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MARIA TERESA ESTRELA RELACAO PEDAGOGICA, DISCIPLINA E INDISCIPLINA NA AULA C eorroMspien a Ept Ao lil A EVOLUCAO DA INVESTIGACAO SOBRE A DISCIPLINA E INDISCIPLINA NA AULA Se analisarmos a literatura cientifica publicada nestes tiltimos vinte anos, verificamos a existéncia de uma pluralidade de abordagens disciplinares, utilizando diferentes para- digmas de investigagao que tornam dificil ou mesmo impossivel uma integracao coerente dos resultados quer a nivel interdisciplinar, quer a nivel intradisciplinar. As visdes diferen- tes dos fenémenos da disciplina/indisciplina comegam por se manifestar a nivel dos pré- prios conceitos utilizados na investigagao e, consequentemente, reflectem-se na concep- do das suas causas e do seu possivel tratamento. Da culpabilizagao do aluno a sua desculpabilizagao ssim, das abordagens psicolégicas preponderantes até aos anos 70 ressaltam 0s con- ceitos de diseiplina e de indisciplina associados aos de adaptagao e inadaptagiio. Por isso, 0 campo de estudos por exceléncia € o ensino especial e a crianga com necessi- dades especiais de eduicagao, aparecendo a indisciplina associada a condutas anti-sociais ea perturbagGes neurdticas ou de personalidade, Alargado 0 campo de estudo as classes ditas regulares, 0 conceito mantém, coniudo, uma conotago de defectibilidade, ainda visivel em escalas de comportamento de variadas filiagGes, como a de Rutter de 1960. Contudo, se permanece a tendéncia para imputar a origem da indisciplina na aula ao pr6prio aluno, a procura da sua etiologia tende a desculpabilizé-lo. Segundo Daniel Duke, para essa desculpabilizagdo concorrem nao sé as correntes psicoldgicas de orientagao (Os capilulos HI e IV deste fivto comespondem em grande parte aos artigos publicados nas revistas Inovacdia (1991) e Les Sciences de I’ Education pour !'Ere Nowvelte (1992) 75 behaviorista e de orientagio dindmica, como 0 conjunto de investigacoes de origem pluri- disciplinar que, integrando diferentes definigdes, procuram a associagéio entre a disciplina ou a indisciplina do aluno ¢ 0s factores psicoldgicos, sociais ou pedagdgicos que a deter- minam. Esses estudos baseiam-se na aplicagdo de instrumentos variados como testes. questiondrios e escalas. Assim e a titulo de exemplo, numerosos estudos estabelecem cor- telagdes entre indisciplina ¢ varidveis como o Q. 1, 0 insucesso escolar, a origem socio- econémica e as caracteristicas do meio familiar, sobretudo as que se referem ao sistema deautoridade. Outras investigacdes incidem sobre a raga ou sobre a etnia, a,idade e 0 sexo, ‘sendo nestes dois iltimos aspectos consensuais os resultados da investigacio, Assim a indisciplina aparece como um fenémeno essencialmente m . Segundo Humphries, citado por Furlong, “as raparigas subvertem mais do que confrontam”. “Também “falam mais do que actuam” (McRobbie e outro, 1976, citado pelo mesmo autor). Em relagdo idade, a indisciplina incide no grupo etério dos 13-17 anos, com predominio nos 14 e 15 anos, 0 que esté de acordo com as caracterfsticas que a psicologia do desenvolvimento estabelece para a adolescéncia, Outra linha de estudos de origem pluridisciplinar procura determinar os tipos de indis- ciplina mais frequentes nas escolas e nas turmas. Neste aspecto € particularmente rica a litératura britanica, gragas aos numerosos inquéritos e estudos encomendados pelas auto- ridades locais de educagao (LEA). Em Portugal os trabalhos de M. T. Estrela, de Amado e de Brito, estes sobre aulas de Educago Fisica, dao-nos um grande ntimero de referéncias em relagao a turmas da zona de Lisboa e so concordantes com os resultados obtidos nou- tros paises na desdramatizagao do fenémeno de indisciplina. Ela relaciona-se sobretudo com um conjunto de comportamentos que perturbam o processo da aula, mais pela sua reincidéneia do que pela sua gravidade intrinseca, sendo percentualmente pouco significa- tivos os comportamentos que se podem considerar seriamente graves. Registem-se ainda neste campo as tentativas de medicio da indisciplina, através de meios variados, como escalas de avaliagdo dos professores, indices de suspensiio ou de expulsio, registos de incidentes ou ainda indices de perturbacio do aluno ou da turma, como os estabelecidos por Lawrence e colaboradores, em 1984, a partir de check-list elaboradas para esse efeito. Outra linha de investigagao de origem pluridisciplinar orienta-se para o estudo de ati- tudes ¢ opinides de alunos ¢ professores sobre os fendmenos de indisciplina, de que sto exemplos recentes os trabalhos de Lawrence ¢ colaboradores, jé citados, e os de Lovegro, os de Maxwell e os de Dawoud, todos de 1987. Alguns desses trabalhos, como os de Dawoud, pdem em evidéncia as diferengas de opinido entre professores ¢ alunos, sobre- tudo no que diz respeito & atribuigdo causal: enquanto que os professores tendem a atri- buir as razes de indisciplina a caracteristicas psicolégicas do aluno ou ao meio familiar, Talunos atribuem grande parte da responsabilidade ao professor. Também no que se refere & avaliagdo da frequéncia e da gravidade dos comportamentos de indisciplina parece haver dois pesos ¢ duas medidas. Parte dos trabalhos inclufdos nas linhas de investigagdo referidas é inspirada por uma perspectiva correctiva da indisciplina. Procura-se caracterizar o fenémeno e descobrir as suas causas para fundamentar uma intervengao eficaz. Essa perspectiva correctiva é mais acentuada nas linhas de pesquisa de fundamentacio psicoldgica, como € compreensivel, originando uma pluralidade de modelos de intervengiio, em ligagdo com as teorias psico- Idgicas que orientam o diagnéstico da situagao. Entre eles, destacam-se os modelos funda- mentados em principios da aprendizagem social e de condicionamento operante, de que obras dos anos setenta, como as de Clarizio, Ackerman ou Vance-Hall, nos d&o abundantes informagées; modelos esses que tém encontrado um campo crescente de aplicag’o no ensino secundério, como atestam as obras publicadas nos anos oitenta de Tattum, Galloway ou Jones. ' As correntes cognitivistas da psicologia tem inspirado o aparecimento de outros modelos e os principios de resolucio de problemas constituem a base de interven- cdo disciplinar do professor, de que 0 modelo de Gordon constitui um dos exemplos mais divulgados.* Nao faltam também modelos inspirados na Psicologia Social como o de Shrigley* ¢ outros inspirados em praticas terapéuticas, cujos principios se pretendem transpor para as situagoes conflituais de ensino, de que é exemplo o de Carkhuff, baseado na ferapia rogersiana ou o proposto por Nizet e Hiernaux assente na andlise transaccional. Embora haja modelos de maior abertura como os de Gordon ou Glasser, 0 que caracteriza em geral os modelos psicolégicos de intervengio disciplinar € 0 cardcter unilateral da perspectiva de abordagem, pouco consentinea com a complexidade do fendmeno que se pretende dominar. Construidos por via dedutiva a partir de prinefpios provenientes da investigacio feita em campos em geral alheios & escola, a sua aplicabilidade as situacées pedagdgicas de sala de aula ou a sua eficdcia carecem de demonstragdo experimental. Constituem, neste Ultimo aspecto, excepgao algumas experiéncias orientadas por princfpios de modificagaio de comportamento, no entanto de dificil generalizagHo. Da mesma falta de comprovacio experimental carecem modelos de inspiragio pedagégica, como os de Bell ¢ Stefanich aos" Sociedade, escola e indisciplina As perspectivas psicolégicas de cardcter individualizante ¢ correctivo sio postas em cauisa pelas abordagens de cardcter sociolégico e pedagégico. O aluno deixa de ser © centro da andlise dos fenémenos de disciplina/indisciplina e as varidveis do con- texto social ¢ pedagdgico recebem a maior atengéio. Os métodos de pesquisa so predomi- nantemente qualitativos (sem excluir, no entanto, os quantitativos), valori: sa GoUecUe Tentrevista. O aluno transforma-se em actor-vitima de uma série de cireuns- tancialismos adversos ¢ a despersonalizaco provocada por este tipo de imputagao do des- vio torna-se em si mesmo, na opiniao de Daniel Duke, uma das causas de indisciplina. Enquanto que para Durkheim “A disciplina é a moral da classe, como a moral propria- mente dita 6 a disciplina do corpo social” ¢ a classe é um microcosmos social, para os socidlogos de inspiragaio marxista a ordem dominante na escola é a ordem da dominagao e, nessa medida, a indisciplina nao é s6 explicdvel como legitimavel. Se, na perspectiva de Bordieu ¢ Passeron, a resisténcia dos alunos 8 autoridade significa a resist@ncia A imposi- ¢&o de um arbitrério cultural ao servigo da fungdo reprodutora da escola, Baudelot ¢ Esta- blet vdo mais longe ¢ véem na indisciplina actualmente existente uma expressao da luta de classes. Por seu lado, Nizet e Hiernaux véem na disciplina ou indisciplina dos alunos formas de reacgdo & continuidade ou a ruptura cultural que os alunos encontram na escola e que as estratégias «brandas ou duras» dos professores acentuam. Esta tendéncia desculpabilizadora do aluno e culpabilizadora da sociedade e da ‘escola 6 reforgada pelos resultados das investigagdes microssocioldgicas realizadas na sala de aula, pois elas vo pér em relevo o papel do professor como promotor da indisci- pling do alu, Sasi ego cicada crus dewvib eg esabelectn, Com Sh clui Hargreaves e colaboradores, o sistema de regras na aula é extremamente complexo € 78 mutdvel, exigindo uma aprendizagem de cédigos tacitos para os quais algumas criangas esto menos preparadas. Por isso tém mais dificuldade em situar-se quando o professor nao emite sinais claros de transig&o de actividades e de mudanga de regras. Por outro lado ¢ tirando todas as implicagées de uma perspectiva fenomenolégica, o acto de desvio pode ser concebido, na definigio de Kitsuse, citado por Hargreaves, como “um processo pelo qual_os membros de um grupo, comunidade ou sociedade interpretam o comportamento como desviante, categorizam as pessoas que se comportam dessa maneira dentro de um jipo de desvio e the concedem o tratamento adequado”. Nesta éptica, a preocupacio da investigagio desloca-se da pessoa desviante para 0 proceso de imputacio do desvio. Por isso Hargreaves ¢ colaboradores dissecam 0 processo de etiquetagem originador de um efeito de estigmatizagao semelhante em alguns aspectos ao efeito Pigmalio considerado no seu Angulo negativo, efeito este cujos mecanismos de actuagao na aula sao esclarecidos pelos trabalhos de Brophy e Good (1974). Devido a essa estigmatizagio, autores hé que véem na “carreira” de indisciplina dos alunos na escola o inicio de uma carreira de delin- quéncia fora dela, Assim, correntes de inspiracdo fenomenolégica sublinham a importan- cia da rotulagem geradora de estigmatizagao e o aparecimento de subculturas opostas aos valores defendidos pela instituic&io escolar. Porém, como nota David Reynolds no artigo com 0 sugestivo titulo “The Delinquent School”, faltam ainda andlises rigorosas assentes em estudos de casos que permitam elucidar 0 processo que levaria a escola a fomentar a delinquéncia que ela é suposto ajudar a evitar, 79 ex $s ae of O professor como responsdvel pela indisciplina utras correntes sociolégicas, baseadas no interaccionismo, debrugam-se sobre o modo como professores e alunos atribuem significagdo aos eventos da aula, ela- boram estratégias de resposta ¢ se envolvem em negociagdes subtis sobre 0 seu comportamento. Assim, a indisciplina resulta de estratégias de resposta dos alunos a situa- g6es cuja definigo difere da dos professores. Vao neste sentido, entre outros, os trabalhos de Peter Woods (1980) e Marsh ¢ colaboradores (1978). Para Marsh, tal como acon- tece com as claques dos campos de futebol, existem “regras da desordem” na sala de aula. assentam em estratégias de retribui s sores. O_comportamento distante do pioiswir 5 Uepenmlars io da ete originada ‘pelo professor que ignora o nome do aluno, a brandura quando é esperada a fore algumas das situagdes que suscitam a retaliagio do aluno. O modo como os alunos desvi- antes chegam enire si a idénticas definigoes da situaco ¢ objecto dos trabalhos de Fur- Jong (1985), que descreve também os de Turner, os quais visam mostrar como alunos con- seguem conquistar 0 suporte dos colegas exercendo uma forma de poder assente na cola- boragaio de pequenos grupos, enquanto outros alunos 0 nao conseguem. 1a Sao, porém, as correntes pedagdgicas — pedagégicas nao em fungao da filiagao disci- " plinar dos seus autores, mas por se basearem na andlise do processo pedagégico especifico ‘da sala de aula — que mais poem em relevo 0 papel do professor como agente de indisci- Plina. Os conceitos de disciplina e de indisciplina tém agora um referente principal de ‘ordem pedagégica, sendo reportados indirectamente A regra e directamente ao normal funci- onamento da aula ou & perturbagdo desta. A corrente mais marcante é a conhecida por class- room management que passo a referir, embora imprecisamente, por organizaciio da aula. Na esteira de Kounin, a perturbacdo da aula é operacionalizada em termos de nao envolvimento do aluno na tarefa que € suposto executar. Renunciando ao prosseguimento 80 dos seus trabalhos sobre o efeito de onda‘ e sobre as caracteristicas da intervengio disci- plinar do professor, realizados em situagdes laboratoriais, Kounin envereda pelo estudo de situagdes naturais de aula, registadas em video, envolvendo um grande ntimero de classes do ensino primério. Pade assim estabelecer as correlacdes existentes entre a disciplina ou indisciplina dos alunos observados e as técnicas de organizacho (management) utilizadas pelo professor. Enire as (écnicas que apresentam correlagdes elevadas com a disciplina destacam-se as seguintes: — testemunhagio, ou seja, a capacidade de comunicar & turma que 0 professor sabe 0 que se passa mesmo quando est de costas voltadas; — aatengao simultanea a duas situagdes diferentes; —o ritmo da aula e a suavidade da transigao entre tarefas (evitando: saltos na matéria, comegar uma actividade deixando-a no ar, fazer discursos ¢ sermées, fazer dema- siadas recomendagées sobre a tarefa ou sobre 0 material); —a variedade de estimulos oferecidos ao aluno; ~a capacidade de manter 0 grupo ocupado numa tarefa comum através da responsa- bilizagdo dos alunos e da atribuigao de tarefas individuais. A vasta investigagilo suscitada pelo trabalho de Kounin, de que as revisdes efectuadas por Brophy (1983 ¢ 1986) e por Doyle (1986) dao testemunho, confirma, com raras excep- ¢6es, as correlagdes postas em evidéncia por Kounin ¢ estende-as aos primeiros anos do ensino pés-primério, Reforca-se assim a ideia de que a disciplina ou a ordem necesséria as aprendizagens escolares é fungiio da organizagio criada pelo professor na aula. Outros aspectos desta organizagtio, além daqueles salientados por Kounin, ressaltam dos trabalhos das equipas chefiadas por Emmere Evertspn, realizados no 1.° lustro dos anos oitenta, quer no ensino primério quer no ensino pés-primario, Estes trabalhos, além de porem em evi- déncia a importéncia da planificagao ¢ dos primeiros dias de aula para a criagao de uni clima de ordem favordvel 4 aprendizagem, caracterizam os comportamentos docentes que distinguem os professores que foram identificados como bons ou maus organizadores da Assim, do estudo de 1982, feito em turmas da junior high school, sublinham-se os seguintes aspectos: enquanto que os bons organizadores estabelecem bem as regras e dig directivas precisas, apresentam cl: as.suas expectativas quanto aos comportamen- tos dos alunos, respondem a estes de forma consistente, jntervém mais prontamente para Parar 0 desvig ¢ utilizam mais frequentemente as regras em caso de indisciplina, os profes- Sores maus organizadores utilizam regras vagas e nao reforgavels, dao directivas pouco pre- cisas, comunicam ambiguamente as suas expectativas, sao inconsistentes nas suas respostas 4 maior parte dos comportamentos desviantes dos alunos, ignoram mais vezes esses com- portamentos, nfio evocam as suas consequéncias ¢ reagem com lentidao. A fungao organi zativa desempenhada pelo professor tem, portanto, um efeito preventivo da indisciplina. Ora € nessa prevengiio que se distinguem os professores, uma vez que professores com bom controlo do clima disciplinar da aula, quando postos face a situagGes inesperadas de indisciplina, nfio reagem de forma muito diferente dos colegas que se manifestam incapa-_ zes dele, como atestam os trabalhos de Good e outros (1975) e Duke e Jones (1984). RPOIAG 81 A importancia das regras e a fungiio dos desvios papel desempenhado pelas regras para a manutengio de um bom clima disciplinar 0 comportamento normativo do professor, posto em evidéncia por esta corrente de classroom management, constitui sem dtivida o principal ponto de convergén- cia das correntes psicolégicas, pedagégicas e sociolégicas mencionadas anteriormente. Ffectivamente, se a importancia de regras simples, claras ¢ reforgaveis ¢ desde hé muito tempo sublinhada pelas correntes behavioristas, os resultados da investigaco sociolégica, embora com fundamentagio diferente, dao-Ihe igual relevo. Enquanto que a nivel da investigagdo macrossociolégica, as regras so vistas como parte integrante do curriculo expresso e oculto da escola contribuindo para a fungao de reprodugao social, a nivel de investigacfio microssociolégica o tipo de regras ¢ o seu reforgo € associado ao ethos da escola, como acontece no trabalho de Rutter, jé mencionado. De igual modo Burns (1985) considera que, além de outros factores, nas escolas que apresentam baixos niveis discipli- nares se verifica a falta de acordo entre os professores no que se refere & implementagao das mais simples regras, falta de consisténcia na sua aplicagao e mesmo falta de comuni- cago das regras que se esperam sejam cumpridas. A inconsisténcia normativa do profes- sor ressalta igualmente dos estudos de opinido dos alunos quanto a problemas disciplina- res. Antes de deixarem a escola priméria — afirma Cullinford — as criangas estio tao conscientes da fragilidade das regras quanto da sua necessidade e j4 aprenderam como manipular o professor. Pela minha parte, julgo ter dado um contributo para o esclarecimento do fenémeno de indisciplina na aula pelos estudos de casos de turmas portuguesas realizados entre 1977 e 1983, através de uma combinagtio de métodos quantitativos e qualitativos que privilegia- ram a observacdo naturalista de aulas, a entrevista e redacgdes dos alunos. Esses estudos permititam-me determinar as Tuncbes pedagégicas das regras € por em evidéncia a incon- — 82 sisténcia normativa que afecta frequentemente o professor — legislador e incentivador da transgressao, quando nao transgressor dos seus préprios regulamentos — aspectos conver- gentes com a investigacdo atrds referida. Pude ainda analisar as relagées entre o sistema de regras ¢ a produgdo que se pretende instituir na sala de aula e penso ter aberto uma via fecunda de investigacao ao estudar, numa perspectiva pedagdgica, os fins ¢ as funcdes dos comportamentos de indisciplina. Essas fungdes sio relativas ao processo pedagogico em Chrso na aula e distinguem-se das fungdes psicolégicas que esses comportamentos possam desempenhar. Assim detectaram-se: — fungies de proposicdo que visam transformar a situago num sentido favordvel ao aluno; — fungGes de evitamento que se traduzem numa tentativa de fuga a tarefa; —owre — fungdes de obsirugio pois levam a uma ruptura pareial ou total do funcionamento da aula que afecta toda a turma; — fungdes de contestagiio que se concretizam pelo afrontamento directo da autoridade do professor; —fungdes de imposigao originando novos instituidos que se opdem aos legalmente estabelecidos. Estas fungdes mostram que, se os comportamentos desviantes tém_um_potencial per- turbador em relagao & ordem estabelecida, tém igualmente um potencial criativo que se pode manifestar quer sob a forma do poder contra-instituinte do aluno, quer sob.a forma do poder reinstituinte do professor, Este aspecto criativo dos comportamentos de indisci- plina, que faz também com que os alunos indisciplinados se distingam dos seus colegas pela variedade dos comporiamentos que exibem na sala de aula, aparece realgado ent investigagées mais recentes de autores como Furlong que o interpretam numa perspectiva sociolégica de criagio de culturas por parte de certos grupos dentro da escola. Ao estudar as relagdes entre as regras ¢ a producio da aula pude igualmente detectar desequilibrios frequentes entre os planos formal-normativo e funcional-produtivo, desequi- Iibrios que imputo as influéncias contraditérias do formalismo e essencialismo da pedago- gia tradicional — em parte persistente — e dos valores de produgao enfatizados por uma perspectiva economicista do ensino, expressa, entre outras, na chamada pedagogia por objectivos. Influéncias contraditérias acentuadas ainda por uma quebra dos esquemas de autoridade provocadas pela revolucdo de Abril € pela prépria evolugao social do mundo ocidental. Esses desequilfbrios podem ser ilustrados pelas duas classes de ensino primatio ¢ pela turma do ciclo preparatério estudadas ao longo do mesmo ano lectivo (1981/1982). Assim, na 1. classe ¢ no inicio do ano, os alunos ficam submetidos a um pracesso nor- mativo-disciplinar em que a inculcagao directa das regras prevalece sobre qualquer outro tipo de disciplinaco. A acco do professor orienta-se para a criagdo de condigées de pro- dugao em detrimento da prépria produgao. A resisténcia posta pelos alunos & acco nor- mativa do docente revela apenas a oposicao da espontaneidade infantil a uma lei que Ihe é” 83 VON 4 estranha e, nessa medida, a acco pedagégica aparece-nos com uma forma de violéncia legitimada. A resisténcia manifesta-se sobretudo como oposigao aos principios de tertit6- rio que se expressam igualmente, sob uma forma simbélica, no sistema de comunicagdes da aula. Os comportamentos que exprimem esta resisténcia desempenham fundamental- mente fungdes de proposicio, evitamento ¢ facilitago que se podem considerar reinsti- tuintes. No fim do ano escolar, as formas de inculcagao normativa directa, sucedem-se as formas indirectas representadas pela correcgiio ¢ pela pressio sobre o trabalho. As rela- es entre 0 sistema produtivo e normativo tornam-se ambiguas, ambiguidade que é mani- festa em regras como “estar quicto para trabalhar bem”, ou “trabalhar bem para estar quieto”. Os comportamentos de ocultagiio e de dissimulaco dos alunos revelam a aceita- cao exterior da ordem estabelecida, Na turma de 4.* classe comeca a emergir a desvalorizacdo do aspecto formal da regra: embora 0 professor defenda a sua drea territorial, tolera os pequenos desvios que nfo per- turbam demasiado as tarefas que 0 aluno deve desempenhar e 0 respeito pelas regras é exigido em nome da produgao. Na turma do ex-ciclo preparat6rio, acentua-se a desvaloriza regra ¢ a valorizagiio da produgio, 0 que gera uma certa indefiniciio normativa. Ao nivel de discurso, os professores parecem hesitar entre a manutencao € 0 abandono do forma- listo, entre a orientagao liberal € a tentagdo autoritéria, hesitagdio que & confirmada ao nivel da pratica por uma certa flutuacao do comportamento normativo-disciplinar dos pro- fessores observados. A referéncia a regra é cada vez mais rara e distante ¢ o elevado indice de tolerancia ao desvio retira-Ihe o seu valor formal, tornando-a num referente de ordem funcional. Do mesmo carfcter funcional é afectada a intervengio disciplinar do professor. A constincia relativa de certos indices de severidade que limitam a impressio de anomia inicialmente recolhida na observagao das aulas e os resultados obtidos pela uti- lizagfio do sonémetro estabelecendo a relactio entre a existéncia de intervengdo disciplinar € o nivel de ruido existente na sala de aula, apoiam esta interpretago funcional.® A avalia- ao feita pelos professores do comportamento da turma nas aulas observadas é justificada pela produgo obtida e nfo pelos desvios verificados. O professor &, pois, levado a reduzir o formalismo normativo e a submeté-lo a critérios de produgao minima; mas, por outro lado, uma prdtica pedagégica, essencialmente baseada na comunicagio do professor, obriga-o a tentar manter um conjunto de regras que assegurem a circulagdo da mensagem. Por isso 0 professor comega por desvalorizar os pequenos desvios que limitam mas nao impedem totalmente a produgao e s6 considera como indisciplina os actos que a compro- metem abertamente ou aqueles que visam directamente a sua autoridade ou a sua pessoa. O respeito pela pessoa do professor parece, pois, ser o tiltimo bastido do principio de dominio do docente, dominio posto em causa pelas fungdes anti-instituintes e contra-insti- tuintes do desvio que comecam a ser frequentes no ex-ciclo preparatério. Esta evolucdo verifica-se igualmente ao nivel das representagdes dos alunos das turmas estudadas, Enquanto que, para os alunos das classes de instrugao primaria, a indisciplina se do aspecto formal da 84 refere sobretudo aos comportamentos que interferem com a comunicagio e a utilizagtio do espago, para os alunos do ex-ciclo preparat6rio e sobretudo para os do ensino secundério, a indisciplina situa-se principalmente no plano relacional e visa perturbar a aula para atin- giro professor. Num sistenia de ensino em que 0 estatuto institucional do aluno nao acom- panha devidamente o seu crescimento e em que as normas ¢ os tipos de sango cultivam a infantilizagio, os alunos 86 podem aspirar a diminuir 0 seu estatuto de desigualdade e de inferioridade através da indisciplina. Perturbando o funcionamento da aula e impondo-se como indisciplinados, alguns alunos opéem a sua forga & do professor ¢ conseguem por vezes obter um estatuto de privilégio que um pacto oculto e tdcito circunscreve a certos limites, mas que revela 0 enfraquecimento do poder do professor. A turma comeca conse- quentemente a ter consciéncia da forga anti-instituinte, reinstituinte ou anti-instituinte dos comportamentos de indisciplina. A acgilo pedagégica corre ent&o o risco de se tornar a-educativa, 0 que nfo deixard de ter implicagdes sobre o desenvolvimento moral do aluno, tanto mais que os processos de disciplinagio se orientam mais no sentido negativo da interdigao do que no sentido positivo da prescricio, nao favorecendo aparentemente a passagem da heteronomia a autonemia moral. A escalada do aluno indisciplinado comega normalmente por perturbar as fungdes que € suposto executar, recusar os papéis que Ihe sao prescritos, atingir 0 professor na sua autoridade e, finalmente, na sua pessoa. Esta escalada & favorecida pela idade dos alunos ¢ pelos elementos de desequilibrio de ordem pedagégica ¢ social que favorecem a manifestagao de eventuais desequilfbrios de cardcter psicolégico. Por isso os alunos imputam grande parte da responsabilidade dos comporta- mentos de indisciplina aos seus professores ¢ acham que a solugao passa por uma modifi- cagiio da relagdo pedagégica e por um exercicio correcto da autoridade docente. Trabalhos feitos sob a minha orientago dio continuidade a algumas destas perspecti- vas de investigacio e dio contributes ao conhecimento da realidade portuguesa, ao ‘mesmo tempo que ensaiam metodologias diferentes de pesquisa. Assim, Jodo Amado faz um estudo das participagées disciplinares de uma escola secundaria da zona de Lisboa, ao longo de cinco anos. A anélise de contetido das participacdes e a sua categorizacdo per- mite-Ihe tragar um mapa dos comportamentos de indisciplina mais relevantes da escola e relacioné-los com varidveis referentes ao professor que faz a participago e ao aluno ou alunos que so objecto dela. No que se refere aos professores participantes, conclui que o niimero de participagdes feito pelas professoras é significativamente maior que aquele que é relativo aos professores, que hé diferengas entre os grupos disciplinares, mas nao se verificam diferengas significativas quanto ao estatuto profissional (de profissionalizado ou nao), 0 que sem diivida sugere alguma reflexiio sobre a formagio de professores. Em rela- gio aos alunos, os resultados so convergentes com a investigagao feita noutros pafses, no que diz respeito ao sexo, idade e experiéncia do insucesso escolar. Analisando, nos inci- dentes que tal permitiram, as fungdes desempenhadas pelos comportamentos de indisci- plina no processo da aula, conclui que a maior parte dos comportamentos relatados nas participacdes que se referem aos alunos mais novos desempenham a fungao de obstrugai 85 do processo de aula, enquanto que a maioria daqueles que se referem aos alunos mais velhos desempenham a fungao de contestagao da autoridade do professor, 0 que estd de acordo com a evolucio por mim detectada quer a nivel dos comportamentos, quer a nivel das representagdes dos alunos, Em relagao a localizacio temporal, verifica que ao longo dos cinco anos estudados, os periodos criticos se localizam entre as 10h30 ¢ as 12h30.¢, & tarde, entre as 15h30 e.17h30. Quanto aos dias da semana, é a 3.’-feira que reine maior niimero de participagdes, 0 que nao esté de acordo com os resultados apresentados por Montagner em relago ao ensino primério, nem com os obtidos por Lawrence e colabora- dores em escolas secundarias inglesas. Quanto aos meses, Janeiro, Fevereiro ¢ Marco apresentam-se como os mais criticos ao longo do periodo estudado. Serdo, no entanto, necessérios mais estudos de casos, para se poderem generalizar os resultados. Isabel Freire elabora e valida um questionério que é aplicado aos alunos do 7.° ¢ 9.° anos de escolaridade de uma escola secundaria da zona de Lisboa e aos seus professores. Os resultados mais relevantes desta investigago so os seguintes: Em relagdo aos comportamentos de indisciplina, verifica-se através de uma andlise fac- torial de correspondéncias’ que as representagdes dos alunos do 7.° ano de escolaridade se organizam 8 volta de comportamentos perturbadores do trabalho da aula, a passo que as des alunos de 9.° ano se organizam 2 volta de formas perturbadoras da relagao pedagégica. Os alunos de 7.° ano revelam-se mais favoriiveis as formas mais definidas de autoridade, enquanto que os seus colegas mais velhos privilegiam uma autoridade ligada & compreen- so e assente em qualidades didacticas do professor. Relativamente as causas de indisci- plina, hé uma maior valorizagiio do meio familiar e do professor por parte dos alunos mais novos, sendo os mais velhos mais criticos em relagdo ao seu proprio comportamento. Os professores acusam sobretudo o meio familiar, Eles atribuem maior gravidade & listagem dos comportamentos de indisciplina que foi submetida sua apreciago do que os alunos. distanciando-se mais neste aspecto em relagiio aos alunos de 7.° ano. Nao se verificarar: diferengas significativas entre as representagdes dos alunos considerados disciplinadus © indisciplinados pelos seus professores, mas notaram-se diferengas no que diz respeito 2 sia atitude perante a escola. Embora positiva nos dois grupos, a atitude liga-se a factores de trabalho preparac&o do futuro para os alunos disciplinados, a factores de convivio 2 camaradagem, para 0s indisciplinados. Verificou-se ainda que os alunos atribuem um bai grau de eficdcia ao tipo de intervencio disciplinar que os professores dizem utilizar # vezes ¢ manifestam preferéncia por formas de encorajamento e envolvimento dos c por conversas em privado no final da aula, Mais uma vez se comprova que a r=lago peda- g6gica assenta em equivocos decorrentes de diferentes definigdes da situagae que mutua- mente se ignoram e que. por isso, geram conflitos que se poderiam evitar. Através da breve revistio da investigacio a que se acabou de proceder, verificamos que, apesar dos progressos evidentes do conhecimento do universo normative disciplinar da aula, existe ainda um longo caminho a trilhar e que, mesmo em relagao aos aspectos mais estudados, existem ainda lacunas importantes a preencher. 86 Conclusao esta panorimica, forgosamente sucinta, da investigagio sobre a disciplina/indisci- plina na aula e, como sintese, sublinho os seguintes aspectos 1.° A nota dominante da evolucdo da investigacdo neste campo é a deslocaciio do seu alvo principal; conquanto perdure a investigagao sobre o aluno indisciplinado e sobre o tipo de indisciplina, a atengao da investigagao concentra-se sobre a escola, a turma, 0 pro; fessor, a sociedade. Se a imputagdo da indisciplina a factores causais inerentes ao aluno & a sociedade é geralmente aceite pelos professores, que assim alienam a sua responsabili- dade, a imputagdo do desvio a factores inerentes & escola, instituigdo concreta, ¢ a0 pro- fessor constitui uma perspectiva nova que necessita de ser por eles assumida e que traz as maiores implicagdes para o campo da sua formagio. Do relat6rio Elton, atras referido, ha uma conclusiio que me parece poder ser extrapolada para outros paises e particularmente para 0 nosso: o problema central da indisciplina poderd ser consideravelmente reduzido se ajudarmos os professores a tomarem-se organizadores mais eficazes da aula (“by helping teachers do become more effective classroom managers”). 2.° Os resultados da investigago existente concorrem para fundamentar uma acgio preventiva da indisciplina, mas sfo ainda insuficiemtes para fundamentar uma ac¢do cor- rectiva, 3.° Outro aspecto saliente da investigagao é a falta de continuidade entre os numerosos, estudos de ci arficter descritivo e correlacional e os estudos rigorosamente experimentais. 87 Se a aplicagio de esquemas experimentais a situacdes pedagégicas nao laboratoriais & sempre dificil, 6-0 mais ainda neste campo em que a introdugio de factores experimentais (como, por exemplo, a mudanga de atitude do professor) nao pode ser feita “a frio”, por um acto de «fiat lux» do experimentador. Pela experiéncia colhida nos meus proprios tra- balhos, compreendi_que querer intervir em aspectos disciplinares da_aula_pressupGe_um longo trabalho de formagao e de acompanhamento da situagio, para o qual nem sempre existe disponibilidade, quer por parte do professor quer por parte do experimentador. E esse forma¢ao parece-me mais consentaneo com esquemas de investigacao- acgiio do que com os esquemas classicos de experimentagao. 4.° A natureza da investigagio existente explica que, apesar da verificagio da estrei- teza das estratégias de intervengao disciplinar utilizadas pelos professores (Lawrence ¢ outros, Nizet, Estrela), existam poucos modelos de intervencdo devidamente comprovados e que estes sejam predominantemente de cardcter psicolégico. 5.° A literatura revista esclarece muitos aspectos dos fenémenos de disciplineyindisci- plina na aula, mas nfo determina — nem Ihe compete fazé-lo — princfpios de cardcter axiolégico que orientem a actividade docente. Por isso, numa perspectiva global de for- magio de professores, a reflexao cientifica deve ser integrada numa reflexio filoséfica, nomeadamente de caricter ético ¢ axiolégico que facilite ao professor uma tomada de posigao sobre os complexos problemas deontolégicos levantados pelas situagées de indis- ciplina, NOTAS 1A observacdo de aulas, entrevistas ¢ questionarios passados aos professores mostram que as intervengdes disciplinares dos professores se baseiam mais na sua intuigao ¢ experiéneia do que na aplicagio sistemética de uma determinada teoria psicolégica ou pedagégica e que essas inter- ‘vengoes sao relativamente limitadas na sua variedade, Em turmas por mim observadas, além da Feaogho passiva de ignorar 0 comportamento desviante inventariei as seguintes reacgdes: de cardcter verbal — chama a atengéio, repreende, ameaga, dirige uma pergunta ao aluno que tem um comportamento desviante, ironiza, dé instrugGes para mudar de actividade (pasando, por exemplo, de uma actividade oral @ uma actividade escrita), faz. apelos & boa conduta, lembra a regra que esté a ser violada, expulsa o aluno da aula, pede o caderno para escrever uma nota aos pais; de cardcter ndo verbal — olha fixamente, desloca-se, estabelece um contacto fisico, faz siléncio, manda parar com um gesto, intercepta um papel, desloca-se, estabelece um contacto fisico; misto — desloca-se e repreende, chama a ordem e estabelece um contacto fisico. A ané- lise das situagdes revelou que o tipo de reaceio nao tem uma relagdo constante com 0 tipo de desvio e que os efeitos de intervengao também nao so constantes. A reacedo que revelou um feito mais constante ¢ mais positivo foi a mudanga de actividade em situagdes de indisciplina generalizada. Certas teorias de caricter psicolégico tém originado modelos de interveneao disciplinar, sendo os mais divulgados, nos pafses de lingua inglesa, os modelos de inspiragéo behaviorista, basea- dos nas teorias do condicionamento operante e da aprendizagem social. Partindo do principio que_os comportamentos desviantes so comportamentos adquiridos ¢ mantidos através de_uma acgio de reforgo exercida pelo meio e que os comportamentos desviantes t&m um significado SUcial, pols 0 cardcter de desvio provém dum quadro social de referdncia e nfo de uma perturba- GWE posite (Bandura, 1969), os modelos de intervencao partem de uma identificagio fos elementos que no meio exercem uma acgao de reforgo para a planificagao de estratégias de intervengdo que levam a eliminar 0 comportamento desviante a substitui-lo pelo comporta- mento desejado, o qual deve ser reforgado, As técnicas mais utilizadas so as seguintes: reforco. positivo dado por simples confirmagao verbal ou gestual ov por elogio ou recompensa; 0 auto- “reforco que exige a cooperagio activa do sujeito; extingfio, provacada pela auséncia de reforgo do comportamento que se quer suprimir (ignoré-lo é um modo de no 0 recompensar) € que, para ser mais eficaz, se combina com 0 reforgo positivo do comportamento desejado; punicdo cuja eficécia € defendida por alguns autores e contestada por outros, em virtude dos efeitos secundérios que provoca. Uma técnica que deve ser utilizada com precaugio, mas eficaz 6 0 contrato comportamental que, por vezes, envolve o director de escola c/ou os pais dos alunos & que pode assumir a forma escrita, para mais responsabilizar 0 aluno. Pelo contrato, 0 aluno compromete-se a ter 0 comportamento desejado (por exemplo, fazer o trabalho de casa ou nio se deslocar do seu lugar) ¢ 0 professor compromete-se a conceder-Ihe em troca algumas regalias proporcionais ao ntimero de pontos que sao atribuidos a cada vez. que se verificar 0 comporta- mento desejado. O professor que opta por estes modelos deve, no entanto, tomar consciéneia de que eles com- portam alguns riscos, sobretudo no que respeita as técnicas de extingao. Ignorar 0 comporta- mento desviante pode nio s6 por em risco o sistema normative da aula como pode originar comportamentos de escalada da parte do aluno que vai aumentado o grau de gravidade do seu comportamento desviante até conseguir chamar a atengao do professor. Pode ainda © comporta- ‘mento desviante ser imitado por outros, provocando um efeito de contagio que poderd tornar-se * dificil superar. 89 ten tempo”). As se or oe ow 2 Outros modelos como o de Gordon, baseados em princfpios cognitivos varios como os de reso- lugiio de problemas, ofereceiii mighos riscos. modelo de Gordon pretende fomentar ume boa relago entre professores e alunos, isto é, uma relagio aberta ¢ transparente, assente na preocupacio pelo outro (caring), na interdependéycia e ha satisfagtio de necessidades mituas, mas também na demarcagdo que permite ao outro crescer ha sua individualidade, isto é, na autodirecetio, auto-responsabilidade, autocontrolo, autodeter- Iminacdo, auto-avaliagao. Essa relagao implica sobretudo comunicago e novas competéncias ‘para’ professor, aS quais se exprimem num novo vocabubitio: colaboracad, cooperagao, nEgo- clagio, confronto, resolucdo de problemas, resolugao de conilitos, melhoria dos contactos inter- pessoaigy Eo @luno que tem de resolver os seus préprios problemas, mas o professor tem de fortalecer no aluno a ideia de que ele € alguém com quem se pode dialogar, 0 que requer autenticidade, dispo- nibilidade, respeito pela privacidade. Exige 0 treino de algumas técnicas, como: escute aciiva (nao implicando avaliagio nem juizos de valor, ajuda a clarificar posigdes e facilita a silo); resolugdio de problemas (definir o problema, imaginar solucdes possiveis, aval dir qual €@ melhor, determinar como implementar a decistio, verificar como a det © problema); confronto que deve expressar como o comportamento interfere com o diteito dos Quiros; resoltictio de conflitos (nao hd vencedores nem perdedores quando as duas partes se envolvent na procura de solucdes aceitéveis para ambos): mensagens do eu (“I messages”) em vez de mensagens do tu (em vez de expressdes como “para de fazer barulho”, o professor trans- mite os: seus sentimentos pessoais face a esse comportamento, como, por exemplo, “sinto-me perturbado com o barulho porque ele impede de me concentrar” ou “porque ele me faz perder mensagens do eu comportam riscos de revelagiio da intimidade (self disclosure) ¢ riscos de auto-modificaeao, pois quando analisa a situago mais cuidadosamente o professor cchega por vezes a conclusiio de que é ele que tem de mudar. (Gordon, 1974) O modelo de Shrigley parte da andlise das fontes de poder determinadas por Raven ¢ French visa fortalecer o poder ¢ a autoridade do professor, fortalecendo todas as fontes do seu poder. Assim ao poder de perito devem corresponder “skills” profissionais ligados com 0 conheci- mento de priticas de ensino ¢ de desenvolvimento humano, “skills” de organizagtio da aula qualidades pessoais de lideranga. O poder de referéncia — que leva o aluno a identificar-se com © professor — pode ligar-se a “siklls" de intervengao baseados em comportamentos nio verbais (contacto visual, deslocagao), em apelos directos, em mensagens do cu (ex.: “sinto-me aborre- cido por ter de repetir as instrugdes por tu estares distraido”). O poder legitimo que faz com que © professor ensine sem interferéncias implica perguntas directas (“isto no vai contra as regras?”), confrontaco com os dados (“nos tiltimos 5 minutos interrompeste 4 vezes"), esclare- cimento sobre as consequéncias, redefinigo de limites (“uma linguagem grosseira é inadmissi- vel na sala de aula”) O poder de recompense € fortalecido pela distribuigdio de prémios ou pela retirada de privilégios € 0 poder coercivo pela utilizagao de punigdes variadas (desde 0 “time-out”, a expuls bigio de acesso a locais). Veja-se Shrigley, R, 1986. Note-se que este modelo carece de comprovagao empirica. Embora seja de opinizio que um cas- tigo no momento certo por vezes se justifique, interrogo-me se o professor precisard de desen- volver 0 seu poder coercivo para manter a disciplina na aula ou se 0 uso desse poder niio sera precisamente 0 indicador da incapacidade de o professor manter a disciplina por meios mais for- mativos para 0 aluno 90 ‘© modelo de Bell e Stefanich é por eles designado de modelo em cascata, pois parte de medidas mais leves ¢ ficeis de implementar para medidas sucessivamente mais complexas, escalonadas em quatro fases, A primeira fase tem um cardcter preventive e deve incidir na criagtio de um ambiente fisico psicolégico que seja estimulante da aprendizagem, A determinagao das regras com os alunos e a especificagio das consequéncias da sua quebra devem ficar claramente definidas. A segunda fase € yma fase de apoio (supportive discipline) em que © professor procurara estabelecer uma relago positiva com as famflias a quem comunicard o bom comportamento dos filhos, em vez de as contactar apenas quando as coisas correm mal. A terceira fasg ¢ correctiva, esforgando © professor por resolver problemas disciplinares que ainda possam surgir pela utilizagio de 16e nicas como a resolucao de problemas ¢ pela utilizacdo de “mensagens do eu”. A quarta fase prevé a ulilizagdo de técnicas “adaptativas", de cardcter individual como 0 contrato comporta- mental ou a procura de melos de ajuda exteriores A aula quando os problemas sio do ambito do distarbio emocional. O efeito de onda é a perturbago causada pela intervengio disciplinar do professor em alunos que nao cram por ela visados. Por exemplo: o professor admoesta um aluno e é outro que res ponde e se mostra zangado; por vezes é toda a turma que se mostra tensa apds a repreensio dada a um aluno ou a um grupo, © Veja-se a nota 4 da p. 67. 7 A anélise das comespondéncias, teorizada por Benzecri, é um método de tratamento de dados que permite resumir a informagiio obtida sobre a sua estrutura associativa. No caso dos questio- nérios, parte de matrizes de dados em que as linhas representam itens do questiondrio e as colu- nas os individuos. A andlise procura determinar as correspondéncias, primeiro entre os elemen- tos de cada conjunto, tomados dois a dois, e a seguir entre os elementos dos dois conjuntos. A proximidade entre as varidveis é calculada pela distfincia distribucional ou distancia do x’ A anélise das correspondéncias permite visualizar no espago a informacao sobre uma série de observagdes por meio de projecgdies sucessivas da totalidade dos pontos sobre os eixos de inér- cia, sendo as observacdes definidas num espago de n dimensdes igual ao nfimeto de varidveis menos uma. Os eixos representam as direcgdes de alongamento das nuyens formadas pela pro- jeceto dos pontos que, assim, so localizadas pelas suas coordenadas em relagio a 1 eixos. Cada eixo representa um momento de inércia afectado de um valor proprio, 2, compreendido entre 0 e 1, A soma dos momentos de inéreia representa a inércia total (1). Cada factor extrai, portanto, uma percentagem de inércia que representa a relagao entre A e a soma dos de que dé a importancia relativa do factor. (Benzecri, 1973) “Interpréter un axe c'est trouver ce qu'il a d’analogue d’une part entre tout ce qui est écrit & droite de l’origine, d’autre part entre tout ce qui s’écarte & gauche; et exprimer avec concision et exactitude, l'opposition entre les deux extrémes. On doit rendre compte non seulement de la place des points les plus écarlés & droite ou & gauche, mais de celle de tous les points ou du moins de toux ceux qui apportent aux facteurs des contributions absolues importantes (ces points ne sont pas toujours les plus écartés).” Benzecri et col., L’analyse des données, Dunod, Paris, 1973, vol. Il, p. 47. Note-se que um factor & apenas um construto que nao se pode reificar, pois hipétese explicativa sobre uma fonte comum de varidncia, Para mais informacio, veja-se a obra citada de Benzecri. AUTORES REFERIDOS NO TEXTO ACKERMAN, J. M., Operant Conditioning Techniques for the Classroom Teacher, Glenview Scot, Foresman and Company, 1972. AMADO, J. 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