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Brasília, DF
Novembro de 2010
Murilo Carlos Muniz Veras
Brasília, DF
Novembro de 2010
2
Em ordem devida
à minha existência:
e,
Jacques Maritain
dedico.
3
AGRADECIMENTOS
A meu pai, Murilo Moreira Veras, escritor e poeta, pelos incentivos, correções e
sugestões para melhor formatação semântica e estilística do texto.
A Mariana L. Veras (in memorian), essa flor prematura que emergiu como uma
estrela de dia e, batizada, subiu aos céus serena e graciosa, no silêncio da noite.
Aos amigos da Paróquia Nsa. Sra. de Guadalupe e especialmente aos padres Adilsom
Marques e Fernando Ibanez L.C. pelo incentivo e orientações espirituais.
4
"Trago em mim o gérmen, o início, a possibilidade para todas as
Thomas Mann
5
Siglas das obras de Santos:
Resumo
6
que, na condição de seres participes, na (super) categoria da Pessoa, exercem
uma relação de dependência condicional com a unidade originária, a potência de
real latente, ilimitada do Ser (Ipsu Esse Subsistens), assim como toda criatura, em
sua totalidade, depende orgânica e numenicamente (arithmos) do ser
transcendente (criador). Dada essa esquemática maior, o presente trabalho
propõe explicar como o desenvolvimento do raciocínio decadialético e concreto
pode ajudar na compreensão das atitudes do sujeito que, fazendo juízos virtuais
efetivos (intencionaliter), concretizáveis, sobre uma realidade que lhe escapa, é
capaz de construir realidades singulares em graus de significação
(universalidade) crescentes para compor a Nous. Tudo conforme um sentido
ordenador (teleológico), dada pela lei da proporcionalidade intrínseca, em duas
vias antagônicas, ascendente e descendente (similar ao resolutio e compositio do
mestre aquinatense), unificadas em via de realidade ôntico-ontológica e por
estruturas eidético-noéticas intrinsecamente concatenadas e ordenadas
(continum), que se pontuam, acontecem, no ato ‘perfeito’ (enteléquia). Nesta
perspectiva, somente pela analogia, intermediada pela expressão de arquétipos
(simbólica), seria possível pensar uma escalada de visualização abstrativa ou de
visão de mundo que permita ao ente (homem ou entidade humana) ampliar o
horizonte de percepção consciente e, conseqüentemente, o alcance das decisões
e ações propriamente humanas, em sua quididade. Baseando-se em Levy, o
esquema foi ampliado numa matriz conceitual intercambiante entre virtual-atual-
latente-real extraída de esquemas aristotélicos e escolásticos articulados pelo
filósofo tunisiano. Por fim, visando estabelecer um instrumento conceitual ‘auxiliar’
ao da analogia, os termos resolução e graus de liberdade são propostos como
indicadores dos graus de visualização e participação dos entes que se ‘movem’
dentro dos eixos horizontal e vertical da referida matriz.
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Abbstract
8
the growing Nous. All then such as a ordinate sense (teleological), given by the
law of proportionality inherent in two antagonistic ways, up and down (similar to
resolutio and compositio of master aquinatense), unified way of ontic-ontological
reality and eidetic-noetic structures intrinsically sorted and concatenated
(continuum), which punctuate, happen, in the act 'perfect' (entelechy). In this
perspective, only by analogy, mediated by the expression of archetypes
(symbolic), we would think an escalation of abstractive view or world view that
allows the entity (human or human entity) to broaden the horizon of awareness
and consequently, scope decisions and actions properly human, in its quiddity.
Based on Levy, the scheme was expanded in a conceptual matrix interchange
between virtual-actual-latent-real extracted by Aristotelian and scholastic’s schema
articulated by Tunisian philosopher. Finally, to establish a conceptual tool to assist
the analogy, the terms resolution and degrees of freedom are proposed as such
degrees of viewing and participation indicators of entities that 'moves' within the
horizontal and vertical axes of that matrix.
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SUMÁRIO
1. Introdução ............................................................................................................. 12
2. O universo conceitual da Filosofia Concreta de Santos ....................................... 13
3. Fundamentação lógico-ontológica da intermediação entre Ser e ente.................. 20
4. Esquematologia de Santos ................................................................................... 24
4.1 Teoria das Tensões e Campos ........................................................................... 24
4.2 Do operar como uma modal na atuação dos entes ............................................. 26
5. Transitando nos Planos e campos segundo uma modal: resolução e graus de
liberdade no devir contingencial. ............................................................................... 27
6. Escalada dos entes em sua vivência perceptiva (Intermediação simbólica na
percepção do real) .................................................................................................... 31
6.1. Formando objetos virtuais engendrados completos (perfectíveis): exemplos de
raciocinar concreto .................................................................................................... 31
6.1.1 – De como objetos-virtuais são engendrados em esquemas numa escalada ................. 32
6.1.2 – De como conceitos abstratos ganham significado independente do ente que a criou. 35
6.1.3 – De como objetos-virtuais são comunicados in totum, via simbólica.......................... 38
6.2. Construindo realidades pela vivência perceptiva dos entes ............................... 39
6.2.1 – intermediação simbólica na percepção do real......................................................... 39
6.2.2 – De como percepções de real são comunicadas ......................................................... 41
6.3. Analogia e Juízos virtuais como resultantes da vivência concreta dos entes.... 46
FAZ PROJEÇÕES VIRTUAIS
AVALIA COM VIVÊNCIA
ESTABELE SIGNIFICADOS (ENGENDRANDO PERFECTÍVEIS)
FAZ JUÍZOS
ENGENDRA OBJETOS (ARTEFATOS) E CRIA SINGULARIDADES
7. Ser co-participativo (Potencial que insiste, real que subsiste, virtual existente e
atual que acontece)................................................................................................... 58
8. Considerações Finais ............................................................................................ 66
10
Índice de figuras
Figura 2 – Curva imaginária, assintótica à esquerda, entre teoria e prática numa dada
configuração essencial-existencial e conforme resolução abstrativa e graus de
liberdade.................................................................................................................... 60
11
1. Introdução:
O presente trabalho tem por objetivo apresentar parte das obras de Mario Ferreira
dos Santos, um pouco pela capacidade abstrativa em lidar com assuntos tão diversos como
a ontologia e a psicologia cognitiva, outro tanto por sua destreza e agudeza argumentativa
em discorrer, passo a passo, as etapas de um raciocinar filosófico desde os fundamentos do
ser até o afanar da caminhada dos entes na construção de sua Humanidade. Diante de tal
cenário não seria de estranhar, senão pela autoria individual - em projeto de tamanha
envergadura, a proficuidade de conceitos, teses, axiomas e paradigmas que o filósofo de
Tietê se vale para mostrar e demonstrar os caminhos mais seguros para compreensão do
pensamento herdado pela filosofia clássica ou perene. Dentre os diversos caminhos, se se
pode imaginar um conceito que abarque uma visão mais agregadora dos caminhos ou
métodos de pensar o real em dimensões ôntica e ontológica, o conceito de analogia deve
ser dos mais apropriados, como tentaremos demonstrar.
Se, para Santos, ainda é possível supor um processo educativo dos mais elevados,
de formação do ser em sua realidade concreta e transcendental, a que denomina mathesis, é
verossímil pressupor que tal formação deve passar por uma forma de expressão que
ultrapassa aquela da linguagem formal ou mesmo pragmática, uma linguagem da
12
linguagem ou metalinguagem, fruto de realidade experienciada no devenir1, real
contingente e necessário, que pode ser parcial e proficuamente expressa nas diversas
formas de discurso, do mais formal ao mais lírico ou onírico, que permeia a linguagem
cotidiana e também sobrenatural.
Nos entes limitados, em seu devir existencial, a percepção do real será sempre
precária, composta de mistos de virtual e atual em que a mente, corpo e alma, trabalha
essencial e acidentalmente, operacional e contemplativamente e assim vê, julga, delibera e
age conscientemente (ou não), cria singularidades e perspectivas de futuro sobre o real
concretizável, tantos quantos forem possíveis, enquanto co-participantes do Real em ato,
ato perfeito acabado, a enteléquia, em ações performativas entre analogantes e analogados.
1
Devenir – Filos.: transformação incessante e permanente pela qual as coisas se constroem e se dissolvem
noutras coisas; devir e vir a ser (Aurélio). Para Aristóteles, geração e corrupção, para Santos, ações mais
restritas ao devir cronotópico (plano ôntico), finitas, determinadas: potencias de ser e como tal não se
dissolvem num nada absoluto, mas num nada relativo, i.e., não-ser. Tudo quanto é ou pode vir-a-ser (devir) é
ser (FC, Tese 158). Veremos que o diferencial entre o mundo da linguagem e do espirito pertencem ao campo
do intensivo, o restante (o espaço-temporal), ao campo do extensivo. Nessa perspectiva, em nossa
investigação, as linguagens mais evoluídas (nível semântico) aprendem a mimetizar o real experimentado.
2
Duas boas referências resumidas dos trabalhos de Mario Ferreira dos Santos constam nos prefácios de Luis
Mauro de Sá Murtinho, em FC, com destaque para o raciocinar Concreto; e de Olavo de Carvalho, em SLE,
destaque para visão mais ampla em base pitagórica.
13
É preciso sair de si, dos condicionantes determinísticos modelados pelo devir
necessário, mas desde sempre limitados e mecanicistas, para se aventurar na composição
de objetos virtuais engendrados, ordenados e coordenados pelos conceitos e paradigmas
conforme a experiência de si mesmo e do outro, experiência que se soma à theoria para
formar a sabedoria prática (prhonesis). Segundo Santos esse processo se dá por juízos
virtuais que são adquiridos por graus crescentes de aperfeiçoamento do ente humano que
se torna mais ser na medida em que é capaz de mimetizar as entidades ideais de que
participa, assim como um triângulo mimetiza a triangularidade no âmbito exclusivamente
abstrato, o homem, sua humanidade, quididade ou essência do ente dual3, corporal e
espiritual.
3
Essência dual: dada pela matéria e forma ou corpo e espírito mais ou menos como um composto conforme
teoria hilemórfica de Aristóteles e de Tomaz de Aquino. Não deve ser confundida com a concepção dualista
normalmente atribuída aos neoplatônicos e demais seguidores, conforme alerta de Santos em diversos locais
de suas obras.
4
Neste trabalho esse componente anímico sustenta o principio vitalista, central em nossa tese, dado o
pressuposto de que, para Santos, todo homem é dotado de uma espécie de energia ou enérgeia que “alimenta”
a existência espiritual latente, em comum, ao mesmo tempo em que diferencia uns dos outros conforme a
capacidade de cada um em exercê-la, em ato. É nesse agir coerente com sua capacidade (ou ‘capabilidade’), a
dada mais aquela desenvolvida, que se dá a enteléquia. Este termo parece ter sido pouco explorado
explicitamente em suas obras, apesar da convergência do termo aristotélico com o universo conceitual de sua
doutrina que, como veremos, ocorre na contraposição entre a sophrosyne e a dynamis, demonstrando a sua
importância como elemento tensional para a “visão concreta dos conceitos que se cooperam para dar sentido
à vida” (LED). Quanto às distintas capacidades individuais, Santos confirma pelo que observamos na prática:
não é qualquer homem que desenvolve, desde tão cedo, a habilidade de um Mozart por mais que se esforce,
reforçando a tese de que nascemos com dons inatos.
5
Segundo Cirne-Lima a própria estrutura sintática da dialética forma os conceitos opostos de maneira
semântica. Para o autor a lógica formal predicacional aristotélica restritiva não funciona na dialética porque
não existe um sujeito certo nas construções [dinâmicas] já que lidamos com a contingência e com um sentido
de totalidade que não permite juízos analíticos, precisos, quantificáveis. Dessa forma [holística e transitiva] é
que teríamos a dialética concreta.
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que não são nem de ruptura nem de identidade. Estabelecida a proporção, é possível
alcançar um Logos analogante, como um resultado final da operação. Analogia que se dá
segundo um Logos (aná e logos) que implica uma relação muito própria, dada por um
princípio ou uma lei e, pois, “ela é que conexiona e correlaciona os fatos dentro de uma
normal obrigatória. Para que surja um ente impõem-se a obediência de uma normal, de
uma relação que deve ser obedecida (grifo meu), que é a lei de proporcionalidade
intrínseca, a forma desse ente.”...em suma, “a lei segundo o Logos”.
Uma metáfora ilustrativa para expressar a concreção dos atos humanos, do sujeito
que apreende parte do real objetivo e modifica aquilo que é possível modificar, em seu
devir, é a de um timoneiro que conduz o seu barco (corpo e alma) navegando no mar da
realidade. Em algum lapso momentâneo pode até ficar na deriva, aparentemente estático,
mas na verdade isso nunca ocorre (somente com a morte). A vida segue cingindo as águas
dinâmicas da realidade em seus componentes móveis e permanentes, onde o homem deita
sua existência, em que se apóia interagindo com ela sem se identificar com ela. O sujeito é
um ente em permanente relação com o ambiente ou o substrato que o sustenta física e
espiritualmente, capaz de compor-se ao ambiente transcendente, à medida que faz uso de
sua liberdade dentro dos graus dos possíveis6 que superam componentes do não-realizado,
hipotéticos, em realizáveis.
6
Graus de possíveis: nesse trabalho, como veremos, os possíveis são potenciais latentes, potencias de ser (T.
170), que se abrem ou fecham aos entes de acordo com condições predisponentes intrínsecas e extrínsecas ao
sujeito, a que, doravante, denominaremos “graus de liberdade”
15
constrói intencionalmente esquemas autônomos dos fatos, separando-os mentalmente da
realidade e indo incluí-los em ordens” (LED, p.141): é no virtual que gera tensões,
problemas, nós de tendências (Levy, 2003), estabelece as conexões e processa objetos
virtuais, confronta-as com a realidade, “capta pensamentos e os verifica concretamente”.
A ciência mostra-nos que os pensamentos captados pelo ato de pensar podem ser
diferentes da realidade, mas se recompõem através da experiências sobre os erros” (LED).
Dessa forma, no campo da virtualidade, engendra esquemas abstratos, eidéticos e noéticos
sobre o real-possível. O tribunal da experiência garante a correspondência entre o virtual e
o atual, eliminando as possibilidades não-reais. Podemos engendrar uma infinidade de
esquemas abstratos7, reais ou meramente imaginários, mas a atualização somente se dá
naqueles possíveis realizáveis, concretizáveis em seus respectivos Campos e Planos.
Efetivamente, para Santos, os limites da lógica são os limites da razão, não como
um limitação insolúvel, que possam remeter-nos a extremos de ceticismo ou esoterismo, e
sim pelo escopo do atuar racionalizante, em seu domínio próprio, que se vale de abstrações
7
A construção dos esquemas abstratos-noéticos é objeto de todo um “tratado na esquematologia”, de Santos.
No presente artigo ater-nos-emos aos esquemas de conteúdo teleológicos, concretizáveis a partir de objetos
específicos ou ‘objetos-fantasmas’ que a mente apreende pelo recurso conceitual da analogia, baseado
naquilo que a didática conceitual de Santos direciona quanto à formação de juízos em circunstancias
necessárias e contingentes, direcionamento que se depreende da terminologia de tensões, campos, vetores,
conectores, atratores, etc. Em Carvalho, como veremos, a correspondência dos objetos engendrados
(imaginação) com o real pode ser garantida pela intuição lógica dos entes.
16
distintivas para captar os componentes individuais no sensível, como se assim o fossem
(em objetos estanques), e num segundo momento busca os liames em comum entre eles
(em objetos universais), para então chegar ao real unitário-universal existente, no sujeito e
nos objetos materiais e espirituais que o abarcam. São entidades que estão aí, não como
acidentes, e sim como essências, independente da limitação (formal) em compreendê-los.
Solução que será, em Santos, conforme a tradição de São Tomaz de Aquino e também dos
comentadores tomistas mais notáveis, a saber: Duns Scott, Cajetano e Suarez.
Ainda mais assim será nas ações dos entes em sua contingência que não podem
ser explicadas por árvores de decisões estanques, entre sim e não, seguem acontecendo e
constituindo realidades. No jogo das contingências, abrem-se miríades de possibilidades,
combinações de possíveis que exigem (ou não) resposta mediata ou imediata, deliberativa,
do homem em sua busca atrelada ao sentido que ele mesmo se propõe diante de sua
condição essencial-existencial. Respostas que exigem ou dependem dos graus de
percepção dessa (nova) realidade, do animal racional que são respostas adequadas ao nível
de interpelação dos sujeitos sobre a própria realidade...
Temos aqui algo que se refere a um outro sujeito, que já não é o mesmo e sim
uma nova composição virtual que pode ou não se atualizar no instante seguinte de acordo
com as atitudes tomadas, e dos eventos que se sucedem, em uma dada circunstância, no
plano existencial. Neste plano, virtual e atual se intercambiam e em muitas vias de
possibilidades, o conjunto dos possíveis que se abre diante da concreta capacidade de fazer
e da efetiva vontade de fazer (operar), que se tornam realidade na medida que se coadunam
com o bulk ou rol de potencialidades pré-existentes (intrínsecas e extrínsecas) que estão aí,
como potências de Ser, perfeições latentes comunicadas aos entes em sua condição atual e
futurível: a impossibilidade de uma criança ordenar semanticamente um conjunto de
objetos-virtuais como um mestre da retórica (sentido positivo, da escolástica) ou um líder
carismático, é meramente ocasional, mas está pronta para se transformar positivamente em
circunstancias favoráveis futuras.
17
Entretanto, somente circunstâncias favoráveis não garantem quase nada, é da feliz
conjunção de intenções corretas com oportunidades favoráveis de agir ou sofrer que os
entes ativos podem executar ou contribuir para que atos se perfecionem (enteléquia) em
um ordenamento próprio de sua singularidade8. Se o Ser confere ilimitações no âmbito
intensista do ser, limitadas, “em tese”, são as operações no âmbito duplamente intensista e
extensista, dos entes... Coadunação dada de forma escalar, por uma ordem de ser, que é da
lei de proporcionalidade (provavelmente a lei maior da analogia).
8
Singularidade: fato, evento, ato completo, entidade, enfim algo que acontece. Veremos que esta ocorre de
acordo com a lei de proporcionalidade intrínseca da singularidade (apenas didaticamente corresponderia, no
sujeito, ao Haec, sua eceidade; e no objeto, a quididade).
9
Analogia: a validez do termo nesse contexto naturalmente está sujeito a muitas controvérsias mesmo no
domínio da dialética. Para o presente trabalho, simplificadamente consideremo-la em duas dimensões ou
léxicos distintos ora como recurso de inferência (lógico) conveniente para tentar expressar um significado
que ultrapassa o conhecimento disponível na circunstância de um discurso ou da proposição, do que esta
sendo afirmado. Outra será mais rigorosa principalmente de Tomas de Aquino (ontológica). Segundo Joseph
(2002) também como método de indução “científica”, um forma de similitude em diferentes classes de
fenômenos que sugerem à mente cientifica alerta, a probabilidade de uma relação causal – uma forte fonte de
hipóteses [então um recurso eficaz em apontar para o real]. A analogia foi desenvolvida pela tradição
escolástica e recebeu brilhantes contribuições em diversas e importantes trechos da imensa obra de Tomas de
Aquino, mas não foi sistematizada pelo mestre Aquinate, abrindo leque de varias interpretações e
compilações posteriores, principalmente Duns Scott, Cajetano, Suarez e Fabro. Santos explora bastante essas
diversas vertentes com aparente prevalência sobre Suarez, além da sua própria.
10
Recurso da decadialética. Apesar da dialética de Santos abrir possibilidades lógicas para além da lógica
formal “estrita”; pelo que ele mesmo classifica, em sua didática professoral, de valências: monovalente,
restrito a juízos apodícticos, necessariamente válidos, bivalentes, fundada na convicção que afirma
18
Para posicionar os entes como agentes concessionários da realidade do
contingente e necessário, tomaremos por marco inicial, antropológico, o individuo como
sujeito que interage com o meio, visto não apenas como um individuo monolítico ante o
meio externo e extensivo (ambiente natural ou res extensa, de Descartes), mas como
sujeito que se integra e, de certo modo, até se confunde com o objeto, partindo da premissa
de Santos de que subjetivo e objetivo são realidades distintas no plano ontológico, mas se
imbricam, simultaneamente, no plano ôntico (assim como matéria e forma, no corpo).
19
Finalmente, com base na retórica dialética de Levy (matriz virtual-atual-latente-
real), herdada do trivium (ou quadrivium) escolástico 11, inferimos como o homem situado
em sua realidade contingencial (enfoque modal) seria capaz de formular ou engendrar
objetos virtuais con-crecionais, efetivos - seja um conceito inovador que funciona, uma
teoria coerente com o paradigma mais aceito ou um simples ato afetivo durável; dados aqui
como construções performativas, criativas, que, por um hipotético processo de co-
participação em ato (enteléquia), possam contribuir para agregar potênciais latentes de
perfeição do Ser (enérgeia) às limitações propícias dos entes12, desde um sacrifício
consciente de vida a uma oração ou oblação sincera.
O nada absoluto, por ser impossível, nada pode, e apenas um ser independente
pode, e necessariamente tudo pode. O simples pronunciamento dessa realidade por parte
dos entes contingentes, que nada podem, mas aí estão e seguem sendo, é uma
demonstração de que seres existentes fazem coisas acontecerem não por si mesmo, mas
pela recepção de algo que lhes é dado pela capacidade (latente) de gerar realidades.
11
Segundo Joseph (2002) os escolásticos distinguem as artes teóricas “da mente”, lógica, gramática e
retórica, o trivium, das artes “praticas”, aritmética, música, geometria e astronomia, o quadrivium, sendo
estas subordinadas àquelas.
12
Limitações propícias: limitação implica deficiência e esta “tem um conteúdo ontológico” (tese 260). A
deficiência das criaturas em sua limitação deve-se à ausência relativa ao ente considerado, que não é uma
ausência absoluta, mas relativa a sua forma onticamente (existencialmente) dada, pré-disponibilizada, o que
na doutrina de Santos deve ser compreendido no plano ontológico e não meramente lógico-formal: “Uma
formalidade, como tal, pode ser apenas formalmente definida, realiza-se pela enunciação do gênero próximo
e da diferença específica, de forma isolada, que ainda não são concreção...mas um ser, como existencialidade,
neste ou naquele ser inteligente exige e implica a predisponência (grifo meu), na qual ele esta imerso, que
coopera na construção da sua realidade...Os possíveis, no Ser, são infinitos, mas os seres que o representam
precisam outros para sua cooperação. Um possível torna-se criável pela assistência de outros já em ato. Pela
cooperação do que se eficaciou, torna-se efetivos quando, pela cooperação (de outro efetiveis) alcançam o
pleno exercício do ser” (FC, p.484).
20
Somente o pode segundo uma ordem subjacente que persiste, necessariamente una, poder
esse que emerge independente da multiplicidade daí decorrente13.
Em Santos o diferente “absoluto” é dado por uma forma tão própria que será um
sentido ainda anterior às formas aristotélicas, e mesmo platônica, será extraído das
articulações pitagóricas, naquilo que Santos conseguiu resgatar de suas obras pré-
socráticas. A parte que o filósofo considerou como a mais coerente a ser extraída dos
textos originais e de seus seguidores, até Platão.
Entre o ser e o ente não há um abismo. O ente diferencia-se do ser por uma
determinação [peculiar], um isso ou um aquilo do ser que se fundamenta no ser, como
parte de uma totalidade que permanece pertencente ao todo. “Todo ente se funda no ser e
está no ser (hístemi) como uma determinação que coincide com todo ente (syn) como uma
unidade que constitui a totalidade por processo de unificação de uma multiplicidade em um
todo”, exatamente como expressa a terminologia grega de “sistema” (Molinaro, 2005,
p.118). Essa realidade inclusivista pressupõe uma ligação fundamental, absoluta, que reúne
e unifica todas as coisas, determinando o pertencer dos entes ao ser por uma ordem ou
13
Resumo geral extraído de SLE, LEM, UEM e FC.
14
Ab alio: ser ab alio implica ser ante outro, portanto dos seres (entes) em sua contingência (SLE, nota13).
21
ordenamento segundo o conjunto completo e acabado, realidade de todas as coisas
justamente porque se estabelece em sua ordem, de modo que em cada coisa coincidem o
ser e o ser ela ordenada (ibidem, p.125).
Do exposto, temos a analogia como algo que deve explicar uma relação a qual se
explica pela própria forma e essência de relacionamento, envolvendo necessariamente
componentes “intermediários” de totalidade e sistema, vinculando o uno e o múltiplo, em
ordens, em níveis de concreção crescentes 15 que se harmonizam (UEM, passim).
15
Doravante nesse trabalho será a escalada dos entes.
22
unidade....até a máxima unidade absoluta da simples simplicidade do ser,
do Ser Supremo. (SLE, p. 53)
Entre o ser e o ente não há o abismo. O ente diferencia-se do ser por ser uma
determinação, um isso ou aquilo do ser mas que se fundamenta no ser, como uma
totalidade que é parte da totalidade – continum absoluto do ser, de acordo com uma
configuração, de uma totalidade orgânica (FC, T. 179)
23
que precisamos é alcançar uma certeza sobre a qual ninguém possa duvidar com seriedade
e, para Santos, há essa certeza, ela é:
4. Esquematologia de Santos
24
intensivamente de forma oposta à energia extensiva dada pela lei da entropia (LED, p. 99 e
p.208).
“A oposição interna e externa são razões de ser do que onticamente existe, tudo o
que onticamente finito tem uma razão dialética do ser e do não-ser (principio dialético da
razão suficiente). Toda onticidade existencial cronotópica está em devir (existência
cronotópica)”. Dessa realidade (ôntica) resulta um campo tensional que se desdobra entre o
extenso e intenso, assim temos que “toda estrutura tensional é quantitativamente igual aos
seus elementos componentes, e qualitativamente é diferente deles” (LED, artigo 2, p.191).
A teoria das tensões de Santos traz de volta a antiga questão dos universais e dos
particulares, fazendo emergir um algo novo, em base ontológica, que a visão mecanicista
jamais poderia explicar: “esse fato admirável que surge, é uma assunção, pois o ente novo
é assumido por uma forma que não é a dos componentes, uma possibilidade do
correlacionamento, e não dos correlacionantes, algo novo que vai repetir, por imitação, um
possível da ordem do ser, que está contido em ato no seu poder, senão viria do nada, o que
é absurdo” (FC, Tese 304).
------- xxxx--------
16
Teoria hilemórfica
25
novos conjuntos de objetos, novas constelações, constroem-se culturas, formam-se
humanidades.
Onde há relação deve haver algo em comum que os ligam, um liame onde se
comunicam. Entre o ser-Ser e o ser-ente há relação. Onde há relação entre entes há um
interatuar (FC17). Em se tratando de relação entre seres, nem unívocos nem equívocos, só
resta a analogia.
O contingente não dá suficiente razão para sua existência, pois não pode
vir a ser por si mesmo (nem) por outro que, aclarando os juízos, aclara
definitivamente e necessariamente a necessidade de ser causado por
outro, e anunciar o principio da casualidade com absoluta segurança,
entre outros da Filosofia Concreta (SLE)
Para Santos é no homem como personalidade que o ente atualiza a perfeição mais
alta, aquele que não é um qualquer, mas é ele-mesmo, na plena extensão do termo...
Como agente ativo, ao decidir atuar sobre um objeto qualquer o agente realiza um
possível seu de atuar e, portanto, faz uma escolha, de atuar deste modo (sobre o objeto)
17
Em FC o operar modal concentra-se nas teses 189 a 192.
26
deixando de atuar daquele modo. “Há assim, uma seleção entre algo que foi preferido e
algo que foi preterido. O ato é seletivo...”
Para Santos a potência passiva infinita não é o Ser Supremo, mas provém do seu
operador ad extra (Tese 217). Não do operador ao operar, mas da operação, que é um
modal do operado, pois determinar algo implica a determinação e determinabilidade. Eis
por que, no ato de criar, são criados ato e potência num só ato.
Nos diferentes planos e campos o ser atua e é atuado, entre um e outro, uma
relação; e:
27
moderado de Santos essa construção decorre da resposta dos entes ao apelo da uma
vivência ativa em sua configuração mais ampla: a de pessoa integral, resposta que advêm
de sua condição reflexiva, consciente de sua própria situação, através de juízos
prospectivos que vem e vão de acordo com uma modalidade, de delimitadores internos e
externos conjunturais.
O detalhe é que o ente não cria objetos, objetos não surgem do nada, surgem de
uma possibilidade pré-existente, latente, apenas ‘materializa’ palavras e signos em
conceitos que funcionam, mas de forma delimitada, de acordo com graus amplíssimos,
desde o uso dos signos atômicos e moleculares matemáticos da lógica formal até os graus
mais amplos de visualização abstrativa de Maritain. Chamaremos de resolução, em
analogia ao uso léxico comum das ciências geográficas que conferem níveis diferentes de
precisão sobre o objeto a ser visualizado que deve ser apropriado em termos de
relacionamento entre o observador e a coisa observada (no caso, um meramente extensivo,
dada pela altura em relação a superfícies do globo terrestre). Grosso modo, assim como
não tem sentido enxergar uma casa ou um bairro com a resolução da textura do tijolo, não
tem sentido querer “ver” os diferentes objetos ou família de objetos virtuais sob um mesmo
prisma, escala ou enfoque.
18
Resolutio é o método por excelência do metafísico que, após contemplar a processão das coisas a partir do
Uno, reconduz todas as coisas à sua unidade originária.... o movimento resolutivo da inteligência (nous) é um
espelho da ordem do ser, pois assim como os seres procedem do Uno e a ele retornam, a inteligência procede
do simples e ao mais simples retorna por resolução. Conforme interpretação de Fabro, sobre corpus
thomisticum, a resolução é qualificada ainda como via do juízo (via iudicandi), oposta à via de invenção (via
inveniendi), capaz de garantir da certeza dos juízos científicos (TOMÁS DE AQUINO. In Sententiarum. III,
d. 24, q. 1, a. 1, ad 2; Id., In IV Sent., d. 9, q.1, qc. 1, a. 4, co. Apud Salles, 2007). Enfim, a resolutio é
entendida também como modo de raciocínio pelo qual conhecemos a unidade a partir do múltiplo, o princípio
e a causa pelos seus efeitos, o imediato a partir do mediato, a forma universal e comum a partir das formas
particulares.
28
(no mundo) enfim, pode ser ‘reduzido’ ou sintetizado e suprassumido nos sistemas e seus
engendramentos. Neste aspecto, talvez Santos não divirja tão expressivamente. Entretanto
trata-se apenas de uma secção do conhecimento da realidade entre o simplex e o complex,
ou da unidade ao universo: é como se visualizasse apenas um “universo” plano, projetado
num folha de papel, uma das camadas ou esferas da realidade, na horizontal, sem perceber
as demais dimensões, na vertical, do ôntico ao ontológico, que compõe o aspecto
pluridimensional do universo. Posto assim, o idealismo hegeliano prioriza o plano do
Sistema e é incapaz de superar a concepção panteística ou pangloteísta subjacente.
19
Objeto no contexto beta, do mundo criado, i.e., nas predicações próprias desse contexto. Ver SLE p. 80.
29
quanto abaixo deste plano (sistema e universo). São planos que se intercambiam no campo
intensista, conforme o ‘olhar’ posicionado, que doravante chamaremos de resolução,
ascendendo ou descendo entre os extremos para no final das contas ‘se tocarem’ com a
Unidade, e no devir do sujeito, expandindo e se contraindo na horizontal, mais ou menos
como um holograma.
O ente-ser não cria nada a rigor nem tão pouco atua mecanicamente a comandos
externos, como os animais, o que há é o interatuar dos entes partícipes da realidade de
acordo com a sua configuração eidética. Aqui, a terminologia e a esquematologia de
20
Apesar de evidentes dificuldades metodológicas, diante dos últimos avanços da física no macro e,
principalmente no microcosmos (quântica), a busca da inter-relação física-metafísica voltou a ser objeto de
surpreendentes avanços e permitiram o estabelecimento de “pontes” em comum entre os dois campos
intermediados por um ponto ‘móvel’ mais unitário a que Petrônio (2008) denominou fator ou ponto “X”, que
bem poderia corresponder ao ponto arquimediano de Santos. Este trabalho traz ainda importantes insights
sobre recentes interpretações dos graus de visualização abstrativa de Maritain nas ciências empiriológicas,
principalmente entre o primeiro e segundo grau.
30
Santos pode ajudar extraordinariamente na melhor compreensão dos reais latentes que
analogicamente se concretizam em ato nos entes.
21
Além da interpretação esquemática dada até aqui, os dois eixos poderiam ser correlacionados, conforme
terminologia do mestre aquinatense, pela analogia por participação e analogia por atribuição, tema que não
será tratado ainda neste trabalho.
31
Baseada nas teses da FC, daremos início a uma série de aforismos que, com
adaptações “assessórias”, coerentemente conduzam a um típico raciocinar, ascendente dos
entes carentes de perfeição ao ser perfectível enquanto ser em ato:
Os todos se unificam na analogia de acordo com o Logos, que é a lei das leis,
principio e fim (eternidade), configuração da década final, número pitagórico
10, a lei do decenário;
Uma coisa é perfeita quando ela atinge seu acabamento em ato e está
circunscrita ao campo especifico, uma determinação;
O ato determinado do ente não é o ato puro, mas ato que cria uma
singularidade, seu atuar (e sofrer) é proporcional a esta;
O conjunto das leis que dá forma a essa singularidade constitui o limite ôntico
(existencial e essencial) que é seu Haec;
32
Uma magnitude não é infinita (T. 166), mas circunscrita ao esquema de uma
singularidade, de acordo com a lei de proporcionalidade desta;
O desenvolvimento gradual do ente não pode ultrapassar o limite dado por sua
espécie, proporcional a sua natureza (Haec);
Ora, nessa perspectiva, se podemos afirmar uma escalaridade intensiva dos entes,
seguindo a boa tradição tomista, é porque nos referimos a uma escalada de perfeições
daqueles que carecem dela. Não simplesmente porque nascemos imperfeitos, mas porque
temos carência de perfeição que está latente no homem como possibilidade a ser alcançada,
comproporcionada aos entes por inúmeras atitudes intencionais, no domínio do necessário
e do contingente, que não podem seguir peremptoriamente numa ascendente linear.
Ascendência esta que obedece a patamares, onde totalidades organicamente desenvolvidas
podem ser base de impulso para a escalada seguinte, intermediada por um incontável
número de fatores intrínsecos e extrínsecos, etc., etc. dentro e fora do alcance do sujeito.
33
2. impulsionada por tensões o ponto se move dialeticamente como vetores em
diferentes gradações, representando a dinâmica da existência-essência dos entes;
34
Figura 1 – Matriz latente-real-virtual-atual, adaptada de Levy (2003).
35
Quando um projetista elabora um projeto, antes cria esboços e esquemas com os
elementos componentes que dispõe para rearranjá-los e modelá-los, de modo que cada
parte corresponda funcionalmente ao interesse de certa totalidade. Uma vez pronto, o bom
projeto, de um automóvel ou um software, será aquele que funciona, portanto atendeu,
conforme uma intenção (intencionaliter), ao ordenamento das coisas de acordo com a lei
da natureza ou da lógica. Os objetos concretos singulares produzidos são coisas materiais
que operam uma atividade meramente material a serviço do homem e que nada mais são
do que a emergência do que nelas está concretamente.
------- xxxx--------
22
Sistência extra mentis, algo outro aliquid aliud que intencionalmente aponta para algo que
fundamentalmente se dá na coisa.
36
Assim como Santos demonstra que projetos arquitetados ganham sistência própria
fora da mente, por serem universais, como objetos-virtuais que adquirem significado e se
reproduzem em outras situações ‘semelhantes’, faremos um exercício de possível
raciocinar concreto a partir do exemplo hipotético de um ente que intenciona algo que
supõem o melhor, formula juízos mais ou menos conscientes em sua condição acidental
(uma modal) e essencial (de ser) e, conforme a capacidade desenvolvida ôntica e
ontologicamente, pode, a partir de uma virtualidade, formular juízos, engendrar objetos-
virtuais analogicamente coerentes com o real-latente, e assim, por mimetização,
“reproduzi-los” semanticamente como entidades compartilháveis e con-cretizáveis, criando
singularidades atualizáveis no devir, alcançando estádios de um ente-ser efetivamente
“melhores”.
Se o novo objeto engendrado já não é o mesmo, será um outro, uma alteridade que
não é um terceiro estanque, tão distante, mas uma composição aproximada, que se
pressupõe melhor e mais adequada que a anterior, normalmente, digamos cotidianamente,
por fluir em certa resolução de continuidade, um transitar continuo de um estagio de
perfeição menor para um maior.
Enquanto o sujeito intenciona fazer algo (realizar algo) – seja de um mero operar,
ou um ato intelectivo, o ente mobiliza sua razão discernidora e também integradora, pela
intuição, visualiza sua própria situação (ato consciente!), a dos objetos a sua volta, e da
própria relação de si mesmo com o objeto: estão envolvidos S, O e S-O.
37
Como viemos demonstrando é a busca da conexão de universais com os devidos
desdobramentos nos planos e campos de acordo com a lei de proporcionalidade intrínseca.
Na perspectiva, do sujeito como ente determinado limitado, variável – seguindo como uma
modalidade, e também de ente-ser que permanece sendo e sempre é – seguindo sua
essencialidade, e se lança à compreensão de sua própria singularidade, em algum ponto da
reta S-O terá o desafio de perceber quais a conexões de maior ou menor alcance que
aparentemente atendem ao nível de expectativa existente.
Seguindo nosso raciocinar concreto sobre o ente que navega no mar da realidade,
o faremos como uma resultante dos esquemas e tensões de acordo com o método
decadialético, em nosso esquema proposto – virtual-atual-latente-real (V-A-L-R).
. Cria singularidades
. Age coerentemente
Onticamente avança ou recua, age ou sofre, de acordo com os graus de liberdade que
dispõem enquanto analogicamente coerente com seus próprios juízos e sua vivência.
38
Antes de avançar, faremos uma última incursão no raciocinar concreto, agora
mediante uma sequência de aforismos da simbólica de Santos, base para compreensão de
ente autoconsciente que necessita dos símbolos para expressar analogicamente parte do
real, que se lhe escapa (totaliter), parte que é possível comunicar de forma significativa (in
totum), extraídos do seu Tratado de Simbólica:
39
6.2.1 – intermediação simbólica na percepção do real
No realismo moderado de Santos, o real está em algum lugar entre a coisa em si
(in re) e os conceitos (post rem), a coisa em si não está fechada e totalmente inacessível à
razão e é possível fundamentar conceitualmente uma parte da realidade.
Dado que nos propomos a iniciar pelo aspecto antropológico, i.e., partindo do
sujeito que pensa sobre objetos, é imprescindível situar como os conceitos perpassam na
mente para além do sensível singular que, por ir além da percepção cognitiva, deve incluir
a intuição e a imaginação. É pela mediação da imaginação que o sujeito consciente percebe
o que lhe é apresentado pelos sentidos, insistimos, não como a sucessão de sensações de
Hume, mas como uma imagem elaborada e repetida de mim para mim mesmo, tornando-se
representação de algo mais, ao mesmo tempo singular e genérica.
É pela intuição que o sujeito capta o real em seu totum. Fazendo uso da
imaginação, apreende parte do real como parte de um todo, via conceitos abstratos.
Por trás de uma multidão de esquemas há uma ordem que dá sentido ao que é
comunicado e compartilhado aos entes, conforme o esquema eidético de cada entidade 24.
23
Fantasma: imagem mental de um objeto individual percebido por sentidos internos – fundamentalmente a
imaginação, que fica retida [na memória] e pode ser reproduzida a vontade na ausência do objeto. O objeto
fora da mente tem referência no extensional a partir da referencia intensional do conceito abstraído na mente.
O fantasma é uma imagem mental de um objeto ou objetos fora da mente (a designação ou extensão do
termo); dessa imagem o intelecto abstrai o conceito (o significado ou intenção do termo) na mente. Segundo
Joseph (2002) a palavra é sujeita a três tipos de ambigüidade, a imagem que a palavra evoca, o nome que
representa uma classe de coisas, e a multiplicidade de significados que vão sendo construídos na (vivência)
das culturas.
24
Para Santos: “A tudo o que não se pode dizer que é nada, tem uma entidade, e é entidade (entitas)” (FC, T.
38).
40
vê-se (phaos, luz), o esquema eidético da coisa, aquilo pelo qual a coisa é
o que ela é e não outra, essa proporcionalidade intrínseca, um arithmos
que revela uma coerência da suas partes com todo. (TS)
No campo intensista, o esquema pode ser qualquer coisa que agrega significado,
por exemplo, significa a soma de atributos contidos numa palavra é usada. Entrementes,
25
Termo emprestado das ciências da informação, onde traduz níveis crescentes de capacidade de organização
e entrosamento de indivíduos em uma organização para consecução de sistemas informatizados altamente
complexos. O conceito é utilizado para medir a evolução das organizações como um todo, saindo do nível
mais elementar (esforço individual heroico) ao “estado de arte” – este maduro o suficiente para conceber
sistema (organicamente) modelável e ajustável às necessidades variáveis dos usuários e do ambiente.
26
Conforme Joseph a linguagem humana é funcional na medida em que busca atender à tripla função
comunicativa dos homens: comunicar pensamento, volição e emoção. O trivium escolástico explora bem esse
papel e nos ajuda a entender como o sujeito consciente administra os recursos de comunicação para formação
do espírito ou nous na construção da Humanidade cujo conceito entendemos como aquela que melhor
participa do real.
41
Os símbolos são corpos vivos, expressões de uma profunda incorporação e
animação em escala universal, uma aliança antropomórfica constantemente renovada de
dentro para fora (e vice versa). “O sujeito educa a forma” valendo-se dos símbolos e assim
atuando “faz perceber (em si e no outro) aquele algo que está além do racional sensível
para transmitir componentes do inato, eterno, que persiste desde nossas origens”
(Enciclopédia LOGOS Século XXI, 2000).
27
Segundo Joseph (2002, p. 172), no uso de entinemas (válidos) estrategicamente se oculta parte das
premissas para enfocar o conjunto daquelas que cabe transmitir, seja por repetição enfática, seja por oposição
e realce visando concentrar o espírito na finalidade maior a ser alcançada (o objeto), em certo contexto,
conforme as intenções do autor.
42
uma perspectiva relevante da realidade e omitir outras dadas por irrelevante em relação ao
ensinamento a ser transmitido.
------xxx-----
------xxx-----
28
Predisposição para aprender sem se deixar obstaculizar por interesses egoísticos que obstruem o próprio
entendimento (ver mais adiante exemplo baseado no conceito de concupiscência de Tomas de Aquino).
43
Como objetos inteligíveis a mente vale-se do intelecto ativo para posicioná-los e
confrontá-los entre si de acordo com a natureza dos mesmos e o ambiente circundante
aplicável, ora acomodando ora assimilando-os, de forma a dar coerência semântica num
contexto vivencial dinâmico. Em nosso eixo vertical os esquemas se ajustam nas devidas
escalas (planos) de universalidade, o singular ao universal e, como vimos, perpassando os
níveis intermediários da totalidade, da série e do sistema. O pensamento lógico consiste,
essencialmente, de coerência entre esses esquemas, a vasta estruturação de relações,
contigüidade, sucessão, pertinência, oposição, semelhança, diferença, escalaridade,
hierarquia, etc., etc.
29
Para Tomaz de Aquino, nas relações analogado/analogante um gênero jamais será determinado por
diferenças extrínsecas (grifo meu). Cabe a todos os entes, em sua existência, uma relação [generalizada] de
semelhança que não impede [o determinar-se] em um modo intrinsecamente diverso, enquanto inteligível
(MOTA, 2004; verbete “analogia”).
44
gênero-espécie contextualizadas no agir concreto perpassam concomitantemente relações
de coerência interna das próprias relações existenciais, que são eminentemente normativas
ou nomotéticas (Vaz, 2004). Tais relações seguem em seus devidos graus, conforme, por
exemplo, a idade, um dos principais indicadores de capabilidade, tudo de acordo com
matriz de valoração universalmente aceita. São mais ou menos como duas escalas
conceituais se cruzando na perpendicular, sendo que, enquanto a primeira depende
intrinsecamente de graus evolutivos (até determinado estádio pitagórico, neste caso de grau
octogenário) esta não termina aí, e segue avançando em configurações, e seus componentes
imutáveis, rumo ao infinito (grau nonetário), já que não depende mais de qualquer
parâmetro extensista.
30
Para Santos há que se distinguir evolução e mudanças de ordem ou mutações nos campos intensivo e
extensivo conforme configuração pitagórica, objeto de várias obras do autor. Sobre este tema, seus limites no
campo intensista e sobre as incongruências (reducionista) do evolucionismo quando aplicado a toda a
realidade, ver SLE, principalmente lei do octonário e nonetário.
45
Na metafísica aristotélica cada ser tem uma enteléquia, ou finalidade imanente,
atrelada a sua singularidade, “que o define e ocultamente o dirige para a meta em que se
realiza plenamente, é claro que a razão, como enteléquia, dirige desde dentro a evolução
cognitiva do homem até a plena efetivação da potência que o define” (Carvalho, 2006).
Na medida em que eleva seu campo de visão o sujeito consciente abarca ou capta
a percepção dos objetos como parte de realidade vivencial intuída em seu totum.
Para Santos, mais que a fotografia de uma imagem, o “fantasma” pode ser
interpretado como uma “atividade do espírito”. Então para o filósofo, provavelmente os
esquemas de maior significado seriam aqueles que melhor mimetizam os (bons)
“fantasmas” que se engendram na vivência perceptiva dos entes, é o que depreendemos da
seqüência a seguir:
46
Copia analogicamente, i.e., extrai do fantasma (atividade do espírito) o esquema
eidético da coisa por aquilo que ela é, dado pela lei de proporcionalidade
intrínseca;
Além desses aforismos (TS), os textos originais de Santos, consultados, não são
claros quanto ao papel específico da linguagem na formação dos objetos virtuais na mente,
apesar dos conhecidos estudos seus de psicologia genética e linguagem simbólica,
notadamente Piaget e Jung. Entretanto, em LED, extraímos a enigmática afirmação a
seguir, que expressa a preocupação do filósofo com a temática:
31
“Em conclusão, o símbolo, na arte como na filosofia e na religião, é transmitido (...) com intuito de
provocar uma pathência mais viva” (TS, p. 85).
47
daqueles que atendam ao sentido em que o próprio ente pressupõem ser o mais apropriado,
o que melhor lhe convém, para então poder deliberar conscientemente.
A deliberação tem por objeto o possível (Aquinas, III S. Th. Q14, Ética)
Ainda segundo Carvalho, assim é porque o pensamento lógico não engana nunca,
independente das elucubrações mais fantasiosas que alguém possa imaginar, na
deliberação prática somente aquelas passíveis de execução serão confirmadas, justamente
porque o ilógico é desde sempre o falso, algo que não tem porque ser realisticamente
cogitado (Carvalho, 2010).
Entretanto, o conceito é um virtual que por si só vai apontar apenas para um mais
universal em esquemas puramente verbais.
Vimos ainda que o real (daqui em diante chamaremos real-real, apenas para
distinguir de mistos do real-latente) apesar de inacessível aos entes limitados é aquele algo
maior, ontológico, garantido pela afirmação primordial “alguma coisa há”, o Ser Supremo,
e que é transmitida aos entes como Ipsum Essse Subsistem portanto, como uma infinidade
de possibilidades que os ente sequer tem consciência plena de poder alcançar 32.
32
Não entraremos no mérito de eventuais particularidades ou singularidades sobrenaturais como as de acesso
místico.
48
acidental e essencialmente (e comunicar na medida em que internaliza adequadamente,
ganha significado).
Como os entes podem intencionar algo maior do real se não entendem o que do
real pode captar ou concretizar, ôntica e ontologicamente?
Como dissemos, a relação dos entes em sua realidade ôntico-ontológica não é uma
relação predicamental pois o ente-ser detém a propriedade única e completa em si mesma
da Pessoa, ontologicamente incomunicável. Nessa condição o ente não é capaz por si só de
criar algo inusitado, mas o é por uma capacidade secundária nas relações analogante-
analogado, relação secundum esse. Segundo Ponce (2002), o ente enquanto pessoa criada
constitui-se uma substância (qualia) por participação primária, aquela cuja quididade lhe
dá autonomia em relação a outras formas de participação (ou essências), que se analogam
secundariamente, acidentalmente, e é assim que, ônticamente, in concreto, os entes
transmitem sua vivência, culturas, ensinamentos, etc., etc. 33
33
Extrapolando este ensinamento de Ponce (estudioso do tomismo conforme Victorino, e outros) entendemos
que fica ainda melhor fundamentada as teses de Santos quanto aos campos variantes e invariantes versus
essência e acidente, dos entes-seres em sua realidade concreta e em relação ao conceito da analogia. Para
maiores aprofundamentos seria necessário discorrer sobre os diversos desdobramentos da analogia, como
analogia por atribuição, de proporção etc. que fogem ao escopo deste trabalho. Convém ressaltar que este
tema foi objeto das maiores disputas posteriores à morte do mestre aquinatense com interpretações diversas
neste ponto, entre outros, por Duns Scott, Suarez e Cajetano e, contemporaneamente, por Febro.
49
Entre o misto de meros objetos acessórios e aqueles que essencialmente agregam
valor ou significado ao novo panorama que vai se apresentando, o sujeito seleciona os
possíveis que lhe aprouve em um esquema de relações analogicamente trabalhados pela
intuição, conforme vivência (fática, afetiva, páthico) e, como tal, cria objetos-virtuais que
já não são uma mera acomodação e sim um objeto assimilado 34 ao seu imaginário, entre
tantos outros existentes, cujo papel vai sendo aproximadamente encaixado numa
“hierarquia de significações”.
34
Segundo Santos a mente trabalha concomitantemente por acomodações e assimilações mas é na
predominância destes que, valendo-se de símbolos, formam-se os esquemas de maior significação (TS): para
nós será justamente aquelas de maior alcance.
50
conta a pessoa em toda sua dignidade é uma ação manipuladora (Ponce, 2002), em forma
reducionista, é um processo de reificação strictu senso, que por sua vez gera consequências
subjetivas − intenção viciada, obstaculizada pelas paixões (De Veriate, ibidem) e objetivas
− sofrimento e violência por ação e inação.
Para Santos, assim como não existe nada absoluto e este nada poderia (FC, tese 2,
uma dedução inevitável, segundo Santos, justamente porque um apodíctico da Tese 1), não
existe mal absoluto nem ausência absoluta de ser (Tese 38). Disso resulta que o mal do
mundo decorre de desajustes graves nas relações entre os homens. A causa primeira,
conforme a tradição tomista, é bem clara: ausência de perfeições. Dessa premissa
propomos que o avanço da nous em escalas de maior significação é uma positividade e
implica agregação de perfeições em todos os campos e planos expostos na Filosofia
Concreta, por mais oscilante e paradoxal que a vivência histórica dos homens pareça
conclamar em contrário35.
35
Há toda uma teorética adicional envolvida nesse tema (mal), a que Santos denomina tema do Meon, que
não será discutida neste trabalho (Teses 221 a 229). Por ora nos contentamos em aceitar que boa parte do
sofrimento de uma maioria inexplicavelmente contribui para o bem da sociedade como um todo em
momentos posteriores, o que pode ser observado a posteriori pela emergência cíclica de períodos de maior
prosperidade material ou espiritual após aqueles de menor prosperidade.
51
Em dado estágio de capabilidade cria objetos abstratos com alguma significação
(limitada à sobrevivência física - sobrevivência);
-------xxxx--------
FAZENDO JUÍZOS
Sobre esse continum a mente faz uso da memória, de fantasmas ou entes virtuais,
e dos esquemas abstratos que formarão juízos virtuais sobre o passado e o presente para
tomada de decisões (possibilidades) de seu futuro. Os juízos são conceitos universais
daquilo que captamos como permanente, o que subsiste independente dos dados pontuais e
contingentes, nem aleatórios nem meramente seqüenciados (como queriam os
mecanicistas). O processo dialético é racionalizado pela mente por um processo de divisão
52
ou distensão que funciona por oposição entre uma coisa e outra que não seja ela própria.
Este um outro não é o não-ser de ordem ontológica. Não se trata do vazio ou nada
absoluto, e sim de um nada relativo que simplesmente ainda não se concretizou, não se
realizou (ainda não é isto ou aquilo).
Fazendo bom uso da liberdade de agir, ninguém cria antigatos ou unicórnios, nem
por isso será incapaz de colaborar na “construção” de futuros (futuríveis), crendo ou
intencionando ideais transcendentais de Liberdade e Justiça.
------xxx-----
36
Estudos acadêmicos recentes identificaram a necessidade de uma garantia (externa) que pudesse atestar um
conhecimento como crença verdadeira justificada (Gettier, 1963: notas de aula de Filosofia na UnB).
Entendemos que, em última instância, tal garantia não poderá vir de filosofia analítica e pressupõem a
necessidade de um conhecimento dado ou revelado de fora, eminentemente transcendental.
37
Síntese: para Santos, divergindo parcialmente da suprassunção de Hegel, interpretada por Vaz, a síntese
não é um terceiro termo, salvo como composição (syn e thesis), uma concreção que abarca o dualismo
antinômico fundamental de toda a existência: “porém numa posição acima dos extremos abstratos”. Em
nosso recorte, simplificaremos como uma resultante, vetorial, que conduz a algo que explica melhor a
53
se atualiza, que acontece efetivamente. Em sentido mais lato sensu, do Ser e do ente, na
concepção de Santos, essa síntese se dá num ponto arquimediano....
Nesse aspecto, Santos propõe que o verdadeiro conhecimento deve ir além dos
limites de adequação, ainda que ao custo de não se chegar a um conhecimento ou
deliberação definitivos, finalístico, pois, conforme Platão, o ato de filosofar é uma busca
incessante, um afanar que perdura por toda a existência dos entes humanos. Essa é a
realidade do ente limitado, que sequer conhece sua origem e seu destino e nem por isso é
um ente jogado no caos ou ao jogo manipulatório das tecnes e sim um ser mais ou menos
situado conforme mais ou menos direcionado a algum sentido38 finalístico, teleológico, que
é o contraponto do livre arbítrio.
------xxx-----
Fazendo juízos de valor que vão e vêm entre os mais altos (bem, liberdade, amor)
com quase infinitos graus de liberdade (“por amor tudo podes”, 1 Coríntios, 13:7), até aos
menores - para tal coisa vale isto, mas também aquilo, antes de bater o martelo final: aqui
resta apenas isto ou aquilo outro, S ou N, a deliberação. No seu mesocosmo, fazem juízos
medianos, afetos e afetados, conforme pressente serem os mais coerentes à situação
vivenciada, no nosso exemplo, entre o patamar A e B, um misto de afeições das mais
imediatistas às mais postergatórias. As mais sábias ou prudentes (phronesis), típicas dos
indivíduos mais longuinânimes, resultam de um jogo de forças que vêm e se vão,
dinamicamente, ora em função dos possíveis que acontecem numa singularidade, ora
daqueles que emergem a partir dessa singularidade, numa eclosão de novas possibilidades,
nós de tendências, tudo conforme o sentido orientador a ser tomado pelo sujeito co-
participativo – aquele que coopera com os potenciais disponíveis na devida proporção em
condição anterior, a um geral, mais universal ou de maior significado para compreensão do real (LED,
p.155).
38
Sentido abre leque de múltiplas concepções. Baseado em Vaz, consideramos os principais Sentidos que
movem o homem e a humanidade são teleológico, soteriológico e escatológico. Pelo que depreendemos das
obras consultadas de Santos pudemos depreender diretamente o último sentido mas, certamente, é possível
deduzir indiretamente os demais sentidos esplendidamente esclarecidos pelo eminente filósofo de Ouro Preto
(Vaz, 2002 e Vaz, 2004).
54
que se conexionam simultaneamente com os de sua natureza, campo subjetivo, haec, e
aqueles da essência da singularidade, campo objetivo, sua quididade39.
39
A separação aqui é apenas didática, não devendo ultrapassar o entendimento de momentos
cronotopicamente distintos, o que não ocorre. Uma vez atualizada, tudo se funde como singularidade.
Segundo a doutrina aristotélica o ato de certa forma precede a potência. Segundo Fabro, “Santo Tomaz
supera a relação (ou tensão) aristotélica entre o ato e a potência, de modo que o ato não é intrinsecamente
informante, mas é constitutivo de si mesmo, de sua emergência sobre qualquer potência” (Fabro 1974
apud. Silveira, 2008)(...) pois, “qualquer ato ou perfeição antes deve ser, ou seja, antes deve ter
previamente o ato de ser”, o que, no sujeito, confere “perfeição ad intra” (Silveira, 2008).
55
A percepção, por nós proposta, vai responder a indagação básica do filósofo: se
ter a percepção é captar algo do mundo tal qual é, se é “interpretar ou inferir informações
indiretamente sobre o mundo, ou se é “construir” objetos do nosso mundo do fenômeno 40”
(Abagnano, 2008). Se as tendências atuais são de:
40
Fenômeno: na doutrina de Santos “fenômeno inclui mas não se reduz ao epifenomênico, seja manifestação
interior, da psique, ou exterior, como objetivação, totalmente inacessível ao ente. Em nosso raciocínio
concreto simplificamos o conceito como uma Singularidade que no ser transpassa a existência. Em vez de
mundo do fenômeno talvez mais apropriado seria inferir um continuo analógico de singularidades, que se
manifesta como energuéa. Esse ponto pode ser importante para evitar a tendência reducionista de Levy
(2003) com sua interpretação do esquema diagonal entre Real e Virtual (Seta de “reificação”) na figura 1.
56
(reificação strictu sensu). Se, como vimos, o sujeito e objeto estão indissociados...o resgate
da alteridade se dá pelo reconhecimento do outro como uma virtualidade diferenciada em
sua personalidade, mas equivalentes em sua essência, e nesta qualidade, sempre
predispostos a restaurar o vínculo de um continum analógico.
Cada espaço, mesmo interpenetrado por outros, guarda ainda sua topologia e sua
axiologia, ou seu sistema de valores ou de medidas, particular. Os espaços emergem do
interior da relação da vida humana com seu meio, individual e comunitária (família,
agremiações, igreja, etc.), como mundos vivos, e são continuamente engendrados pelos
processos e interações que se desenvolvem dentro desta relação fundamental.
Entrementes, mais que um ser falante, em nossa escalada, o sujeito que intenciona
algo, dado que não se reduz ao eu nem a um predicamental, é um sujeito que
57
analogicamente participa do Ser Supremo por uma configuração exclusiva e própria, pode-
se dizer, uma singularidade “maior”, singularidade das singularidades, como Pessoa.
Para Tomas de Aquino, se o homem busca é porque intenciona para algo que o
atrai, uma coisa que pode ser qualquer coisa que não seja ela própria, caso contrário não se
teria pelo que buscar. Se se busca, busca-se algo que nos falta. Modernamente Maritain
inaugura essa teorética fundamental da Pessoa, do ser pessoal em sua angústia interior que
move o ente para um algo maior, mais universal. Essa situação por si já demonstra uma
primeira tensão, uma força de repulsão ou atração entre algo presente em si mesmo e algo
exterior ao sujeito, o objeto do pensamento que incita a que o pensamento se mova, saia de
um panorama estático para outro (no intervalo de tempo do mesocosmo, cotidiano) que
pressupõe o mais satisfatório e que melhor se conforme à minha realidade vivencial
subjetiva. Se o novo objeto já não é o mesmo, será um outro, uma alteridade que já não é
um terceiro estanque, tão distante, mas uma composição que se pressupõe melhor ou mais
adequada que a anterior, em uma re-solução de continuidade, um transitar contínuo de
uma perfeição menor a uma maior.
7. Ser co-participativo (Potencial que insiste, real que subsiste, virtual existente e
atual que acontece.)
58
A escalada dos entes não segue uma ascendência linear. Procuramos demonstrar
como os objetos virtuais vão agregando a outros em escalas crescentes de complexidade
formando sistemas organicamente engendrados que poderiam representar inicialmente a
escalada dos indivíduos em seu ambiente e também a formação dos agregados maiores que
formam a realidade da humanidade (pp. 25 e 42). Propusemos ainda que, neste processo,
os entes vivenciam algo de maior ou menor alcance conforme graus de possíveis que se
abrem e fecham de acordo com o uso de sua liberdade e condições predisponentes como,
por exemplo, a feliz conjunção de intenção corretas com oportunidades favoráveis de agir e
sofrer (pp. 18 e 32). Se considerarmos que as condições intrínsecas dos entes (por
exemplo, sua capacidade de perceber e comunicar o real em dado momento) tenham
relação com condições predisponentes extrínsecas, certamente estas não podem advir pela
simples correlação entre intenção do agente e suas decisões de agir. Por mais que “saiba”
aonde chegar e ainda que possa trabalhar para torná-la o mais favorável possível.
Se pelo que expusemos até aqui existe um momento ordenado e coerente com um
potencial de real accessível ao homem e “ditada” pela Normal, deve existir um caminho
exequível, uma proporção adequada, entre os ideais projetados na mente (de maior
resolução) e as correspondentes ações operacionais virtuosas postas em ação, na prática.
Sempre que possível seria aquela que melhor se coadunasse com os ideários dos outros ou
de uma espécie de decisão catalisadora para que outros cooperem mais no que vai ou já
está sendo executado, apesar dos obstáculos e ainda que estes ainda não compreendam ou
estejam dispostos a aderir plenamente ao que foi antevisto.
Por outro lado, ações têm que ser tomadas para atingir o patamar B. Uma
seqüência de ações deve ser desencadeada, ações correspondentes aos graus de abertura
que efetivamente surgirem, para alcançá-la. Agora há predominância de ações de acordo
com o deliberado (graus de liberdade) sobre novas resoluções. Em algum ponto as duas
devem se encontrar. A curva final assumiria uma curvatura assintótica à esquerda. Quanto
maior o nível a ser alcançado, maiores os obstáculos, mais complexas serão as decisões a
serem tomadas, maior a curvatura em relação a uma reta utópica e imaginária (figura 3).
Conseqüentemente, também mais coerente, e sábia, deverá ser a deliberação. O ponto de
inflexão representaria aquele em que o sujeito percebe ser o momento de começar a
deliberar mais decisivamente sobre o que foi projetado ou intencionado anteriormente.
Quanto mais complexo tender as negociações e variações ambientais, mais distante o ponto
ficará da reta imaginária, mais tensões problemáticas deverão ser equacionadas. Em
compensação, por alçarem visões mais universais, levarão às melhores e mais duradouras
soluções, aquelas de maior alcance.
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60
Na matriz L-R-V-A, o processo Mathesis-Energuéa-Enteléquia pode ser
entendido como processo que viabiliza o método ver-julgar-agir do homem sábio quando,
no pensar uma transição entre Real objetivo e Virtual subjetivo, for relevada a condição
essencial do ser sobre qualquer outra objetivação social ou coletiva.
Nas ações políticas, com a elevação dos graus de complexidade das relações e
convenções sociais a relação entre as projeções e juízos virtuais e as correspondentes
deliberações tornam-se cada vez mais imbricadas e dependentes de outras ações de agentes
individuais e entidades a essas vinculadas, nos tempos históricos, exigindo reflexões mais
profundas e sábias. Considerando que, apesar da complexidade das relações sociais a
dimensão maior da pessoa humana permanece como centro valorativo das sociedades,
Ponce (2002), baseando-se em Aquino, atesta que “não é possível pensar uma situação de
governabilidade das ações propriamente humanas que não releve o bem comum como o
objeto necessário para exercer o poder político”, i.e., o exercício do bem comum pela
virtude do agente, que por sua vez “é um dom a ser exercitado pelo senso da justiça e da
prudência (...) e propõe a prudência governativa como aquela que proporcionasse os
elementos cognoscitivos necessários para a legislação e o governo em vistas desse bem
comum. A justiça social educa a vontade facilitando a realização desta. Se um governo
falha nisso perde seu sentido de existir (...)”
Portanto, a prudência governativa deve ser a reta razão do fazer político, i.e., a
penetração intelectual na natureza dos atos humanos políticos para que o homem alcance
seus fins conforme sua essência ou, aquela que nos permite, mediante as mais profundas
reflexões, descobrir a lei que Sto. Tomaz de Aquino define como “ordenação da reta razão
ao bem comum por quem tem o cuidado com a comunidade (ibidem, q. 58, a.6 e 8)”. A lei
humana tem caráter de lei enquanto se ajusta com a reta razão, e na medida em que se
aparta da razão, se converte em lei iníqua, e como tal não é outra coisa senão violência
(ibidem, q. 1 a 3 ad. 2). Para Ponce a circunstância favorável só ocorre pela “conjunção de
governo prudente com convivência em liberdade tranqüila ou serena, onde os entes possam
deliberar de acordo com sua consciência”... dependendo das circunstâncias, pelo contrário,
“a tolerância a um estado de não violência pode ser tão injusto com as guerras armadas
pois é necessário viver em verdade para que a paz seja efetivamente fruto de solidariedade
e justiça”...
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governante ou do legislador devem ser aqueles que permitam ações coerentes e realísticas
com o objeto dessas medidas, no caso, o bem comum.
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Nas relações sociais de uma organização o mesmo método pode ser extrapolado,
respeitadas as especificidades das relações capitalistas (ex.: relação empreendedor:servidor
ou gestor:gestionado), e da complexidade das interações organizacionais. Num mundo
globalizado onde a competividade entra como fator de sobrevivência de empresas e até
instituições, as tomadas de decisão do gestor-empreendedor sábio, digamos de prudência
administrativa, devem relevar os fatores intrínsecos e extrínsecos, variáveis e permanentes
que seguem um padrão de universalidade independente da multiplicidade de variáveis e
riscos típicos da dinâmica dos ambientes organizacionais. A título de exemplo, relacionado
a linguagem comunicativa (informativa e motivacional) entre os diversos atores do
processo organizacional, as deliberações devem objetivar o engajamento destes de forma
colaborativa, ordenada aos objetos universalmente mais elevados até, por exemplo, o nível
de missão institucional. Quanto mais o individuo internaliza seu papel na organização,
melhor alcança os objetivos. Se, conforme Joseph, a linguagem funcional é aquela que
transmite pensamento, volição e emoção, as expressões comunicativas de melhor eficácia,
na organização, serão aquelas em que os indivíduos sabem transmitir conhecimento
significativo respeitando as peculiaridades desses domínios (próprios do ser-pessoa),
incluindo os valores pré-existentes, a serem somados aos daqueles consensuados no seu
devir cotidiano (ambiente de trabalho). Nesse processo comunicativo, Nonaka e Takeushi
(1997) classificam o conhecimento em dois tipos: explícito e tácito. O conhecimento
explícito é tangível, visível, de natureza objetiva, de fácil comunicação e armazenamento,
podendo ser externalizado através de palavras, fórmulas, dados, planilhas, entre outras
maneiras. Por sua vez, o conhecimento tácito é de natureza subjetiva, de difícil
comunicação, transmissão e aprendizagem, por estar embutido nas ações dos indivíduos,
que são carregados de emoções, valores, ideais, intuição, habilidades e experiências
pessoais. Para esses autores, consagrados nas ciências das organizações, o conhecimento
tácito mobilizado é ampliado na organização por meio da conversão do conhecimento ou
de uma “espiral do conhecimento”, na qual “a interação entre o conhecimento tácito e
explícito atinge escalas superiores à medida que sobem os níveis ontológicos”. Para que o
processo de comunicar e expressar conhecimentos tácitos intuitivos ocorra, é fundamental
“a utilização de metáforas e analogias, pois o uso da linguagem figurada é uma forma de
fazer com que indivíduos fundamentados em contextos diferentes e com diferentes
experiências compreendam algo intuitivamente por meio da imaginação e dos símbolos”.
62
alienação, mas as melhores possibilidades de ordenamento ao bem comum da organização
e das famílias e estas, como consumidores e produtores de bens e serviços, são verdadeiros
motores do desenvolvimento econômico e social.
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Se a potência do ser (latente) tudo pode no plano das essências, nada ou pouco
pode quanto a entes que podem, ou não, ser mais ser, em sua manifestações (individuais) –
tornam-se objetos reais que acontecem em parte. Assim, paralelamente ao virtual-atual, as
coisas acontecem ou deixam de acontecer, parcial ou totalmente em seus devidos âmbitos,
quando os entes efetivamente colaboram (ou não) para que os latentes deixem de ser isso,
mera potência de ser, para se realizarem. Não como mera casualidade eventual, efêmera, e
sim como realidades persistentes, na medida em que os objetos antes idealizados ganham o
significado que lhes são próprios, i.e., referem-se a objetos que se concatenam com a forma
(eidos) na proporção arquetípica que são conferidos ao ente, de acordo com seu arithmos,
na proporção que lhe confere dentro da ordem maior universal, do logos, na ordem das
essências.
41
O aspecto negativo, desagregativo, como dissemos, é tema do Meon. Em nossa esquemática
mantivemos enfoque em “escalada” positiva.
63
quais, por sua capacidade articuladora mais universal, podem contribuir
concomitantemente (em ato) tanto para modificar ou transformar, positivamente, sua
própria condição, à medida que obedecem a uma ordem subjacente que o supera ou o
oprime, mas que ele próprio em dada configuração, ou em certa modalidade, dela participa
e contribui. Enquanto abstratos, os múltiplos objetos virtuais – a imagem de uma vaca ou
de um unicórnio alado, podem ou não representar possibilidades. Se se são coerentemente
engendrados, vão passar a compor o real, vão se delineando na existência-essência que flui
in continenti, dependente ou independente de uma maior ou menor participação entitativa
42
.
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42
Entidade aqui pode representar realidades vivenciais de mais alta repercussão universal
propriamente humana (pessoa humana), como, por exemplo, o Evento de Cristo e a comunidade
cristã que se seguiu.
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Pensar o real como uma resultante de forças decorrentes dos atos exclusivamente
interiores (subjetivismo, psicologismo, etc.) ou exteriores (objetivismo, logicismo,
panteísmo), daquilo que acontece, é uma tentação que leva a enxergar no próprio atuar uma
ontologia, dissociada do real ontológico, da realidade do ser que é. Trata-se de uma visão
reducionista e alienadora que acaba por excluir o sentido de vida em toda sua
integralidade.
65
e práxis (Vaz, 2002). Desse exercício “pré-acadêmico” emergiu as condições para melhor
funcionalidade da linguagem: do lógico ao gramático e deste ao retórico, ainda no plano
virtual (trivium), propiciando o surgimento ou o gérmen das então chamadas artes liberais
(quadrivium), base de formação das Ciências e da Cultura ocidental.
8. Considerações Finais
Virtual e atual se intercambiam como duas forças antinômicas que apontam para
as potências de ser, criam problemáticas sobre o real concretizável, mistos de latente-real,
formam juízos e, como conhecimento do conhecimento dos entes, metalinguagem,
comunicam vivência humana concreta.
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