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Artigo

Os primeiros passos em direção a uma


arqueologia pantaneira: de Max Schmidt e
Branka Susnik a outras interpretações sobre
os povos indígenas nas terras baixas do
Pantanal1

Jorge Eremites de Oliveira2 Resumo


Este ensaio analisa o primeiro momento
da Arqueologia Pantaneira, sobretudo as
contribuições dadas por Max Schmidt e
Branka Susnik para o conhecimento dos
povos indígenas nas terras baixas do
Pantanal, região localizada na porção
central da América do Sul. O estudo de-
monstra que as pesquisas desenvolvidas
por esses dois antropólogos foram as
mais importantes durante o período que
inicia na década de 1870 e termina na
de 1980. Ambos os autores foram
influenciados por idéias evolucionistas e
difusionistas da época e publicaram uma
expressiva quantidade de textos científi-
cos, obras importantes de interesse aos
cientistas sociais como os especialistas
em Antropologia, Arqueologia, Geogra-
fia, História, Sociologia e outras áreas
afins.

Palavras-chave: Antropologia, Arqueolo-


gia, Branka Susnik, Max Schmidt, Pan-
tanal.

Abstract
This essay analyzes the beginnings of
the archaeology of the Pantanal area,

1
Ensaio ganhador, em 2003, do concurso Prêmio Dra. Branislava Susnik, oferecido pelo Centro de
Estudios Antropológicos, da Universidad Católica (CEADUC), e Museo Etnográfico “Andrés Barbero”, da
Fundación La Piedad, de Assunção, Paraguai.
2
Professor do Departamento de Ciências Humanas (DCH), coordenador do Laboratório de Arqueologia,
Etnoistória e Etnologia (LAEE) e docente do Programa de Pós-graduação em História do antigo Campus
de Dourados da UFMS, atual UFGD – Universidade Federal da Grande Dourados. Correio eletrônico:
eremites@ceud.ufms.br

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Oliveira, J. E.

particularly Max Schmidt and Branka po. Portanto, ele deve também estudar
Susnik’s contributions to the knowledge as relações entre a sociedade e suas mu-
of the indigenous people of the lowlands danças e a prática científica, tal qual
of the Pantanal, an area located in cen- Pedro Paulo Abreu Funari (1994:25) pro-
tral South America. The study demons- pôs para se entender a Arqueologia no
trates that research developed by these Brasil, proposta esta que vem tendo res-
two anthropologists was the most im- sonância entre jovens arqueólogos bra-
portant in the period that spans from sileiros.
1870s to 1980s. Authors were both in- Estudar essas relações também ser-
fluenced by evolutionist and diffusionist ve para o autoconhecimento humano,
ideas of their time, publishing an impres- quer dizer, um conhecimento das suas
sive amount of scientific papers, today faculdades de cognição, do seu pensa-
considered important works of interest mento ou do seu entendimento da ra-
to social scientists, such as specialists zão, conforme explicou Collingwood
in Anthropology, Archaeology, Geogra- (1981:257). Ocorre, porém, que a co-
phy, History, Sociology and other rela- nexão entre autor-obra-meio, ou seja, a
ted areas. sociedade, dá-se em circunstanciamen-
tos mais gerais e históricos, às vezes
Key words: Anthropology, Archaeology, controvertidos e polêmicos até certo pon-
Branka Susnik, Max Schmidt, Pantanal to, cuja análise pode gerar questões de
litígio (Trigger, 1992; Arruda & Tengar-
rinha, 1999; Eremites de Oliveira,
Qualquer estudo acerca do desenvol- 2002b).
vimento das ciências sociais em países
Seguindo esta linha de raciocínio, jul-
platinos como o Brasil e o Paraguai, por
go ser importante citar as palavras ini-
exemplo, não pode omitir a contribui-
ciais que Funari recentemente utilizou
ção dada pelos antropólogos europeus
em sua resenha sobre o livro A Social
que vieram para a América do Sul, des-
History of Anthropology in the United
de a segunda metade do século XIX, com
States, de Thomas C. Patterson (2001):
a finalidade de realizar pesquisas etno-
gráficas. Todavia, uma investigação apu- Pode escrever-se uma História da ciência
rada sobre o assunto torna-se mais com- apenas a partir da discussão de questões
metodológicas? Pode isolar-se a História de
plexa do que pode parecer em um pri-
uma ciência social de sua inserção no teci-
meiro momento. Isto porque um traba- do social? Pode entender-se as transforma-
lho assim não deve limitar-se apenas a ções de uma disciplina sem relacioná-las
dizer quais pesquisadores atuaram em aos avatares da política? Questões como
determinada região, descrever as expe- estas parecem teóricas no contexto inter-
dições científicas, arrolar as peças de nacional da História das Ciências, na medi-
da em que a academia faz parte da socie-
coleções etnográficas, transcrever even- dade e, por isso, nunca poderia ser dela
tuais diários e enumerar as publicações desvinculada. (Funari, 2003:1)
mais conhecidas, isto é, cair na armadi-
lha de fazer uma espécie de História his- Partindo dessas idéias, portanto, ana-
toricizante ou factual. O trabalho é mais lisei os aportes de Max Schmidt e Branka
árduo e por isso mesmo fascinante e de- Susnik, fazendo menção ainda a alguns
safiador. Cabe ao investigador interes- outros autores, para o conhecimento da
sado no tema perceber os próprios cien- Arqueologia dos povos indígenas que se
tistas sociais estudados como agentes estabeleceram nas terras baixas do Pan-
históricos plenos, inserindo suas obras tanal, isto é, nas áreas inundáveis da-
e idéias no contexto político, econômico quela planície localizada na porção cen-
e sociocultural da época em foram pro- tral do subcontinente sul-americano. O
duzidas, enfim, no interior de seu tem- estudo realizado busca abordar suas his-

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ções sobre os povos indígenas nas terras baixas do Pantanal

tórias de vida no contexto das socieda- tografia colonial como Laguna de los
des em que viveram e, com maior pro- Xarayes (Costa, 1999), não abrange ape-
fundidade, analisar, à luz de uma leitura nas parte da região Centro-Oeste do Bra-
historiográfica, parte de suas obras com sil, ainda que cerca de 140.000 km2 es-
o objetivo de entendê-las em quadros teja distribuídos nos atuais estados de
teóricos mais amplos e gerais. Propor Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, re-
algo assim não significa, necessariamen- gião historicamente conhecida como
te, querer compreender seus textos Pantanal Matogrossense. Uma outra par-
como sendo respostas automáticas a te de sua extensão prolonga-se pelos
certas correntes de pensamento e esco- atuais territórios da Bolívia e do Para-
las teóricas. Na verdade, penso que a guai, onde recebe outras denominações
proposta defendida é uma real possibili- devido à sua vinculação com o Chaco, o
dade de melhor compreender uma par- que ocorre em prolongamento natural na
te significativa dos legados de Schmidt bacia do rio Paraguai (Allem & Valls,
e Susnik à própria Antropologia Para- 1987). Em termos ambientais gerais,
guaia, cujo desenvolvimento também se talvez a diferença mais marcante entre
dá, para mais ou para menos, sob influ- o Pantanal e o Chaco está no fato da
ências das transformações epistemoló- região chaquenha apresentar um perío-
gicas registradas nas ciências sociais em do de estiagem mais pronunciado em
várias partes do mundo. comparação com o que ocorre na planí-
cie pantaneira (Valverde, 1972). Esta
Tenho clareza, porém, que este en-
situação resulta de vários fatores, den-
saio está mais para uma introdução ana- tre os quais as diferenças estruturais
lítica do que para um estudo cabal sobre marcantes em termos geomorfológicos
uma temática por demais complexa. Um (Moura, 1943).
estudo mais esmerado requereria uma
prospecção bem detalhada na obra dos Não obstante, do ponto de vista ar-
queológico e etnoistórico está claro que
dois antropólogos, investigando as rela-
o prolongamento natural entre as regiões
ções mais profundas nela existentes e
facilitou os intensos e constantes conta-
conhecendo com maior propriedade suas
tos interétnicos registrados entre povos
matrizes teóricas originais, bem como o
indígenas das duas áreas, inclusive du-
distanciamento que eles tiveram delas
rante os três primeiros séculos da Con-
ao longo de suas carreiras e as novas
quista Ibérica. Daí compreender uma
fórmulas resultantes do processo de
outra mensagem importante implícita
construção do conhecimento por eles
neste ensaio: o argumento de que os
gerado. Um trabalho desse tipo também
cientistas sociais devem perceber o
necessitaria de tempo, condições de pes- transcurso histórico e sociocultural dos
quisa e recursos materiais e financeiros povos indígenas nas terras baixas plati-
para refazer a trajetória intelectual de nas em sua totalidade espaço-temporal,
Max Schmidt e Branka Susnik, desde a especialmente do período pré-colombi-
Europa até a América do Sul, conhecen- ano à época colonial, ao invés de vê-los
do melhor seus interlocutores, bem como como meros fenômenos isolados, per-
seus afetos e desafetos teóricos, além ceptíveis apenas dentro das atuais fron-
de saber muito mais ainda sobre suas teiras político-territoriais ibero-america-
relações com a sociedade em que vive- nas. Logo, a Arqueologia e a Antropolo-
ram (indivíduos, coletividades, governos, gia no Brasil e no Paraguai possuem
instituições de pesquisa etc.), dentre muitas similitudes, seja do ponto de vista
outras tarefas. da história do desenvolvimento das ciên-
De momento, acredito ainda ser re- cias sociais nos dois países, seja a res-
levante explicar em tempo que a região peito da presença indígena nas áreas
do Pantanal, aquela conhecida na car- inundáveis da bacia platina.

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Oliveira, J. E.

Fig. 02 - Foto de Max Schmidt na capa do livro de


Susnik (1991).

No Museu de Etnologia em Berlim,


Schmidt teve como mestre o grande an-
tropólogo Karl von den Steinen e, por
conta das influências que dele recebeu,
Fig. 01 - Mapa da bacia platina e da hidrovia Para- elegeu o antigo estado brasileiro de Mato
guai-Paraná, com destaque para a região do Pan- Grosso – atuais estados de Mato Grosso
tanal (Bucher et al., 1994:6).
e Mato Grosso do Sul – como a principal
área para a realização de suas investi-
Max Schmidt gações científicas. Em terras matogros-
senses chegou a concluir três expedições
Max Schmidt (1874-1950), filho de etnológicas durante as primeiras déca-
uma tradicional família de Altona (Elbe), das do século XX. Herbert Baldus, por
cidade da Alemanha, nasceu em 16 de exemplo, assim avaliou esta parte de sua
dezembro de 1874. Ele poderia ter se- história de vida:
guido a carreira de seu pai, que era ju-
risconsulto, mas em 1899 abandonou o Dirigindo-se ao laboratório predileto dos
americanistas alemães da época, isto é, à
Direito e voltou-se para os estudos et- região dos formadores do Xingu, queria
nológicos, desde já na qualidade de as- seguir o exemplo dado pelo seu grande
sistente voluntário do Museu de Etnolo- mestre Karl von den Steinen, por Ehrenrei-
gia em Berlim (Museum für Völkerkun- ch, Herrmann Meyer e outros, indo acom-
de zum Berlin), instituição em que che- panhado, porém, de dois camaradas ape-
gou a dirigir a seção da América do Sul. nas e não, como aqueles exploradores, de
uma numerosa e bem equipada comitiva
Sua formação inicial em Direito, toda- (Baldus, 1951:253).
via, marcou todos os seus trabalhos et-
nográficos e muitas de suas análises et- Faz-se necessário explicar que Karl
nológicas. von den Steinen esteve no alto Xingu,

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atual Mato Grosso, em duas expedições: desejo pessoal: viver na simples natureza
a primeira em 1884 e a segunda em 1887 e com a máxima modéstia pessoal. As in-
quietudes regionais em Mato Grosso o obri-
(vide Steinen, 1897, 1940; Coelho,
garam a abandonar seu refúgio (Susnik,
1993). Além disso: 1951:9).
Na literatura especializada, Karl von den
Steinen vem sendo referido ora como inici- Tais inquietudes parecem ter sido re-
ador da investigação científica dos povos ferentes à compra de um imóvel, tran-
‘primitivos’ na América do Sul e reforma- sação em que Schmidt acabou sendo tra-
dor dos métodos de investigação, ora como paceado, segundo informação pessoal
‘decano dos exploradores etnográficos sul- que recebi de Adelina Pusineri, atual di-
americanos’ e pesquisador de determinan-
te influência sobre a investigação científica
retora do Museu Etnográfico “Andrés Bar-
imediatamente posterior. Na realidade, era bero”, de Assunção, em setembro de
pioneiro e propulsionador da etnologia brasi- 19983 . Como o negócio havia sido feito
leira, tudo em uma pessoa e mais (Thie- com alguém com poder econômico e po-
me, 1993:37). lítico na sociedade da época, o melhor
que ele fez foi deixar a região e partir
Max Schmidt, por seu turno, deve ser
para um porto mais seguro, a República
considerado o pioneiro, o iniciador das
do Paraguai.
pesquisas arqueológicas no Pantanal,
região onde esteve em 1901, 1910 e O antigo Mato Grosso não foi apenas
1928. Seus trabalhos mais importantes uma predileta área de pesquisa para Max
para a Arqueologia Pantaneira foram pu- Schmidt. Foi a região que primeiramen-
blicados em 1902, 1905, 1912, 1914, te escolheu para viver após deixar a Eu-
1928, 1940 (1940a, 1940b), 1942 ropa. No entanto, ao ter de deixá-lo em
(1942a, 1942b), 1951 e 1974. Naquela 1931, Schmidt viajou para Assunção,
grande planície de inundação, a maior onde conhecia Andrés Barbero (1877-
área inundável contínua do planeta, seu 1951), filantropo e estudioso paraguaio,
objetivo maior foi estudar os índios Guató na época presidente da Sociedade Cien-
(Economia, Etnografia, Etnoistória, Di- tífica do Paraguai. Foi precisamente
reito e Lingüística, dentre outros assun- Barbero quem encarregou Schmidt da
tos), bem como recolher material etno- sistematização de uma coleção etnográ-
gráfico e arqueológico para o Museu de fica e arqueológica existente nos museus
Etnologia em Berlim. Sua primeira pas- etnográfico, histórico e de ciências na-
sagem pelo Pantanal ocorreu devido à turais daquela cidade (Susnik, 1991;
orientação dada pelo próprio von den Pusineri, 1993). Após a morte do estudio-
Steinen. so paraguaio, o museu passou a ser cha-
mado Museu Etnográfico “Andrés
Em 1931, três anos após sua última
Barbero”.
expedição a Mato Grosso, a vida de Max
Schmidt tomou outro rumo, conforme Nas décadas de 1930 e 1940,
explicou Branka Susnik: Schmidt realizou várias pesquisas etno-
gráficas e arqueológicas no Paraguai. Em
Em 1931, Max Schmidt renuncia a seus
cargos no Museu e na Universidade de Ber-
1941 foi nomeado presidente honorário
lim, à idade de 57 anos; abandonou para da Sociedade Científica do Paraguai e em
sempre a Alemanha, estabelecendo-se em 1948 inaugurou, pela primeira vez na Re-
Mato Grosso – Ilha de Boa Esperança, pró- pública do Paraguai, a cátedra de Etno-
ximo a Cuiabá –, de onde pretendia animo- logia junto à Facultad de Filosofia de la
samente prosseguir suas investigações et- Universidad Nacional de Asunción (UNA).
nográficas e, por sua vez, concretizar seu
Ele faleceu na capital do Paraguai aos

3
Por meio de conversas informais com Adelina Pusineri, em setembro de 1988 e julho de 2000, pude
obter algumas informações ainda não publicadas sobre a história de vida de Max Schmidt e Branka
Susnik.

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Oliveira, J. E.

26 de outubro de 1950. Em seu túmulo, perdidos no caminho; das horas improdu-


o qual tive a oportunidade de conhecer tivas enquanto o informante se esquiva; da
fome, do cansaço, às vezes da doença; e,
em julho de 2000, há uma lápide com
sempre, dessas mil tarefas penosas que
inscrições rupestres idênticas às por ele corroem os dias em vão e reduzem a vida
registradas no antigo Mato Grosso, ali perigosa no coração da floresta virgem a
colocada pelos seus alunos como forma uma imitação do serviço militar ... Que se-
de homenagem póstuma. jam necessários tantos esforços e desgas-
tes inúteis para alcançar o objeto de nos-
sos estudos não confere nenhum valor ao
que se deveria mais considerar como o as-
pecto negativo do nosso ofício. As verda-
des que vamos procurar tão longe só têm
valor se desvencilhadas dessa ganga (Lévi-
Strauss, 1998:15).

De todos os americanistas alemães


de seu tempo, os quais percorreram a
América do Sul, Max Schmidt foi prati-
camente o único a se interessar pela re-
gião pantaneira e pelos índios Guató.
Sem seus estudos por certo quase nada
se saberia sobre esse povo canoeiro e,
por conseguinte, as interpretações teó-
ricas sobre o passado arqueológico do
Pantanal teriam sido mais limitadas pela
ausência de modelos etnográficos.
Da primeira expedição em que pas-
sou pelo Pantanal, em 1901, cujos re-
sultados foram publicados no Brasil em
1942, sob o título Estudos de Etnologia
Brasileira: peripécias de uma viagem
entre 1900 e 1901. Seus resultados et-
nológicos, Schmidt (1942a) apresentou
Fig. 03 - Túmulo de Max Schmidt em cemitério de importantes contribuições para o conhe-
Assunção. cimento do sistema sociocultural desen-
(Foto de Jorge Eremites de Oliveira, Jul./2000) volvido pelos Guató: artefatos de uso
doméstico e de trabalho, comportamen-
De fato, Schmidt foi um etnógrafo to, estruturas de habitação e outros ti-
ímpar, haja vista que realizar pesquisas pos, língua, mobilidade espacial, orga-
em Mato Grosso no início do século XX e nização social, território, territorialida-
nas condições infra-estruturais de que de, subsistência e outros. Essa obra, in-
dispunha, era, sem dúvida alguma, uma clusive, foi citada por Nelson W. Sodré
verdadeira missão, um feito de grande (1976:265) em seu conhecido livro O que
idealismo. Sua dedicação, porém, pare- se deve ler para conhecer o Brasil. Na
ce ter sido compartilhada por outros an- verdade, ela é uma versão ampliada do
tropólogos de seu tempo. O próprio Lévi- artigo Die Guató (Schmidt, 1902) e a tra-
Strauss, por exemplo, assim escreveu no dução do livro Indianerstudien in Zen-
célebre Tristes Trópicos: tralbrasilien. Erlebnisse und ethnologis-
che Ergebnisse einer Reise in den Jahren
Não há lugar para a aventura no trabalho 1900 bis 1901 (Schmidt, 1905).
na profissão de etnógrafo; ela é somente a
sua servidão, peso sobre o trabalho eficaz Da segunda missão, realizada em
com o peso das semanas ou dos meses 1910, Schmidt apresenta-se como um

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ções sobre os povos indígenas nas terras baixas do Pantanal

Quadro 1: Assentamentos Guató localizados nos rios São Lourenço e


Caracará, em Mato Grosso (Brasil), levantados por Max Schmidt e Jorge
Eremites de Oliveira.

ASSENTAMENTO LOCALIZAÇÃO (UTM)


Aterro Guató levantado em campo, identificado 470000E e 8042900N
em fotografia aérea e localizado em mapa da área
(rio Caracará).
Aterro Guató levantado por Max Schmidt em 471000E e 8041500N
1910, identificado em fotografia aérea e localizado
em mapa da área (rio Caracará).
Aterro Guató levantado por Max Schmidt em 472600E e 8042300N
1910, identificado em fotografia aérea e localizado
em mapa da área (rio Caracará).
Aterro Guató levantado por Ma x Schmidt em 474300E e 8040700N
1910, identificado em fotografia aérea e localizado
em mapa da área (rio Caracará).
Aterro Guató levantado por Max Schmidt em 1910 473200E e 8047800N
e localizado em mapa da área (rio Caracará).
(localização aproximada)
Aterro Guató levantado por Max Schmidt em 1910 477200E e 8047800N
e localizado em mapa da área (rio Caracará).
(localização aproximada)
Assentamento da família Caetano no ano de 475300E e 8047800N
1910, segundo por Max Schmidt, localizado em
(localização aproximada)
mapa da área (margem do rio Caracará).
Aterro ocupado pela família Caetano em época de 479050E e 8043870N
cheia, localizado em mapa da área (rio Caracará).
478250E e 8043850N
(localização de dois pontos próximos)
Assentamento estacional da famí lia Caetano em 478250E e 8043850N
tempos de cheia, possivelmente um dique fluvial,
averiguado in loco (rio Caracará).
Último assentamento central da família Caetano à 475780E e 8043680N
margem do rio Caracará, averiguado in loco (até a
morte do cacique Caetano, ocorrida em fins da
segunda metade do século XX).
Último assentamento central da família Caetano à 457500E 8026400N*
margem do São Lourenço (até a morte de sinhá
Inácia, esposa do cacique Caetano, ocorrida no
início da segunda metade do século XX).
Assentamento no lado norte do morro do 453025E e 8026008N (casa)
Caracará (estabelecimento de José e Veridiano,
453036E e 8026007N
filhos do cacique Caetano e de sinhá Inácia, até o
ano de 2000). (roça desativada)
452945E e 8026184N (roça ativada)
Assentamento à margem esquerda do São 454305E e 8024954N
Lourenço (atual estabelecimento de Júlia, Vicente
e Caetano, os últimos descendentes do cacique
Caetano naquela região).

Fonte: Eremites de Oliveira (2002a:342).

dos precursores do que atualmente se rio Caracará, atual Mato Grosso, pu-
conhece por Etnoarqueologia (Eremites blicando seus estudos em Die Guato und
de Oliveira, 1996); investigou etnográ- ihr Gebiet. Ethnologische und
fica e arqueologicamente algumas estru- archäologische Ergebnisse der Expediti-
turas monticulares do tipo aterro, assim on zum Caracara-fluss in Matto-Grosso
conhecidas no Brasil, ou mound, termo (Schmidt, 1914).
largamente conhecido na Arqueologia Da terceira e última expedição, rea-
Estadunidense, e outros tipos de assen- lizada em 1928, ele retomou alguns as-
tamentos Guató existentes na região do suntos investigados em 1901 e 1910,

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Oliveira, J. E.

também analisando as transformações exaustivos estudos sobre os trançados


socioculturais ocorridas entre os Guató dos índios brasileiros e sul-americanos,
face aos contatos com as sociedades não- baseado na cestaria dos índios Guató e
indígenas; os resultados foram publica- alto-xinguanos (vide também Ribeiro,
dos no artigo Resultados de mi tercera 1988).
expedición a los Guatos efectuada en el Também são dignos de registro os
año de 1928 (Schmidt, 1942b). Este tra- aportes lingüísticos do etnólogo alemão.
balho atesta ainda a preocupação do Alguns foram de grande relevância aos
autor com o processo de aculturação in- estudos de Adair P. Palácio (1984), au-
dígena, assunto muitíssimo debatido tora da tese de doutorado denominada
entre antropólogos sul-americanos da- Guató – a língua dos índios canoeiros do
quela época até algumas décadas atrás, rio Paraguai.
o que demonstra que ele procurava es-
Para a elaboração de minha disserta-
tar interado dos novos debates existen-
ção de mestrado, adaptada e publicada
tes na Antropologia de seu tempo (vide
sob o título de Guató: argonautas do
Schaden, 1969).
Pantanal (Eremites de Oliveira, 1995,
Em todas as três expedições que fez 1996), os dados etnográficos que o etnó-
ao antigo Mato Grosso, Schmidt sempre logo alemão publicou sobre os Guató
estudou vários sítios arqueológicos. Em foram igualmente de grande valia. Muitos
Hallazgos prehistóricos en Matto-Grosso deles foram compilados, sistematica-
e Nuevos hallazgos de grabados rupes- mente organizados e interpretados à luz
tres en Matto Grosso, por exemplo, Sch- de problemas de natureza arqueológica.
midt (1940a, 1940b) tratou de sítios com Ao analisar os relevantes trabalhos
inscrições rupestres que encontrou no que Max Schmidt deixou à Arqueologia
Estado. Isso comprova sua preocupação Pantaneira, nota-se que eles são mais
em conhecer a pré-história da região, marcados por uma abordagem materia-
algo que não era de se estranhar no tra- lista do que por uma simbolista, o que
balho de alguém que também foi um es- parece destoar da práxis da maioria dos
pecialista em cultura material. etnólogos no Brasil de fins do século XIX
Há ainda que tratar de alguns outros até a primeira metade do século XX, in-
trabalhos científicos que Max Schmidt cluindo aqui seu próprio mestre e incen-
concluiu, particularmente os sobre téc- tivador.
nicas de trançado entre os Guató e ou- Tomando por base os conceitos de
tros povos do alto Xingu. Acerca dessa pensamento materialista e pensamento
questão, assim avaliou Egon Schaden: simbolista apresentados por Walter Al-
O próprio Schmidt levou a cabo, por exem- ves Neves (1996:13), é possível afirmar
plo, uma cuidadosa investigação sobre a que Max Schmidt estava mais interes-
técnica do trançado e a origem da arte or- sado em estudar as bases materiais de
namental. No trabalho, que logo se tornou sustentação das sociedades humanas e
célebre e deu margem a muita discussão,
defendeu a tese, em desacordo com a ex-
o reflexo dessas em outras dimensões
plicação de von den Steinen, de que os socioculturais, do que se dedicar ao es-
padrões ornamentais característicos da arte tudo da mente humana, de sua capaci-
xinguana derivam da técnica do trançado, dade simbólica e de suas formas de re-
por sua vez determinada pela forma das presentação. Daí, talvez, uma das ex-
folhas de palmeiras usadas na confecção
plicações para o fato de ele ainda ser
de artefatos (Schaden, 1993:125).
pouco conhecido – e às vezes até des-
Berta G. Ribeiro (1987:284), por sua prezado – por antropólogos e arqueólo-
vez, fez a seguinte avaliação: Deve-se a gos brasileiros, embora uma expressiva
Max Schmidt (1942) [Estudos de Etno- parcela destes últimos ainda permaneça
logia Brasileira] um dos primeiros e mais pouco interessada pela mente humana.

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Os primeiros passos em direção a uma arqueologia pantaneira: de Max Schmidt e Branka Susnik a outras interpreta-
ções sobre os povos indígenas nas terras baixas do Pantanal

Sobre o pensamento científico desse c) o transporte de bens substanciais, quer


grande etnólogo alemão, como conheci- dizer, a variação do lugar que eles ocupam;
d) a conservação dos bens substanciais,
do discípulo de Karl von den Steinen que
quer dizer, a conservação deles em estado
foi, está claro que ele sofreu influências utilizável.
do evolucionismo social que marcou as O sujeito da economia material somente
ciências a partir da segunda metade do pode ser o homem. Em seu caráter de ser
século XIX. Porém, sempre fez questão manual e mental, ele é o único ser vivente
de acentuar sua orientação pelas ciênci- que cria bens substanciais pelo trabalho,
quer dizer, que produz. Os animais domés-
as naturais (Baldus, 1951:254), isto é, ticos nunca serão sujeitos da produção, pois
pelo interesse maior que tinha em com- sempre serão meios de produção já que sua
preender as relações existentes entre as atividade nunca tende conscientemente à
sociedades humanas e o meio ambien- satisfação indireta de suas necessidades
(Schmidt, 1959:14-15).
te. Logo, o enfoque ecológico é o que
mais predomina em seus estudos. Esse tipo de enfoque ecológico, ba-
Sua opção pelo enfoque ecológico, seado no estudo da economia material
que não deve ser confundido com um ou tecnoeconomia, teve forte inspiração
determinismo ambiental à moda do evo- nas idéias da Antropogeografia de lín-
lucionismo linear do século XIX, está cla- gua alemã, fundada por Friedrich Ratzel
ra e teoricamente discutida em El Siste- (1844-1904), para quem as relações que
ma de la Etnología (Schmidt, 1959), ver- os homens tecem com seu ambiente e
são castelhana de Völkerkunde (1929) os problemas que nascem de sua mobi-
que foi publicada postumamente e com lidade dependem das técnicas que do-
interessantes notas complementares de minam (Claval, 1999:21). Na opinião de
Branka Susnik (1959b). Antonio Carlos Robert Moraes (1990):
Max Schmidt entendia que as socie- A obra de Friedrich Ratzel representou um
dades humanas dependem da natureza papel fundamental no processo de sistema-
tização da geografia moderna. Ela contém
e que interagem com o meio ambiente.
a primeira proposta explícita de um estudo
Portanto, suas manifestações sociocul- geográfico especificamente dedicado à dis-
turais também representam formas de cussão dos problemas humanos. Foi, as-
adaptação ecológica, influenciadas por sim, de sua autoria uma das pioneiras for-
diversos fatores bióticos e abióticos: cli- mulações – sem dúvida a mais trabalhada
ma, hidrografia, pluviosidade, obtenção – de uma geografia do homem. A impor-
tância de sua obra também emerge por ela
de matéria-prima para as indústrias líti-
ter sido uma das originárias manifestações
ca e metalúrgica, solos, fauna, flora etc. do positivismo nesse campo do conheci-
Por isso, seus estudos são marcados por mento científico. Ratzel foi um dos introdu-
uma ênfase dada à economia enquanto tores desse método – que posteriormente
infra-estrutura, principalmente à econo- se assentou como dominante – no âmbito
mia material, assim compreendida: do pensamento geográfico. O significado de
sua produção para o desenvolvimento da
... A economia material compreende, pois, geografia pode ainda ser apontado no fato
a produção dos bens substanciais em seu de ele ter aclarado aquela que viria a ser a
sentido técnico [tecnológico]. Segundo suas principal via de indagação dos geógrafos,
distintas funções, podem-se distinguir qua- ou seja, a questão da relação entre a soci-
tro formas principais da produção de bens edade e as condições ambientais (Moraes,
substanciais: 1990:7).
a) a produção primária, que é a obtenção
de matérias da natureza pela coleta, agri- De acordo com Laburthe-Tolra & War-
cultura, pecuária, caça, pesca etc.; nier (1999:63), Ratzel adotou a noção
b) a produção secundária ou produção téc-
nica [tecnológica], que consiste na trans-
de ‘espírito do povo’ [Volkgeist], mas fez
formação factícia das matérias primas ou dela o produto do entorno geográfico lo-
de produtos já elaborados; cal, do relevo, do clima, dos recursos

Revista de Arqueologia, 20: 83-115, 2007 91


Oliveira, J. E.

naturais, dito de outro modo, do que se populações humanas dentro dos ecossiste-
chama determinismo geográfico. Porém, mas. O foco de suas pesquisas está cen-
trado em sociedades relativamente estáveis
segundo o próprio Schmidt (1959:5),
(Morán, 1994:67).
Ratzel aperfeiçoou o estudo da depen-
dência do homem em relação à nature- Além disso, na obra de Max Schmidt
za para formar dentro da Geografia ge- há outras questões que merecem desta-
ral, uma disciplina particular, a chama- que.
da Antropogeografia. Inspirado nessa
Em seus primeiros trabalhos, a exem-
disciplina surgiu o método histórico-cul-
plo de Die Guató e Indianerstudien in
tural alemão (Harris, 1993) ou a Escola
Zentralbrasilien, respectivamente publi-
Difusionista Alemã, a Kulturkreislehre
cados em 1902 e 1905, resultados das
(Morán, 1990), do qual Max Schmidt foi
pesquisas feitas no limiar do século XX,
um dos representantes no Museu de Et-
percebe-se claramente que o jovem Sch-
nologia em Berlim, embora não tenha
sido citado em sínteses sobre a história midt fazia questão de registrar seus pon-
da Antropologia e suas principais cor- tos de vista a respeito das experiências
rentes teóricas, escritas por cientistas que teve com vários povos indígenas sul-
sociais de língua inglesa e portuguesa. americanos. Esta característica marcan-
te em seu estilo de escrever foi pratica-
Seu conterrâneo e colega de profis-
mente eliminada nos estudos publicados
são, Ludwig Kersten (1968 [1905]), au-
a partir do segundo decênio do século
tor da obra Las tribos indígenas del Gran
XX. Branka Susnik tratou dessa situa-
Chaco hasta fines del siglo XVIII. Una
ção com bastante conhecimento:
contribuición a la Etnografía Histórica de
Sudamérica, também foi influenciado Em seu livro ‘Indianerstudien in Zentralbra-
pelas idéias ratzelianas, prova de que a silien’, Schmidt descreve na primeira parte
as experiências vividas nas aldeias de dife-
escola por ele fundada marcou época na
rentes tribos, então quase independentes;
Alemanha e influenciou muitos etnólo- traduz ademais alguns de seus pontos de
gos na América do Sul. vista de etnólogo e homem. Sentia uma
A Antropogeografia não é, pois, senão necessidade individual de buscar – fora da
abrumadora sociedade européia daqueles
uma proposta que antecedeu ao surgi-
tempos – uma existência ‘natural’ dos pri-
mento do método da Ecologia Cultural mitivos que não estavam em contato dire-
na Antropologia Estadunidense, o qual to com a ‘refinada civilização’ ... Era pre-
tem por objetivo maior estudar as rela- missa própria da época ver que o índio é
ções entre cultura e entorno, ou seja, a ‘um filho da natureza’ (Susnik, 1991:6-7).
adaptação cultural frente ao meio
Mais adiante a autora fez a seguinte
ambiente (Hardesty, 1979; Kaplan &
ponderação:
Manners, 1981; Netting, 1986; Viertler,
1988; Harris, 1993, 1995; Morán, 1994; Não obstante, Schmidt seguia buscando,
Neves, 1996; e outros). O refinamento com uma sinceridade quase apaixonante,
sua própria busca intelectual e espiritual,
do método da Ecologia Cultural, por sua
muitas vezes colocando em perigo sua vida
vez, culminou com a formação do que diante dos intermitentes ataques de malá-
atualmente se conhece por Antropolo- ria nos lugares mais inóspitos, solitários,
gia Ecológica: povoados por indígenas cujas reações ao
‘branco de passagem’ ou visitante nunca
Uma abordagem mais biológica para a eco- eram previsíveis (Susnik, 1991:7).
logia cultural surgiu na década de 1960.
Esta abordagem, fortemente centrada na Em seus últimos trabalhos, como no
teoria evolutiva e ecológica, ficou conheci-
da como antropologia ecológica, assinalan-
artigo Anotaciones sobre las plantas de
do a importância atribuída ao sistema eco- cultivo y los metodos de agricultura de
lógico. A abordagem multidisciplinar da an- los indígenas sudamericanos, publicado
tropologia ecológica enfatiza o estudo de postumamente em 1951 e traduzido para

92 Revista de Arqueologia, 20: 83-115, 2007


Os primeiros passos em direção a uma arqueologia pantaneira: de Max Schmidt e Branka Susnik a outras interpreta-
ções sobre os povos indígenas nas terras baixas do Pantanal

o inglês em 1974 (Schmidt, 1951, 1974), tes de natureza variada (ecológicas, et-
nota-se que o velho Schmidt estava in- nográficas, lingüísticas, textuais etc.).
teressado em produzir estudos de cará- Buscou amiúde compreender os siste-
ter mais teórico e menos descritivo. Nes- mas socioculturais dentro daquilo que
se caso em especial, Schmidt apresen- hoje em dia se conhece por uma pers-
tou um excelente ensaio de Etnobotâni- pectiva geográfica e temporal de longa
ca que abrange a interpretação de da- duração, sem se esquecer, no entanto,
dos sobre vários povos indígenas da de questões como continuidade, mudan-
América do Sul, incluindo alguns sobre ça, diacronia e sincronia. Acrescenta-se
o manejo de plantas entre os Guató, o fato de ele ter sido um grande especi-
tema recentemente resgatado por Ere- alista em cultura material, o que torna
mites de Oliveira (1996, 2001). seus trabalhos de grande relevância para
Penso que se von den Steinen é o a Arqueologia. Em seu currículo ainda
pioneiro e propulsionador da etnologia consta um considerável conhecimento
brasileira e que, ainda hoje em dia, con- sobre fotografia e Geografia, dentre ou-
tinua importante e até está sendo re- tras áreas, além de uma singular capa-
descoberto pela ciência atual (Thieme, cidade de observação e registro etnográ-
1993:38), Schmidt igualmente é o pio- fico.
neiro em Etnoistória, Etnologia e Etno- Para finalizar esta parte do ensaio,
arqueologia Guató, bem como em pes- mais uma vez cito Herbert Baldus:
quisas arqueológicas sobre a pré-histó- A bibliografia de Max Schmidt testemunha
ria do Pantanal. Este seu pioneirismo rara multiplicidade de interesses. Outros-
talvez possa ser estendido para a pró- sim, quando tinha determinado ponto de
pria Arqueologia no Paraguai, da qual vista não se fechava para a observação de
também foi um dos precursores4. Porém, outros aspectos do mesmo assunto. Assim,
por exemplo, como quase todos os etnólo-
ao contrário de seu mestre e conterrâ-
gos de sua geração e da anterior, Max Sch-
neo, Max Schmidt ainda precisa ser re- midt tinha seu trabalho orientado pela idéia
descoberto pela ciência atual, registra- de que se aproxima a última hora dos po-
se amiúde, não apenas pelas suas in- vos naturais, provindo disso a necessidade
vestigações no Pantanal, mas pela gran- urgente de reunir tudo quanto poderia ser-
de contribuição, sobretudo etnológica, vir para documentar suas culturas perante
a posteridade (Baldus, 1951:257).
para o conhecimento de vários povos
indígenas da América do Sul, incluindo Contemporâneo de Max Schmidt, o
aqui os alto-xinguanos e chaquenhos, etnólogo estadunidense Vincent M. Pe-
dentre outros. Entre os arqueólogos bra- trullo (1932) também está entre os pri-
sileiros, para ser mais específico, há um meiros investigadores de sítios arqueo-
grande desconhecimento de seus traba- lógicos no Pantanal. Em abril de 1931,
lhos, embora Kipnis et al. (1994/1995) realizou pesquisas arqueológicas e et-
tenham relacionado, em uma listagem nológicas no âmbito da Expedição Mato
bibliográfica, doze publicações de suas Grosso. Fez escavações em dois sítios
autoria. existentes na localidade de Descalvado,
Max Schmidt sempre procurou estu- porção setentrional do alto curso do rio
dar os povos indígenas a partir de fon- Paraguai, município de Cáceres, Mato
4
O arqueólogo e historiador brasileiro Francisco Silva Noelli, um dos maiores especialistas da atualida-
de em Arqueologia e Etnoistória Guarani, estava sistematizando e analisando uma imensa gama de
dados arqueológicos, etnográficos e etnoistóricos sobre povos Guarani do período colonial. Os resulta-
dos de seus estudos deveriam ter sido apresentados sob forma de tese de doutorado na Universidade
de Campinas (UNICAMP). Em seus estudos, ainda inéditos, consta uma relação de sítios Guarani loca-
lizados na República do Paraguai, dentre os quais alguns identificados pelo próprio Max Schmidt na
década de 1930, situados em Assunção, Villa Hayes, Carmen del Paraná, Ypané, Guarambaré, Capitán
Meza e Lambaré, de acordo com dados recebidos do próprio autor em fevereiro de 2002.

Revista de Arqueologia, 20: 83-115, 2007 93


Oliveira, J. E.

Grosso. São sítios de grandes extensões, Nascida em Medvode, Eslovênia, em 28 de


associados a povos agricultores e cera- março de 1920, cursou estudos superiores
mistas, muito provavelmente os Arawak na Europa, obtendo o doutorado em Pré-
conhecidos historicamente como Xaray, história e História pela Faculdade de Filo-
sofia de Liubliana [capital da Eslovênia], as-
aqueles cuja cerâmica é conhecida na
sim como o doutorado em Etnoistória e Lin-
Arqueologia Brasileira como tradição güística Uralo-Altáica pela Universidade de
Descalvado (vide Schuch, 1995; Eremi- Viena, Áustria. Emigrada para a América,
tes de Oliveira & Viana, 1999/2000; Ere- em 1947 iniciou trabalhos de pesquisa na
mites de Oliveira, 2002a). De um modo Missão Laishi, dos Toba, na província ar-
geral, as pesquisas de Petrullo tiveram gentina de Formosa. Chegou ao Paraguai
em fins de 1951, atendendo a um convite
a finalidade de concluir observações et- do doutor Andrés Barbero para continuar
nográficas e recolher material cultural, os trabalhos museológicos iniciados pelo
inclusive arqueológico, para o acervo do etnólogo alemão Max Schmidt. Depois do
Museu Universitário da Filadélfia (The falecimento do doutor Barbero, as irmãs
University Museum), Estados Unidos. Até deste lhe encomendaram a reorganização
e a recuperação das coleções e da bibliote-
pouco tempo, seus dados eram os mais ca do Museu Etnográfico [Museu Etnográfi-
importantes e conhecidos sobre os po- co ‘Andrés Barbero’], levando adiante, em
vos portadores da tradição Descalvado, 1954, trabalhos de campo com os Maká e
tendo sido discutidos por Prous (1992) depois entre os Chulupi (Academia Para-
guaya de la Historia, 1996:13).
e Migliacio (2000).
Durante a expedição bianual a Mato De acordo com Julio Peña (1999), a
Grosso, entre 1926 e 1928, Max Schmidt vinda de Susnik para a América aconte-
solicitou autorização para realizar pes- ceu devido à perseguição política que ela
quisas arqueológicas em Descalvado, passou a sofrer a partir de 1943, duran-
mas não seu pedido foi negado pelos ad- te a Segunda Guerra Mundial (1939-
ministradores da Brazil Land Cattle and 1945). Isso teria acontecido com a im-
Packing Company, a empresa estaduni- plantação, via luta armada na antiga Iu-
dense que era proprietária da localida- goslávia, de um regime totalitário de
de, quiçá pelo fato do antropólogo ser esquerda comandado por Josip Broz Tito
de outra nacionalidade. (1892-1980). Parte de sua família foi
morta e ela feita prisioneira em um cam-
Em suma, do ponto de vista históri-
po de concentração comunista localiza-
co e historiográfico, Max Schmidt pode
do em Aivdoushina, de onde fugiu em
ser considerado o etnólogo que melhor
1945. Sua fuga primeiramente aconte-
representa o primeiro momento da Ar-
ceu pela Áustria e, posteriormente, pela
queologia Pantaneira, ao menos desde
Itália. Esta é a versão histórica mais co-
a segunda metade do século XIX até a nhecida nos círculos acadêmicos do Pa-
primeira do século XX. raguai sobre os motivos que levaram
Branka Susnik a emigrar para a América
Branka Susnik do Sul. Não disponho, contudo, de mai-
ores dados esclarecedores a respeito
Branka Susnik é o nome que a an- desse assunto.
tropóloga eslovena Branislava Jozefina
Cumpre aqui fazer uma breve digres-
Sušnik Prijatelj adotou quando se natu- são histórica. No ano de 1941, em plena
ralizou paraguaia (o nome Branka deve Segunda Guerra Mundial, o croata Josip
ser o diminutivo de Branislava). Ela nas- Broz Tito liderou um grupo de guerri-
ceu na cidade de Medvode, Eslovênia, lheiros comunistas, os partisans, que
antiga Iugoslávia, no dia 28 de março combateu os invasores nazistas e seus
de 1920, e faleceu em Assunção, Para- apoiadores locais. Em 1945, com a der-
guai, na data de 28 de abril de 1996. rota nazi-fascista, a Iugoslávia foi reor-

94 Revista de Arqueologia, 20: 83-115, 2007


Os primeiros passos em direção a uma arqueologia pantaneira: de Max Schmidt e Branka Susnik a outras interpreta-
ções sobre os povos indígenas nas terras baixas do Pantanal

ganizada como uma federação de seis No início de 1947, partindo de Gêno-


repúblicas socialistas, dentre as quais a va, Itália, Susnik emigrou para a Argen-
Eslovênia. Surgiu então a República Po- tina, fazendo parte do contingente da
pular da Iugoslávia, país que esteve go- comunidade de Eslovenos Livres que dei-
vernado por Tito até sua morte, ocorri- xou a Europa e, em 27 de abril de 1947,
da em 1980. Com a queda dos regimes desembarcou em Buenos Aires. Naque-
socialistas totalitários do leste europeu, la época, a Argentina estava sendo go-
vernada pelo populista Juan Domingo Pe-
rón. Susnik permaneceu naquele país até
1951 (Pusineri, 1997).
Apesar de pouco saber sobre a his-
tória de Susnik na Europa, é verdade que
sua vinda para a América aconteceu por
conta da situação política que ela e sua
família enfrentaram na antiga Iugoslá-
via. De todo modo, foi depois da morte
de Max Schmidt, ocorrida em 1950, que
Susnik deixou a Argentina e se estabe-
leceu no Paraguai. Adelina Pusineri
(1999), historiadora que trabalhou com
ela por muitos anos, explicou que An-
drés Barbero tomou conhecimento de
seus trabalhos através das irmãs religi-
osas que trabalhavam na Cruz Verme-
lha Paraguaia e tinham residência em
Formosa, região onde a etnóloga estava
realizando investigações sobre a língua
dos índios Toba. Eis a explicação:
Como o Museu Etnográfico, fundado por ele
Fig. 04 - Foto de Branka Susnik (González, [Andrés Barbero] e ordenado pelo alemão
1999:1). Dr. Max Schmidt ¾quem se achava enfer-
mo¾ estava abandonado, a fez chamar,
mas ela somente chegou a Assunção, se-
gundo seus documentos, no dia 1º de mar-
ço de 1951. Dr. Schmidt e Barbero haviam
falecido com poucos meses de diferença,
deixando ainda mais abandonado o museu
e a obra cultural. Mas as irmãs Josefa e
María Barbero compreenderam que a obra
do grande filantropo deveria seguir; assim
construíram uma fundação chamada La Pi-
edad e contrataram a Dra. Susnik para re-
ordenar as coleções e os muitos papéis que
deixaram, em especial o Dr. Schmidt. As
irmãs religiosas a alojaram na Cruz Verme-
lha e ali começou sua grande obra que du-
Fig. 05 - Foto de Branka Susnik com Adelina Pusi- rou 45 anos de incansável trabalho e doa-
neri (Pusineri, 2000:1). ção total ao Paraguai (Pusineri, 1997:4).

a Iugoslávia foi desagregada e, em 1991, A partir de 1951, portanto, Branka


a Eslovênia, a mais próspera de suas re- Susnik iniciou sua carreira profissional
públicas, tornou-se independente inici- no Paraguai, país em que permaneceu
ando a transição para o capitalismo. até seus últimos dias. Em uma interes-

Revista de Arqueologia, 20: 83-115, 2007 95


Oliveira, J. E.

sante entrevista publicada em um jor- guaio, em especial no período que vai


nal de Assunção, ela assim teria dito do século XVI ao XIX.
sobre o assunto: Em 1992, já no período da redemo-
Eu vim para o Paraguai ao terminar os hor- cratização do Paraguai e de quase toda
rores da Segunda Guerra Mundial e ao co- a América Latina, o governo nacional em
meçar o domínio do comunismo nos países reconhecimento ao seu trabalho silencio-
do Leste da Europa. No Paraguai encontrei so, dedicado e solitário e a seus aportes
a oportunidade de trabalhar cientificamen-
te, o que para mim significava ‘reviver’ in-
à cultura paraguaia, homenageou-a com
telectualmente (Peña, 1990 apud Pusineri, o primeiro Prêmio Nacional de Ciências,
1997:1). instituído pelo Congresso Nacional, e, no
mês seguinte a sua morte, outorgou-lhe
Durante os quarenta e cinco anos em postumamente a condecoração da Or-
que viveu no Paraguai, incluindo todo o dem Nacional no Grau de Grão Oficial
período da ditadura de Alfredo Stroess- (Pusineri, 2000).
ner Matiauda (1954-1989), Susnik con-
Tanto Branka Susnik quanto Max Sch-
cluiu e publicou vários estudos, muitos
sobre línguas indígenas, deixando um le- midt, os dois antropólogos que trabalha-
gado de oitenta e uma publicações en- ram no que é hoje o Museu Etnográfico
tre livros e artigos publicados em caste- “Andrés Barbero” e lecionaram na Uni-
lhano, esloveno, francês e inglês; a mai- versidade Nacional de Asunción, possu-
oria está em castelhano (Pusineri, 1998). em uma história muito semelhante: fi-
Seus trabalhos inovaram os estudos et- zeram da ciência o maior propósito de
nológicos e etnoistóricos no Paraguai, suas vidas.
haja vista as abordagens antropológicas Susnik ainda empreendeu algumas
e sociológicas que fez sobre temáticas investigações arqueológicas no Paraguai,
indígenas. Ela ainda organizou e minis- quase todas motivadas pela necessida-
trou vários cursos, seminários e confe- de de resgatar material ergológico, sal-
rências, a maioria sobre Antropologia vaguardando-o no Museu Etnográfico
Paraguaia. Além disso, por mais de vin- “Andrés Barbero”, do qual foi diretora até
te anos foi titular da cátedra de Etnolo- o dia de sua morte. Merece destaque a
gia e Arqueologia Americana no Curso expedição realizada em 1956 à porção
de História, Faculdade de Filosofia, da paraguaia do alto Paraguai, desde a lo-
Universidade Nacional de Asunción, da calidade de Puerto Guarani até a região
qual recebeu o título de Professora Ho- da baía Negra, antigos portos de expor-
norária. tação de tanino e áreas de intenso con-
Para muitos cientistas sociais, Susnik tato entre índios e não-índios. Como bem
foi a incansável pesquisadora que mais avaliou Peña (1999), de todas as suas
contribuiu para a compreensão dos po- investigações arqueológicas, essa foi a
vos indígenas no Paraguai, inclusive pelo única em que ela elaborou um informe
pioneirismo no estudo da Etnoistória de analítico, o artigo intitulado Material Ar-
vários povos indígenas, especialmente queológico del Área Alto-paraguayense
dos Guarani na região platina (vide Me- (Susnik, 1959a); foi também seu primei-
lià, 1987). Mas isso não é tudo. Suas ro trabalho de campo em território pa-
investigações arqueológicas, etnoistóri- raguaio. Trata-se de um estudo pouco
cas e etnológicas também são relevan- conhecido fora do Paraguai, um texto re-
tes para um melhor entendimento da produzido pela própria autora através de
presença indígena na região do Panta- um mimeógrafo, prova de seu esforço
nal e áreas adjacentes, com destaque pessoal em divulgar os trabalhos feitos
para a zona chaquenha. Além disso, à frente do Museu Etnográfico e superar
Susnik foi uma das pensadoras que mais as dificuldades infra-estruturais da pró-
analisaram a formação do povo para- pria instituição.

96 Revista de Arqueologia, 20: 83-115, 2007


Os primeiros passos em direção a uma arqueologia pantaneira: de Max Schmidt e Branka Susnik a outras interpreta-
ções sobre os povos indígenas nas terras baixas do Pantanal

Essa expedição, que contou com Em Puerto 14 de Mayo foi encontra-


apoio do governo paraguaio e da Fun- do um grande sítio arqueológico do tipo
dação La Piedad, teve por objetivo con- mound ou conchal com mais de 10 m de
cluir um reconhecimento preliminar da altura em alguns pontos e milhares de
Arqueologia do Departamento de Alto metros quadrados de extensão. Esse sí-
Paraguai, visando o desenvolvimento de tio, o qual lembra certos aterros da re-
futuras investigações sistemáticas (Sus- gião do Pantanal, já havia sido mencio-
nik, 1959a, 1984). Em temos ambien- nado pelo etnólogo italiano Guido Bog-
tais, a região explorada é muito seme- giani, quem lá esteve na segunda meta-
lhante à porção brasileira do Pantanal. de do século XIX (Susnik, 1959a).
Fontes textuais dos séculos XVI, XVII, Puerto 14 de Mayo é uma localidade
XVIII e XIX, por sua vez, comprovam que em linha reta está situada há cerca
haver uma forte relação entre as popu- de 155 km da cidade sul-matogrossen-
lações indígenas que ocuparam as duas se de Porto Murtinho (Brasil), à margem
áreas, situação esta que historicamente direita do rio Paraguai, aproximadamen-
pode ser explicada por múltiplos fato- te entre 20º81’08”S e 58º06’47”W. O
res, dentre os quais a pressão que a material cerâmico existente no local lem-
Conquista Ibérica impôs aos povos indí- bra o que ocorre nas proximidades de
genas que viviam no Chaco e no Panta- Corumbá, o qual foi rebatizado por Ro-
nal, causando-lhes deslocamentos ter- gge & Schmitz (1992) de tradição Pan-
ritoriais, contatos extra-grupais, cisões tanal, tendo sido parcialmente analisa-
grupais, guerras e muitos outros impac- do por Eremites de Oliveira (2002a).
tos. Isto não significa, todavia, que an-
tes do contato com os conquistadores
europeus esses povos não mantiveram
contatos entre si, pelo contrário.
Um dado interessante da pesquisa é
que durante os trabalhos de campo a
autora esteve acompanhada de cinco
xamãs Chamacoco, seus informantes e
guias, os quais não somente a ajuda-
ram na localização de alguns sítios, mas
também lhe transmitiram sua interpre-
Fig. 06 - Foto do aterro do Puerto 14 de Mayo,
tação êmica sobre determinados aspec-
naa República do Paraguai.
tos da Arqueologia daquela região. Du- (Foto de Adelina Pusineri, 1990).
rante a expedição foram encontrados, ao
menos, cinco sítios arqueológicos, todos Branka Susnik ainda regressou a
do tipo a céu aberto e com evidências Puerto 14 de Mayo em fevereiro de 1990,
materiais de terem sido ocupados por acompanhada de Adelina Pusineri, ten-
do recolhido outra quantidade de mate-
populações ceramistas, situados nas lo-
rial arqueológico do sítio, grande parte
calidades de Punta Valinotti, Puerto 14
previamente selecionado in situ e pro-
de Mayo, confluência dos rios Ypané e
veniente da escavação de duas trinchei-
Paraguai, Puerto Guarani e Puerto Ca-
ras, executadas sem controle da estrati-
sado. É muito provável, ainda, que em
grafia natural.
1956 Susnik tenha adentrado em terri-
tório brasileiro, possivelmente na região Em que pese todas dificuldades en-
do Nabileque, registrando algumas im- contradas ao analisar parte da obra de
pressões sobre a área e visitando alguns Susnik, avalio que é preciso registrar,
sítios arqueológicos do tipo estrutura desde antemão, que sua maior especia-
monticular (aterro ou mound). lidade era a Antropologia (Etnoistória,

Revista de Arqueologia, 20: 83-115, 2007 97


Oliveira, J. E.

Fig. 07 - Reconstituição gráfica de alguns tipos de


recipientes cerâmicos dla Tradição Pantanal en-
contrados no Puerto 14 de Mayo (Eremites de Oli-
veira, 2002a:191).

Fig. 10 - Recipiente cerâmico da Tradição Panta-


nal encontrado no Puerto 14 de Mayo e exposto
Fig. 08 - Reconstituição gráfica de alguns tipos de
no Museu Etnográfico “Andrés Barbero” (Eremites
recipientes cerâmicos dla Tradição Pantanal en-
de Oliveira, 2002a:197).
contrados no Puerto 14 de Mayo (Eremites de Oli-
veira, 2002a:192).
Etnologia e Lingüística), embora tivesse
estudado e lecionado Arqueologia. No
que diz respeito à sua formação teórica,
tendo em vista que ela aconteceu na
Europa da primeira metade do século XX,
incluindo a Áustria, penso que deve ter
sido marcada pelo historicismo da Esco-
la de Viena, também conhecido nas ci-
ências sociais como difusionismo ou Es-
cola Histórico-cultural (Poirier, 1981;
Bernardi, 1988; Harris, 1993, 1995; den-
tre outros). Sobre o historicismo, José
Alcina Franch fez o seguinte comentá-
rio:
Fig. 09 - Reconstituição gráfica de alguns tipos de
recipientes cerâmicos dla Tradição Pantanal en- O historicismo que caracteriza a Escola de
contrados no Puerto 14 de Mayo (Eremites de Oli- Viena e do qual participam em maior ou
veira, 2002a:190). menor medida todos os pré-historiadores

98 Revista de Arqueologia, 20: 83-115, 2007


Os primeiros passos em direção a uma arqueologia pantaneira: de Max Schmidt e Branka Susnik a outras interpreta-
ções sobre os povos indígenas nas terras baixas do Pantanal

do Velho Mundo, até datas recentes, repre- dígenas do Chaco e do Pantanal. Isso
senta um esforço sério e profundamente explica o interesse que ela tinha pela
científico por superar as numerosas defi-
bacia do alto Paraguai, em tese uma das
ciências oferecidas pela excessivamente
simplista orientação evolucionista clássica: principais rotas fluviais para migrações
toma do próprio evolucionismo aquelas idéi- indígenas (pré-históricas e históricas) no
as que considera mais positivas e seguras, centro da América do Sul. Seu estilo de
aprofunda e refina sua metodologia e che- redação científica, no entanto, é conhe-
ga a criar um dos quadros interpretativos cido por ser pouco ortodoxo do ponto de
mais universais, coerentes e compreensi-
vos dos quantos se haviam elaborado até
vista acadêmico stricto sensu, às vezes
então, para explicar as grandes diferenças de difícil compreensão e marcado pela
e profundas semelhanças entre as culturas ausência de maiores discussões sobre as
do passado e do presente da Humanidade fontes utilizadas, o que em muito difi-
(Alcina Franch, 1989:28). culta a compreensão de algumas de suas
idéias. Sem embargo, avalio que no ge-
Maria Eunice Jardim Schuch, por sua
ral seus estudos superaram praticamente
vez, assim pontuou:
todos os trabalhos anteriormente publi-
Uma das maiores autoridades que trata das cados, como é o caso dos de Ludwig
populações do Alto Paraguay do ponto de Kersten (1968 [1905]) e Alfred Métraux
vista etnoistórico é, sem dúvida, Branisla-
va Susnik, que realiza suas pesquisas a
(1942, 1944, 1963). Avalio que uma lei-
partir do Museu Etnográfico ‘Andrés Barbe- tura apurada sobre a obra completa de
ro’, em Assunção. Sua obra é imensa e Susnik, algo que ainda não foi feito por
abrange praticamente todas as etnias do nenhum pesquisador, requer, necessaria-
Paraguay, detendo-se especialmente nos mente, analisar vários de seus textos e
Guarani, além de trabalhos que abordam
situá-los no contexto da época em que
etnias de outras regiões. Seu trabalho é
marcadamente difusionista: ela procura foram produzidos, percebendo assim o
analisar a expansão das etnias levando em desenvolvimento de seu pensamento.
conta traços culturais que são transmitidos Isso porque, ao que tudo indica, ela teve
de uma etnia para outra, trata as migra- momentos difíceis em sua vida pessoal,
ções e deslocamentos populacionais a par- situações estas que talvez expliquem seu
tir da pressão exercida por alguns grupos
estilo de escrever em determinados mo-
sobre outros na disputa de territórios, por
locais de caça e coleta, entre outros (Schu- mentos de sua carreira.
ch, 1995:13). Recentemente, apenas para citar um
exemplo, Maria Cristina dos Santos, au-
Continua:
tora do artigo Clastres e Susnik: uma
De certa forma, esta perspectiva está pre- tradução do “Guarani de papel”, embora
sente em toda a obra da autora, que traba- tenha chamado Branka Susnik de “Mãe-
lha fundamentalmente a partir da análise
Fundadora da Etnohistória Guarani” [sic.]
de fontes documentais e apresenta um es-
quema amplo sobre a dispersão de vários (Santos, 1999:207), teceu várias críti-
grupos do Chaco e regiões vizinhas. Pela cas à autora, algumas inclusive em tom
carência de dados arqueológicos para a pouco elegante. Eis uma delas:
área, Susnik trabalha basicamente com fon-
tes documentais o que, às vezes, faz com Criadora, provavelmente involuntária, da
que se coloquem em dúvida algumas de Associação Guarani de Normas Técnicas da
suas afirmativas (Schuch, 1995:14). Susnik-AGNTS, persiste ao longo de suas
publicações um texto em que as referênci-
Na verdade, Susnik foi quem mais as bibliográficas e/ou documentais são um
mero apêndice, não havendo nenhuma ne-
analisou, via método comparativo, as cessidade de relação entre dado/informa-
fontes textuais de valor etnoistórico e a ção/nota/referência documental ou biblio-
literatura etnológica sobre os povos in- gráfica5 . Aquele mais desavisado, que ten-

5
Da mesma maneira que sintetiza as referências bibliográficas, Susnik atua em relação às referências
de documentos e obras do Arquivo Nacional de Asunción, que possui seções arbitrariamente organiza-

Revista de Arqueologia, 20: 83-115, 2007 99


Oliveira, J. E.

tar a peripécia de conferir, terá a dimensão quisadora. Junto a isso, porém, um estilo
do que se afirma acima (Santos, 1999:209). extremamente conciso, certa desordem na
apresentação do discurso, um nada con-
Esse tipo de análise, provavelmente vencional sistema de abreviaturas e cita-
realizada a partir de uma leitura sincrô- ções, dificultam consideravelmente a leitu-
nica de parte da produção intelectual da ra desses textos e até a sua reta compre-
ensão (Melià, 1987:68).
antropóloga, pode sugerir aos mais afoi-
tos que Susnik não analisou todas as fon- As palavras de Melià sugerem, den-
tes mencionadas em seus livros e arti- tre outras coisas, que os estudos e as
gos. Contudo, as centenas de fichas de idéias de Susnik, divulgados por meio
leitura guardadas no Museu Etnográfico de palestras, aulas e publicações, tam-
“Andrés Barbero” podem comprovar que bém serviram de contraponto a certas
ela não fazia uso de sofismas em seus representações construídas acerca dos
estudos. Pelo contrário, era uma pesqui- povos Guarani e de sua participação na
sadora que registrava a seu modo as fon- constituição histórica e sociocultural da
tes textuais primárias e secundárias ana- sociedade paraguaia. Segundo o autor,
lisadas. Uma prova de que a autora co- tais representações eram defendidas por
nhecia e bem as fontes textuais da épo- partidários de uma historiografia tradi-
ca colonial, por exemplo, é a obra Intro- cional de inspiração liberal, vigentes na
dución a las fuentes documentales refe- época. Logo, ainda que de maneira dis-
rentes al índio colonial del Paraguay, um creta, a seu modo ela também atuou na
importante guia escrito por ela própria desconstrução de alguns mitos historio-
(Susnik, 1992). gráficos sobre os povos Guarani, bem
Em O Guarani: uma bibliografia et- como na construção e vulgarização de
nológica, Bartomeu Melià, provavelmen- outras imagens, por sinal mais críticas
te o maior especialista da atualidade em que as anteriores, algo bastante relevan-
Etnologia e Etnoistória Guarani, quem te para repensar a própria identidade
conheceu pessoalmente Susnik, escre- nacional paraguaia.
veu uma avaliação sensata sobre a au- Os trabalhos de campo em Arqueo-
tora. Segue um trecho de sua análise: logia realizados por Branka Susnik, por
A Dra. Branislava Susnik, desde seus Apun-
outro lado, são metodologicamente se-
tes de etnografía paraguaya (1961), traça melhantes aos de Max Schmidt, embora
uma etnoistória guarani em sentido estri- os dele sejam mais detalhados, princi-
to, que será desenvolvida em numerosas e palmente quanto à descrição e localiza-
contínuas novas publicações. Com formu- ção dos sítios. Ambos não chegaram a
lações muito sintéticas e críticas, as obras
fazer modernas escavações arqueológi-
de Susnik apresentam uma história do Gua-
rani bem diferente da imaginada e ideolo- cas, até porque suas explorações foram
gizada pela historiografia tradicional de ins- feitas em grandes áreas, com pouco tem-
piração liberal, que dominava no Paraguai po disponível, precárias condições infra-
até então. estruturais e paralelamente a pesquisas
de cunho etnográfico. No que diz res-
Pesquisa de novas fontes históricas nos ar-
peito às interpretações teóricas, as de
quivos, aplicação de uma hermenêutica a
partir de categorias antropológicas, fideli- Schmidt são caracterizadas por um en-
dade aos dados e propostas de hipóteses foque ecológico, materialista, como ex-
originais, marcam as formas da etnoistória plicado anteriormente, ao passo que as
guarani elaborada por esta incansável pes- de Susnik são marcadas por uma leitura
das, melhor seria dizer reunidas (Seção História ou Nueva Encadernación). Exemplo de referências
resumidas: ‘No faltavan las ventas de ‘puestos de estancias’ de más de 2500 hectares de dimensión.
[IH-127, N°2.]’. Cf. Susnik, Branislava. Una visón sócio-antropológica del Paraguay del siglo XVIII.
Asunción, 1990-91, p. 108. Encontrar algum dado com estas referências é mero golpe de sorte (San-
tos, 1999:209).

100 Revista de Arqueologia, 20: 83-115, 2007


Os primeiros passos em direção a uma arqueologia pantaneira: de Max Schmidt e Branka Susnik a outras interpreta-
ções sobre os povos indígenas nas terras baixas do Pantanal

menos materialista e mais simbolista, um texto com a concatenação de suas


cognitiva e geralmente mais elaborada idéias sobre as migrações pré-históricas
sob certos aspectos, via de regra lan- ocorridas na área chaquenha e em sua
çando mão de um enfoque etnográfico. periferia, as quais amiúde abordou em
Esse enfoque etnográfico, na maio- estudos posteriores. Ela propôs mode-
ria das vezes feito por meio de analogias los migratórios para povos chaquenhos
etnográficas/históricas diretas (método lingüisticamente Guaicuru, Lengua/Eni-
comparativo), foi sistematicamente usa- magá-Cochaboth, Maskoy, Mataco e Za-
do para compreender sistemas sociocul- muco, sugerindo ainda a existência de
turais do passado pré-histórico, poden- três núcleos culturais na periferia do Gran
do ser chamado de enfoque histórico di- Chaco: a) Guapay-Bermejo; b) Guapay-
reto (Willey & Sabloff, 1980; Trigger, alto Paraguai; e c) alto Paraguai-litoral
fluvial do Paraná, por sua vez subdivido
1992; Renfrew & Bahn, 1998 e outros).
em zona alto-paraguaiense, zona rio Pa-
Um dos maiores problemas do enfo- raguai até o rio Paraná e núcleo cultural
que histórico direto está na projeção litorâneo. A autora apontou as principais
histórica feita sobre o passado pré-his- vias hidrográficas das regiões chaque-
tórico. Como os sistemas socioculturais nha e pantaneira como rotas de migra-
são dinâmicos, em geral não há como ções pré-históricas, motivadas por pres-
precisar, a partir apenas do conhecimen- sões demográficas, para o centro do sub-
to do presente etnográfico, quais as con- continente sul-americano:
tinuidades e as descontinuidades ocor-
Ao iniciar-se a Conquista hispânica, os po-
ridas em uma região durante um perío-
vos do Gran Chaco manifestavam um esta-
do que pode compreender séculos ou mi- do de efervescência migratória e se acha-
lênios. Essa discussão, aliás, tem sido vam em plena belicosidade interétnica, lu-
muitíssima debatida na Arqueologia Es- tando por lugares de caça e pesca subs-
tadunidense e tornou-se ainda mais in- tancialmente mais aptos. Tal situação se
tensa com o surgimento da Nova Arque- devia a várias ondas de deslocamentos pré-
colombianos na mesma periferia do Gran
ologia ou Arqueologia Processual, na
Chaco, circunstanciando diversos contatos
década de 1960. Embora o conhecimen- interétnicos e condicionando algumas varia-
to do passado pré-histórico pressuponha ções culturais e caracteres etnopsicológi-
a realização de pesquisas arqueológicas, cos distintos nas tribos chaquenhas (Susnik,
as interpretações teóricas são, inevita- 1972a:7).
velmente, marcadas pelo conhecimento
É preciso reconhecer que as interpre-
que se tem sobre a realidade etnográfi-
tações de Susnik demonstram uma ex-
ca/histórica.
traordinária capacidade de erudição te-
Em muitas das publicações de Branka órica, marcada por um raciocínio dedu-
Susnik, a Arqueologia e a Etnologia apa- tivo e por um profundo conhecimento das
recem conectadas, como sendo ramos fontes textuais. Entretanto, muitas de
da Antropologia, inclusive servindo para suas idéias difusionistas, inclusive as
a construção de uma História Indígena interpretações psicoculturais, carecem
mais ampla e contínua do ponto de vista de dados arqueológicos; elas podem ser
espaço-temporal. Daí compreender gros- consideradas modelos hipotéticos que,
so modo muitos de seus modelos expli- na mais pessimista das avaliações, com-
cativos como teorias de médio alcance. provam a existência de uma rica e com-
No ensaio Dimensiones migratorias plexa diversidade sociocultural no Cha-
y pautas culturales de los pueblos del co, no Pantanal e em áreas adjacentes,
Gran Chaco y de su periferia (enfoque cujas origens recuam ao passado pré-
etnológico), publicado na Argentina e no histórico, quer dizer, que não se trata de
Paraguai em 1972, Susnik (1972a, mero saldo da Conquista Ibérica. Ates-
1972b) apresentou, pela primeira vez, tam ainda a ocorrência de contatos in-

Revista de Arqueologia, 20: 83-115, 2007 101


Oliveira, J. E.

terétnicos entre povos indígenas das ter- recorrida em estudos sobre os povos
ras baixas platinas com povos das ter- Guarani dos primeiros contatos com os
ras altas andinas, os quais resultaram europeus: El indio colonial del Paraguay.
em mudanças socioculturais. Mais: de- El Guaraní colonial (Susnik, 1965). Mas
monstram que alguns povos indígenas com a série Los Aborígenes del Paraguay,
do Pantanal, a exemplo dos Xaray (Ara- ensaios importantes para a Arqueologia
wak), possuíam uma organização social Pantaneira foram publicados, merecen-
e econômica marcada pela existência de do destaque os conhecidos Etnología del
hierarquias entre os indivíduos, ou seja, Chaco Boreal y su periferia (siglos XVI y
de uma complexidade sócio-política que XVIII) (Susnik, 1978) e Cultura Material
emergiu em tempos pré-históricos e fi- (Guaraníes y Chaquenhos) (Susnik,
cou mais conhecida pelos relatos produ- 1982). A primeira, que considero um
zidos por conquistadores dos séculos clássico da autora, contém um capítulo
XVI, XVII e XVIII. inicial que trata exclusivamente dos po-
Por outro lado, sua tese a respeito vos indígenas do alto Paraguai. A segun-
das migrações pré-históricas motivadas da contém uma gama notável de dados
basicamente por pressões demográficas, etnográficos, sistematicamente coleta-
associadas a conflitos por áreas com da, organizada e analisada, de grande
maior capacidade de suporte para ativi- relevância para a caracterização dos sis-
dades de caça e pesca, merecem ser re- temas socioculturais Guarani e chaque-
lativizadas à luz de aportes como os clás- nhos dentro de uma perspectiva sincrô-
sicos Man the Hunter (Lee & De Vore, nica e diacrônica. Nesses três trabalhos
1973) e Economia de la Edad de Piedra Branka Susnik prossegue com o enfo-
(Sahlins, 1977), obras que derrubaram que histórico direto que lhe é peculiar,
antigos paradigmas evolucionistas sobre tratando de questões como adaptação
a subsistência de caçadores-coletores, ecológica, contatos interétnicos, cultura
além de estudos regionais como os de material, difusão cultural, migrações pré-
Eremites de Oliveira & Viana (1999/ históricas, organização social, territori-
2000), Migliacio (2000) e Eremites de alidade e alguns outros.
Oliveira (2002a). Além disso, as classi- Dos últimos livros publicados pela an-
ficações raciais que estão presentes nes- tropóloga, dois são muito interessantes:
sa e em outras obras de sua autoria, ba- Interpretación etnocultural de la Com-
seadas unicamente em características fe- plejidad Sudamericana Antigua – I: for-
nótipas, não são mais aceitas diante das mación y dispersión étnica (Susnik,
modernas contribuições da Genética. 1994) e Interpretación etnocultural de
Essas observações são válidas para a la Complejidad Sudamericana Antigua –
maioria dos trabalhos científicos de II: el hombre, persona y agente ergoló-
Branka Susnik, em especial para aque- gico (Susnik, 1995a). Os dois trabalhos
les de interesse ao estudo da pré-histó- contêm uma síntese de idéias que Sus-
ria pantaneira. nik amadureceu ao longo das décadas
de 1960, 1970 e 1980 (vide Susnik,
Três anos depois, em 1975, a autora
1975), extrapoladas para uma área ge-
publicou o livro Dispersión Tupí-Guaraní
ográfica maior, o subcontinente sul-ame-
Prehistórica: ensayo analítico (Susnik,
ricano. Carecem, contudo, de uma
1975), provavelmente um de seus livros
exaustiva análise da literatura arqueo-
mais citados fora do Paraguai, especial-
lógica mais recente sobre as temáticas
mente entre os brasileiros especializa-
investigadas.
dos em Arqueologia Guarani como Bro-
chado (1984), Noelli (1993), Noelli et al. Afora os trabalhos citados, outros
(1996) e Soares (1997). Uma outra obra merecem destaque: Las características
sua também tem sido freqüentemente etno-socio-culturales de los aborígenas

102 Revista de Arqueologia, 20: 83-115, 2007


Os primeiros passos em direção a uma arqueologia pantaneira: de Max Schmidt e Branka Susnik a outras interpreta-
ções sobre os povos indígenas nas terras baixas do Pantanal

del Paraguay en el siglo XVI (Susnik, Aí no começo do canal, a uns quinhentos


1987), Introdución a las fuentes docu- metros do rio, há outro maciço de gnaisse
em direção SE-NO, conhecido como Morro
mentales referentes al indio colonial del
do Letreiro; numa face cortada a pique, e
Paraguay (Susnik, 1992), Poblados – Vi- como se fora adrede preparada, estão gra-
vendas: manufactura utilitária (ámbito vados por mão de homem, selvagem sem
sudamericano) (Susnik, 1996) e Artesa- dúvida, os seguintes sinais conhecidos pelo
nía Indígena (Susnik, 1998a). Todos são título de Letreiro da Gaíba:
importantes para estudos arqueológicos Alguns deles estão feitos abaixo do limite
das águas naturais e só em tempo de baixa
(especialmente os etnoarqueológicos), do rio podem ser vistos.
etnoistóricos e etnológicos sobre os po- Parecem ser a representação do sol, lua,
vos indígenas da região pantaneira. estrelas, serpentes, mão e pé de homem,
Finalmente, quero dizer novamente pata de onças e folhas de palmeiras, no
mesmo gênero das de quase todas as en-
e repetidas vezes que uma análise exaus- contradas nos itacoatiaras do Brasil, entre
tiva sobre a obra completa de Branka as quais se apresentam, como melhores, a
Susnik ainda está por ser feita. De todo de Curumatá, no Piauí, atribuída aos gre-
modo, suas idéias precisam ser avalia- gueses, e a do Morro do Cantagalo, na
das dentro de uma perspectiva histórica margem esquerda do Alto Tapajós, onde,
e historiográfica, sempre as percebendo num paredão também a prumo, o artista
selvagem, mas curioso e observador da
no contexto de sua época e no âmbito natureza, gravou umas quinze figuras, das
do desenvolvimento das ciências sociais quais o homem, os pássaros, os répteis
no Paraguai. guardam uma certa naturalidade, parecen-
do que para tipo daquele foi escolhido o
missionário, o que, entretanto, sem des-
Outros autores importantes merecer o artefato, tira-lhe o cunho da ve-
neração que sempre acompanha a antigüi-
Além de Max Schmidt e Branka Sus- dade desconhecida.
nik, alguns outros pesquisadores contri- Lacerda demarcou o letreiro aos 17º42’48”
buíram para o conhecimento dos povos (Ricardo Franco difere apenas em 12” mais
indígenas nas terras baixas do alto Pa- ao sul) e o Sr. barão de Melgaço em
17º43’36” de lat (Fonseca, 1880, v.1:326-
raguai, sobretudo da década de 1870 à 327).
de 1980, período recentemente denomi-
nado como o primeiro momento da Ar-
queologia Pantaneira (Eremites de Oli-
veira, 2002b).
Ao que pude saber, o general João
Severiano da Fonseca (1836-1897), ci-
entista, médico e patrono do Serviço de
Saúde do Exército Brasileiro, foi o pri-
meiro a registrar, analisar e publicar in-
formações sobre um sítio arqueológico
existente na região. Trata-se de um sítio
com inscrições rupestres existente na Fig. 11 - Primeiro desenho publicado do Letreiro
lagoa Gaíva (ou Gaíba), em Mato Gros- da Gaíva (Fonseca, 1880, v.1:327).
so do Sul, conhecido regionalmente
como letreiro da Gaíva. No dia 27 de ju- O registro apresentado por Fonseca
lho de 1875, ao subir o rio Paraguai no é bastante detalhado para a época, sen-
barco Taquary, o autor fez o seguinte do inclusive mencionado por Alfredo M.
apontamento que consta no livro Viagem de Souza (1991) em seu livro História
ao redor do Brasil (1875-1878), publi- da Arqueologia Brasileira. Suas interpre-
cado pela primeira vez em 1880 e repu- tações sobre os signos rupestres tam-
blicado em 1986: bém apresentam uma lógica dedutiva na

Revista de Arqueologia, 20: 83-115, 2007 103


Oliveira, J. E.

medida em que o autor os associa a an- ção de uma identidade nacional, associ-
tigas populações indígenas, decodifican- ada a povos e culturas nobres ou civili-
do-os como sendo elementos da natu- zadas do Velho Mundo, sobretudo da
reza e os relacionando com o cotidiano Europa e do Oriente Próximo. Essa tare-
indígena: sol, lua, estrelas, mão e pé de fa foi abraçada pelo Instituto Histórico e
homem, pata de onças e folhas de pal- Geográfico Brasileiro (IHGB), instituição
meira. Seu desenho, porém, não é tão ligada à Monarquia e encarregada do
fidedigno quanto o feito por Max Schmi- projeto de construção da identidade na-
dt (1942a:120 [1905]) em 1901. Nesse cional após a independência política do
caso em específico, a interpretação de Brasil, ocorrida em 1822 (Martius, 1991;
Fonseca destoa da de muitos de seus Campos, 1977; Langer, 1997a, 1997b;
contemporâneos do Nordeste e de ou- Guimarães, 1988). O IHGB, por seu tur-
tras regiões do Brasil, haja vista que nela no, lançou mão do que Ferreira (1999)
não há uma leitura fantasiosa sobre as chamou de Arqueologia Nobiliárquica, ou
gravuras encontradas no Pantanal (vide seja, de uma Arqueologia que pudesse
Martin, 1996). Schmidt (1942a:119), no elevar o Brasil à categoria de nação civi-
entanto, não deu crédito algum a essa lizada. Isso poderia ser feito através da
leitura afirmando que “aquelas figuras descoberta de um passado nobre, ainda
nada apresentam que possa relacionar- que situado em um longínquo passado
se com semelhante interpretação”, pois arqueológico, para o Império do Brasil.
podem “representar imagens de qual- João Severiano da Fonseca dedicou
quer idéia”. Anteriormente a eles, entre
seu livro ao Instituto Arqueológico e Geo-
as décadas de 1710 e 1720, época da
gráfico de Alagoas, do qual era mem-
exploração de ouro nas minas de Cuia-
bro. Também pertenceu ao próprio IHGB,
bá, atual capital de Mato Grosso, o con-
embora não tenha sido um de seus mem-
quistador Antônio Pires de Campos
bros mais notáveis na área da Arqueo-
(1862:442) havia mencionado a existên-
logia Nobiliárquica. Também era irmão
cia do letreiro da Gaíva, interpretando-o
de Deodoro da Fonseca, militar que par-
como sendo uma cruz de pedra feita pelo
ticipou da trama da Proclamação da Re-
apóstolo São Tomé, seguindo assim a
pública no Brasil, em 1889, vindo a ser
ideologia cristã comum para época.
o primeiro presidente do país. No go-
No século XIX, vele a pena saber, verno de Deodoro, João Severiano foi
muitos intelectuais brasileiros associa- senador da Assembléia Constituinte
vam sítios arqueológicos a povos de (Souza, 1978). Evidentemente que ele
além-mar (fenícios, gregos, vikings etc.). não foi um leigo no registro de sítios ar-
Era preciso encobrir a ancestralidade in- queológicos. Além disso, o militar este-
dígena do povo brasileiro e engendrar ve em Mato Grosso para participar de
uma trama mais complexa, a constru- uma comissão que tinha por finalidade
demarcar as fronteiras do Brasil com a
Bolívia, comissão que foi presidida pelo
então coronel de engenheiros Rufino
Enéas Gustavo Galvão, o barão de Ma-
racaju, que havia atuado na demarca-
ção dos limites do Brasil com o Paraguai
após a guerra (entre o Paraguai e a Trí-
plice Aliança, de 1864 a 1870).
Os etnógrafos Richard Rohde (1885
[1883] apud Baldus, 1954), Julio
Koslowsky (1895 [1894]) e Herrmann
Fig. 12 - Segundo desenho publicado do Letreiro
da Gaíva (Schmidt, 1942a:120). Meyer ¾quem acompanhou a expedição

104 Revista de Arqueologia, 20: 83-115, 2007


Os primeiros passos em direção a uma arqueologia pantaneira: de Max Schmidt e Branka Susnik a outras interpreta-
ções sobre os povos indígenas nas terras baixas do Pantanal

de Karl von den Steinen ao Xingu (Rego, e paisagísticos de relevância à Arqueo-


1899)¾, por seu turno, visitaram alguns logia Pantaneira.
sítios pertencentes a antigos povos agri- Posteriormente, em 1965, Betty J.
cultores e ceramistas, portadores da tra- Meggers e Clifford Evans, coordenado-
dição Descalvado, existentes na porção res do Programa Nacional de Pesquisas
setentrional do alto curso do rio Para- Arqueológicas (PRONAPA), desenvolvido
guai, atual Mato Grosso. Eles chegaram entre 1965 e 1970 no território brasilei-
mesmo a recolher algum material ar- ro, chamaram a atenção para a potencia-
queológico, geralmente urnas funerárias, lidade arqueológica da bacia do alto Pa-
para aumentar o acervo ergológico dos raguai, conseqüentemente do Pantanal:
museus em que trabalhavam (Eremites
Qualquer pesquisa arqueológica obedecerá
de Oliveira & Viana, 1999/2000; Miglia-
a um plano previamente preparado, após a
cio, 2000). Outras pessoas, etnógrafos consulta e o estudo do mapa do Estado,
de formação ou com habilidade no re- Município ou região que desejamos investi-
gistro de dados culturais, como Hercu- gar. Tomemos, por exemplo, o Estado de
les Florence (1875, 1948, 1977a, 1977b Mato Grosso ... O Estado de Mato Grosso
[1827]), Guido Boggiani (1898 [1897]), representa praticamente o papel de divisor
de águas continentais. Os rios na parte
Cândido Mariano da S. Rondon (1949
norte se dirigem ao rio Amazonas, enquanto
[1900-1906]), Theodoro Roosevelt os do sul desembocam no oceano Atlânti-
(1944 [1913]), Claude Lévi-Strauss co. As cabeceiras desses rios são formadas
(1998 [1935-1936]) e Frederico Rondon por numerosos cursos d’água, alguns dos
(1938 [1937]), chegaram mesmo a re- quais quase interligados. Apenas alguns
gistrar a existência de estruturas monti- quilômetros separam certos tributários dos
culares construídas por indígenas na pla- rios Juruema e Paraguai. Considerando que
os rios constituem uma das vias principais
nície de inundação do Pantanal, inclusi- de deslocamento dos grupos de índios da
ve tecendo algumas interpretações so- Floresta Tropical, surge a hipótese de que
bre eles. As avaliações feitas geralmen- tenham eles servido como vias de migra-
te associaram essas estruturas a povos ção e difusão, tornando esta área um pos-
indígenas da região, como o Guató, ou, sível ponto de convergência de influências
o que é menos freqüente, descartaram tanto do norte como do sul.
Um plano de pesquisa arqueológica deve-
a possibilidade de sua origem estar li-
ria considerar esta hipótese. Assim, em
gada à intervenção humana nas paisa- Mato Grosso, escolheríamos as áreas que
gens regionais. se seguem para uma prospecção sistemá-
A maior parte das pessoas citadas tica: 1) rios Juruema e São Manuel e seus
tributários; 2) rio Xingu e seus tributários;
não foi ao Pantanal para, dentre outras
3) rio Araguaia e seus tributários; 4) rios
coisas, realizar pesquisas arqueológicas Paraguai e Taquari e seus tributários; 5) rio
visando conhecer o passado de popula- Paraná e seus tributários; 6) rio Guaporé e
ções indígenas. Muitas delas, a exemplo seus tributários. Estas seis áreas coman-
de Rohde (1885) e Koslowsky (1895), dam as principais rotas fluviais do norte,
estavam mais interessadas em recolher oeste e sul ao longo das quais poderiam
ter sido canalizadas as influências para o
peças arqueológicas para museus do que Estado (...) (Meggers & Evans, 1965:29-
buscar respostas para problemas refe- 30).
rentes à compreensão da pré-história
regional. Na época, observar e colecio- Infelizmente, o exemplo proposto por
nar era mais que um objetivo científico. Meggers & Evans não despertou o ime-
Era quase uma missão, especialmente diato interesse de algum arqueólogo bra-
para a etnografia (Porto Alegre, 1994: sileiro ou de outra nacionalidade. Outras
63). Outras, como é o caso de Rondon áreas do país chamaram mais atenção,
(1949), Roosevelt (1944) e Lévi-Strauss seja pelo fato de estarem inseridas nos
(1998), ao longo de suas viagens tam- círculos de debates acadêmicos, seja por
bém produziram registros etnográficos possuírem instituições de pesquisa e pro-

Revista de Arqueologia, 20: 83-115, 2007 105


Oliveira, J. E.

fissionais que investiram no desen-


volvimento de estudos sobre a pré-his-
tória do país, razões pelas quais a bacia
do alto Paraguai não foi incluída no
PRONAPA.
No início dos anos 70 do século XX, o
matogrossense J. Lucídio N. Rondon
(1971, 1972) publicou os livros No Pan-
tanal e na Amazônia em Mato Grosso e
Tipos e aspectos do Pantanal, divulgan-
do interessantes informações arqueoló- Fig. 13 - Aterro ou Yvychoví chamado Isla Juan
gicas e etnográficas sobre aterros, pos- Tomas, encontrado na República do Paraguai e
sivelmente Guató, existentes no panta- estudado por Carlos Alberto Pusineri Scala (Pusi-
neri Scala, 1973:124)
nal de Poconé, Mato Grosso.
Na mesma época, o naturalista Lehel cionador de antiguidades e intelectual
de Silimon (1972), na época funcionário bastante respeitado em seu país (Cáce-
da Companhia de Desenvolvimento do res, 2000), publicou o ensaio Los montí-
Estado de Mato Grosso (CODEMAT), re- culos yvychoví del Paraguay tratando de
gistrou junto ao Instituto do Patrimônio aterros existentes em áreas alagadiças
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), como Yverá e Ypoá7. São sítios que ocor-
órgão do governo brasileiro responsável rem em zonas inundáveis, corresponden-
pela preservação do patrimônio arqueo- tes a estruturas monticulares formadas,
lógico do país, alguns sítios que locali- também, por grande quantidade de se-
zou no município de Corumbá, em Mato dimentos, ossos de peixes e conchas de
Grosso do Sul. Esse foi o primeiro regis- moluscos aquáticos como bivalves e gas-
tro oficial de sítios arqueológicos exis- trópodes. Esse é o mais completo traba-
tentes na região brasileira do Pantanal. lho de sistematização e a melhor inter-
Logo depois, o também naturalista pretação de informações sobre aterros
Fritz Vlastibor Bluma (1973) publicou um no Paraguai. No artigo há, inclusive, da-
artigo mencionando a ocorrência de vá- dos obtidos em escavações que o pró-
rios locais com inscrições rupestres e sí- prio autor fez em Puerto Victoria, em
tios com cerâmica indígena. Seus dados 1957, e, em parceria com Leonardo Man-
serviram de base para parte do trabalho ríquez Castañeda, nos campos de Yvyti-
do historiador Lécio G. de Souza (1973), mí, em 1962, de forma semelhante às
autor do livro História de uma região: escavações de Branka Susnik em Puerto
Pantanal e Corumbá6 . Ambos os auto- 14 de Mayo.
res lecionaram no antigo Centro Peda- Ainda na década de 1970, o arqueó-
gógico de Corumbá (CPC), unidade da logo brasileiro José Afonso de M. B. Pas-
antiga Universidade Estadual de Mato sos (1975), então pesquisador e profes-
Grosso (UEMT), atualmente o Campus sor da Universidade de São Paulo (USP),
do Pantanal da Universidade Federal de defendeu uma tese de livre-docência em
Mato Grosso do Sul (UFMS). Pré-história versando sobre inscrições
No mesmo ano de 1973, o historia- rupestres ou petroglifos existentes em
dor paraguaio Carlos Alberto Pusineri Corumbá e em outros pontos do Brasil,
Scala (1973), arqueólogo amador, cole- Bolívia e Paraguai.

6
Trata-se do volume I – Pré-história e tribos indígenas. O volume II foi publicado na década de 1980
sob o título História de Corumbá (L. Souza, s.d.).
7
Na língua Guarani, yvychoví significa, literalmente, terra cônica (yvy = terra; choví = cônica). Em
julho de 2000, pude conhecer alguns aterros existentes no lago de Ypoá. No Paraguai aterros também
são conhecidos como islas, cerritos, lomas e montículos.

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Os primeiros passos em direção a uma arqueologia pantaneira: de Max Schmidt e Branka Susnik a outras interpreta-
ções sobre os povos indígenas nas terras baixas do Pantanal

Quadro 2: Aterros ou yvychoví encontrados no Paraguai.

NOME DO SÍTIO LOCALIZAÇÃO


Vários sítios Lago Yverá
Vários sítios Lago Ypoá
Vários sítios Localidade de estero Cambá, inclusive em
San Juan Bautista del Ñeembucú
Vários sítios Região do Alto Paraná
Vários sitios Yvytimí
Três sítios Localidade de Guavirá, povoado de
Caballero
Isla Tacuara Localidade de Puesto Isla Tacuara, nas
proximidades de General Artigas
Cerrito Jara Bahía Negra
Isla Jhovy, Isla Naranja, Isla Juan Tomás Estabelecimento de Liebigs, Puerto Victoria,
e Isla Samu’ú em Villa Oliva
Isla Jinete Estabelecimento Villasanti, Puerto Victoria,
em Villa Oliva
Islã Alta ou Yvaté Estabelecimento Vargas, Puerto Victoria, em
Villa Oliva
Isla Carancho e Estabelecimento Bresanovich, Puerto
Victoria, em Villa Oliva
Isla Mba’eysyvó
Cerrito Curupica’y Estabelecimento Doldán, Puerto Victoria, em
Villa Oliva
Isla Yu’á e Isla Cerrito Estabelecimento Rehnfeldt, Puerto Victoria,
em Villa Oliva
Isla Negra, Isla Ita e Isla Yasay’y Campo Fiscal, Puerto Victoria, em Villa Oliva
Ñurumi e Yuquerí Estabelecimento de Luis M. Quevedo,
Puerto Victoria, em Villa Oliva

Fonte: Pusineri Scala (1973).

Nas setenta e nove páginas de seu balho de Bluma (1973), quem o ajudou
trabalho, Passos (1975) fez um registro em algumas de suas idas a campo, em-
de inscrições rupestres, sem apresentar bora não haja citação aos de Schmidt
dados quantitativos sobre os mesmos. (1940a, 1940b, 1942a) e Souza (1973).
Suas interpretações são frágeis e às ve- Na década de 1970, Passos foi dire-
zes um tanto quanto intuitivas. tor do antigo Instituto de Pré-história da
O autor visitou dois sítios arqueoló- USP e responsável pelo Pré-história –
gicos em Corumbá, os quais posterior- Informativo, publicação que em 1977
mente foram estudados por Girelli teve na capa a fotografia de uma inscri-
(1994), e um outro na Bolívia. Na bibli- ção rupestre de Corumbá. Também foi
ografia de sua tese há referências ao tra- professor de jovens notáveis que, anos

Revista de Arqueologia, 20: 83-115, 2007 107


Oliveira, J. E.

mais tarde, tornaram-se arqueólogos de docente da USP (vide Perasso, 1984;


grande respeito entre seus pares brasi- Morais & Perasso, 1984; Pallestrini &
leiros. Solange Bezerra Caldarelli e Wal- Perasso, 1984; Pallestrini et al., 1989;
ter Alves Neves são dois deles. Portan- dentre outros trabalhos).
to, a despeito da simplicidade de sua tese Mas foi em 1988, há menos de duas
de livre-docência, cumpre dizer que seus décadas, que veio a público o artigo O
trabalhos como pesquisador e professor Pantanal Mato-grossense e a teoria dos
tiveram outros aspectos muitíssimos refúgios, de Aziz Nacib Ab’Saber, traba-
mais positivos, como a formação de no- lho publicado sob forma de tomo espe-
vos profissionais, a divulgação de conhe- cial da Revista Brasileira de Geografia.
cimentos científicos e a defesa do patri- Sem dúvida, trata-se de um trabalho
mônio arqueológico nacional. escrito por um dos maiores geógrafos
Em 1978, José Antonio Gómez brasileiros de todos dos tempos, reco-
Perasso, provavelmente o único arqueó- nhecido especialista em Geomorfologia
logo profissional nascido no Paraguai, fa- e conhecedor da pré-história sul-ameri-
lecido precocemente na década de 1990, cana. Seu estudo ainda hoje é a melhor
publicou uma síntese sobre a pré-histó- e mais completa síntese sobre a história
ria paraguaia, o artigo Estudios arqueo- natural do Pantanal, principalmente em
lógicos en el Paraguay: análisis interpre- termos fisiográficos e ecológicos, na qual
tativo (Perasso, 1978), no qual faz uso constam relevantes análises sobre fatos
de analogias históricas diretas para sis- de seus espaços naturais, suas ecozo-
tematizar vários dados arqueológicos. nas, dinâmica climático-hidrológica e
Trata-se de um trabalho muito pouco fatores de perturbação de seus múltiplos
conhecido no Brasil e no próprio Para- ecossistemas (Ab’Saber, 1988:5).
guai. É interessante pontuar, contudo, Além disso, em duas páginas
que o autor chamou de complexo cultu- Ab’Saber (1988:45-46) teorizou, pela
ral Alto-paraguaiense a cerâmica então primeira vez até então, sobre o início do
conhecida para aterros existentes na povoamento humano pré-histórico da
porção brasileira do Pantanal e em mui- região pantaneira e adjacências, apre-
tas áreas inundáveis do Paraguai. Até sentando um modelo de ocupação indí-
hoje em dia, esse dado tem sido prati- gena local. Suas idéias, embora caren-
camente desconhecido pela maioria dos tes de dados arqueológicos, são perti-
especialistas em Arqueologia Pantaneira. nentes, relevantes e marcadas por inte-
Em julho de 1989, o autor e a arque- ressantes hipóteses baseadas na rela-
óloga brasileira Luciana Pallestrini, ex- ção entre sociedades humanas e ecos-
professora da USP, instituição em que sistemas regionais. Elas foram inicial-
ele estudou, escavaram parte de um mente discutidas por Eremites de Oliveira
grande aterro existente à margem do (1996, 1997), quem teve algumas de
lago Ypoá, no Paraguai, cujos resulta- suas interpretações reproduzidas por
dos ainda não vieram a público; há ape- outros autores, os quais não chegaram
nas alguns dados divulgados em repor- a fazer a devida menção aos créditos
tagens da época, publicadas no jornal El autorais.
Diario Notícias. Provavelmente o mate- Por tudo o quanto foi explicado, em
rial arqueológico proveniente das esca- que pese saber que outros autores tam-
vações esteja depositado no Museu bém contribuíram para a emergência de
Guido Boggiani, em San Lorenzo, na uma Arqueologia regional até fins da dé-
Grande Assunção, dirigido pelo arquite- cada de 1970, ainda assim os nomes de
to Jorge Vera. Max Schmidt e Branka Susnik continu-
Perasso ainda trabalhou em parceria am sendo os principais representantes
com José Luiz de Morais, arqueólogo e do primeiro momento da Arqueologia

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Os primeiros passos em direção a uma arqueologia pantaneira: de Max Schmidt e Branka Susnik a outras interpreta-
ções sobre os povos indígenas nas terras baixas do Pantanal

Pantaneira. Portanto, contrariando o que logias de outras partes do continente,


alguns arqueólogos brasileiros afirma- regiões em que desde a época colonial
ram, a Arqueologia no Pantanal não é aterros ou mounds vêm despertando a
tão jovem como se pensava. Em verda- atenção de muitos exploradores e cien-
de, pode-se dizer que seu primeiro mo- tistas, a exemplo do que aconteceu no
mento teve início em 1875, com o mili- vale do Mississipi, no litoral Atlântico da
tar João Severiano da Fonseca, logo após América do Sul, na região amazônica e
o término da guerra entre o Paraguai e a na própria bacia platina.
Tríplice Aliança (1864-1870), quando o Para finalizar o presente ensaio, te-
governo brasileiro tratou de definir as nho a dizer que as novas gerações de
fronteiras de seu país. Daquele ano até antropólogos, arqueólogos e historiado-
a década retrasada, não há dúvidas que res interessados em compreender o
Max Schmidt e Branka Susnik foram os transcurso dos povos indígenas no Pan-
dois etnólogos que mais contribuíram tanal, assim como em algumas outras
para o conhecimento do passado indí- regiões platinas, por certo não poderão
gena na região. Os dois foram influenci- esquecer o legado deixado pelas gera-
ados por idéias difusionistas e evolucio- ções que as antecederam. Dessas gera-
nistas da época e, embora tenham pu- ções há dois nomes que devem perma-
blicado vários trabalhos, ainda perma- necer em nossas memórias: Max Sch-
necem pouco conhecidos para a maioria midt e Branka Susnik.
dos arqueólogos brasileiros. Esta situa-
ção também contribuiu para que a re-
gião do alto Paraguai passasse desper- Agradecimentos
cebida aos olhos de muitos estudiosos Para a elaboração deste ensaio pude
que propuseram modelos explicativos contar com o apoio de algumas pessoas
sobre a pré-história platina e sul-ameri- que leram as primeiras versões do tra-
cana. balho e fizeram críticas pontuais e im-
Por outro lado, desde o início de seu portantes sugestões de leitura, sempre
primeiro momento, a Arqueologia regi- com o propósito de contribuir para que
onal atesta uma tomada de consciência este autor pudesse melhorar ainda mais
sobre a antiguidade dos povos indíge- o presente estudo. Para esses amigos,
nas naquela área platina, especialmen- os quais espero não decepcionar, quero
te dos pescadores-caçadores-coletores, aqui registrar meus sinceros agradeci-
historicamente conhecidos como índios mentos. São eles: Eudes Fernando Lei-
canoeiros, que ali construíram estrutu- te, Francisco Silva Noelli, Pedro Paulo
ras monticulares e produziram painéis Abreu Funari e Tania Andrade Lima. Con-
com arte rupestre. Significa dizer, por- tudo, cumpre registrar que as idéias aqui
tanto, que a Arqueologia Pantaneira sur- apresentadas são de minha inteira res-
giu de maneira semelhante às Arqueo- ponsabilidade.

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