aa conveniência)}.
denegação de justiça, 'que achou a sua formulação Nestes termos. portanto. não existe uma plenitu_de
clássica no artigo 4 do Code Civil francês («Le juge qui (fechaillentõj-da ordem jurídica qÜ~~ ~ii_a_iô"g.i;a- e
refusera de juger sous pretexte du silence, de l'obscurité teOrefico-jiirtaicaineilté··nece-SSárla. Todavia. sempre é
ou de J"insuffisance de la loi pourra étre poursuivi verdade-que - a plenitude da ordem juríãfca PõJé--S-e"i-
co1n1ne coupable de déni de justice»). Esta proibição rriahcida como uma iàeia {<rcgulativa»·, conloUrílZ(P]:in-
obriga o juiz a dar a toda a questão jurídica ·uma cipio da ·razão que. enquanto regra. pOStllla ··? .q_uc_ da
resposta. Mas ela não é válida a priori: seria na ver- nossa parte ... deve acontecer. e não aceita o que no
dade conceb1vel que o juiz tivesse o poder de. em casos objecto ... ·nos é apresentado como um d_áQo __ eiTI si»
de lacuna. recusar a resposta. Acresce que nem a pro- (K.A..NT. "Kritik Der Reinen Vernunft, Transz. Dia!.
pósito de todas as questões juridicas se acha designado Livro 11. 2.a parte. secçào 8.~). O que de nós se exige é
um tribunal para a solução do conflito. Pensemos tão-só que. segundo as nossas fÓrças. a todas as questões
nos litigios de Direito pUblico e nos de Direito interna- juridicas respondamos juridicani.ente. que colmatemos
cional. A ampla competência do nosso Tribunal Fede- as lacunas do Direito positivo. na medida do possível.
ral Constitucional é tudo 1nenos uma questão claramen- através de ideias jurídicas.
te definida. E mesmo quando um tribunal seja chamado
a decidir e seja obrigado a fazê-lo, isso não quer dizer II
que a sua decisão possa ser suficientemente fundamen-
tada a partir de principias jurídicos. que ela seja. Ao lado do principio da plenitude do ordenamento
JX>rtanto, uma decisão de Direito e não urna simples jundico cabe situar o principio da unidade do ordena-
110 ]li

inento jundiço... ~Este principio pode conduzir-nos ao de regimes poltticos. surgem normalrncnte discrepàncias
segundo grupo de questóes que nos propomos tratar entre a antiga e a nova situação jundica. Foi o que nós
neste capilulo: o das questões pertinentes á correcçào cxperünentainos profunda1nente na Ale1nanha- nos anos
da Direito incorrecto. E verdade que a importância da de 1918. 1933 e 1945. Os tribunais e outras auto-
1j nidade da orde1n jundica se estende muito para além ridades estaduais tivcra1n de aplicar 1nuito esforço ao
deste co1nplexo de questões, mas em todo o caso tem esclarecimento da questão de saber quais os preceitos
ta1nbé1n sobre ele uma profunda incidência. Com efeito, do antigo Direito que . poderiam ainda harmonizar-se
u1na das faces do principio da unidade é justamente o com a nova situação juridica. e quais os que não.
postulado da exclusão das contradições no seio da Assim. após 1945. houve frequentemente que verificar
ordem jurídica. As contradições apresentam-se como se as regras jundicas que o legislador Hprê-constitu~
erros ou íncorrecções.. _se bem que ne1n toda a incor- cionah> tinha criado ainda seriam co1npativeis co1n a
recção precise de ser, irl.Versamenti:.-unra-cOntradicão. nova ordem do Estado de .Qireito e com a Constituição
Mas comecemos agofa por tratar daquelas incorrec~ôes de 1949. Neste caso. dificuldades particulares surgiram
que aparecem sob a fonna de contradições. (Sobre motivadas pelo facto de as contradições entre o antigo e
outras incorrecçóes falaremos adiante, secção Ill). o novo Direito ne1n setnpre poderem ser apreendidas
~~ c~_ntradj_<:,<'1..f!Ln~ Qfg_ef!l juridiç_ª ·=--R91.I~Q~.9_e com base ein regras juridicas firmemente definidas. mas
simpliciOade volta1nos a partir. do Direito _/egislado---- apenas resultarem do Hespirito» da antiga e da nova
s~o de especie diferente. Por u1n .la.do, ~ e.rn" par__alelo ordcrn. ,"+ _

co1n a .classificação das lacunas em primárias e secun- Isto conduz-nos ja a questüo prin~ipal. que ê a de \(J
d.'.irias, pode.mos distinguir também entre contradiçõe~ saber que estrutura pode ter urna contradição no seio da) ' ~
prin:i~r~as ~-- s_ecundarias, cp_nforme a coãtr11dição"'Põdia orde~ jurídica. s:gundo __ ~:._n_;o. ?_lj_dcn~:_ii_s~i:!g!!i.r:_~s.. \ :"'~.\.-,,.
s_er top_a?a desde _o inicio nu1n coffiplexo ·de- rf:-gfas seguintes espécies de contraéhções,__cada utna das _quais i ~·
juridicas ou so ôiais tarde-Velo- à ser ai últroduzTdã.-E.~te t~m o seu_ alcance particular e .o_seu pariicu!ar signifi- l r·
último c·aso e. muito 1nais frequente que o pr-in1eiro. Na c_a~o met_odolOgico ---:- Jl tr_atar _?quj_ t_a111bcrp_ caso~por
verdade, a hannonia interna de um complexo de normas _Ç.ãso .- i 1 ~-)~ - -

posto em vigor uno actu é, na maioria dos casos, l) Contradições de tficnica legislativa. Estas
objecto de cuidados que sào coroados de éxito. Ao consistenl. n-<i" verdade. numa -fálta de~ uniformn:rncte-cta
contrário. tàcilinente acontece que um legislador, ao terminologia ·adaptada pela lei. Assi1n.--p~r e-x-e.~P1ó. o
editar novas nonnas, não "se dê conta de uma contradi- cÜJic-eitó de funcionário _!lo Direit_9. pú_b_l_ico -não é
ção com normas individuais preexistentes no todo identíco ao coflceito de funcionário em Direito_, penal.
juridico 1nais ainplo e1n que ele insere a nova regu- Pode alguêm ser funcionário em sentido J.uridico-·~;nal
lamentação. E, finalmente, após as subversões e quedas sem que o seja em tennos d~ Direito público. De igual
JJ] 313

1nodo. conceitos coino o de ((coisa». (iposse». (<erro)). mente a substância do Direito. Diversaniente são sob
«publicidade)), (<negligência», «excepçâo)>. têm nas este aspecto muito importantes:
diferentes normas jurídicas diferentes significações. 2) As contradiç6es normativas. Estas consis_-
Fala-se aqui de uma «relatividade dos çoncei~Ji iuri- tem em ~a-êOõdula rn-ãEsiraCto Oti:in-conciêtô ·ãj)a.~·
~>.~À.-Ürdfm jlií\4ic~_· «é~ige llma_y~~i~_sâ~ ~l!!.Qiyi­ recer ao mesmo. tfmpo corno prescrita e_ ~ão P.!~Wta,
dU"ãlizante dos ConceÚçs com vista à sua adaptaçâCt-ªº pÍÕíb1da eõãô" pfÜibida. oµ até...como-prescritaHe..proibi-'
sentido p'ârticular da ~eter~inação do Direito em cpn,. da. ~-Como eXemplo apresentaremos apenas o caso,
~iTIUitàs vezes referido, em que uma ordem jurídica
ereto» (GRÜNHUl_'}. Assim. por exemplo, o conceito
de ((negligêncja)) é interpretado no Direito penal duma prescreve a obediência incondicional às ordens dum
superior e, ao mesmo tempo, proibe a prática de certos
maneira. diferente. ou seja, dum modo mais conéreto do
actos puníveis (matar, privar alguém da liberdade, etc.).
que no Direito civil, porque a punição exige, na
Quando um superior ordena o fuzilamento dum prisio-
determinação da culpa. em grau mais elevado do que a
neiro de guerra. o subordinado vê-se em dadas circun-
indemnização equitativa dos . prejuízos. uma conside-
tâncias encurralado entre duas nonnas contraditórias:
ração de todas as circunstâncias concretas. Por isso, um
uma que o obriga a obedecer ao comando sem ripostar
médico poderá em certas circunstáncias. alegar com e outra que lhe manda abster-se de matar intencional-
êxito no processo penal falta de aptidão, sendo absol- mente um ser humano. Ê claro que uma tal cong:;idiçª-o
vido da acusação de ofensas corporais por negligência, normativa tem de ser rerncwra·anYi~-~.. --· --- .
e todavia ser condenado em processo civil a perdas e Tratando agora da elírriiflâção de tais contradições
danos por ofensas corporais voluntárias, por não ter (conflitos), imediatamente verificamos que mui~as con-
correspondido áquilo que dele <<as pessoas» podiam tradições normativas são apenas aparentes., E o que
legitimamente esperar, por ele - como se exprime o podemos afirmar todas as vezes que. a uma interpreta-
§ 276 do Código Civil - não ter usado do «cuidado Çao correcta das normas que prima facie se contradi-
exigido nas relações da vida»_ Como já vimos no zem e da sua interrelaçào, se mostra_,_ logo, que i,una
capitulo sobre a <1 Interpretação e compreensão)), os delas deve ter precedência sobre a outra. A Jurispru-
conceitos recebem o seu conteU.do e alcance do cofltex- dência, com o decorrer dos séculos, elaborou a este
to em que, ~m ~ada-~~So,- se ins~íem:-espe·ciafrílente do · propósito uma serie de regras que servem para hanno-
contexto normativo e teleológicõ. Desta forma, a Unlvo:: nizar as normas e, portanto, para evitar os conflitos
cidàde -da J(ngllagem jurídica tem. de subordinar-se à entre elas. Na base de todas essas regras figura como
relatividade material. Mas esta «relativização do dogma «postulado;; o princíPiO d3 unidad~ · e da coerência
da unidade e da coerência (ausência de contradições) (itUsência de contradições) da ordem )uridica. As regra~
da ordem jurídica» (GRÜNHUTJ não afecta propria- deste tipo dizem ni.3is Ou ~e-rios o seguinte: a norma

314 315

especial tem p-recedência sobre a geral («lex spe,E_alis rias, não for possí_v~ destaç_ª-_r_l)ma _como a «mais for-
dC!ogai Tegi ienerali» )_. ou:- a- -norina Supeno-r· ·préfere à (é)>, como a uflica vàlida e decisiva, então. segundo..a
infenor («lex superiõf derogat legilnfériori;> ),.~ou .ainda: üPin.ião- -domi~~l~ - -que é também_, Qufllii_ITH:ln~ira
a norma poSterior tem pfecedênci3~Sõbíe .MQ[J;a. ;;re_ -geral. a opi'nião ãCeítadá--=--.-as·n_Qffií.ilS--Q.ue ..entre si se
riçr (<~lêx postérior ~ei:<Jgat _legi p_riori>~J. -~m todo o êontradizem entfam ·eÕ) ç~nfl.itg umªª'----com.. as oulras e
caso, êsfãS "regras· não são uma evidência lógica. A sua ·surge 1:1 c-h.arriaçl~ç_fill~_j;le_co!isãop,~"-que-deve- ser
fundamentação· poderá mesmo por vezes topar com cbllnatada segundo os. pri_ncipios_ gt;rai~ l:ͺ preenc_hi- _
dificuldades de ordem teórica. É o que facilmente se ffiento de lacunas. E ãqlli vemÕs CômoõSPOstuladôS aã·
reconhece a propósito da última regra, pois tempos Cô"erência (ausênciâde contradições) e da plenitude da
houve em que se conferia preferência ao Direito ante- ordem juridica se encontram um com o outro.
rior sobre o posterior, porque o Direito antigo era o 3) Contradições vaJorativas. Designo por esta
bom Dire_ito. Deixemos, porém, de parte a justificação expressã...~ ~que.las contÍadiçõ"es n~ seio da ordem jurí-
te_~~é.tica des~3:$: regi:ª!·. t.!f~-""!!º.§ ~ª'·IJJ.ªª em. abêrtõ. o.pm,. dica que resultam de· ó Íegislador -:-:- e.rnPorã_ isso o n~o.
b!~ma da~ relaçõ~s int~~~~ -~-~~~ _~-s~ ~es_~!is_'. Assim, leve a cair directãrri.ent~-~~~- Co_ntr~?_i_ç_ões ~~rmati:ãs :-·
pergunta-se, por exemplo: também a norma posterior de se não manter fiel a uma valor_ação por e!~ prOpno retI;-
escalão mais baixo prefere à norma anterior de escalão li~adã~-Ré~~r~am~s já de novo a alguns ex~~plos. O
rriais elevado? Vale aqui a regra da /ex supen'or ou a da Ílosso Código Penal condena naturalmente com maior
/ex posterior? Neste livro apenas podemos pôr a severidade o homicidio voluntário do que a voluntària
questão, mas não tratá-la. A teoria do «concurso» de exposição duma criança ao perigo de mone através do
diferentes preceitos legais, Cõffi\;iSta--a ·eltmfnaÇãé> dãs enjeitamento. Em contradição com isto, porém, pode
aa
contradições aparentes no seio OrdemjürTctica, foíffia com base nas disposições vigentes acontecer, no domi-
ui:na· parte integi-ante da do_~~tica do Direito. A este nio das relações entre uma mãe e o seu filho ilegítimo,
contexto pertence também ,o problema, muito versado que o <dnfanticidio>}, ou seja, a morte voluntaria da
nos Liltimos anos, das ~<normas da Constituição incons- criança n<;i momento do parto ou logo apüs o nasci-
titucionais», ainda que tào-sô parcialmente: na medida mento (S 217),··seja punido menos severamente do que
em que se julgue poder distinguir, dentro do complexo o enjeitamento feito, sem a intenção de provocar a mor-
global das regras constitucionais, normas de diferente te, imediatamente a seguir ao nascimento, desde que a
força, fazendo-se então aplicação das regras da supe-rio- criança, em razão do dito enjeitamento, venha (sem que
ridade e da especialidade. Para concluir devemos acen- tal haja sido querido) efectivamente a perecer. Na ver-
tuar que o caso de uma contradição insanável entre dade, a punição fundamental e a mesma: prisão maior
normas há-d.e ser deveras raro, mas não inteiramente de não inferior a trés anos (~217, aLl, §221, al.3).
excluir. Se. _de en_~re _y_aj"i_as f!Ormas ~ntre si contraditô- Todavia, em relação ao infanticídio, e diferentetnente
!'
316 JJ?
1

do que acontece com o enjeitamento que resulta em decisão citada (RGStr. 68. pág. 410). di;_d'!f~ «Esta
morte da criança e;spost:a-;--podem ser tomadas em ccifúrãdição, que resulta da lei, não pode ser removida
consideração circ~lls-tâncias atenuantes. o que pode ter pela jurisprudência>). E. de igual modo, também a
como consequência uma redução da pena até seis meses contradição no tratamento da tentativa nos casos de
de prisão simples (:'§217, al.2). Que existe aqui uma ofensa corporal e de dano patrimonial não pode ser
contradição, também o reconheceu o Tribunal do Reich afastada pelo juiz1 151 _ Todavia,_ cada _contradição yalo-
(RGSt. 68. pág. 410J 1 ~). Como contradição valorativa rativa imanente deve cOõStíiuir uffieStirn!!l.ó.ª""-qU_ecl'eri-
podemos considerar ainda o facto de (do ponto de vista fia.~_;~~s· ~~idactoSa~.te- ;~· -~-l~""'"n~~.~~derâ .,~J .•ilirni-
do própriq legislador), nos delitos mais graves de ~àaã itraVés da ~~e nica _da !n_temi:et!!.çªq~
ofensas corporais e de privação da liberdade (ver as 4) Contradiç_~l_Qg{c~stas .. são IDJIÍS-.-@f~.­
penas cominadas pelos !i § 223 e 239 do Código Penal j, Elas aparecem s_empr_e que a __ rel~ç~~_de -~eio_ .~!!1
a tentativa não ser punivel, ao passo que já o é no delito e~tre as normas se não verifica~mas deyerii ygriftçar-;-â_e ...
menos grave do dano patrimonial ( § 303 ). b legislador visa com determinadas normas deter-
A respeito destes casos podemos di_zer_ ~ue _o minado fim; mas através doutras normas rejeita aquelas
legis1ád~~e-póe emCõflílltO-~c;m as·s-uas·propri;~;ãJº_ medidas que se apresen'tam como aS únicas capazes de
rações. e que, portanto, a contl-adição ;ã1Õrativa é uma servirem de meio para se alcançar tal fim_ Talvez se
COniraafçãO -iittanenie. Distas· hipõt"êses haveIDOs·-aeter possa localizar também aqui o caso em que o legislador
o cuidado de distinguir aquelas outras em que as valo- prevê determinadas medidas, mas depois adia a pro-
rações do legislador se não harmonizam com as nossas mulgação de novas normas. necessárias para que lhes
próprias valorações. com valorações nossas que são seja dada execução. Um exemplo desta última espécie
COITIO que trazidas de fora~ Opostas <i Jei - a hipótese, oferece-no-lo o ~ 28b do Codigo Penal de 1871, que dá
por exemplo, de nós considerarmos as penas cominadas a autoridade encarregada da execução das penas a
contra as ofensas a honra como inadequadamente possibilidade de permitir ao condenado a amortização
reduzidas em confronto com as penas cominadas contra de uma pena pecuniária através da prestação de traba-
as ofensas à propriedade e ao património. Como togo de lho livre, mas que nunca foi complementado através
inicio observámos, neste lugar apenas nos ocupamos duma «regulamentação mais precisa». conforme se
das contradições valorativas imanentes. previa na ai. 2. Em todo o caso, em vez de falar aqui de
Quais as exigências que estas fazem a técnica de uma contradiç~i'O-~jJôdemos ·ralãt-ailteS dütríã- fãCúila
aplicação do Direito'.' Diferentemente _das verdadei_ras juridica insusceptível de preenchimento. -Ma_s na atitude
contradiçàes normativas~ ciüê' d-e forma -a1gUITiãP9d~m~; glob3.1 do legislador não deixa de ver~~~ili~~ü_m.a:._ç~ctã
deixar subsistir. as contradições valoiãtiv~S-tém __ em Coiítractiçãó teleológi~~· ·As __ coittradições teleológicas
geral que ser aceitas. Assim, o Tribunal do Reich, na
-· - - -,,__-~~-· --,---- ~%-
l=!"O~~~t ein ceriOs.CasOs, cOnverler~se ê!fi. Côntfã:ct!Çõef
318 319

normativas. e entào_haverào de ser tratadas corno tais. ponto nos parece _suport<iveL se se trata em certa
l'';rõS o~tros casos. porem. -terão de se~ s~~rtadas,'º"1á1 medida de u1n ~o;:;;·pr~r~iss; ~1;Pr~e-nsivêlentr~dife~
como as contradições valorativas. Sobre o nosso exem- rentes ideias fundarôentai·s. ja:- tCm -.uni:pe"So mats_iO:Có-
plo do S 28b do Código Penal convem-se unanime1nen- 1Tiodo aquelas conlradiÇóes e~trc princ-1pios q~e --resul-
te em que esta disposição não tem qualquer eficácia iain -do t'âClo áe ã o·rdf1n-·]'uildi_êa :g10PaLS'onsi~tír .. n.a-
enquanto faltar--a---tal- «regulamentação mais precisa». rTiaioria dos casos, em ~i_fer~ntes ca1'J!_a~s__gu~- s.:_ v~o
5 ~ __ Ço11iradiç6es de pr:i~.EiEJ~1 ~rii_ J;.!a,s. ~<!9. Jr~­ -sobrepondo no decurso da evolução histOrica_Ç_o Direítü
quentes e. dentro de certa medida, inevitáveis. Por ·e nas quais vào encontrafldÔ éStr;titicação .princ-ipios .
cüntfadlçõcs en"trê_._P~inr_:ip~os _e~~e.rido_ ~~i~~!;;.--~deJftf.~ diferentes. O espirita da Jeiislaç<lÕ es-ta si.i]Ê:itÓ ·a Íraris-
rilonias que surgem numa ordem jl!ridica pelo faf~O 9~, formaçóes ora graduais. ora abruptas e revolucionárias.
na constituição desta. tomarem parte diferentes ideias Mas a lei enfonnada pelo antigo esp1rito permanece
fundamentais encre as q0:ais se podç_ e~St~e~Ce_f~~ com bastante frequéncia em vigor ao lado da lei nova.
conflito. Desta forma. no Direito alemão das Ultirnas dêcadas, os
Tornemos de novo um exemp!o simples do Direito principias do Estado de Oireilo libera! e _os~do. EstãdÕ
penal. Por um lado, domina hoje a tendência para fazer totalitário nào so se têrn substituido_uns aos- outros
actuar o principio da culpa em toda a sua possível como ainda tê1n entrado e1n conflito entr~si. No Direjto
pureza - para decidir. portanto, a questão do Se e do economico. o Direito da livre co1npe.tição só gradual-
Como da puniçào conforma a vontade criminosa ou a mente e e1n luta con1 uma economia juridico-estadual-
negligência censurável. Por outro lado, porém. o nosso 1nente dirigida veio de novo ao de cima. _À. cad3. PriSso
Direito penal nào pode ainda afastar-se inteiramente do topamos com preceitos do passado que, nos quadros da
pensamento de velha tradição segundo o qual o resul- nossa actual ordem jurídica. nos aparece1n como con-
tado exterior do facto criminoso há-de ter incidência trarios aos princ1pios. como «corpos estranhos». E
sobre a punição. E assim acontece que, com violação assim surgem contradiçóes da espécie que já acirna
do principio da culpa, uma culpa igual é tratada dife- ficámos a conhecer como «contradiçóes secundárias» ..
rentemente pelo Direito penal em razão da desigualdade Se agora subirmos mais u1n degrau. podcre1nos
do resultado: a tentativa de um acto punível pode ser dizer: Por toda a parte se faze1n notar na ordem jurídica
punida com menos severidade que o delito consumado atritos entre os prlncipios supre1nos de todo e qualquer
(823. ai. 2, do Código Penal) e uma leviandade (in- Direito. designadamente os principies da justiça, da
cúria) criminosa de bradar os céus passa frequentemen- oportunidade prática e da segurança jurídica. Nenhum
te impune. porque <~uma vez mais as coisas correram destes principios pode ser actuado na_ sq_? puíêZa:_~.
bem» e ninguém foi lesado. cte1cs ha-de. em certos c~Sos_ .__ ser _saç_rificado _to_taL ou.
Se aqui se trata duma contradição que até certo parcialmente a outro. ~~~i~~· .P?~ ~x~mplo. a justiça
320 321

exige un1a _g~~d_c <1co~~retizaçàoH._ q_u~~-.9izer. uma (Zweckmdssigkeit) - é nào so um pnnc1p10 iinanente
CoílSTdefãÇão·das circunstâncias individuais d~-P-~~~ê.Sla e mas também um principio transcendente do Dire~to.
·da situação.'~ -segurançà juridica. pelo conuario. exige Quer isto dizt'.!:_: _nós ent~n_<temo_~ o pir~it~. não apen~~
'ú.mii grande abstracção destas circunstâncias. tal como. éomo expressão do esforço efecqya1nen_t_s_~·ei!z p~o
designadamente, precisos limites de idade. prazos de- tegfSlador para realizar a juStiça, p-ara --~~Pº~-~s.
terminados. tarifas exactas. Pode parecer «injusto>1 que perg"ui-itafrnos ~e o pi_-:óp_rio ~g_i~lad2r ~ 1:!!gC!_~"""pa~çia~­
aquele que pratica actos indecorosos em relação a uma ~ílte·-este princiPio -por amor doutros. mas~ -~i_n_da ~º~-~
jovem precoce de treze anos seja punido severamente. ·s-entido de que a justiÇa ·ela mesma ·e .a <iideifl do,
quando outro que faz o mesmo relativamente a uma Direiton pela qu~I _!!?_s __!f cada p_ê~~~_b_ave.1n_os_de
jovem de catorze anos ainda imatura fica impune apreciar se o Direito po_sitivo é ou_ não, digno _Q_e
(~ 176, n. 0 3 do Código Penal). Mas a segurança \;ai idade.
jurídica leva aqui o legislador a estabelecer um limite ' · .. A~tes de entrarmos nesta nova problemática da
rigoroso de idade. «Quem· semeia normas não pode correcção do Direito positivo através do suprapositivo,
colher justiça» (M. E. MAYER). temos ainda de nos perguntar, com referência às con-
~ Mas, na (~~?n~-º-~~_çã9 ~e~is!va_~ entre~~·justi~e a tradições entre principios imanentes, qual a relevância
segurança (RADBRUCH). não se exprime apenas_ o que lhes há-de ser atribuida. Como é que havemos de
dissraíõ entre jUstiça -ê "clareia do Direito, mãS-tãffibém proceder sempre que normas e institutos juridicos se
a -peridência entre justiça e preteÍlsão -âê' Vâlidade -dõ apresentem como intrinsecamente contraditórios. por-
Direito ·positivo. ((A segurança juridica exige a· aplica- - que ocultam dentro de si o conflito de princípios
çào do Direito positivo. mesmo quando este é injusto». jurídicos heterogéneos"? Não é passivei uma resposta
a justiça exige. em certas circunstâncias. que nos afas- unitária a esta questão. Em parte. as contradições entre
temos do Direito positivo: «Onde a injustiça do Direito princípios apresentam-se· Como"-contradíções valorativãs
positivo atinge urn grau tal que, em face dela, a segu- de escalão superior que terão de ser suportadas, tal
rança jurídica. garantida pelo 1nesmo Direito positivo. como as outras contradições valorativas. ,.\ssim aconte-
deixa mesmo de ter relevãncia - num caso destes o ce, por exemplo, com o conflito entre o Direito penal da
Direito positivo injusto tem de ceder o passo à justiça». CUlPa e o Direito penal do reS-Uitado; Outras contradi-
Mas nestas formulações vai implicito um complexo de ê;õeS, Poieffi. são de tal natureza que temos de nos
questões que transcende o problema das passiveis esforçar pela sua remoçàQ. Is_to vale designadament~
contradições. Referimo-nos ãs relações do Direito posi-. para as contradições de princípios entre o Direito an!-_igo
tiva com o Direito suprapositivo. à possibilidade da e o Direito novo, surgidas_ após as _rf'.vol!_.lções: Nos
correcçâo do primeiro através do segundo. A justiça - primeÍro.s ãnõs depo.is do assalto nó poder pelo Na-
e o mesmo se poderia dizer para a conveniência prática cional-Socialismo, foi vivamente discutido o problema
122 313

de saber em que medida estava ainda em vigor o Direito cepções politicas, culturais e morais. e sobretudo ainda
do Estado de \\leimar. basicamente contraditório co1n da restante legislação (<pela qual a regra juridica em
os novos princ1pios. Fizeram-se então especiosas exi- questão corno que se encontra rodeadan. conduzem,
gencias metodológicas com vista a arredar o Direito ate sem a intervenção de uma especial !ex posterior, à
então vigente. Apos__ ?~Q:Q..C_at_:Li:!__d_e 1945. não @e rejeição do Direito contrário aos princípios. isto é. em
deixar de surgiruma questão análoga - de sinal inver- contradição com os novos princípios. O «espiríto da
so. Cla-io. - ·quaf a de-·sabef se iTIUitaS íêgíãS]urid~as nova legislação» exorcizará o Direito antigo. formal,
do ((Terceiro ReichH. contrárias ao renovado pensa- que ainda se encontra em vigor. Nestes termos impõe-
mento jurídico humanitário e próprio do Estado .. de -se, desde 1945, «considerar os limites à aplicação de
Direito, teriam deixado de v_igorar mesmo sem urrl à.etc leis nacional-socialistas como extrinsecação de uma
·esP:ecial -de revogação~· Esta questãÕ-fÜi -esiUd~m cláusula geral que e prOpria de quase todas as ordens
profundidade. por exemplo, no trabalho de WEN- jurídicas civilizadas e que autoriza o juiz a adaptar o
GLER ja acima citado. sob a perspectiva metodológica Direito que lhe e dado às circunstãncias espacial ou
do Direito comparado. Mostrou este autor como, duma temporalmente modificadas)). De novo nos temos de
maneira inteiramente geral. as ordens jurídicas se vêem abster aqui de entrar em pormenores. WENGLER. em
a cada passo obrigadas a assimilar, a transformar e em l949, considera utilizável uma fórmula deste tipo:
parte a eliminar mesmo. ainda que não exista norma ((certas ideias politico-jurídicas fundamentais pelas
expressa, materiais jurídicos estranhos ou tornados quais o legislador hoje presumivelmente se dei.xaria e1n
estranhos. Isto vale não so nas relações ent_re o Direito absoluto conduzir se houvesse de regular a questão. se
antigo e o ffiôderno ·mas~tãfnbem no ~<~on~~;Jo_jn~er­ houvesse de fornecer o criterio de valoração da Jégisla-
-regionah>. quando <(um ordenamento- jurídico. que çâo nacional-socialista». ((Aquilo que não for concilia-
começa por vigorar num determjnad,9 pais. é declarado vel com estes pensamentos ou ideias fundamentais não
em bloco como aplicável noutro pais ou regiào)}, como terá aplicação». Uma forma menos ampla de adaptaçàQ
foi·, por exemplo, o cãso nas relações entre as m~trópo­ do antigo Direito ã "nOv-ã situação jurídica global_ se~~ª~~
les europeias e as colónias. ou entre a Inglaterra_ e os já acima (pág. 147) re"fê:rida «inte..Píetação c_onforme à
Estados Unidos da América. ou entre a Alem;nh~- ~..as Constituiçào)), na medida em que esta interpretaç~? s~
regiões por ela anexadas durante o Nacional-Socia- refira a «Direito prê-constitucional)) e não so o 11inter-
lismo. Limitando-nos. contudo. às relações entre o prete» em sentido estrito como também o «Cornpfef;.ien-
Direito antigo e o Direito novo sob o aspecto das te» ou «desenvolva>} com vista a hannoniza-lo. quanto
nossas (<contradições entre princtpios)>, diremos que ao seu contetldo, co~- os Prin~IPios da Consti~ujç?o _
WENGLER mostrou como, em toda a parte do mundo. agora vigente e com os principias das novas leis_._
as modificações das circunstâncias de facto. das con- , iriterpretando estas de cOnf6rmldãd_e-_c01n aGuC1ãil 11~
324 325

Seja-nos permitido ainda pelo menos chamar a da divisão dos poderes. Ora estes tiltirnos principias
atenção para o alcance dum tipo de contradições entre são. de facto, como o reconhece aquele Tribunal
princípios. Já nos referimos brevemente ao problema Constitucional, principias pertinentes às i(decisões bási-
das «nonnas da Constituição inconstitucionais)). Trata- cas tomadas pela Constituição>}; em especial o principio
-se dum problema com vârias faces. A contradição da divisão dos poderes é <iUffi prin.cipio orgânico da
intrinseca do Direito constitucional, com a qual jâ conta Constituição que faz o lugar duma viga-mestra>). Se o
a formulação do problema, pode em todo o caso ser preenchimento pelo jui?, (em vez do tardo legislador)
das lacunas provocadas pelo artigo l l 7 da Constituição
uma contradição nos princípios. P9:-4~ a_s ~re_gr_asÀa
entrava em conflito, (<numa medida já de todo insupor-
Constituição, que são emanação de _ideias Jundamen-
tável>>, com a segurança jurídica e a divisão dos pode-
fiis, ·entrãr ·em éoriflitQ não só com .regras con.sti_tucio-
res, então aquele artigo haveria de ser considerado
nàis ·escritas (caso em que, a maioria das vez~_s, s~Qt_
como inconstitucional. .. Com isto reconhecia-se a pos-
dUvida, nos podeinos socorrer das máximas da lex SZJPe- sibilidade de a execução prática do principio da igual-
·ri6? e da IeX specialis ), mas também com. ev;ntuais dade de direitos, que não este principio como tal, entrar
princípios gerais, porventura não escritos, da me.~m~ ein conflito com princípios constitucionais, o que have-
Constituição. Na su3 extensa e importante decisão de ria de conduzir à ineficácia de Direito constitucional
18-12-1953, o Tribunal Constitucional Federal teve de formalmente válido (artigo 117, ai. !, da Lei Funda-
verificar a questão de saber se o artigo 117, ai. 1, da mental). E assin1 se pôs em discussão a possível
Constituição é compatível com os princípios da segu- ineficácia do Direito por motivo de ofensa aos princí-
rança jurídica e da divisão dos poderes. Neste artigo pios supremos da mesma ordem jurídica. Mais não nos
l l 7, ai. l, detennina-se que o Direito contrário ao interessa agora. Que o Tribunal Constitucional Federal
princípio da igualdade jurídica entre homem e mulher tenha decidido a questão concreta da ineficacia do
{artigo 3, ai. 2, da Constituição) deixaria de vigorar a artigo 117 da Constituição no sentido de que os
partir de 31-3-1953. Enquanto. pois, o legislador ainda princípios da segurança juridica e da divisão dos pode-
não tivesse regulado as matérias jurídicas (designada- res não se achavam lesados em medida tal que o refe-
mente o direito da familia do Código Civil) afectadas rido artigo 117 houvesse de ser considerado como
pelo princípio da igualdade~ o que só aconteceu em ineficaz. isso é para nós de importãncia secundária.
1957 com a Lei da igualdade de direitos, o artigo 117 Também nào vam(),s referir-nos ~. ÇE_Uj_s~.e'Il__j)f_gfuJJQi..: .~
obrigava o juiz a preencher as «lacunas» que surgissem. d'ilâ"é~~stlftida pela déCiSáÕ P,;r ~!a ter reconhecido a
Mas precisamente isto pareceu ao Tribunal Superior de Possivel nulidade ·de normas d3. Constituição coTit~~:i.~s.
Frankfurt am Main, que submeteu ao Tribunal Consti- -aos principiOs fundamentais. Basta-nos .haver chamado
tucional Federal a decisão do problema, estar em ã~·:a·teriç_.:l.o...para._as consequências possiyeis _das _contra:-
contradição com os princípios da segurança juridica .e ~içóes entre princípios._
326 327

Ili na secção II dedicámos a nossa atenção eram contradi-


ções imanentes da ordem jurídica. Só ocasionalmente
Ao referir-se aos diferentes grupos de casos de top:imos já com co'!!r_í!diçQ_~s_qy_e_<;l_g9;ãhiVêfeniQi.dC'
normas da Constituição inconstitucionais, BACHOF désig,"n<if adeq_uadaffiente como transcend_en~: :_çQlltra-
entre outros, distinguiu entre violações daqueles princi- âlçOes-dÕ birefio POO'itivãm;~t;dado ""c~_p~LnciPigs
pias constitucíõflãis--Ciue téin- uffi C"3.fáCtêrffie7aJ;ê7rte que. e
iía Verdade-. poctem_~ir çfir~CtrízeS Ç"ritérios-para a
Positivo (como e o CaSo, Seni dúVidà~-dõf;ífnCípl~a rnôde-13ção e apreciação do Direito pQsitivo. mas. qqe
divisão dos -poderes, ou o da «garantia do recurso às em si são transcendentes" ao ffieSmo .Direito __ pqsitiv9:
vias judiciais)), expresso no artigo 19, ai. 4, da Consti- tais os princípios supremos da justiça, do bem comum,
tuição), e daqueles princípios constitucionais que em si dã razão de Estado, da segurança jUti<ficâ. dO «bl(elto
pertenceITTa-õl:Jireitõ- <<5úPrâ1egal>~_.--a _-Umâ ~péeiê" de - naturãl», do «Direito juStÜ>;, da «m~ralid~cte~> ; d~
«Direito na.turái")) {cOmo pórventurã o- princiPio da «éonsciência» - ou com~ ciuer que se ch~em _-- De.
iiuã.ldade dos indíviduos perante a lei)_ Relativamente certo que abandonariamoS as finalidades que neste livro
ao «Direito ~P!ª~t::g!I>~~. E~e- ~E_tinguir~~Jlo, nos propusemos se também incluissemos nas nossas
C:Ürlfói-ffie -ere se enCOntr_a ~<QOSitivado» na_ c~Q!! __c;.ou~tj;­ reflexões as questões relativas às relações entre o
tuCional (como acontece CO!ll_O princ(piQ 4a_ig~aldade Direito positivo e a justiça. entre o Direito e a razão de
aCabado de referir, expresso no artigo 3 da Constitui- Estado. entre o Direito e a ética ou entre o Direito e a
ção) ou não {o que no presente momento -·se~ pOde consciencia. No quadro das nossas considerações ape-
afifmat a Tespeito do principio, pos_:sivelmente -~-!>iJei­ nas podemos'. referli--os '"a.Spictos qÜe-felêVãrij_ ~ l~z~ da
to natural, que diz <<não dever verificar-se punição sem teoria da aplicação do Direito. - -
culpa)>)_ E de secundária importância a qÔestão de · Sob este àrigulo de visão. de novo havemos de
saber se ao menos não se poderá integrar o Direito partir do principio da vinculação do julgador â lei.
supralegal não «positivado» na «Constituição não escri- Assentemos no pressuposto de que a interpretação ou
ta>). Com efeito, em qualquer dos casos nos encontra- qualquer outra utilização metodologic·ame-Í!té.âdeqtiada
mos Pi:rante um problema novo, que traiiscCnâe o da ·1ei nos oferece uma determiri_ada solução para uma
problema das «nonnas da Constituição "inconstitucio- questão juridica corno sendo a única aceitável em face
nais)). quando efectivamente se re_conhe_ça àq~eie G.lle. da !ex lata. Põe---se agora a questão de saber s~. co~tu­
ªº
aplica· o-·I>ireitõ, ,.e especi<i"illiente. jlliz, ó Podei""êt~
dCciarar inválida, ou então corrigir, ciualqu~r ~~ta!~çã~
do, aquele que é chamado a aplicar o Direito (breviter:
o julgador) pode ou deve arredar esta solução, que. é
positiva no caso de ela_ estar em contradição com o (naquele sentido) a li.nica aceitável, por ela lhe aparecer
Direito supralegal. Até aqui tratámos do conflito do como injusta ã luz dum ponto de vista superior. Pode ou
Direito positivo consigo próprio. As contradições a que hã-de o juiz, em casos especiais.julgar «contra legem)•·.~ 161 .
328 329

Seja-me permitido referir-me uma vez mais a uma va em geral o espírito do positivismo legalista. quando
experiência pessoal. Nos meus tempos de Referendar ainda não haviam sido feitas aquelas experiências com
(juiz tirocinante) vi um dia diante da barra do tribunal que entretanto os Estados totalitários nos mimosearam,
criminal um muito respeit<ivel proprietário duma paste- mesmo então julgou-se .ser' necessário traçar limites à
laria que ai estava por ter violado o preceito do des- vinculação do juiz à ~ei no caso de esta ser «injusta>)
canso dominical. Tentou ele justificar esta contravençào (digamos assim, para falar em termos gerais e abrevia-
provando de modo fidedigno que só deste jeito poderia damente)- Se deixannos completamente de parte o
evitar ,prejuízos económicos muito .serias. pois que o acordo unâniffie.-dOSã'deptÕs d·á~eoria dó Direito LiVre
consumo dominical no seu café dependia inteiramente que. de-GuaiqUer ·modo. ·eSCõfljUí3in -tõêt33V1Ilêu-jãÇ~9.
do tempo. Se o tempo ao domingo fosse mau, teria de eSêl-iiVi.í:árl.te do juiz à lei. veremos qu-;;···tambem -certos
contar com urna grande afluência de clientes: se, pelo âutores muito moderados consideram -dêfenSãve"I, e!Jj .
contrário, fosse bom, as pessoas dirigir-se-iam ern casos excepcionais. julgar êóntra legem. -
chusma para o bosque ou para o campo e a mercadoria · Em parte trata-se R:í, errÍ todo o caso, de «correc-
estragar-se-lhe-ia. Tinha pois de, muitas vezes, à última ções,, tais que ainda podem ser arrastadas para a órbita
hora, mesmo no domingo, fabricar a dita mercadoria das teorias da interpretaçào e do preenchimento de
para suprir um eventual aumento de procura_ Com esta lacunas. Ora de tais correcçôes da lei, inócuas, se bem
defesa não logrou o seu propósito. Teve de ser conde- que porventura praticamente importantes, não ·vamos
nado numa pena. em virtude dos preceitos legais de ocupar-nos mais aqui. Por isso, deixamos agora de
então. «Ü Direito há-de permanecer o Direito)), mesmo parte também a rectificaçâo dos chamados lapsos de
quando Sê iTIOstre des-ajustado ao" caso Concreto. O"juiz redacçào, nos quais afinal se trata apenas de fazer
não pode pretender corrigir o legislador. Ele está vin- prevalecer a verdadeira vontade da lei em face duma
cUlado á le-{. Mesmo um conceito como o de «estado de expressão legal que por engano saiu errada, actividade
ífeéeSSidãde supralegal)) (ver supra) apenas poderia esta que cabe qualificar ainda como «interpretação».
servir para o preenchimento de lacunas, mas não-Para Agora partimos do pressuposto de que o sentido da lei
corrigir a lei. É o que também parece tÍansparecer no determinado com toda a correcção metodolOgica é ele
nosso exemplo banal do pasteleiro. Mas será que o mesmo chocante, de que, portanto. percorremos já
pomposo princípio ,<fiat iustitia pereat rnundus}} valerá todas as fases da indagação do sentido da lei -
ainda quando uma lei não só tem certas consequéncias incluindo as fases da interpretação restritiva ou extensi-
indesejáveis ou inconvenientes mas também põe direc- va, da detenninação valorativa-de uma lacuna e do seu
tamente em perigo o bem comum, ou viola os princípios preenchimento através da analogia ou a partir do
supremos da justiça, ou ofende o <(Direito naturah} ou a espírito da ordem juridica concreta -, mas que, então,
<dei moral»'? Mesmo num tempo em que ainda domina- e precisamente então, achamos o resultado insatisfató-
330 331

rio. Hâ Uma decisão muito interessante do Tribunal te.QL literal claro e univQ.Ç~pena_Lg_l2!!9e falar a
Federal em matéria cível, de I0-12-1951 (BGHZiv. 4 ;roµÓsito de (;ps~; d; redacção. Os limites entre -a
pp. 153 e ss. ~ NJW 1952, 6/337 e ss.), que infe- apliC3Çã"o-áa lei -e -á- ·correCÇ30 êlà!Cf._S-~~- _ãõ_S.âsp
lizmente não é clara sobre o ponto de saber em que êohcrêfu- certariferite tãõ- íns'êiiu·ros cO_ffiO mu.itas outras
medida se trata ainda duma indagação do sentido da lei li~has di~isóriaS" ~e-p~; ~~Óe_i-rnet_odológic,~s precisa-
e em que medida se trata já duma correcção da mesma IliõSde tr-açar. ÃCustO -serâ possível modificar algo
lei, quando ai se ·afirma: «Em oposição ao teor literal ilêSté · ponto. -
4

em si claro e unívoco (!) do ~ 400 do Código Civil, e • PreSsupomos, portanto, que a indagação do sentido
observando todas as precauções que uma tal restrição atraves da interpretação, etc., nos conduz a um resul-
duma nonna proibitiva - restrição essa modificadora tado que nós, por razões <<transcendentes>), temos de
(!) da norma, mas sem por isso deixar de ser fiel aos repudiar, que nós consideramos como inconveniente, ou
seus fins (!) - que uma tal restrição, dizíamos, exige, injusto, ou contrário ao Direito natural, ou contrário à
esta possibilidade (sei. a possibilidade da cessão dos moral, e isto numa tal medida que nos não podemos dar
direitos a uma pensão por acidente, em geral não por satisfeitos com ele. Dissemo~_já_gue at~_autor.es).®
cedíveis, a certas pessoas) é de afirmar, pois que de moderados. qu__ç __y_b-:~r~_Ql_ nunLper-iodo .e-m-que-.ainda_se
outro modo o fim prosseguido pela lei. .. se converteria
no seu contrario». O que é__9~~q~~l!_telosé!!!!~~ se
!i. aChâvã-fi~~emente estabelecida a ideia do EstaQ.o,:de_.;_
-Õ}~-i~? Jut~a:an:i·.:d~yer 'e.rgµêi_ Ç,tfl~~j~triç9~;_ll_y_in-
afirma? Lima verdadeirà rectificação do sentido da.-lei culaçào do JUIZ a let. ~ntre estes ((autores moderados))
~ãiie@";;;.=.u@f! jfliÇrP.ítit~Çã(;~ t"êle9k~gicaffie~te restriti- ~emos contar, por exemplo, HANS REICHEL e
va? A favor desta última solução fa-fà uffiãüutra ERNST BELING. O primeiro, já em 1915, no seu
PfoPosiçáo -dÚ Ju1gãd0. ~eil!PdO a qual a_ re~JlS_~- da conhecido livro «Gesetz und Richterspruch)). estabe-
'püssiÕilidade .de cessão é de afaStar c~mo sendo uma lecia o seguinte principio: <10 juiz é obrigado, por força
"<<irlt"éfPfet'áção- liteÍal -contrárià. ao senlidÜ e-· ao fi~ do do seu cargo, a afastar-se conscientemente de uma dis-
_§_ 400»:JE:ve~âili@lCQ~õeã-fiívor dã prim~i~â ~~l~­ posição legal quando essa disposição de tal modo
çã~acto de na decisão se faiài-'e-xp;es-Sãnleiite-&urn contraria o sentimento Ctico da generalidade das pes-
«ãao-ue--ct>mprenj.entàÇão_~_aQ Diíéüõ»:·~ne-tõao· ~m soas que, pela sua observância, a autoridade do Direito
iôdo, Só nestá hÍpÓte;e -a deci;ã~--s~;-~nquadraria no e da Lei correria um perigo mais grave do que atravês
contexto das nossas actuais considerações. Vamos ern da sua inobserváncia11; BELING declara. em 1931: <!..O_
to~~_? ~~~~ ~PQ_~ g_u~_,_pelo menos no s~~.L~sWtª_µ_q~ ela· pader-outor:gado para çri~r Dir_eito que.º legislador.
..POde ser concebida cofilô-uffi deSVfrJ-do sentido da lei, deté_m _em suas mãos ... não é urn_pod_ê~ illú:-l_rarrlei-lié
poiS Gu;-; P~ssa Po-rCimad~"' ~la:;-o ~tid~ -das i!Vnitado. O povo presume certas valorações cpm_o tão
_palavras -e ~de «fntérpretã.ÇâQ>; eiii êoiitr3diça-õ · é6m o
--- --
. - -----..------.---·- ------ -
~1_1_~amentais que o legislador. .. não se acha autorizado
332 'I 333

a lix~u i1onnas que \'áo contrô'.l elas». AlJUI. ponan11). L' editadas nào seriam parcialmente inválidas por ofensi-

l~~i
· f'iXJ"do UnilliTútc ao dever de obcdiCncia a lei ctn ~

l,1. de valorações funda1ncntais do1nina11tcs no s~io Ja


nlHnc vas da ideia de Direito ou da lei moral. Se__ o le_gisla.fl.sir
cinicamente d~~eza -ª~.idejas juridicás 'silPfe.õllis, _i! /
população. Mas isto ha-dc ta1nbé1n. e\'idcntcrncntc. fil[àrlClPãç-ão dq juiz .d<l_ lei __fo~a~~_en. te vál~~ª-- pe~de .l
1 \ rellectir-sc sobre a aplicação judicial do Direito. Que a
magistratura estava fundamcntal1nente disposta a ãCiüãf
aquela má nota que ainda _no e_nnc::!E~- ~o nos~~filn_
e em· polémica ~'?_ntr_~_a_!~º!:~<!..c!9__ <~Díreí~b~vre» se fez
\r@ J
Ílês"tês tennos. demonstrou-o a alannantc resolução de sent1f éle- novo tão fortemente que ~~---J!~QQ!:!-9§--ªQ~_pJQS .
-2.:.!:J.2._24 dQ.ÇQns~lho de presidén_c~Ass9ciação d..os desta -têOriã·-seJUfg~fifn-- il_ã·n·ecessidade---Oe--reso~- 1
.CQ__11s_elheiros do TribuOàiaOR.Cich, a pn?P~i~Q__da 1Ufameõte se· defe~derem.. SPQtra um_a._.~~cppJra_:-legem- /
..9.!!§.~il:y;i_lqijzac;ào das hipôiêêãSe;;.;-;onscquén- ':rãOúíiV) .M~·~ -que; j~lgasse que a critica ás leis
cia da inflação_en_tà~ í~i;'ãõte. Estiife5-01UÇáoprevet;iã inj~Sta-s . do totalitarismo já morto e sepultado apenas
-õ"'i~;·d~ conira-;p;::;;Dllilgaçáo duma lei ofensiva da poderia ter um Significado transitório, pois que o Direito
.............. bqa-fe e que poderia ser declarada nula pelos tribunais. criado por essas leis em breve seri_a liquidado pelo novo
~Os actos de legislação dos Estados totalitarios. Estado. desconheceria o poder mágico da «ideia de
profuÕdamente penurbanles para todo o jurista por Direito>>. A questào da invalidade das leis injustas,
Jst'!r~!!.1~_!!1 ~ntradição ~n _as tradiciQR&is. conc_~ções impostada com tanta energia depois de 1945, nunca
du Direito, da-J"SiS-tiǪ-~ ~&lnQC!J.:....~ielfilP_~~ l_9D.lar mais até hoje deixou de ser posta - apesar da vincu-
pàfticularÍn~1le prem~rne _,.2_ qugt.<12.. ~a-Yl!!eulaçào do lação expressa do poder executivo e da jurisdição «a
Juiz as leis injustas. Naturalmente que o prÓpriõ-legis- Lei e ao Direiton. nos tennos do artigo -20. aL 3, da
ladOfllaCíünal-SOcialista não consentia que o juiz lhe Constituicào. E também esta fónnula. com o aditamen-
lançasse em rosto a censura de que as suas leis eram to «e Di~eito>l:·"ie·mete na verdade para além da Lei,
injustas e imorais. Censuras deste género tolerava-as e para um Direito supralegal. C2!:Do j_"á _yiJ!!~_s-t ~~!!i::~I-diS~_
aprovava-as ele 1nas apenas em relação a leis que não Cutidá, mesmo por Ultimo, a questão de saber se atê as
havia promulgado e que ainda constituíam um estorvo nonnas constitucionais não poderão~ sei-íilefiCãzeS.:..i)ór
no seu c::uninho. Relativamen_te _á_s_su.a~pr012.r.las leis~ ele ofensa ao Direito supralegal, e esta questão foi fu_nda:-
afroux:ou a vinçl}1ª"çâO ~(j_ç$Íri-bunais e da~ -i!J1º.(Lctadcs mentalmente respondida no sentido ..afi~atlVo~J,i'iÍtb
admini~trativas. ma~. tà():-Só __ eng~a!1t0·- esperaya que pelo Tribunal Federal como pC:Jo__ .!r!~~~~?~
.c:stes .se .nào prgp_çupassem coin_ 1niudezas juridicas e c-ional Federal. Este Ultimo Tribunal, a propostto, quis
fizessem vingar se.m ~sc~tlPU10s-·;sren·d"êriêlãs 'funda- ãie -Certo pQnto fazer sua a <<cautelosa formulação» de
menta:is11Y1. Mas se um sistema totalitário-cai--pór fêrra. RADBRUCH, nos tennos da qual (<O D_irei.t.o ,positivo_,
como aconteceu ao Nacional-Socialismo em l 945, ne1n o-ITifé110~éi_tO-seguro através do acto di-~statuição e dº
por isso desaparece a questão de saber se as leis por ele poaer, prevalecerá mesmo quando seja injusto e incon-
1
334 r 335
1
veniente o seu contei.ido. a não ser que a contradição da uma rigorosa distinção dos diferentes grupos de casos
lei positiva com·a-justiça à.tfnja -iJmgrãllial e-Seja de tal de rectificaçào da lel que se nos apresentam. Entre· a
--·--- ----·- ..,,.,.,,._-,_ ---- - ------~~
!_Ilaneira insuportável que a lei, Como ·Direito injusto', indagação dum sentido fiel á lei (interpretação, analogia
tenha -de_=c_~dêí _o·_-_p~ss<J.· a __juS_fi_Ç_á». ESTB-irlmce.s.sW. e preenchimento das lat.:unas de acordo com o espirita
concepção do pensamento d_a - subordinação~ à da ordem jurídica), por um lado e o manejo, em deso-
j~tiça e à __moraJ ·pcxre·tOITiªr~~~c_Qmo sendo-11rna ...tese bediência a lei. da ideia do Direito, pelo outro, inserem-
~oje ÍaÍgamente ãce"l~- .--se. bem que não indiscutidaºº' · -se várias fases às quais até aqui não prestámos sufi-
Àl'arefa-de~a~defender-ou-de ·com-ooas razões a atacar. ciente atenção. Já acima falámos de ídapsos de redac-
excede a competência deste livro. Apenas se observará, ção>f. Discute-se se a sua rectificaçâo pode ainda ser
por isso, que as objecções contra esta tese se baseiam considerada como uma determinação do sentido confor-
em parte no Direito constitucional (violação do princi- me á lei. Em todo o caso, ela aproxima-se muito dessa
pio da divisão dos poderes, quando o juiz e o funcio- determinação do sentido da lei e, por isso, é em certa
nário administrativo recusam obediéncia ao legislador e medida improblemática. Mas que significado tem, por
assumem perante ele uma atitude de crítica), em parte exemplo, a emancipação do claro sentido literal quando
nos perigos que faz correr à pureza e à independência se pode demonstrar que o legislador se não enredou
da função judicante (perigo da politização da justiça!), naquela expressão por simples lapso mas antes versou
em parte na indeterminação das formulações do princí- num «erro nos motivos», quer dizer, partiu de determi-
pio supralegal (em RADBRUCH, a oposição entre a nados dados aos quais ele consciente e deliberadamente
Lei e o Direito supralegal capaz de justificar uma referiu a sua regulamentação e, ao fazer tal, não pensou
correcção é uma ((questào de medida)): em qualquer em situações que agora também são abrangidas por
caso, a «justiça>}. o (<Direito natural)). a «lei moral» e aquela regulamentação mas que, na verdade, vistas da
os conceitos ou ideias análogas são tão indeterminados posição do próprio legislador, teriam exigido uma regu-
que o seu manejo é dificil «como o do gume de uma lamentação diferente?
faca>)). Por outro lado, não poderá ser .inteiramente Um bom exemplo é-nos oferecido aqui pelo caso já
abandonado o pensamento fundamental de que o poder referido da cessão do direito a uma renda por acidente,
arbitrário do legislador rem de quebrar-se contra o decidido pela secção cível do Tribunal Federal. Des-
rochedo da ideia de Direito. Mas sob este aspecto a crito o mais concreta e simplesmente possível, trata-se
controvérsia não tem propriamente carácter metodológi- do seguinte: À viúva de um indivíduo morto em
co. Se dirigirmos as nossas vistas de volta para o acidente de viaçào foi adjudicada uma pensão (renda)
pensamento jurídico. veremos que se levantam os como indemnização de perdas e danos. Um terceiro, na
seguintes problemas. expectativa da sentença e da sua execução, «por
Logo de entrada. temos que nos preocupar com motivos de solicitude>) e a título de adiantamento, havia

'l
,.
336 337

garantido o sustento a viúva obtendo desta, em contra- se afasta do sentido vocabular mais imediato e aparen-
partida, a cessão do seu direito á renda contra o te. na direcção de um mais distante. Mas as coisas já se
responsável por perdas e danos. Pôs-se a questão de apre~l)tam do.Utra for~ SS_ e~tendefgtO~ O~ _f-QO..f.eito.s
saber se esta cessão era admissivel. Em si. a sua cte·Tnterpretação «restritiva» e <(extensiva>~ no sentido
admissibilidade é contrária ao claro «teor verbal» (mais de que. atrave.s cre-ste:S"ffiOOos-aelntrrptê'iaçãÕ,._se.lâi-
correctamente: sentido literal) do § 400 do Código vf~ga_i:-ã ge~uina vontade ~u a verdadeira v_alora_ç~_o_4~.
Civil, segundo o qual Uln crétlito não pode ser cedido lfíferesses~~·ao ·1egislã:d6r .· ·sendo--ãsSírn7éfli3o talvez
quando seja impenhorável. Ora o crédito da viúva é na Puctéssemos rai~~- no noss·o caso. de uma intemretacãa ,. .
verdad~ impenJiorãvel, ~- i?_to .QOrfille-ª- ela. ~QJJ]Q_titfilar_ teleológica restritiva, na medida em que, de acordo com
c!"?-direit~ a uma pensão. lhe «deve lic.ar~as.s.t:gutade-o o sentido·e·~--fi~ct;;- preceito ( § 400 do Código Civil),
sustentç_n_~_ç_~s..filirjy__,iL..Yjda>J.J1as esta profunda razão este é restringido no seu âmbito de aplicaçào. Mas
·nàÜ.. deverá obstar a que o direito â pensão seja eficaz- também se poderia afirmar que se trata aqui duma
mente cedido quando a cessão seja o equivalente do colmatação de lacuna: constata-se, ãtraVéSAàum actõ.
adiantamento, por parte de terceiro, da alimentação do ãe\;;íãrãÇãõ:·qú"e7e.;;senta uma lacuna o facto de o
titular da pensão - -terceiro esse que, por aquela forma. ~ 400 do Código Civil não abrir uma excepção para
lhe garante precisamente o sustento necessãrio a vida. aqueles casos nos quais um terceiro obtém a cessão do
O Tribunal Federal deduziu. pois. do «sentido e fim» crédito como contrapartida dum adiantamento conce-

•le
11•
do·§ 400 do Código Civil a seguinte proposição: «Os
direitos impenhoráveis a uma pensão por acidente
podem ser cedidos aquele que. sem a isso ser juridica-
1nente obrigado, assegurou regularmente ao titular da
dido\:!'. Esta lacuna será então preenchida pela regra
acima referida. estabelecida pelo Tribunal Federal, e
isto efectivamente dentro do espirita do próprio legisla-
dor. Mas tam_bém se poderi_a a_inda_ pensar qµ_e_ SLtrª-~­
1 e renda, ao fim de cada prazo de vencimento, adianta- de elimTnã·r-~~~ c~ntr~diçã~ contid~ na ordeJ_TI)l:l~~idü;a.
cõm·etéhO. -o Tribunal Supremo· pôde demo~~t~~[ Q!!~
1• mentos pela importáncia dos creditos entretanto venci-

•• dos e cedidos, quando o referido titular tenha previa-


mente recebido o contravalór por inteiro ou quando a
cessão seja condicionada aos pagamentos a serem
se--ê·ncomrã--prevista- a Cessão de créditoS, _a .favor sf_~.
entidadés seiuradoraS de Direito público, mesmO no
caso de se tratar do direito impenhÜfável á uma pen_s_àQ .

• efectuados. ao fim de cada prazo)). Que se passa aqui?


Se se considera o claro «teor verbal)) co1no um limite
Desta forma. a não ãdmissibilidade da cessão do
crédito em casos como o nosso constituiria uma espécie

.• absoluto da interpretação.já não se trata aqui certamen- de contradição valorativa («A restrição modificadora da
1
I'. te de interpretação - nem sequer de uma interpretação proibição da cessão contida no § 400 do Código Civil

I•
,
frouxamente vinculada, enquanto se entenda que esta
pressupõe u1n teor verbal ambiguo (plurissignificativo) e
representa. portanto, no seu resultado, apenas uma
adaptação a uma desenvolução do Direito idêntica
I'
'
338 339

àquela que encontrou já expressão legislativa ... relati- Direito natura!! 221 • De todo o modo, o autor responde
vamente às entidades seguradoras de Direito público»: afirmativamente a questão da possibilidade da rectifica-
BGH 4, p. 160). Finalmente, não pode também ser ção, em qualquer dos casos. Destaca ainda como caso
afastada a concepção de que já se trata aqui, na verda- particular a adaptação das leis a uma realidade e uma
de, de um acto de rectificação da lei - e o próprio valoração modificadas no decurso do tempo. Todavia,
Tribunal Supremo fala também de um acto de <~com­ uma tal distinção entre incorrecção originária e super-
plementação ou desenvolução do Direito» (RechtsjOrt- veniente deveria ser de secundâria importância. O
bildung ). De novo se revelam pouco nítidos os limites essencial e - pelo menos par~_'!. ~º-~§!._Of<!Ç.!Jl de
entre os diferentes métodos, mesmo quando nos ate- . co-ns1dêrações·- -=-adls'tinçãO ent_re a -réctificação con=--
nhamos â vontade do próprio legislador e :i sua valo- e
fimne ao ·esplrito-d.O lei{Siád~r a -~e~lificaçjc;.coQ.tra a
ração dos interesses como ponto firme de orientação. -voritade do legJSladof, feita em conformidade corµ a
De resto, foi isto o que aconteceu no nosso caso. O -ideia de Direito ...... ~·.- - ~- · - .. -- -- ·~--
Tribunal Federal procurou cuidadosamente mostrar que - E jâ agora vamos lá a encarar as coisas da
a sua solução se não opõe à vontade do legislador, mas, perspectiva metodológica! Enquanto a rectificação da
antes, através de uma «obediência pensante» (HECK) lei seguir o rasto do próprio legislador, o pensamento
e inteiramente de acordo com o espúito do legislador, juridico não sai fora dos trilhos que nós aprendemos a
actua as verdadeiras intenções deste ao tomar em conta reconhecer, nos seus diferentes meandros, como inter-
o sentido e o fim da norma. pretação, compreensão, indagação do sentido, investi-
__ .~ Desta especie de «rectificação da lei». que guarda gação dos interesses. analogia, argumento a contrario,
fidelidâde a posiÇão tomada pelo legistadõí: aõ- seu g.ue- etc. Consideremos agora o caso de que por último
rêr e· ao eSCOpo qué--PeíSei~e:-e ã(lenaS quebr; -~s partimos, o caso da cessão do direito a uma pensão.
liiiiife-Sâo Sentidõ lileiãL disti~gué-se Íotõ coê1ó:·coITi()e Onde reside a sua especificidade'! Dissemos: na eman~
êvidillte-, a insurre1Ção contra o leglsladÚr poÍ ã.ffior da cipação do sentido literal por amor da verdadeira
tfãnscenõente ideia de Direito_ Também ZlMM-ER- vontade do legislador. Está aqui implícito um afasta-
MANN, ao anotar-a deC:isão-dô.Tribunal Supremo, dis- mento da chamada indagação do sentido gramatical
tingue certeiramente entre a rectificação de leis que atraves duma penetração teleológica nos fins do legisla-
assentam em «erros de intuiçào». quer dizer, nas quais dor e nos seus modos de ponderar e equilibrar os inte-
o legislador «não viu. não viu plenamente ou viu resses.Trata-se da aplicação da velha regra «cessante
falsamente certas relações da vida» (um exemplo muito ratione legis cessat lex ipsa)> 1 ~J>. Ao__ mesmo tcm..e_.o,
usado a propósito e o de a lei ordenar uma vacinação [f3ta-se claramente duma ·ind-agaçào ~~-SuóJiZti~~~t~leG~ -
que posteriormente se revela prejudicial), e a rectifi- 19gi~3;~-dõ-_sentido-e do fim. quer dizer: o que se p__rocur_a_
cação de leis que ofendem a justiça. a lei moral, o d~Staéar- e- transfoímar em ponto de apoio para nos des- _
340 341

prendermos do «teor verbal» são - pelo menOs no maior pureza quando é abertamente manejada como
exemplo apontado - a verdadeira vontade e o ver- critério de rectificação da lei (vide supra).
dadeiro fim do legislador histórico. Se. do ponto de A nossa jurisprudência dos tribunais superiores
vista de uma teoria objectivista da interpretação, a qual tende, em todo o caso, a evitar este julgar abertamente
deixa prevalecer o sentido imanente à própria lei, seria <1contra legem1>. rvlesmo decisões revolucionárias como
de considerar licito um tipo correspondente de rectifica- a já comentada sentença sobre as pensões por acidente.
çào da mesma, é questão que agora nos i:ião propomos ou a sentença acabada de referir em nota sobre os
analisar: concebível se-lo-ia ainda tal rectiticação, por- registos tànogrâficos (a faculdade reconhecida pelo
ventura como manifestação duma ratio inerente a lei, § 15, ai. 2, da então vigente Lei do direito de aulor
directa e patentemente ou por força do contexto, contra sobre a obra literária de reprodução de uma obra lite-
rária ou musical para uso pessoal foi restringida pelo
o simples teor verbal, se bem que. em geral, justamente
Tribunal Federal, no sentido de proibir a transposição
as palavras da lei exijam por si uma maior consideração
para fita magnética: ver agora a Lei dos direitos de
da parte do objectivista do que da do subjectivista.
autor de 9-9-1965, § !j 53 e ss.). ou ainda a famosa
!k~ou daquele jeito, não nos encontramos colocados
11sentença do cavaleiro;, (a utilização negligente da
perante p.roblemàs do peilsaffiell1o jurídico inteirament;
fotografia dum cavaleiro num cartaz de propaganda do
Q_ovos·, m-as'; qúana~uito~;-perante"·ümãPeCünâ'rC'õns."· tónico Okasa, sem consentimento do fotografado. deve
e
telaÇãO --cO-ITlb(M°Ç-ã;-·de~o49$.....de J?..e.M.am.~.r.Uo. Eaaa- obrigar â. reparação em dinheiro dos danos imateriais.
_µm dos tjual_S j_á· é de flÓS conhecido. se bem que o S 847 do Código CiviL de que aqui se
Pelo c;nlrá~i~-;,...~ ·cÔ-i~~~ Ja-"téiTI uma outra feição lança mão. apenas conheça a indemnização de prejuízos
quando o critério da rectificaçào da lei não é o legis- imateriais em casos de ofensa â. integridade f1sica. a
lador histórico, e também o não e a própria lei histórica, sai.ide e a liberdade. ou nos delitos contra a honra
mas a ideia de Direito. Já a esta nos conduz, em boa (sexual) feininina, todas elas denunciain a tendência
verdade, aquela interpretação dê -~ffi~têõZ!.U..efãl ambi-.. para procurar alcançar. através dos meios da interpre-
iuo na qual ~e~!ç~ __e )'az valer o sentido ac..tl!!!! .-<ir<!~p_á:-. tacào ou da analogia, um fim que. à primeira vista.
v-er;;-(e -portanto, é clarÜ, c~rrespondent~ á ideia de i.::s~eve ausente do pensamento do legislador~~;_ De um
Direito) contra aquilo que foi propria"~e-nte -·q~e;.ido ponto de vista conservador, que aspira a manter em pé
Pe10 1egis1actor histórico. e.oro efeito, aqui, a «inte.fPre- -·-· a vinculação do Direito a Lei, haveriamas que nos
iação» transforma-se sem dôvida numa correcção dis- congratular com estas tendências e esforços. ivla_s ...~
farçada das tendências do próprio legislador. Não tivermos de confessar a nós próprios que. neste~s"êã_S_2.s.
vamos, todavia, deter-nos com este fenómeno híbrido. a lei como que é clandestinamente ultrapas_sada 12 ~-1 -~ e se
pois o recurso à ideia de Direito transparece com uma quisermos apesar de tudo alcançar na decisão u1n
342 343

resultado ou escopo que se revele como uma evidencia ANOTAÇÕES


ao sentimento- juridi~O· ou pareça ajustado à «ideia de
1. Esta terminologia e criticada por Arth. KAUFMANN, in
Direito)), -temos -Cfê-fàzei·-nõm=~Ço_e_av.a 0 çar 1 •m JurZ 1975. p. 339. sob Ili. que na verdade accira uma «incom-
passo mai$ na senda_ºda.-..«progr.essiv_a..descoheoa do pletude» ou «inacabamento>' das leis, mas nào quer ver nisso uma
Õi~ê-ilo:~. isto não só no .~~~tido de que havemos de
E «falhan, porque uma lei «em virtude da variedade e da mutabi-
1rata1 a "'J'topíiãíêl"cfetlm _jeito_ novo e muito mais lidade das situações da vida.. não pode de modo algum ser
formulada de um modo conclusivo e umvoco>1. Mas sera que nào
r~dicãJ ·quê ne~essil~ -ç1e ~111~-~pâf~!~~~ pode falar-se de uma «talha" quando uma lei começa por deixar o
jµrídica. mas tam_b~m_n.o .se_[(_ti<JQ.~-~ ...qµ~.• füU.o.gau..ideia 1unsta Sem apoi0d1ante de P.rõb[êffias novos e ~_?.re_fe de (1c9m
de Díreito contra. a Lei. estamo~ sot_i a ameaca de-v.er plemepfil~~º~-~'..~foS~nVQ'lv\m_enlo1L- __.,
~ ' ---- ~- -- -
---~··--- '" .v- 2". Cfr. LARENZ, Methodeníthre, p. 286. 2.• ed., 1969. p.
desápareCer debaixo dos pés o frutuoso chão da expe-
358. 3.• ed., 1975, p. 358: Lacuna e (<uma incomplecude da lei
fie'h'élae ·nas· apioXiffi"affiOSdaéiUdâs «altas torres da contrária ao plano» (com a indicaçào de que esta fórmula se
ilretafísicai>-(âO-DireitO)'~ID~"fó{f:fO~[:_ciiíãis, no dizer de_ encontra pela primeira vez em ELZE ): e ainda CANARIS,
··KANT, <~há muito ventO~;. _P_od~~f~IJl_OJLousá-lo'? Segue- Lücken, p. 39: Lacuna é 1'.i.IJ}l\t iim;i!!lQk!!!ik_..f.O.nVária._ao-plano
dentro do direito positivo (isto_é, 4!! lei. no qlJac;lro.do seu.sentido
femo·s; nó--\i!tfilió fiPJiµiõ:Y.ey.s.ar fstª~guestão 1 havemos v"õc-ãõulâf pOSSiVere dõdiíeit'o consuetudin<i.rio) determinªº-a...pelo
de-- levar a nossa --indagação
----- um__ ...,_ _______
_ --
pouco--·-mais
_._. .ã.Jtm. cíiterro-dó~oidê"nãfrii::nlo":-J.uriªicO_ ilªPil -~iS:~,nt~~.,Jç_ocn..-ettas­
üTfi'iffirs--pãlav"iãS e'íiidiCada uma lmha directiva-genérica para·o
momento valorativo «Contrariedade com um plano», de facto
muito «carecido· de preenc·rumen:tcb-: linha "direttiva-ess_a ·!1-·ç__ma-·
dere-rrrrtn:irçàb ·:mais precisa se dedica em bOa parte o lh·ro de_
LANARIS): cfr. a e"ste pl-oj,ósito também Sauer-Festschrift. pp.
90-·e ss. KLUG procura uma definiçào de lacuna mais precisa.
desligada de momentos psicológicos ('<expectativas». t<aprecia-
ções negativas» e semelhantes), a.traves do conceito de lógica
relacional da isomorfia (na ob. cit.. pp. 79 e ss.).
J. Acertadamente Arth. KAUFMANN, Anaiogie und 1Vatur
der Sache, p. 32: «Como e que muda o ·sentido da lei' se o teor
verbal da mesma subsiste·: Isto acontece tinica e exclusivamente
porque este ·sentido da lei· de modo algum está apenas na lei,
mas lambem nas concretas situações da vida para as quais a lei
foi cunhada». Cfr. por outro lado ESSER, Vorverstiindnis,
p. 175: «A verificação de qµe ·fali~· uma re_gl!lamentação .. ., não
depende ãe '"üillil àfiímã.Ção iilcontrol<i.vel so_bre o 'plano· da lei.
iifãs-da -pie---;;;6mpreenSâO da ri"eceSsidade de ordenaçào do reSpec-
tiVõ conÍlito•1.
4. O arcaboiço lógico do argumento de analogia pode, pois,
ser apresentado da seguinte forma (como !<modus ponens» ):
!
344 " 345

Premi'ssa maior: Quando duas situações. S e S ·. são seme- nota 2). quando póc o pensarnenw analogico em ligação com a
lhantes do ponlo de vista de uma determinada normajuridica. isto "narnrez.a das coisns" e o «tipo" : "A ·natureza das coisas· e o
C. coincidem sob aspectos essenciais, de,•em ter a mesma conse- ponto axial da condusào analo,:ica» (p. 35 ): e ainda: «na
quéncia jundica. concreta descoberta do direito de\·e sempre .. retroceder-se aos
Premissa menor: A situai:;ào F (= S') coincide nos aspectos tipos pensados pela lei''.
essenciais com a situaçào K (= SJ regulada na norma jurídica N 5_ ENNECCERUS. Lehrbuch des bUrgerlichen Rechrs. I.
(representando a leira F uma privação da liberdade e a letra K 12." ed .. 1928. ~ 53 li la. BARTHOLOMEYCZJK. ob. cit.. pp.
uma lesào corporal). 48 e ss. Ao lado do exemplo que no texto tomo por ponto de refe-
Conclusão: F deve ter a mesma consequência jurídica réncia podia agora colocar-se ainda o caso referido no Südd.
que K. Zeitun2 de 4/5.3.1967. a saber: o marechal do ar britànico Sir
A este n~sultado chega também HEL.LER f.Logík, etc. der Arthur- Harris. perante as censuras que lhe foram dirigidas por
anologen Rechtsonwendung, 196 [).para a conclusão de analogia causa dos bombardeamentos de Dresden. etc .. na segunda guerra
(<axiológica» (p. l 18). depois de na primeira pane do seu escrito mundial. de.fendeu-se com o cinico argumento a contrario de que
ter tratado a problematica de uma analogia puramente lógica. E se tinha conformado estritamente a convenção Sàbre a guerra
evidente que a particularidade estrutural da conclusão de analogia aerea procedente da guerra de 18i0/71. segundo a qual era
lógica, como conclusão (<do conhecido para o ate ali des- proibido «lançar corpos explosivos de balóes inflados por um
conhecido» (HELLER, p. 19), desaparece na nossa apresentação gas".
da analogia junstica como um silogismo ordinário. Mas na Yer- 6. Sobre o ponto a minha Einhf!it der Rechtsordnung. pp. 76
dade o que e caractenstico daquilo- qu"e no dominio juridico nós e s .. Fr. SCHACK. Laun-FestschrifL 1948. pp. 275 e ss.;
chamamos «analogia" é a ligação de umjuizo de semelhança que HELLER. ob ciL.. pp. 122 e ss. À aplicação analógica do
funciona como premissa menor (como a verificação da «coinci direito entre diferentes ramos jundicos. p.exo, ã transposição de
déncia nos aspectos essenciais»; j3. assim o referia WINDS- preceitos do direito civil para o direito ptiblico. podem natu-
CHEID) com a nossa premissa maior, obviamente deduzida do ralmente opor-se razócs de natureza material. Cfr. J. BUR-
principio da igualdade, segundo o qual, aquilo que nos (1aSpectos MEISTER, Die Verfassungsorienrierung der Geserzesausle-
essenciais coincide», deve também ser tratado da mesma maneira gung, 1966. p. 44. nota 155.
(cfr. LARENZ, ob. cit., pp. 287 e s., 2.ª ed .. 1969, p. 359. 3.ª 7. Ob. ciL. ;:i 5311 \. 15.~ ed .. ~ 58 li 1. Sobre a distinçào
ed .. 1975. p. 366: e HELLER, ob. cit., pp. 83, 110 e l ISJ. O entre analogia da lei e analogia do direito ver cambCm ISAY.
«arriscar» da conclusão jun:;tica de analogia (HELLER, na Rechtsnorm, 1929. p. 149; NA\V!ASKl.A/lg. Rechtslehre. 2.ª
esteira de BURKAMP) e portanto sobretudo o arriscar do juiz.o cd .. 1948. p. 146: BOEHMER. Grundlagen, li l. p. 168: SAX,
de semelhança, e este arriscar é. como também observam ob. cit.. pp. 102 e ss. (criticando-ai: W. G. BECKER, Gege-
acertadamente SAX. ob. cit., pp. 141 e ss. {concluindo a p. 14 7 J. nopfer, pp. 434 e ss.: LARENZ, 1'v!ethoden!ehre, p. 292. 2.ª ed.,
KLUG,Jun"stische Logik, 3." ed., p. 123, HELLER, lugar cita- l 969. p. 364, 3." ed .. l 975. pp. 368 e s.: CANARIS, ob. cit.. pp.
do. e ESSER. Vonierstdndnis, p. 107. não é um arriscar logico. 9i e s. {com riqueza de dados bibliograficosl: GERMANN, ob.
mas (imetalogico». (<axiológico)> ou, como se diz - talvez por cit.. pp. l 7Y e ss.: ESSER. Vorversldndnis, p. 182. Ao passo que
forma algo estreita - no nosso texto, «teleo!ógicon (cfr. HEL- LARENZ, ob. cit.. em acordo com OAHM, Deutsches Recht,
LER. pp. 55, 78 e ss .. 82 e ss., 109 e ss .. WAGNER-HAAG. 2.~ ed .. p. 364. e contrario á expressão ((analogia do direito» e
D. moderne Logik i. d. Rechtswissensch., 1970, p. 31, e em vez dela fala de ".ana!ogta g!obal>•._ÇANARIS considera a
LARENZ. 1. cit.). KAUFMANN, ob. cit., pp. 35 e ss., opera designaç;io «analogia do direito" como ajustada, por-iSSo que se
co".1 uma particular concepção, fundada num conceito de analogia .WÍÕ t;ata de uma ço_ncl-~Sào do particular para o particular. mas __
muito amplo (sobre o ponto LARENZ. ob. cit., 2.• ed., p. 359, do particular para o geral. de uma indução. portanto. pelo que a
346 347

•'•
l~
~analogia d_q_.cli_~i.~'!-~ t~~b_~~. pos~Y_!lidad~_ge_.@.l __ ~_r_~a
uplural!dade inJcterrn_inada de casos". Que na analt;>.fil!.J!!!_Cs~
riiB"-n<r..~Jt.rg(ã~.~Qa!el)~-~~-t.a c;çi_ritEra.:'!i_'!1ª-J!1af!çâq_.__ t~Jnb.f:m ja
âqtií10i".à'Centuado no texto. Mas na transiç~_q do pnncípiu.geral
apenas e «descrito mais ou_ ~,:n_~s-~e!.~-~it~~~.~--A~ -~ão
eXisrtrt:r.põls':qüâfq"u"êí-dfStinç:i~-:~!~e i_n_~~-fQ~!~Çl_~S-~.!l.ãJDgi.a_,__
Ãdenram a K""'."~~ANN-(de diferentes modos): W. HASSE-
MER. Tatbestand und Typus, 1968. pp. l 60 e ss.: J. HRUSCH-

~
illduziúo para eis· çasos nâu imediatamente regulados por lei
KA. Das Verstehen ~·on Rechrstexten, 1972. p. 102: G.

\;1.
veríliCa~e emuttifna ãnãlis·e ·urüa_ figâÇão "éii~tre o_ parti~ 6 STRATENWERTH. Strafrechr Allg. T., 2.ª ed., 1976, pp. 44 e
parÚcÕlar. a quã"l-Ji.istitlca que se falé di--1,~Ú1alogià'»JânJo na s. Contra esta posição eu pessoalmente insistiria na concepção
cinãlogia da lei como na analogia do direito: ver agora também tradicional, dizendo que as d_enoraçàes legais dos factos puníveis
LARENZ. !v!ethodeniehre, 2.ª ed. 1969. p. 364: nota 1. J.a ed ... nào fazem como que remeter apenas para um 1(tipo de ilícito»
1975. pp. 368 e ss. relevante. mas o delimitam e determinam por tal fonna que (<o
8. Fundamentalmente contra uma interpretação demasiado sentido verbal possiveb) traça a linha-limite entre a interpretação
111 extensiva, v. p. ex .. J. BAUMANN. S1refrech1, Allg. T., 8." ed .. (admitida) e a analogia (proibida). .
1977, S J 3 l 3. Considera como ((limite da interpretação)) a
Uma réplica de direito civil â proibição da analogia em
significação 1maturatu da palavra, do contexto de p~lavras e da direito penal é o § 253 do Código Civil: 1(Por um dano que não
frase. Pode entào a capacidade de conceber e dar á luz ser seja dano patrimonial só pode ser exigida indemnização em
entendida como HCapacidade de reprodução)) no sentido do ~ 224 dinheiro nos casos definidos pela lei». Com particular agudeza
do Codigo Penal. como em geral acontece·.• Sobre a proíbiçào da esclarece BÕTTICHER. MDR 1963, pp. 353 e ss. (360), que
1~ . analogia em direito penal, ver, além dos manuais e comentários
(<no dommio da indemnização por danos imateriais o § 253 do
de direito penal. que dela se ocupam sempre. designadamente:
Cód. Civ. é exacta réplica do art. 103. alinea 2 da Lei Funda-
SAX. Das Sírafrechtliche Analogieverbot, l 953 {e sobre este R.
mentab>; «ambas as determinações estabelecem que o juiz, para a
Busch. JurZ J 955. pp. 223 e s.): IDEM. in BETTERMANN-

~il~
condenação do agente, tem de poder apoiar-se nurria lei e
-NIPPERDEY-SCHEUNER, Die Grundrechté Ili. 2_. 1959, pp.
excluem assim a analogia. que doutro modo seria permitida11. Foi
909 e ss.: HELLER. ob. clt.. pp. 135 e ss.; G. GRUNWALD.
consiüerada como inobservância desta proibição da analogia a
ZStrW 76. 1964. pp. 1 e ss.: A. KAUFMMANN.Analogie und
recente jurisprudencia do Tribunal Federal sobre a compensação
«1Vatur der Sache», 1965; BINDOKAT. JurZ 1969. pp. 541 e
dos danos imateriais resultantes da violação do direito geral de

,r ss.: U. NEUMANN. Der 1<mõgliche Wortsinff>) ais Auslegungs-


grenze, etc .. iff E. v. SAVIGNY.Jur. Dogmarik, etc., 1976. pp.
personalidade. Ver sobre o ponto as indicações da nota 25, infra.
Entretanto também- o Tribunal Constituciona'. Federal, no cha-

~!~
42 e ss.: J. M. PRIESTER.Zum Analogieverbot i. Strafr., in H.
J. KOCH (edi1.)J11rist. Methodenlehre etc., 1976. PP- 155 e ss. mado. «caso Soraya)>, fez seu· o pont~_d~ ·vi~~~âe_.:.:-c[':@." _pê]a
atribuição de uma compensação - pecuOiária por viol_!içã_o _90,
(com mais indicaçàes bibliogrâficas). SAX e KAUFMANN
pàcm em dúvida uma proibiçào da analogia no sentido tradicio- Hdireito geral de pe_rsona.ljd~den se_ n~ç>_,~eri~:~u _qu~quer_ v~o~
nal. SAX (p. J52J declara: ~·Uma ·proibição da analogia' nào lação de uma proibição dá analogia em \'Ígor no plano do d1~1-~
cõn-siituciônal {B,ve·rro-er. vOJ 34, pp:269-e ss-. =- NJWJ 973, pp.
existe-". KAUFMANN vai ainda a_lgo__mais. lon.ge_,..f!_fiJl!!_ando
J íi J e ss. =- Jufz 1973. pp. 662 e ss.: cfr. ibidem, sob IV e V;
«que umà es_t~~:ffroibii:;ão da analogia _no _direito pen<tl _ounca

i~ éiiSúU- sequ'êÍ1• Jp._i_I_)_. A analogia no. d_ireüo penal enoontra o para uma critica, LARENZ, Afechodenlehre, 3.a e~., p. 4~7~.
SêUlimíte ·..lPi_Ilas .~no tipo de.ilicito que está.na-base.da--bipótesc Ver de resto agora sobre a proibiçào da analogia no direito

ri~ lêgãl»:-""ES°ta t.iltima_ íonnulaçào tem o. seu fundamento na já acima. civil também CANARIS, ob. cit., pp. 183 e ss .• distinguindo
'ê'xPQsta -_(Ver__no~~ 4) te_sc de KAUFM.ANN_ .segundo__a_qual.o entre proibição da analogia e proibição da indução, ente.ndendo
<I,, - penSãn1ento ·analógico encontra o seu apoio_ na Hnatu~e~a d~­
coisas1) e no <{tipo>1. sendo que este Ultimo não é definido. mas
CANARIS por esta última a proibição de, quando vigore o
princípio da enumeração, alargar no sentido de um p1incipio geral
o circulo dos casos enumerados - o que precisamente seria de

!E
L
1 •
348
J 349

aplicar relativamente ao § 253 do Cód. Civ ., que. portanto. neste para a não punibilidade de uma omissão correspondente (no que
sentido não pode ser apresentado como uma genuína ((proibição respeita a e\·itar o resultado); G. KALINOWSKI, lnrroducrion a
da analogia1). Sobre as limitações da analogia na administração la iogique juridique. 1965. pp. l62 e ss.: E. SCHNEIDER.
intromissiva (Eingriffsvenvaltung), v. p. ex .. H. HEINRICH, em Logik Jür Juristen, 1965. pp. 181 e ss.: M. KRIELE, Rechts-
H. ARNDT e outros, Richterliche Rechtsfortbi/dg., J 970, pp. 21 gewinnung. J967. p. 151 {que vê os argumentos em analise como
e ss., e H. SOELL, D. Ermessen d. Eingnffsverwa/cg., 1973. simples «topai»)~ J. T AMNIELO. Outlines of modern legal
p. 156. logic, 1969. pp. 124 e ss.: U. DIEDERIC~SEN, Larenz-
9. Sobre a sua estrutura lógica e a sua concludência. vide Festschrift, J 97 3, pp. 177 e s: LARENZ. ob. c~t.. pp 296 e ss ..
nomeadamente NAWIASKY, Allgem. Rechtslehre, 2.• ed., 2.• ed., 1969, pp. 369 e ss .. 3. 3 ed., 1975, pp. 317 e ss .. e na sua
1948, p. 148 (o qual considera estes argumentos ~<casos especiais esteira CANARIS. LUcken, pp. 82 e ss .. J 36 e s .. põe de resto ao
da conclusão analógica» acrescentando que também neles <<não e lado da conclusão de analogia e dos outros argumentos, enquanto
a lógica, mas a apreciação material que decide))); KLUG, processo relativamente autónomo para o preenchimento {e deter·
Juristische Logik, 3.• ed., pp. 132 e ss. (que acentua «o forte minaçâo) das chamadas lacunas «encobertas>), a Hreduçâo te!eo-
parentesco intrinseco)} de todos os referidos argumentos, em que looica» {na esteira de DAHM chamada também «contra-ana-
frequentemente ê utilizada a fónnula ~<por maioria de razão>1 ): lo;ia)} e seguramente aparentada com a «restrição>; no sentido de
LARENZ, lvfethodenlehre, pp. 294 e s., 2.ª ed., 1969, pp. 367 e ENNECCERUS-NIPPERDEY. ob. cit.. S 59. II). Eles enten·
s., 3.• ed., 1975, pp. 375 e s. (com instrutivos exemplos); dem por tal uma limitaçào introduzida numa norma e exigida pelo
SCHREIBER, ob. cit., pp. 54 e ss.; CANARIS,Lücken. pp. 78 sentido desta. Ao passo que a analo_gia postula que seja_ irai]..@
e ss.; IDEM, Systemdenken, 1969, pp. 24 e s., que em primeiro igualmente o que e -igUaL a reduçào teleológica, pelo recurso a
lugar diz acertadamente do argumento a majori que nele «as ratio legis. visa tratar desigualmente o que e desigual (exempt§'S

!=
razões de um preceito valem para um caso nào regulado em em LARENZ e CANARIS: v. também infra, no texto e na nota
mais forte medida ainda que para os casos por ele direcrnmente 2 [ ). Como uma «redução teleológica» no dominio do direito


abrangidos1>. e igualmente refere bons exemplos: assim, para o penal pode aqui talvez reforir-se a restriçào do S 186 do Cód.
§904, 2, do Cód. Civ. o <(argumento a fortiori)) segundo o gW. Pen .. proposta por muitos autores. no sentido de que. na ((dffama·
((se existe responsabilidaderrtesmõc·õmoãSéflu'Afâ le"sãõlléi1a do çào». a afirmação de um 1<facto" lesivo da honra de alguem. no
dif"eitO de outrem, por maioria de razào ctCve Cxis-tlr iio 'êãSô-i:lé que respeita ã verdade ou desverdade de tul fact.o, tem de

!1• lima lesão ilicita, embora não cutposan, qu~nclo p_or ~s(a "ípn'iiã
«Uín. bem ·jufidicO ê salvo ã custa de outra;): e que de resto. ~
verificar-:;e pelo menos uma negligência 0u falta de cuidado, para
que seja purnvel. De todo o modo neste sentido se pronunci~ _H.
i• cOmo-páfâ a:analogfa - acentua que esta espêcie de arg\.![n_;o·ta- J. HIRSCH. Ehre und Beleidigung, 1967. P- 198; mas cnllca

i•i••
ç~-~:_e_~~ · _n_ào a pen~~ p~a a_ colmat.aç!o çias__ !ª-~l!.!!fil!.i....!!!.ªS esta posição J. TENCKHOFF. Die Bedeutung des Ehrbegri.ffs,
também desde Jogo par_a a descobce:rta destas. Ao lado deste 1973. pp. 115 e s.
·exemplo poderiamas nós pôr, tirado do direito penal, a conclusão 10. Instrutivo relativamente ao que vem a seguir no texto
da não punibilidade do auxilio doloso ao suicídio para a não tambe'.m Fr. WIEACKER, l]esetz u. RichtPrkunst, 1958. pp. 12
punibilidade tambêm da promoçào de um 5 uicidio por negligéncia e ss.: LARENZ.Methodenlehre, pp. 255 e ss., 314 e ss., 2.• ed ..
(assim, pelo menos, o BGHStr. vol. 24. pp. 342 e ss.) - de novo 1969. pp. 317 e ss., 394 e ss .. 3.• ed .. 1975. pp. 325 e ss .. 458 e
um argumento a fortiori que ao mesmo tempo pode ser conside- ss. Os seus <(principios ético-juridicos» são <1verdades Juri~i:as1'.
:1• rado como um caso particular da analogia (sobre este ponto, vu •1'iOei"as jllrldfCO--materiaiS/; que Cncontíar'!-m reconhecimento

"•1:.
porem, muito critico, G. GEILEN, JurZ 1974, pp. 145 e ss., nà: Córisciência jurídica geral, mas que' participam na mutaçà? __qu~
NJW 1974, pp. 570 e ss.). Um equivalente seria também a eSl'a: ·softe no tempo e por isso poOem adquirir uma diferente ,
conclusão da não punibilid.ade de uma acçào (conduta activa) re!e-Yâiicia rioS difereôtes «êstádios da evolução histórican. Os

ir•1.
li_
•• 350

principios Úico-juridicos nào são normas rreest.abelecidas Iam- literatura da especialidade indicarei agora apenas: P. HABER-
351

e
bem não são postos {pos1t1vados ). mas ••encontradosH ou {•des- LE: Die Wesensgeha/Jsgarantie des Art. 19 Abs II GG, 1962,
cobertos)>. Sobre as 1<descobertas juridicasv ver também o escrito pp. 3 l e ss.; R_ ZIPPELIUS. Wertungsprobleme im System der
de DÓLLE com este titulo. para o qual também LARENZ Grundrechte, (962. pp. 48 e ss.: W. KNIES. Schranken der
remete. Kunstfreiheit, 1_967. PP- 38 e ss .. 82 (com mais bibliografia e.
--~~11.An~ssagem g_~~s critica); Fr. MÜLLER, Jur. Methodik, 2.ª ed., 1976, pp. 48 e
1 '
bé'ns j!J ri({içqi. .9. ue_jn icialme nte .foi .ela borado...p_a!;ª&d_i~i~ ai ss., 52 e ss., 93 e ss. (igualmente com uma critica); D. de
e"'àparece expre~~-º n'!__nova fori:riut~ç_ào do l:j 34 do Có_digo Pen_al. LAZZER-D. ROHL, JurZ 1977. pp. 207 e ss. (rejeitando a
áêtú'ã · ãgOrá tâmbé!TICádãv'éz mais 11_ª. heu~-1t~,i'g!,..-4it~11,2, c_ivil. aplicação do «estado de necessidade supralegab) «nas intromis-
Assim-no ·«e.aso constaiíze)) (BGíi.Ziv.3. pp. 270 e ss. = JurZ sàes de escuta»). Em cgnexào com a (<ponderaçào_.de bens>,, veio
1952. pp. 227 e ss .. com anotação d!! KLEINE). Em seguida, tambt!m à discussao._a.Jdg.1ª_..çk_!dffiUQ.Úfr1DJ.::iilar,esn-Süb-

••
também na <•decisão registos fonográficos» {BGHZiv. i 7. pp . faCenk a Os dire_i1o_s fundªmentais ._
266 e ss.) e nas decisàes que nesta se apoiaram (v. infra, nota). - - ·sobre· a j:>orldCiaçào de beris no direito administrativo, ver p.
assim como nas decisões relativas à violação do direito geral de ex., H. ARNDT, Richterl. Rechtsfortbillg.. l9i0. pp. 13 e s. A
personalidade e a compensação dos danos imateriais dela resul- ponderação de ~.ens tem l_ugªr· ryo "direito. a~mi_n_istr_!lt,~,~o .-~

•1• tantes: BGH NJW 1960. pp. 476 e ss.= NJW 1961. pp. 2059 e
ss. (ponderação do direito de Personalidade perante o direito da
livre expressão da opinião). BGH NJW 1962. pp. 32 e ss.
(ponderação do direito de personalidade perante o interesse do
público no esclarecimento da verdade). BGH NJW 1963. pp.
signaaamêOte iio eXeféiCio ~ao--pc)dét.diSCilCionário -~· n~os _..!~P~_,­
rieamentos». Vide p. ex. BVefwGer. ·r4.2.1975, p. 1375: Num
Planeamento (com poder discricionário por parte da autoridade de
planeamento) é de preceito i<ponderar e confrontar rectamente
entre si os interesses pUblicos e privados que vão ser atingidosi>.

1:
902 e ss. (sob. II), OLG Hamburgo NJW 1962. pp. 2062 e s. A Ver sobre o ponto também H. J. WOLFF, Verwaltgsrecht, 8.a
este respeito, ver lambem H. HUBMANN. Der zivilrechtliche ed.§JIHc.
Schutz der Persónlichkeit gegen Jndiskretion, JurZ 1957. pp.

·•1.
12. Relativamente ao ponto versado a seguir no texto ver
521 e ss .. espec. p. 526, assim como J. _ESSER. lnteressenju- agora R. SCHREIBER. Logik des Rechts. 1962, pp. 57 e ss. (59
risprudenz heute, Juristenjahrbuch 1. l 960. pp. 111 e ss., e por e ss.): H. BOGS. ob. cit., p. l 35: sobretudo CANARIS. System-
último ainda K. LARENZ. Fests..-:hrift f. E. Klingmíiller. 1974. denken, 1969. designadamente pp. 53 e ss .. 112 e ss.: e da lite-
pp. 235 e ss. ratura estrangein1 indicaremos: G. GAVAZI, Dei/e Antinomie,
Da mesma forma. depois da chamada i<decisào Líithn. de 1959; A.I. BARA.TTA.Antinomie Giuridice, 1963; Ch. PEREL·
11• 15.l.1958 (BVerfGer. vol. 7.pp. 198 e ss. = JurZ 1958,pp. 119 ~1ANN (ed.), Les Antinomies en Droit. 1965. ~~J.!39

1. e ss.: e sobre ela p. ex. MAUNZ-DÜRIG. Kommentar z. GG,


n. 0 s 249 e ss .. ao Art. 5 GG). o principio da ponderação de bens
es!Orça-se por demonstra.r que as cont_ra_diç?es. a ,9ue.~~&!;Jf).~.e".,
refiro: não sàO. pelõ menos em parte. ·cO_iitr.a,diçóes lógic.:.~s.___1,ulgo

I• fni introduzido no Direito. CoFs1ituriô"lllll_1ªeS1gnãaameníê' Com


r~feí~nci~ -;,- delimitação dos direitos f~~da~enlaLs_). "ôU-pefó
t'jue também não a"fii-mei qUe o·se]arTi~·-M.as não haverá ainda. ao

••
lado das contradições lógicas. contradições doutra espécie? Have-
riienos lambem ai foi suscitada a respectiva quest;!o. ,ç: geralmen- rá, por ex., uma contradição lógica quando se caracteriza uma
l;-co'1hecido que aquele prln.cipio. sob a de.sígnação de (<estado de conduta como i<Contrária1> a uma norma jurídica'? Para mim, as
necessidade supralegab1, foi esgrimido no combate ao terrorismo. contradições postas em destaque na minha Einheit der Recht-
Para uma primeira orientação sobre o principio da ponderação de

••
sordn11ng, a pp. 41 e ss .. não tinham, de acordo com o contexto,
ben5 no direito pUblico (direito do Estado), v. Th. MAUNZ, D. outro significado senão o de perturbações daquela unidade da
Staalsrecht, 20.ª ed .. 1975. ~ l j l 3c. K. HESSE. Grdz. des ordem juridica. tal como também podemos apreender como per-
Verfassgsr., 9.ª ed .. l 976, pp. 28 e s., J 35 (com reservas). Da turbações da unidade arquitectónica os estilos diversos e Contras-

1.
l!
352
f 353

tantes duma igreja construtda em diferentes épocas. Que em «Se uma tal contradição existisse na crdem jund~_ela deslJ:üiria
especial as contradições de natureza técnico-legislativa não são ne"CesSãri:imente ·o-SiStert'!â'"JJ.!f€sQí!.~Ao postulado segundo o
contradições lógicas, concedo-o sem mais aquelas. É o que já qua:r-naõ podemos deixar subsistir contradições normativas.
resulta com assaz clareza do meu citado trabalho, pp. 45 e s., postulado esse que eu na minha «Unidade da ordem juridica1>.
onde acentuo explicitamente que temos de nos resignar ante tais p. 54, fundamentei ontologicamente e não. por forma. expressa.
contradições tenninológicas a fim de evitar desannonias mate- logicamente. refere-se. agora SCHREJBER considerando-o mes-
riais. Quâ, ~~~.,'..-~ .:::_~iaçào_de .~:l1t_id_o de conceitos_ hom~j­ mo como «postulado lógico» e como «exemplo ilustrativo do
mos, _tra uz!?a n~ ~oça~ _ «~~a_tl_~la~- do_s__ gl~!fQ~ 1uri- facto de as leis lógicas se tornarem a todas as luzes elementos
dicõs», êencarãCla coril.Oj:ii'ejudicial .~ unidade da_, ordem.jw;Idica integrantes do direito11 (sobre isto. a critica de CANARIS, ob.
~:-aesrâ'rte'":'· cõnlõ lima esPéCíe de -contTadlÇãO-;- e~QJiuiJessa~ cit., pp. l22 e s.). Segundo SCHREIBER, tem então de existir
por ex., das decisões BGHStr. -6, pp. 42 e s.-,· e··s9H:Zlv:J9, p. - 11uma regulamentação que estabeleça qual a norma que, em caso
3 3 5, onde em cada caso se declara que corresponde ãO srrllidó da de conflito. tem precedência>1, uma regulamentação tal como
Çriid"ade ·da ·orderrl~ jliÍidica -·i_iltefprei:ai_ éertõs .~~t?j~Ll~ aquela que, para o exemplo referido no texto, podem.os encontrar
~n_contram em diferentes__ disposiçôes legais dum_m_.Qi;l_<Lunifonne. na Lei Militar, SJ 11, e no Código Perlal Militar. S 5.
Cfr. sobre o ponto ainda BVerfGer. vol. 33, pp. 57 e ss. =NJW Caso falte tal reg~lameotaç~o e não e_xista_qualque_r_ ~ol~ào __
1972, pp. 1934 e ss. sob n lc (transposição da definição legal de juridiC'a~do problema de sabe_r qual das._ dtta'§...!1.QfllJli_um,...cQ.Ptra....
«meios de propaganda)) do § 86 do Cód. Penal para outras dis- di<;ãÕ em caso de c9nl]_jtq, tell! a preferenda, por~.taLforma___que_- .
posições) e agora também HANACK, ob. cit., pp. 156 e s. s_eTia· pura «ai-bitrariedadeH_ CC!nferir prevalê.n_~~a a um~_ ~1.~ ..
Concordando com a minha réplica contra SCHREIBER: CANA- então a proibiçào da ilfbltrail.e'dadê êon'dui_ a ·acCfrãª9' :i:tâjni.m-
RJS, ob. cit., p. 120, nota 30. lidade das nonnas ·que brigam ~eritré si" ê Su-rge......um:a «lacu.n~ Q~.-~.­
Sobre_ as contrac!_i_çQ?S __normativas e as valorauvas. Yer_de. Coiisào)) (assim com -toàa- a ·raZã"o-CA"N"ARlS .- ób."Çü:·p. 124 ).
resto -ãdiãn"te, nótâs 14 e 15. Uma questão que talvez ainda Sobre este ponto, cfr. infra. Ver de resto sobre as contradi<;ões
mereça ser esclarecida é a de saber se e em que sentido as normativas p. ex. também KELSEN, Reine Rechtslehre, 2.• ed .•
«decisões ctivergentes1>, nos tennos dos § § 120, al. 3, 12 l. ai. 2, 19ó0, pp. 209 e ss.; LARENZ,Methodenlehre, pp. 174, 235, 2.•
e 136 do Estatuto Judiciário (cfr. a propósito infra, no texto, pp. ed .. l 969. pp. 207 e 293 e s .. 3.• ed., 250 e ss., 299; O.
365 e sg .. e a nota 3 do cap. VIII. assim como o estudo de WEINBERGER. Rechts!ogik, 1970. pp. 214 e ss.
HANACK citado na nota 12, autor que a este propósito fala 14. Escreve a propósito SCHREIBER. ob. cit .. p. 60: <~~m_a
repetidas vezes de 1<contradições>J na aplicação do Direito), contradição em sentido_lógico não existe.aqui». (Até este.ponto
decisões essas que igualmeryte põem em perigo a unidade da e;iamos de acordo, pois que isso tambem eu o não afinno ).
ordem jurídica. - deverão ser consideradas como contradições Depois coniinUa:.(<É taffibeffi errónea: a ideia de que haveriª,agui
lógicas em sentido estrito (no sentido de SCHREIBER_). E o uma contradição no sistema vaJorativo a:a ordem- jÜiidica. Pois
mesmo se diga da questão de saber se as violações do hoje tão qiie apenas esta determina o sistema de valores_: Não há qualquer·
importante princípio da igualdade (Art. 3 da Constituição), ou siStema de valores ·tora da oídem jµrM:lica ao qual. esta est~ja sub-
-seja, pois, o diferente tratamento jurídico de duas situações da metida. se--ENGISCH pe·nsa qiie o -nosso Código Penal consi-
vida idênticas, constituem contradições <dogicas» ou tâo-só (!) -aera· mais grave o matar dolosamente uma pessoa do que o pôr
juridicas. Aqui somente posso colocar a questão. mas_nâo cr,:atã~ effi pi.'ilii:>":táITfbeii'l dOloSamente~uma vida atr<ivêf dô' t!njeitaffieá-
_-la. Pelo qtie respeita ao primeiro problema, deverá ser ~e~-i~_lY_'"i­ to, -engan'à-se·. Com efeito, precisaffiente a excepção que ele toma
estoutrã. questão: a de saber se as ~ecisóes que se «contr~d~íQ~ --como-·"Contradi<;âo revela que o seu asserto não tem validade
-se referem a uma e mesma questão juridica. exclusiva. Um regime legal que é insatisfatório não é, por isso
13. Reconhece-o aliás tambêm SCHREIBER. ob. cit., p. 60: mcsn10, contraditório». A isto tenho a replii::ar: l) pode jmpugnar_-
354 355

-~e" co_lll_Q_ tes~ ~BrQnunc:iªd_arue11.te_ P9~_i.~vis_ta '.! _af!!:..Illaç_~~~-9~ que tambem recorrer-se a uma «reductio ad absurdumJ>. Sobre este
não ha qualquer sistema de valores fora da ordem jundica ..e...ao ponto, U. DlEDERlCHSEN. Larenzfestschr .. 1973. pp. 155
(jUãf'êstãêSiârlaSU]eTti: é)Uêro~_ Põrem: -
aCei4;1a ~qui---€omo e ss.
hipótese .. para ponto_ de partida:- 2) Q!ls.._o..CodigG-..Pt;.nal- ·v1gente 16. Cfr. ESSER. Grundsatz, pp. 80 es .. 158 e s.: H.
jlllga mais severamente O facto dt;. maTar dolosamente uma peSSO~ · PETERS, em COING. Die juristischen Ausíegungsmethoden.
dõ-que-o lfe·pi.)r--e·m ·perigo·-um.~f víCfii atriíVéS~ aCiên]éiiã'rfíe'õlo. 1959, pp. 35 e s.; LARENZ, ob. cit.. pp. 314 e s .. 2.ª ed .. 1969.
Punido pelo ~221. isso resulta da·com·para:<;ãó-OãSCõffiiiiãçOéS pp. 394 e ss .. 3.• ed., 1975. pp. 410 e ss.: KELLER. ob. cit.. pp.
pellais c·ontid'â.S- nõs "§ ~f221-:-212 e--i-i-~~ófu_3s .·~@as naglle-le l 23 e ss.: REHFELDT. Einfi.d. Rechtsw., 1962. pp. l 15 e ss.
S 211 .:_ onde sem duvida· Se Parte da ideia de que na punição do CANARIS. Syscemdenken, pp. 115 e s. aspira a distinguir entre
enjeitamento se trata de punir o pói" em perigõ úffiã·y~f,'-ÇüiliOê­ as genumas contradições de principias que perturbam a unidade
doutrina inteiram·ente dominante (v .. p~ ex· ..-SCH'ONKE-SCH- da ordem juridica e as «contraposições de principiosn equi-
RÕDER. Kommeniar zum -Strafgeseubuch /, ao ~ 221, e a libradas dentro daquela unidade mediante um «compromisso».
citada do Tribunal do Reich. pp. 409 e s.): 3) seria forcado a Como exemplo duma contraposição de principias refere a tensào
reconhecer que o -~_22_1. -_ai. ~· :o~st_it~i_.l,!m~ __!,_e!f!J?5:áO" ao no nosso direito sucessório entre o principio da liberdade testa-
§'2 t'h-se··o-JegiStâdor tivesse conscien~emente..._eliçolbído..a...comi­ mentária e o principio da protecção da familia segundo o qual
naçào penal daquele prfn_:ié!rO !e~lo_ e_~h:·e~se CQ_l)_SÇi!!;!}.!_e._e__gcl!be- nomeadamente os parentes próximos não devem ser totalmente
radamente querido a exclusão ~-~'!_SOS m~..!l.~- g!:.ª.!'.~s_._ ~m exclutdos da herança. Esta tensào encontra o seu equilíbrio ou
õpóSTÇâb-ão §°217:~ ar:-z:--transparece,_. P9!~fll._ q~e .-lllJ _não fonna de composição no direito a legitima. Aparentemente para
acoõteceu, e dai re~ultaf Uf!l8: dlvergencia çla _yaloraçáo !!' da esta distinção conta o facto de o próprio legislador ter contem-
punição que não só se apreende como insatisfaJor_@ qum ponto de plado a contradição dos princ1pios e de ter tentado eliminá-la, ao
Vista exterior ao sistema, como lambem se reconhece e_~istir a luz passo que nas contradiçóes genumas a antinomia nos surge com
do «sistema de valores» imanente (!)ao Codigo Penal. Destarte. toda a sua crueza e o jurista tem que procurar uma sa1da, ou seja.
e sem duvida legitimo supor, com o Tribunal do Rerch. a vê-se perante o problema de empenhar todo o seu esforço para a
existencia duma (•contradição» (valorativa). Ques\ào completa- eliminar. A questão de saber se no caso concreto su~ge __ um,a
mente diferente e a de saber se uma tal conrradiçào va!orativa i<contraposiçàO'l ou uma «contradiçáon' nem Scrjipri;: será P,e
pode ser afastada. Sobre o ponto, infra. resposta fácil. De resto também no nosso texto é r~conh~cida a
15. Ate este ponto. tambem CANARIS. ob. cic.. pp. 120. drversidade das «contradições de princ1pios» .. ,
127. concorda. pois concede em geral que existem limites para a 17. Sobre o ponto ver a literatura indicada na nota 12 do
eliminação de contradições valorativas (pp. 119 e ss .. 126 e S5.J. Cap. IV. De entre os trabalhos mais recentes merece_,destaque
Contraria no entanfo (p. 116) a minha opinião de que, quanro ãs especial o estudo de J. SCHMIDT-SALTZER, in DOV 1969,
contradiçóes valorativas (e_de principias). «em geral temos que pp. 97 e ss., onde se encontram bons exemplos para os quais
nos resignar perante elas;). Pois, como se trata aqui de violaçóes remetemos. em lugar dos anterioremente referidos nesta nota
do principio da igualdade, o jurista tem de. para as afastar. <(faz:er (BVerfGE· 2, PP- 336 e ss. e BGHStr 13. pp. 102 e ·"-"-l- Em
intervir todo o seu arsenal metodologico•). Por outro b.do sustenta todo o caso, do BGHStr. 13. p. 117. citaremos as seguintes
a opinião (pp. 125 e ss.) de que as violações em causa do frases. particularmente importantes: «A interpretação tem tam-
principio fundamental da igualdade podem levar ate a inconsti- bém de entrar em conta com o facto de que importa proceder de
tucionalidade e a nulidade das disposições «contrarias ao siste- modo a que a totalidade dos dispositivos da lei se integrem o mais
ma". Sobre o ponto de vista da ~<equidade)> como meio de facilmente possivel num todo sem contradições. Se resulta impos-
eliminação de contradiçóes valorativas. cfr. E. v. SAVIGNY. sivel conciliar um preceito anteriormente promulgado, com o
Juristiche Dogmatik. 1976, pp. 60 e ss. Eventualmente podera sentido que os seus autores lhe quiseram atribuir. com um
•• 356
357

•• preceito posterior de escal::io mais elevado, mas o teor verbal com o pensamgnto-do-«estada-de- nec.e.ssidade_jutidirou e a

,.'1•
daquele primeiro preceito permite conferir-lhe um sentido que não C(!:ntradi~m a «consciênci!_juriº!Ǫ---~r_ab) pelo ijue como
entra em contradição com a norma posterior de superior catego- fãi'iilXHtro-mOst!ãiii_Os_CiêniPlos_...mr ele referidos insere 0°
ria. e admissivc! interpreta-lo neste sentido». Pelo _menos do -dunúnio -do--desen"9"1:>IVihiCõtô_jildí_cla1Jio.JlireitQJ$que altera a.Jein.. ~
ponlo de vista duma teoria interpretati,1;'.a_}'!_.bji<:.4.....Villª"'-~~ ~bêm õiítOOS cãSOSque não ~- <?~- ~~ 1ei in.ilJ.~11-imom.t.
esnt=ãqUl em jofóâo(juê umâ-SifnP'iê$- i;lnterpret~çà~• ~aj?~a..--· ~árhr-aoCfifeíto õ.atiµil);-II5EM, in NJW 1965, pp. 1 e ss.
àd<iPtação jundico-eVolutiva dÔ Dir~ff~-~~ntjgg__~ª'-PO-~ (PãrãUiilâ-Criticii. R~SÓELL, D. Ennessen d. Eingriffsverwltg,
,1. a·
jlirídica g!Oba!. em pariicútài- Constituiçâp vigent~,,,...., 1973, PP- 153 e s., nota 17); K. PETERS, Das Gewissen des
Richter:s. 1950, pp. 23 e ss. (33); LESS, ob. cit, especialmente p.
18. No te:<to que segue limito-me a este caso extremo de

'1.•
11
conflito. LARENZ. Methoden/ehre, 3.ª ed., pp. 402 e ss_ .. versa 81; KONIG, ob. cit.; ZIMMERMANN, NJW 1956, pp. I 263 e
amplan::ie_nt~_taj_qs o_s_~d~~ç~yolvimentos evolutivos do direito"'!jüC s.; BENDER JurZ !957, pp. 601 e s.; BACHOF, DOV 196!,

,.
P<issã;n alem da lei» - HextriTCgem•1:POrtantÕ~íiiêíulnd_9"'ãqlié- p. 928, JurZ 1963, PP- 697 e ss.; A. KAUFMANN, Gesetz, nota
les que nào vão 1<contra-legenv). · ~·-->=-'· 22 e t~xto correspondente; ROTH-STIELOW, Die Aujlehnung

1· ~ 19. A res-PCiio desúi:- evolução sob o domínio do Nacional-


-Socialismo. BOCKELMANN. pp. 34 e ss.; Eb. SCHt-,11DT.
Lehrkom1nentar zur S1rafprozessordnung J. J 952, p. 214. 2.ª
ed .. 1964, p. 280. Ver de resto sobre a pràtica jurídica sob o
des Ru:hters, 1963, PP- 36 e ss. («A des-0rdem não vincula o
juiz»); H. HENKEL. Einjührung in die Rechtsphilosophie,
1964, pp. 455 e ss., 2.• ed., 1977, pp. 563 e ss.; R ZIPPELIUS
Li~_nnann-Festschrift, 1964, pp. 305 e ss. (317 e ss.); Fr'.

I•• Nacional-Socialismo o grande trabalho de B. RÚTHERS. Die


unbegrenzte Auslegung, 1968. Exemplo drástico de uma aplica-
ção inescrupulosa dum preceito penal. motivada por mera sub-
MULLER Arch.õtf.R. 95, 1970, p. 162; G. GRÜNWAW.
Zur Kritik d. Lehre v. überpositiven Recht (Bonner Rektoratsre--
de). 1971; R FISCHER,Die WeiterbildungdesRechts, 1971; I.

••
missão ils intenções políticas da governação. com inteira eman- EBSEN. Gesetzesbindg., 1974. pp. 55 e ss.; B. HEUSINGER,
cipação do Hteor verbal» e ate do fim original visado pela lei . Rechtsfindg., 1915. pp. 105 e ss. Da Jurisprudência, p. ex ..
témo-lo na extensão do conceito de <1publicidade1• a propósito das BGHStr. 2, p. 237; SchwG Kõln, NJW 1952. p. 358. Relati-
palavras «desmoralizadoras para o exercito)•. Cfr. sobre o ponto. vamente às violações do princípio da igualdade supralegaJ:

••
e.g .. BGHStr. J. pp. 116 e sgs.: (lo modo de aplicar o ~ 5, ai. 1, BGHZiv. NJW 1955, p. 905; cfr. ainda BArbG in Arbeit und
do Decr~~o ~Q~n/!!. espec~µI_ para .tempo_ de __guerra _era_cçn~r.ário a Recht 1962, pp. 382 e ss. Particula.-mente digno de nota BVerfG
toda"ã int~iyr_etaÇáó aceitavel da lei. p_elo menos nos casos cm 23, pp. 98 e ss. = JurZ 1968, pp. 422 e ss., onde se diz: 1<0
que o r·equisiro da Publicidade era desde leigo· 'ãfirffiâCiõSe"o ~lr.:ito e a jlliitiça não estão-na disponibilidade_. do_kgi_slªd_g.r_....FOr
!~-~~º·_BVerfG afirmou a wssibili~ad_~d~_recus~~S­

••
agente- não -tivera qualquer garantia ·do siléntió-dóOéstíílilàtio
('sei. individual) e devp~e _l!Oí!tar coin a diY~Jgaçãa_dãS.....suas.. «Ju~i::11cas1~ naci~nalistas validad~ e_n_q~~~~ ~i!.e!!9.-~rqu~~
Palavras·: -sem que se curasse de saber se ele contou com tal ~r~~i:z_eEI :~~-Q_bvuµnente princ.ipJ9§. _fµndam.entais.d"ã .justiça..que.G
posSibilidade e a aceitoUJ•. Vê-se, assim. onde se Cheg;.-;;;~uma' JU_1z que as. aplicasse pro~_riria, não. o direito, mas um-·contra-
àpTicaÇào-«dtnãmica>) do· Clireito que despreze o «teor verbal»~ -<E!__"i'.~lt_?J); critica esta decisão A. N. MAKAROV, JurZ 1968, pp.

•• 20. Outras tomadas de posiçào e argumentos no sentido


desta tese e teses semelhantes em Eb. SCHMJDT. Gesetz u.nd
Richter, pp. 12 e ss .. 16 e ss.: H. COING, Rechtsphilosophie.
559 e ss.; mas o signilicado da exposta tese do BVerfG não é
diminuído cãSOcrseuresultâàô -cOnCTetõ:-p0rrorça--clê" UrriãfaT~a
i_~tirpii_tação do art.- 116 ·dá=J:ei"Fuitdáffi'Criiâ(õãõ(ôSSe~;~rrec­

••
1950. p. 258. nota 2; H. WELZEL. Strafrecht, 11.ª ed .. 1969. U!· o que eu no _entanto nero . -ie~admitliia. Eni ge·rã!SoÕi'e-o

.
S 78 B li; ENNECCERUS-NIPPERDEY. 15.' ed .. 1959. pp. ~irei to !lª_t_u!a~ na jur~sp~c!_ê_QÇi!!_ a_!.!_~~àJP~~gl,lerrã)i;'"v'.-a-diS-;
344 e ss.: LARENZ. A1ethodenlehre, pp. 319 e ss .. 2.a ed .. sertação de EI. LINSMAYER. com idênticó ·tiÍÜIÕ~iiiq'ue
1969. pp. 401 e ss .. 3.• ed .. 1975. pp. 417 e ss. (LARENZ ope_ra.. .. - 1963, assim como H. WEINKAUFF, NJW 1960, pp. 1689 e
-.-----·
,


'
158 ]59

E ss .. e Fr. WIEACKER. JurZ 1961. pp. 337 e ss. Para uma dis-
cussão do direito natural na actua!idade: BOCKELMANN. ob.
ci1.. pp. 37 e ss.: Eb. SCHMIDT, ob. cit.. pp. 14 e ss. e
Lehrkomm. 1. pp. 218 e ss .• 2.ª ed .. pp. 281 e ss.: NA WlASKY.
JurZ 1954. pp. 717 e ss.: WESTERMANN. ob. cit.. pp. 25 e
Systemdenken, 1969. pp. !06 e ss .. com razão. entre descoberta
do direito «Conforme ao sistema=>. por um lado. e degnwh·i·
menta evofüuvo do direito (Rechts_fàrfl,j·fciUng) seg,un,.22..QS1.ntu:s...de
Vista _qa·-,ijUJl~ç,ª- gi_ateo.ab, trãii.SC:Cndefitc.._PilLill!lIQ,.E~stc
autor demonstra a distinção por forma inlu1vcl a proposito do

= ss.: EVERS. Der Richter und das unsiuliche Gesetz. 1956. pp.
66 e ss.: Th. RITTLER. Schw. Z. f. Str. 72, 1957, pp. 268 e ss.:
FORSTHOFF. ob. cit.: Tr. RAMM, ob. cit., pp. 353 e s~. {359 e
ss.): D. JESCH, JurZ 1963, pp. 241 e ss. (244): E. STEIN.
NJW 1964. pp. 1745 e ss. (1748 e ss.), este pronunciando-se
tambem sobre a posição de LARENZ. que replicou no NJW
tratamento da 1<actividade propensa a danos .., no direito do traba-
lho. Perante a latitude e a pluralidade de signi!it.:ação do bcnquis-
to termo 1•Rechtsfortbildung» j«descnvolvimcrnu complementar
do direíto») (ele \·ai desde a interpretação <•l:riadora». atraves da
concretização de clausulas gerais e da integração de lacunas. ate
qualquer especic de rectiflcação do direito incorrccto ou falhadLl:
1965, pp. 3 e 8: J. HIRSCH. JurRundschau l966, pp. 334 e ss.: cfr. apenas K. REDEKER. NJW 1972. pp. 409 e ss.). e sempre
W. MAIHOFER {ed.). Na1urrechr oder Rechtspositivismus?, de preceito usar de._cautela na u_tilizaç:i.o do _mesmo.-. 0fç_çµ_S},p_qr...,...
1966~ E. FRA.NSSEN. JurZ, 1969. pp. 766 e ss .• e sobre a üITi-1.i-ibUilãf' dã".ãjllii:âç3o ·de· uniã ~disi}oSii;ão -d3\Ci em razão da
posição deste de novo H. WEINKAUFF, JurZ 1970. pp. 54 e injdslíça "'desta. da sUá coritradiÇàO 'cúffi.ós · bonS Cüslu_mcs Õu- Com
ss.: por Ultimo. W. FIKENTSCHER,J\.fethoden des Rechts Ili. o-dITeitõ-- ni"turãl~ Que em larga mcdid:l sê Co'nIUf!de· c~ni_i~Ccíã-:.•
1976. pp. 332 e ss. ~~Q....~~e_s_ec..Q!!~JLW.!lQiçs.Q.i_g~e ração de nulidade do preCeito jv. p. ex. BVerfG 23. pp. 98 e ss.).
uma regulamentação legal. co~'? P-.-E~--~.d}__S!!gujam.en1a~o e-éeítàmeíúe Um jxfrtícular cãs'o extremo de "Rechtsfortbit-
abono no direito ate aq-Ui ·vigente, não pode bastar p~_ra_p~rmi_!i!:_jl dung)>.
JU-Stiç.a o afastamento daqUela. Sotli-e o- pi--õb!errlã-P:~ pµ,ni_Qilidade 23. Sobre esta reira.ja uma l'CZ atr:is mencionada. do ponto
do· juiz por aplicação de leis_imorai~: .Eb. SCH!\.UDT, Lehr- de vista historico e critico: H. KRAUSE. no Z. Sav. Stiftg. f.
kOmm., 1952. pp. 215 e ss .. 219 e ss.: EVERS, DRIZ 1955, pp. RGesch .• Kanon. Abtlg. 77 ._ 1960. pp. 81 e ss. ~..b.J-1..?!'.'.Jllº~tJ;a..
187 e ss.: RITTLER. ob. ciL, pp. 273 e ss.: E!. LINSMAYER, que a regra provem do d1rc1lo canonico e não. como cu proprio

•~- ob. cit., pp. 112 e ss.; SCHÓNKE-SCHRÓDER. Komm., 18.a


ed .. 1976. nota 5 ao * 336.
21. Zlt\-1MERMANN. ob. cit.. pp. 959 e ss .. fala de ,sasos
«indubitavelmente imprevistos pelo legislador» e rmp;;-r-~ais
anteriornienle supunha. do direito rQmanq;. fy!gstra'aLnOa que a
regrã·foi-iiilpugnada no sel:. XIX e so fcCemcmcn1e volt:l a achar
aceitação. A •<queda" da regrn no scc. XIX e pormeno-
rizadamente exposta naja mencionada disscrl<u.;ào de HAAG (de

1•1• natural um entendimento da decisão que a considera-··como


preenchimento de uma lacuna. Ao mesmo re~µl.tadn._.cbega
1=::~_!l-E_N_,4_,_9b .. cit.,_que __cQ!_lsidera ã_";tfiotàvd)>- dêcisão-do-BOH
como u~'!~~ c_la__ P,or ele chamada «redução teleológica))_,.js.líLe.
resto tambem instrutiva sobre o conteudo e o alcance da regra).
Depois que J. KOHLER e L. KUHLENBECK. como «precur-
sores'' !HAAG. pp. 76 e ss. J. de novo se afervoraram pela regra.
declarava p. ex. REICHEL em "Gesetz und Richterspruch>1
cra-~iíliriitaçào exigida pelo _sentido» feita a uma regi:a.legal-«de. (1915). pp. !35 e ss .. que uma lei não ~dC!'Ç __ c_ontinuar._a_ser-
1• aplicada qua_ndo. por fon;ã-aerTIOdif~açÓCs nas ci_rcunst:ll}Ç@~_!ie

••
ãCOrdO-êom· a ··re1e.cilogia imanente da lei» (Methodenlehre, p.
296,-2.ª ed., 1969, p. 369; 3.• ed .. 1975, p. 377: cfr. também fat10:-aCíXa de poder alcançar o fim racior.al quç.,yrj_gLn,a_riament~
supra, nota 9). sC propós~(õ. cjue tarilbem· a-c-~:-enà-Valer·. elTI ~ninha opinião. ainda
22. NJW 1952. p. 960. Cfr. também ENNECCERUS- no que· 1ocà aos erros de concepção originarlos ):-Ja foi ·abserVâdo


-NIPPERDEY. ob. cit.. ~ 59 1 2. assim como a minha Einheir que tambcm -a -conhecida -Hdecisão sobre· rcgis'toS fo'nogr,aficos»
der Rechtsordnung, pp. 86 e s .. nota 2. com indicação de (8GHZh-. 17. pp. 166 e ss.) se fundou na m<ixima «cessante

~
posições anteriores: literalura mais recente na nota 20. De modo ratione ... ''- Na esteira desta decisão seguiram-se outras. p. ex .• a
anã.logo ao que se diz no texto distingue também CANARJS. <•decisão sobre fOtocopias» (BGHZiv. 18. pp. 4-t e ss.): cfr. sobre

i•
•• 360
1
J
1
'
361

•• este ponto R. PEHLE. Richterl. Rech'st:.:fonbi/dung, 1969. pp. 7


e ss. Sobre a questão de fundo "crificou-se entretanto 3 inten·en-
çào da nova Lei de direitos de autor de 9.9.1965. Sobre o facto
discutida»); O. NORR. Arch.Ziv.Pr. l58. 1959, pp. 1 e ss.: P.
HART~tANN.NJW 1962.pp. 12css .. eNJW 1964.pp. 79Je
ss. 1796 e ss.): M. LOfFLER. NJW 1962. pp. 225 e ss.; E.

•• de que também o BArbG e o BFinH operam com o princípio BOTTICHER. ~tDR 1963. pp. 353 e ss.: E. STEIN. NJW
''cessante ratione ... >), ver supra, nota 1 l do Cap. IV. Sobre os 1964. p. 174'::); K. LARENZ. NJ\"l 1965. p. 8: W. FLUME.
limites da aplicabilidade do principio. v. CANARIS, Lücken, pp. Richrer und Rechr (46. D. Juristentag). 1967. pp. 8 e ss .
l89 e ss. Por outro lado. CANAR1S. ib., pp. 89 e s_s .. destacou Repetidas ye~el..-te_,,,Q!?~~..gu~.~º _!:!GJ::LQesrg_spc.irou..a~p;oi.Q.ição­


••
como paralêíaãquele -priri-c-1'piõ -a·· «êXtefisãO-í.elê(jiógica)~-ª1
a"'raúo conduz, ·n·ãa- a uma limitação. maS ·a· um· afal-gan1ento da
aplicação de um preceito. Vide sobre a·· ponto· agôi'à[aiii.6eili
L-ARENZ, Me1hod~nle~._~-:-.!.2.§.~.J!P~~~§,;:J~d::­
l~~gm5. Esta extensão teleologica situa-se entre uma
ãâ"~ãnâiõiià do ~ 25.3. _Cfr. sup_ra, nota 8. Contra o_ ~Qt-1
'dedliram ·se algUílS_ lfib~~â'íS_~~~~íL~:!iS _d?~-1-#Q_~eí_fV. · _~1~-
1962. pp. 2062 N.·~ __7S_,8J, __ ,Crintudo~o-,BGH-não,se deixou
·impressionar. Em _nov-as decisóes (NJ__W 1963, pp .. 902 e s .. e .904
es.'fà-"ii-itc11-çáo do desenvofvim_ento compl~~_n!adgr,_do direito,
d'ãOeSvínctlt'a('àú-ãe'pre"s"éfiçõe_s·~_TeiiiiS envelhecidas. ap~çe
interpretação que aindâ respeita: õ. sentido vefbal 'POssivel e-a

••
'"analogia! - ·-- -. --~ .,_ ... -..-- · ·· ---·-~·--~--· ãindã mâis ã:fiertaffiente ~·á;-depõis cllie õ sVerfGer-. _nõChama-
~ 24. Vide as respectivas fundamentações'. Na sentença rela- áo 1<caio Soraya1>. (cfr·:-;up;:a;-"TIOtá" 8} ãtestO_U_ ã_ cÕ~for:mid_iide --ª ·
tiva à rendi! por acidente. o BGH pensa em primeira linha numa -côílstituição da juriiprui:ifncia·cte C{ireito civil, as resen'as ate
interpretaçào teleológico-restritiva; na sentença sobre registos ãqui· feitas-·come.;;aram de certo modo a entrar em silencio:

•• fonogr::ificos a decisão aparece justifi_cada atraves da <linterpre-


taçào segundo o sentido e o fim da lei»: na sentença sobre
fotocópias. fala-se igualmente de «interpretação restritiva. de
l:ARENZ. Merhodeiilehre. 3.• ed .. 1975. p. 417. reconhece
resignadamente «a força de um direito consuetudinário)>,


harmonia com o sentido e o fim da lei>;; no caso do cavaleiro. o
conceito de liberdade (de movimento e actividade) usado no

••
~ 847 C estendido. por via analogica, ã liberdade de cada um de
"dispor por decisão próprian da sua imagem. Cfr. ainda e uma
vez mais BArbGer .. JurZ 58. pp. 254 e ss.
25. Vide p. ex. relativamente ã decisão sobre registos

••
fonograficos: H. O. de Boor. JurZ 1955. p. 747 (fala--se de
\<Ínterpretaçàon, mas na verdade trata-se de uma adaptação da lei
a evoluçào da vida social). e LARENZ, /14ethodenlehre, p.
287. 2.° ed., 1969, p. 359 (nào 1<inlerpretaçào restritiva11. como

••
atirma o BGH. mas preenchimento de uma ><lacuna encoberta
superveniente» atraves da <1reduçào teleológica)))~ assim coµio
pelo que respeita ã discutida Hdecisào do cavaleiro". â qual se
vieram juntar várias outras (a chamada «decisão Kukident1f:

••
BGHZiv. 30. pp. 7 e ss. = NJW 1959, pp. 1269 e ss .. e a
chamada «decisão Ginscng»: BGHZiv. 35. pp. 363 e ss. = NJW
1961, pp. 2059 e ss .. inter alia): LARENZ. NJW 1958. pp. 827
e ss., Methodenlehre, pp. 317 e ss., 2.• ed .• 1969, p. 398 e s. (no

••
caso do cavaleiro o BGH teria urespondido segundo o seu bom
part:cer e contra a lei a uma questão juridico·politicamente ainda
Capítulo VIII

DA LEI PARA O DIREITO,


DA JURISPRUDENCIA PARA A
FILOSOFIA DO DIREITO

No começo do capitulo Ili deste livro verificámos


que o pensamento do jurista moderno se orienta, em
primeira linha, pela lei. Em volta da lei. do seu alcance,
dos seus limites, das suas lacunas e das suas incorrec-
ções giraram, por isso, as considerações de todos os
capítulos subsequentes, se bem que tivéssemos sempre
presente, como meta. a descoberta do Direito no caso
concreto. Se agora, no presente capitulo. não queremos
propriamente fazer caso omisso desta vinculação do
jurista à lei, mas pretendemos, todavia. reconhecer a
sua relatividade e carácter condicional, devemos come-
çar por acentuar bem que, até aqui, fundamentalmente,
apenas tomámos como objecto do nosso estudo a forma
de pensamento do moderno jurista ocidental do conti-
nente europeu. A limitação impunha-se. Urna metodo-
logia universal do pensamento jurídico que tivesse que
percorrer todas as suas formas não era possível neste
lugar. Mas não queremos nem podemos esquecer que a
Jurisprudência, se pusennos de parte todos os seus
limites espaciais e temporais, conhece outros métodos,
além dos que até aqui foram descritos, quando se
propõe dominar e conformar a vida através do pensa-

{J6J)
•• 364 365

•• meato juridico. Não nos queremos reterir de modo


algum a uma fonna intuitiva ou até oportunista de des-
cobrir o Direito do caso concreto, método este com
que jã foi decidido por um tribunal investido da corres-
pondente autoridade. deve ser decidido de modo igual.
Üra é evidente que cada caso apresenta as suas parti-
le que, de quando em vez, topamos na história do Direito cularidades, de modo que surge sempre o proble1na de


le
e que é aquele mesmo que, devidamente apurado e
assente num conhecimento exacto dos .:<factos jurídi-
cos», muitos dos adeptos da teoria do Direito Livre
tinham em mente. A custo se podera elaborar uma
saber se o novo caso é igual a outro, anteriormente
decidido através do precedente judicial, sob os aspectos
conSiderados essenciais: Além __ disso, a regra juridi~a
...,.._...,. .... --:-............,.-·~ '
expressa num anterior pre_cedet}!~,_Ju_d1ç1ªl._gapenas. e

1.
le metodologia juridica especifica com referência a um tal
Direito Livre, para além daquilo que já pusemos em
VincuJãtiva 'nã" ~;-didae~ .-91.!.~~f~ necessária._p.awl.....a
déêi;ão- d~. ~~so juri~ico ,9~_ ~!l:~?_Q;_ se. _el?. Ioi _conc~!;?j<JJ~
com maior amplitude ctO que a que teria sido necessária,
'1.•
relevo no capítulo sobre a «apreciação discricionária»
(Freies Ermessen). Quanto a este aspecto das coisas, õáO-Cà~~~i!l,li ,gs~a_pÁrt~ !!lTIP _'.r_atjp__ decidendi:_Q_~i§__iva
le podemos contentar-nos, por isso, com wna remissão para-O futuro. mas, antes, um 'obiter ~çtum'.Jrrelevan=.
para aquilo que nesse lugar dissemos. No que nós ·te ... do juiz». NotainOS ·que-há-ãéilii-diversos pontos de
pensamos agora é apenas naqueles métodos de des- partida para «e~cluir como não vinculativos preceden-
coberta do Direito não vinculados à lei que põem ao tes incómodos», e que, por outro lado, o juiz inglês só
1• pensamento juridico problemas inteiramente novos. raramente e contrafeito se resolve «a passar por cima

1•1•
,.1.
Entre estes deve pelo menos destacar-se um: ades- dum precedente (over-ro/e ), por ele ser ·claramente
cobtltü -do-Difé[tõ-ãiTà-Vés. de- pr_e_C~Jj;;g~;.~-(~~9~-é. irrazoâvel' (p/ainly unreasonable))). Estas breves indi-
sabido, este método - roe e1âhõ'rado no domínio dos cações devem ser já suficientes para nos permitir o re-
direitos anglo-saxónicos sob o - O.õrne de-· CaSe~La~: conhecimento de algo de metodologicamente digno de
RADBRUCH-descreveu o método em questão de um nota. E desde logo podemos reconhec-er isto: que um
nlóâo-·'S"ü.cihto mas certeiro. Seja-me permitido, -Pois, método análogo se encontra também fonnado entre nós,
1. reportãi-me â sua exposição. A- especificidade do Case
Law reside em que o apoio que o juiz continental
na medida em que (em todo o caso só nessa medidaJ 11 ,
dentro dos tribunais superiores (antigamente o Tribunal
le nonnalmente encontra na lei é, neste sistema, represen- do Reich, agora os Tribunais Federais e os Tribunais

ri•
ie
tado pelas decisões individuais anteriores de um tribu-
nal superior (House of Lords, Court of Appeal), e isto
nào só quanto àqueles pontos sobre os quais a lei e pura
Superiores dos Liinder), o desvio dos precedentes des-
tes tribunais pelo que respeita a casos do mesmo tipo,
se bem que não seja proibido, é todavia dificultado

1.
1. e simplesmente omissa, mas também quanco àqueles
outros em que se trata de uma interpretação duvidosa
da mesma lei. Se o caso a decidir é igual a um outro
(vide § § 120, al. 3, 121, ai. 3, e 136 do Estatuto
Judiciãrio, Art. 95 da Lei Fundamental. conforme Lei
de 19.6.1968). Destarte põe-se uma questão seme-

'•
1.
366 367

lhante, ou seja: é um caso novo a decidir equiparável Regressemos ao nosso pensamento juridico da
em pontos essenciais a outro já decidido pelo tribunal Europa continental que, como dissemos. hoje se orienta
superior. e o ponto de vista jurídico expresso numa na sua maior parte pela lei. Mas também já pudemos
decisão anterior constituiu efectivamente a base dessa observar em muitas passagens deste livro que, ao lidar
decisão, ou tratar-se-á apenas dum <~obiter dictum» '? com a lei, se conseguia entrever algo que estâ por detrás
Segundp_.Jl_Estatuto.J.udiciár.iu,..aquele~ da lei e que nós nos propomos chamar simplesmente,
der deixa de ter lugar 1<quando se devam afastar dum modo inteiramente geral e indetenninado «Direi-
ConSldéfãi1êlos ju.íídicos--q~·e.-C~~ obiter dieta. não to>>. A lei não é uma grandeza apoiada sobre sí própria
rêpnsencrm-qüâtq'úêF1t1ãâamento juridicamente rele- e absÕllltàmêrtre-·áutôf10füã:-a1gog:-u~ de ~p.as--.sr-:;
\i1inre qa-a~ntõ'à.ôíêSUllãdõêta-deêísão)). Pelo que respei- Vani.i!ntê ácCltêCoffiô mandamento divino, masJJJ!e,s,.,
ta aióra ao método anglo-saxónico da transposição do eStratificãçàõ~ê expressão dePen~~i~;-}uridicos
ponto de vista juridico da decisão anterior para o caso ãos quais cumpre ·reCorre·r ·ã" C~ldã PâSS'O:-se·mprê-que
actualmente sub judice. diremos que ele tem claramente Pretendamos corripréencter a lei correctarn~O~i:"Çu .-ªiriOam
um certo parentesco estrutural com a nossa analogia,
éventualmente re·strirl"fii-lii,"Cõnipie"iâ~la e ~OQ:ig~-1~_. O_ra_
pois que se trata na verdade de uma conclusão do
qu~ ideia nos dévem.os· fazer··-aeSte Direito que serve
particular para o particular, e isto pelo recurso ao como que de substrato-~- ou pano de ftincfO?~ _--· · ~· ~- - ,
pensamento fundamental que está na base da decisão
. Uma ideia apreensível com relativa facilidade é a
anterior. Notemos, por último, que tambem pelo que
respeita à vinculação aos precedentes se pode mostrar que nos fornece a chamada Jurisprudência dos Inte-
torturante aquela questão que vimos aparecer a propósi- resses, doutrina esta com que já várias vezes nos
to da vinculação à lei: não haverá a vinculação de ter encontrámos no decurso das nossas considerações -
um limite lá onde ela conduza a decisões intoleráveis'! mas que agora nos deve ocupar de novo toda a atenção,
Escusado será dizer que, naturalmente, tal (70m,o _enr.re. pois que ela desenvolveu uma concepção clara e lumi-
aSdTfeíeriWsdls-pos!ÇóiS-dá~ lei: t~bémº-efltre as _ dife_- nosa da relação da lei com os seus fundamentos de
refltes -deCiSõeS PrejÔ.diciài~J)o-de~ s_urgir s~-~tra.ffii~~~­ Direito e se tomou da maior importância também sob o
Ci.Ue Põem -o jUlz Perante a questão -de saber a qual dos aspecto metodológico, por isso que domina tanto a
p'iecedêntes e1_e-deverâ dar píete-r~ncia. ou se:PorYent~~­ interpretação como o preenchimento de lacunas e a
ra, em vista da contradição, ele não ficará liberto de correcçâo dos erros da lei. Vamos deixar que as suas
tOdõ- e· -qualquer :vinCu!õ:_~QtiãritCi-ao mais, d.a"dâs aS ideias fundamentais nos sej~ 3píeSentadãSpe!o -maíS-
éSf>e"cificidades do "modo anglo-saxónico de trabalhar eStr~n-uo defe~Sõr ·aa- teoria- e·que Tõiaquere--qué
com o Direito, temos de remeter o leitor para a esPeCi"almente a- erigür~eiii ffié'iõaõ -Tntêrp"fêtativo~- a
respectiva literatura, especialmente para as obras de iãber, PHILIP HECK. Particularm-ente apropriada
LLEWELLYN e FIKENTSCHER"'· paÍa um primeiro contacto com esta doutrina é a sua
368 369

exposição sobre a Jurisprudência dos Interesses (Vor- isoladamente uns ao lado dos outros, antes se encon-
trag über Inreressenjurisprudenz} do ano de 1933. da tram uns com os outros, podendo conduzir na mesma
qual nos oferece «um curto resumo ao nível do ensino direcção, mas podendo tambêm colidir entre si. Importa
académico». A esta exposição nos vamos principalmen- sobretudo ao Direito a colisão de i_ntere_ss,e.§a d"«êõõilliO·
2

te ater. HEC K salienta logo no inicio da sua exposiçã9 O.e ·interesSes»:-Muito frequeíltêmé~te ,l;1~vez sempre, a
que, na Jurisprudéncia dos interesses, se trata de uma Protecção de uin interesse pelo Direito significa a
«metodologia para a Jurisprudencia prática», e não d.e postergação doutro interesse. Assim, por exemplo, se o
uma filosofia do Direito. Mas esta última afirmação sQ Direito protege o proprietário na sua posiçào de poder
condicionalmente é verdadeira: é-o só na medida em (privilégio), levanta ao mesmo tempo barreiras a cobiça
que HECK apenas leva a sua indagação da problemá- dos outros e, portanto, à efectivaçào dos seus interesses.·
tica filosófica até certo ponto e se detém ante as suas Se o Direito dá razão ao 'inquilino num litígio de
questões mais altas, como, por exemplo, a questão dos arrendamento, então e o senhorio que vé os seus inte-
«critérios gerais>> do Direito justo. Mas a nletodologia resses cerceados - e inversamente. Se a lei exige
de HECK assenta em «concepções fundamentais» respeito pela honra ou pelos sentimentos religiosos de
sobre a essência e. a função do Direito que podemos outrem, isto significa ao mesmo tempo que os indiví-
classificar de filosófico-jurídicas. Quais são estas con- duos amigos de criticar e de escarnecer terão de refrear
cepções fundamentais? Responde HECK: a ordem a sua lingua acerada. Em toda a parte o Direito antepõe
jurídica e constituída por comandos. (imperativos). certos interesses a outros interesses. Ele dirime efecti-
Estes comandos devem afeiçoar, a vida, «a vida agita- vos ou passiveis conflitos de interesses através da
da. cheia de pressões e de exigências}>_ Às exigências ponderação dos interesses em conflito e do estabe-
da vida chamamos «interesses». Destarte, são «inte- lecimento de um equil1brio entre eles («teoria confli-
resses)> não só os interesses materiais, económicos e tual>i ). ~<De importância fundamental ê o conhecimento
sociais. mas tambfm os interesses ideais: há «inte- de que tõdo o· Comando jurldíCõ--Cffíiille·urr1·connitO de
resses>) culturais, morais e religiosos. O Direito tem por interêsses, assenta num antagonismo de interesses con-.
função apreender os interesses materiais e ideais dos tíapostos. A protecc;ão (tutela) dos interesses ... r~aliza;:­
homens e tutelã-los, na medida em que eles se apresen- -Se ... sempre num mu-ndo repleto de interesses. no qual
tem como dignos de protecção ou tutela. O Direito tute- todos os bens são já pretend_idos (cobiçados), pelo que
la, por exemplo, os interesses no rendimento e na pro- essa protecçào se realiza sempre (?) à custa de Outros
priedade, na vida, na sal.ide, na liberdade e na honra. na interesses» (pág. 13 ). Aqueles interesses que são prefe-
valorizaçào e divulgação dos produtos do espírito, na ridos ou que, pelo menos, tambêm são .coi1Sider<idos,
conservação dos sentimentos morais e religiosos. Mas a revelam-se em face do Direito como vitoriosos ou
verdade e que os interesses dos homens não se situam relevantes - eles tornam-se ((Causais» para os irnpe-
370 Jil

~~.)_uridLco~,_ lstq,._sig!J.if~~,__a~tes ~e t~dq,,,,.,_~1is: v!nc_~la_sã_oa le_t.3_!_u~l_sE1:1:!_sl_e!.l_fj-ª.Jl9s int~ss_es...aparta­


eles tÕrnam-se eficazes nos comanOOs legais._comandos. -se claranlerlte da Escola do Direito Livre. Mas luta
efresnos- quais se-co.iidênSa prefeTeílte;_e~~~. qo Estado oínbr-à a-o-mor-ó ·com eSta--Cõntfa á \(JuíiSPfudê~cia dos
·rnodenio.-õ·qU-erêí jürídicO-. para de futuro tomar de sua conceitos» e o construtivismo. Ao desenvencilhar-se.
cõnta~e modelar a~«Vittããgiraâ3.che1-a_-~es e de porem. dos conceitos e construçàes da lei assentes
eXigê·nc·iáS>> .~Mãs:j'u~StarTieõie nesle ;;;;o. na aplica- sobre si próprios, ela transcende a lei. Como a teoria do
"Ç-áo -ao bire-itá· 1egislado à vida, na interpretação, no Direito Livre, ela_ coloc!\_ -ª-J.~i.Jl.Y.!lLcampa...deJOLçaL.
preenchimento de lacunas e na correcção da lei. hão-de e
Sõêiãís·.ee0n;;;;,icãS~ .culturais, cuja consideração e
aqueles interesses ser investigados. ser tomados em ·1ndiSpenSável para tornar-intelig-ÍVel a Su_~_fiinÇaõ,.JUi:i(ff..-~·
conta e ser efectivados de acordo com a vontade do éarifente· ordenadorã_ «A diSS.enSào trava-se em. vQ.lta~
legislador. (< •.!\ propósito de cada norma juridica deve dos interesses. e !1_ào. e_nl Íorn_Q cj~::~~r~cção. d~·&
destacar-se o conflito de interesses decisivo>); ((toda a determinações conceituais Oll do desenvolvimento_coe-
análise penetrante exige a articulação dos interesses)> rente de definiçõeS predeterminadas ..-. O- ..-Direito---é,
(pág. 14). E isto no espírito da lei. Com efeito. o juiz, historicamente, produto de interesses» (pág. 12). Como
no Estado legalista. não pondera os interesses segundo ·opefã. por seu Iãdo. a ((Jufisphtd"êriCia -êõi1êéitllal». que
a sua fantasia, mas vinculado às soluções dadas aos estoutra doutrina repudia e que hoje se encontra supe-
conflitos pelo legislador. Vale o principio da fidelidade rada quase por completo. é assunto que temos de
à lei. O juiz apenas concretiza. de caso para caso. as renunciar a tratar aqui em pormenor. Já tivemos em
soluções gerais dadas aos conflitos pela lei, ao verificar. todo o caso um ligeiro antegosto da sua metódica ao
por confronto. que o conflito concreto se configura da discutir o problema da (<causalidade jurídica» no capi-
mesma forma que o conflito Hintuído» pelo legislador tulo II. Para prevenir mal-entendidos, acentue-se ex-
ao criar a norma. Também no preenchimento de la- pressamerite que a recusa destes metodoS JüíidicÕ~~'D­
cunas se deve respeitar o mais passivei a vontade do ceituais e construtivistas fião significa -um -meõõsP~~.zo..-·
legislador. Somente quando o Direito excepcionalmente geral dos (~conceitos>>, que naturalmente a Jurisprudên-
autorize o juiz a assentar a decisão na sua própria Cia. como qualquer outra Ciência. nào pode dispeiisa-~·' 1 •
apreciação dos interesses, e especialmente nas delega- Mas tentemos ilustrar com um exemplo o~siçáo a·
ções discricionárias. e que o juiz assume o papel de entre a Jurisprudência dos interesses e a Jurisprudência
legislador. Assim como somente iXJderá o juiz corrigir conceituai. f\1uito instrutivo é aqui o instituto jurídico
uma lei mal concebida (formulada) quando por essa da aquisição da propriedade a non domino. A empres-
maneira contribua para dar efectividade à verdadeira tou um livro a B; B apropria-se indevidamente do mes-
vontade do legislador - do legislador que pondera· e mo livro e propõe a sua venda a um alfarrabista C, para
coordena os interesses. Com declarar o princípio da ocorrer a uma momentànea necessidade de dinheiro.
•• 372 373

•• O alfarrabista C adquire de B o livro ((de boa-fé», pois


que legitimamente considera B o proprietário. Os roma-
conceitos de «posse» e Hpropriedade>~ não podem ser
confundidos. A propriedade é o direito sobre a coisa. a

••
nos diziam: «Traditio nihil amplius transfere ... potest ad posse é tão-só a sua detenção efectiva). A, ao entregar o
eum, qui accipit, quam est apud eum, qui tradit» livro a B, confiou nele. Ao mesmo tempo, colocou Bem
(ULPIANO, Dig. 41, 1, 20). Quer dizer: numa transfe- posição de poder enganar o posterior adquirente, e .

••
rência de propriedade ninguém pode transferir mais do sobre as relações de propriedade; pois que em geral e
que aquilo que tem; se se não é proprietário, também se lícito presumir que aquele que detém a posse efectiva-
não pode transmitir a propriedade. Ora esta maneira de duma coisa (B), é também seu proprietário. Nestes
raciocinar é, no fundo, jurídico-conceitualista - pois termos, em razão da posse de B, C tinha todo o motivo

•• deduz-se do conceito de tran.sferência da propriedade


que o adquirente só se torna proprietário se o transmi-
tente já o era. A transferência da propriedade é configu-
para considerar este como proprietário. A «aparência
jurídican que vai ligada à posse e que consiste. pois, em

••
que, apesar da diversidade conceituai entre posse e
rada inteiramente à letra como a passagem de um propriedade, nos é licito em geral considerar o possui-
objecto corpóreo de uma pessoa para outra, e não,.ao dor como sendo também o proprietário, é que serve ao
invés, como a atribuição de um direito sobre a coisa. O legislador de fundamento para, no nosso conflito de

•• nosso Direito Civil alemão, na esteira das antigas con-


cepções do Direito germânico, pensa neste p.Jnto de
maneira completamente diferente. Ele pensa em termos
interesses entre A e C, dar preferência ao interesse do
adquirente de boa-fé. e, sobre o interesse do anterior"
proprietário, A. Este pode voltar-se contr(! B. em quem~

•• de Jurisprudência dos interesses. Pondera e confronta


os interesses do anterior proprietário (A) e do adqui-
rente (o alfarrabista C), da seguinte maneira: À pri-
ele depositou confiança- e que abusou desta ao_ ªpro-
pilar-se indevidamente do livro {abuso de Confiança).
1< Lá onde deixaste a tua fé, ai a deves ir buscar». dizia

:e meira vista os interesses de um e de outro, de A e de C, já o antigo Direito germânico. HECK formula o mesmo

1•• equivalem-se. O proprietário, A, tem um interesse legí-


timo em recuperar a sua coisa, que B desviou abusiva-
pi.ente em pro_veito próprio. o adquirente e tem inte-
resse em poder manter como sua a coisa, que ele adqui-.
pensamento para o Dir~ito actual nos seguintes termos:
(<Os interesses do adquirente de boa-fé somente mere-
cem ser preferidos aos interesses do anterior titular
quando se possam apoiar numa aparência exterion); nas
riu na melhor das boas-fés quanto â. propriedade do coisas móveis esta aparência exterior funda-se na
alienante, B, e que pagou. Postos perante esta situação «situação de posse)>. ~fas as coisas passam-se de
de equilíbrio, uma circunstância há que vai pesar de maneira diferente quandÜ o proprietár"io·. A·, não tenha
modo decisivo num dos pratos da balança: A despo- livremente cedido a posse sobre a sua coi.Sa. mas a
jou-se livremente da posse sobre o seu livro ao empres- renha-perdido contra a sua vontade, porque a coisa lhe
tá-lo a B. (A propósito, importa quê o leigo saiba que os foi furtada ou foi «subtraída à sua poSse» por forma
374 375

seme!haote-r--:Neste caso a propriedade originária de .4. da expectativa são tão dignos de protecc;ào como o
goza de uma posição superior a da subsequente aquisi- direito incondicional. Quem adquiriu um automóvel sob
ção, muito embora esta Ultima tenha sido realizada de reserva de propriedade tem já direito a tutela jundica
boa-fé, muito embora. pois. o adquirente nada soubesse antes de pagar a ultima prestaçãon. Quer-dizer. portan-
nem pudesse saber do furto. to: embora C. ao fazer uma aquisição sujeita a reserva
Assim se apresenta, portanto, uma interpretação da propriedade por parte de B até ao pagamento da
«em termos de coordenação de interesses» dos precei- última prestação. apenas tenha adquirido a propriedade
tos sobre a aquisição de boa-fé da propriedade de coisas <'condiciona!fnente;>. apenas tenha conseguido uma
móveis (vide ~ § 932 e. ss. do Código Civil)". Esta <{expectativa» ã. propriedade, todavia estes seus inte-
co~~Qe:!J_ação dos_interesses.haye_rá~_oJão de ser tarTi'b'éin- resses de adquirente são exactarnente tão dignos de
ffi~~_tid_a__ !!2.J~S_pJv_er__qu~stõ_es duvidosas e no_ PD~.~ncb.G-. protec~ão como os interesses daquele que imediata e
·'m~nto_ 9t;__laÇE!las. Assim. píêêiSãffiêirteã-~espeito da incondicionalmente adquiriu em propriedade o objecto
~á.quisição de boa=le a non domino, debateu-se a seguin- da questão. A ponderação de interesses que estâ na
te questão. Suponhamos que o adquirente, C, adquire base do ~ 932 do Código Civil é destarte estendida a
do não-proprietário. B. de boa-fé. um automóvel ou este caso não directarnente regulado na lei (colmatação
u1na teletOnia, a prestações, ((reservando-se» B expres- de lacunas).
samente a propriedade (que de modo algum lhe perten- O nosso exemplo de aplicação do Direito e1n
ce, a ele. B) em face de C até que todas as prestações termos de coordenação de interesses pode. porém.
se encontrem pagas. Antes do pagamento da última ensinar-nos algo mais ainda e. em certo sentido. condu-
prestação, C toma conhecirnento de que nào é B, mas zir-nos mesmo para além da própria Jurisprudência dos
A, o verdadeiro proprietário do automóvel ou do apare- interesses. Nós vimos que a ponderaç~o. de interesses
lho de telefonia. o qual havia sido confiado por A a B que está ria base da ··-áquistc;-ão -de boa .fé de coisas
para reparação. Tomar-se-â C agora proprietário se móveis a non domino. não é de inodo algum arbitrá-
pagar a prestação ainda em débito? Para a questão da ria. Não se prefere pura e ;;implemente ao outro uin
boa-fé de C interessa o momento da conclusão do qualquer dos interesses em conflito. mas há razóes para
contrato, ou antes o momento do pagamento da última este acto jurídico de preferência ou opção. Estas razões
prestação, com o qual, segundo o contrato, a proprie- residem. no mesmo exemplo. no facto de Ó prOpr;t~~~
dade se deve transferir para ele'? Ao concluir a própria originário se ter despojado de sua livÍe \'Ontadeaa·pos-Se
compra. C estava ainda de boa-fé, pois tomou B por da: Coisa e dessa fothfa· TI.fr criado uma aparéncia··JunaiCa
proprietário. Ao pagar a última prestação, J°á o não esta- _a favor do alienante infiel. Ora~ ~s~ás ~az~s-_Já ·não-:-São-
va, pois que agora sabia que era A, e não B, o ver- int_eresses: el~s apenas d~~en!penhª-m l!m papel. decisivo
dadeiro proprietário. HECK esclarece: «Os interesses na ponderáçãÜ dos interesses - pelo que são,_ nessa
376 377

medida. ((causais», como os próprios interesses. Foi porque a partir dele se conseguira passar ainda para lá
especialmente rrnJCl:ERcERZBACH· que, tendo p:rrc daquilo que se contém no conceito do pensamento
tido inicialmente da Jurisprudência dos interesses, to- juridico causal. Na verdade, quer consideremos apenas
davia reconheceu acertadamente que, relativamente às os interesses ou lambem outros "factores da vida:»
decisões jurídicas abstractas e concretas, ou seja, pois, como sendo os elementos jundico-causais deterrriinan-
tanto relativamente às decisões do legislador como às tes - e que. destarte. têm tambem que ser cidoi.) em
do órgão aplicador do Direito. além dos interesses mente para a interpretação. a compreensão. a integra-
outros elementos ainda têm um papel a desempenhar. ção e a complementação (Fortbildung) do Direito -.
Na pesquisa do Direito, p_or conseguinte, há que põi:...a sempre a decisão do legislador ou do órgão aplicador do
descoberto, -nãõ·apenaS
oS iõ~i:~ss~,~~sa,-mas­ Direito_ vem a traduzir-se na valoração dos interesses e
j~~§~!f~<?.s-~~Q:tili~~ ,~~r~~--~~-forrnaç!2_ (consti- destes outros factores. En1 que relação está esta valo-
,...t~içª"o) _do Direito: a posição de poder, o domínio sobre ração com os interesses e com os outros factores
_f? rísCO·, a·-êõnfiança :-~-u~~s ~~i~:9CC~~~-~2JiE?- No constitutivos do Direito"! Poder-se-ia pensar que as
caso ao·nosso·e-xeffiplo, são manifestamente pontos de valorações nos são imediatamente dadas com os inte-
vista desta espécie que se revelam importantes para a resses ou com os outros factores referidos. mais ou
ponderação dos interesses: O proprietário que larga menos assim: o interesse mais elevqdo não seria outra
mão da posse da coisa põe em perigo a sua propriedade, coisa senão o interesse mais forte. e deste modo apenas
assume um risco de sua conta ao confiar na honestidade a constelação de poder decidiria sobre a preferência
daquele a quem transfere a posse, e cria bem assim a dum interesse a outro. Certas passagens de MÜLLER-
base para a boa-fé do «terceiro» adquirente. São estas -ERZBACH podem ser entendidas neste sentido. Ele_
as razões. as causas, que fazem com que ao legislador diz que as valorações do Direito são ((determinada~-~~
pareça justo decidir o conflito neste e não naquele senti- modo decisivo pela situação de poder (J1,fachtlage)
do. o pensamento jurídico «causal» e, pois,- também eventualmente existente». Mas uma análise mais minu-
indagação dos interesses, mas não e apenas indagação ciosa deste pensamento permite reconhecer, contudo,
dos interesses: ele conhece outros factores causais da que a situação de poder, que efectivamente é tida em
formação do Direito além dos interesses. Não podemos conta na valoração, não determina esta suficientemente,
continuar aqui a .exposição desta teor.ia am.Pliadª-·_do antes na dita valoração se insere um elemento de
pensamento juridico causal, acompanhando-a nos seus liberdade. O mesmo vale dizer a respeito dos próprios
pofTI_lenores'.-Remetemos pór isso designadamente- para interesses. que, na verdade. como tais. também impelem
- o muitas .;ezes referido escrito de MÜLLER-ERZ- a determinadas valorações. se manifestan1 até. digamos,
BACH, «Die Rechtswissenschaft im Umbau~>. nas valorações e muitas vezes se nos apresentam sob a
Somente um certo ponto temos ainda de analisar, máscara de ideias. mas estão sempre sujeitos a um
378 379

processo de selecção jurídica atraves do qual se julga mentas (idei.as) jundicos que _estão-por .detrás da lei
com uma certa liberdade da legitimidade de cada um {Pág:J67J. -Ficariamos a meio caminho se. apÓ~--a deS-
deles e da posição que lhe cabe na hierarquia do Cobe.rta ·dos interesses e dos outros factores jurídico-
conjunto. E assim teremos de dizer que. com a valo- -causais, nos contentãssemos com a constatação de que
raçãó dos· i~teresse's e -de- Outros -fãc.toreS-?C-àuSáiS. êJa- o legislador quis justamente proteger este ou aquele
, constituiÇão do Direito, ascendemos a· unlpJãriO-níãiS interesse e dar-lhe preferencia sobre outro. e que nessa
alto no (iual novos conceitos e ideias se n6Sdip.8.íam: ()S sua escolha lhe parecer-am determinantes este ou aquele
conceitos da justiça, da equidade. da responSabÚidãcte ponto de vista. As valorações do legislador não podem
moral. da dignidade humana. do respeito pela- ~~~soa:. ser isoladas. Elas tem de ser relacionadas com outras
etc. Esta consideração. que já anteriormente sti fez valer valorações que estão por detras da lei e iinprimem o seu
cÕntra uma Jurisprudência dos interesses unilateral, cunho ao «Direito». Evidentemente que a decisão
vale também em face dum pensamento jurídico causal imediata do legislador não deve ser menoscabada. _A,___
que reverencia os factores do poder e da confiança. quo ti diana a çJ:lYldad~ _adro i!li.s.tr.~ ti y_a-U_u ris d icjpn__a Lnào
Recentemente, COING acentuou uma vez mais com ~ia efe=~~-ar-s~-·~eE:t ..J~_~s __9~~-· .Qi~QJJ._s_ess.em cla-
agudeza: «Os valofes morais como a igualdade. a rame_nfê-So6re a maioria dos ca_sq__s_,__fagam-se venci-
confiança. o respeito pela dignidade da pessoa. não são rilenios e -salário~.- cobram~s~ impostos, vendem-se
interesses quaisquer ao lado de outros: eles sào antes os in1óveis por actos notariais. aplicam-se penas. sem que
elementos ordenadores do Direito privado (e, primeiro na maioria dos casos surjam quaisquer dúvidas. E nào
que·tudo. evidentemente. do Direito penal e de outros nos mostra também o trânsito da jurisprudéncia sobre a
ramos do Direito pliblico) genuinamente decisivos; eles igualdade de direitos para a legislação sobre a 1nesma
não se situam ao lado dos factos a ordenar, no mesmo matéria a importância clarificadora da lei'.•-' 1• Mas
plano. mas por cima deles, num plano superior>). Por também nas Ultimas decadas .se tem vindo a ilnpor mais
isso, o funda1nento último de toda a aplicação do e mais ~ reconhecimento de que hâ muitos casos-limite
Direito há·-de <1ser a consciencializaçào das valorações e muitos casos de dúvida que já não podem ser
sobre que assente a nossa ordem juridica)). resolvidos univoca e claramente a partir da lei. Foi isso
.Ora_ se a consciencialização (evocaçào) destas o que acentuaram BÜLOW e os partidários da teoria
valorações nào _fosse senão .uma ci~~çobeífá- ffácfllelas - do Direito Livre ate IS.'\'{. talvez duma maneira um
valoraçóes que histprica.mente est~_q. na J:~~sedãS feis. tanto unilateral. mas não sem bom fundamento. Passou~
permaneceriamos presos às amarras do po~iti;~mo.· -se a reconhecer cada vez mais o significado autónomo
"Nós vil-nos, Poré-nl, na JurisprÜ<-lêrl~!~-Jo·s·wt~~~ss;;:~r; do Direito judicial (fi.ichterrecht ). em parte também
movimento que nos deveria transponar para lá do que- politicamente bem aceito. Até mesmo adeptos da Juris-
rer imediato do legislador, coiidUzirld_ó~riós~ãOS-1:ien·sa- prudência dos interesses. fiéis à lei. se nào fecharam a
380 38/

est::i teoria. No decurso das nossas investigações se ta-se a questão de saber em que medida este problema
tornou patente. en1 niuitas passagens. que as leis apenas pode ainda ser tratado com métodos especificamente
pt•<len1 ser aplicadas. interpretadas e. em caso de juridicos, em que medida, quando tal empreendamos,
necessidade. integradas e complementadas com base: em estaremos já caídos no domínio da problemática filosó-
valorações que pertencem ao cosmos mais amplo do fico-jurídica. Nª9 sei;µn e.st~~-wL®ª.s _pal~nkn'.:.
Direito no qual as leis se inserem. Recorda-se uma· vez <lidas no sentido d~qll~1ºgo_p _ªpelo aQ_Qir~~o para lá
mais que a subsunção (v. gr .. de um automóvel. de ctas-·Ieis,
.
quer,- ...dizer, -a_o .Qir_e.ito_ .<~reçtQ>l,~.«.natural»,
-~-=··

passageiros sob o conceito de «espaço fechado») se «justo» e «equitativo», numa palavr_a, a «ide.ia ..de:. D.irei-
converte numa equiparação valoradora do caso a deci- t.O>>, ou o recurso ·a valoÍações não só supraleggis. !_Tias
dir aos casos indubitavelmente abrangidos pela lei. ·até supr'l}uridicas, assim como o apelo à. <dei moral», à
equiparação essa que em certas hipóteses já não pode ·((dignidade humana», ao ((bem comum» - está.o fora·
ser deduzida da lei e da sua ratio. Recorde-se ainda qye da competência do jÚrista. De outro modo jã. eu teria
~aplicação do principio «cessantêrãfiõne·:-:-:--» (pp~7, ultrapassado os limites da metódica jurídica com as
339)exige uma valor'!ç~__g~pass~ J~ara l;!:_da leJ.. considerações que fiz a pâ.gs: 236 e ss. ~o_..dQ_
Segundo· a qual a. aPlicaçào literal da mesma lei faria nosso _Qresente capítulo não. significa: a Lei para os
. ··-- --------- -----· .
malograr o·sell-Óriginári~ escopo racional; lembre-sé.
··-·--------"~
jttristas, o Direito _pa_ra os jusfilósofos. Esse titUTO
âiém disso que no emprego do «juS-aeqtÍu.rrl» o pr6Pi=i.O - pretende - apenãs "sugerir- que--ª refaça.à- entre Lei e
legislador faz apelo a valo~_açõe~ extralegais _e __ que a Direito num determinado ponto se transforma num
d·escobena na lei de lacuOas carecidas de preenchimen- problema e num tema vincadamente filosófico-jurí-
to. bem como este mesmo preenchimento (através da dico.
analogià. etc.), não podem dispensar uma valoração Isto entende-se muito bem se neste ponto transi-
supralegal: e. finalmente, importa também lemb:.r.ar.. i~to: tarmos para um conceito para o qual no ano de 1953 o
que pode deparar-se-nos a necessidade de jogar as valo- filósofo de direito de Mogúncia Theodor VIEHWEG
rações supralegais contra as valorações legais. Não s"3ô veio chamar a atenção, e que subsequentemente se
precisamente considerações supralegais - se bem que tornou objecto de viva discussão, para um conceito do
não suprajuridicas - que decidem em último termo qual podemos dizer que encontra o seu lugar próprio no
sobre os métodos da própria interpretação, especial- limiar entre a metódica juristica e a reflexão juridico-
mente sobre a bierarquizaÇão dos processos interpreta- -fi.Iosófica. Quero referir-me ao conceito da «Tópica»' 6>.
tivos (pp. 146/147) e sobre a validade do subjecti;vismo Este conceito, que jã. aparece no «Organon}), na gran-
e do objcctivisn10 na interpretação (pp. I 76 e ss.)? diosa Lógica de Aristóteles, e ai é aplicaQ.o a argumen-
D~~tart~ o proble_ma 1<Lei e J.?ireito)) torn~u-se 9 tos que se não apoiam em premissas seguramente
ponto fulcral da metodologia juridica. Mas agora levan- <(verdadeiras», mas antes em premissas simplesmente
382 383

plausiveis (geralmente evidentes ou que pelo menos que mal entendido na sua função -. isto é. através da
aparecem aos «sábios» como verdadeiras). sofreu no dedução de decisões concretas de enunciados de~
transcurso da sua evolução histórica variadas modifica- -Ser gerais- "(em ·especiã:I ~s r~tir~dos ·_da- iei).S_eiÜndo Q.
ções, associou-se 3 retôrica, encontrou também guarida rriodo bdrbiira. Relativamente a este silogismo
na dialéctica forense, mereceu ainda uma vez mais V_~le aqúHO que KL't.1-CI diZCOITiTnte.ira r~iâ~ !!.~_tarefa
acolhimento em VICO (num escrito do ano de 1703), Oa lóiic-a fon):iâ.1 relativamente a9___<::.Q...@~_cim~~!.º-.il!rídi-
mas que na era moderna, porque o pensamento se . co:· que ela tem •<uma importància necessária e, portan-
voltou para métodos cientificos mais exactos, tais como t_o, insubstituível, no entantO-não tem- ao inesn:\9Tenípô
os que foram elaborados na ciência natural matemática, uma im~rtáncia bastante>>º'· Em particular deve insis-
em pensadores como KANT foi considerado o lugar da ieni"e e ~xpressarnente acentuar-se que a· «trivial»
(<esperteza» e da conversa fiada. Ora VIEHWEG vem cteCfuçãÕ a -p"ãrtír --era prenliSS_a ·maior _e -da-premissa
~çp_t:dar._)l_.I~R~ª- 0_mo__ <.<t~~~~jca do pe_!.l~~o­
menorOão diz-absolutamente nada So-br-e -;; difiCuidadee
blemas» que se ajusta muito bem a jurisprudência, no a-- subtileza da elaboração daqu~fãs m~~m~s p~efil!§.?_ªs.
rec_nnhecinlentQ-(êffi-- si 'Uiifiraffiente correcto) ãequ-e" E---iambém o método tópico se pode interligar com
·p-;ecisamente os. _m~to99_s_ Êfe-f~~e~tj!!lm~nt~~cto$. 4a tais deduções. Por outro lado, a contraposição do
JundamentaÇao dos _enunci?dos __ ci~nJiDcQ~.t-4~.êig_r:i~Qa­ método tópico em especial ao método axiomático em
mente os métodos axiomâticos-dedutivos, que. a partir sentido estrito não exclui que a ciência jurídica, não
de um número limitado de premissas apropriãdaS.-(e 1ien- obstante a intromissão de fundamentações tópicas. se
tualmente apenas postas co~o fundanlefltos hi]J6fétl- esforce por uma «sistemãtica» (embora não por uma
e
cos), cornpativeis írld-epencie-~teS ~fl!~~ -Si,_ ~lcafiç-a um axiomaticamente modelada). tvlas este ponto não pode
amplo sistema de enunciados teóricos segundo as r~gras ser aqui desenvolvido.
da lógica formal - de que tais métodos, diziamos, não Se nos voltarmos agora para o lado positivo da
são propriamente os que import-am parã a teoria e a tópica, veremos que a sua apreciação é dificultada pelo
prática jurídicas. facto de que VIEHWEG, diferentemente de Ph.
Sobre este aspecto em que a <{Tópica» marca a sua HECK que comprovou a sua «jurisprudência dos inte-
posição de distanciamento. há sem dúvida que fazer de resses» com muitos exemplos concretos (ver nomeada-
imediato duas observações. Por um lado. que â recusa mente os seus manuais de Direito das Obrigações e de
porventura fundada das tentativas de aplicação dos Direitos Reais), apenas de um modo muito genérico
métodos axiomáticos na jurisprudência não tem que ir ilustrou o uso do método tópico na actualidade. A lite-
ligada a recusa de outras fonnas mais simples de ratura que se lhe seguiu sempre trouxe no entanto algo
dedução, como p. ex .. as que se processam através do mais. ~_l_9p_QL qg~- -~_Q_atec.em__noJi~L~P~lhos de
«silogismo judiciário)} - frequentemente difamado por- -~U:J:!FEG e seus sequazes são em todo o casoffiUlto
- -- ·--·----··--.
•• 384 385

variados. Eles vão desde os (<pontos de vista» ((<Gesi- os «topai». Aqui a tón_~arece carecer de comJ2k:.__.
chtspunkten>1: não e por acaso que repetidamente apa- mentação porParte de un~a-iêOria__dqs_x~Jo[es:,....de_um __,
rece esta expresão alemã para ((topai))) especificamente «-SiSiiffia d.e valõfe-s;; ,- tal co!llo aquele que temos
- - -- -- ·-- - - -- . --- ·- -- -------~
ordenados ao problema concreto em «discussão» até a perante nós no catálogo dos direitos fund_amentais (que,
{<topei>> tão gerais como «interesse». ((proporcionalida- por suã- vez, não são todavia simples «topoÍ>~ j_ E,~
de», (<exigibilidade,,, (<inaceitabilidade>>, «justiça», ((fal- uffia~nlfilieiri- ãíndã illãisgêfâ1;-cottro·~-flii'IT1'é·m LA-
ta de equidade». <<natureza das coisas>> e até mesmo. RENZ e CANARIS realçaram, num Esrado de Direito
sim. «regra da concorrencia>> (na colisão de nonnas) e com o princípio da legalidade a reger a justiça e a
máximas de interpretação. Se se vai tão longe. então administração, para a selecção, valoração e ponderação
verifica-se obvia1nente uma profunda interligação da dos «topoi», vemo-nos remetidos para os métodos ·de
<<Tópica» e da metodologia jurídica tradicional (tal
1. como ela é tratada nesta «lntrodução1> ). Se pelo contrâ-
interpretação da lei, etc., pelo que Tópica e her-
menêutica tradicional se encontram de novo. Sem
1. rio nos ficannos pelqs pontos de vista e argumentos ~':!_yj!Ja__gy_~.__1!9.ª-_ casos em que ao juiz e ao ~-'-">


mais especiais. tais c_omo os que se nos deparam, p. ex., _!!dministrativo são deixados «espaÇos-dejogo»para·a:-·
na aquisição de boa-fé de pessoa nào legitimada (nemo a_plicação de com::eitos;--preeriCfiifüCntOde~iãCUflaS:
plus juris trans.ferre potes{, quam ipse habet, a apa- :?ffiPie_ment~5ão ~?~direito, chega-se ~v~ntu~~~-~ifto
rência jundica favorece o possuidor. a tutela da con- ponto em qüe -êntram em cena «pontos de vista» mate-
fiança favorece o adquirente. etc.) ou como os que nos Oais que-Ultrapassam _a-iêie-para cuja biisca éCOiliPe-
surgen1 na discussào da dignidade penal do aborto, do tente a T ópica. - · · --
in~esto. da ajuda prestada para ·morrer (o direito penal Mas então levanta-se a questão de saber onde é
ten1 de ser o (<ai-caboiço ósseo da moral>) ou - en1 que os topoi relevantes encontram o seu apoio jurídico,
oposíção a esla máxima - o direito penal tem que em que é que assenta a sua vinculação. E deste modo
proteger «:bens jundicos)> alheios da Jesào ou do perigo alcança-se o ponto em que o pensamento do jurista
de lesào, devendo cada um poder dispor sobre o próprio tem de procurar ligação à filosofia do-direito. Todos os
corpo. para o livre desenvolvimento da sua personalida- autores que tomam posição acalorada pela Tópica
de, etc.), entào colhe-se a impressão (e não sou apenas acentuam - quando não referem logo como ((topai» (o
eu a tê-la) de que o processo tópico se presta na ver-
que considero inábil e inadequado) puras operações
dade para a elaboraçào e recolha de pontos de vista e
he~enêuticas como interpretação, analogia, argumento
argumentos relevantes. inas não para a apreciação do a contrario - que são pontos de vista. de justiça, de
seu peso e para a descoberta de regras de preferência na equidade, de oportunidade, de razoabilidade, de «senso
pon<lerac,;ào a fazer ·- a não ser que tais regras de prefe-
comum», da lei mQral, da «natureza das coisas>'>,
rência elas n-1esmas sejain por sua vez colocadas entre
possivelmente também de ideologia política que
•• 386
387

•• abastecem o arsenal da argumentação tópica. Numa


palavra: é o domínio da «ideia de direito» aquele em
que agora entramos. Com efeito: a questão p. ex. de
o saber e a experiência, a tradição e a convicção - .
gozam de consenso geral», quando a jurisprudência dos
tribunais superiores se reporta por diversas maneiras ao

•• saber se o direito deve seguir a moral (que moral?) ou


erguer-se e suster-se apenas sobre os seus próprios pés,
se um «senso comum» (ou «consenso») pode exigir
«direito natural» ou à «lei moral» ou ainda a uma
«ordem de valores preestabelecida>) situada acima de
um «relativ.ismo destruidor» •. quando outros vêem esta

1.•
tábua de valores manifestar-se nos «princípios jurídicos
relevância, se um tal consenso pode sequer existir na
gerais>> ou, com alguma reserva, nas linhas superiores
moderna «sociedade pluralista)), assim como a questão de orientaÇão da nossa Lei Fundamental, e ainda outros
de saber em que relação estão entre si a justiça e a

••
pensam poder rastrear a decantada «natureza das
oportunidade, a de saber se a justiça pela sua prôpria coisas» na estrutura «imanente» à relação de vida
«natureza>) deve, por uma via generalizadora, prestar o concretamente em discussão (casamento, parentesco,
mais possível atenção à igualdade de tratamento ou, por cargo pti.blico, relação laboral, serviço militar, etc.),

•• uma via individualizadora, atentar na adequação â


particularidade das circunstâncias e à especificidade das
partes, o de saber o que pode significar «natureza das
trata-se aqui certameilte em todos os casos de esforços
justificados, e que importam ao jurista, de superar um
puro «positivismo legalista» e de permitir à voz do

•• coisas» (o que significa nesta combinação verbal «natu-


reza» e o que é que se entende aqui por ((coisa)} -
materia, assunto?). de saber o que é que se entende em
«espírito objectivo» ressonância no Direito. Mas a
_dijy~idação teqrética__ :._~~~-t~n_ia~ão de~~~-e5forÇos ·
conduz inegavelmente para além da heurística f! da

•• geral por <~ideia de direito}>, que tensões estào nela


implícitas, se ela é <<absoluta>~ ou apenas <•relativamen-
te)} válida, como pode lançar-se a ponle sobre o abismo
metódica juristicas enquanto- tais, coiidúze~--p;r~-·o
dominio do pensamento filosófico e dos s~us particula-
res--modos -de cOnhecimerito. Esteefunliflio tem o jurist~

••
que vai entre a sua majestosa generalidade (basta na verdade que o abranger no .$eu olhar .. e cteõ- mallt"êf__
pensar na ideia de «bem comum>>) e os problemas presente na sua visão como pano de fundo das suas
juridicos especiais ou singulares - todas estas são _reflexões. Mas....nàQ__pode_._atrev.er-se - a _e_s_cfàfecê:lo.... e.-

••
questões que se põem ao jurista, a que ele não pode consolidá-lo com os seus meios de _pensamento. No
fugir, mas que, do ponto de vista metodológico, só Úmiar deste domínio se detéffi, Po_r_ fsso·.- ~-Presente
podem ser respondidas pela filosofia do di_reito . Introdução ao Pensamentó Jurídico - não porventura

••
Quando ESSER fala da tarefa cometida ao jurista motivada pela opinião de que a filosofia do direito não
da «transformação» «de critérios pré-juridicos, éticos e interessa ao jurista, mas antes bem compenetrad3. do
político-sociais}} em «verdades jurídicas», ou quando N . conceito de que existe uma repartição de competências
HORN declara: «Escolhem-se como premissas aqueles entre a metódica juristica e a metódica filosófica que o

•• enunciados que, dentro de uma ordem social - segundo teórico do direito consciente deve respeitar.
388 389

ANOTAÇÕES possuem qualquer (~valor próprio como Fontes de direito)t, mas


sem dúvida possuem um (<valor de consciencialização para a
1. Em geraJ a decisão judiei.ai entre nós só tem significado estabilidade e unidade de uma concepção do direito>) e <<um
para o caso concreto. Neste ela tem eficãcia de (tcaso julgado» significado indiciârio quanto à racionalidade e adequação social
entre as partes relativamente á questão decidida. Mas nio vincula dos argumentos utilizados»); H. W. KRUSE, Das Richterrech.t
os tribunais quanto às suas decisões llOutros casos semelhantes. als Rechtsquttlle des innerstaatlichen Rechts, 1971; cfr. ainda os
A este respeito, porém, vale uma doutrina especial para o escritos de R. FISCHER e! B. HEUSlNGER cits. na nota 20 do
Tribunal Constitucional Federal a cujas 'decisões cabe um espe- cap. IV, assim como LARENZ, Henkel-Festschr., 1974, pp., 31
cial efeito vinculante e em parte mesmo força legal: sobre o pon- e ss. e W. FIKENTSCHER,Methoden III, 1976, pp. 728 e ss.
to. o § 31 do BVerfGG e, P- ei:., MAUNZ, Staaurecht, 20.• ed., 2. Para complementar os assás escassos desenvolvimentos
1975, §31 III 2. Por outro lado, nio pode negar-se que os feitos no texto (na esteira de RADBRUCH), seja-nos licito citar
nossos tribunais se deixam orientar em larga medida por prece- agora algumas frases orientadoras da instrutiva e basilar exposi-
dentes, sobretudo pelos dos tribunais superiores. Eg. SCHNEJ- ção de W. FIKENTSCHER (também provida de referencias à
DER. LogikfarJuristen, 1965, p. 349, a propôsito da passivei literatura inglesa pertinente) sobre os métodos do case law inglês
obrigação de indemnizar de advogados, etc., por nio atentarem (que apresentam certas particularidades relativamente aos do case
na jurisprudência dos tribunais superiores, a propósito ainda da law americano). «A pedra àngular da metodologja jurídica
obrigação do Ministério PUblico de, nas suas acusações, se inglesa». é o principio do <<state decisis" (p. 81), a saber, o
orientar por esta jurisprudbncia, assim como tambêm a propôsito ((principio de que os precedentes devem ser seguidos até onde
finalmente do perigo de anulação na instincia superior de senten- chegue a sua ratio dccidendi» (p. 83). (1Por caso precedente ou,
ças que desatendam as anteriores decisões desta instância. rata de em inglês, precedent, entende-se o caso decidido que ê relevante
uma {<ditadura do precedente». KRIELE, ob. cit., admite uma para a decisão de novos casos futurosn ( p. 81). «E evidente que
((presumivel vinculação dos precedentes>~ e acha que a «diíerença um tribunal inferior não está vinculado a toda e qualquer decisão
entre a prática jurídica anglo-saxórµca e a continental europeia de um outro tribunal inferior. Fundamentalmente o dever do stare
não e de forma alguma tão sianificativa como por longo tempo se decisis só existe em relaç~ as decisões do próprio tribunal ou de
admitiu» (p. 245). Em geral tem-se vindo a investigar cada vez tribunais superiores» (p. 83). ·O preeedente <(é uma decisão
mais o problema de saber se a_ ategçã:o prestada pela pr.ática. aos -- jurídica que contém· em si mesma um principio», precisamente a
precedentes é aPenaS um -dado de sociologia jurídica digno .de ratio decidendi (SALMOND}. A detcnninação desta ratio é o
atenção ou se ela não possuirá, antes, uma dignidade nonnativa. e mais importante e 110 mais dificib~ (p. 82). Esla ratio «dá-nos
isto não apenas quando lim <<uso jurisprudenCiab1 Se iCfciiÇi e indicações sobre o contributo do caso decidido para o direito
transforma em direito consuetudinârio. Yer a propósito, aJCm dos materialn (p. 86). Ela tem um (<duplo carácter)). Por um lado, e
anteriormente menCionados: O. A. GERMANN,Prqjudizien ais ((a regra segundo a qual o caso é decidido>1 (sem a qual o caso
Rechtsquel/e, 1960; Eb. SCHMIDT, úhrkomm. I. 2.• ed., teria de ser decidido de diferente maneira: assim reza a fónnula
1964, pp. 270 e s. (rejeitando); LARENZ, Methodenlehrt, 2.• «clássica"). Por outro, ela representa (<a nonna que se vai retirar
ed .• 1969, pp. 403 e ss., 3.• ed, 1975, pp. 421 e ss.; ID.• do precedente)) (p. 86 e s.). <(Ratio decidendi e apenas aquilo que
Schima-Festschrift, 1969, pp. 247 e ss. (os precedentes, na os ju1zes.. consideraram fundamentação essencial para a sua
medida em que são (1correctos» são c<íontes de conhecimento do apreciação juridica» (p. 90). Em contraposição a ela esta o
direito1>! A ucorrecção» tem precedência sobre o postulado que ((obiter dictum)• que apenas <(representa uma ajuda nào essencial
manda decidir igualmente os casos iguais); D. C. GÕLDNER. para o raciocínio ou discurso jurídico propriamente dito>1 (p. 91),
Veifassungsprinzip und Privatrechtsnorm, 1969, pp.112 e s.; J. mas eventualmente tambCm pode «ter significado para a decisào
ESSER, Vorverstàndnis, 1970, pp. 184 e ss. (os precedentes não de casos futuros» (p. 92). s~ ~-t.!:!_bu~~_qu~r div~_~gir__9e _:im
•• 390 391


••
(<precedente» num detenninado caso novo, que_ no entanto "tem
Semelhanças com o anterior, então tem de mostrar que a ratio
"decidendf\iaquela·-anteriof-decisão não- se áPlicaRa]~~ oli
que o novo caso «tem outra configuração» (é o· «distinguishin_g» .
3. Sobre o ponto, vide designadamente HECK. Begriffsbif-
dung. 1932. assim como H. STOLL-, Tübinger Festgabe. 1931,
pp. 60 e ss .. BOEHMER. ob. cit .. pp. 59 e ss .. e agora W.
KALLFASS, Die Tribinger Schu/e der lnteressenjurisprudenz.
enquanto «demonstração de diferenças juridicamente~fêleVânfes 1972. pp. 79 e ss. Já que ESSER. Grundsat::, p. 236, fala de

•• éntre dois casos>}, p. 95). Do «distinguishing» como «distinção


é'ntre os casos» importa separar o «overruling» como (<rejeic;ão
expressa de um precedente)) (o que apenas é de considerar sob
uma autopunicào (<muito tola>l da jurisprudencia dos conceitos
alemã_, seja uma vez mais notado que a «jurisprudência dos
conceitos)) (enquanto contr.aposta à «jurisprudência dos inte-
resses)>) rejeitada no texto se deve entender no sentido especifico


pressupostos especiais) (pp. 96, 106, 110 e s.). Inversamente, o
tratamento igual do novo caso e do anterionnente decidido (<,método da inversão» }evidenciado designadamente por HECK.
Sobre o significado de uma jurisprudência conceituai de outra

••
assenro. na ideia de que, ou não existem diferenças de facto entre
os dois casos, ou tais diferenças não são· de todo o modo ~spécie, ~·ide o meu trabalho uOie Relativitát der Rechtsbegriffe»
~<juridicamente relevantes» (p. 97). Pormenores sobre o (~dis­ 1n Deutsche Landesreferate z.V. intern. Kongress f. Rechtsvergl.
tinguishing» e o «overruling)) podem ver-se em FIKENTS- 1958. PP. 62, e 'S .• assim como LARENZ. ob cit., p. 53, 2.ª ed.,
CHER, pp. 98 e ss., 105 e ss. 1969, pp. 55 e ss .. 149 e s .. 3.• ed .. 1975, pp. 58 e ss., 154 e ss.

•• Para exemplificar os conceitos de l<ratio decidendi» e de


l<obiter dictuml> com um exemplo tirado da jurisprudência alemã,
seja-me permitido recorrer mais uma :vez à conhecida e jâ. acima
no texto referida decisão do BGHStr. Telativa ao erro sobre a
Sobre a mudanca de sentido da jurisprudência dos conceitos no
sec. XIX. vide EDELMANN, ob. cit .. pp. 26 e ss..
4 .. Para evitar confusão anote-se que o caso versado acima
no capitulo IV é diferente daquele de que agora se trata. Acima,

•••
proibição (= erro sobre a ilicitude). A ratio decidendi para que se
pudesse chegar à conclusão de que o «agente deve ter ou, fazendo
o esforço devido, deve poder ter a consciência de praticar um
ihcito)1 foi o princípio de que a pena pressupõe a culpa e, portan-
to, a (<censurabilidade1>. Inversamente foi simples ((obiter dictumH
tratava-se de uma coisa •(subtraidau ao Fisco (património do
Estad.o) e a boa re do adquirente não se reportava ao direito de
propriedade do alienante (O lorrageiro) mas a legitimidade deste
para alienar ("poder de disposição>)) pelo fisco. Toma no
entanto posição critica sobre a matéria. do ponto de vista da
jur~sprudência dos interesses. R. MULLER-ERZBACH, Recht-

••
aquilo que o BGH voi. 2. p. 211, em jeito de sugestão disse sobre
o <<caso de o agente considerar a sua conduta conforme ao direito sw1ssensch. im Umbau. 1950. pp. 87 e ss .
Por erroneamente dar por verificado um facto justificativo" 5. Sobre o ponto. W. MÜLLER-FREIENFELS,Jurz 1957,
(p. ex:., falsamente dar por verificado o consentimento do paciente p. _685. Surgem imagens confusas da nossa pr.9.Lica ltJdc:lica de
aphcaçào da lei quando ocasionalmenté se SúS~_ifusào de que

••
para uma operação). Designadamente, <(nenhum motivo»· existe,
segundo a expressa declaração do BGH, para tomar posição tudo se passa como se todo o caso de ai;iHCaç'ãO ~oncreta da lei
sobre a questão de saber se neste caso ê de admitir um «erro . escondesse em sj uma problemalica fact~ãl Ou jurídica, por tal
sobre o facto)) ou (como -muitos crêem) um .<1erro sobre a _for~a que propri?-mente seria sempre o juiz oü-0 agentê-àd_minís-

••
proibição», mas não pode deixar de reconhecer-se que o agente trauvo que, criativamente, descobriria e modelaria O direito
aqui estâ. numa posição «diferente)> daquela em que se encontra concre~o. Uma grande par~e da aplicaçã.o do direito próêissa--se
no caso do genuino «errQ sobre a proibição»; isto porque ele erra _sem tai~ escrupulos. De outro modo. como poderia' sequer pensar-
sobre a configuração da <<situação de facto'> (não sobre o regime -se na introdução de co~putador~s'.' -

• • 6. ~obre a Tópica: Th. VIEH\VEG. Topik und Jurisprnden:;:, .


juridico como tal). Este <1obiter dictum» não teria qua.lquer
significado vinculante se, depois, surgisse a questão da subsunção 19:>~, :>.~e~., 1974 (sobre este livro, por meu lado: ZStrW 69.
(qualificação) em concreto daquele caso de efro mencionado de 1951, P~· :::4~ ~ ss .. Studium gener. X, 1957, pp. 173 e ss ..
{ÍI passagem e a latere. Wahrhe1t u. R1chligkeit i. jur. Denken, J 963. nomeadamente pp.


•• 391 393

•• 19 e ss .): VIEHWEG. tambem no Stud. gen. XI. J 958. pp. 334 L"
ss.; H. COING. ArchRuSozPhil. 41. 1955. pp. 436 e s.:
IDErv1. Rechtsphilos .. J.a ed .. pp. 338 e ss.: REINHARDT-
não só sobre a tópica como tal mas tambem sobre a sua debatida
relação com os estudos e teoremas paralelos (expostos nomeada-
mente por Q. P~-=R_E_~,MANl":L W. último in <(.Logique Jurf9i-

•• -KÓNIG. Rich1er und Rechtsfindung, 1957. pp. 17 e ss. J .


ESSER, Stud. gen. XII. 1959. pp. 97 e ss. (104): H. G.
GADAMER, Wahrheit und Methode. 1960. pp. 15 e ss.: K .
LARENZ. Methodenlehre, 1960. pp. 133 e ss., 2. 3 ed .. 1969.
q,i:en. Dallçi;i::. T'[76J sobre a «nova rt!toncan e sob·;e a.«acgumen-
taçào1>. Em ãlgumas paSSàgens-· da -DiOliOgfãtiããôteriormcnte
CífaOa encontram-se algumas indiéâ.çóes: os· trãDalhos m;us
~tigos (;te PERELMANN relativos a nlatetia são referiãõS Rºr

•• pp. 150 e ss .. J. 1 ed .. 1975. pp. 138 e ss.: R. ZIPPELIUS .


Werrungsprobleme i. System d. Grundrechte, 1962. pp. 79 e ss.:
IDEM. NJW 1967. pp. 2229 e ss.: M. KASER.Z. Methode d .
rdmischen Rechtsfindung, 1962. pp. 52 e ss.: H. EHMKE·.
FIKENTSCHER, ob. cit., vai. 1. I975:ii.· ·53g,_---- ,
· 7. Assim· em U. KLUG, prefácio aprinfeira edição da sua
<duristische Logik)), 195 1. É .Ji_m_ª das curiosa.s _ÇQ.fl!r.adiçQe_s_ da
teo_ria juridk;:i.__ actual que, por um ~iãdó.-se-Procure_pór a dés-

•• Prinzipien der Ve!fassungsinterpretation (Deutsche Staatsrech-


tslehrer), 1963. pp. 54 e ss.: E. SCHNEIDER. MDR 1963. pp.
653 e s.: H. HENKEL.Rechtsphiiosophie, 1964. pp. 418 e ss ..
2.ª ed .. 1977. pp. 522 e ss.: C. W. CANARIS. liicken, etc.,
êot>CrtOO-eSqueleto lógicO da afiurrieiitação juridiCacórii 'íricisóes
ás mais aguçadas (utilização de cálculos) e, por outro lado, Se
fale com o maior desprezo da técnica de subsunÇão 1(mecáriii::a)1 e
- diz-se - de lodo impotenle. como se os lógicos do pensamento

•• 1964, pp. 93 e ss.: IDEf\-1. Systemdenken, etc., 1969,pp. 135 e


ss.: E. SCHNEIDER.LogikfürJuristen. 1965.pp. 316. 341 e
ss.: F. ~lÜLLER ,1Vormstruktur etc., 1966, pp. 56 e ss.: U. DIE-
DERlCHSEN. NJW 1966. pp. 697 e ss.: M. KRIELE, Theorie
jurídico quisessem reduzir toda a teoria do conhecimento jliridico
ao aspecto fonnal.

•• d. Rechtsgewinnung, 1967. pp. 114 e ss. (muito esclarecedor);


W. FLUME.Richterund Recht (D. JurT). 1967, pp. 29 e ss.; N.
HORN. NJ\V 1967. pp 601 e ss.: P. O. EKELÓF, Segerstedt-
·Festschrift. 1968. pp. 207 e ss.; J. RÓDIG. Die Denkform der

•• Alfernative etc .. l 969. pp. 22 e ss.; Fr. WIEACKER. Her-


meneutik und Dialektik II, 1970, pp., 326 e ss.; IDEM.
Festschrift f. W. Weber 1974. pp. 433 e ss.: J. ESSER,
Vorverstãndnis, 1970. pp. 151 e ss.: IDE1'v1, in Écudes de

•• Logique juridique Vol. VI, 1976. pp. 70 e ·ss.: G. OTTE .


Zwanzig Jahre Topisdiskussion. in Rechtstheorie vol. f. 1970.
pp. 183 e ss.: P. SCH\VEROTNER. Das Topische Rech-

••
tsdenken, in Rechtstheorie vai. II. 1971. pp. 81 e ss.; SL
JÓRGENSEN, Recht und Geselischaft, 1971. pp. 108 e ss. G .
STRUCK. Topische Jurisprudenz, 1971; O. WEINBERGER,
Jahrb. f. Rei.:htssozio!. Vol: JI, 1972. pp. 140 e ss .. IDEM .
ArchRuSozPhil. vol. 59, 1973. pp. 17 e ss.: D. Sl~10N, Die

•• Un_q.hhãngigkeit des Richters, 1975, pp. 77 e ss., 96 e s.: Fr .


MULLER. Jur. Methodik, 2.ª ed .. 1976. pp. 77 e ss.; W.
FIKENTSCHER.~\fethoden des Rechrs, vol. Ili. 1976. pp. 349

••
e ss.; K. HESSE, Grdz. des Verfassgsr. 9.• ed .. 1976 p. 27.
Ultrapassaria os limites desta (dntroduçào1> tomar posição

•....
••
••
••
••
•• ABREVIATURAS

de revistas e colectâneas de decisões frequentemente citadas:

•• AP = Arbeitsrechtliche Praxis; Archõf!R = Archiv für


õtfentliches Recht; ArchRuSozPhil. = Archiv für Rechts und
Sozialphilosophie; ArchivPr. = Archiv für die civilistische

••
Praxis; BGHStr. = Entscheidungen des Bundesgerichtshofs in
Strafsachen, herausgegeben von den Mitgliedem des Bundesge-
richtshofs und der Bundesanwaltschaft; BG HZiv. = Entschei-
dungen des Bundesgerichtshofs in Zivilsachen, heraus~egeben von

•• den Mitgliedem des Bundesgerichtshofs. etc.; DOV = Die


Õtfentliche Verwaltung; DVerwBI. = Deutsches Verwaltungs-
blatt; DRiZ. = Deutsche Richterzeitung; Jher.Jahrb. = Jherings

•• Jahrbücher für die Dogmatik des bürgerlichen Rechts; Jur.Rdsch .


= Juristiche Rundschau; Jur.Schulg. = Juristiche Schulung;
JurZ. = Juristenzeitung; ·MDR = Monatsschrift flir Deutsches

••
Recht; NJW = Neue Juristiche Wochenschrift; OGHbrZ. =
Entscheidungen des Obersten Gerichtshofs für die Britische
Zone; Rechtstheorien = Zeitschrift für Logik, Methodenlehre
usw. des Rechts; Verw.Arch = Verwaltungsarchiv: ZphilForschg

•• = Zeitschrift für philosophische Forschung; ZStrW


für die gesamte Strafrechtswissenschaft; ZZP
Ziviiprozess. GG significa: Grundgesetz .
=
= Zeitschrift
Zeitschrift für

••
••
••
••
••
•• ÍNDICE

•• Prefâcio
Capitulo 1 Introdução ........................... .
7
11

••
Anotações ..................... . 19
Capitulo II Sobre o sentido e a estrutura da regra
juridica ............. . 21
Anotações ........................... . 71

••
Capitulo III A elaboração de juízos juridicos concretos a
partir da regra jurídica. especialmente o
problema da subsunção .............. . 75
Anotações ............ _..... _, . !Oú

•• Capítulo IV A elaboração de juízos abstractos a partir


das regras jurídicas. Interpretação e com-
preensão destas regras
Anotações . . . .
.......... .
. ........ .
l 15

••
150
Capítulo V Interpretação e compreensão das regras juri-
dicas. Continuação: o legislador ou
a lei? ............................... . 165

••
Anotações . . . . . . . . ............ . 198
Capitulo VI Direito dos juristas. Conceitos juridicos
indeterminados, conceitos nonnativos, poder
discricionário ................... . 205


Anotações ........... . 256
Capítulo VII : Direito dos juristas. Continuação: preenchi-

• Capitulo
mento de lacunas e corr~cçâo do direito le-
gislado incorrecto . . .
Anotações . .
. ............. .
. ........ .
VIII : Da Lei para o Direito, da Jurisprudência
nara a Filn<:nfia rin nirPitn
275
343
•• ! Edições da F u n d a ç ã o

•• !
CALOUSTE GULBENKIAN

•• Manuais Universitários
No prosseguimento dos fins gerais que a orientam,

••
foi a Fundação levada a intervir na produçào de
livros portugueses. patrocinando e editando
ob1.1.s diversas e de diverso carácter - científico .
técnico. artístico, histórico. Pretende agora,

•• atr.i.vés <le um plano amplo e sistemático, atingir


aqueles sectores onde seja mais flagr.mte a neces-
sidade de amparo ou de incentivo. Nesta primcir.i_

••
fase do plano estabelecido. pensou-se no ensino
superior: estudantes que não encontram livros
adequados e de preço acessível. professores que
por vezes depar.un com dificuldades para publicar

•• as suas lições ou os seus trabalhos de investigação .


A uns e outros oferect a Fundação tacilidades que
pnssibilitem a eficiência cada vez maior desse

•• esc:.ilão fund:unental da nossa cultur.i. Originais e


tr.iduçüts, inestres portugueses e estrangeiros .
\:ão figurar nesta colecç:io, que se procunJu rodear

••
dos maiores cuidados e exigt:ncias técnicas .

321 t•ol1tJJlf!S p11bticados

••
Próximas publicações:
Proces.w11nenlo. ldaptt1tfl·o de Sú1a1~.:;

- :-iílvio Ahrantcs

••
Teoria e Prâtict1 na indústria Fannaci:uíica
- Leon Lachman c:t ai .

Textos Clássicos

•• 18 1•01I11l1e$ publicados

Em preparação:


A Ciência 1Yol"a
- G. Vico
Tratado da ,Vature-za l/lonana

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